Artigo Original Avaliação de qualidade de vida em laringectomizados totais Quality of life evaluation after total laryngectomy RESUMO Introdução: O câncer de laringe corresponde a aproximadamente 25% dos tumores malignos de cabeça e pescoço, tendo na laringectomia total uma de suas principais armas de tratamento. Essa cirurgia, além de trazer o impacto do traqueostoma definitivo, traz alterações na deglutição, respiração, olfato e fonação; assim, atividades sociais e profissionais podem ficar enormemente prejudicadas. Neste contexto, avaliar a qualidade de vida é importante, visando melhor planejar estratégias de tratamento e de reabilitação. Objetivo: Avaliar a qualidade de vida, através de questionário específico traduzido e adaptado para a língua portuguesa do Brasil, de pacientes submetidos à laringectomia total. Métodos: Estudo prospectivo em que foram selecionados 12 pacientes submetidos à laringectomia total há pelo menos um ano, para aplicação do questionário de qualidade de vida UW – QOL v.4 (University of Washington Quality of Life). A qualidade de vida global dos pacientes foi analisada somando-se os pontos (0-100) de cada domínio (n=12) do questionário. Resultados: A maioria dos pacientes entrevistados era de homens, com média de idade de 59,5 anos, portadores de carcinoma espinocelular da laringe ou hipofaringe, estádios clínicos III ou IV e realizaram como tratamento cirurgia associada ou não à radioterapia e/ou quimioterapia. A qualidade de vida global dos pacientes foi, em média, 900,25 (01200). O domínio Fala foi o que apresentou pior índice de qualidade de vida (41,6), enquanto que o domínio Mastigação, o melhor (91,7). 41,6% usam voz esofágica para se comunicar, outros 41,6% não conseguem usar nenhum tipo de voz e 16,6% usam voz esofágica e eletrolaringe. A reabilitação da voz e o tipo não apresentaram correlação estatística significativa com o score global de qualidade de vida. No texto livre, olfato foi a queixa mais freqüente. Conclusão: Qualidade de vida é um conceito amplo e subjetivo. Atualmente, vem crescendo o interesse pela qualidade de vida dos pacientes, pois esta pode se tornar um argumento que justifique a escolha de uma determinada modalidade terapêutica. Flávia Chaud de Paula1 Ricardo Ribeiro Gama2 ABSTRACT Introduction: Larynx cancer comprises nearly 25% of all head and neck malignant tumors. Total laryngectomy is one of the commonest procedures employed to treat patients with larynx cancer even though it is accompanied of several alterations in deglutition, breath, phonation, smell as in social and labor activities. Therefore, the quality of life evaluation has a great impact as it can conduct to best choices of rehabilitation and treatment. Objective: To evaluate the quality of life in patients submitted to total laryngectomy through appropriate questionnaire translated and adapted into Portuguese language of Brazil. Methods: 12 total laryngectomized patients underwent the UW-QOL v.4 questionnaire (University of Washington Quality of Life). The global quality of life was calculated by summing the points of each domain of the questionnaire (n = 12). Results: The majority of patients were men with mean age of 59.5 years, that had been through total laryngectomy due to larynx or hypopharynx cancer, stages III or IV associated or no with chemotherapy and / or radiotherapy before or after surgery. The global quality of life score was in average 900.25 (0-1200). The Speech domain presented with the worst score (41.6) whereas the Mastication domain had the best one (91.7). A rate of 41.6% of the patients developed esophageal voice for communication; 41.6% did not develop any kind of voice; and 16.6% developed esophageal and electrolarynx voice. The voice rehabilitation and its type did not have any significant statistical correlation with the global score of life quality. In free text, loss of smell was the major compliance. Conclusion: Quality of life has a subjective concept. The recent growing interest in measuring it is due to concern in choosing a treatment that can lead to less impact in life quality. Key words: Quality of Life. Laryngeal Neoplasms. Hypopharyngeal Neoplasms. Tracheotomy. Laryngectomy. Descritores: Qualidade de Vida. Neoplasias Laríngeas. Neoplasias Hipofaríngeas. Traqueostomia. Laringectomia. INTRODUÇÃO O câncer de laringe corresponde a aproximadamente 25% dos tumores malignos de cabeça e pescoço1. No entanto, é uma doença incomum, representando menos de 2% dos cânceres1,2. No Brasil, são aproximadamente 8.000 novos casos anualmente2. Segundo estimativas da Worldwide, em 2005, foram diagnosticados no mundo mais de 160.000 novos casos de câncer de laringe em homens e 22.000 em mulheres2. Essa proporção de aproximadamente 7:1 indica como são mais comuns tumores malignos de laringe no gênero masculino1,2. Contudo, essa diferença tem diminuído progressivamente devido a mudanças no comportamento social das mulheres2. Quando descoberto precocemente, o câncer de laringe pode ser abordado com técnicas sofisticadas, como as cirurgias parciais, cirurgias endoscópicas e técnicas precisas de radioterapia. Infelizmente, muitos tumores são diagnosticados em fase avançada, quando o tratamento é, na maioria das vezes, a associação de laringectomia total com radioterapia. Essa cirurgia, além de trazer o impacto do traqueostoma definitivo3, traz alterações na deglutição, respiração, olfato e fonação4,5; por outro lado, atividades sociais e profissionais 1) Acadêmica de Medicina da Faculdade Evangélica do Paraná (FEPAR), Curitiba/PR, Brasil. 2) Chefe do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC), Curitiba/PR, Brasil Instituição: Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC), Curitiba/PR, Brasil. Correspondência: Ricardo Ribeiro Gama, Rua Tenente João Gomes da Silva, 144, apt. 102 – 80810-100 Curitiba/PR, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em: 15/02/2009; aceito para publicação em: 29/07/2009; publicado online em: 15/08/2009. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 3, p. 177 - 182, julho / agosto /setembro 2009 177 também podem ficar enormemente prejudicadas1,5-7. Essa soma de fatores funcionais, estéticos e psicossociais afetam ainda mais os já abalados pacientes oncológicos, podendo causar efeitos devastadores na qualidade de vida dos mesmos e de seus familiares1,7,8. Nos últimos anos, com o advento do protocolo de preservação de órgãos, pacientes com indicação de laringectomia total têm sido inicialmente abordados com tratamento quimioterápico e radioterápico concomitantes1,4, que fornecem, para um grupo selecionado de pacientes uma boa sobrevida livre de doença com laringe preservada. Contudo, a preservação de um órgão não significa obrigatoriamente preservação de função, o que acarreta sérias conseqüências na qualidade de vida de determinados pacientes9. Nesse contexto, avaliar a qualidade de vida é um fator importante para minimizar o impacto que um tratamento radical como a laringectomia total gera na vida desses pacientes, possibilitando melhor planejar estratégias de tratamento e reabilitação10. Muito esforço tem sido dispensado para definir o conceito de algo tão subjetivo como Qualidade de Vida. Em 1993, o World Health Organization – Quality of Life Group (WHOQOL) definiu: “Qualidade de vida é definida como sendo uma percepção individual da posição do indivíduo na vida, no contexto de sua cultura e sistema de valores nos quais ele está inserido...”1. Para estudar qualidade de vida, questionários específicos têm sido os mais utilizados11, pois são considerados os mais sensíveis para detectar deficiências num paciente com câncer de Cabeça e Pescoço após tratamento3. Para serem válidos, devem ser concisos, adaptados para as respectivas línguas, levando em conta aspectos culturais e sócio-econômicos, de fácil interpretação e entendimento para os pacientes10. O presente estudo tem como objetivo avaliar a qualidade de vida de pacientes laringectomizados totais, através da versão 4 do UW-QOL (University of Washigton Quality of Life), traduzido e adaptado para a língua portuguesa do Brasil10,12. MÉTODOS Para a avaliação da qualidade de vida de pacientes laringectomizados totais, foram selecionados prontuários de pacientes portadores de câncer de laringe e hipofaringe submetidos a essa cirurgia e regularmente atendidos no Ambulatório de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC). Dos pacientes submetidos à laringectomia total, 13 foram selecionados por terem terminado seu tratamento há pelo menos um ano. Foram excluídos os pacientes não submetidos a qualquer tipo de tratamento no momento ou que tivessem sinais clínicos ou imagenológicos de recidiva tumoral, segundo tumor primário ou de metástase à distância. Durante uma consulta de rotina no Ambulatório de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do HUEC e após a aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foi aplicado o questionário UW-QOL, traduzido e adaptado para a língua portuguesa do Brasil10,12, entre os meses de julho de 2007 e julho de 2008. Foi utilizada a versão 4 do UW-QOL, composta por 12 questões relacionadas a funções específicas na região da cabeça e pescoço, como também relacionadas à atividades de recreação, dor, humor e ansiedade, sendo que cada questão apresenta de 3 a 5 categorias de resposta com escore variando de 0 (pior) a 100 (melhor). Também é calculado um escore que é a média dos 12 domínios3,4,6,10,12. Apresenta, ainda, uma questão que permite ao paciente classificar quais desses domínios são os mais importantes para ele; além de três questões gerais sobre sua qualidade de vida global e relacionada à saúde, sendo o único com uma questão aberta para os pacientes fazerem seus comentários. É considerado um dos instrumentos mais sucintos, de fácil entendimento e rápida aplicação. Estudos mostram que, em 178 média os pacientes gastam cerca de cinco minutos para completarem o questionário3,4,6,10,12. Os dados obtidos nos questionários foram tabulados através de gráficos e para a elaboração dos resultados foi utilizado o teste não paramétrico de Mann-Whitney13. RESULTADOS No período de julho de 2007 a julho de 2008, 13 pacientes com o perfil do estudo compareceram ao Ambulatório de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do HUEC. Destes, doze foram entrevistados e responderam ao questionário de Qualidade de Vida da Universidade de Washington (UW-QOL) e apenas um se recusou a participar. Onze pacientes eram do gênero masculino e somente uma do feminino. A média de idade foi de 59,5 anos, sendo o mais velho com 76 anos e a mais nova, 39 anos. Todos os entrevistados eram portadores de carcinoma espinocelular. Destes, cinco tiveram câncer de laringe supraglótico; três, de andar glótico e os outros três pacientes eram portadores de câncer de hipofaringe. Um dos pacientes, que realizou a cirurgia havia dez anos, não tinha em seu prontuário o sítio primário do tumor nem constava o estadiamento clínico. Dos pacientes entrevistados, dois apresentavam estádio clínico EC II, três EC III e quatro pacientes, alocados no EC IV. Do total, três prontuários não especificavam o estadiamento clínico do paciente. Os pacientes com estádio II e III apresentaram escore de qualidade de vida superior a 800 pontos, enquanto os do estádio clínico IV apresentaram níveis inferiores. Entretanto, os valores de qualidade de vida global não são estatisticamente significativos se comparados com os estadiamentos clínicos dos pacientes. Os pacientes participantes foram subdivididos em três grupos: o primeiro grupo (50%) realizou laringectomia total associado à radioterapia (cx / RxT); o segundo realizou três tratamentos como quimioterapia neoadjuvante seguida de laringectomia total e radioterapia ou laringectomia total seguida de quimioterapia e radioterapia adjuvantes (cx / RxT / QT), totalizando 42% dos pacientes e um paciente (8%) que realizou apenas cirurgia (cx), pertence ao terceiro grupo. A qualidade de vida global dos pacientes foi analisada somando-se os pontos de cada domínio do questionário da UW - QOL versão 4. A média de pontos de todos os pacientes foi de 900.25, considerando-se que o mínimo é zero, se todos os domínios assinalados forem os piores possíveis e o máximo é 1200 pontos, se os melhores forem os escolhidos, levando-se em consideração que cada domínio varia de 0 a 100 pontos. A média da qualidade de vida global para cada tipo de tratamento realizado é mostrada no Gráfico 1. Gráfico 1 – Média do score de qualidade de vida global por grupo de tratamento realizado Comparando estatisticamente a qualidade de vida dos que realizaram cx / RxT com os que realizaram cx / RxT / QT, podese afirmar que a qualidade de vida global deste segundo é significativamente melhor que o primeiro grupo, considerandose p< 5 %. Dividindo os pacientes por tratamento realizado, os Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 3, p. 177 - 182, julho / agosto / setembro 2009 que foram submetidos à cx / RxT têm, como piores domínios, fala e ansiedade, com média de 27,6 e 55,5 pontos respectivamente e, como melhores domínios, mastigação e dor, com médias de 91,6 e 75 pontos, respectivamente. Os que realizaram cx / RxT / QT têm médias mais altas nos domínios ansiedade, com 100 pontos e dor, com 95 pontos; enquanto que as médias mais baixas foram fala, com 53,2 pontos e paladar, com 73,4 pontos. Aquele que realizou somente cx tem, como pior domínio, a fala com 67 pontos e pontuação máxima nos domínios dor, deglutição, mastigação, ombro, paladar, saliva, humor e ansiedade. Dos doze domínios apresentados pelo questionário UW – QOL v.4, o item que se refere à fala, foi o que apresentou pior escore, com uma média de 41,6 pontos, enquanto o domínio mastigação foi o que apresentou maior média de pontos, 91,7. O Gráfico 2 mostra a média de pontos de qualidade de vida para cada domínio. Gráfico 2 – Média de pontos de qualidade de vida por domínio Os pacientes usam diferentes tipos de voz para comunicar-se, sendo que cinco reabilitaram apenas a voz esofágica, dois voz esofágica e eletrolaringe e cinco ainda não conseguiram, até o momento, desenvolver algum tipo de voz. Dos pacientes com voz esofágica, 60% realizaram como tratamento cx / RxT e 40% realizaram cx / RxT / QT. Dentre os com nenhum tipo de voz, 60% realizaram cx / RxT e 40% cx / RxT / QT; já nos com habilidade desenvolvida para voz esofágica e eletrolaringe, 50% submeteram-se à cx / RxT / QT e 50% submeteram-se à laringectomia total exclusiva (cx). O Gráfico 3 mostra os padrões de reabilitação vocal usados pelos pacientes. ao telefone; 8,3% assinalaram que sua voz é a mesma de sempre. O Gráfico 5 apresenta os aspectos qualitativos do domínio fala. Gráfico 4 – Qualidade de vida por padrão vocal reabilitado Gráfico 5 – Domínio fala Do conjunto total de pacientes, oito afirmaram que não têm dor. Dos quatro que têm, como uma de suas queixas este domínio, 50% têm dor leve, que não necessita de medicamentos; 25% têm dor moderada, que requer uso de medicação regularmente e os outros 25% têm dor severa, em uso de medicamentos controlados. O Gráfico 6 mostra as diferenças no domínio dor. Gráfico 6 – Avaliação do domínio dor Gráfico 3 – Padrão de reabilitação vocal nos pacientes laringectomizados totais A qualidade de vida dos pacientes também pode variar de acordo com o tipo de voz usada por cada um. O Gráfico 4 mostra essa variação, correlacionando o tipo de voz usada com a média do escore de qualidade de vida. Analisando estatisticamente esses dados, não se pode afirmar que o tipo de voz altera significativamente a qualidade de vida global dos pacientes. Como visto anteriormente, a fala foi o domínio com pior escore, com 50% dos pacientes relatando que somente são entendidos por familiares e amigos mais próximos e 16,6% afirmando que não são entendidos, nem pelas pessoas próximas; 25% dos participantes responderam que podem ser entendidos mesmo Dentre os pacientes que realizaram radioterapia (91,7%), 45,5% afirmaram que sua saliva é de consistência normal; 36,4% têm menos saliva que o normal, mas ainda é suficiente, 9% têm muito pouca saliva e 9% assinalaram que não têm saliva – Gráfico 7. Os pacientes que receberam radioterapia, além da alteração na produção de saliva, podem apresentam queixa de disgeusia. Pelas respostas do questionário, a maioria dos pacientes sente, pelo menos, o sabor da maioria das comidas. O Gráfico 8 mostra as respostas do domínio paladar, apenas dos pacientes que realizaram radioterapia. O esvaziamento cervical é um fator importante quando se avaliam alterações quanto ao domínio ombro. 91,6% dos pacientes realizaram algum tipo de esvaziamento cervical e, nos outros 8,4%, esse procedimento não está especificado; Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 3, p. 177 - 182, julho / agosto /setembro 2009 179 45,4% dos submetidos ao esvaziamento cervical relatam não ter problemas com seu ombro; outros 45,4% afirmam ter ombro endurecido, mas isso não afeta sua atividade ou força e 9,1% não podem trabalhar devido a problemas no ombro. O Gráfico 9 mostra o escore de qualidade de vida do domínio ombro. participante escolha, do total de domínios, até três que considere os mais importantes. O domínio mais citado foi fala - nove citações; os domínios menos citados foram aparência, deglutição, paladar e ansiedade – uma citação cada. Foi solicitado aos pacientes que comparassem sua qualidade de vida agora com aquela anterior ao diagnóstico do câncer. A maioria, 33,3%, acredita que sua qualidade de vida está um pouco pior, entretanto, 25% afirmaram que está muito melhor. Além desses, 16,6% acham que está mais ou menos a mesma; outros 16,6% afirmam que está muito pior e 8,3% que está um pouco melhor. O questionário apresenta um espaço onde o paciente pode expressar outras situações que considera importante para o seu dia a dia e que não foram abordadas no estudo, chamada de Texto Livre. Nesse espaço, o item mais lembrado foi olfato, citado em 25% das respostas. DISCUSSÃO Gráfico 7 – Domínio saliva Gráfico 8 – Domínio paladar Gráfico 9 – Domínio ombro Ansiedade é um domínio presente em um terço dos pacientes avaliados; 66,7% afirmam não estarem ansiosos por causa do seu câncer, enquanto que 8,3% dizem-se pouco ansiosos por causa do seu câncer; 16,6% acreditam estar ansiosos e 8,3%, muito ansiosos. O Gráfico 10 mostra o domínio ansiedade. Gráfico 10 – Domínio ansiedade O questionário UW – QOL v.4 tem espaço para que cada 180 Avaliar a qualidade de vida, valorizando os impactos médicos, psicológicos e sociais na vida de cada paciente é essencial para estabelecer parâmetros de reabilitação e suporte, pois os aspectos considerados importantes para melhorar a qualidade de vida durante o tratamento oncológico diferem de pessoa para pessoa7. Os resultados mostram que, epidemiologicamente, os pacientes desse estudo são semelhantes à maioria dos pacientes com câncer de laringe, ou seja, são homens, com média de idade superior a 50 anos e ex-tabagistas1-4. Ainda mostram resultados compatíveis com os de Wünsch Filho2, que aponta a proporção de aproximadamente sete homens para cada mulher com câncer de laringe. Dados demonstram que pacientes laringectomizados têm uma boa qualidade de vida global, se comparado com pessoas normais3. Sugerem ainda que o impacto da laringectomia na qualidade de vida é provavelmente menor que o esperado, pois os pacientes aprendem a conviver com as sequelas do tratamento. Devido ao pequeno grupo estudado nesta pesquisa, não se pode afirmar, com significância estatística, como é a qualidade de vida global dos pacientes do estudo em questão. A média de qualidade de vida global é semelhante em pacientes que realizaram laringectomia total e laringectomia parcial7, apesar de o primeiro grupo ter piores resultados isolados quando comparado ao segundo. Stewart e Chen14 analisaram o impacto de diferentes variáveis de qualidade de vida e concluíram que o escore de saúde global não difere entre pacientes submetidos à laringectomia e os tratados somente com radioterapia. Os resultados deste trabalho não mostram significância estatística quando se correlaciona o estadiamento clínico do tumor e a qualidade de vida dos pacientes. Contudo, o estádio clínico e o subsítio do câncer de laringe indicam diferentes formas de tratamento e, consequentemente, de reabilitação, com diferentes impactos na qualidade de vida dos pacientes7. Neste estudo, o domínio fala foi o que apresentou o pior escore, mostrando ser uma das principais dificuldades dos pacientes, tanto para adaptação psicossocial, quanto para reabilitação. A reabilitação, especialmente quanto à fala e à deglutição, pode ser demorada, o que explica um intervalo maior para que o paciente recupere sua qualidade de vida15. Muitos autores estudaram o impacto da comunicação e a adaptação após a laringectomia. A habilidade para a comunicação tem uma associação muito forte com a melhora da qualidade de vida. Contudo, outros estudos não demonstram correlação entre qualidade de vida e a fala3. Quanto aos diferentes tipos de vozes utilizadas pelos pacientes, não existem diferenças estatisticamente significativas entre os diversos sistemas de reabilitação de voz, sugerindo-se que, tanto a eletrolaringe, como a voz esofágica, pode levar a uma comunicação apropriada3, não interferindo significativamente Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 3, p. 177 - 182, julho / agosto / setembro 2009 na qualidade de vida dos pacientes, sendo que o mesmo fato foi observado nesse estudo. Todavia, aqueles que não conseguem se comunicar bem têm alterações consideráveis na qualidade de vida, podendo também ser comparado aos resultados dessa pesquisa. Ainda quanto ao tipo de voz a prática diária mostra que o uso da eletrolaringe ou da prótese tráqueo-esofágica permite uma melhor qualidade vocal e maior poder de comunicação, se comparado aos com voz esofágica exclusiva. Nesse estudo, nenhum dos pacientes possuía prótese tráqueo-esofágica. Embora pareça lógico que a escolha do tipo de tratamento influencie na qualidade de vida, não existem evidências claras a esse respeito na literatura16. List et al.17 não relatam diferenças na qualidade de vida global em pacientes com câncer de laringe que receberam três diferentes tipos de tratamento. Contraditoriamente, Gritz et al.18 afirmam que pacientes que receberam somente radioterapia têm melhor qualidade de vida dos que os que se submeteram à cirurgia. Pacientes que receberam a combinação cirurgia e radioterapia pós-operatória têm pior escore em várias variáveis, sendo possível verificar que os pacientes submetidos à cx / RxT / QT têm uma melhor qualidade de vida que os que somente realizaram cx / RxT16. A radioterapia tem impacto negativo no aspecto relacionado à produção de saliva e também no paladar dos pacientes19. Pacientes submetidos à laringectomia total têm pior escore de qualidade de vida, pelo fato de a maioria ter realizado radioterapia e a xerostomia ser uma conseqüência da mesma5. Em contrapartida, neste estudo, a maioria dos pacientes tem saliva normal ou pelo menos suficiente e a queixa quanto ao paladar não é frequente. Diversos nervos importantes são expostos ou manipulados durante o esvaziamento cervical. A estrutura nervosa mais frequentemente manipulada e extirpada é o nervo acessório. Nos casos de secção proposital ou acidental e mesmo nos casos de manipulação excessiva, ocorrem sequelas que comprometem a função do ombro (queda do ombro)20. Apesar de a maioria dos pacientes deste estudo terem sido submetidos ao esvaziamento cervical, a queixa no domínio ombro é pequena. Gouveia Sobrinho et al.21 relatam que, após doze meses de pós-operatório, os pacientes submetidos ao esvaziamento cervical modificado têm resultados semelhantes, no questionário UW – QOL, aos dos pacientes submetidos ao esvaziamento cervical radical. Este estudo obteve, como um de seus resultados, que a maioria dos pacientes não está ansiosa por causa de sua doença. Koga et al.22 mostraram não ter relação entre ansiedade e qualidade de vida global. Ao contrário, alguns autores relataram que pacientes com câncer de cabeça e pescoço têm altos níveis de ansiedade e depressão, mas demonstraram que a modalidade de tratamento utilizada não adiciona peso no relacionamento entre pacientes e seus familiares e afirmam ainda que a qualidade dessa relação combate o impacto psicológico do câncer23,24. A porção do questionário UW – QOL v.4 que permite aos pacientes descreverem problemas não abordados pode ser denominada Texto Livre. Os pacientes apreciam o interesse em poder mostrar aspectos de sua doença, mas é difícil classificar e quantificar os comentários de cada paciente25. Contudo, as informações do Texto Livre aumentam consideravelmente a qualidade dos dados e servem para aumentar os cuidados com o paciente. Mais da metade dos pacientes usa o Texto Livre e existe uma forte tendência dos pacientes com pior escore no UW – QOL em responder à pergunta. Os resultados deste estudo mostram que anosmia foi a queixa mais frequente no texto livre, porém, assim como na literatura, não é possível quantificar individualmente as respostas. Qualidade de vida é um conceito amplo, subjetivo e pessoal sendo sua avaliação difícil, pois o conceito muda de acordo com as prioridades de cada paciente. Contudo, as sequelas do tratamento oncológico modificam aspectos sociais, emocionais e profissionais. Nunca deve ser desprezada a grande variação individual, pois pacientes com estadiamento semelhante pode valorizar, de forma diferente, os seus sintomas e as suas limitações. O grande número de questionários sobre qualidade de vida relacionada à saúde e específico para pacientes com câncer de cabeça e pescoço reflete que não existe um padrão-ouro e que é impossível um questionário abranger todos os domínios sem comprometer seu conteúdo e estrutura. Ainda assim, a necessidade de avaliar-se qualidade de vida nos dias atuais mostra-se cada vez mais imprescindível, influenciando na indicação de melhores alternativas de tratamento e reabilitação para cada paciente. Além disso, há um aumento crescente no interesse, por parte dos profissionais da área de saúde, pela qualidade de vida dos pacientes, pois esta pode se tornar um argumento que justifique a escolha de modalidades terapêuticas que associem eficácia no controle do câncer com dano mínimo para o paciente. REFERÊNCIAS 1. 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