RESENHA da Obra de WEREBE, Maria José Sexualidade

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RESENHA da Obra de WEREBE, Maria José Sexualidade,
Política e Educação,
Educação Autores Associados, Campinas, 1995.
Lenisa Mara Silva Balbino
Especialista em Psicopedagogia pelo Centro Universitário da Fundação Educacional de Guaxupé
[email protected]
Mariléa dos Santos Vieira Vergili
Graduada em Pedagogia pelo Centro Universitário da Fundação Educacional de Guaxupé
[email protected]
Sexualidade, Política e Educação é uma obra
rica em dados coletados no mundo todo, apontando e
proporcionando questionamentos que nos incitam às
reflexões profundas sobre o assunto. Trata
detalhadamente de estudos referentes à sexualidade e
seus determinantes políticos. Analisa os aspectos sócioeconômicos e o comportamento sexual inseridos na
cultura de vários países.
Werebe contextualiza a sexualidade humana nas
várias dimensões que a constituem e nas diferentes áreas
que a analisaram e a desdobraram como a biológica,
cultural, histórica, psicológica, sociológica, antropológica
entre outras. O resultado, portanto, não atinge uma
linearidade posto que a discussão não permite uma
regularidade conceitual.
Através de vários estudos vê-se que a sexualidade
engloba várias dimensões. Cada indivíduo tem uma face
sexual que envolve suas singularidades próprias, seus
sentimentos, aspirações, desejos, necessidades, conflitos
e problemas. Assim, vê-se que a sexualidade não possui
conceito definido e nem limitado. A autora salienta a
dificuldade da inter-relação do campo que abrange a
sexualidade visto que cada concepção tem seu próprio
entendimento, o que dificulta uma discussão mais profunda
sobre o assunto. A compreensão da sexualidade humana
não se restringe a apenas um campo de estudos, mas
sim, deve buscar a valorização de todas as pesquisas
realizadas em cada campo e relacioná-las entre si.
Werebe seleciona e pontua com cuidado várias
dimensões de nossa sexualidade, mostrando e nos
propondo analisar e comparar com realidades de outros
países. Embasada em muitas obras científicas do mundo
todo, dados estatísticos, Congressos Mundiais,
Conferências Internacionais entre outros estudos,
fazendo uma trajetória minuciosa mostrando seu domínio
sobre o assunto e pontuando os problemas enfrentados
por vários países, inclusive o Brasil, interligando
diretamente a sexualidade com a questão política. Vêse que o poder político tem como invólucro a
sexualidade, tanto em países pobres quanto em países
ricos ou desenvolvidos. Isto nos mostra o poder que a
sexualidade exerce sobre a vida humana que é cooptada
por quem detém o poder a fim de alienar o homem que
muitas vezes é incapaz de perceber os reflexos e as
dimensões deste domínio em sua vida cotidiana.
No início de sua obra resgata a trajetória dos
papéis determinados à mulher durante a evolução da
humanidade e sua conquista frente a uma sociedade
machista capitalista. Na conciliação da sua atuação notase que a postura adotada pela mulher a torna uma
guerreira do lar, da educação dos filhos, da família, da
vida profissional, de esposa, de mulher. À mulher coube
desempenhar estes papéis de forma digna e ainda
consciente de sua posição inferior em uma sociedade
patriarcal capitalista. Baseados em dados apresentados
pela autora vimos que mesmo em países governados por
mulheres, a condição feminina submissa ainda não se
desvinculou da sua cultura onde os padrões morais são
determinantes.
Outra dimensão abordada por Werebe é o resgate
dos conceitos psicanalíticos para a compreensão da
sexualidade infantil e do adolescente e de como a cultura,
o social, as regras religiosas e morais determinam tais
comportamentos, dividindo-os em classes de aceitáveis
e não aceitáveis. As práticas do incesto, da violência
sexual, do aborto, da pedofilia e da mutilação sexual
foram também motivos de estudos para a autora, para
mostrar que sempre ocorreram apesar de condenáveis
por transgredirem as regras impostas pelo poder do
Estado e Igreja, associando-se a isto o crescimento
demográfico desordenado acreditando-se levar ao
desajuste social. Algumas práticas universalmente
condenáveis como o incesto e a prostituição infantil são
muitas vezes estimuladas e aceitas pela família por
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questões de sobrevivência econômica.
Coloca-se no crescimento demográfico
desordenado uma das principais causas das diferenças
sociais, porém sua pesquisa mostra que este não é o
real motivo e sim a política econômica dos países
industrializados, não proporcionando educação e
inserção social e profissional.
Outra questão abordada é a família como a
primeira instituição e a mais importante na participação
educativa informal, na formação e no desenvolvimento
de opiniões, atitudes e comportamentos ligados à
sexualidade do ser humano. É no território familiar, da
intimidade, que são transmitidas à criança as primeiras
noções e valores associados à sexualidade, em geral não
explicitamente. Aquela família patriarcal numerosa de
tempos atrás, hoje nas sociedades industriais e urbanas
foi substituída por constituições diferentes de família, o
que se acredita ser a sua constituição não restrita somente
aos laços consangüíneos, mas dependente da cultura,
das normas, dos costumes e da estrutura da sociedade.
Neste contexto familiar, outro aspecto relevante se refere
à importância e necessidade dos laços afetivos entre pais
e filhos, onde seus atos desempenham papel primordial
no domínio da sexualidade infantil.
Outras instituições que representam o papel de
educação informal que a autora destaca é a mídia com
seu apelo sexual, pois gera excitação e ansiedade
relacionada às curiosidades e fantasias sexuais da
criança. Por outro lado tem um papel significativo como
veículo de comunicação na sua ação educativa sobre
informações esclarecedoras em relações a doenças como
a AIDS.
Ao atingir certa idade a criança ingressa na escola,
sua segunda instituição que formal ou informalmente
desempenha papel fundamental no seu desenvolvimento.
Não só através de sua pedagogia, como também em
sua estrutura física e a sua postura em relação aos
conceitos morais e sexuais. Algumas instituições adotam
medidas repressoras, outras o silêncio não propiciando
ao aluno o espaço para as suas colocações.
Compreendendo por educação sexual intencional as
intervenções planejadas que abrange os aspectos da vida
sexual, geralmente, são ministradas às crianças, jovens
e até mesmo adultos, no entorno escolar e ou fora dele.
Tais intervenções são feitas a partir do conhecimento
que o indivíduo possui sobre sexualidade.
A autora percebe que a nomenclatura sexual gera
certa rejeição. O que realmente deveria gerar
preocupação não é a conceituação e, sim a estruturação
de um programa adequado a cada cultura que possa
corresponder às necessidades e agruras de nossos
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jovens. Porém ainda a passos lentos alguns programas
estão se modificando e atendendo aos questionamentos
feitos pelos indivíduos deixando de ser mais um programa
político pautados em preconceitos que foram instituídos
a partir da tomada de consciência dos problemas ligados
à sexualidade em meados do século XVIII, é uma questão
moralista que em nossos dias, diante de tantas mudanças,
questionamentos e conquistas deveriam ser desfeitos e
aprofundados melhor no conhecimento desses temas
para poder, quem sabe um dia, libertar-se de questões
que “bloqueiam” o emocional e permita enxergar o
Outro.
Cada vez mais certifica-se que educação sexual
não deve se restringir à orientação de problemas, mas
bem como a ensinar os indivíduos a viverem com
satisfação e prazer de forma positiva. E um dos locais
mais adequados considerados pela autora para se
abordar tal questão, seria a escola, apesar de
controvérsias por parte de alguns educadores em virtude
das restrições impostas pelo contexto escolar, e a falta
de profissional qualificado para lidar com a educação
sexual.
Para a autora as discordâncias de uma educação
sexual sempre existiram e existem com formas, objetivos
e argumentos diferentes.
Hoje se tem consciência do quão é importante a
educação sexual, muito já se conquistou e muitos
obstáculos foram superados, mas também há muito para
se fazer principalmente pela abertura que nossas crianças
e jovens estão tendo e necessitam de orientação e
conhecimentos para nortear o seu caminho.
Muitos educadores defendem a inclusão da
educação sexual no currículo escolar, mas de uma maneira
que respeite o aluno no próprio ritmo, nas suas aflições,
curiosidades e emoções. É uma pedagogia diferente das
demais, pois o papel do aluno deixa de ser passivo para
se tornar coparticipante em uma outra dinâmica de ser
ativo, facilitando o seu próprio conhecimento e do mundo
que o cerca. Tal postura é definida pela autora se
estendendo às outras disciplinas onde alega ser o aluno
o “agente da sua própria educação”, com educadores
envolvidos e desprovidos do sentimento de culpa e de
pecado.
Para que essa prática tenha sucesso é necessário
que haja efetivamente o envolvimento e a união da escola,
dos alunos e dos pais. Onde o diálogo franco se
estabeleça sem moralismos e não se restrinja apenas a
informações científicas e atenda de fato a demanda.
Enfim, o respeito ao ser humano proporcionando-lhe o
diálogo e o conhecimento.
A postura do educador além de transmitir o
conhecimento teórico é de se adaptá-lo (o conhecimento)
ao nível do educando através de um método pedagógico
democrático. Cabe-lhe também transmitir informações
que possam fazer com que os jovens distingam os fatos
científicos das opiniões, crenças, mitos, ou seja, o senso
comum.
Portanto, vê-se que a educação sexual não é uma
abordagem neutra, pois existe um processo de influência
social na relação entre educador e educando. Não que
isso leve o educador a incutir-lhe valores e, sim respeitar
os valores já estabelecidos pela família mediando os
conflitos entre o filho e a família.
Outro aspecto a que temos que deter é o cultural.
Cada sociedade tem seus valores e costumes e, ao instituir
a educação sexual é necessário se ater a tais valores
adequando-os a demanda, tomando o cuidado de não
enfatizá-los, mas abordá-los de maneira que faça o jovem
refletir, se posicionar diante da sociedade em que está
inserido.
Nota-se, então, que a intervenção a ser feita é
sempre ressaltando o lado positivo da sexualidade e as
precauções a serem tomadas com o intuito de prevenir
conseqüências indesejadas. Não é ter conhecimento
simplista da sexualidade, mas abordá-la em sua
totalidade e complexidade. É levar em consideração os
aspectos sociais, culturais e emocionais.
É importante também salientar a formação dos
educadores sexuais, pois é através do seu
comportamento e não do seu conhecimento que os alunos
assimilarão as informações. É como encaram a
sexualidade e a sua própria que irão educar o aluno.
Através das atitudes do educador que se transmite a sua
própria identidade sexual e a do outro. Segundo Werebe
a formação do educador deve compreender uma
formação pessoal ao lado da formação científica.
Em suma, o objetivo mais amplo da educação
sexual é o de favorecer o exercício prazeroso e
responsável da sexualidade dos jovens, mostrando-lhes
que a sexualidade humana é resultante de um complexo
processo entre o biológico e as pressões ambientais
exercidas pela cultura que influenciam o comportamento
sexual. E, que a inter-relação entre o biológico e o cultural
são componentes que desempenham a função de adaptar
o indivíduo ao ambiente.
Ao longo da obra a autora nos coloca que os
interesses políticos, ideológicos e econômicos é que
determinam os comportamentos sociais e norteiam a
história. Muitas vezes a política coopta os preceitos
morais religiosos como álibi para medidas repressivas
em relação à sexualidade.
Houve muitas conquistas. Muitas discussões
ocorreram, mas ainda há muito por falar, por fazer e
conquistar no campo da sexualidade. Há ainda arraigado
e enraizado em nós um moralismo (incutido há anos por
determinantes ideológicos) que faz com que muitos
projetos sobre sexualidade não sejam legalizados, fruto
dos interesses de quem detém o poder e procuram
manter o ‘status quo’.
Nesta obra, Werebe aponta de maneira implícita
a alteração nas normas de conduta do homem,
estabelecidas por uma sociedade capitalista cada vez
mais avassaladora, que ‘desvia’ do homem uma
educação tanto sexual como ideal para o seu ‘verdadeiro’
desenvolvimento humano, por questões ligadas a
interesses políticos, econômicos, morais. Essa sociedade
capitalista procura ladear o homem em todos os aspectos
de sua vida, tornando-o uma ‘marionete’ em prol de seus
interesses.
Porém, Werebe ressalta que depende do ser
humano comprometido com um verdadeiro ideal de
crescimento humano mostrar que é possível alterar esta
realidade estabelecida. Talvez não ocorra 100% do que
este almeja, porque, como a autora nos mostra a criança
já vem de casa com alguns valores estipulados pela família
que é a primeira instituição do ser humano, e sendo assim,
é delicado alterar certos dogmas que já vêm infiltrados
nesta.
O objetivo da escola tem que ser maior. Werebe
defende, implicitamente, que é preciso propiciar um
espaço, agora mais que nunca devido à abertura à
globalização, para que estes jovens se conheçam,
conheçam o OUTRO, o ambiente em que estão inseridos
para se tornarem um ser humano cônscio do que norteia
sua existência, respeitando o OUTRO e compreendendo
suas limitações. Cabe a nós, estudiosos dessa área ter a
verdadeira responsabilidade sobre essas vidas.
Recebido em 02 de julho de 2007 e aprovado em
14 de setembro de 2007.
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