RN 07 01 - Revista Neurociências

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REVISTA
NEUROCIÊNCIAS
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NIVERSIDADE
F
EDERAL DE
S
ÃO
P
DISCIPLINA DE NEUROLOGIA
E S C O L A P A U L I S TA D E M E D I C I N A
JUNTA EDITORIAL
EDITOR
EXECUTIVO
JOSÉ OSMAR CARDEAL
EDITORES
ASSOCIADOS
ALBERTO ALAIN GABBAI
ESPER ABRÃO CAVALHEIRO
FERNANDO MENEZES BRAGA
CONSELHO
EDITORIAL
ACARY DE SOUZA BULLE DE OLIVEIRA
CARLOS JOSÉ REIS DE CAMPOS
DELRIO FAÇANHA DA SILVA
GILBERTO MASTROCOLA MANZANO
HENRIQUE BALLALAI FERRAZ
JOÃO ANTONIO MACIEL NÓBREGA
JOÃO BAPTISTA DOS REIS FILHO
LUIZ CELSO PEREIRA VILANOVA
MARCIA MAIUMI FUKUJIMA
PAULO HENRIQUE FERREIRA BERTOLUCCI
SUSANMEIRE NEGRO MINATTI-HANUCH
AULO
2
EXPEDIENTE
REVISTA NEUROCIÊNCIAS
Disciplina de Neurologia – Escola Paulista de Medicina
Universidade Federal de São Paulo
VOLUME VII – NÚMERO 1 – JAN/MAR 1999
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Representante no Rio de Janeiro: Roberto Amoêdo
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deve ser encaminhada aos cuidados do Conselho Editorial para:
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Disciplina de Neurologia – Escola Paulista de Medicina
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3
ÍNDICE
EDITORIAL
05
ARTIGOS
Tratamento da Doença de Parkinson
06
HENRIQUE BALLALAI FERRAZ
Estratégias de Intervenção para Habilitação de Crianças
Deficientes Visuais em Instituições Especializadas:
Estudo Comparativo
13
ANDRÉA SANCHEZ NAVARRO, SISSY VELOSO FONTES & MARCIA MAIUMI FUKUJIMA
Síndrome de Fahr e Distúrbios do Metabolismo do Cálcio
22
MARISE LAZARETTI CASTRO & VICTÓRIA Z. COCHENSKI BORBA
Calcificação Simétrica dos Gânglios da Base (CSGB) –
“Doença de Fahr”
28
JOSÉ OSMAR CARDEAL & DANIEL DANTE CARDEAL
Epilepsias – Tratamentos Alternativos
32
SUELI RIZZUTTI, ALZIRA NOBUKO NISHIYAMA, MAURO MUSKAT &
CARLOS JOSÉ REIS DE CAMPOS
Condutas na Estenose da Carótida
39
MARCIA MAIUMI FUKUJIMA & ALBERTO ALAIN GABBAI
RELATO DE CASO
Neurilemoma Periférico Isolado
45
CLÁUDIA APARECIDA BRAZ, ADRIALDO JOSÉ SANTOS &
ACARY DE SOUZA BULLE DE OLIVEIRA
Rev. Neurociências 7(1): 03, 1999
4
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Rev. Neurociências 7(1): 04, 1999
5
EDITORIAL
A
pós três décadas de uso, a levodopa continua sendo a droga mais eficaz
no tratamento da doença de Parkinson. No entanto, seu uso por longos períodos
não está isento de complicações. O artigo “Tratamento da Doença de
Parkinson”, apresentado pelo Dr. Henrique Ballalai Ferraz, fornece-nos as
opções atuais sobre o tratamento medicamentoso e não medicamentoso dessa
enfermidade.
A partir dos resultados de questionários aplicados em cinco instituições
especializadas, Navarro e colaboradores permitiram-nos obter informações não
apenas sobre as instituições e seus profissionais, mas também sobre a forma
de tratamento aplicado às crianças deficientes visuais.
Um tipo específico de calcificação simétrica dos gânglios da base e dos
núcleos denteados do cerebelo, freqüentemente designado como “Doença de
Fahr”, muitas vezes está associado com distúrbios do metabolismo do cálcio e
do fósforo. Sobre esse tema, a Revista Neurociências apresenta dois artigos,
sendo um com prioridade para os aspectos endocrinológicos e outro para os
aspectos neurológicos dessa entidade.
Para perseguir o principal objetivo no tratamento medicamentoso da
epilepsia, o controle das crises epilépticas, um adequado manuseio das drogas
antiepilépticas é fundamental. No entanto, um outro grupo de drogas e também
uma dieta podem ser úteis para o paciente epiléptico, como nos mostram
Rizzutti e colaboradores no artigo “Epilepsias – Tratamentos Alternativos”.
A estenose de carótida pode ser sintomática ou assintomática, com
tratamento clínico ou cirúrgico, e muitos protocolos foram realizados com
objetivo de estabelecer a melhor conduta. Esse tema foi revisto por Fukujima
e Gabbai em “Condutas na Estenose de Carótida”.
O caso com correlação anatomoclínica, do presente número, refere-se a
tumor de origem em nervo periférico que apresentou grande dificuldade para
o diagnóstico clínico e está descrito por Braz e colaboradores como “Neurilemoma Periférico Isolado”.
José Osmar Cardeal
EDITORIAL
Rev. Neurociências 7(1): 05, 1999
6
ARTIGO
Tratamento da Doença de
Parkinson
Henrique Ballalai Ferraz*
RESUMO
A levodopa ainda é a pedra angular do tratamento da doença de Parkinson apesar de seu
uso por longo prazo não ser isento de problemas. Nas fases oligossintomáticas podemos
optar pela utilização de selegilina, anticolinérgicos e amantadina. Quando os sintomas são
um pouco mais proeminentes, mas não incapacitantes, os agonistas dopaminérgicos (DA)
isoladamente são úteis. Se há algum grau de
incapacidade nas atividades do dia-a-dia, ou se
houver intolerância aos outros medicamentos,
a levodopa deve ser iniciada. Esta deve ser
mantida na menor dose possível e se doses
maiores forem requeridas, o melhor é adicionar
agonistas DA. Na fase de flutuações e discinesias, recomendamos como as principais
medidas a serem tomadas a orientação dietética, o fracionamento das doses e o uso de
agonistas DA. O tratamento cirúrgico (talamotomia e palidotomia) tem um papel importante
nas fases em que as complicações não são
resolvidas com as medidas habituais.
UNITERMOS
Doença de Parkinson, levodopa, complicações
motoras.
*
Médico Doutor em Neurologia e Chefe do
Setor de Distúrbios do Movimento. Disciplina de Neurologia da Escola Paulista de
Medicina – UNIFESP.
A doença de Parkinson (DP) é uma moléstia de curso progressivo, geralmente com início assimétrico em uma metade do corpo. Pode manifestar-se
combinando dois ou mais dos seguintes sinais: tremor de repouso, rigidez
muscular, acinesia e comprometimento dos reflexos de manutenção de postura.
As manifestações clínicas da doença decorrem de uma deficiência de
dopamina (DA) cerebral resultante de degeneração dos neurônios
pigmentados da substância negra mesencefálica. A causa da DP ainda não é
conhecida até o presente, mas há evidências de que fatores genéticos,
ambientais e o envelhecimento podem estar envolvidos na etiopatogênese.
Há várias formas de tratamento para a doença, mas a medida mais eficaz
consiste em restabelecer, ao menos parcialmente, a transmissão dopaminérgica. O uso da levodopa é uma das formas para se restaurar essa neurotransmissão e, no presente, ainda é a mais efetiva e viável de todas1. A levodopa penetra no sistema nervoso central e, por ação da enzima dopa
descarboxilase cerebral, é convertida em dopamina2.
O surgimento da levodopa revolucionou o tratamento da DP no final da
década de 60. Pacientes que estavam seriamente comprometidos, muitos
confinados à cama ou à cadeira-de-rodas, recuperaram a mobilidade com a
nova droga. A DP tornou-se a primeira doença degenerativa do sistema
nervoso a ser tratada com a reposição de neurotransmissores. Apesar do
impacto inicial positivo, alguns problemas surgiram com a levodopa. A
intolerância gastrintestinal foi um dos efeitos colaterais mais observados no
início e, além disso, alterações psiquiátricas e hipotensão ortostática foram
notadas em alguns pacientes. Essas complicações tornaram-se mais raras
quando os inibidores da dopa descarboxilase periférica foram incorporados
aos comprimidos de levodopa. Passado algum tempo, outros problemas
surgiram com o tratamento prolongado, em particular as flutuações do
rendimento motor e as discinesias induzidas pela levodopa. Hoje sabemos
que cerca de metade dos pacientes, após cinco anos de tratamento com a
levodopa, vai apresentar essas complicações1. Apesar disso e do surgimento
de novas alternativas terapêuticas, a levodopa permanece até hoje como a
droga mais eficaz no tratamento da DP.
Até há bem pouco tempo, suspeitava-se que as flutuações e discinesias
associadas ao uso da levodopa eram decorrentes do tempo de uso da droga
FERRAZ, H.B. – Tratamento da Doença de Parkinson
Rev. Neurociências 7(1): 06-12, 1999
7
e, por esta razão, havia uma tendência em reservar-se o
uso da levodopa para os pacientes com formas mais
avançadas da doença ou que, pelo menos, manifestassem
comprometimento funcional nas atividades do dia-a-dia.
Mais recentemente, tem sido demonstrado que a
levodopa em si não parece ser tóxica para as células do
SNC e muitas evidências apontam para que o tempo
decorrido de doença é que é o fator decisivo para produzir modificações nos circuitos neurais, favorecendo
o aparecimento das flutuações e discinesias 1.
Com relação às outras drogas antiparkinsonianas,
sabemos que as flutuações não acontecem e as
discinesias também são incomuns, mesmo usando-as por
um período prolongado. Apesar do uso da levodopa estar
cada vez mais liberalizado, podemos optar por não
utilizá-la nos pacientes com formas brandas e oligossintomáticas da DP3.
OPÇÃO PELA NÃO-UTILIZAÇÃO DA
LEVODOPA
Se a opção é pela não-utilização da levodopa, temos
disponível para uso inicial uma das seguintes drogas,
isoladamente ou em combinação: selegilina, anticolinérgicos (biperideno ou triexifenidila), amantadina e
agonistas dopaminérgicos (bromocriptina, pergolida,
pramipexol).
A selegilina é uma droga que atua inibindo irreversivelmente a enzima monoaminoxidase B (MAO-B) que
é uma enzima com distribuição generalizada no cérebro.
No metabolismo da DA cerebral, esta, depois de liberada
na sinapse, é recaptada pelo neurônio pré-sináptico.
Dentro do neurônio e das células da glia a MAO-B
degrada a dopamina. Enquanto a MAO-B parece atuar
especificamente sobre a dopamina, a MAO-A preferentemente atua sobre a tiramina, serotonina (5-HT) e
norepinefrina (NE). Essa especificidade da MAO-B
permite que a utilização da selegilina não esteja
associada ao efeito hipertensor e taquicárdico (cheese
effect) que costuma ser observado com a utilização dos
inibidores não-seletivos da MAO. O aumento da disponibilidade da dopamina dentro das células seria um
dos possíveis mecanismos de ação da droga. Outro
mecanismo plausível para a ação da selegilina seria sua
metabolização em derivados anfetamínicos que podem
ter alguma atividade antiparkinsoniana decorrente do
efeito estimulante sobre o SNC (explicando também a
insônia, um de seus efeitos colaterais) 3.
A possibilidade de haver um efeito neuroprotetor
surgiu a partir da demonstração de que a selegilina
FERRAZ, H.B. – Tratamento da Doença de Parkinson
impede a produção de parkinsonismo nos animais de
experimentação submetidos à exposição do MPTP
(metil-fenil-tetra-hidro-piridina). O MPTP é uma
protoxina que sob a ação da MAO-B da glia convertese em MPP+, a toxina que de fato consegue penetrar no
neurônio dopaminérgico e destruí-lo. Não sabemos
exatamente como ocorre a destruição do neurônio na
DP, mas se algum mecanismo tóxico houver com a
participação da MAO, a selegilina poderia ter um papel
preventivo. Outro possível papel neuroprotetor reside
no fato de que a inibição da MAO resultaria numa
diminuição do processo oxidativo intracelular e portanto
diminuiria a produção de radicais livres. Um estudo
cooperativo com um grande número de pacientes
realizado na América do Norte (DATATOP) demonstrou
que a utilização de selegilina nas fases iniciais da DP é
capaz de retardar a necessidade de levodopa, o que, em
outras palavras, significa reduzir o ritmo de progressão
dos sintomas4. Algumas evidências apontam para que
essa ação da selegilina ocorra pelo seu efeito sintomático
e não por uma neuroproteção verdadeira. Uma delas
baseia-se no fato de que esse retardo na progressão não
se mantém depois de dois anos e, outra, que a selegilina
não previne o aparecimento das discinesias e flutuações1.
Além disso, o efeito antioxidante da selegilina só é
observado in vitro.
De qualquer modo, haja ou não um efeito neuroprotetor, a selegilina é uma boa opção para aqueles
pacientes cujos sintomas são leves e não produzam
nenhum tipo de incômodo significativo. Tem como efeito
colateral mais freqüente a insônia e, por isso, deve-se
evitar a tomada da droga no período vespertino ou
noturno.
Há muito tempo os anticolinérgicos vêm sendo
utilizados empiricamente na DP e sua atuação hoje pode
ser explicada pela preponderância de acetilcolina
observada no estriado dos pacientes com diminuição da
neurotransmissão dopaminérgica a partir da substância
negra. Essas drogas são razoavelmente eficazes sobre o
tremor e a rigidez muscular, mas a atuação sobre a
acinesia, que é o sintoma mais debilitante da DP, é
desprezível. Reservamos os anticolinérgicos para
aqueles pacientes com formas unilaterais ou predominantemente assimétricas e nos quais a acinesia não é
significativa. O uso é limitado pelo aparecimento de
efeitos colaterais periféricos (boca seca, obstipação,
retenção urinária, turvação visual) e centrais (sonolência,
confusão mental, delírios e alucinações) que são muito
mais freqüentes a partir dos 65 anos e nos pacientes com
algum grau de declínio cognitivo. É importante salientar
que os anticolinérgicos são contra-indicados nos
pacientes com glaucoma ou com prostatismo.
Rev. Neurociências 7(1): 06-12, 1999
8
A amantadina é uma outra opção no tratamento dos
pacientes nas fases iniciais da DP. Seu mecanismo de
ação não está totalmente esclarecido, mas há evidências
de que aumente a liberação de DA para a fenda sináptica.
Sabe-se que também apresenta um fraco efeito
anticolinérgico e mais recentemente foi demonstrado
exercer uma ação bloqueadora de receptores N-metilD-aspartato (NMDA) 3 . O bloqueio dos receptores
NMDA é capaz de facilitar a transmissão DA no estriado. A amantadina atua razoavelmente bem na rigidez,
tremor e acinesia. Alguns pacientes podem experimentar
uma perda da eficácia após algum tempo de tratamento,
mas a suspensão do uso por 30 dias é capaz de fazer
reverter a situação. Tem como efeitos colaterais mais
comuns o aparecimento de livedo reticular e edema de
tornozelo. Alguns pacientes podem queixar-se de efeitos
anticolinérgicos.
Os agonistas DA, ao contrário da selegilina, anticolinérgicos e amantadina, atuam diretamente nos
receptores da dopamina, não necessitando passar por
uma metabolização no neurônio pré-sináptico. Há duas
famílias de receptores DA: os receptores D1, estimuladores da enzima adenil ciclase, e os receptores D2,
indutores de inibição da adenil ciclase. Os agonistas
mais utilizados são a bromocriptina, a pergolida e o
pramipexol5. Teoricamente, os agonistas são drogas mais
potentes que os anticolinérgicos e a amantadina (mas
menos que a levodopa) e costumam ser reservados para
aqueles pacientes um pouco mais sintomáticos. Da
mesma forma que a selegilina, o uso dos agonistas DA
permite que a introdução da levodopa seja postergada,
e com a vantagem de não induzir flutuações do
desempenho motor4. São drogas mais caras e devem ser
iniciadas em doses bem baixas, pois, do contrário, os
pacientes desenvolvem acentuada intolerância à
medicação, manifestando-se com náuseas, vômitos,
hipotensão ortostática, confusão mental, alucinações e
delírios.
Algumas vezes, utilizamos as drogas mencionadas
em combinação de duas ou até três, embora a necessidade de combinar duas ou mais dessas drogas seja um
forte indício de que o paciente esteja precisando receber
a levodopa. O quadro 1 mostra as linhas gerais que
seguimos na opção de não utilizar a levodopa.
OPÇÃO PELA UTILIZAÇÃO DA
LEVODOPA
Quando o controle dos sintomas parkinsonianos já
não é mais satisfatório com as drogas anteriormente
citadas, é o momento de utilizar a levodopa.
O mecanismo de ação básico da levodopa está
centrado na capacidade de esta ser convertida em
dopamina dentro do cérebro e corrigir o estado de
deficiência DA característico do parkinsonismo2. Apesar
disso, mesmo após mais de 25 anos de uso bem-sucedido
da levodopa na doença de Parkinson, não sabemos
exatamente como ocorre essa conversão no estriado. A
hipótese clássica do mecanismo de ação central supõe
que os terminais sinápticos nigroestriatais sobreviventes
dos parkinsonianos (sabe-se que na época do início dos
sintomas da DP, cerca de 50-60% dos neurônios DA já
foram degenerados) captam a levodopa e a bateria
enzimática do neurônio encarrega-se de converter a DA,
estocá-la em vesículas e liberá-la para a fenda sináptica.
Existem hipóteses alternativas, todas elas com
embasamento científico. Uma delas advoga que a DA
QUADRO 1
Linhas gerais de utilização de antiparkinsonianos não-associados à levodopa
• Selegilina (Deprilan, Jumexil, Niar): iniciar com 2,5 a 5 mg ao dia e manutenção com 2,5 a 10 mg ao dia (1-2x/dia)
• Triexifenidila (Artane): iniciar com 1 mg/dia e manter com doses entre 4 e 15 mg ao dia (2-3x/dia)
• Biperideno (Akineton): iniciar com 1 mg/dia e manter com doses entre 4 e 12 mg ao dia (2-3x/dia)
• Bromocriptina (Parlodel, Bagren): iniciar com 2,5 mg/noite e incrementar a dose semanalmente até atingir o efeito
desejado (dose útil entre 7,5-30 mg/dia, dividida 3x/dia)
• Pergolida (Celance): iniciar com 0,05 mg/noite e incrementar a dose semanalmente até obter o efeito desejado (dose útil
entre 0,5-3 mg/dia, dividida 3x/dia)
• Pramipexol (Mirapex, Sifrol): iniciar com 0,125 mg/dia e incrementar a dose semanalmente até obter o efeito desejado
(dose útil entre 1,5-4,5 mg/dia, dividida em 3x/dia)
FERRAZ, H.B. – Tratamento da Doença de Parkinson
Rev. Neurociências 7(1): 06-12, 1999
9
convertida a partir da levodopa exógena não fica
estocada em vesículas, mas livre no citoplasma neuronal.
Outras evidências apontam para o fato de que a maior
parte da levodopa administrada oralmente é convertida
em dopamina em outros neurônios não-dopaminérgicos
do cérebro ou que esta conversão ocorra nas células da
glia adjacentes aos receptores DA estriatais2.
A levodopa é rapidamente absorvida no duodeno e
jejuno proximal e tem uma meia vida plasmática
variando de 50 a 120 minutos. Perifericamente é
descarboxilada pela dopa descarboxilase (convertida em
dopamina) e pela catecol-O-metil-transferase – COMT
(convertida em 3-O-metil-dopa). É transportada para
dentro do cérebro pelos mesmos sistemas de transporte
ativo utilizados por outros aminoácidos de cadeia leve2.
A levodopa nas formulações comerciais disponíveis
vem associada a inibidores da dopa descarboxilase
periférica para impedir a conversão em dopamina na
corrente sangüínea. No Brasil temos disponíveis a
levodopa associada à benserazida (Prolopa) e à
carbidopa (Sinemet). Há apresentações que permitem
uma liberação gradual da droga no tubo digestivo com
uma duração maior do seu efeito (Prolopa HBS e
Cronomet).
Deve-se iniciar a levodopa gradualmente e administrá-la longe das refeições para otimizar a absorção.
Alguns pacientes desenvolvem uma extrema intolerância
à droga, mesmo em doses mínimas, com náuseas,
vômitos, sudorese, hipotensão ortostática e alucinações.
Às vezes as náuseas e vômitos são incontroláveis mesmo
administrando a levodopa com a alimentação e associando-se antieméticos, como o domperidone e a cisaprida,
o que acaba por impedir sua utilização. A metoclopramida deve ser evitada nos pacientes com DP uma vez
que ela penetra no cérebro, no qual exerce uma ação
antidopaminérgica.
A levodopa pode ser a escolha para iniciar o
tratamento da DP desde que o médico julgue necessário.
Caso o paciente esteja recebendo tratamento com outros
antiparkinsonianos e a doença evolua para uma situação
em que a levodopa seja necessária, esta pode ser
adicionada ao esquema posológico já utilizado sem
modificar o restante da medicação.
O uso de levodopa concomitante com a selegilina é
controverso. O Grupo de Estudo em Parkinson do Reino
Unido encontrou, em 520 pacientes ao longo de 5 anos
de acompanhamento, uma mortalidade aumentada no
grupo de pacientes recebendo as drogas combinadamente quando comparada aos que recebiam apenas
levodopa (mortalidade de 28% vs. 17,7%)6. Esse estudo
foi criticado por problemas metodológicos e, além disso,
outros grupos não tiveram a mesma experiência. Até que
essa questão esteja bem esclarecida, há quem prefira
não usar associadamente as duas drogas.
O esquema que utilizamos para introduzir a levodopa
está colocado no quadro 2.
O ideal é manter a menor dose possível de levodopa
e, no caso do paciente responder a esta droga, mas
necessitar de doses além daquelas sugeridas no quadro
2, os agonistas DA podem ser agregados ao tratamento,
no mesmo esquema recomendado no quadro 1. Um
pequeno número de pacientes não tem qualquer resposta
a doses baixas de levodopa e, neste caso, são mantidos,
mesmo em fases não avançadas, com doses tão altas
quanto 1.500 mg ao dia (6-7 comp/dia).
O quadro 3 apresenta algumas medidas úteis para o
clínico levar em consideração em qualquer fase do
tratamento da DP.
MANEJO DA FASE MAIS AVANÇADA DA
DOENÇA DE PARKINSON
No decorrer da fase mais tardia da DP, freqüentemente são necessários ajustes na dosagem da levodopa
e dos agonistas DA, uma vez que o processo degenerativo das células nigroestriais segue seu ritmo. As
flutuações do rendimento motor da levodopa e as
QUADRO 2
Esquema para utilização de levodopa
• Prolopa 250 (levodopa 200 + benserazida 50): iniciar com ¼ a ½ comp 2x/dia e aumentar até o efeito desejado. Ideal
manter com doses abaixo de 2 comp/dia (em 3-4 tomadas)
• Prolopa HBS (levodopa 100 + benserazida 25): iniciar com 1 cáp/dia. Ideal manter abaixo de 4 cáp/dia (em 2-3 tomadas)
• Cronomet (levodopa 200 + carbidopa 25): iniciar com 1 comp 1x/dia. Ideal manter com doses abaixo de 2 ou 3 comp/dia
(2-3 tomadas)
• Sinemet (levodopa 250 + carbidopa 25): iniciar com ½ comp 2x/dia. Ideal manter abaixo de 2 comp/dia (3-4 tomadas)
FERRAZ, H.B. – Tratamento da Doença de Parkinson
Rev. Neurociências 7(1): 06-12, 1999
10
QUADRO 3
Medidas sensatas no tratamento da doença de Parkinson
• Iniciar uma droga de cada vez e só associar outra droga depois da primeira estar estabilizada e na dose desejada
• Não associar droga antidopaminérgica (metoclopramida, neurolépticos, flunarizina e cinarizina, entre outras) ao tratamento
• Iniciar drogas em doses pequenas e aumentá-las gradualmente até o patamar desejado (especialmente a levodopa, os
agonistas DA e os anticolinérgicos)
• Não prescrever anticolinérgicos a pacientes com mais de 65 anos, com glaucoma, prostatismo ou com algum grau de
demência
• Concluir pela ineficácia da levodopa apenas depois de atingir a dose de 1.500 mg ao dia (cerca de 6 a 7 comprimidos dos
preparados comerciais com inibidor da dopa descarboxilase)
• Adicionar agonista dopaminérgico (bromocriptina, pergolida, pramipexol) aos pacientes que necessitarem doses elevadas
de levodopa para permitir uma posterior redução destas doses
discinesias são as causas mais comuns de insucesso do
tratamento nas fases avançadas da DP. Os tipos de
flutuação motora mais comuns são a “deterioração de
final de dose” (wearing-off) e as flutuações aleatórias,
também conhecidas como “fenômeno on-off”.
Deterioração de final de dose
(wearing-off)
Caracteriza-se por um encurtamento da duração do
efeito motor da levodopa, fazendo com que o paciente
tenha o benefício da medicação (“estado on”) por 2 ou 3
horas, necessitando receber uma nova dose para voltar à
mobilidade. Em alguns pacientes, à medida que a doença
progride, o “estado on” pode ser tão curto quanto 30 ou
40 minutos. Quando o wearing-off instala-se, a tendência
natural em acrescentar novas doses de levodopa não é a
melhor medida, pois cada vez mais novos acréscimos
terão que ser feitos com o tempo, fazendo com que o
indivíduo venha a tomar uma dosagem inviável de
levodopa em pouco tempo. Inicialmente recomenda-se
checar se o paciente está recebendo a levodopa longe das
refeições e orientar para que diminua o consumo de
alimentos protéicos (para impedir a competição com
aminoácidos da dieta) no período útil do dia3. O máximo
fracionamento possível das doses de levodopa, de
preferência sem aumentar a dose total, é útil nessa
situação. Os pacientes que ainda não estão recebendo
agonista DA se beneficiarão com a introdução de uma
das drogas do grupo. Temos uma maior experiência com
a bromocriptina e com o pramipexol nessa fase e, em
nossa opinião as duas medicações equivalem-se em
eficácia mas a segunda é melhor tolerada pelos pacientes7.
FERRAZ, H.B. – Tratamento da Doença de Parkinson
A utilização de preparados de liberação lenta da levodopa
(Prolopa HBS e Cronomet) permite uma maior duração
do efeito e pode substituir as formulações standard
(Prolopa e Sinemet) nos pacientes flutuadores. Os preparados líquidos de levodopa deverão estar disponíveis para
uso clínico em pouco tempo e permitirão a administração
de doses pequenas em curtos intervalos de tempo.
Recentemente, o surgimento de drogas inibidoras da
COMT – o tolcapone foi a primeira delas com este mecanismo de ação – abriu um novo horizonte para os pacientes com flutuação do rendimento da levodopa3. A despeito
de ter mostrado eficácia clínica, com pouco tempo de uso,
o relato isolado de casos de hepatopatia grave e fatal em
3 pacientes entre todos em uso da droga no mundo (cerca
de 150.000 pacientes) fez com que seu uso tivesse de ser
restrito aos casos mais graves. Ainda assim, se o tolcapone
for prescrito, o paciente deve fazer controle de enzimas
hepáticas a cada 15 dias e suspender a droga se as enzimas
aumentarem. O entacapone é um outro inibidor da COMT
em vias de ser lançado comercialmente com a vantagem
de ter o mesmo perfil de eficácia clínica do tolcapone,
sem, possivelmente, seus efeitos adversos.
Fenômeno on-off
Também conhecido como efeito ioiô. Nesse fenômeno ocorre uma mudança brusca do estado de
mobilidade do paciente sem que haja uma relação com
o horário de tomada das doses da levodopa. Alguns
pacientes podem ficar horas em estado off, ou seja,
completamente acinéticos, a despeito de tomarem
sucessivas doses da levodopa. Por serem imprevisíveis,
essas flutuações são extremamente incapacitantes. Esse
Rev. Neurociências 7(1): 06-12, 1999
11
tipo de complicação é o mais difícil de manejar. As
medidas sugeridas para o manejo das flutuações
previsíveis (wearing-off) podem ajudar, mas na maioria
das vezes são insuficientes para minorar a situação. O
uso do agonista DA, apomorfina, é uma saída para os
indivíduos com acinesia prolongada8. A apomorfina é
uma droga potente com a desvantagem de ter de ser
administrada por via parenteral e por apresentar um
potente efeito indutor de náuseas e vômitos. O
domperidone administrado em conjunto com a apomorfina permite um controle satisfatório do efeito
emético. A apomorfina pode ser administrada por via
subcutânea, pelo próprio paciente, na dose de 1-2 mg
(o equivalente a 0,1-0,2 mL dos preparados comerciais),
levando a uma reversão do estado off em menos de 10
minutos e com duração do efeito entre 60-80 minutos,
podendo ser repetida a cada 3 horas, se necessário8. No
Brasil, a apomorfina pode ser obtida de importadores
de medicamentos.
Discinesia
As discinesias são divididas em dois grandes grupos:
as do período on e as do período off. As discinesias de
período on são, na maioria das vezes, movimentos
coreoatetóticos nas extremidades e segmento cranial,
podendo manifestar-se apenas no auge do efeito da
levodopa (discinesia-de-pico-de-dose) ou durante todo o
efeito motor (discinesia-em-onda-quadrada)9. Para obterse alguma melhora, temos de diminuir a dosagem da
levodopa. Para que isso possa acontecer sem que provoque um aumento nos períodos off temos de adicionar
agonista DA ao tratamento, ou aumentar sua dosagem,
caso este já venha sendo usado. O uso da amantadina,
em função de sua ação antagonista de receptor NMDA,
também tem sido recomendado nesses casos.
As discinesias de período off em geral são caracterizadas por movimentos distônicos na região axial e também
nas extremidades, e não raro são acompanhadas de dor
no segmento acometido. Podem aparecer também no período matinal, despertando o paciente com dor. As medidas
tomadas para controlar os períodos off podem ajudar e,
quando estas não são suficientes, é necessário o acréscimo
de dose extra de levodopa nos períodos da discinesia3.
TRATAMENTO NÃO-MEDICAMENTOSO
A fisioterapia e a terapia ocupacional têm um papel
importante no tratamento da DP, especialmente naqueles
pacientes com distúrbio acentuado do equilíbrio e da
FERRAZ, H.B. – Tratamento da Doença de Parkinson
marcha. A diminuição do volume vocal e a disartria são
distúrbios freqüentes e pouco responsivos ao tratamento
medicamentoso. A fonoterapia tem um papel decisivo
nesses pacientes10.
Nos últimos cinco anos assistimos a uma explosão do
interesse no tratamento cirúrgico da fase avançada da DP.
Que é uma alternativa útil para uma parcela dos pacientes
com complicações motoras graves e em qual já foram tentadas todas as alternativas farmacológicas disponíveis, não
se tem mais dúvidas. O ponto central do debate atual reside
em duas questões: qual o melhor alvo a ser escolhido para
realizar a intervenção (talamotomia ou palidotomia) e qual
o melhor procedimento (lesão ou estimulação).
Tanto a talamotomia quanto a palidotomia têm o seu
papel no tratamento. A talamotomia é melhor indicada
naqueles pacientes com predomínio de tremor e em
formas unilaterais ou dominantemente assimétricas e que
não toleram nenhum dos medicamentos disponíveis11.
Vale ressaltar que este é um contingente muito pequeno
de pacientes, já que essas formas habitualmente respondem bem ao tratamento medicamentoso e à intolerância,
na maioria das vezes, pode ser contornada com as
medidas habituais.
A palidotomia está indicada nas formas complicadas
com flutuações e discinesias que não foram satisfatoriamente controladas com as medidas já anteriormente
mencionadas. A resposta neste grupo de pacientes às
vezes é surpreendente, havendo muitas vezes, além da
melhora das flutuações e da discinesia, uma redução nas
doses dos antiparkinsonianos11,12. O efeito dos dois tipos
de cirurgia é notado logo no pós-operatório e pode durar
por dois anos ou mais12.
A estimulação elétrica dos núcleos da base (especialmente do núcleo subtalâmico) com o implante de eletrodos é uma alternativa ao tratamento cirúrgico lesivo,
tendo a vantagem de permitir uma suspensão do
tratamento caso se deseje e de permitir que se faça o
procedimento bilateral, sem o risco de haver disartrofonia grave13. As desvantagens são o custo elevado do
procedimento, risco de infecção e falhas no equipamento
de estimulação. No nosso meio, a maior experiência é
com os procedimentos ablativos, que, feitos por uma
equipe experiente, têm um baixo risco de complicações
ou seqüelas definitivas.
O tratamento cirúrgico, como o implante no estriado
de células DA da substância negra fetal ou do transplante
autólogo de células DA do corpo carotídeo, é uma perspectiva promissora para os próximos anos.
SUMMARY
Parkinson’s Disease Management
Levodopa remains the mainstay in Parkinson’s disease treatment, although
long-term problems may emerge with continuous use. In early symptoms,
Rev. Neurociências 7(1): 06-12, 1999
12
selegiline, anticholinergic drugs and amantadine are preferred. When
symptoms are more proeminent but not incapacitating, dopaminergic agonists
can be prescribed. Levodopa therapy is indicated when other drugs no longer
provide satisfactory control of symptoms or are not tolerated by the patient.
Adding dopaminergic agonists to treatment is a wise measure if higher dosis
of levodopa is required. Dietetic orientation, fractioning of the dosis and
dopaminergic agonists are necessary in fluctuating and dyskinetic patients.
Surgical approach, such as thalamotomy and pallidotomy, are only indicated
if non-invasive measures were ineffective.
KEY WORDS
Parkinson’s disease, levodopa, motor complications.
7.
8.
9.
10.
11.
Referências
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Endereço para correspondência
Dr. Henrique B. Ferraz
Disciplina de Neurologia
Rua Botucatu, 740
CEP 04023-900 São Paulo (SP)
E-mail: [email protected]
APLICAR BULA ANAFRANIL
FERRAZ, H.B. – Tratamento da Doença de Parkinson
Rev. Neurociências 7(1): 06-12, 1999
13
ARTIGO
Estratégias de Intervenção para
Habilitação de Crianças
Deficientes Visuais em
Instituições Especializadas:
Estudo Comparativo
Andréa Sanchez Navarro*
Sissy Veloso Fontes**
Marcia Maiumi Fukujima***
RESUMO
As cr ianças deficientes visuais possuem
dificuldades em adquirir o conhecimento do seu
próprio corpo, dos objetos a sua volta e dos
conceitos espaciais imprescindíveis para o
desenvolvimento neuropsicomotor normal. Na
pesquisa de campo observamos que a forma
mais utilizada pelos profissionais da habilitação
de deficientes visuais foi o método denominado
“Estimulação Precoce”, utilizado também em
crianças com encefalopatia crônica não-progressiva. Esse método consiste de avaliação do
processo de desenvolvimento da criança e, com
base nesta avaliação, iniciam-se estímulos de
forma a propiciar a facilitação do seu desenvolvimento.
UNITERMOS
Criança, deficiente visual, estimulação precoce,
instituição especializada.
*
Fisioterapeuta graduada pela Universidade
Bandeirante – UNIBAN
** Fisioterapeuta, educadora física e professora da UNIBAN e Universidade Santa
Cecília – UNISANTA.
*** Neurologista, professora da UNIBAN e
UNISANTA.
INTRODUÇÃO
Atualmente, estima-se que pelo menos 38 milhões de pessoas sejam cegas
e que um adicional de 110 milhões possuam a visão intensamente prejudicada,
totalizando cerca de 150 milhões de pessoas visualmente deficientes no
mundo. A Organização Mundial da Saúde estima que, em futuro próximo,
esse número aumentará significativamente1.
Para que a criança tenha um desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM)
normal faz-se necessário que todos os sentidos estejam íntegros 2. Nos
primeiros anos de vida a integração, a sintetização e a interpretação das
informações geradas por outros canais perceptivos devem ser amplamente
explorados na criança deficiente visual (DV)3. A forma mais utilizada de
intervenção dos profissionais de habilitação de deficientes visuais pela
exploração de outros canais perceptivos é a “Estimulação Precoce”, que é
uma intervenção terapêutica educacional e social. Essa intervenção é utilizada
em crianças com DV congênita ou com a visão muito prejudicada na idade
de 0 a 6 anos4,5, podendo ser ministrada de diferentes formas por uma equipe
multidisciplinar, dentre eles o fisioterapeuta6,7.
Os mecanismos de defesa da criança cega durante este período de vida
estão particularmente prejudicados. Hoje, diversos profissionais da saúde
estão conscientes dos sérios riscos que a criança DV corre por sofrer atrasos
no desenvolvimento neuropsicomotor8,9. Os bloqueios temáticos do desenvolvimento podem ser agrupados em: imitação, desenvolvimento da preensão,
coordenação ouvido-mão, exploração do ambiente e objetos e coordenação
bimanual10,11,12,13.
NAVARRO, A.S.; FONTES, S.V. & FUKUJIMA, M.M. – Estratégias de Intervenção para
Habilitação de Crianças Deficientes Visuais em Instituições Especializadas: Estudo Comparativo
Rev. Neurociências 7(1): 13-21, 1999
14
OBJETIVO
Observar, comparar e analisar, com pesquisa de
campo em instituições especializadas, as principais
estratégias de atendimento a crianças deficientes visuais
de 0 a 6 anos, bem como o perfil de tais instituições.
MATERIAL E MÉTODO
Foram aplicados dois questionários aos profissionais
das seguintes instituições especializadas no atendimento
à criança deficiente visual: “Dorina Nowill para Cegos”
(São Paulo – Brasil), “Laramara Associação Brasileira
de Assistência ao Deficiente Visual” (São Paulo –
Brasil), “Centro Eva Lindstedt” (São Paulo – Brasil),
Cepre – Centro de Estudos e Pesquisa em Reabilitação
(Campinas – Brasil) e “Once” - Organización Nacional
de los Ciegos de España (Madri – Espanha).
O questionário A refere-se à instituição; assistentes
sociais e coordenadores técnicos responderam as
perguntas, tendo como objetivo o conhecimento do
espaço de trabalho, a equipe multidisciplinar e o perfil
do paciente atendido (quadro 1).
O questionário B refere-se ao programa de atendimento específico dos fisioterapeutas, um de cada
QUADRO 1
Questionários aplicados na pesquisa de campo
Questionário A
Instituição/Fundação/Associação
Questionário B
Fisioterapeuta
Nome:
Endereço:
Nome do profissional/cargo e profissão:
Nome:
1) Qual é a meta geral deste serviço?
1) Qual a principal função do fisioterapeuta
diante do DV?
2) Que tipo de paciente este serviço atende?
2) Quais os principais critérios de inclusão no
setor fisioterápico?
3) Por quem é formada a equipe multidisciplinar?
3) Como é ministrado o tratamento:
a. individual:
b. grupo:
c. número de sessões:
d. duração:
4) Quais os critérios de seleção para o paciente
ingressar neste serviço:
a. faixa etária;
b. etiologia da DV;
c. condições socioeconômicas.
4) Quais e quantos profissionais estão envolvidos
no tratamento do setor fisioterápico?
5) Qual é o tempo médio de permanência
do paciente no serviço?
5) No que consiste o tratamento:
a. quais as estratégias?
b. métodos utilizados, há substratos científicos?
c. utilizam algum material?
d. ministram-se orientações aos pais?
6) Que profissional oferece orientação social
(esporte/lazer)?
6) Quem oferece orientação social (esporte/lazer)?
7) Quando e quem prescreve a alta fisioterápica?
8) Neste serviço em que você trabalha, o que
poderia melhorar?
NAVARRO, A.S.; FONTES, S.V. & FUKUJIMA, M.M. – Estratégias de Intervenção para
Habilitação de Crianças Deficientes Visuais em Instituições Especializadas: Estudo Comparativo
Rev. Neurociências 7(1): 13-21, 1999
15
instituição, exceto Laramara, onde foram entrevistados
dois profissionais, tendo como finalidade traçar o perfil
do atendimento e as estratégias utilizadas (quadro 1).
Os resultados da aplicação dos questionários A e B
são mostrados nos quadros 2 e 3.
DISCUSSÃO
A partir dos dados obtidos no questionário A,
observamos que a meta geral de todas as instituições
assemelham-se, ou seja, basicamente tornar a criança
independente e integrada à sociedade, pois tanto as
instituições, como a família e a própria criança, almejam
os mesmos ideais, confirmando as respostas dadas pelos
diversos profissionais na pesquisa de campo.
Em relação ao tipo de paciente que cada serviço
atende, todos com exceção do Cepre responderam que o
atendimento é direcionado a cegueira ou baixa visão associadas ou não a deficiência física. O Cepre, quando recebe
crianças com múltiplas deficiências, encaminha-as a outras
instituições. Como a maioria dos casos de crianças DV
associa-se a deficiência física, é necessário que o paciente
seja aceito com deficiências associadas, pois o profissional
fisioterapeuta é habilitado para atender a criança, sejam
quais forem suas deficiências físicas.
As equipes multidisciplinares das instituições entrevistadas são semelhantes, ou seja, compostas por
médicos, fisioterapeutas, pedagogos, psicólogos,
terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e professores
diversos, especializados em áreas como orientação e
mobilidade (OM) e atividade de vida diária (AVD).
Chama-nos a atenção que os profissionais médicos são
especializados exclusivamente em oftalmologia, não
havendo em nenhum dos serviços a presença de pediatra,
clínico geral, neurologista. O conhecimento das
estruturas de funcionamento das instituições permitenos considerar que haja espaço e necessidade desses
profissionais. O Cepre e a Once são os únicos que
possuem fonoaudiólogo na sua equipe multidisciplinar
profissional, necessário à criança deficiente visual,
auxiliando no desenvolvimento da linguagem. Portanto,
as instituições restantes carecem desse profissional.
A faixa etária diferiu entre as respostas, porque em
alguns centros a criança é assistida pela Estimulação
Precoce no período de 0 a 6 anos e, após os 6 anos, a
criança é acompanhada por uma equipe especializada
em idade pré-escolar e assistida até a idade adulta. Sendo
assim, o ideal é que seja ministrada em crianças de 0 a 6
anos. A etiologia da DV é diversificada em todas as
instituições, não sendo critério de elegibilidade para a
criança iniciar o atendimento. Os serviços que fornecem
atendimento totalmente gratuito recebem subvenções
estaduais, federais ou municipais; portanto, a condição
socioeconômica não impede o atendimento dessas
crianças, porém, o número reduzido de instituições
especializadas não é suficiente comparado com a
dimensão territorial e o número de deficientes. Parecenos necessário o aumento do número desses serviços
financiados pelo governo e também o aumento do quadro
de profissionais para suprir a grande demanda.
O tempo médio de permanência difere largamente,
porque depende da família, da criança e da proposta do
tratamento. Mas a maioria respondeu de 3 a 4 anos. O
ideal seria 6 anos de permanência, pois a criança viria
para o atendimento ainda bebê (0 a 6 meses) e deixaria
o atendimento na idade pré-escolar.
O profissional responsável pela criança é quem dá a
orientação social (esporte, lazer). Essa foi a resposta
dada por todas as instituições. Segundo a literatura
consultada e as experiências observadas durante a
pesquisa, o profissional envolvido é o responsável pela
orientação, com interesse e colaboração familiar.
QUESTIONÁRIO B
As respostas dos fisioterapeutas entrevistados a esse
questionário não foram uniformes.
Quanto à função do fisioterapeuta frente ao DV, a
maioria dos profissionais respondeu que o objetivo do
tratamento é propiciar um desenvolvimento neuropsicomotor o mais adequado possível, estimulando os
sentidos remanescentes e a visão residual. O fisioterapeuta do Cepre prioriza a marcha, ou seja, respondeu
como função principal o atendimento a longo prazo.
Todavia, ressaltou posteriormente que é preciso
minimizar as alterações do desenvolvimento neuromotor
com estimulação precoce e assim chegar a marcha
independente e segura. A Once destacou como função
principal prevenir as alterações emocionais e que haja
uma estruturação adequada do DNPM. A preocupação
com o aspecto emocional deve-se ao fato de que a
profissional responsável por crianças cegas de 0 a 4 anos
é uma psicóloga. Uma das principais funções do
fisioterapeuta é estimular o DNPM e a visão nos casos
de criança com baixa visão, além de orientar a família a
cada atendimento.
Os critérios de inclusão no setor fisioterapêutico
foram unânimes. Porém, na Once, quando a criança
apresenta um déficit motor muito grave é encaminhada
a um fisioterapeuta que cuidará apenas da capacidade
motora, sendo o tratamento fisioterapêutico paralelo a
NAVARRO, A.S.; FONTES, S.V. & FUKUJIMA, M.M. – Estratégias de Intervenção para
Habilitação de Crianças Deficientes Visuais em Instituições Especializadas: Estudo Comparativo
Rev. Neurociências 7(1): 13-21, 1999
Proporcionar condições
para que o DV possa
integrar-se na comunidade
com independência e
auto-suficiência.
1) Qual a meta
geral deste
serviço?
Cegueira, baixa acuidade
visual e com deficiências
mentais e físicas
associadas a cegueira.
Acolher, informar,
estimular e integrar à
sociedade, tornando-se um
centro de apoio à família
e ao deficiente visual.
Laramara
NAVARRO, A.S.; FONTES, S.V. & FUKUJIMA, M.M. – Estratégias de Intervenção para
Habilitação de Crianças Deficientes Visuais em Instituições Especializadas: Estudo Comparativo
Varia. No mínimo 2 anos
e no máximo 4 anos. A
criança será acompanhada
até a idade pré-escolar.
Psicólogo de orientação
aos pais.
5) Qual é o tempo
médio de
permanência
neste serviço?
6) Quem oferece
orientação
social, lazer
e esporte?
Todos os profissionais
envolvidos.
Depende da família, ou
seja, da participação.
a. 0 a 15 anos e 11 meses.
b. diversas.
c. 40% são isentos, 60%
são pagantes de acordo
com a renda familiar,
dentre estes, 5% pagam
integralmente.
Área clínica: pedagogo
Área clínica: oftalmologista,
especializado, professor de ortoptista. Área técnica:
OM, psicólogo,
pedagogo, fisioterapeuta,
fisioterapeuta, assistente
TO, professores diversos:
social, TO e oftalmologista. educador físico, OM e AVD.
Área de apoio:
serviço social e psicologia.
4) Quais os
a. 0 até a idade adulta.
critérios de
b. diversas causas da
seleção para
deficiência visual e
o paciente
seqüelas.
ingressar neste c. todos os serviços são
serviço:
gratuitos. A Fundação
a. faixa etária;
recebe subvenções
b. etiologia do
estaduais, federais e
DV;
municipais.
c. condições
socioeconômicas.
3) Por quem é
formada a
equipe multidisciplinar?
2) Que tipo de
Portadores de cegueira e
paciente este
baixa acuidade visual,
serviço atende? associada a deficiência
física ou não.
Dorina Nowill
Perguntas
QUADRO 2
O esporte e o lazer são
orientados junto a
sua comunidade.
Avaliação até 3 meses,
reinserido em equipe da
sua comunidade e
retorno 4 vezes ao ano.
a. 0 a 15 anos.
b. não é critério.
c. é gratuito.
Equipe de terapeutas
junto ao departamento de
oftalmologia com formação
em deficiência visual, além
de estagiários. Orientação
e diagnóstico do paciente
e orientação e educação
de profissionais.
Com deficiência visual
associada a outras
deficiências.
Tornar a criança com DV
um agente transformador
de sua família, instituição
e comunidade.
Centro Eva Lindstedt
Once
Baixa visão e cegueira.
Todos os profissionais
envolvidos.
3 a 4 anos.
a. 0 até a idade adulta.
b. todas.
c. não são pagas.
Atendendo todas as
condições sociais.
O profissional
responsável fornece as
informações.
Até os 6 anos,
posteriormente há um
acompanhamento.
a. 0 a 6 anos.
b. variadas
c. gratuitas.
Fisioterapeutas, fonoau- Assistente social,
diólogos, terapeuta
oftalmologista,
ocupacional, psicólogo, pedagoga e
psicopedagogo,
psicólogo.
pedagogos, serviço social,
professores de
orientação e mobilidade.
Portadores de
deficiência visual.
Habilitação,
Dar estrutura cognitiva
reabilitação e integração. e emocional ajudando
a criança a compreender o mundo de modo
geral. Prevenir as
alterações emocionais
(maneirismo).
Cepre
Respostas ao questionário A (Instituição/Fundação/Associação)
16
Rev. Neurociências 7(1): 13-21, 1999
Dorina Nowill
Estímulo do desenvolvimento
neuropsicomotor; correção
postural; conhecimento do
próprio corpo; estímulos a
aspectos cognitivos
primários e secundários;
coordenação motora fina e
coordenação motora global;
estímulo ao desenvolvimento da visão subnormal.
Basta apresentar déficits
em um ou mais itens
descritos acima.
a. sim.
b. não há terapias em grupo.
c. dependerá de cada caso.
d. 60 minutos.
Perguntas
1) Qual a principal
função do
fisioterapeuta
diante do DV?
2) Quais os
principais
critérios de
inclusão no
setor
fisioterápico?
3) Como é
ministrado o
tratamento:
a. individual;
b. grupo;
c. número de
sessões;
d. duração.
QUADRO 3
Facilitar e propiciar um
desenvolvimento motor
adequado e estimular
a visão residual.
Centro Eva Lindstedt
I) a. sim.
a. sim.
b. a mãe continua
b. não.
presente e o terapeuta
c. uma vez por semana.
age como mediador.
d. 40 minutos.
No máximo três crianças.
c. o ideal é uma vez por
semana, mas há quinzenal
e mensal.
d. individual, 30 minutos e
em grupo, 60 minutos.
II) a. sim.
b. sim. Quando a criança
já está integrada a Laramara,
sala-terapeuta, ambiente e
tem o interesse de estar com
outras crianças.
c. Semanal, quinzenal e mensal.
d. Individual, 30 minutos e em
grupo, 60 minutos.
I) Alteração motora
Baixa visão e
(principalmente crianças
deficiências
com patologias múltiplas)
associadas.
e atraso no DNPM.
II) Todas as crianças que tenham
deficiência visual associada
a déficit neuropsicomotor.
I) Estimulação global do
DNPM, fazendo com que
use os sentidos remanescentes (audição, gustação,
olfato e tato) e estimulação
da visão residual.
II) Orientação à família para
estimulação visual diária
e estimulação neuropsicomotora, com o objetivo de
integrar a criança na
sociedade.
Laramara
Respostas ao questionário B (Fisioterapeuta)
a. sim.
b. não.
c. duas vezes por
semana.
d. 30 minutos.
Alterações
do DNPM.
Estimulação precoce,
objetivando marcha
independente e
segura.
Cepre
a. sim.
b. a partir de dois anos
pode ser colocada
em grupo.
c. uma vez por semana.
d. uma hora, sempre
com a família.
Basta haver deficiência
visual grave.
Proporcionar um
desenvolvimento
harmônico da
personalidade e
identidade pela
motricidade,
linguagem,
sociabilização
e hábitos.
Once
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a. estabelecer o melhor
I) a. utiliza-se da brincadeira
a. melhorar a
contato possível com a
e das AVDs, estimulando
eficiência visual.
criança, estimular o DNPM
o desenvolvimento global.
b. Natalie Barraga,
e inibir os padrões motores
Esses estímulos deverão ser entre outros.
anormais.
dados de maneira natural e c. brinquedos para
b. principalmente Bobath,
não treinados.
estimulação
quanto às seqüelas motoras;
b. Teoria de Piaget, Método
visual, objetos
técnicas de sensibilização;
Bobath, leituras de oftalmo- com diferentes
técnicas da Dra. Natalie
logia de Eva Lindstedt e
texturas e tamanhos.
Barraga.
Marilda Bruno.
d. sim.
c. materiais próprios da
c. brinquedos, material de
técnica Bobath; técnicas de
sucata, criação de materiais
estimulação visual; brinquedos (contrastes, diferentes
de uso diário e doméstico.
texturas, brilho, sons), bola
d. sim, é o ponto principal
Bobath e rede.
do tratamento.
d. sim. Realizar em casa
tudo o que foi visto durante
o tratamento.
II) a. orientação à família e,
dependendo do DNPM em que
o paciente está, estímulo para
ganhar mais etapas.
b. Natalie Barraga, Piaget e
Bobath.
c. balança, parquinho, gangorra,
pula-pula, carrinho e rolo.
Material de manuseio p/
crianças que tenham percepção
Oftalmologista,
ortoptista,
pedagogo e
fisioterapeuta.
5) No que
consiste o
tratamento:
a. quais as
estratégias?
b. métodos
utilizados, há
substratos
científicos?
c. utilizam
algum material?
d. ministram-se
orientações
aos pais?
I) São dois fisioterapeutas.
A visão na Laramara é
provocar o menor envolvimento possível de outros
profissionais. Paralelo a isso
há: atividades aquáticas e
brinquedoteca.
II) Dois fisioterapeutas, TO,
pedagoga, psicólogo,
brinquedoteca e atividades
aquáticas.
Fisioterapeuta, psicólogo
dirigido à orientação
familiar, psicólogo dirigido
ao trabalho com a criança
e pedagogo especializado.
Centro Eva Lindstedt
4) Quais e
quantos
profissionais
estão
envolvidos no
tratamento do
setor fisioterápico?
Laramara
Dorina Nowill
Perguntas
QUADRO 3 (continuação 1)
a. técnicas de
fisioterapia geral,
combinadas com
a técnica de
estimulação visual.
b. Natalie Barraga,
Gesell e Dioment.
c. bolas, rolos,
escadas, colchões,
brinquedos com
contraste e prancha
de equilíbrio.
d. sim.
Fisioterapeuta,
fonoaudiólogo, TO,
psicólogo, pedagogo,
psicopedagogo,
serviço social e
professor de
orientação e
mobilidade infantis.
Cepre
a. dar estruturação
adequada da personalidade e identidade.
b. Reinen Siken, Kabat,
Natalie Barraga, Sinkin,
Oregon e Piaget.
c. livros em braile,
jogos simbólicos
e manipulação de
materiais didáticos.
d. é o mais importante
do tratamento.
Psicólogo (1ª entrevista
e revisões), dois
terapeutas para bebês
cegos e baixa visão.
Além de cinco
profissionais que dão
apoio às escolas
ONCE
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NAVARRO, A.S.; FONTES, S.V. & FUKUJIMA, M.M. – Estratégias de Intervenção para
Habilitação de Crianças Deficientes Visuais em Instituições Especializadas: Estudo Comparativo
Rev. Neurociências 7(1): 13-21, 1999
I) O próprio fisioterapeuta.
após discutir o
II) Terapeuta que está
responsável.
O próprio fisioterapeuta, a
partir de um laudo de
avaliação e evolução do
quadro apresentado à
equipe multidisciplinar.
Um maior contato com um
médico neurologista poderia
agilizar a resolução de
nossas dúvidas quanto às
reais causas dos déficits
apresentados pelas crianças.
7) Quando e
quem prescreve a alta
fisioterápica
ao paciente?
8) Neste serviço
em que você
trabalha o que
poderia
melhorar?
caso com a equipe.
O fisioterapeuta,
O próprio terapeuta.
Centro Eva Lindstedt
A fisioterapia.
com 5 ou 6 anos a
Os profissionais
envolvidos.
Cepre
NAVARRO, A.S.; FONTES, S.V. & FUKUJIMA, M.M. – Estratégias de Intervenção para
Habilitação de Crianças Deficientes Visuais em Instituições Especializadas: Estudo Comparativo
DV – deficiente visual; OM – orientação e mobilidade, TO – terapia ocupacional, AVD – atividade da vida diária, DNPM – desenvolvimento neuropsicomotor.
I) Falta tempo para discussões Contratação de novos
Mais um
de casos entre os profissionais, profissionais: assistente
fisioterapeuta para
atendimento do paciente
social, psicólogo,
orientação e
juntamente com a psicóloga terapeuta ocupacional
mobilidade, pois
ou outra fisioterapeuta.
e fonoaudiólogo.
o educador físico
Faltam cadeiras de posicionanão está habilitado
mento para crianças com
para tal.
múltiplas deficiências.
Outra ideologia: a criança
vir até a Laramara para fazer,
além da orientação à família,
a fisioterapia, fonoaudiologia
e psicologia, pelo menos
duas vezes por semana.
II) Falta a parte de prevenção,
saneamento básico e informação. Falta obtenção
de material p/ posicionar crianças múltiplas. O ideal
também seria o fisioterapeuta ir à casa, pois muitas
famílias possuem dificuldades p/ trazer a criança. Seria necessário
acompanhamento mais pedagógico e que as crianças
ficassem todos os dias meio período realizando todas as
atividades. Falta fonoaudiólogo e investimento no profissional.
I) Todos os profissionais
envolvidos.
II)Todos os profissionais
envolvidos.
6) Quem
O psicólogo dá orientação
oferece
aos pais.
orientação
social
(esporte/lazer)?
Laramara
à luz (procura-se iluminar
o brinquedo). Visão subnormal
utiliza-se contraste e
material com brilho.
d. sim. À família são sugeridas
atividades e como brincar.
Dorina Nowill
5) (continuação)
Perguntas
QUADRO 3 (continuação 2)
Recursos materiais,
falta de espaço,
iluminação e
deficiências de
infra-estrutura.
criança é acompanhada
na escola.
A alta não se dá nunca,
O próprio
terapeuta.
ONCE
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Rev. Neurociências 7(1): 13-21, 1999
20
estimulação precoce. Tendo em vista o que foi descrito
neste trabalho, isso não deveria ocorrer. A estimulação
da adequação motora deve ser feita dentro da estimulação precoce independente do atraso que a criança
possua. Esse fato confirma a necessidade do fisioterapeuta para ministrar a estimulação precoce e não de
outro profissional sem essa formação.
Em todas as instituições o tratamento é individual,
variando pouco em relação ao tempo de cada atendimento. Em algumas instituições o atendimento é
quinzenal, mensal e até trimestral, devido às dificuldades
de transporte. Nesses casos é fornecida apenas orientação à família. O atendimento ideal seria individual,
duas vezes por semana, com duração de 40 minutos,
sendo os 10 minutos finais dedicados a orientação.
Todas as instituições, com exceção da Once e do
Centro Eva Lindstedt, possuem em sua equipe
multidisciplinar psicólogos, terapeutas ocupacionais,
pedagogos, assistente social e professores de AVD e
OM. O Centro Eva Lindstedt carece de psicólogo,
terapeuta ocupacional e assistente social dentro do
setor de Estimulação Precoce. A Fundação Dorina
Nowill para Cegos carece de terapeuta ocupacional
habilitado em estimular a criança. A Once realiza a
estimulação precoce com um único profissional, que é
responsável por tudo. Algumas vezes a criança poderá
ser encaminhada a outros profissionais especializados.
Esse é o mesmo tipo de atendimento da Laramara.
Segundo a literatura consultada, o ideal para a estimulação precoce é uma equipe multidisciplinar integral
e integrada.
As estratégias de tratamento divergem, porém todos
querem alcançar um DNPM mais próximo possível do
normal. É exatamente nessa questão que deve ser
estabelecido se o profissional irá trabalhar a visão
residual, juntamente com o atraso motor e o que deve
ser priorizado.
Os métodos utilizados dependem de cada profissional
e também do paciente; todos os profissionais possuem
bases empíricas e subjetivas. Alguns métodos utilizados
como base para a estimulação precoce são Natalie
Barraga, Piaget, Conceito Bobath, Gisell, Oregon, entre
outros, e é importante ter conhecimento atualizado sobre
os métodos utilizados.
O material terapêutico utilizado é semelhante em
todas as instituições. Na Laramara há falta de material
para o posicionamento adequado de crianças DV com
déficits do DNPM. É importante utilizar o máximo de
material disponível, porém, não deverão faltar materiais
de diferentes texturas e tamanhos, objetos sonoros,
objetos com contraste de cores, bolas, rolos, redes,
colchonetes, escadas, balanços e iluminação adequada.
Em relação à questão de orientação à família, os
profissionais entrevistados responderam como sendo
este o fator mais importante no tratamento. Eles priorizaram a família, pois sem sua colaboração o atendimento não tem eficácia. Os familiares envolvidos com
a criança deverão ser orientados durante e após o término
do atendimento, sugerindo maneiras de como cuidar e
estimular a criança.
A orientação social é dada pelo próprio fisioterapeuta
ou profissional envolvido na estimulação precoce em
todas as instituições.
Quem prescreve a alta fisioterapêutica do paciente é
o próprio fisioterapeuta. E nas instituições em que a
criança recebe atendimento adicional à estimulação
precoce, como psicologia, AVD e OM, cada profissional
dará a alta quando o paciente estiver habilitado em cada
área. Sendo assim, por exemplo, a criança poderá
receber alta da estimulação precoce, mas continuar o
tratamento psicológico.
A última questão foi projetada com o objetivo de
apontar algumas deficiências funcionais das instituições
pesquisadas, especificamente no setor de fisioterapia,
visando à melhora do tratamento da criança deficiente
visual. O fisioterapeuta entrevistado da Fundação Dorina
Nowill salientou a falta de maior contato com o médico
neurologista, para discutir casos comuns entre eles. Os
profissionais da Laramara relataram a falta de investimento no profissional, pois o interesse em informações
e atualizações é importante tanto para a instituição como
para o profissional. Faz-se necessário que a instituição
invista de forma mais efetiva no seu profissional.
Relatou-se também na Laramara a falta de tempo para
discussões entre os profissionais, devido ao grande
número de pacientes que são atendidos no mesmo dia e
a rotina de trabalho. Para que haja tratamento integral e
integrado, os profissionais, envolvidos com a mesma
criança, devem discutir constantemente para que haja
troca de informações e observações adicionais chegando
a resultados mais satisfatórios. Os profissionais também
expuseram uma ideologia de atendimento: ser ministrado
em casa ou aumentar o período em que a criança recebe
o atendimento na instituição. São sugestões bastante
válidas, porém de difícil efetivação frente à realidade
socioeconômica do país. A criança que não pode ir até
a instituição por um comprometimento grave, como, por
exemplo, um período pós-cirúrgico, receberia atendimento domiciliar, mas o tempo e o custo seriam
grandes e incompatíveis com o tratamento. O fisioterapeuta do Centro Eva Lindstedt salientou a necessidade de contratação de um assistente social, de um
psicólogo, de um terapeuta ocupacional e de um fonoaudiólogo. No Cepre, a fisioterapeuta responsável revela
NAVARRO, A.S.; FONTES, S.V. & FUKUJIMA, M.M. – Estratégias de Intervenção para
Habilitação de Crianças Deficientes Visuais em Instituições Especializadas: Estudo Comparativo
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que falta mais um fisioterapeuta para orientação e
mobilidade, pois, após a estimulação e DNPM adequado,
a criança estará habilitada a iniciar OM para tornar-se
independente e integrada à sociedade. A fisioterapeuta
da ONCE relatou que os recursos materiais e a falta de
espaço são a deficiência do setor de estimulação precoce.
Discordamos de tal afirmação, pois tivemos a oportunidade de observar os locais de trabalho das outras
instituições e, por comparação, constatamos que a Once
possui maior número de recursos materiais e que o
espaço de trabalho é praticamente igual aos outros locais
visitados.
Concluímos que todas as instituições pesquisadas,
apesar de diferirem quanto aos profissionais que
compõem suas equipes multidisciplinares e também
quanto às estratégias empregadas na habilitação da
criança DV, baseiam-se no mesmo tipo de intervenção:
a “Estimulação Precoce”, sendo este o perfil das
instituições visitadas. Essa intervenção é utilizada em
crianças cegas ou com baixa visão na idade de 0 a 6
anos, podendo ser ministrada de diferentes formas e por
diversos profissionais.
SUMMARY
Habilitation Strategies for Visual Handicapped Children in Specialized
Institutions
Visual handicapped children have many difficulties in discovering and
acquiring knowledge about their own body, the objects around and the
indispensable concept of space, that is necessary to realize correct locomotion
movements and to get independent mobility. The most frequent method used
in specialized institutions for rehabilitation is that called “Precocious
Stimulation”, where the involved professionals, among them the physiotherapist, stimulate the child to impede delays in the sensory-motor
development becoming integrated and independent in the society.
KEY WORDS
Visual handicapped children, precocius stimulation, specialized institution.
Referências
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos às instituições e em especial aos
profissionais que gentilmente concederam entrevista e
permitiram observação do funcionamento dos serviços
“Fundação Dorina Nowill para Cegos” (São Paulo –
Brasil) – Dra. Ivete de Masi, Dra. Tatiana Ferraiol de
Almeida e Dr. Américo A. Pivello, “Laramara Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual”
(São Paulo – Brasil) – Dra. Vera A. S. Pereira, Rosana
S. A. S. Furtado e Edna Eiko Nakahara, “Centro Eva
Lindstedt” (São Paulo – Brasil) – Dra. Sílvia Veitzman
e Luciana P. Cardoso, “Cepre – Centro de Estudos e
Pesquisa em Reabilitação” (Campinas – Brasil) – Dra.
Solange G. Ravanine e “Once – Organización Nacional
de los Ciegos de España” (Madri – Espanha) – Dra. Rosa
Lucerga.
8.
9.
10.
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12.
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Endereço para correspondência:
Marcia Maiumi Fukujima
Rua Arnoldo Baldoíno Wellter, 75/52
CEP 04310-070 São Paulo (SP)
E-mail: [email protected]
E-mail: [email protected]
NAVARRO, A.S.; FONTES, S.V. & FUKUJIMA, M.M. – Estratégias de Intervenção para
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ARTIGO
Síndrome de Fahr e Distúrbios do
Metabolismo do Cálcio
Marise Lazaretti Castro*
Victória Z. Cochenski Borba**
RESUMO
As calcificações dos núcleos da base, inespecificamente chamadas de síndrome de Fahr, não
raro são um dos sinais que acabam levando ao
diagnóstico de hipoparatireoidismo ou pseudohipopar atireoidismo. Como os pacientes
portadores dessas patologias apresentam com
freqüência outros sinais neurológicos, muitas
vezes chegam inicialmente ao neurologista e
depois de diagnosticados são encaminhados ao
endocrinologista para tratamento da doença de
base. As principais manifestações clínicas da síndrome de Fahr são parestesias, tetanias, convulsões, papiledema (pseudotumor cerebral),
catarata, alterações de personalidade e da
motricidade. No pseudo-hipoparatireoidismo tipo
I, um fenótipo característico também pode ser
obser vado, como baixa estatura, fácies arredondada, obesidade troncular, retardo intelectual e encur tamento dos metacarpos. A
detecção nos exames laboratoriais de hipocalcemia e hiperfosfatemia, na presença de
função renal nor mal, associada a valores
inadequados de PTH (reduzidos no hipopara e
elevados no pseudo-hipoparatireoidismo) fecham
o diagnóstico. O tratamento precoce impede a
evolução para complicações irreversíveis e
controla, em geral, as manifestações neurológicas.
UNITERMOS
Hipocalcemia, hipoparatireoidismo, síndrome de
Fahr, calcificação dos gânglios da base.
*
**
Médica-assistente da Disciplina de Endocrinologia da Escola Paulista de Medicina –
UNIFESP.
Pós-graduanda da Disciplina de Endocrinologia da Escola Paulista de Medicina –
UNIFESP.
INTRODUÇÃO
A hipocalcemia crônica é causa freqüente de distúrbios neurológicos,
podendo se manifestar como parestesias, tetanias, papiledema (pseudotumor
cerebral), sinais extrapiramidais, retardo mental, alterações de personalidade,
depressão e convulsões. Calcificações dos gânglios da base e cerebelo podem
estar presentes no hipoparatireoidismo de longa evolução e caracterizam a
síndrome de Fahr descrita em 1930, apesar dessa entidade já ser conhecida
por longo tempo antes de sua descrição1.
Faremos uma breve revisão da homeostase do cálcio, causas de
hipoparatireoidismo, suas manifestações clínicas e tratamento.
CINÉTICA E HOMEOSTASE DO CÁLCIO
Uma concentração normal de cálcio no líquido extracelular é fundamental
para que muitos processos fisiológicos ocorram e, para isso, o organismo
desenvolveu mecanismos eficientes. Ao longo do dia, as variações das
concentrações plasmáticas de cálcio não ultrapassam 5%. Os valores
considerados normais de calcemia total em jejum encontram-se habitualmente
entre 8,5 a 10,5 mg/dL. Noventa e nove por cento do cálcio total de um
indivíduo está depositado no esqueleto, e o restante encontra-se em forma
solúvel nos compartimentos intra e extracelulares. É um íon predominantemente extracelular, e suas concentrações intracelulares chegam a ser
até 100.000 vezes menor que fora das células. Pequenas variações de suas
concentrações no citoplasma celular são responsáveis por modificações
intensas nas funções celulares, funcionando como um segundo mensageiro.
Aproximadamente metade do cálcio circulante está ligada às proteínas
plasmáticas, principalmente à albumina, uma pequena parte encontra-se na
forma de complexos com ânions, como o citrato e sulfato, e a outra metade
circula na forma de íons livres. É essa porção ionizada do cálcio total que é
fisiologicamente importante. Em situações clínicas de rotina, a medida do
cálcio total freqüentemente é satisfatória. Entretanto, quando as proteínas
CASTRO, M.L. & BORBA, V.Z.C. – Síndrome de Fahr e Distúrbios do Metabolismo do Cálcio
Rev. Neurociências 7(1): 22-27, 1999
23
totais potencialmente podem estar alteradas, como em
casos de desnutrição, síndrome nefrótica, doenças
mieloproliferativas, insuficiência hepática ou renal e
outras, recomenda-se a medida do cálcio ionizado.
Quando isso não é possível, uma análise das proteínas
totais e frações concomitante à dosagem do cálcio total
possibilita a obtenção do cálcio corrigido, pela aplicação
de uma das várias fórmulas matemáticas disponíveis2, 3.
Somente as alterações nas frações livres do cálcio
apresentam repercussão clínica e necessitam, portanto,
de tratamento. As variações decorrentes de alterações
protéicas não necessitam de qualquer intervenção.
Fórmulas de correção do cálcio total em função das
proteínas plasmáticas:
Cacorrigido= Ca total (mg/dL) + 0,8 [4,0-albumina(g/dL)]
ou
Cacorrigido= Ca total (mg/dL)/[0,6+(Proteína total(g/dL)/19,4)]
A homeostase do cálcio ocorre devido à grande
sensibilidade das glândulas paratireóides a pequenas
alterações nos níveis séricos de cálcio ionizado. O
hormônio das paratireóides (PTH) é o principal media-
TABELA 1
Principais causas de hipocalcemias
• Hipoalbuminemia
• Insuficiência renal crônica
• Deficiência de magnésio
• Hipoparatireoidismo
• Pseudo-hipoparatireoidismo
• Osteomalacia e raquitismo por deficiência ou resistência
de vitamina D
• Pancreatite aguda
• Rabdomiólise
• Choque séptico
• Doenças malignas
• Síndrome de fome óssea (decorrente da recuperação da
doença óssea no hiperparatireoidismo após cirurgia)
TABELA 2
Classificação do hipoparatireoidismo
I.
Falência no desenvolvimento das glândulas
paratireóides
II. Destruição das glândulas paratireóides
A. Cirúrgica
B. Doença poliglandular auto-imune
C. Radiação
D. Depósito de metais (ferro, cobre)
E. Infiltração granulomatosa
F. Invasão neoplásica
III. Alteração funcional das glândulas paratireóides
A. Alteração do receptor/sensor do cálcio
B. Mutação do PTH
C. Hiperparatireoidismo materno
D. Hipomagnesemia
IV. Diminuição da ação do hormônio paratireóide
A. Hipomagnesemia
B. Pseudo-hipoparatireoidismo
dor da homeostase do cálcio por seus efeitos agudos
sobre a reabsorção óssea e reabsorção renal de cálcio.
Absorção intestinal de cálcio pela produção renal de
1,25-dihidroxivitamina D [1,25 (OH) 2D 3] PTH estimulada requer 24 a 48 horas para tornar-se máxima,
portanto só participam da homeostasia quando o
estímulo hipocalcêmico é crônico.
A hipocalcemia ocorre quando existe falência ou
compensação incompleta dos mecanismos homeostáticos. A hipocalcemia crônica pode ser classificada
de acordo com a Tabela 1. Em geral, os estados
hipocalcêmicos podem ser classificados de acordo com
os níveis de PTH. Níveis de PTH inadequadamente
baixos indicam hipoparatireoidismo. Por outro lado,
níveis elevados indicam responsividade normal da
glândula paratireóide ao cálcio sérico baixo (hiperparatireoidismo secundário)2,3,4,5.
Como o principal enfoque deste artigo é a síndrome
de Fahr, ater-nos-emos às patologias que a essa síndrome
foram associadas, isto é, ao hipoparatireoidismo e ao
pseudo-hipoparatireoidismo (tabela 2). Estados crônicos
de hipercalcemia estão sujeitos a calcificações metastáticas (hiperparatireoidismo, síndrome milk-alcali),
porém prevalentes em outros tecidos que não o cerebral
(rins, músculos, pele, articulações, etc.).
CASTRO, M.L. & BORBA, V.Z.C. – Síndrome de Fahr e Distúrbios do Metabolismo do Cálcio
Rev. Neurociências 7(1): 22-27, 1999
24
ETIOLOGIA DOS ESTADOS DE
HIPOPARATIREOIDISMO (HP)
O HP pós-cirúrgico é a causa mais freqüente deste e
geralmente é o resultado de tireoidectomia total ou
reoperações repetidas para hiperparatireoidismo. A
incidência freqüentemente é menor que 5% e em geral
varia entre 1% a 2% das cirurgias de paratireóide6.
Hipoparatireoidismo idiopático caracteriza-se por
hipocalcemia com níveis de PTH baixos ou inexistentes.
A forma precoce pode ocorrer por falência no desenvolvimento da glândula paratireóide, por agenesia
congênita ou hipoplasia que produzem HP no período
neonatal. Nesses casos, o HP pode ser isolado (autossômico recessivo ou ligado ao X) ou associado a aplasia
do timo com imunodeficiência e anomalias cardíacas
(síndrome de DiGeorge). HP pode também ocorrer como
conseqüência de desordem auto-imune isolada ou em
associação com outras deficiências endócrinas. Pode ser
esporádico ou familiar, anticorpos antiparatireóides são
encontrados em 33% dos pacientes portadores da forma
isolada e em 41% associada a outras deficiências
hormonais 2,4.
Mais raramente, HP ocorre em pacientes submetidos
a radioterapia extensa da região cervical e mediastino,
em estados de acúmulo de metais pesados como na
hemocromatose, talassemia, e doença de Wilson e em
infiltração granulomatosa ou neoplásica das paratireóides.
Pode haver ainda alteração da função secretória das
paratireóides que pode ser primária ou secundária.
Alterações secundárias são aquelas que ocorrem na
hipomagnesemia crônica, em filhos de mães portadoras
de hiperparatireoidismo primário ou em recém-nascidos
prematuros. Causas primárias podem ter uma origem
genética. Já foram descritas diversas mutações presentes
no sensor do cálcio, resultando na sua ativação
constitutiva. Sua ativação, que fisiologicamente ocorre
na presença de quantidades elevadas de cálcio no
extracelular, nessas mutações induziriam a supressão da
síntese e secreção do PTH, e conseqüentemente a um
estado de hipoparatireoidismo. O receptor de cálcio
ativado da glândula suprime cronicamente a secreção
de PTH7.
Pseudo-hipoparatireoidismo (PHP)
As síndromes de resistência ao PTH (PHP) são
também causas de hipocalcemia e calcificações
cerebrais, porém com níveis de PTH aumentados por
irresponsividade dos órgãos-alvo a sua ação biológica.
Dois são os tipos descritos até os dias de hoje para essa
síndrome, dependendo da presença ou não do fenótipo
característico e da resposta renal a uma injeção de PTH
exógeno. No PHP tipo I, observa-se ausência de resposta
renal ao PTH, tanto no que se refere a geração de AMP
cíclico, como na indução do efeito fosfatúrico. Observase ainda, nesse tipo, a associação com outras resistências
hormonais, como ao TSH, às gonadotrofinas ou ao
glucagon, todos mediados via AMP cíclico. Nesse caso,
quando o fenótipo característico (descrito acima) estiver
presente, pode ser denominado de osteodistrofia
hereditária de Albright. No tipo II, apesar de observarse o incremento esperado no AMP cíclico urinário após
infusão endovenosa de PTH exógeno, não ocorre a
resposta fosfatúrica e não existe fenótipo característico8.
QUADRO CLÍNICO
A hipocalcemia não é somente a principal conseqüência do hipoparatireoidismo e do pseudo-hipoparatireoidismo, mas também a principal causa de suas
manifestações clínicas. Muitas dessas manifestações
resultam do aumento da irritabilidade do sistema nervoso
periférico e central. Entretanto, algumas características
clínicas podem auxiliar na suspeita do quadro, como a
presença de catarata em paciente jovem, pele seca e
áspera, cabelo quebradiço, alopecia, dentição alterada.
Nos pacientes portadores da osteodistrofia hereditária
de Albright, ou pseudo-hipoparatireoidismo tipo I, um
fenótipo característico pode ser identificado, como baixa
estatura, fácies arredondada, encurtamento de metacarpos ou metatarsos (braquidactilia), ossificações
subcutâneas, rebaixamento intelectual. Entretanto,
outras formas de pseudo-hipoparatireoidismo (tipo Ia e
tipo II) não apresentam qualquer fenótipo característico.
Tetania
Existem duas formas de tetania, uma franca e outra
latente. A forma franca ocorre em ataques de tetania que
se iniciam com sensação de formigamento nas extremidades e nos lábios, evoluindo com piora progressiva da
gravidade e da extensão, atingindo os membros e a face.
Segue-se o entorpecimento e espasmo que atingem mais
as mãos e os braços que os membros inferiores e, nos
casos mais intensos, a face também pode ser atingida.
Na forma latente, podem ser reconhecidos graus
menores de excitabilidade nervosa. Os sinais característicos de tetania latente são os sinais de Chvostek e
Trousseau. O sinal de Chvostek é provocado pelo leve
CASTRO, M.L. & BORBA, V.Z.C. – Síndrome de Fahr e Distúrbios do Metabolismo do Cálcio
Rev. Neurociências 7(1): 22-27, 1999
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estímulo do nervo facial aproximadamente 2 cm na
frente do lobo da orelha e abaixo do processo zigomático. Nos casos positivos ocorre contração dos lábios,
asa do nariz, músculo óculo-orbicular e, nos casos mais
graves, de todos os músculos inervados pelo facial
daquele lado. O sinal de Trousseau ocorre quando o
manguito do esfigmomanômetro é inflado na parte
superior do braço em nível acima da pressão sistólica.
A manifestação sensorial e motora de tetania ocorre na
seqüência em dois minutos, culminando com um ataque
típico de espasmo do carpo2,9.
Variações na expressão clínica da tetania podem
ocorrer principalmente em pacientes crônicos que podem
queixar-se somente de parestesias leves, em geral
periorais, ou contrações musculares. Pode ocorrer
estridor laríngeo pelo espasmo dos músculos da laringe
e fixação das cordas vocais na linha média, graus
menores de dificuldades na vocalização não são
incomuns. Irritabilidade dos gânglios autonômicos está
aumentada pela hipocalcemia, com uma variedade de
sintomas sendo atribuída ao espasmo da musculatura
lisa. Espasmo esofagiano, dor abdominal e pseudoobstrução intestinal são os mais documentados.
A idade é um fator de variação na manifestação
clínica de tetania. Crianças pequenas apresentam mais
tremores, contrações e convulsões que espasmo carpopedal, provavelmente devido à hipomagnesemia associada. A forma de instalação da hipocalcemia também é um fator importante no aparecimento da tetania.
Quando os níveis de cálcio caem rapidamente essa é
mais marcada, mesmo com níveis não tão reduzidos
de cálcio. Por outro lado, podem estar até mesmo
ausentes nos casos de hipocalcemia de longa duração.
Ataques de tetania podem ser precipitados ou piorados
por hiperventilação, exercício intenso, retirada da
medicação tireoideana, infecção, acidose metabólica,
uremia e fenitoína. No período pré-menstrual e na
gravidez pode ocorrer uma piora dos sintomas pela
retenção de sal e água 9.
Convulsões
A hipocalcemia aumenta a irritabilidade neuronal
central e periférica e convulsões podem ser a manifestação inicial desta, especialmente nos muito jovens
ou muito idosos. A hipocalcemia pode diminuir o limiar
excitatório de uma epilepsia preexistente, e as
convulsões são indistinguíveis daquelas que ocorrem na
presença de cálcio normal e podem ser de qualquer
forma. As alterações do eletroencefalograma (EEG)
permanecem após a correção da hipocalcemia, apesar
da diminuição do número de crises. Devem ser diferenciadas da crise tetânica, que consiste de uma tetania
generalizada seguida de espasmos tônicos prolongados.
Nesses casos, aura sensorial pode ou não estar presente,
porém perda da consciência, ferimento da língua,
incontinência esfincteriana e confusão pós-ictal não
ocorrem.
A hipocalcemia freqüentemente produz mudanças
distintas no EEG, estas podem ser vistas em pacientes
que têm ou não convulsões. Existe irregularidade e
fragmentação na atividade de fundo pós-central, desvio
da freqüência de menos de 4 Hz para 4 a 8 Hz e aumento
da atividade rápida de baixa freqüência. Mais característicos são os picos de ondas lentas de alta voltagem
que ocorrem com maior freqüência e duração na
presença de níveis baixos de cálcio. Se o cálcio cai para
níveis inferiores a 6,5 mg/dL, espículas agudas e padrão
de ondas podem aparecer. Essas últimas alterações
podem desaparecer dentro de poucos dias após a
correção da hipocalcemia, porém o padrão de fundo
anormal no EEG pode permanecer por semanas9.
O sucesso no tratamento da hipocalcemia freqüentemente previne ambos os tipos de convulsão e reduz
ou cessa a necessidade do uso de anticonvulsivantes.
Calcificações dos gânglios da base e
síndrome extrapiramidal
Na hipocalcemia de longa duração, áreas pequenas,
irregulares e discretas de calcificações podem ser vistas
3 a 5 cm acima da sela túrcica na visão lateral do crânio,
e 2 a 4 cm da linha média na visão frontal. Lesões
similares podem ocorrer no núcleo denteado e córtex
cerebral. Em todas as localizações as calcificações
podem ser detectadas mais precocemente pela tomografia computadorizada que pela radiografia convencional 10,11.
As lesões consistem de depósitos de sais de cálcio,
ferro e outros minerais em um núcleo de material
basofílico rico em glicosaminoglicans, que se acumulam
dentro e ao redor das paredes dos vasos sangüíneos dos
gânglios basais e também no núcleo denteado do
cerebelo. Essas calcificações ocorrem em todas as formas de hipoparatireoidismo, quando os pacientes
permanecem sem tratamento por tempo suficientemente
longo. Nos casos de hipoparatireoidismo pós-cirúrgico,
as calcificações são vistas em média 17 anos após a
cirurgia9.
De 7.040 exames de tomografia computadorizada de
crânio, 72 (1,02%) mostraram calcificações intracranianas simétricas. Nos 10 pacientes que apresentavam
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calcificações extensas, hipoparatireoidismo foi facilmente detectado em todos. Em quatro casos, com calcificações menos extensas, as alterações laboratoriais estavam no limite para o diagnóstico de HP. Nos 58 pacientes
que apresentavam calcificações limitadas à parte interna
do globus pallidus, não foi detectada qualquer relação
com distúrbios da função paratireóide12.
Calcificações dos gânglios da base podem ocorrer
sem alterações neurológicas ou apresentar uma
variedade de síndromes extrapiramidais, incluindo
Parkinson, coreoatetose e espasmos distônicos. Essas
alterações são resistentes ao tratamento-padrão e usualmente melhoram com a restauração da hipocalcemia, a
não ser que as calcificações sejam muito extensas.
Calcificações dos gânglios da base ocorrem em uma
variedade de outras condições, como a forma familiar
de epilepsia associada à hipocalcemia. Nesses casos,
acredita-se que alterações da estrutura ou função da
membrana têm importância fundamental na gênese da
epilepsia familiar e que existe uma determinação
genética para o set point do cálcio, explicando a
concomitância das duas patologias 13.
Diagnóstico laboratorial
As alterações bioquímicas mais importantes são
hipocalcemia e hiperfosfatemia na presença de função
renal normal. As concentrações séricas de cálcio variam
de 6-7 mg/dL até valores próximos do normal,
dependendo da intensidade da doença. O fósforo está
em geral elevado, entre 6-7 mg/dL. O PTH imunorreativo está baixo ou indetectável, exceto nos casos de
resistência ao PTH, nos quais os níveis estão elevados.
O magnésio pode estar diminuído devido à redução da
absorção intestinal e da reabsorção tubular de magnésio.
A calciúria de 24 horas está diminuída, assim como a
excreção do AMP cíclico urinário.
Tratamento
O objetivo do tratamento em todos os estados de HP
é restaurar os níveis de cálcio e fósforo para próximos
do normal, que possibilitem o desaparecimento dos
sintomas.
O tratamento da crise tetânica é feito pela injeção de
cálcio endovenoso com gluconato de cálcio 10% (possui
90 mg de cálcio/10 mL) ou cloreto de cálcio 10% (272
mg de cálcio/10 mL), na quantidade necessária para que
desapareçam os sintomas, geralmente 200 mg de cálcio.
A injeção deve ser feita lentamente (ao longo de 5
minutos), para evitar arritmias cardíacas.
Os principais agentes utilizados para o tratamento
da tetania latente e HP crônico são o cálcio e a vitamina
D, uma vez que não dispomos do próprio PTH para esse
fim. O cálcio elementar é administrado geralmente na
dose de 1-2 g/dia. Uma variedade de preparações de
vitamina D pode ser usada, como a vitamina D 3 ou D2
(colecalciferol ou ergocalciferol, respectivamente) nas
doses de 25.000-100.000 U (1,25 a 5 mg) ao dia. São
doses muito elevadas, cerca de 100 a 250 vezes as
necessidades fisiológicas diárias desses hormônios. São
lipossolúveis e depositam-se no tecido adiposo, e
oferecem o risco de intoxicação quando utilizados por
longos períodos. O calcitriol ou 1,25(OH)2D 3, apesar
de mais caro, tem menor risco de intoxicação e é
utilizado preferencialmente, na dose de 0,25 a 1 mg ao
dia. As doses do cálcio e vitamina D devem ser ajustadas
de acordo com o nível sérico de cálcio, que deve ser
mantido entre 8 e 8,5 mg/dL e o cálcio urinário deve ser
mantido em níveis inferiores a 200 mg/dia 2.
SUMMARY
Fahr’s syndrome and Calcio Disturbance
Basal ganglia calcifications, inappropriately called Farh’s syndrome, usually
ends up in the diagnoses of hypoparathyroidism and pseudohypoparathyroidism. Neurological manifestations are frequent. Regularly, these
hypocalcemic patients are seen first by the neurologist, and referred to the
endocrinologist. Farh’s syndrome symptoms include paresthesia, tetany,
seizures, papilledema (pseudo-cerebral tumor), cataracts, extrapyramidal
signs, motor and personality disturbances. A characteristic phenotype is seen
in the pseudohypoparathyroidism “1a” and consists of short stature, round
facies, mental retardation, obesity and brachydactily. Laboratorial findings of
hypocalcemia and hyperphosphatemia in the presence of normal renal
function and improper PTH values (low in the hypoparathyroidism and high
in the pseudohypoparathyroidism) are the hallmarks of the diagnosis. Early
treatment prevents evolution to irreversible complications and usually controls
neurological manifestations.
KEY WORDS
Hypocalcemia, hypoparathyroidism, Fahr’s syndrome, basal ganglia
calcification.
Referências
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Endereço para correspondência:
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CASTRO, M.L. & BORBA, V.Z.C. – Síndrome de Fahr e Distúrbios do Metabolismo do Cálcio
Rev. Neurociências 7(1): 22-27, 1999
28
ARTIGO
Calcificação Simétrica dos
Gânglios da Base (CSGB) –
“Doença de Fahr”
José Osmar Cardeal*
Daniel Dante Cardeal**
RESUMO
Há um tipo específico de calcificação intracraniana que compromete simetr icamente os
gânglios da base e os núcleos denteados do
cerebelo e é denominado calcificação simétrica
dos gânglios da base (CSGB) ou doença de Fahr,
no qual o principal método diagnóstico é a
tomografia computadorizada. Essa revisão
mostra que pode estar associado a vários
processos patológicos, como distúrbios do cálcio
e fósforo e as manifestações clínicas não
estabelecem estrita relação com a topografia das
lesões, havendo destaque para as crises
epilépticas e distúrbios psiquiátricos. Conclui-se,
portanto, que a CSGB nem sempre é idiopática
e o termo calcificação não é apropriado, também
não constitui uma doença definida.
UNITERMOS
Doença de Fahr, calcificação, gânglios da base,
manifestações clínicas.
*
**
Professor Adjunto de Neurologia da Escola
Paulista de Medicina – UNIFESP.
Acadêmico da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo – FMUSP.
As calcificações de estruturas intracranianas são relativamente comuns e
muitas vezes não estão associadas a processos patológicos, por isso mesmo
designadas como “fisiológicas”, como, por exemplo, a calcificação da pineal,
dos plexos coróides, da foice cerebral, e outras. Por outro lado, várias
condições patológicas produzem calcificações intracranianas, dentre elas as
neoplasias; facomatoses; doenças vasculares, inflamatórias, infecciosas,
parasitárias; e distúrbios pós-anoxia, metabólicos.
Um tipo bem peculiar de calcificação intracraniana compromete, de modo
relativamente simétrico, os gânglios da base e os núcleos denteados do
cerebelo. Nesse grupo, os depósitos calcários, pela sua distribuição característica, constituem uma entidade facilmente reconhecível aos exames de
neuroimagem, e designados de várias maneiras, dentre elas calcificação
estriado-pálido-denteada, calcinose estriado-pálido-denteada, calcificação
não-arterioesclerótica dos gânglios da base, doença de Fahr, síndrome de
Fahr, calcificações intracranianas simétricas dos gânglios da base.
Esse tema aqui revisto não se refere a uma doença definida, mas as
calcificações apresentam peculiar distribuição, comprometendo várias
estruturas cerebrais, principalmente os gânglios da base e núcleos denteados
do cerebelo. São identificáveis nos raios X simples do crânio e principalmente
na tomografia computadorizada (CT) de crânio; por vezes tão extensas que
podem ser detectadas no exame macroscópico e nos quadros clínicos mais
ou menos bem definidos e associados a esse distúrbio. Apresenta ainda
associação com alterações do metabolismo dos íons cálcio e fósforo em
muitos casos, outros são idiopáticos e grupos com herança autossômica foram
relatados.
As calcificações simétricas dos gânglios da base (CSGB) ocorrem tanto
nos adultos quanto nas crianças, mas sua prevalência não é conhecida. Muitos
estudos para inferir sua freqüência surgiram da análise de TC de crânio em
vários serviços. Nesse sentido, Kasis 1 observou que as CSGB estavam
presentes em 72 (aproximadamente 1%) dentre 7.040 TC de crânio de
pacientes que realizaram esse procedimento por motivos diversos. Em outro
CARDEAL, J.O. & CARDEAL, D.D. – Calcificação Simétrica dos Gânglios
da Base (CSGB) – “Doença de Fahr”
Rev. Neurociências 7(1): 28-31, 1999
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estudo, baseado na análise de 800 TC de crânio, os
autores observaram 2% de CSGB 2. Em um estudo com
4.283 TC de crânio de criança foram encontradas CSGB
em 1%3.
As alterações localizam-se principalmente nos
núcleos da base (palidum e estriatum) bem como nos
núcleos denteados do cerebelo; e mais raramente, nos
tálamos (substância branca do centro semi-oval, córtex
cerebral em alguns de seus sulcos); e eventualmente no
tronco cerebral. Dentre os achados anatomopatológicos,
encontram-se alterações em células da glia e em
neurônios, principalmente nos casos de lesões extensas,
embora predominem lesões vasculares, principalmente
pequenos vasos, afetando também regiões perivasculares4,5. O termo calcificação simétrica dos gânglios
da base pode conduzir ao entendimento de que tais lesões
sejam apenas deposições de cálcio nas estruturas
afetadas. Esses depósitos são constituídos por glicoproteínas e mucopolissacarídeos contendo cálcio, mas
outras substâncias são encontradas, como ferro, zinco,
cobre, magnésio e alumínio 5,6,7. Assim sendo, consideramos o termo “mineralização” mais adequado e não
calcificação dos gânglios da base.
As CSGB podem corresponder apenas a um achado
fortuito de exame, não estando associadas a uma doença
bem-definida. Diversas condições patológicas foram
associadas às CSGB, dentre elas: hipoparatireoidismo
primário ou secundário; pseudo-hipoparatireoidismo;
FIGURA 1
Calcificações relativamente simétricas e restritas aos
gânglios da base e núcleos denteados do cerebelo
(TC de crânio) – forma idiopática.
CARDEAL, J.O. & CARDEAL, D.D. – Calcificação Simétrica dos Gânglios
da Base (CSGB) – “Doença de Fahr”
pseudo-pseudo-hipoparatireoidismo, hiperparatireoidismo; hipotireoidismo; hipertireoidismo; anoxia neonatal, pós-radioterapia de tumor cerebral; doenças
congênitas, inflamatórias, infecciosas, parasitárias e
intoxicações. É bem possível que muitas dessas condições
descritas em casos de CSGB tenham com essa entidade
apenas uma relação casual. Entretanto, a revisão da literatura permite identificar pelo menos três grupos principais:
idiopático, familiar e o mais comum, aquele associado a
distúrbios do metabolismo do cálcio e do fósforo,
hipoparatireoidismo, pseudo-hipoparatireoidismo.
Não é incomum observar extensas lesões cerebrais
assintomáticas, como é o caso da paciente cuja TC é
mostrada na figura 1. Quando as manifestações clínicas
estão presentes, não estabelecem estreita correlação com
a topografia das lesões detectadas na TC de crânio5,8 e
podem ser: neurológicas, psiquiátricas e neuropsicológicas. As principais manifestações neurológicas são
expressas por distúrbios do movimento e crises
epilépticas.
Estima-se que distúrbios do movimento ocorram em
aproximadamente 30% dos casos de CSGB e podem ser
do tipo parkinsoniano, tremor, rigidez, distonia, mioclonia, coréia, atetose, mutismo, hemicoréia, hemibalismo 5,7,9 . As síndromes extrapiramidais observadas
nesses casos podem sugerir que as mineralizações não
ficam restritas a regiões vasculares ou perivasculares,
mas direta ou indiretamente afetam elementos neurais
do sistema extrapiramidal.
As crises epilépticas constituem outra condição
clínica relativamente comum nos casos de CSGB, não
tendo sido encontrada associação com um tipo específico
de crise. Quando as CSGB se associam ao hipoparatireoidismo, o fator precipitante das crises pode ser
atribuído diretamente ao distúrbio do cálcio. Estima-se
que crises epilépticas ocorram em 30% a 70% dos
pacientes com hipoparatireoidismo 10 e podem ser
parciais motoras, generalizadas tônico-clônicas, e menos
freqüentemente ausências atípicas ou crises acinéticas11.
Nesse sentido, as observações em modelos experimentais de epilepsia com manipulação dos íons cálcio,
com ou sem alteração do potássio, mostram que a
exposição de fatias de hipocampo a concentrações
extracelulares de 0,2 mm ou menores bloqueia as
respostas sinápticas de neurônios piramidais. Ao invés
de observar a inibição das descargas epilépticas por essa
alteração eletrolítica, observa-se após um breve período
com descargas isoladas eventos semelhantes a crises
epilépticas espontâneas e recorrentes na camada
piramidal CA1 do hipocampo12. No entanto, além das
alterações do cálcio, outras devem ocorrer, pois crises
epilépticas também foram observadas em casos sem
Rev. Neurociências 7(1): 28-31, 1999
30
FIGURA 2
Calcificações simétricas dos gânglios da base e núcleos
denteados do cerebelo (TC de crânio), comprometendo
outras estruturas cerebrais, incluindo o córtex cerebral –
forma secundária a hipoparatireoidismo.
CARDEAL, J.O. & CARDEAL, D.D. – Calcificação Simétrica dos Gânglios
da Base (CSGB) – “Doença de Fahr”
distúrbios do íon cálcio, como ocorreu com o paciente
cuja TC de crânio é apresentada na figura 2.
Diversos distúrbios psiquiátricos foram descritos em
casos com CSGB, compreendendo: distúrbios do comportamento com apatia, retraimento social, crises
emocionais, abandono das atividades habituais; distúrbios psicopatológicos como síndromes do humor, transtorno obsessivo-compulsivo, alterações de personalidade, síndrome paranóide-alucinatória, psicose esquizofreniforme e dependência química. Também foram
descritas depressão seguida de transtorno bipolar e
síndrome maniforme.
As alterações neuropsicológicas abrangem vários
domínios, como a orientação, a atenção e a concentração,
a memória e a inteligência. Pode também estar afetada a
capacidade de aprendizagem, assim como a coordenação
visual-motora e as atividades visuoespaciais. De modo
geral, nesses casos o quadro dominante corresponde à
demência em padrão diferente de Alzheimer e também
de Pick, mas com elementos de ambos, sendo observada
atrofia cortical frontal ou temporal. Um estudo anatomopatológico13 feito em 5 casos de CSGB associados a
demência mostrou que as principais características foram:
1- ausência de placas senis; 2 - a presença de numerosos
e disseminados emaranhados neurofibrilares no neocórtex; 3 - depósitos calcários como os descritos anteriormente; 4 - atrofia cerebral restrita aos lobos frontais ou
temporais; 5 - moderada ou intensa desmielinização e
gliose fibrosa na substância branca das áreas atrofiadas;
6 - leve ou moderada perda neuronal no núcleo basal de
Meynert. Os casos com demência são encontrados nos
pacientes com extensas mineralizações intracranianas8.
O diagnóstico de CSGB pode ser feito em estudos
anatomopatológicos, raios X simples de crânio e principalmente TC de crânio (Figuras 1 e 2). Evidentemente,
a TC de crânio é superior aos raios X simples para
detecção de calcificação em gânglios da base14, não só
pela identificação de lesões, mas também por permitir
avaliar sua extensão, além de identificar casos com
atrofia cerebral.
O patologista Karl Theodor Fahr 15 em 1930 publicou
os resultados do estudo anatomopatológico do caso de
um paciente do sexo masculino que falecera após quadro
de diarréia, cãibras nas pernas, diplopia, vertigens,
tetania e coma. Identificou a presença de calcificações
perivasculares comprometendo bilateralmente, de modo
simétrico, os gânglios da base, atribuindo um caráter
idiopático para as referidas alterações. A partir de então,
casos de CSGB passaram a ser designados como
“doença de Fahr”. No entanto, essa designação tem sido
freqüentemente contestada, como o fez Lowental e
Bruyn7 no final da década de 60: “Those using it betray
Rev. Neurociências 7(1): 28-31, 1999
31
a major state of ignorance with respect to this disorder:
the condition is not a disease in the nosological sense
of the word, neither was Fahr the first to report it, nor
should be credited for having presented an exhaustive
descriptio princeps”.
Finalmente podemos ressaltar que as CSGB são uma
entidade conhecida desde a metade do século passado 9.
Não constitui uma doença, nem sempre é idiopática, em
muitos casos está associada com distúrbios do metabolismo dos íons cálcio e fósforo e o termo calcificação
não é apropriado.
5.
SUMMARY
9.
Symmetrical Calcification of the Basal Ganglia – Fahr’s Disease
There is a specific type of intracranial calcification that affects the basal ganglia
and the dentate nuclei of the cerebellum symmetrically which is denominated
Simmetrical Calcification of the Basal Ganglia (SCBG) or Fahr’s disease, in
which the main diagnosis method is the CT scan. This revision shows that
this may be associated to many pathological processes like calciumphosphorus metabolism disorders and no relationship is observed between
the clinical manifestations and the topography of the lesions, standing out
the epilepsy and the psychic disorders. We conclude that the SCGB is not
always idiophatic and the term calcification is not appropriate, and this
condition is not a disease in the nosological sense.
6.
7.
8.
10.
11.
12.
KEY WORDS
Farh’s disease, calcification, basal ganglia, clinical manifestations.
13.
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Endereço para correspondência:
Rua Borges Lagoa, 783, cj. 11 – Vila Clementino
CEP 04038-031 São Paulo (SP)
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APLICAR BULA HYDERGINE
CARDEAL, J.O. & CARDEAL, D.D. – Calcificação Simétrica dos Gânglios
da Base (CSGB) – “Doença de Fahr”
Rev. Neurociências 7(1): 28-31, 1999
32
ARTIGO
Epilepsias – Tratamentos
Alternativos
Sueli Rizzutti*
Alzira Nobuko Nishiyama**
Mauro Muszkat***
Carlos José Reis de Campos****
RESUMO
Este é um artigo de revisão no qual os autores
fazem uma abordagem geral dos principais
tratamentos alternativos atualmente utilizados
para as epilepsias, dentre eles: acetazolamida,
brometos, alopurinol, piracetam, leviracetam,
imunoglobulina, dieta cetogênica e corticosteróides.
UNITERMOS
Epilepsia, drogas antiepilépticas, tratamento
alternativo em epilepsia.
O principal objetivo do tratamento medicamentoso da epilepsia é o
controle total das crises epilépticas, com o uso de drogas potencialmente
efetivas, sem efeitos indesejáveis ou com efeitos adversos que não interfiram
na qualidade de vida do paciente.
Embora o tratamento medicamentoso com drogas antiepilépticas resulte
em bom controle das crises em aproximadamente 70% dos pacientes com
epilepsia, ainda 20% a 30% deles têm crises epilépticas não-controladas pelas
drogas antiepilépticas disponíveis. A freqüência de crises nesses pacientes
com crises epilépticas de difícil controle medicamentoso pode ser diminuída
pela medicação, mas não completamente controlada. A cirurgia de epilepsia
é uma das alternativas quando há insucesso no tratamento com drogas
antiepilépticas habituais, como também quando se utilizam novas drogas.
Porém, há um outro grupo de drogas e até mesmo uma dieta especial, que
podem ser utilizados como alternativa de abordagem para pacientes
considerados de difícil controle medicamentoso. Tais medidas são
consideradas como tratamento coadjuvante e, excetuando-se a corticoterapia
para a síndrome de West, ainda não há estudos prospectivos controlados
duplo-cegos que confirmem sua eficácia.
Faremos uma abordagem geral dos principais tratamentos alternativos.
ACETAZOLAMIDA (AZM)
*
Médica Neurologista. Pós-graduanda da
Disciplina de Neurologia da Escola Paulista
de Medicina – UNIFESP.
** Médica Neurologista.
*** Médico Neurologista, Doutor em Neurologia
pela Escola Paulista de Medicina –
UNIFESP.
**** Prof. Adjunto e Chefe do Setor de Investigação e Tratamento das Epilepsias (SITE)
da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP.
A acetazolamida, introduzida como droga antiepiléptica em 1952, tem
como mecanismo de ação a inibição da anidrase carbônica, enzima que
catalisa a reação de hidratação do CO 2, de importância fundamental na
formação de ácido carbônico e fase intermediária na secreção de íons
hidrogênio e transporte de bicarbonato, levando a um acúmulo de dióxido
de carbono.
A droga é amplamente absorvida no duodeno e porção do jejuno proximal.
Os níveis plasmáticos máximos são obtidos dentro de duas horas após a
administração oral. Liga-se em 90% a proteínas plasmáticas. A alta
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Tratamentos Alternativos
Rev. Neurociências 7(1): 32-38, 1999
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concentração da acetazolamida encontra-se em tecidos
com alto teor de anidrase carbônica (glia e eritrócitos),
refletindo intensa afinidade da AZM por essa enzima.
No interior do cérebro, as células gliais são as principais
células que contêm a anidrase carbônica e a AZM
encontra-se no seu interior. Na célula, a AZM distribuise no citoplasma e na mitocôndria e sua meia-vida é de
4 horas a 10 horas.
A interação da AZM com outras drogas é rara. Como
a AZM não é metabolizada pelo fígado, sua concentração plasmática não pode ser afetada por drogas que
induzem ou inibem enzimas metabólicas hepáticas.
A dose usual é de 250 mg em duas ou três vezes por
dia podendo chegar até 1 g.
A AZM tem-se mostrado efetiva no controle de vários
tipos de crises, como em crises parciais, mioclonias,
ausência, e crises generalizadas tônico-clônicas que não
são controladas por outras drogas antiepilépticas1. Resor
& Resor2 avaliaram 84 pacientes com epilepsia mioclônica juvenil, dos quais 51 pacientes fizeram uso de
AZM devido a efeitos colaterais induzidos pelo ácido
valpróico, e observaram controle de 45% de crises
generalizadas tônico-clônicas e menor efeito sobre crises
mioclônicas. Oles3 et al. (1989) avaliaram 48 pacientes
com epilepsia parcial e observaram que 44% tiveram
diminuição da freqüência das crises de 50%, quando a
AZM foi associada à carbamazepina.
Os efeitos colaterais mais encontrados são letargia,
parestesias, anorexia, cefaléia, náuseas, acidose
metabólica, diarréia, distúrbios visuais e podendo ser
facilitada a formação de cálculo renal.
BROMETOS
Os brometos foram introduzidos na medicina em
meados do século passado, primeiramente como
sedativos e hipnóticos e a seguir como droga antiepiléptica. Foi a primeira substância efetiva usada no
tratamento de epilepsia. Charles Locock, em 1857, foi
o primeiro a preconizar os brometos para diminuir as
“sensações sexuais” em mulheres não-epilépticas e
estendeu suas observações para a “epilepsia histérica”
(provavelmente epilepsia com crises exacerbadas no
período menstrual) com excelentes resultados. Com o
advento de outras drogas antiepilépticas, tais como o
fenobarbital (1912) e a fenitoína (1932), os brometos
foram substituídos, sendo progressivamente reduzida
sua indicação.
Atualmente os brometos têm recebido maior atenção
por parte da literatura especializada 4,5,6 . Os mais
empregados são o brometo de sódio, o brometo de cálcio
e o brometo de amônia. O brometo de sódio é o mais
utilizado por ser o menos irritante da mucosa gástrica.
Em geral são usados oralmente, às vezes associados a
corretivos para mascarar o sabor desagradável. Devem
ser administrados após as refeições, devido a sua ação
irritante sobre a mucosa gástrica. Os brometos são
reabsorvidos completamente pelo trato gastrintestinal e
são distribuídos de maneira muito semelhante à dos
cloretos. Os brometos substituem o cloreto no fluido
extracelular e o equivalente do cloreto é excretado. No
meio intracelular, o brometo encontra-se nas células
vermelhas sangüíneas. A taxa de distribuição para o
líquido cefalorraquiano, trato gastrintestinal e músculo
é baixa. O brometo é excretado pelos rins sem
biotransformação, e apesar de se afirmar que a excreção
dos brometos é um pouco mais lenta que a dos cloretos,
por serem mais propensos à reabsorção tubular, do ponto
de vista prático, eliminam-se mais ou menos na mesma
proporção. No túbulo distal há uma reabsorção
competitiva entre cloreto e brometo. Os brometos têm
uma meia-vida de 12 dias.
De fato a restrição de cloretos na alimentação facilita
a obtenção de maior teor sérico de brometos, em função
de uma determinada dose, ao passo que o aumento da
quantidade de cloreto de sódio na alimentação acelera a
eliminação renal de brometos.
O brometos não se ligam a proteínas plasmáticas e
não há evidências de inibição ou indução de enzimas
hepáticas responsáveis pelo metabolismo de outras
drogas antiepilépticas. Entretanto, os brometos podem
aumentar o efeito de sedação produzido por outras
drogas antiepilépticas.
Os mecanismos de ação são desconhecidos.
Woodbury e Pippenger sugerem que os brometos
atravessam a membrana celular mais rápido que o
cloreto, causando uma hiperpolarização e facilitando a
ação de neurotransmissores inibitórios7.
Há muitas indicações para a terapia com brometos,
dentre elas a epilepsia com crises generalizadas tônicoclônicas de difícil controle em adultos e crianças8. Os
brometos são menos efetivos em epilepsia parcial e
podem piorar crises de ausência, mioclonias, tônicas e
atônicas. Dreifuss e Bertram9 utilizaram os brometos em
seis pacientes (dois com crises convulsivas generalizadas, dois com crises parciais complexas e dois com
crises de ausência), observando ótimo controle nas
convulsões generalizadas, menor controle sobre as crises
parciais complexas e falta de efeito sobre as crises de
ausência. Woody 10 utilizou brometos como terapia
coadjuvante em 11 crianças com epilepsia de difícil
controle (um caso de epilepsia fotossensível, um de
afasia epiléptica adquirida, três de síndrome de LennoxGastaut e seis de epilepsia parcial sintomática) e
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observou controle total das crises em dois pacientes e
melhora importante em quatro; observou também que a
terapia de brometos associada ao ácido valpróico foi
muito efetiva nesses casos. Oguni et al.4 estudaram a
eficácia dos brometos (brometo de potássio) como
terapia coadjuvante em 11 pacientes com epilepsia
mioclônica grave e em outros 11 pacientes com uma
variante de epilepsia mioclônica grave, com doses que
variaram de 30 a 100 mg/kg (média de 58 mg/kg); 36%
dos pacientes com crises generalizadas tônico-clônicas
tiveram redução das crises de aproximadamente 75% e
em 41% dos pacientes redução de 50% a 75%.
A dose usual em crianças até 6 anos de idade é de 300
mg duas vezes ao dia até 600 mg três vezes ao dia; acima
de 6 anos de idade, a dose é de 300 mg a 1 g três vezes ao
dia. A concentração sérica tolerada é de 75 a 125 mg/100
mL. Os efeitos colaterais dos brometos podem ser
divididos naqueles que afetam o trato gastrintestinal, a
pele e o sistema nervoso central. Os efeitos sobre o trato
gastrintestinal incluem anorexia, constipação e perda de
peso. Recentemente, tem sido descrita pancreatite como
efeito colateral da terapia com brometo de sódio. As três
principais manifestações dermatológicas são: exantema,
erupção acneiforme e bromoderma tuberoso. O bromoderma tuberoso é uma erupção acneiforme envolvendo
face e região superior do tronco, é dose-dependente e em
muitos casos é totalmente reversível, ocorrendo em cerca
de 25% dos casos. Os efeitos sobre o sistema nervoso
central observados incluem a sedação, mioclonias de ação,
sinais cerebelares como ataxia e disartria, diminuição da
libido, disfagia, sonolência, tremores e alucinação.
A administração excessiva de brometos pode causar
quadros psicomotores confundíveis com os próprios
automatismos de crises epilépticas, o que muitas vezes
pode levar o médico a tratar erroneamente o “bromidismo” com o próprio brometo. O bromidismo crônico
caracteriza-se por confusão, irritabilidade, cefaléia,
anorexia, labilidade emocional, fadiga, perda de memória, insônia, desorientação e depressão. Podem ocorrer também midríase, distúrbios da marcha, fraqueza,
tremor e hiper-reflexia6. O tratamento envolve a eliminação do brometo, utilizando-se cloreto de sódio,
hidratação e diuréticos.
ALOPURINOL
O alopurinol foi introduzido inicialmente por Coleman
et al.11 para o tratamento de epilepsia em pacientes que,
além da epilepsia, apresentavam hiperuricemia. Posteriormente, De Marco e Zagnoni12 sugeriram que a droga
poderia ser utilizada em casos sem uricemia.
O alopurinol inibe a complexa atividade da enzima
xantina-oxidase, responsável pela conversão da hipoxantina em xantina e desta em ácido úrico, com
conseqüente redução do ácido úrico no sangue e na
urina. Inibe também o triptofano 2-3 desoxigenase o que
causa redução do ácido quinolínico que é um análogo
do glutamato.
A concentração plasmática de muitas drogas
antiepilépticas não é afetada pela administração do
alopurinol. Contudo, Mikati et al.13 relatam a elevação
dos níveis de carbamazepina induzida pelo alopurinol.
O alopurinol é utilizado como coadjuvante no tratamento
de epilepsia com doses de até 15 mg/kg/dia dividida em
três tomadas.
Há descrições de respostas favoráveis no controle
de crises parciais, com ou sem generalização subseqüente, em crises generalizadas tônico-clônicas e até
mesmo na síndrome de Lennox-Gastaut14,15,16,17.
So e Ptacek14 utilizaram alopurinol como medicação
coadjuvante em 13 pacientes com epilepsia de difícil
controle (9 com crises generalizadas tônico-clônicas, 4
com crises atônicas, 3 com mioclônicas e 2 com crises
parciais complexas), com dose mínima de 300 mg por
dia, somente 1 paciente teve redução das crises, 50% de
crises atônicas e mioclônicas. Marrosu et al. 15
observaram uma diminuição da freqüência de crises
epilépticas em pacientes com síndrome de LennoxGastaut, principalmente de crises atônicas. Tada et al.16
utilizaram o alopurinol em 31 pacientes com epilepsia
de difícil controle e observaram que a droga foi eficaz
em 55% dos pacientes, sendo que 8 permaneceram sem
crises, 8 pacientes tiveram redução das crises em 75% e
em 1 paciente as crises foram reduzidas em aproximadamente 50%; o alopurinol foi mais eficaz em crises
parciais com generalização subseqüente. Zagnoni et al.17
observaram uma redução de crises no grupo de pacientes
com epilepsia parcial com generalização subseqüente.
Os efeitos colaterais podem ocorrer em até 25% dos
casos e incluem: diarréia, indisposição geral, sonolência,
dor abdominal, cefaléia e inapetência.
PIRACETAM
Foi introduzido por pesquisadores na Bélgica em
1967 e utilizado na prática clínica para melhorar a
memória. Terwinghe et al. 18 foram os primeiros a
relatar a efetividade do piracetam sobre as mioclonias
em um paciente, após quadro de anoxia por comprometimento cardíaco. O piracetam é considerado droga
nootrópica.
A ação na supressão das mioclonias não é totalmente
compreendida. Entretanto, as alterações da serotonina
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e função gabaérgica são envolvidas nas mioclonias
corticais e não há relatos que o piracetam modifique a
atividade gabaérgica19. Um pequeno aumento nos níveis
do ácido homovanílico foi encontrado com altas doses
de piracetam. Porém, no cérebro de ratos albinos, foi
observada diminuição de norepinefrina, dopamina e
serotonina e de seus metabólitos com o uso crônico de
piracetam 19.
O piracetam é um derivado cíclico do GABA. Após a
ingestão oral, o pico plasmático ocorre de 30 a 40 minutos
e a droga é quase completamente absorvida. A meia-vida
é de 5 horas a 6 horas, com eliminação após 30 horas. O
piracetam não é transformado, sendo excretado sem
alteração pelos rins, na proporção de 85% a 100% da dose.
Não há ligação com proteínas plasmáticas. O piracetam é
quase que exclusivamente excretado pelos rins, e a dose
deve ser reduzida em pacientes com comprometimento
renal. A droga é contra-indicada em pacientes com
depuração de creatinina abaixo de 20 mL/min.
Quanto à interação com outras drogas, os níveis de
piracetam não se alteram por substâncias que inibam ou
induzam o metabolismo, já que o piracetam não é
metabolizado no fígado.
A dose ideal é desconhecida, porém recomenda-se
inicialmente de 4 a 8 g/dia, com aumento progressivo
até 24 g/dia, observando-se a resposta clínica e o
aparecimento de efeitos adversos20. Há relatos de resposta satisfatória no controle das mioclonias associados
aos quadros de epilepsia mioclônica progressiva, como
na doença de Unverricht-Lündborg e na doença de
Lafora. A droga pode ser dada em duas ou três tomadas/
dia 19.
A droga atravessa a barreira placentária e deve ser
evitada na gravidez e na lactação.
O piracetam tem melhor efeito sobre as mioclonias
de origem cortical 21 . Ikeda et al. 22 trataram de 60
pacientes com mioclonias, constataram que o piracetam,
tanto em monoterapia como em politerapia, foi mais
efetivo nas mioclonias de origem cortical, além de
ocorrer melhora da freqüência de convulsões, da ataxia
de marcha, dos distúrbios do sono, do déficit de atenção
e da depressão.
Também foi relatado que o piracetam se mostra
efetivo em pacientes com mioclonias de origem
subcortical, e que essa droga não tem efeito em outros
tipos de crises epilépticas20.
A droga é muito bem tolerada e há poucos efeitos
adversos. A freqüência desses efeitos é de 1% a 3%,
sendo os mais comuns: insônia, tontura, náuseas,
desconforto gastrintestinal, ganho de peso, depressão,
tremores e agitação. Erupção cutânea ocorre numa
freqüência menor que 1%.
LEVETIRACETAM
O levetiracetam é um análogo do piracetam e parece
ser uma droga antiepiléptica promissora23.
É uma droga altamente solúvel em água, rapidamente
absorvida após uma hora da ingestão oral. Seu
metabolismo é mínimo, 66% da quantidade absorvida é
excretada por via renal sem alteração e 24% é excretada
como metabólito inativo. Sua meia-vida é de 7 horas a
8 horas e o steady state é obtido após dois dias da
administração oral.
É indicado em epilepsia parcial, fotossensível e crises
audiogênicas. O levetiracetam foi avaliado em dois
estudos duplo-cegos, um realizado na Europa com 324
pacientes e outro nos Estados Unidos com 294 pacientes,
como coadjuvante no tratamento de epilepsia parcial na
dose de 1 a 1,5 g em duas tomadas diariamente, com
redução das crises epilépticas parciais em comparação
com o grupo placebo. Foi também utilizado em 12
pacientes com epilepsia fotossensível, com doses de
250 mg até 1 g por dia, encontrando supressão de 75%
da resposta fotoparoxística, além da melhora das mioclonias24.
Os efeitos adversos mais comumente encontrados são
sonolência, cefaléia, astenia e tontura.
IMUNOGLOBULINA
O efeito da imunoglobulina no tratamento de
epilepsias foi pela primeira vez descrito por Péchadre
et al. (Van Engelen et al.25 , 1997). Eles observaram
melhora clínica e eletroencefalográfica de algumas
crianças que estavam sendo tratadas com imunoglobulina intramuscular para infecções de repetição das vias
aéreas. A partir daí, a imunoglobulina intravenosa tem
sido utilizada para epilepsias de difícil controle com
drogas antiepilépticas convencionais, nas síndromes de
West, de Lennox-Gastaut 26 , da afasia-epilepsia de
Landau-Kleffner27 e na doença de Rasmussen28.
Em um estudo com nove crianças com diagnóstico de
epilepsia de difícil controle, síndrome de West e LennoxGastaut, tratadas com imunoglobulina, observou-se
controle de crises em 27,5% e melhora leve a moderada
em 37,8%29. Apesar dos resultados satisfatórios com o
uso da imunoglobulina em várias publicações, ainda são
escassas as evidências convincentes sobre o assunto. A
maioria dos estudos são baseados em relatos de um grupo
pequeno e heterogêneo de pacientes em relação às
variáveis amostrais como tipo e duração da epilepsia,
idade, freqüência das crises e duração do tratamento.
O mecanismo de ação pelo qual a imunoglobulina
melhora a epilepsia ainda é desconhecido. Alguns
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estudos sugerem a influência da neuromodulação da
imunoglobulina no controle das crises epilépticas,
embora estudos controlados ainda sejam necessários
para esclarecer o exato mecanismo de ação.
As melhores indicações para o tratamento com
imunoglobulina apontam para pacientes com síndromes
epilépticas graves sem resposta ao tratamento com
drogas convencionais, especialmente crianças com
síndromes de West e Lennox-Gastaut que não responderam ao ACTH; podendo ser usada também em casos
nos quais mecanismos inflamatórios estejam envolvidos
como na encefalite de Rasmussen 28. Outra condição
clínica rara e grave em que pode ser usada é na síndrome
de Landau-Keffner, em que o uso de drogas antiepilépticas convencionais e corticosteróides não produz
resultados satisfatórios. Fayad et al.27 apresentaram um
relato de caso isolado de tratamento com imunoglobulina
(3 séries de 400 mg/ kg/dia durante 5 dias, a intervalos
de 5 a 6 meses) com controle total das crises epilépticas,
melhora da afasia e normalização do EEG.
A imunoglobulina humana apresenta boa tolerância,
efeitos colaterais leves e pouco freqüentes e sem
aumento no risco de infecções durante o tratamento,
porém apresenta um elevado custo.
Embora não exista consenso da dose recomendada
na literatura mundial, bem como do regime terapêutico
e sua duração, utilizamos doses que variaram de 100 a
400 mg/kg/dia.
O tratamento com imunoglobulina em pacientes
epilépticos ainda permanece um procedimento de alto
custo, aguardando comprovação em estudos controlados.
Essa forma de tratamento deverá ser usada em casos
esporádicos, nos quais comprovadamente não exista
resposta ao uso de drogas antiepilépticas convencionais.
DIETA CETOGÊNICA
As manipulações dietéticas e o jejum como modalidade de tratamento têm sido utilizados há centenas de
anos. O conhecimento de que o jejum de alimentos
sólidos e líquidos controla completamente as crises
epilépticas data da época de Hipócrates. Vários estudos
foram realizados para elucidar as alterações metabólicas
produzidas pelo jejum em crianças epilépticas. Dentre
as alterações observadas, encontram-se a acidose
metabólica, o aumento na excreção urinária de corpos
cetônicos, de ácido úrico e alterações metabólicas que
desaparecem com a reintrodução da dieta.
Wilder, em 1921, propôs que uma dieta rica em
gorduras e pobre em hidratos de carbono e proteínas
poderia reproduzir a cetose e a acidose metabólica
características do jejum, além de permitir a manutenção
desse estado por período de tempo maior30. Essa dieta
recebeu a denominação de “dieta cetogênica”.
O uso da dieta cetogênica no controle de pacientes
epilépticos teve destaque durante a década de 20, quando
apenas duas drogas antiepilépticas eram conhecidas, os
brometos e o fenobarbital. Com o advento de novas
drogas antiepilépticas potentes nas décadas seguintes,
a dieta cetogênica praticamente deixou de ser usada em
quase todos os centros médicos.
Na década de 90 foi presenciada uma progressiva
retomada da dieta cetogênica no tratamento das
epilepsias, mesmo frente ao desenvolvimento de modernas drogas antiepilépticas e avanços tecnológicos
para investigação e tratamento das doenças neurológicas.
Dentre os motivos para a retomada da dieta cetogênica
no tratamento de epilepsia na infância, incluem-se a
refratariedade de síndromes epilépticas mesmo a
tratamentos invasivos, os relatos da efetividade da dieta
no controle de crises de difícil controle, com redução
de até 50% no número de crises diárias, diminuição do
número de drogas antiepilépticas utilizadas durante a
dieta, baixo custo e poucos efeitos colaterais 31.
As indicações para o uso de dieta cetogênica são
dirigidas principalmente para crianças epilépticas com
mais de um ano idade que tenham epilepsia comprovadamente refratária a duas ou mais drogas antiepilépticas, utilizadas em doses adequadas ou para os
pacientes cujos efeitos colaterais sejam intoleráveis ou
que tenham reações idiossincrásicas. A dieta cetogênica
parece atuar melhor em crises generalizadas (crises de
ausência e mioclônicas), porém qualquer tipo de crise
pode beneficiar-se com a dieta cetogênica. A experiência
da dieta cetogênica com pacientes adultos é limitada30.
O mecanismo de ação da dieta cetogênica no controle
das crises epilépticas ainda não é bem-conhecido.
Existem várias teorias para explicá-los, dentre elas, a
cetose produzida pelos corpos cetônicos; a acidose que
acompanha a cetose e as alterações no balanço de
eletrólitos, de fluídos; alterações nas concentrações de
lipídios no cérebro; e as adaptações metabólicas induzidas pela dieta no cérebro28. Prassad et al. 28 atribuíram
o efeito antiepiléptico à cetose e ao efeito sedativo do
ácido acetoacético, porém vários outros mecanismos têm
sido relatados sem confirmação.
A utilização da dieta cetogênica exige adequada
avaliação multidisciplinar do paciente e de sua família.
Para iniciar a dieta, o paciente deve ser admitido em
hospital, permanecendo em jejum de alimentos sólidos
e líquidos por aproximadamente 36 horas ou até que
apresente cetonúria intensa, quando iniciada a dieta. Na
fase de jejum existe risco de hipoglicemia e desidratação
RIZZUTTI, S.; NISHIYAMA, A.N.; MUSZKAT, M. & CAMPOS, C.J.R. – Epilepsias –
Tratamentos Alternativos
Rev. Neurociências 7(1): 32-38, 1999
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e após a fase de jejum existe o risco de desidratação,
em alguns casos devido à recusa dos pacientes à dieta.
A dieta é calculada de forma que 90% das necessidades
calóricas diárias sejam obtidas a partir de gorduras e
apenas 10% de hidratos de carbono e proteínas,
mantendo assim uma relação 4:1; para manter essa
relação, quatro partes da dieta é constituída de gorduras
e uma parte de carboidratos e proteína.
Os efeitos colaterais da dieta cetogênica relacionamse em geral com a intolerância da dieta, como náuseas,
vômitos, diarréia e obstipação intestinal; pode ocorrer
ainda sonolência no início do tratamento, recomendando-se a retirada de drogas antiepilépticas potencialmente sedativas ao iniciar a dieta cetogênica. Outro
cuidado em relação ao uso de medicação concomitante
é a não-utilização de drogas inibidoras da anidrase
carbônica, como a acetazolamida, devido à litíase
urinária, bem como o uso de valproato de sódio pelo
maior risco de esteatose hepática30.
Outro efeito notado com a dieta cetogênica é o
aumento no teor de colesterol e de triglicérides, porém
não se sabe ao certo as implicações desse fato a longo
prazo.
Observando-se resposta satisfatória com a introdução
da dieta cetogênica, esta deve ser mantida durante dois
anos, ao final desse período o teor de gordura pode ser
progressivamente reduzido na dieta.
A dieta cetogênica torna-se alternativa válida em
pacientes que não responderam às medicações convencionais. Porém, o sucesso dessa forma de tratamento está
muito ligado à motivação dos familiares do paciente, boa
relação com uma equipe multidisciplinar composta por
nutricionista, neurologista e psicólogo.
CORTICOSTERÓIDES
O ACTH é um peptídeo com trinta e nove aminoácidos, hormônio endógeno liberado pela hipófise
anterior, que regula a secreção de glicocorticóides e
hormônios sexuais.
Os primeiros relatos de eficácia terapêutica do ACTH
em algumas síndromes epilépticas datam da década de
50, em que foi observado melhora em quatro crianças
com várias crises intratáveis. Oito anos depois, Sorel e
Dusaucy relataram casos de espasmos infantis que
mostraram normalização do EEG, controle de crises e
normalização do comportamento após tratamento com
ACTH; posteriormente, outros resultados confirmaram
o papel dos corticosteróides nessas condições.
A droga de escolha no tratamento da síndrome de
West tem sido o ACTH; no entanto, sérios efeitos
adversos têm sido relatados como infecções e hiper-
tensão arterial ocorrendo durante a terapia com ACTH,
além da atrofia cerebral, que na maioria dos casos é
reversível, mas alguns pacientes desenvolvem coleção
subdural ou a melhora da atrofia cerebral ocorre de
forma muito lenta. Alguns autores sugerem que a
vigabatrina é a droga de primeira escolha na síndrome
de West, principalmente os casos associados à esclerose
tuberosa.
O uso de esteróides está bem-estabelecido em
epilepsias da infância, em particular na síndrome de
West, porém existem controvérsias em relação às outras
síndromes epilépticas como no caso da síndrome de
Landau-Kleffner (Prassad 28 et al., 1996) e na encefalite
de Rasmussen32.
Os mecanismos antiepilépticos do ACTH e esteróides
são incertos, postulando-se efeitos sobre a neuromodulação colinérgica e serotoninérgica.
Huttenlocher sugere efeito sobre a maturação cerebral e arborização dendrítica em pacientes com espasmos
infantis 9.
Apesar da preferência de alguns autores pelo uso do
ACTH em relação aos corticosteróides orais, não existe
diferença na eficácia entre as apresentações.
O regime terapêutico empregado é variável, alguns
autores preconizam baixas doses 5-40 unidades/dia,
enquanto outros preferem doses altas, de 40 a 160
unidades/dia.
Embora de grande auxílio no controle dos espasmos
infantis, com remissão de até 60% das crises, o tratamento com ACTH apresenta vários efeitos colaterais
importantes, que limitam o uso clínico, sendo os mais
freqüentes as complicações infecciosas, a hipertensão
arterial, as alterações relacionadas ao uso de corticosteróides como síndrome Cushing, irritabilidade,
cardiomiopatia, calcificações renais e pancreáticas, as
alterações eletrolíticas e glicosúria.
SUMMARY
Alternative Epilepsy Therapies
This paper is a revision article about new approaches in epilepsy treatment
concerning current issues and alternative epilepsy therapy including:
acetazolamide, bromides, allopurinol, piracetam, levetiracetam, immunoglobulins, ketogenic diet and steroids.
KEY WORDS
Epilepsy, antiepileptic drugs, alternative epilepsy therapies.
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Endereço para correspondência:
Universidade Federal de São Paulo
Rua Pedro de Toledo, 655 – Vila Clementino
CEP 04039-030 São Paulo (SP)
e-mail: [email protected]
RIZZUTTI, S.; NISHIYAMA, A.N.; MUSZKAT, M. & CAMPOS, C.J.R. – Epilepsias –
Tratamentos Alternativos
Rev. Neurociências 7(1): 32-38, 1999
39
ARTIGO
Condutas na Estenose da
Carótida
Marcia Maiumi Fukujima*
Alberto Alain Gabbai **
RESUMO
Estenose de carótida pode ser assintomática ou
sintomática, manifestando-se por ataque
isquêmico transitório ou infarto cerebral. Quando
assintomática evolui com risco de 10% ao ano
de evento clínico vascular cerebral. O principal
exame para diagnóstico é o ultra-som doppler
de carótidas, porém não se recomenda esse
exame rotineiramente para a população geral,
reser vando-se para os casos de alto risco
vascular. Nas últimas duas décadas têm sido
realizados vários estudos randomizados para
definição de condutas nas estenoses carotídeas.
Com base nesses estudos, recomenda-se
endar terectomia para estenose sintomática
≥ 70% se não houver contra-indicações ao
procedimento, e também para estenoses
assintomáticas ≥ 60%, porém considerando-se
cautelosamente o risco cirúrgico do serviço.
Caso não haja indicação de cirurgia, os pacientes devem submeter-se a tratamento clínico, que
no caso de estenose assintomática constitui-se
do controle dos fatores de risco aterotrombótico
e nos casos de estenose sintomática, além do
controle dos fatores de risco, utiliza-se droga
antiagregante plaquetária.
UNITERMOS
Estenose da carótida, doença vascular cerebral,
endarterectomia.
*
**
Neurologista do Setor de Urgências e do Setor de Doenças Neurovasculares da Disciplina de Neurologia da Escola Paulista de
Medicina – UNIFESP.
Professor Titular da Disciplina de Neurologia
da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP.
INTRODUÇÃO
A estenose da carótida é responsável por cerca de 20% dos acidentes
vasculares cerebrais oclusivos do território carotídeo1. O principal processo
patológico é a aterosclerose do sistema arterial cerebral. Trata-se de um processo
degenerativo localizado na camada íntima dos vasos, caracterizado por acúmulo
de lípides plasmáticos, fibras do tecido conjuntivo e células locais e circulantes.
A formação da placa aterosclerótica leva ao estreitamento da luz vascular e à
redução do fluxo, o que caracteriza a estenose da carótida, podendo complicar
com ulceração da placa levando à trombose e embolização distal2,3.
Endarterectomia da carótida tem sido realizada desde a década de 50,
porém sua indicação tem sofrido modificações conforme surgem trabalhos
controlados. Na década de 70, nos Estados Unidos, faziam-se cerca de 15.000
cirurgias anuais, esse número aumentou para 107.000 em 1985. Na década
de 80 começaram os primeiros estudos controlados sobre endarterectomia
de carótida e no final dessa década surgiam os primeiros resultados dos
estudos, fazendo o número de cirurgias cair para 45.000 em 1989,
principalmente devido à definição das indicações precisas e da consideração
do risco paciente-cirúrgico, passando a ser realizada somente no grupo de
pacientes que realmente se beneficiariam com o procedimento sem correr
riscos adicionais; em 1997, foram realizadas 110.000 a 115.000 cirurgias
tecnicamente aperfeiçoadas e mais seguras em relação às de 20 anos atrás4.
A estenose carotídea pode ser assintomática ou sintomática.
A estenose assintomática da carótida (EAC) é aquela em que não há
sintoma neurológico relacionado. Nos Estados Unidos devem existir
aproximadamente 2 milhões de indivíduos com EAC. A incidência de EAC
na faixa etária de 50 a 59 anos é de 1,7% para homens e zero para mulheres;
na faixa etária de 60 a 69 anos é de 4,2% para homens e de 1,8% para
mulheres5. Não temos estatísticas nacionais disponíveis.
Para EAC >75%, estima-se incidência de AVC de 3% ao ano, e se forem
somados casos de ataque isquêmico transitório, a incidência chega a 10% ao
ano; além do risco vascular cerebral, os portadores de EAC têm risco elevado
para eventos coronarianos (cerca de 8,5% ao ano) e morte de origem vascular
(cerca de 7% ao ano)6,7.
FUKUJIMA, M.M. & GABBAI, A.A. – Condutas na Estenose da Carótida
Rev. Neurociências 7(1): 39-44, 1999
40
Um elemento propedêutico para o diagnóstico de
EAC é o sopro carotídeo, que é preditivo de acidente
vascular cerebral isquêmico (AVCI) em 76% dos casos.
Porém, o sopro carotídeo tem baixa especificidade para
predizer a EAC, estando presente em 4% da população
geral sem doença vascular e em até 10% em indivíduos
com mais que 60 anos, e destes menos de 1% tem
estenoses > 75%8,9. Nas estenoses graves, há importante
redução do fluxo carotídeo, fazendo com que o sopro
torne-se inaudível. O diagnóstico é realizado com auxílio
de métodos de imagem, principalmente exame ultrasonográfico (Figura 1) com fluxometria das carótidas,
angiografia dos vasos cerebrais (Figura 2), angiorressonância magnética dos vasos cerebrais e reconstrução tomográfica de vasos cerebrais.
Apesar da grande importância da EAC, não se
justifica a recomendação de exame de imagem das
FIGURA 1
Bifurcação da artéria caródida comum – aspecto
ultra-sonográfico.
FIGURA 2
Estenose da artéria carótida interna – angiografia.
TABELA 1
Resultados dos principais estudos controlados de estenose assintomática da carótida, considerando a mortalidade
perioperatória e a redução de risco para diferentes intervalos de tempo
Estudo – período
número de pacientes
cirúrgico
clínico
mortalidade (%)
cirúrgico
clínico
redução do risco
significante
ACAS (1987-93)
825
834
0,4
0,1
5,9% em 5 anos
VACS (1983-91)
211
233
1,9
0,4
nenhuma (4 anos)
CASANOVA (1982-88)
206
204
1,5
0,5
nenhuma (3 anos)
MACES (1987-90)
36
35
0,0
0,0
nenhuma (2 anos)
ACAS = Asymptomatic Carotid Atherosclerosis Study;
VACS = Veterans Affair Cooperative Study Group;
CASANOVA = CASANOVA Study Group;
MACE = Mayo Asymptomatic Carotid Endarterectomy Study Group.
FUKUJIMA, M.M. & GABBAI, A.A. – Condutas na Estenose da Carótida
Rev. Neurociências 7(1): 39-44, 1999
41
TABELA 2
Resultados dos principais estudos controlados de estenose sintomática da carótida, considerando a mortalidade
perioperatória e a redução de risco para diferentes intervalos de tempo
número de pacientes
cirúrgico
clínico
Estudo – período
mortalidade (%)
cirúrgico
clínico
redução do risco
significante
NASCET (1988-91)
328
331
0,6
0,3
17% em 2 anos
VACS (1988-91)
92
101
3,3
0,0
11,7% em 1 ano
ECST 0-29% (1981-91)
219
155
1,4
0,0
nenhuma em 3 anos
ECST 30-49% (1981-95)
389
259
0,8
0,0
nenhuma em 4 anos
ECST 50-69% (1981-95)
570
372
1,4
0,0
nenhuma em 4 anos
ECST 70-99% (1981-91)
455
323
0,9
0,0
5% em 3 anos
NASCET = North American Symptomatic Group Endarterectomy Trial;
VACS = Veterans Affair Cooperative Study Group;
ECST = European Carotid Artery Surgery Trial.
QUADRO 1
Recomendações de endarterectomia nas EAC
Estenose assintomática da carótida – endarterectomia
A) Comprovadamente benéfica:
• estenose assintomática < 60% confirmada por arteriografia (se morbidade e mortalidade perioperatória < 3% e
pacientes selecionados criteriosamente com controle agressivo dos fatores de risco)
B) Benefício incerto:
• estenose > 75% com alto risco paciente-cirúrgico (índice de mortalidade e morbidade > 3%)
• cirurgia combinada de carótida e coronária
• lesão ulcerada sem estenose hemodinâmica significante.
QUADRO 2
Recomendações para endarterectomia da carótida nas estenoses sintomáticas
Estenose sintomática da carótida – endarterectomia
A) Comprovadamente benéfica:
• AIT hemisférico ou retiniano
• AVC sem incapacidade
• estenose grave (70%-99%) da carótida interna ipsilateral
B) Aceitável, mas não comprovada (representam boas indicações para endarterectomia, baseadas em dados ainda não
comprovados cientificamente)
• AIT (isolada, múltipla ou em crescendo) nos últimos 6 meses com estenose > 70%
• AVC progressivo com estenose > 70%
• AVC moderado ou leve e estenose 50%-69%
• endarterectomia ipsilateral combinada com revascularização coronariana em paciente com TIA e estenose
unilateral ou bilateral ≥ 70%
FUKUJIMA, M.M. & GABBAI, A.A. – Condutas na Estenose da Carótida
Rev. Neurociências 7(1): 39-44, 1999
42
QUADRO 2
(continuação)
C) Benefício incerto (baseado em dados ainda insuficientes para cálculo do índice de risco e benefício)
• AIT ou AVC leve com estenose < 50%
• AIT com estenose < 70% combinada com revascularização coronariana
• AVC moderado ou progressivo com estenose < 69%
• sintomas de isquemia globais
• estenose ipsilateral > 75%, mas contralateral < 75%
• dissecção da carótida interna com sintomas persistentes em vigência de heparina
• oclusão aguda da carótida dentro de 6 horas, evoluindo para AIT ou AVC leve
D) Comprovadamente imprópria (os dados mostram que os riscos cirúrgicos se sobrepõem aos benefícios)
• AIT único, AVC moderado ou progressivo com estenose < 50%, sem uso de aspirina
• sintomas de isquemia global com estenose < 50%
• dissecção da carótida interna assintomática em vigência de heparina; morbidade e mortalidade cirúrgica > 5%
SINTOMÁTICO – AIT ou infarto cerebral não-incapacitante
US Doppler de carótida
Estenose ≥ 70%
Estenose < 70%
Tratamento clínico
• Controle dos fatores de risco
• Antiagregante plaquetário
Sim
Contra-indicações
Neurológicas
• AIT vertebrobasilar
• Demência vascular
• Déficit neurológico grave
• Hemorragia cerebral
• Infarto cerebral intenso
Clínicas
• ICC
• IAM (< 6 meses)
• Angina
• Neoplasia maligna avançada
• Doença pulmonar obstrutiva
• DM descompensado
• HA descontrolada
• Diagnóstico incerto
Não
Controle
Cirurgia
FIGURA 3
Algoritmo para estenose sintomática da carótida.
FUKUJIMA, M.M. & GABBAI, A.A. – Condutas na Estenose da Carótida
Rev. Neurociências 7(1): 39-44, 1999
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ASSINTOMÁTICO – alto risco cardiovascular
Exame clínico
US Doppler de carótida
Estenose ≥ 60%
Estenose < 60%
Tratamento clínico
• Controle dos fatores de risco
Estudo angiográfico
• Angiografia convencional
• Angiografia digital
• Angiorressonância
• Tomografia com reconstrução
vascular tridimensional
Sim
Contra-indicações
• ICC
• IAM (< 6 meses)
• Angina
• Demência
• Neoplasia maligna avançada
• Doença pulmonar obstrutiva
Não
≥ 5%
Morbidade e mortalidade
cirúrgica do serviço
< 5%
Cirurgia
FIGURA 4
Algoritmo para estenose assintomática da carótida.
carótidas de maneira rotineira ao nível populacional,
sendo este realizado criteriosamente em casos individuais de pacientes de alto risco cardiovascular, isto é,
naqueles portadores de um conjunto de fatores de risco,
tais como hipertensão arterial, diabetes melito,
dislipidemia, tabagismo, obesidade, entre outros. O
rastreamento populacional necessitaria de realização de
exames em 850 a 1.700 pessoas (podendo chegar a 8.500
pessoas) para prevenir um episódio de AVC10,11.
FUKUJIMA, M.M. & GABBAI, A.A. – Condutas na Estenose da Carótida
Os principais estudos controlados e respectivos resultados são apresentados nas tabelas 1 e 210,11,12,13,14,15,16,17,18.
Com base nesses estudos, algumas recomendações foram
adotadas a partir de consensos da American Heart Association
(1995)19 e foram modificadas pela Canadian Society for
Vascular Surgery (1998)20, quadros 1 e 2 e figuras 3 e 4.
A endarterectomia é a cirurgia de escolha para os
casos selecionados. As complicações mais comuns deste
procedimento são:
Rev. Neurociências 7(1): 39-44, 1999
44
•
no período intra-operatório: embolização de placa
aterosclerótica;
• no período pós-operatório: trombose carotídea; lesão de nervos hipoglossos, facial, vago, auricular
magno e cervical transverso; reestenose da carótida, hematomas cervicais, infecção cirúrgica.
Outro procedimento que vem sendo utilizado mais
recentemente é a angioplastia da carótida com ou sem suporte
interno stent, porém ainda não há estudos controlados e
randomizados suficientes para sua recomendação21,22,23,24.
O tratamento clínico dos pacientes sintomáticos
baseia-se no controle dos fatores de risco e no uso de
antiagregante plaquetário. Nos casos de EAC, recomenda-se controle dos fatores de risco; o uso de
antiagregante plaquetário, anticoagulante oral ou outros
medicamentos é ainda controverso.
A principal medida clínica adotada é o controle dos
fatores de risco (tabagismo, hipertensão arterial, hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, uso de anticoncepcional
oral, diabetes melito, obesidade, sedentarismo, coagulopatias, doenças inflamatórias, abuso de drogas)7.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
SUMMARY
Management of Carotid Stenosis
The carotid stenosis can be asymptomatic or symptomatic (presented either
by transient ischemic attach or ischemic stroke without disabling sequelae).
The asymptomatic carotid stenosis has a risk rate of 10% per year to present
a clinical vascular event. Doppler ultrasound is the main diagnostic exam. Even
though, it is not recommended for general population; it must be performed in
the cases of great vascular risk. In the last decades randomized trials were
made in order to define the best management of carotid stenosis. Based on
these studies, endarterectomy has been recommended for symptomatic carotid
stenosis greater than 70%; it is also recommended for asymptomatic stenosis
greater than 60%. The surgery risk should be analyzed. If surgery is not
recommended, the patients must receive clinical treatment. In asymptomatic
stenosis the risk factors must be controled. In the symptomatic stenosis, both
risk factors control and antiplatelet drugs must be done.
KEY WORDS
Carotid stenosis, stroke, endarterectomy.
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Endereço para correspondência:
Marcia Maiumi Fukujima
Disciplina de Neurologia
Rua Botucatu, 740
CEP 04023-900 São Paulo (SP)
E-mail: [email protected]
Rev. Neurociências 7(1): 39-44, 1999
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RELATO DE CASO
Neurilemoma Periférico Isolado
Cláudia Aparecida Braz*
Adrialdo José Santos**
Acary de Souza Bulle de Oliveira***
RESUMO
INTRODUÇÃO
Os neurilemomas são tumores encapsulados
originários das células de Schwann de nervos
periféricos e cranianos. Os tumores de nervos
periféricos isolados são raros e seu diagnóstico
correto pode ser difícil. Esses tumores raramente
são diagnosticados antes da realização de
biopsia ou cirurgia, já que são pouco freqüentes
e podem ter apresentação clínica variável.
Descrevemos um caso de neurilemoma de nervo
periférico em uma paciente com história de dor
abdominal.
Os tumores que se originam de nervos periféricos são de ocorrência
relativamente rara e, quando ocorrem de modo esporádico, representam
dificuldade diagnóstica sendo seu manuseio freqüentemente difícil. Os
autores relatam um caso de neurilemoma em que essas dificuldades foram
encontradas e ressaltam a importância da ressonância magnética para esse
diagnóstico.
UNITERMOS
Neurilemoma; schwannoma benigno; tumores de
nervos periféricos.
*
Residente de Neurologia da Escola Paulista
de Medicina – UNIFESP.
** Pós-Graduando de Neurologia da Escola
Paulista de Medicina – UNIFESP.
*** Chefe do Setor de Doenças Neuromusculares da Escola Paulista de Medicina –
UNIFESP.
RELATO DE CASO
DAT, 59 anos, sexo feminino, referia que há cerca de 30 anos apresentava
episódios de dor na fossa ilíaca esquerda, de forte intensidade, tipo pontada,
que piorava com movimentação, esforço e compressão. A dor era
praticamente contínua e tinha períodos de exacerbação. Durante muitos anos
fizera uso de vários analgésicos com melhora parcial do quadro e realizara
extensa investigação clínica, bem como exames complementares (incluindo
ultra-sonografia de abdome, tomografia computadorizada e ressonância
magnética de abdome, exame de líquido cefalorraquiano) que não revelaram
qualquer anormalidade. Há dois anos houve intensificação da dor, ficando
limitada para a realização de atividades profissionais e sociais.
Ao exame físico, apresentava abdome doloroso à palpação em fossa ilíaca
esquerda, com sensação de choque nessa localização. O exame neurológico
mostrou reflexos patelar e aquileu diminuídos à esquerda. Foi complementada
investigação com realização de ressonância magnética de coluna lombo-sacra
e pelve, que evidenciou hérnia discal foraminal esquerda em L4-L5 com
compressão sobre a raiz nervosa correspondente. Como as alterações
encontradas não correspondiam às queixas clínicas, optou-se por realizar
nova RM de abdome a qual mostrou em região de flanco esquerdo a presença
de massa sólida, fusiforme, medindo cerca de 5,0 x 2,5 cm, com intenso
realce homogêneo após a injeção intravenosa de contraste paramagnético,
estendendo-se até a crista ilíaca esquerda, sugestivo de tumor de linhagem
nervosa (Figuras 1 e 2). Vale ressaltar que essa massa não fora visibilizada
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Rev. Neurociências 7(1): 45-47, 1999
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diagnóstico de neurilemoma. Após o tratamento
cirúrgico, evoluiu com remissão completa da dor.
DISCUSSÃO
FIGURA 1
FIGURA 2
quando da realização da ressonância magnética de
abdome anteriormente (o exame anterior terminava em
nível mais alto que o local da lesão).
Foi submetida à cirurgia com ressecção do tumor,
cujo estudo anatomopatológico foi compatível com o
Os tumores que se originam dos nervos periféricos
são caracterizados por dificuldade no diagnóstico
clínico, na classificação e no tratamento1. Sua ocorrência
é relativamente incomum, estimando-se sua incidência
em 1:100.000 habitantes/ano2.
Embora raro, o neurilemoma (também chamado de
schwannoma) é o tumor benigno mais freqüente com
origem nos nervos periféricos; pode ocorrer isoladamente
ou em associação com a neurofibromatose do tipo 11.
Os neurilemomas derivam das células de Schwann
dos nervos cranianos ou dos nervos periféricos 3. O sítio
mais comum é a região da cabeça e do pescoço, abrangendo o plexo braquial e nervos espinhais, seguido pelos
membros superiores e inferiores 2. Os tumores geralmente aparecem na superfície flexora, especialmente
cotovelos, joelhos e tornozelos4.
O schwannoma ou neurilemoma são tumores encapsulados que contêm dois componentes, um tecido
bastante celular (Antoni A) com áreas de núcleos em
paliçada (corpos de Verocay) e um tecido mais mixóide,
menos celular (Antoni B). Os tumores dos grandes
nervos periféricos geralmente aparecem como massas
excêntricas sobre as quais estão unidas algumas fibras
nervosas, enquanto aqueles dos nervos menores
expandem-se pelo nervo todo. A cápsula é composta de
epineuro, geralmente recoberta por vasos sangüíneos
tortuosos. A superfície de corte é amarelo-acinzentada
e pode ser cística 5. O diagnóstico histológico pode ser
confirmado por características imuno-histoquímicas e
ultra-estruturais específicas; os schwannomas, particularmente nas áreas celulares, expressam a proteína
S-100 6,7.
Clinicamente, manifestam-se como uma massa inicialmente indolor. O crescimento posterior pode resultar
em parestesia e dor, que pode ser espontânea ou
desencadeada por palpação ou percussão3. Um déficit
neurológico mais intenso desenvolve-se quando o tumor
cresce em espaços limitados (p.ex., sob fáscias musculares ou profundamente na fossa supraclavicular). A
massa pode ser mobilizada de um lado para outro, porém
não no seu eixo longitudinal3,5,6,8.
A ressonância magnética é o método de escolha para
confirmar o diagnóstico clínico de um neurilemoma,
exceto nos casos de localização mais distal nos membros
onde o diagnóstico seja óbvio. Nas imagens obtidas em
T1, o tumor geralmente é isointenso ou discretamente
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Rev. Neurociências 7(1): 45-47, 1999
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hipointenso em relação à medula e hiperintenso em
relação ao líquor. O realce após administração de
contraste é geralmente difuso, mas pode ser heterogêneo
nos tumores com degeneração cística, necrose ou
hemorragia. Nas imagens em T2, a intensidade do sinal
é bem variável, dependendo da quantidade relativa de
zonas Antoni A e B, degeneração cística e hemorragia.
A maioria dos tumores tem sinal hiperintenso em relação
à medula, semelhante ao líquor. Entretanto, os tumores
que contêm hemorragia ou produtos de degradação
sangüínea podem apresentar sinal hipointenso 4. Não há
características específicas de ressonância magnética que
diferenciem confiavelmente tumores nervosos benignos
e malignos, e a biopsia geralmente é necessária para
estabelecer o diagnóstico definitivo2.
O tratamento é cirúrgico e tem como princípio
remover o tumor sem danificar o nervo. A excisão de
um neurilemoma de nervo periférico por um neurocirurgião experiente tem bom prognóstico com relação aos
sintomas principais (dor e parestesia). Os déficits
neurológicos pré-operatórios muito freqüentemente
melhoram após a remoção do tumor. No entanto, déficits
neurológicos novos e permanentes podem desenvolverse em alguns pacientes após a cirurgia3.
KEY WORDS
Neurilemmoma; benign schwannoma; peripheral nerve tumors.
Referências
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SUMMARY
Solitary Peripheral Neurilemoma. A Case Report
Neurilemomas are relatively uncommon encapsulated tumors derived from
Schwann cells of peripheral and cranial nerves. Solitary benign periperal nerve
tumors are rare and may be difficult to diagnose correctly. Neurilemomas are
rarely diagnosed before biopsy or removal, likely because of their relative
infrequency and variability in clinical presentation.We describe a case of
neurilemmoma of peripheral nerve in a patient with abdominal pain.
Endereço para correspondência:
Cláudia Aparecida Braz
Disciplina de Neurologia – EPM – UNIFESP
Rua Botucatu, 740 – Vila Clementino
CEP 04023-900 São Paulo (SP)
APLICAR BULA TRILEPTAL
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