REVISTA NEUROCIÊNCIAS U NIVERSIDADE F EDERAL DE S ÃO P DISCIPLINA DE NEUROLOGIA E S C O L A P A U L I S TA D E M E D I C I N A JUNTA EDITORIAL EDITOR EXECUTIVO JOSÉ OSMAR CARDEAL EDITORES ASSOCIADOS ALBERTO ALAIN GABBAI ESPER ABRÃO CAVALHEIRO FERNANDO MENEZES BRAGA CONSELHO EDITORIAL ACARY DE SOUZA BULLE DE OLIVEIRA CARLOS JOSÉ REIS DE CAMPOS DELRIO FAÇANHA DA SILVA GILBERTO MASTROCOLA MANZANO HENRIQUE BALLALAI FERRAZ JOÃO ANTONIO MACIEL NÓBREGA JOÃO BAPTISTA DOS REIS FILHO LUIZ CELSO PEREIRA VILANOVA MARCIA MAIUMI FUKUJIMA PAULO HENRIQUE FERREIRA BERTOLUCCI SUSANMEIRE NEGRO MINATTI-HANUCH AULO 2 EXPEDIENTE REVISTA NEUROCIÊNCIAS Disciplina de Neurologia – Escola Paulista de Medicina Universidade Federal de São Paulo VOLUME VII – NÚMERO 1 – JAN/MAR 1999 Produção Editorial: LEMOS EDITORIAL & GRÁFICOS LTDA. Rua Rui Barbosa, 70 – Bela Vista CEP 01326-010 – São Paulo/SP Telefax: (011) 251-4300 e-mail: [email protected] Diretor Executivo: Paulo Lemos Diretor Comercial: Idelcio D. Patrício Gerente-geral: Silvana De Angelo Gerentes de Negócio: Exalta de Camargo Dias, Guilherme A. de Barros, Ivan A. Carvalho, Jefferson Motta Mendes e Jorge Rangel Produção Editorial: Miriam Aloia Editoração Eletrônica: Fabiana Fernandes e Sandra Regina Santana Revisão: Luciana Cristina de Oliveira e Lilian Brazão Representante no Rio de Janeiro: Roberto Amoêdo Periodicidade: Quadrimestral Toda correspondência relacionada ao Editorial, bem como textos para publicação, deve ser encaminhada aos cuidados do Conselho Editorial para: REVISTA NEUROCIÊNCIAS Disciplina de Neurologia – Escola Paulista de Medicina Universidade Federal de São Paulo ISSN 0104-3579 Rua Botucatu, 740 – CEP 04023-900 – São Paulo/SP e-mail: [email protected] Pede-se permuta On prie l’echange Exchange is requested 3 ÍNDICE EDITORIAL 05 ARTIGOS Tratamento da Doença de Parkinson 06 HENRIQUE BALLALAI FERRAZ Estratégias de Intervenção para Habilitação de Crianças Deficientes Visuais em Instituições Especializadas: Estudo Comparativo 13 ANDRÉA SANCHEZ NAVARRO, SISSY VELOSO FONTES & MARCIA MAIUMI FUKUJIMA Síndrome de Fahr e Distúrbios do Metabolismo do Cálcio 22 MARISE LAZARETTI CASTRO & VICTÓRIA Z. COCHENSKI BORBA Calcificação Simétrica dos Gânglios da Base (CSGB) – “Doença de Fahr” 28 JOSÉ OSMAR CARDEAL & DANIEL DANTE CARDEAL Epilepsias – Tratamentos Alternativos 32 SUELI RIZZUTTI, ALZIRA NOBUKO NISHIYAMA, MAURO MUSKAT & CARLOS JOSÉ REIS DE CAMPOS Condutas na Estenose da Carótida 39 MARCIA MAIUMI FUKUJIMA & ALBERTO ALAIN GABBAI RELATO DE CASO Neurilemoma Periférico Isolado 45 CLÁUDIA APARECIDA BRAZ, ADRIALDO JOSÉ SANTOS & ACARY DE SOUZA BULLE DE OLIVEIRA Rev. Neurociências 7(1): 03, 1999 4 NORMAS PARA PUBLICAÇÕES A Revista Neurociências é voltada à Neurologia e às ciências afins. Publica artigos de interesse científico e tecnológico, feitos por profissionais dessas áreas, resultantes de estudos clínicos ou com ênfase em temas de cunho prático. Os artigos devem ser inéditos e fica subentendido que serão publicados exclusivamente nesta revista, com o que se comprometem seus autores. A Junta Editorial da revista reserva-se o direito de avaliar, aceitar ou recusar artigos. Quando aceitos, sugerir modificações para aprimorar seu conteúdo, se necessário aperfeiçoar a estrutura, a redação e a clareza do texto. São aceitos artigos em português e inglês. Para publicação, será observada a ordem cronológica de aceitação dos artigos. Provas tipográficas serão fornecidas em casos especiais. Poderão ser oferecidas separatas dos artigos, responsabilizando-se os autores pela despesa de sua tiragem. Os artigos são de responsabilidade de seus autores. Para avaliação, devem ser encaminhados ao Editor Executivo em disquete e poderão ser utilizados editor de texto “Word” para “Windows 95”, fonte Times New Roman, tamanho 12 e espaço duplo; alternativamente no formato “texto.txt”. Deverá também ser enviada uma cópia do texto original conforme digitado. Adotar as recomendações abaixo. Título: em português e em inglês, sintético e restrito ao conteúdo, mas contendo informação suficiente para catalogação. 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Tese: Autor, título, cidade, ano, páginas inicial e final, nível (mestrado, doutorado, ...), instituição. Endereçar os trabalhos a: Prof. Dr. José Osmar Cardeal Rua Borges Lagoa, 873 — Cj 11 CEP 04038-031 — São Paulo e-mail: [email protected] Rev. Neurociências 7(1): 04, 1999 5 EDITORIAL A pós três décadas de uso, a levodopa continua sendo a droga mais eficaz no tratamento da doença de Parkinson. No entanto, seu uso por longos períodos não está isento de complicações. O artigo “Tratamento da Doença de Parkinson”, apresentado pelo Dr. Henrique Ballalai Ferraz, fornece-nos as opções atuais sobre o tratamento medicamentoso e não medicamentoso dessa enfermidade. A partir dos resultados de questionários aplicados em cinco instituições especializadas, Navarro e colaboradores permitiram-nos obter informações não apenas sobre as instituições e seus profissionais, mas também sobre a forma de tratamento aplicado às crianças deficientes visuais. Um tipo específico de calcificação simétrica dos gânglios da base e dos núcleos denteados do cerebelo, freqüentemente designado como “Doença de Fahr”, muitas vezes está associado com distúrbios do metabolismo do cálcio e do fósforo. Sobre esse tema, a Revista Neurociências apresenta dois artigos, sendo um com prioridade para os aspectos endocrinológicos e outro para os aspectos neurológicos dessa entidade. Para perseguir o principal objetivo no tratamento medicamentoso da epilepsia, o controle das crises epilépticas, um adequado manuseio das drogas antiepilépticas é fundamental. No entanto, um outro grupo de drogas e também uma dieta podem ser úteis para o paciente epiléptico, como nos mostram Rizzutti e colaboradores no artigo “Epilepsias – Tratamentos Alternativos”. A estenose de carótida pode ser sintomática ou assintomática, com tratamento clínico ou cirúrgico, e muitos protocolos foram realizados com objetivo de estabelecer a melhor conduta. Esse tema foi revisto por Fukujima e Gabbai em “Condutas na Estenose de Carótida”. O caso com correlação anatomoclínica, do presente número, refere-se a tumor de origem em nervo periférico que apresentou grande dificuldade para o diagnóstico clínico e está descrito por Braz e colaboradores como “Neurilemoma Periférico Isolado”. José Osmar Cardeal EDITORIAL Rev. Neurociências 7(1): 05, 1999 6 ARTIGO Tratamento da Doença de Parkinson Henrique Ballalai Ferraz* RESUMO A levodopa ainda é a pedra angular do tratamento da doença de Parkinson apesar de seu uso por longo prazo não ser isento de problemas. Nas fases oligossintomáticas podemos optar pela utilização de selegilina, anticolinérgicos e amantadina. Quando os sintomas são um pouco mais proeminentes, mas não incapacitantes, os agonistas dopaminérgicos (DA) isoladamente são úteis. Se há algum grau de incapacidade nas atividades do dia-a-dia, ou se houver intolerância aos outros medicamentos, a levodopa deve ser iniciada. Esta deve ser mantida na menor dose possível e se doses maiores forem requeridas, o melhor é adicionar agonistas DA. Na fase de flutuações e discinesias, recomendamos como as principais medidas a serem tomadas a orientação dietética, o fracionamento das doses e o uso de agonistas DA. O tratamento cirúrgico (talamotomia e palidotomia) tem um papel importante nas fases em que as complicações não são resolvidas com as medidas habituais. UNITERMOS Doença de Parkinson, levodopa, complicações motoras. * Médico Doutor em Neurologia e Chefe do Setor de Distúrbios do Movimento. Disciplina de Neurologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. A doença de Parkinson (DP) é uma moléstia de curso progressivo, geralmente com início assimétrico em uma metade do corpo. Pode manifestar-se combinando dois ou mais dos seguintes sinais: tremor de repouso, rigidez muscular, acinesia e comprometimento dos reflexos de manutenção de postura. As manifestações clínicas da doença decorrem de uma deficiência de dopamina (DA) cerebral resultante de degeneração dos neurônios pigmentados da substância negra mesencefálica. A causa da DP ainda não é conhecida até o presente, mas há evidências de que fatores genéticos, ambientais e o envelhecimento podem estar envolvidos na etiopatogênese. Há várias formas de tratamento para a doença, mas a medida mais eficaz consiste em restabelecer, ao menos parcialmente, a transmissão dopaminérgica. O uso da levodopa é uma das formas para se restaurar essa neurotransmissão e, no presente, ainda é a mais efetiva e viável de todas1. A levodopa penetra no sistema nervoso central e, por ação da enzima dopa descarboxilase cerebral, é convertida em dopamina2. O surgimento da levodopa revolucionou o tratamento da DP no final da década de 60. Pacientes que estavam seriamente comprometidos, muitos confinados à cama ou à cadeira-de-rodas, recuperaram a mobilidade com a nova droga. A DP tornou-se a primeira doença degenerativa do sistema nervoso a ser tratada com a reposição de neurotransmissores. Apesar do impacto inicial positivo, alguns problemas surgiram com a levodopa. A intolerância gastrintestinal foi um dos efeitos colaterais mais observados no início e, além disso, alterações psiquiátricas e hipotensão ortostática foram notadas em alguns pacientes. Essas complicações tornaram-se mais raras quando os inibidores da dopa descarboxilase periférica foram incorporados aos comprimidos de levodopa. Passado algum tempo, outros problemas surgiram com o tratamento prolongado, em particular as flutuações do rendimento motor e as discinesias induzidas pela levodopa. Hoje sabemos que cerca de metade dos pacientes, após cinco anos de tratamento com a levodopa, vai apresentar essas complicações1. Apesar disso e do surgimento de novas alternativas terapêuticas, a levodopa permanece até hoje como a droga mais eficaz no tratamento da DP. Até há bem pouco tempo, suspeitava-se que as flutuações e discinesias associadas ao uso da levodopa eram decorrentes do tempo de uso da droga FERRAZ, H.B. – Tratamento da Doença de Parkinson Rev. Neurociências 7(1): 06-12, 1999 7 e, por esta razão, havia uma tendência em reservar-se o uso da levodopa para os pacientes com formas mais avançadas da doença ou que, pelo menos, manifestassem comprometimento funcional nas atividades do dia-a-dia. Mais recentemente, tem sido demonstrado que a levodopa em si não parece ser tóxica para as células do SNC e muitas evidências apontam para que o tempo decorrido de doença é que é o fator decisivo para produzir modificações nos circuitos neurais, favorecendo o aparecimento das flutuações e discinesias 1. Com relação às outras drogas antiparkinsonianas, sabemos que as flutuações não acontecem e as discinesias também são incomuns, mesmo usando-as por um período prolongado. Apesar do uso da levodopa estar cada vez mais liberalizado, podemos optar por não utilizá-la nos pacientes com formas brandas e oligossintomáticas da DP3. OPÇÃO PELA NÃO-UTILIZAÇÃO DA LEVODOPA Se a opção é pela não-utilização da levodopa, temos disponível para uso inicial uma das seguintes drogas, isoladamente ou em combinação: selegilina, anticolinérgicos (biperideno ou triexifenidila), amantadina e agonistas dopaminérgicos (bromocriptina, pergolida, pramipexol). A selegilina é uma droga que atua inibindo irreversivelmente a enzima monoaminoxidase B (MAO-B) que é uma enzima com distribuição generalizada no cérebro. No metabolismo da DA cerebral, esta, depois de liberada na sinapse, é recaptada pelo neurônio pré-sináptico. Dentro do neurônio e das células da glia a MAO-B degrada a dopamina. Enquanto a MAO-B parece atuar especificamente sobre a dopamina, a MAO-A preferentemente atua sobre a tiramina, serotonina (5-HT) e norepinefrina (NE). Essa especificidade da MAO-B permite que a utilização da selegilina não esteja associada ao efeito hipertensor e taquicárdico (cheese effect) que costuma ser observado com a utilização dos inibidores não-seletivos da MAO. O aumento da disponibilidade da dopamina dentro das células seria um dos possíveis mecanismos de ação da droga. Outro mecanismo plausível para a ação da selegilina seria sua metabolização em derivados anfetamínicos que podem ter alguma atividade antiparkinsoniana decorrente do efeito estimulante sobre o SNC (explicando também a insônia, um de seus efeitos colaterais) 3. A possibilidade de haver um efeito neuroprotetor surgiu a partir da demonstração de que a selegilina FERRAZ, H.B. – Tratamento da Doença de Parkinson impede a produção de parkinsonismo nos animais de experimentação submetidos à exposição do MPTP (metil-fenil-tetra-hidro-piridina). O MPTP é uma protoxina que sob a ação da MAO-B da glia convertese em MPP+, a toxina que de fato consegue penetrar no neurônio dopaminérgico e destruí-lo. Não sabemos exatamente como ocorre a destruição do neurônio na DP, mas se algum mecanismo tóxico houver com a participação da MAO, a selegilina poderia ter um papel preventivo. Outro possível papel neuroprotetor reside no fato de que a inibição da MAO resultaria numa diminuição do processo oxidativo intracelular e portanto diminuiria a produção de radicais livres. Um estudo cooperativo com um grande número de pacientes realizado na América do Norte (DATATOP) demonstrou que a utilização de selegilina nas fases iniciais da DP é capaz de retardar a necessidade de levodopa, o que, em outras palavras, significa reduzir o ritmo de progressão dos sintomas4. Algumas evidências apontam para que essa ação da selegilina ocorra pelo seu efeito sintomático e não por uma neuroproteção verdadeira. Uma delas baseia-se no fato de que esse retardo na progressão não se mantém depois de dois anos e, outra, que a selegilina não previne o aparecimento das discinesias e flutuações1. Além disso, o efeito antioxidante da selegilina só é observado in vitro. De qualquer modo, haja ou não um efeito neuroprotetor, a selegilina é uma boa opção para aqueles pacientes cujos sintomas são leves e não produzam nenhum tipo de incômodo significativo. Tem como efeito colateral mais freqüente a insônia e, por isso, deve-se evitar a tomada da droga no período vespertino ou noturno. Há muito tempo os anticolinérgicos vêm sendo utilizados empiricamente na DP e sua atuação hoje pode ser explicada pela preponderância de acetilcolina observada no estriado dos pacientes com diminuição da neurotransmissão dopaminérgica a partir da substância negra. Essas drogas são razoavelmente eficazes sobre o tremor e a rigidez muscular, mas a atuação sobre a acinesia, que é o sintoma mais debilitante da DP, é desprezível. Reservamos os anticolinérgicos para aqueles pacientes com formas unilaterais ou predominantemente assimétricas e nos quais a acinesia não é significativa. O uso é limitado pelo aparecimento de efeitos colaterais periféricos (boca seca, obstipação, retenção urinária, turvação visual) e centrais (sonolência, confusão mental, delírios e alucinações) que são muito mais freqüentes a partir dos 65 anos e nos pacientes com algum grau de declínio cognitivo. É importante salientar que os anticolinérgicos são contra-indicados nos pacientes com glaucoma ou com prostatismo. Rev. Neurociências 7(1): 06-12, 1999 8 A amantadina é uma outra opção no tratamento dos pacientes nas fases iniciais da DP. Seu mecanismo de ação não está totalmente esclarecido, mas há evidências de que aumente a liberação de DA para a fenda sináptica. Sabe-se que também apresenta um fraco efeito anticolinérgico e mais recentemente foi demonstrado exercer uma ação bloqueadora de receptores N-metilD-aspartato (NMDA) 3 . O bloqueio dos receptores NMDA é capaz de facilitar a transmissão DA no estriado. A amantadina atua razoavelmente bem na rigidez, tremor e acinesia. Alguns pacientes podem experimentar uma perda da eficácia após algum tempo de tratamento, mas a suspensão do uso por 30 dias é capaz de fazer reverter a situação. Tem como efeitos colaterais mais comuns o aparecimento de livedo reticular e edema de tornozelo. Alguns pacientes podem queixar-se de efeitos anticolinérgicos. Os agonistas DA, ao contrário da selegilina, anticolinérgicos e amantadina, atuam diretamente nos receptores da dopamina, não necessitando passar por uma metabolização no neurônio pré-sináptico. Há duas famílias de receptores DA: os receptores D1, estimuladores da enzima adenil ciclase, e os receptores D2, indutores de inibição da adenil ciclase. Os agonistas mais utilizados são a bromocriptina, a pergolida e o pramipexol5. Teoricamente, os agonistas são drogas mais potentes que os anticolinérgicos e a amantadina (mas menos que a levodopa) e costumam ser reservados para aqueles pacientes um pouco mais sintomáticos. Da mesma forma que a selegilina, o uso dos agonistas DA permite que a introdução da levodopa seja postergada, e com a vantagem de não induzir flutuações do desempenho motor4. São drogas mais caras e devem ser iniciadas em doses bem baixas, pois, do contrário, os pacientes desenvolvem acentuada intolerância à medicação, manifestando-se com náuseas, vômitos, hipotensão ortostática, confusão mental, alucinações e delírios. Algumas vezes, utilizamos as drogas mencionadas em combinação de duas ou até três, embora a necessidade de combinar duas ou mais dessas drogas seja um forte indício de que o paciente esteja precisando receber a levodopa. O quadro 1 mostra as linhas gerais que seguimos na opção de não utilizar a levodopa. OPÇÃO PELA UTILIZAÇÃO DA LEVODOPA Quando o controle dos sintomas parkinsonianos já não é mais satisfatório com as drogas anteriormente citadas, é o momento de utilizar a levodopa. O mecanismo de ação básico da levodopa está centrado na capacidade de esta ser convertida em dopamina dentro do cérebro e corrigir o estado de deficiência DA característico do parkinsonismo2. Apesar disso, mesmo após mais de 25 anos de uso bem-sucedido da levodopa na doença de Parkinson, não sabemos exatamente como ocorre essa conversão no estriado. A hipótese clássica do mecanismo de ação central supõe que os terminais sinápticos nigroestriatais sobreviventes dos parkinsonianos (sabe-se que na época do início dos sintomas da DP, cerca de 50-60% dos neurônios DA já foram degenerados) captam a levodopa e a bateria enzimática do neurônio encarrega-se de converter a DA, estocá-la em vesículas e liberá-la para a fenda sináptica. Existem hipóteses alternativas, todas elas com embasamento científico. Uma delas advoga que a DA QUADRO 1 Linhas gerais de utilização de antiparkinsonianos não-associados à levodopa • Selegilina (Deprilan, Jumexil, Niar): iniciar com 2,5 a 5 mg ao dia e manutenção com 2,5 a 10 mg ao dia (1-2x/dia) • Triexifenidila (Artane): iniciar com 1 mg/dia e manter com doses entre 4 e 15 mg ao dia (2-3x/dia) • Biperideno (Akineton): iniciar com 1 mg/dia e manter com doses entre 4 e 12 mg ao dia (2-3x/dia) • Bromocriptina (Parlodel, Bagren): iniciar com 2,5 mg/noite e incrementar a dose semanalmente até atingir o efeito desejado (dose útil entre 7,5-30 mg/dia, dividida 3x/dia) • Pergolida (Celance): iniciar com 0,05 mg/noite e incrementar a dose semanalmente até obter o efeito desejado (dose útil entre 0,5-3 mg/dia, dividida 3x/dia) • Pramipexol (Mirapex, Sifrol): iniciar com 0,125 mg/dia e incrementar a dose semanalmente até obter o efeito desejado (dose útil entre 1,5-4,5 mg/dia, dividida em 3x/dia) FERRAZ, H.B. – Tratamento da Doença de Parkinson Rev. Neurociências 7(1): 06-12, 1999 9 convertida a partir da levodopa exógena não fica estocada em vesículas, mas livre no citoplasma neuronal. Outras evidências apontam para o fato de que a maior parte da levodopa administrada oralmente é convertida em dopamina em outros neurônios não-dopaminérgicos do cérebro ou que esta conversão ocorra nas células da glia adjacentes aos receptores DA estriatais2. A levodopa é rapidamente absorvida no duodeno e jejuno proximal e tem uma meia vida plasmática variando de 50 a 120 minutos. Perifericamente é descarboxilada pela dopa descarboxilase (convertida em dopamina) e pela catecol-O-metil-transferase – COMT (convertida em 3-O-metil-dopa). É transportada para dentro do cérebro pelos mesmos sistemas de transporte ativo utilizados por outros aminoácidos de cadeia leve2. A levodopa nas formulações comerciais disponíveis vem associada a inibidores da dopa descarboxilase periférica para impedir a conversão em dopamina na corrente sangüínea. No Brasil temos disponíveis a levodopa associada à benserazida (Prolopa) e à carbidopa (Sinemet). Há apresentações que permitem uma liberação gradual da droga no tubo digestivo com uma duração maior do seu efeito (Prolopa HBS e Cronomet). Deve-se iniciar a levodopa gradualmente e administrá-la longe das refeições para otimizar a absorção. Alguns pacientes desenvolvem uma extrema intolerância à droga, mesmo em doses mínimas, com náuseas, vômitos, sudorese, hipotensão ortostática e alucinações. Às vezes as náuseas e vômitos são incontroláveis mesmo administrando a levodopa com a alimentação e associando-se antieméticos, como o domperidone e a cisaprida, o que acaba por impedir sua utilização. A metoclopramida deve ser evitada nos pacientes com DP uma vez que ela penetra no cérebro, no qual exerce uma ação antidopaminérgica. A levodopa pode ser a escolha para iniciar o tratamento da DP desde que o médico julgue necessário. Caso o paciente esteja recebendo tratamento com outros antiparkinsonianos e a doença evolua para uma situação em que a levodopa seja necessária, esta pode ser adicionada ao esquema posológico já utilizado sem modificar o restante da medicação. O uso de levodopa concomitante com a selegilina é controverso. O Grupo de Estudo em Parkinson do Reino Unido encontrou, em 520 pacientes ao longo de 5 anos de acompanhamento, uma mortalidade aumentada no grupo de pacientes recebendo as drogas combinadamente quando comparada aos que recebiam apenas levodopa (mortalidade de 28% vs. 17,7%)6. Esse estudo foi criticado por problemas metodológicos e, além disso, outros grupos não tiveram a mesma experiência. Até que essa questão esteja bem esclarecida, há quem prefira não usar associadamente as duas drogas. O esquema que utilizamos para introduzir a levodopa está colocado no quadro 2. O ideal é manter a menor dose possível de levodopa e, no caso do paciente responder a esta droga, mas necessitar de doses além daquelas sugeridas no quadro 2, os agonistas DA podem ser agregados ao tratamento, no mesmo esquema recomendado no quadro 1. Um pequeno número de pacientes não tem qualquer resposta a doses baixas de levodopa e, neste caso, são mantidos, mesmo em fases não avançadas, com doses tão altas quanto 1.500 mg ao dia (6-7 comp/dia). O quadro 3 apresenta algumas medidas úteis para o clínico levar em consideração em qualquer fase do tratamento da DP. MANEJO DA FASE MAIS AVANÇADA DA DOENÇA DE PARKINSON No decorrer da fase mais tardia da DP, freqüentemente são necessários ajustes na dosagem da levodopa e dos agonistas DA, uma vez que o processo degenerativo das células nigroestriais segue seu ritmo. As flutuações do rendimento motor da levodopa e as QUADRO 2 Esquema para utilização de levodopa • Prolopa 250 (levodopa 200 + benserazida 50): iniciar com ¼ a ½ comp 2x/dia e aumentar até o efeito desejado. Ideal manter com doses abaixo de 2 comp/dia (em 3-4 tomadas) • Prolopa HBS (levodopa 100 + benserazida 25): iniciar com 1 cáp/dia. Ideal manter abaixo de 4 cáp/dia (em 2-3 tomadas) • Cronomet (levodopa 200 + carbidopa 25): iniciar com 1 comp 1x/dia. Ideal manter com doses abaixo de 2 ou 3 comp/dia (2-3 tomadas) • Sinemet (levodopa 250 + carbidopa 25): iniciar com ½ comp 2x/dia. Ideal manter abaixo de 2 comp/dia (3-4 tomadas) FERRAZ, H.B. – Tratamento da Doença de Parkinson Rev. Neurociências 7(1): 06-12, 1999 10 QUADRO 3 Medidas sensatas no tratamento da doença de Parkinson • Iniciar uma droga de cada vez e só associar outra droga depois da primeira estar estabilizada e na dose desejada • Não associar droga antidopaminérgica (metoclopramida, neurolépticos, flunarizina e cinarizina, entre outras) ao tratamento • Iniciar drogas em doses pequenas e aumentá-las gradualmente até o patamar desejado (especialmente a levodopa, os agonistas DA e os anticolinérgicos) • Não prescrever anticolinérgicos a pacientes com mais de 65 anos, com glaucoma, prostatismo ou com algum grau de demência • Concluir pela ineficácia da levodopa apenas depois de atingir a dose de 1.500 mg ao dia (cerca de 6 a 7 comprimidos dos preparados comerciais com inibidor da dopa descarboxilase) • Adicionar agonista dopaminérgico (bromocriptina, pergolida, pramipexol) aos pacientes que necessitarem doses elevadas de levodopa para permitir uma posterior redução destas doses discinesias são as causas mais comuns de insucesso do tratamento nas fases avançadas da DP. Os tipos de flutuação motora mais comuns são a “deterioração de final de dose” (wearing-off) e as flutuações aleatórias, também conhecidas como “fenômeno on-off”. Deterioração de final de dose (wearing-off) Caracteriza-se por um encurtamento da duração do efeito motor da levodopa, fazendo com que o paciente tenha o benefício da medicação (“estado on”) por 2 ou 3 horas, necessitando receber uma nova dose para voltar à mobilidade. Em alguns pacientes, à medida que a doença progride, o “estado on” pode ser tão curto quanto 30 ou 40 minutos. Quando o wearing-off instala-se, a tendência natural em acrescentar novas doses de levodopa não é a melhor medida, pois cada vez mais novos acréscimos terão que ser feitos com o tempo, fazendo com que o indivíduo venha a tomar uma dosagem inviável de levodopa em pouco tempo. Inicialmente recomenda-se checar se o paciente está recebendo a levodopa longe das refeições e orientar para que diminua o consumo de alimentos protéicos (para impedir a competição com aminoácidos da dieta) no período útil do dia3. O máximo fracionamento possível das doses de levodopa, de preferência sem aumentar a dose total, é útil nessa situação. Os pacientes que ainda não estão recebendo agonista DA se beneficiarão com a introdução de uma das drogas do grupo. Temos uma maior experiência com a bromocriptina e com o pramipexol nessa fase e, em nossa opinião as duas medicações equivalem-se em eficácia mas a segunda é melhor tolerada pelos pacientes7. FERRAZ, H.B. – Tratamento da Doença de Parkinson A utilização de preparados de liberação lenta da levodopa (Prolopa HBS e Cronomet) permite uma maior duração do efeito e pode substituir as formulações standard (Prolopa e Sinemet) nos pacientes flutuadores. Os preparados líquidos de levodopa deverão estar disponíveis para uso clínico em pouco tempo e permitirão a administração de doses pequenas em curtos intervalos de tempo. Recentemente, o surgimento de drogas inibidoras da COMT – o tolcapone foi a primeira delas com este mecanismo de ação – abriu um novo horizonte para os pacientes com flutuação do rendimento da levodopa3. A despeito de ter mostrado eficácia clínica, com pouco tempo de uso, o relato isolado de casos de hepatopatia grave e fatal em 3 pacientes entre todos em uso da droga no mundo (cerca de 150.000 pacientes) fez com que seu uso tivesse de ser restrito aos casos mais graves. Ainda assim, se o tolcapone for prescrito, o paciente deve fazer controle de enzimas hepáticas a cada 15 dias e suspender a droga se as enzimas aumentarem. O entacapone é um outro inibidor da COMT em vias de ser lançado comercialmente com a vantagem de ter o mesmo perfil de eficácia clínica do tolcapone, sem, possivelmente, seus efeitos adversos. Fenômeno on-off Também conhecido como efeito ioiô. Nesse fenômeno ocorre uma mudança brusca do estado de mobilidade do paciente sem que haja uma relação com o horário de tomada das doses da levodopa. Alguns pacientes podem ficar horas em estado off, ou seja, completamente acinéticos, a despeito de tomarem sucessivas doses da levodopa. Por serem imprevisíveis, essas flutuações são extremamente incapacitantes. Esse Rev. Neurociências 7(1): 06-12, 1999 11 tipo de complicação é o mais difícil de manejar. As medidas sugeridas para o manejo das flutuações previsíveis (wearing-off) podem ajudar, mas na maioria das vezes são insuficientes para minorar a situação. O uso do agonista DA, apomorfina, é uma saída para os indivíduos com acinesia prolongada8. A apomorfina é uma droga potente com a desvantagem de ter de ser administrada por via parenteral e por apresentar um potente efeito indutor de náuseas e vômitos. O domperidone administrado em conjunto com a apomorfina permite um controle satisfatório do efeito emético. A apomorfina pode ser administrada por via subcutânea, pelo próprio paciente, na dose de 1-2 mg (o equivalente a 0,1-0,2 mL dos preparados comerciais), levando a uma reversão do estado off em menos de 10 minutos e com duração do efeito entre 60-80 minutos, podendo ser repetida a cada 3 horas, se necessário8. No Brasil, a apomorfina pode ser obtida de importadores de medicamentos. Discinesia As discinesias são divididas em dois grandes grupos: as do período on e as do período off. As discinesias de período on são, na maioria das vezes, movimentos coreoatetóticos nas extremidades e segmento cranial, podendo manifestar-se apenas no auge do efeito da levodopa (discinesia-de-pico-de-dose) ou durante todo o efeito motor (discinesia-em-onda-quadrada)9. Para obterse alguma melhora, temos de diminuir a dosagem da levodopa. Para que isso possa acontecer sem que provoque um aumento nos períodos off temos de adicionar agonista DA ao tratamento, ou aumentar sua dosagem, caso este já venha sendo usado. O uso da amantadina, em função de sua ação antagonista de receptor NMDA, também tem sido recomendado nesses casos. As discinesias de período off em geral são caracterizadas por movimentos distônicos na região axial e também nas extremidades, e não raro são acompanhadas de dor no segmento acometido. Podem aparecer também no período matinal, despertando o paciente com dor. As medidas tomadas para controlar os períodos off podem ajudar e, quando estas não são suficientes, é necessário o acréscimo de dose extra de levodopa nos períodos da discinesia3. TRATAMENTO NÃO-MEDICAMENTOSO A fisioterapia e a terapia ocupacional têm um papel importante no tratamento da DP, especialmente naqueles pacientes com distúrbio acentuado do equilíbrio e da FERRAZ, H.B. – Tratamento da Doença de Parkinson marcha. A diminuição do volume vocal e a disartria são distúrbios freqüentes e pouco responsivos ao tratamento medicamentoso. A fonoterapia tem um papel decisivo nesses pacientes10. Nos últimos cinco anos assistimos a uma explosão do interesse no tratamento cirúrgico da fase avançada da DP. Que é uma alternativa útil para uma parcela dos pacientes com complicações motoras graves e em qual já foram tentadas todas as alternativas farmacológicas disponíveis, não se tem mais dúvidas. O ponto central do debate atual reside em duas questões: qual o melhor alvo a ser escolhido para realizar a intervenção (talamotomia ou palidotomia) e qual o melhor procedimento (lesão ou estimulação). Tanto a talamotomia quanto a palidotomia têm o seu papel no tratamento. A talamotomia é melhor indicada naqueles pacientes com predomínio de tremor e em formas unilaterais ou dominantemente assimétricas e que não toleram nenhum dos medicamentos disponíveis11. Vale ressaltar que este é um contingente muito pequeno de pacientes, já que essas formas habitualmente respondem bem ao tratamento medicamentoso e à intolerância, na maioria das vezes, pode ser contornada com as medidas habituais. A palidotomia está indicada nas formas complicadas com flutuações e discinesias que não foram satisfatoriamente controladas com as medidas já anteriormente mencionadas. A resposta neste grupo de pacientes às vezes é surpreendente, havendo muitas vezes, além da melhora das flutuações e da discinesia, uma redução nas doses dos antiparkinsonianos11,12. O efeito dos dois tipos de cirurgia é notado logo no pós-operatório e pode durar por dois anos ou mais12. A estimulação elétrica dos núcleos da base (especialmente do núcleo subtalâmico) com o implante de eletrodos é uma alternativa ao tratamento cirúrgico lesivo, tendo a vantagem de permitir uma suspensão do tratamento caso se deseje e de permitir que se faça o procedimento bilateral, sem o risco de haver disartrofonia grave13. As desvantagens são o custo elevado do procedimento, risco de infecção e falhas no equipamento de estimulação. No nosso meio, a maior experiência é com os procedimentos ablativos, que, feitos por uma equipe experiente, têm um baixo risco de complicações ou seqüelas definitivas. O tratamento cirúrgico, como o implante no estriado de células DA da substância negra fetal ou do transplante autólogo de células DA do corpo carotídeo, é uma perspectiva promissora para os próximos anos. SUMMARY Parkinson’s Disease Management Levodopa remains the mainstay in Parkinson’s disease treatment, although long-term problems may emerge with continuous use. In early symptoms, Rev. Neurociências 7(1): 06-12, 1999 12 selegiline, anticholinergic drugs and amantadine are preferred. When symptoms are more proeminent but not incapacitating, dopaminergic agonists can be prescribed. Levodopa therapy is indicated when other drugs no longer provide satisfactory control of symptoms or are not tolerated by the patient. Adding dopaminergic agonists to treatment is a wise measure if higher dosis of levodopa is required. Dietetic orientation, fractioning of the dosis and dopaminergic agonists are necessary in fluctuating and dyskinetic patients. Surgical approach, such as thalamotomy and pallidotomy, are only indicated if non-invasive measures were ineffective. KEY WORDS Parkinson’s disease, levodopa, motor complications. 7. 8. 9. 10. 11. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. Lang AE & Lozano AM. Medical progress: Parkinson’s disease. Part 2. N Engl J Med, 339: 1144-1153, 1998. Poewe W, Wenning G. Levodopa in Parkinson’s disease: mechanisms of action and pathophysiology of late failure. In: Jankovic J, Tolosa E (eds). Parkinson’s disease and movement disorders. Baltimore, William & Wilkins, 177-190, 1998. Jankovic J, Marsden CD. Therapeutic strategies in Parkinson’s disease. In: Jankovic J, Tolosa E (eds). Parkinson’s disease and movement disorders. Baltimore, William & Wilkins, 191220, 1998. Parkinson Study Group. Effects of tocopherol and deprenyl on the progression of disability in early Parkinson’s disease. N Engl J Med, 328: 176-183, 1993. Shannon KM, Bennet Jr JP, Friedman JH. Efficacy of pramipexole, a novel dopamine agonist, as monotherapy in mild to moderate Parkinson’s disease. Neurology, 49: 724728, 1997. Lees AJ, Head J, Bem-Schlomo Y. Selegiline and mortality in Parkinson’s disease: another view. Ann Neurol, 41: 282-283, 1997. 12. 13. Ferraz HB, Azevedo-Silva SMC, Borges V et al. Apomorfina. Uma alternativa no controle das flutuações motoras da doença de Parkinson. Arq Neuropsiquiatr, 53: 245-251, 1995. Lieberman A, Ranhosky A, Korts D. Clinical evaluation of pramipexole in advanced Parkinson’s disease: results of a double-blind, placebo-controlled, parallel-group study. Neurology, 49: 162-168, 1997. Rocha MSG, Andrade LAF, Ferraz HB, Borges V. Discinesias induzidas por levodopa em 176 pacientes com doença de Parkinson. Arq Neuropsiquiatr, 53: 737-742, 1995. De Angelis EC, Mourão LF, Ferraz HB et al. Effect of voice rehabilitation on oral communication of Parkinson’s disease patients. Acta Neurol Scand, 96: 199-205, 1997. Ferraz FP, Aguiar PMC, Ferraz HB et al. Talamotomia e palidotomia estereotáxica com planejamento computadorizado no tratamento da doença de Parkinson. Avaliação do desempenho motor a curto prazo de 50 pacientes. Arq Neuropsiquiatr, 56: 789-797, 1998. Lang AE, Lozano A, Montgomery E et al. Posteroventral medial pallidotomy in advanced Parkinson’s disease. N Engl J Med, 337: 1036-1042, 1997. Limousin P, Krack P, Pollak P et al. Electrical stimulation of the subthalamic nucleus in advanced Parkinson’s disease. N Engl J Med, 339: 1105-1109, 1998. Endereço para correspondência Dr. Henrique B. Ferraz Disciplina de Neurologia Rua Botucatu, 740 CEP 04023-900 São Paulo (SP) E-mail: [email protected] APLICAR BULA ANAFRANIL FERRAZ, H.B. – Tratamento da Doença de Parkinson Rev. Neurociências 7(1): 06-12, 1999 13 ARTIGO Estratégias de Intervenção para Habilitação de Crianças Deficientes Visuais em Instituições Especializadas: Estudo Comparativo Andréa Sanchez Navarro* Sissy Veloso Fontes** Marcia Maiumi Fukujima*** RESUMO As cr ianças deficientes visuais possuem dificuldades em adquirir o conhecimento do seu próprio corpo, dos objetos a sua volta e dos conceitos espaciais imprescindíveis para o desenvolvimento neuropsicomotor normal. Na pesquisa de campo observamos que a forma mais utilizada pelos profissionais da habilitação de deficientes visuais foi o método denominado “Estimulação Precoce”, utilizado também em crianças com encefalopatia crônica não-progressiva. Esse método consiste de avaliação do processo de desenvolvimento da criança e, com base nesta avaliação, iniciam-se estímulos de forma a propiciar a facilitação do seu desenvolvimento. UNITERMOS Criança, deficiente visual, estimulação precoce, instituição especializada. * Fisioterapeuta graduada pela Universidade Bandeirante – UNIBAN ** Fisioterapeuta, educadora física e professora da UNIBAN e Universidade Santa Cecília – UNISANTA. *** Neurologista, professora da UNIBAN e UNISANTA. INTRODUÇÃO Atualmente, estima-se que pelo menos 38 milhões de pessoas sejam cegas e que um adicional de 110 milhões possuam a visão intensamente prejudicada, totalizando cerca de 150 milhões de pessoas visualmente deficientes no mundo. A Organização Mundial da Saúde estima que, em futuro próximo, esse número aumentará significativamente1. Para que a criança tenha um desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) normal faz-se necessário que todos os sentidos estejam íntegros 2. Nos primeiros anos de vida a integração, a sintetização e a interpretação das informações geradas por outros canais perceptivos devem ser amplamente explorados na criança deficiente visual (DV)3. A forma mais utilizada de intervenção dos profissionais de habilitação de deficientes visuais pela exploração de outros canais perceptivos é a “Estimulação Precoce”, que é uma intervenção terapêutica educacional e social. Essa intervenção é utilizada em crianças com DV congênita ou com a visão muito prejudicada na idade de 0 a 6 anos4,5, podendo ser ministrada de diferentes formas por uma equipe multidisciplinar, dentre eles o fisioterapeuta6,7. Os mecanismos de defesa da criança cega durante este período de vida estão particularmente prejudicados. Hoje, diversos profissionais da saúde estão conscientes dos sérios riscos que a criança DV corre por sofrer atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor8,9. Os bloqueios temáticos do desenvolvimento podem ser agrupados em: imitação, desenvolvimento da preensão, coordenação ouvido-mão, exploração do ambiente e objetos e coordenação bimanual10,11,12,13. NAVARRO, A.S.; FONTES, S.V. & FUKUJIMA, M.M. – Estratégias de Intervenção para Habilitação de Crianças Deficientes Visuais em Instituições Especializadas: Estudo Comparativo Rev. Neurociências 7(1): 13-21, 1999 14 OBJETIVO Observar, comparar e analisar, com pesquisa de campo em instituições especializadas, as principais estratégias de atendimento a crianças deficientes visuais de 0 a 6 anos, bem como o perfil de tais instituições. MATERIAL E MÉTODO Foram aplicados dois questionários aos profissionais das seguintes instituições especializadas no atendimento à criança deficiente visual: “Dorina Nowill para Cegos” (São Paulo – Brasil), “Laramara Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual” (São Paulo – Brasil), “Centro Eva Lindstedt” (São Paulo – Brasil), Cepre – Centro de Estudos e Pesquisa em Reabilitação (Campinas – Brasil) e “Once” - Organización Nacional de los Ciegos de España (Madri – Espanha). O questionário A refere-se à instituição; assistentes sociais e coordenadores técnicos responderam as perguntas, tendo como objetivo o conhecimento do espaço de trabalho, a equipe multidisciplinar e o perfil do paciente atendido (quadro 1). O questionário B refere-se ao programa de atendimento específico dos fisioterapeutas, um de cada QUADRO 1 Questionários aplicados na pesquisa de campo Questionário A Instituição/Fundação/Associação Questionário B Fisioterapeuta Nome: Endereço: Nome do profissional/cargo e profissão: Nome: 1) Qual é a meta geral deste serviço? 1) Qual a principal função do fisioterapeuta diante do DV? 2) Que tipo de paciente este serviço atende? 2) Quais os principais critérios de inclusão no setor fisioterápico? 3) Por quem é formada a equipe multidisciplinar? 3) Como é ministrado o tratamento: a. individual: b. grupo: c. número de sessões: d. duração: 4) Quais os critérios de seleção para o paciente ingressar neste serviço: a. faixa etária; b. etiologia da DV; c. condições socioeconômicas. 4) Quais e quantos profissionais estão envolvidos no tratamento do setor fisioterápico? 5) Qual é o tempo médio de permanência do paciente no serviço? 5) No que consiste o tratamento: a. quais as estratégias? b. métodos utilizados, há substratos científicos? c. utilizam algum material? d. ministram-se orientações aos pais? 6) Que profissional oferece orientação social (esporte/lazer)? 6) Quem oferece orientação social (esporte/lazer)? 7) Quando e quem prescreve a alta fisioterápica? 8) Neste serviço em que você trabalha, o que poderia melhorar? NAVARRO, A.S.; FONTES, S.V. & FUKUJIMA, M.M. – Estratégias de Intervenção para Habilitação de Crianças Deficientes Visuais em Instituições Especializadas: Estudo Comparativo Rev. Neurociências 7(1): 13-21, 1999 15 instituição, exceto Laramara, onde foram entrevistados dois profissionais, tendo como finalidade traçar o perfil do atendimento e as estratégias utilizadas (quadro 1). Os resultados da aplicação dos questionários A e B são mostrados nos quadros 2 e 3. DISCUSSÃO A partir dos dados obtidos no questionário A, observamos que a meta geral de todas as instituições assemelham-se, ou seja, basicamente tornar a criança independente e integrada à sociedade, pois tanto as instituições, como a família e a própria criança, almejam os mesmos ideais, confirmando as respostas dadas pelos diversos profissionais na pesquisa de campo. Em relação ao tipo de paciente que cada serviço atende, todos com exceção do Cepre responderam que o atendimento é direcionado a cegueira ou baixa visão associadas ou não a deficiência física. O Cepre, quando recebe crianças com múltiplas deficiências, encaminha-as a outras instituições. Como a maioria dos casos de crianças DV associa-se a deficiência física, é necessário que o paciente seja aceito com deficiências associadas, pois o profissional fisioterapeuta é habilitado para atender a criança, sejam quais forem suas deficiências físicas. As equipes multidisciplinares das instituições entrevistadas são semelhantes, ou seja, compostas por médicos, fisioterapeutas, pedagogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e professores diversos, especializados em áreas como orientação e mobilidade (OM) e atividade de vida diária (AVD). Chama-nos a atenção que os profissionais médicos são especializados exclusivamente em oftalmologia, não havendo em nenhum dos serviços a presença de pediatra, clínico geral, neurologista. O conhecimento das estruturas de funcionamento das instituições permitenos considerar que haja espaço e necessidade desses profissionais. O Cepre e a Once são os únicos que possuem fonoaudiólogo na sua equipe multidisciplinar profissional, necessário à criança deficiente visual, auxiliando no desenvolvimento da linguagem. Portanto, as instituições restantes carecem desse profissional. A faixa etária diferiu entre as respostas, porque em alguns centros a criança é assistida pela Estimulação Precoce no período de 0 a 6 anos e, após os 6 anos, a criança é acompanhada por uma equipe especializada em idade pré-escolar e assistida até a idade adulta. Sendo assim, o ideal é que seja ministrada em crianças de 0 a 6 anos. A etiologia da DV é diversificada em todas as instituições, não sendo critério de elegibilidade para a criança iniciar o atendimento. Os serviços que fornecem atendimento totalmente gratuito recebem subvenções estaduais, federais ou municipais; portanto, a condição socioeconômica não impede o atendimento dessas crianças, porém, o número reduzido de instituições especializadas não é suficiente comparado com a dimensão territorial e o número de deficientes. Parecenos necessário o aumento do número desses serviços financiados pelo governo e também o aumento do quadro de profissionais para suprir a grande demanda. O tempo médio de permanência difere largamente, porque depende da família, da criança e da proposta do tratamento. Mas a maioria respondeu de 3 a 4 anos. O ideal seria 6 anos de permanência, pois a criança viria para o atendimento ainda bebê (0 a 6 meses) e deixaria o atendimento na idade pré-escolar. O profissional responsável pela criança é quem dá a orientação social (esporte, lazer). Essa foi a resposta dada por todas as instituições. Segundo a literatura consultada e as experiências observadas durante a pesquisa, o profissional envolvido é o responsável pela orientação, com interesse e colaboração familiar. QUESTIONÁRIO B As respostas dos fisioterapeutas entrevistados a esse questionário não foram uniformes. Quanto à função do fisioterapeuta frente ao DV, a maioria dos profissionais respondeu que o objetivo do tratamento é propiciar um desenvolvimento neuropsicomotor o mais adequado possível, estimulando os sentidos remanescentes e a visão residual. O fisioterapeuta do Cepre prioriza a marcha, ou seja, respondeu como função principal o atendimento a longo prazo. Todavia, ressaltou posteriormente que é preciso minimizar as alterações do desenvolvimento neuromotor com estimulação precoce e assim chegar a marcha independente e segura. A Once destacou como função principal prevenir as alterações emocionais e que haja uma estruturação adequada do DNPM. A preocupação com o aspecto emocional deve-se ao fato de que a profissional responsável por crianças cegas de 0 a 4 anos é uma psicóloga. Uma das principais funções do fisioterapeuta é estimular o DNPM e a visão nos casos de criança com baixa visão, além de orientar a família a cada atendimento. Os critérios de inclusão no setor fisioterapêutico foram unânimes. Porém, na Once, quando a criança apresenta um déficit motor muito grave é encaminhada a um fisioterapeuta que cuidará apenas da capacidade motora, sendo o tratamento fisioterapêutico paralelo a NAVARRO, A.S.; FONTES, S.V. & FUKUJIMA, M.M. – Estratégias de Intervenção para Habilitação de Crianças Deficientes Visuais em Instituições Especializadas: Estudo Comparativo Rev. Neurociências 7(1): 13-21, 1999 Proporcionar condições para que o DV possa integrar-se na comunidade com independência e auto-suficiência. 1) Qual a meta geral deste serviço? Cegueira, baixa acuidade visual e com deficiências mentais e físicas associadas a cegueira. Acolher, informar, estimular e integrar à sociedade, tornando-se um centro de apoio à família e ao deficiente visual. Laramara NAVARRO, A.S.; FONTES, S.V. & FUKUJIMA, M.M. – Estratégias de Intervenção para Habilitação de Crianças Deficientes Visuais em Instituições Especializadas: Estudo Comparativo Varia. No mínimo 2 anos e no máximo 4 anos. A criança será acompanhada até a idade pré-escolar. Psicólogo de orientação aos pais. 5) Qual é o tempo médio de permanência neste serviço? 6) Quem oferece orientação social, lazer e esporte? Todos os profissionais envolvidos. Depende da família, ou seja, da participação. a. 0 a 15 anos e 11 meses. b. diversas. c. 40% são isentos, 60% são pagantes de acordo com a renda familiar, dentre estes, 5% pagam integralmente. Área clínica: pedagogo Área clínica: oftalmologista, especializado, professor de ortoptista. Área técnica: OM, psicólogo, pedagogo, fisioterapeuta, fisioterapeuta, assistente TO, professores diversos: social, TO e oftalmologista. educador físico, OM e AVD. Área de apoio: serviço social e psicologia. 4) Quais os a. 0 até a idade adulta. critérios de b. diversas causas da seleção para deficiência visual e o paciente seqüelas. ingressar neste c. todos os serviços são serviço: gratuitos. A Fundação a. faixa etária; recebe subvenções b. etiologia do estaduais, federais e DV; municipais. c. condições socioeconômicas. 3) Por quem é formada a equipe multidisciplinar? 2) Que tipo de Portadores de cegueira e paciente este baixa acuidade visual, serviço atende? associada a deficiência física ou não. Dorina Nowill Perguntas QUADRO 2 O esporte e o lazer são orientados junto a sua comunidade. Avaliação até 3 meses, reinserido em equipe da sua comunidade e retorno 4 vezes ao ano. a. 0 a 15 anos. b. não é critério. c. é gratuito. Equipe de terapeutas junto ao departamento de oftalmologia com formação em deficiência visual, além de estagiários. Orientação e diagnóstico do paciente e orientação e educação de profissionais. Com deficiência visual associada a outras deficiências. Tornar a criança com DV um agente transformador de sua família, instituição e comunidade. Centro Eva Lindstedt Once Baixa visão e cegueira. Todos os profissionais envolvidos. 3 a 4 anos. a. 0 até a idade adulta. b. todas. c. não são pagas. Atendendo todas as condições sociais. O profissional responsável fornece as informações. Até os 6 anos, posteriormente há um acompanhamento. a. 0 a 6 anos. b. variadas c. gratuitas. Fisioterapeutas, fonoau- Assistente social, diólogos, terapeuta oftalmologista, ocupacional, psicólogo, pedagoga e psicopedagogo, psicólogo. pedagogos, serviço social, professores de orientação e mobilidade. Portadores de deficiência visual. Habilitação, Dar estrutura cognitiva reabilitação e integração. e emocional ajudando a criança a compreender o mundo de modo geral. Prevenir as alterações emocionais (maneirismo). Cepre Respostas ao questionário A (Instituição/Fundação/Associação) 16 Rev. Neurociências 7(1): 13-21, 1999 Dorina Nowill Estímulo do desenvolvimento neuropsicomotor; correção postural; conhecimento do próprio corpo; estímulos a aspectos cognitivos primários e secundários; coordenação motora fina e coordenação motora global; estímulo ao desenvolvimento da visão subnormal. Basta apresentar déficits em um ou mais itens descritos acima. a. sim. b. não há terapias em grupo. c. dependerá de cada caso. d. 60 minutos. Perguntas 1) Qual a principal função do fisioterapeuta diante do DV? 2) Quais os principais critérios de inclusão no setor fisioterápico? 3) Como é ministrado o tratamento: a. individual; b. grupo; c. número de sessões; d. duração. QUADRO 3 Facilitar e propiciar um desenvolvimento motor adequado e estimular a visão residual. Centro Eva Lindstedt I) a. sim. a. sim. b. a mãe continua b. não. presente e o terapeuta c. uma vez por semana. age como mediador. d. 40 minutos. No máximo três crianças. c. o ideal é uma vez por semana, mas há quinzenal e mensal. d. individual, 30 minutos e em grupo, 60 minutos. II) a. sim. b. sim. Quando a criança já está integrada a Laramara, sala-terapeuta, ambiente e tem o interesse de estar com outras crianças. c. Semanal, quinzenal e mensal. d. Individual, 30 minutos e em grupo, 60 minutos. I) Alteração motora Baixa visão e (principalmente crianças deficiências com patologias múltiplas) associadas. e atraso no DNPM. II) Todas as crianças que tenham deficiência visual associada a déficit neuropsicomotor. I) Estimulação global do DNPM, fazendo com que use os sentidos remanescentes (audição, gustação, olfato e tato) e estimulação da visão residual. II) Orientação à família para estimulação visual diária e estimulação neuropsicomotora, com o objetivo de integrar a criança na sociedade. Laramara Respostas ao questionário B (Fisioterapeuta) a. sim. b. não. c. duas vezes por semana. d. 30 minutos. Alterações do DNPM. Estimulação precoce, objetivando marcha independente e segura. Cepre a. sim. b. a partir de dois anos pode ser colocada em grupo. c. uma vez por semana. d. uma hora, sempre com a família. Basta haver deficiência visual grave. Proporcionar um desenvolvimento harmônico da personalidade e identidade pela motricidade, linguagem, sociabilização e hábitos. Once 17 NAVARRO, A.S.; FONTES, S.V. & FUKUJIMA, M.M. – Estratégias de Intervenção para Habilitação de Crianças Deficientes Visuais em Instituições Especializadas: Estudo Comparativo Rev. Neurociências 7(1): 13-21, 1999 a. estabelecer o melhor I) a. utiliza-se da brincadeira a. melhorar a contato possível com a e das AVDs, estimulando eficiência visual. criança, estimular o DNPM o desenvolvimento global. b. Natalie Barraga, e inibir os padrões motores Esses estímulos deverão ser entre outros. anormais. dados de maneira natural e c. brinquedos para b. principalmente Bobath, não treinados. estimulação quanto às seqüelas motoras; b. Teoria de Piaget, Método visual, objetos técnicas de sensibilização; Bobath, leituras de oftalmo- com diferentes técnicas da Dra. Natalie logia de Eva Lindstedt e texturas e tamanhos. Barraga. Marilda Bruno. d. sim. c. materiais próprios da c. brinquedos, material de técnica Bobath; técnicas de sucata, criação de materiais estimulação visual; brinquedos (contrastes, diferentes de uso diário e doméstico. texturas, brilho, sons), bola d. sim, é o ponto principal Bobath e rede. do tratamento. d. sim. Realizar em casa tudo o que foi visto durante o tratamento. II) a. orientação à família e, dependendo do DNPM em que o paciente está, estímulo para ganhar mais etapas. b. Natalie Barraga, Piaget e Bobath. c. balança, parquinho, gangorra, pula-pula, carrinho e rolo. Material de manuseio p/ crianças que tenham percepção Oftalmologista, ortoptista, pedagogo e fisioterapeuta. 5) No que consiste o tratamento: a. quais as estratégias? b. métodos utilizados, há substratos científicos? c. utilizam algum material? d. ministram-se orientações aos pais? I) São dois fisioterapeutas. A visão na Laramara é provocar o menor envolvimento possível de outros profissionais. Paralelo a isso há: atividades aquáticas e brinquedoteca. II) Dois fisioterapeutas, TO, pedagoga, psicólogo, brinquedoteca e atividades aquáticas. Fisioterapeuta, psicólogo dirigido à orientação familiar, psicólogo dirigido ao trabalho com a criança e pedagogo especializado. Centro Eva Lindstedt 4) Quais e quantos profissionais estão envolvidos no tratamento do setor fisioterápico? Laramara Dorina Nowill Perguntas QUADRO 3 (continuação 1) a. técnicas de fisioterapia geral, combinadas com a técnica de estimulação visual. b. Natalie Barraga, Gesell e Dioment. c. bolas, rolos, escadas, colchões, brinquedos com contraste e prancha de equilíbrio. d. sim. Fisioterapeuta, fonoaudiólogo, TO, psicólogo, pedagogo, psicopedagogo, serviço social e professor de orientação e mobilidade infantis. Cepre a. dar estruturação adequada da personalidade e identidade. b. Reinen Siken, Kabat, Natalie Barraga, Sinkin, Oregon e Piaget. c. livros em braile, jogos simbólicos e manipulação de materiais didáticos. d. é o mais importante do tratamento. Psicólogo (1ª entrevista e revisões), dois terapeutas para bebês cegos e baixa visão. Além de cinco profissionais que dão apoio às escolas ONCE 18 NAVARRO, A.S.; FONTES, S.V. & FUKUJIMA, M.M. – Estratégias de Intervenção para Habilitação de Crianças Deficientes Visuais em Instituições Especializadas: Estudo Comparativo Rev. Neurociências 7(1): 13-21, 1999 I) O próprio fisioterapeuta. após discutir o II) Terapeuta que está responsável. O próprio fisioterapeuta, a partir de um laudo de avaliação e evolução do quadro apresentado à equipe multidisciplinar. Um maior contato com um médico neurologista poderia agilizar a resolução de nossas dúvidas quanto às reais causas dos déficits apresentados pelas crianças. 7) Quando e quem prescreve a alta fisioterápica ao paciente? 8) Neste serviço em que você trabalha o que poderia melhorar? caso com a equipe. O fisioterapeuta, O próprio terapeuta. Centro Eva Lindstedt A fisioterapia. com 5 ou 6 anos a Os profissionais envolvidos. Cepre NAVARRO, A.S.; FONTES, S.V. & FUKUJIMA, M.M. – Estratégias de Intervenção para Habilitação de Crianças Deficientes Visuais em Instituições Especializadas: Estudo Comparativo DV – deficiente visual; OM – orientação e mobilidade, TO – terapia ocupacional, AVD – atividade da vida diária, DNPM – desenvolvimento neuropsicomotor. I) Falta tempo para discussões Contratação de novos Mais um de casos entre os profissionais, profissionais: assistente fisioterapeuta para atendimento do paciente social, psicólogo, orientação e juntamente com a psicóloga terapeuta ocupacional mobilidade, pois ou outra fisioterapeuta. e fonoaudiólogo. o educador físico Faltam cadeiras de posicionanão está habilitado mento para crianças com para tal. múltiplas deficiências. Outra ideologia: a criança vir até a Laramara para fazer, além da orientação à família, a fisioterapia, fonoaudiologia e psicologia, pelo menos duas vezes por semana. II) Falta a parte de prevenção, saneamento básico e informação. Falta obtenção de material p/ posicionar crianças múltiplas. O ideal também seria o fisioterapeuta ir à casa, pois muitas famílias possuem dificuldades p/ trazer a criança. Seria necessário acompanhamento mais pedagógico e que as crianças ficassem todos os dias meio período realizando todas as atividades. Falta fonoaudiólogo e investimento no profissional. I) Todos os profissionais envolvidos. II)Todos os profissionais envolvidos. 6) Quem O psicólogo dá orientação oferece aos pais. orientação social (esporte/lazer)? Laramara à luz (procura-se iluminar o brinquedo). Visão subnormal utiliza-se contraste e material com brilho. d. sim. À família são sugeridas atividades e como brincar. Dorina Nowill 5) (continuação) Perguntas QUADRO 3 (continuação 2) Recursos materiais, falta de espaço, iluminação e deficiências de infra-estrutura. criança é acompanhada na escola. A alta não se dá nunca, O próprio terapeuta. ONCE 19 Rev. Neurociências 7(1): 13-21, 1999 20 estimulação precoce. Tendo em vista o que foi descrito neste trabalho, isso não deveria ocorrer. A estimulação da adequação motora deve ser feita dentro da estimulação precoce independente do atraso que a criança possua. Esse fato confirma a necessidade do fisioterapeuta para ministrar a estimulação precoce e não de outro profissional sem essa formação. Em todas as instituições o tratamento é individual, variando pouco em relação ao tempo de cada atendimento. Em algumas instituições o atendimento é quinzenal, mensal e até trimestral, devido às dificuldades de transporte. Nesses casos é fornecida apenas orientação à família. O atendimento ideal seria individual, duas vezes por semana, com duração de 40 minutos, sendo os 10 minutos finais dedicados a orientação. Todas as instituições, com exceção da Once e do Centro Eva Lindstedt, possuem em sua equipe multidisciplinar psicólogos, terapeutas ocupacionais, pedagogos, assistente social e professores de AVD e OM. O Centro Eva Lindstedt carece de psicólogo, terapeuta ocupacional e assistente social dentro do setor de Estimulação Precoce. A Fundação Dorina Nowill para Cegos carece de terapeuta ocupacional habilitado em estimular a criança. A Once realiza a estimulação precoce com um único profissional, que é responsável por tudo. Algumas vezes a criança poderá ser encaminhada a outros profissionais especializados. Esse é o mesmo tipo de atendimento da Laramara. Segundo a literatura consultada, o ideal para a estimulação precoce é uma equipe multidisciplinar integral e integrada. As estratégias de tratamento divergem, porém todos querem alcançar um DNPM mais próximo possível do normal. É exatamente nessa questão que deve ser estabelecido se o profissional irá trabalhar a visão residual, juntamente com o atraso motor e o que deve ser priorizado. Os métodos utilizados dependem de cada profissional e também do paciente; todos os profissionais possuem bases empíricas e subjetivas. Alguns métodos utilizados como base para a estimulação precoce são Natalie Barraga, Piaget, Conceito Bobath, Gisell, Oregon, entre outros, e é importante ter conhecimento atualizado sobre os métodos utilizados. O material terapêutico utilizado é semelhante em todas as instituições. Na Laramara há falta de material para o posicionamento adequado de crianças DV com déficits do DNPM. É importante utilizar o máximo de material disponível, porém, não deverão faltar materiais de diferentes texturas e tamanhos, objetos sonoros, objetos com contraste de cores, bolas, rolos, redes, colchonetes, escadas, balanços e iluminação adequada. Em relação à questão de orientação à família, os profissionais entrevistados responderam como sendo este o fator mais importante no tratamento. Eles priorizaram a família, pois sem sua colaboração o atendimento não tem eficácia. Os familiares envolvidos com a criança deverão ser orientados durante e após o término do atendimento, sugerindo maneiras de como cuidar e estimular a criança. A orientação social é dada pelo próprio fisioterapeuta ou profissional envolvido na estimulação precoce em todas as instituições. Quem prescreve a alta fisioterapêutica do paciente é o próprio fisioterapeuta. E nas instituições em que a criança recebe atendimento adicional à estimulação precoce, como psicologia, AVD e OM, cada profissional dará a alta quando o paciente estiver habilitado em cada área. Sendo assim, por exemplo, a criança poderá receber alta da estimulação precoce, mas continuar o tratamento psicológico. A última questão foi projetada com o objetivo de apontar algumas deficiências funcionais das instituições pesquisadas, especificamente no setor de fisioterapia, visando à melhora do tratamento da criança deficiente visual. O fisioterapeuta entrevistado da Fundação Dorina Nowill salientou a falta de maior contato com o médico neurologista, para discutir casos comuns entre eles. Os profissionais da Laramara relataram a falta de investimento no profissional, pois o interesse em informações e atualizações é importante tanto para a instituição como para o profissional. Faz-se necessário que a instituição invista de forma mais efetiva no seu profissional. Relatou-se também na Laramara a falta de tempo para discussões entre os profissionais, devido ao grande número de pacientes que são atendidos no mesmo dia e a rotina de trabalho. Para que haja tratamento integral e integrado, os profissionais, envolvidos com a mesma criança, devem discutir constantemente para que haja troca de informações e observações adicionais chegando a resultados mais satisfatórios. Os profissionais também expuseram uma ideologia de atendimento: ser ministrado em casa ou aumentar o período em que a criança recebe o atendimento na instituição. São sugestões bastante válidas, porém de difícil efetivação frente à realidade socioeconômica do país. A criança que não pode ir até a instituição por um comprometimento grave, como, por exemplo, um período pós-cirúrgico, receberia atendimento domiciliar, mas o tempo e o custo seriam grandes e incompatíveis com o tratamento. O fisioterapeuta do Centro Eva Lindstedt salientou a necessidade de contratação de um assistente social, de um psicólogo, de um terapeuta ocupacional e de um fonoaudiólogo. No Cepre, a fisioterapeuta responsável revela NAVARRO, A.S.; FONTES, S.V. & FUKUJIMA, M.M. – Estratégias de Intervenção para Habilitação de Crianças Deficientes Visuais em Instituições Especializadas: Estudo Comparativo Rev. Neurociências 7(1): 13-21, 1999 21 que falta mais um fisioterapeuta para orientação e mobilidade, pois, após a estimulação e DNPM adequado, a criança estará habilitada a iniciar OM para tornar-se independente e integrada à sociedade. A fisioterapeuta da ONCE relatou que os recursos materiais e a falta de espaço são a deficiência do setor de estimulação precoce. Discordamos de tal afirmação, pois tivemos a oportunidade de observar os locais de trabalho das outras instituições e, por comparação, constatamos que a Once possui maior número de recursos materiais e que o espaço de trabalho é praticamente igual aos outros locais visitados. Concluímos que todas as instituições pesquisadas, apesar de diferirem quanto aos profissionais que compõem suas equipes multidisciplinares e também quanto às estratégias empregadas na habilitação da criança DV, baseiam-se no mesmo tipo de intervenção: a “Estimulação Precoce”, sendo este o perfil das instituições visitadas. Essa intervenção é utilizada em crianças cegas ou com baixa visão na idade de 0 a 6 anos, podendo ser ministrada de diferentes formas e por diversos profissionais. SUMMARY Habilitation Strategies for Visual Handicapped Children in Specialized Institutions Visual handicapped children have many difficulties in discovering and acquiring knowledge about their own body, the objects around and the indispensable concept of space, that is necessary to realize correct locomotion movements and to get independent mobility. The most frequent method used in specialized institutions for rehabilitation is that called “Precocious Stimulation”, where the involved professionals, among them the physiotherapist, stimulate the child to impede delays in the sensory-motor development becoming integrated and independent in the society. KEY WORDS Visual handicapped children, precocius stimulation, specialized institution. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. AGRADECIMENTOS Agradecemos às instituições e em especial aos profissionais que gentilmente concederam entrevista e permitiram observação do funcionamento dos serviços “Fundação Dorina Nowill para Cegos” (São Paulo – Brasil) – Dra. Ivete de Masi, Dra. Tatiana Ferraiol de Almeida e Dr. Américo A. Pivello, “Laramara Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual” (São Paulo – Brasil) – Dra. Vera A. S. Pereira, Rosana S. A. S. Furtado e Edna Eiko Nakahara, “Centro Eva Lindstedt” (São Paulo – Brasil) – Dra. Sílvia Veitzman e Luciana P. Cardoso, “Cepre – Centro de Estudos e Pesquisa em Reabilitação” (Campinas – Brasil) – Dra. Solange G. Ravanine e “Once – Organización Nacional de los Ciegos de España” (Madri – Espanha) – Dra. Rosa Lucerga. 8. 9. 10. 11. 12. 13. Thylefors B. A global initiative for the elimination of avoidable blindness. Am J Ophthalmol, 125: 90-3, 1998. Ciria M. La construcción del espacio en el niño a través de la información táctil. Madrid, Trotta 1993; 13-91. 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Endereço para correspondência: Marcia Maiumi Fukujima Rua Arnoldo Baldoíno Wellter, 75/52 CEP 04310-070 São Paulo (SP) E-mail: [email protected] E-mail: [email protected] NAVARRO, A.S.; FONTES, S.V. & FUKUJIMA, M.M. – Estratégias de Intervenção para Habilitação de Crianças Deficientes Visuais em Instituições Especializadas: Estudo Comparativo Rev. Neurociências 7(1): 13-21, 1999 22 ARTIGO Síndrome de Fahr e Distúrbios do Metabolismo do Cálcio Marise Lazaretti Castro* Victória Z. Cochenski Borba** RESUMO As calcificações dos núcleos da base, inespecificamente chamadas de síndrome de Fahr, não raro são um dos sinais que acabam levando ao diagnóstico de hipoparatireoidismo ou pseudohipopar atireoidismo. Como os pacientes portadores dessas patologias apresentam com freqüência outros sinais neurológicos, muitas vezes chegam inicialmente ao neurologista e depois de diagnosticados são encaminhados ao endocrinologista para tratamento da doença de base. As principais manifestações clínicas da síndrome de Fahr são parestesias, tetanias, convulsões, papiledema (pseudotumor cerebral), catarata, alterações de personalidade e da motricidade. No pseudo-hipoparatireoidismo tipo I, um fenótipo característico também pode ser obser vado, como baixa estatura, fácies arredondada, obesidade troncular, retardo intelectual e encur tamento dos metacarpos. A detecção nos exames laboratoriais de hipocalcemia e hiperfosfatemia, na presença de função renal nor mal, associada a valores inadequados de PTH (reduzidos no hipopara e elevados no pseudo-hipoparatireoidismo) fecham o diagnóstico. O tratamento precoce impede a evolução para complicações irreversíveis e controla, em geral, as manifestações neurológicas. UNITERMOS Hipocalcemia, hipoparatireoidismo, síndrome de Fahr, calcificação dos gânglios da base. * ** Médica-assistente da Disciplina de Endocrinologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. Pós-graduanda da Disciplina de Endocrinologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. INTRODUÇÃO A hipocalcemia crônica é causa freqüente de distúrbios neurológicos, podendo se manifestar como parestesias, tetanias, papiledema (pseudotumor cerebral), sinais extrapiramidais, retardo mental, alterações de personalidade, depressão e convulsões. Calcificações dos gânglios da base e cerebelo podem estar presentes no hipoparatireoidismo de longa evolução e caracterizam a síndrome de Fahr descrita em 1930, apesar dessa entidade já ser conhecida por longo tempo antes de sua descrição1. Faremos uma breve revisão da homeostase do cálcio, causas de hipoparatireoidismo, suas manifestações clínicas e tratamento. CINÉTICA E HOMEOSTASE DO CÁLCIO Uma concentração normal de cálcio no líquido extracelular é fundamental para que muitos processos fisiológicos ocorram e, para isso, o organismo desenvolveu mecanismos eficientes. Ao longo do dia, as variações das concentrações plasmáticas de cálcio não ultrapassam 5%. Os valores considerados normais de calcemia total em jejum encontram-se habitualmente entre 8,5 a 10,5 mg/dL. Noventa e nove por cento do cálcio total de um indivíduo está depositado no esqueleto, e o restante encontra-se em forma solúvel nos compartimentos intra e extracelulares. É um íon predominantemente extracelular, e suas concentrações intracelulares chegam a ser até 100.000 vezes menor que fora das células. Pequenas variações de suas concentrações no citoplasma celular são responsáveis por modificações intensas nas funções celulares, funcionando como um segundo mensageiro. Aproximadamente metade do cálcio circulante está ligada às proteínas plasmáticas, principalmente à albumina, uma pequena parte encontra-se na forma de complexos com ânions, como o citrato e sulfato, e a outra metade circula na forma de íons livres. É essa porção ionizada do cálcio total que é fisiologicamente importante. Em situações clínicas de rotina, a medida do cálcio total freqüentemente é satisfatória. Entretanto, quando as proteínas CASTRO, M.L. & BORBA, V.Z.C. – Síndrome de Fahr e Distúrbios do Metabolismo do Cálcio Rev. Neurociências 7(1): 22-27, 1999 23 totais potencialmente podem estar alteradas, como em casos de desnutrição, síndrome nefrótica, doenças mieloproliferativas, insuficiência hepática ou renal e outras, recomenda-se a medida do cálcio ionizado. Quando isso não é possível, uma análise das proteínas totais e frações concomitante à dosagem do cálcio total possibilita a obtenção do cálcio corrigido, pela aplicação de uma das várias fórmulas matemáticas disponíveis2, 3. Somente as alterações nas frações livres do cálcio apresentam repercussão clínica e necessitam, portanto, de tratamento. As variações decorrentes de alterações protéicas não necessitam de qualquer intervenção. Fórmulas de correção do cálcio total em função das proteínas plasmáticas: Cacorrigido= Ca total (mg/dL) + 0,8 [4,0-albumina(g/dL)] ou Cacorrigido= Ca total (mg/dL)/[0,6+(Proteína total(g/dL)/19,4)] A homeostase do cálcio ocorre devido à grande sensibilidade das glândulas paratireóides a pequenas alterações nos níveis séricos de cálcio ionizado. O hormônio das paratireóides (PTH) é o principal media- TABELA 1 Principais causas de hipocalcemias • Hipoalbuminemia • Insuficiência renal crônica • Deficiência de magnésio • Hipoparatireoidismo • Pseudo-hipoparatireoidismo • Osteomalacia e raquitismo por deficiência ou resistência de vitamina D • Pancreatite aguda • Rabdomiólise • Choque séptico • Doenças malignas • Síndrome de fome óssea (decorrente da recuperação da doença óssea no hiperparatireoidismo após cirurgia) TABELA 2 Classificação do hipoparatireoidismo I. Falência no desenvolvimento das glândulas paratireóides II. Destruição das glândulas paratireóides A. Cirúrgica B. Doença poliglandular auto-imune C. Radiação D. Depósito de metais (ferro, cobre) E. Infiltração granulomatosa F. Invasão neoplásica III. Alteração funcional das glândulas paratireóides A. Alteração do receptor/sensor do cálcio B. Mutação do PTH C. Hiperparatireoidismo materno D. Hipomagnesemia IV. Diminuição da ação do hormônio paratireóide A. Hipomagnesemia B. Pseudo-hipoparatireoidismo dor da homeostase do cálcio por seus efeitos agudos sobre a reabsorção óssea e reabsorção renal de cálcio. Absorção intestinal de cálcio pela produção renal de 1,25-dihidroxivitamina D [1,25 (OH) 2D 3] PTH estimulada requer 24 a 48 horas para tornar-se máxima, portanto só participam da homeostasia quando o estímulo hipocalcêmico é crônico. A hipocalcemia ocorre quando existe falência ou compensação incompleta dos mecanismos homeostáticos. A hipocalcemia crônica pode ser classificada de acordo com a Tabela 1. Em geral, os estados hipocalcêmicos podem ser classificados de acordo com os níveis de PTH. Níveis de PTH inadequadamente baixos indicam hipoparatireoidismo. Por outro lado, níveis elevados indicam responsividade normal da glândula paratireóide ao cálcio sérico baixo (hiperparatireoidismo secundário)2,3,4,5. Como o principal enfoque deste artigo é a síndrome de Fahr, ater-nos-emos às patologias que a essa síndrome foram associadas, isto é, ao hipoparatireoidismo e ao pseudo-hipoparatireoidismo (tabela 2). Estados crônicos de hipercalcemia estão sujeitos a calcificações metastáticas (hiperparatireoidismo, síndrome milk-alcali), porém prevalentes em outros tecidos que não o cerebral (rins, músculos, pele, articulações, etc.). CASTRO, M.L. & BORBA, V.Z.C. – Síndrome de Fahr e Distúrbios do Metabolismo do Cálcio Rev. Neurociências 7(1): 22-27, 1999 24 ETIOLOGIA DOS ESTADOS DE HIPOPARATIREOIDISMO (HP) O HP pós-cirúrgico é a causa mais freqüente deste e geralmente é o resultado de tireoidectomia total ou reoperações repetidas para hiperparatireoidismo. A incidência freqüentemente é menor que 5% e em geral varia entre 1% a 2% das cirurgias de paratireóide6. Hipoparatireoidismo idiopático caracteriza-se por hipocalcemia com níveis de PTH baixos ou inexistentes. A forma precoce pode ocorrer por falência no desenvolvimento da glândula paratireóide, por agenesia congênita ou hipoplasia que produzem HP no período neonatal. Nesses casos, o HP pode ser isolado (autossômico recessivo ou ligado ao X) ou associado a aplasia do timo com imunodeficiência e anomalias cardíacas (síndrome de DiGeorge). HP pode também ocorrer como conseqüência de desordem auto-imune isolada ou em associação com outras deficiências endócrinas. Pode ser esporádico ou familiar, anticorpos antiparatireóides são encontrados em 33% dos pacientes portadores da forma isolada e em 41% associada a outras deficiências hormonais 2,4. Mais raramente, HP ocorre em pacientes submetidos a radioterapia extensa da região cervical e mediastino, em estados de acúmulo de metais pesados como na hemocromatose, talassemia, e doença de Wilson e em infiltração granulomatosa ou neoplásica das paratireóides. Pode haver ainda alteração da função secretória das paratireóides que pode ser primária ou secundária. Alterações secundárias são aquelas que ocorrem na hipomagnesemia crônica, em filhos de mães portadoras de hiperparatireoidismo primário ou em recém-nascidos prematuros. Causas primárias podem ter uma origem genética. Já foram descritas diversas mutações presentes no sensor do cálcio, resultando na sua ativação constitutiva. Sua ativação, que fisiologicamente ocorre na presença de quantidades elevadas de cálcio no extracelular, nessas mutações induziriam a supressão da síntese e secreção do PTH, e conseqüentemente a um estado de hipoparatireoidismo. O receptor de cálcio ativado da glândula suprime cronicamente a secreção de PTH7. Pseudo-hipoparatireoidismo (PHP) As síndromes de resistência ao PTH (PHP) são também causas de hipocalcemia e calcificações cerebrais, porém com níveis de PTH aumentados por irresponsividade dos órgãos-alvo a sua ação biológica. Dois são os tipos descritos até os dias de hoje para essa síndrome, dependendo da presença ou não do fenótipo característico e da resposta renal a uma injeção de PTH exógeno. No PHP tipo I, observa-se ausência de resposta renal ao PTH, tanto no que se refere a geração de AMP cíclico, como na indução do efeito fosfatúrico. Observase ainda, nesse tipo, a associação com outras resistências hormonais, como ao TSH, às gonadotrofinas ou ao glucagon, todos mediados via AMP cíclico. Nesse caso, quando o fenótipo característico (descrito acima) estiver presente, pode ser denominado de osteodistrofia hereditária de Albright. No tipo II, apesar de observarse o incremento esperado no AMP cíclico urinário após infusão endovenosa de PTH exógeno, não ocorre a resposta fosfatúrica e não existe fenótipo característico8. QUADRO CLÍNICO A hipocalcemia não é somente a principal conseqüência do hipoparatireoidismo e do pseudo-hipoparatireoidismo, mas também a principal causa de suas manifestações clínicas. Muitas dessas manifestações resultam do aumento da irritabilidade do sistema nervoso periférico e central. Entretanto, algumas características clínicas podem auxiliar na suspeita do quadro, como a presença de catarata em paciente jovem, pele seca e áspera, cabelo quebradiço, alopecia, dentição alterada. Nos pacientes portadores da osteodistrofia hereditária de Albright, ou pseudo-hipoparatireoidismo tipo I, um fenótipo característico pode ser identificado, como baixa estatura, fácies arredondada, encurtamento de metacarpos ou metatarsos (braquidactilia), ossificações subcutâneas, rebaixamento intelectual. Entretanto, outras formas de pseudo-hipoparatireoidismo (tipo Ia e tipo II) não apresentam qualquer fenótipo característico. Tetania Existem duas formas de tetania, uma franca e outra latente. A forma franca ocorre em ataques de tetania que se iniciam com sensação de formigamento nas extremidades e nos lábios, evoluindo com piora progressiva da gravidade e da extensão, atingindo os membros e a face. Segue-se o entorpecimento e espasmo que atingem mais as mãos e os braços que os membros inferiores e, nos casos mais intensos, a face também pode ser atingida. Na forma latente, podem ser reconhecidos graus menores de excitabilidade nervosa. Os sinais característicos de tetania latente são os sinais de Chvostek e Trousseau. O sinal de Chvostek é provocado pelo leve CASTRO, M.L. & BORBA, V.Z.C. – Síndrome de Fahr e Distúrbios do Metabolismo do Cálcio Rev. Neurociências 7(1): 22-27, 1999 25 estímulo do nervo facial aproximadamente 2 cm na frente do lobo da orelha e abaixo do processo zigomático. Nos casos positivos ocorre contração dos lábios, asa do nariz, músculo óculo-orbicular e, nos casos mais graves, de todos os músculos inervados pelo facial daquele lado. O sinal de Trousseau ocorre quando o manguito do esfigmomanômetro é inflado na parte superior do braço em nível acima da pressão sistólica. A manifestação sensorial e motora de tetania ocorre na seqüência em dois minutos, culminando com um ataque típico de espasmo do carpo2,9. Variações na expressão clínica da tetania podem ocorrer principalmente em pacientes crônicos que podem queixar-se somente de parestesias leves, em geral periorais, ou contrações musculares. Pode ocorrer estridor laríngeo pelo espasmo dos músculos da laringe e fixação das cordas vocais na linha média, graus menores de dificuldades na vocalização não são incomuns. Irritabilidade dos gânglios autonômicos está aumentada pela hipocalcemia, com uma variedade de sintomas sendo atribuída ao espasmo da musculatura lisa. Espasmo esofagiano, dor abdominal e pseudoobstrução intestinal são os mais documentados. A idade é um fator de variação na manifestação clínica de tetania. Crianças pequenas apresentam mais tremores, contrações e convulsões que espasmo carpopedal, provavelmente devido à hipomagnesemia associada. A forma de instalação da hipocalcemia também é um fator importante no aparecimento da tetania. Quando os níveis de cálcio caem rapidamente essa é mais marcada, mesmo com níveis não tão reduzidos de cálcio. Por outro lado, podem estar até mesmo ausentes nos casos de hipocalcemia de longa duração. Ataques de tetania podem ser precipitados ou piorados por hiperventilação, exercício intenso, retirada da medicação tireoideana, infecção, acidose metabólica, uremia e fenitoína. No período pré-menstrual e na gravidez pode ocorrer uma piora dos sintomas pela retenção de sal e água 9. Convulsões A hipocalcemia aumenta a irritabilidade neuronal central e periférica e convulsões podem ser a manifestação inicial desta, especialmente nos muito jovens ou muito idosos. A hipocalcemia pode diminuir o limiar excitatório de uma epilepsia preexistente, e as convulsões são indistinguíveis daquelas que ocorrem na presença de cálcio normal e podem ser de qualquer forma. As alterações do eletroencefalograma (EEG) permanecem após a correção da hipocalcemia, apesar da diminuição do número de crises. Devem ser diferenciadas da crise tetânica, que consiste de uma tetania generalizada seguida de espasmos tônicos prolongados. Nesses casos, aura sensorial pode ou não estar presente, porém perda da consciência, ferimento da língua, incontinência esfincteriana e confusão pós-ictal não ocorrem. A hipocalcemia freqüentemente produz mudanças distintas no EEG, estas podem ser vistas em pacientes que têm ou não convulsões. Existe irregularidade e fragmentação na atividade de fundo pós-central, desvio da freqüência de menos de 4 Hz para 4 a 8 Hz e aumento da atividade rápida de baixa freqüência. Mais característicos são os picos de ondas lentas de alta voltagem que ocorrem com maior freqüência e duração na presença de níveis baixos de cálcio. Se o cálcio cai para níveis inferiores a 6,5 mg/dL, espículas agudas e padrão de ondas podem aparecer. Essas últimas alterações podem desaparecer dentro de poucos dias após a correção da hipocalcemia, porém o padrão de fundo anormal no EEG pode permanecer por semanas9. O sucesso no tratamento da hipocalcemia freqüentemente previne ambos os tipos de convulsão e reduz ou cessa a necessidade do uso de anticonvulsivantes. Calcificações dos gânglios da base e síndrome extrapiramidal Na hipocalcemia de longa duração, áreas pequenas, irregulares e discretas de calcificações podem ser vistas 3 a 5 cm acima da sela túrcica na visão lateral do crânio, e 2 a 4 cm da linha média na visão frontal. Lesões similares podem ocorrer no núcleo denteado e córtex cerebral. Em todas as localizações as calcificações podem ser detectadas mais precocemente pela tomografia computadorizada que pela radiografia convencional 10,11. As lesões consistem de depósitos de sais de cálcio, ferro e outros minerais em um núcleo de material basofílico rico em glicosaminoglicans, que se acumulam dentro e ao redor das paredes dos vasos sangüíneos dos gânglios basais e também no núcleo denteado do cerebelo. Essas calcificações ocorrem em todas as formas de hipoparatireoidismo, quando os pacientes permanecem sem tratamento por tempo suficientemente longo. Nos casos de hipoparatireoidismo pós-cirúrgico, as calcificações são vistas em média 17 anos após a cirurgia9. De 7.040 exames de tomografia computadorizada de crânio, 72 (1,02%) mostraram calcificações intracranianas simétricas. Nos 10 pacientes que apresentavam CASTRO, M.L. & BORBA, V.Z.C. – Síndrome de Fahr e Distúrbios do Metabolismo do Cálcio Rev. Neurociências 7(1): 22-27, 1999 26 calcificações extensas, hipoparatireoidismo foi facilmente detectado em todos. Em quatro casos, com calcificações menos extensas, as alterações laboratoriais estavam no limite para o diagnóstico de HP. Nos 58 pacientes que apresentavam calcificações limitadas à parte interna do globus pallidus, não foi detectada qualquer relação com distúrbios da função paratireóide12. Calcificações dos gânglios da base podem ocorrer sem alterações neurológicas ou apresentar uma variedade de síndromes extrapiramidais, incluindo Parkinson, coreoatetose e espasmos distônicos. Essas alterações são resistentes ao tratamento-padrão e usualmente melhoram com a restauração da hipocalcemia, a não ser que as calcificações sejam muito extensas. Calcificações dos gânglios da base ocorrem em uma variedade de outras condições, como a forma familiar de epilepsia associada à hipocalcemia. Nesses casos, acredita-se que alterações da estrutura ou função da membrana têm importância fundamental na gênese da epilepsia familiar e que existe uma determinação genética para o set point do cálcio, explicando a concomitância das duas patologias 13. Diagnóstico laboratorial As alterações bioquímicas mais importantes são hipocalcemia e hiperfosfatemia na presença de função renal normal. As concentrações séricas de cálcio variam de 6-7 mg/dL até valores próximos do normal, dependendo da intensidade da doença. O fósforo está em geral elevado, entre 6-7 mg/dL. O PTH imunorreativo está baixo ou indetectável, exceto nos casos de resistência ao PTH, nos quais os níveis estão elevados. O magnésio pode estar diminuído devido à redução da absorção intestinal e da reabsorção tubular de magnésio. A calciúria de 24 horas está diminuída, assim como a excreção do AMP cíclico urinário. Tratamento O objetivo do tratamento em todos os estados de HP é restaurar os níveis de cálcio e fósforo para próximos do normal, que possibilitem o desaparecimento dos sintomas. O tratamento da crise tetânica é feito pela injeção de cálcio endovenoso com gluconato de cálcio 10% (possui 90 mg de cálcio/10 mL) ou cloreto de cálcio 10% (272 mg de cálcio/10 mL), na quantidade necessária para que desapareçam os sintomas, geralmente 200 mg de cálcio. A injeção deve ser feita lentamente (ao longo de 5 minutos), para evitar arritmias cardíacas. Os principais agentes utilizados para o tratamento da tetania latente e HP crônico são o cálcio e a vitamina D, uma vez que não dispomos do próprio PTH para esse fim. O cálcio elementar é administrado geralmente na dose de 1-2 g/dia. Uma variedade de preparações de vitamina D pode ser usada, como a vitamina D 3 ou D2 (colecalciferol ou ergocalciferol, respectivamente) nas doses de 25.000-100.000 U (1,25 a 5 mg) ao dia. São doses muito elevadas, cerca de 100 a 250 vezes as necessidades fisiológicas diárias desses hormônios. São lipossolúveis e depositam-se no tecido adiposo, e oferecem o risco de intoxicação quando utilizados por longos períodos. O calcitriol ou 1,25(OH)2D 3, apesar de mais caro, tem menor risco de intoxicação e é utilizado preferencialmente, na dose de 0,25 a 1 mg ao dia. As doses do cálcio e vitamina D devem ser ajustadas de acordo com o nível sérico de cálcio, que deve ser mantido entre 8 e 8,5 mg/dL e o cálcio urinário deve ser mantido em níveis inferiores a 200 mg/dia 2. SUMMARY Fahr’s syndrome and Calcio Disturbance Basal ganglia calcifications, inappropriately called Farh’s syndrome, usually ends up in the diagnoses of hypoparathyroidism and pseudohypoparathyroidism. Neurological manifestations are frequent. Regularly, these hypocalcemic patients are seen first by the neurologist, and referred to the endocrinologist. Farh’s syndrome symptoms include paresthesia, tetany, seizures, papilledema (pseudo-cerebral tumor), cataracts, extrapyramidal signs, motor and personality disturbances. A characteristic phenotype is seen in the pseudohypoparathyroidism “1a” and consists of short stature, round facies, mental retardation, obesity and brachydactily. Laboratorial findings of hypocalcemia and hyperphosphatemia in the presence of normal renal function and improper PTH values (low in the hypoparathyroidism and high in the pseudohypoparathyroidism) are the hallmarks of the diagnosis. Early treatment prevents evolution to irreversible complications and usually controls neurological manifestations. KEY WORDS Hypocalcemia, hypoparathyroidism, Fahr’s syndrome, basal ganglia calcification. Referências 1. 2. 3. 4. 5. Fahr T. Idiopathische Varkaalkung der himgefasse. Zentralbl Alig Pathol, 50: 129, 1930-1931. Eastell R & Heath III H. The hypocalcemic states. In: Disorders of bone and mineral metabolism, Coe FL & Favus MJ (eds). Raven Press, 27: 571-585, 1992. Breslau NA. Calcium, magnesium, and phosphorus: intestinal absorption. In: Favus MJ (ed). Primer on the Metabolic Bone Diseases and Disorders of Mineral Metabolism. LippincottRaven Publishers, 7: 220-222, 1996. Aurbach GD, Marx SJ, Spiegel AM. Parathyroid Hormone, Calcitonin, and Calciferois. In: Wilson JD & Foster DW (eds). Williams textbook of endocrinology. W.B. Saunders Company, 27: 1397-1476, 1996. Shane E. Hypocalcemia: pathogenesis, differential diagnosis, and management. In: Favus MJ (ed). Primer on the Metabolic Bone Diseases and Disorders of Mineral Metabolism. Lippincott-Raven Publishers, 37: 217-219,1996. CASTRO, M.L. & BORBA, V.Z.C. – Síndrome de Fahr e Distúrbios do Metabolismo do Cálcio Rev. Neurociências 7(1): 22-27, 1999 27 6. 7. 8. 9. 10. Goltzman D, Cole DEC. Hypoparathyroidism. In: Favus MJ (ed). Primer on the Metabolic Bone Diseases and Disorders of Mineral Metabolism. Lippincott-Raven Publishers, 38: 220222, 1996. Chattopadhyay N, Mithal A, Brown EM. The calcium-sensing receptor: a window into the physiology and pathophysiology of mineral ion metabolism. Endocr Rev, 17: 4, 289-307, 1996. Levine MA. Parathyroid hormone resistance syndromes. In: Favus MJ (ed). Primer on the Metabolic Bone Diseases and Disorders of Mineral Metabolism. Lippincott-Raven Publishers, 39: 223-228, 1996. Parfitt AM. Surgical, idiopathic, and other varieties of parathyroid hor mone-deficient hypoparathyroidism. In: DeGroot LJ (ed). Endocrinology. W.B. Saunders Company, 64: 1049-1064, 1989. Rossi M, Morena M, Zanardi M. Calcification of the basal ganglia and Fahr disease. Report of two clinical cases and review of the literature. Recenti Prog Med, 84: 3, 192-8, 1993. 11. 12. 13. 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Neurociências 7(1): 22-27, 1999 28 ARTIGO Calcificação Simétrica dos Gânglios da Base (CSGB) – “Doença de Fahr” José Osmar Cardeal* Daniel Dante Cardeal** RESUMO Há um tipo específico de calcificação intracraniana que compromete simetr icamente os gânglios da base e os núcleos denteados do cerebelo e é denominado calcificação simétrica dos gânglios da base (CSGB) ou doença de Fahr, no qual o principal método diagnóstico é a tomografia computadorizada. Essa revisão mostra que pode estar associado a vários processos patológicos, como distúrbios do cálcio e fósforo e as manifestações clínicas não estabelecem estrita relação com a topografia das lesões, havendo destaque para as crises epilépticas e distúrbios psiquiátricos. Conclui-se, portanto, que a CSGB nem sempre é idiopática e o termo calcificação não é apropriado, também não constitui uma doença definida. UNITERMOS Doença de Fahr, calcificação, gânglios da base, manifestações clínicas. * ** Professor Adjunto de Neurologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP. As calcificações de estruturas intracranianas são relativamente comuns e muitas vezes não estão associadas a processos patológicos, por isso mesmo designadas como “fisiológicas”, como, por exemplo, a calcificação da pineal, dos plexos coróides, da foice cerebral, e outras. Por outro lado, várias condições patológicas produzem calcificações intracranianas, dentre elas as neoplasias; facomatoses; doenças vasculares, inflamatórias, infecciosas, parasitárias; e distúrbios pós-anoxia, metabólicos. Um tipo bem peculiar de calcificação intracraniana compromete, de modo relativamente simétrico, os gânglios da base e os núcleos denteados do cerebelo. Nesse grupo, os depósitos calcários, pela sua distribuição característica, constituem uma entidade facilmente reconhecível aos exames de neuroimagem, e designados de várias maneiras, dentre elas calcificação estriado-pálido-denteada, calcinose estriado-pálido-denteada, calcificação não-arterioesclerótica dos gânglios da base, doença de Fahr, síndrome de Fahr, calcificações intracranianas simétricas dos gânglios da base. Esse tema aqui revisto não se refere a uma doença definida, mas as calcificações apresentam peculiar distribuição, comprometendo várias estruturas cerebrais, principalmente os gânglios da base e núcleos denteados do cerebelo. São identificáveis nos raios X simples do crânio e principalmente na tomografia computadorizada (CT) de crânio; por vezes tão extensas que podem ser detectadas no exame macroscópico e nos quadros clínicos mais ou menos bem definidos e associados a esse distúrbio. Apresenta ainda associação com alterações do metabolismo dos íons cálcio e fósforo em muitos casos, outros são idiopáticos e grupos com herança autossômica foram relatados. As calcificações simétricas dos gânglios da base (CSGB) ocorrem tanto nos adultos quanto nas crianças, mas sua prevalência não é conhecida. Muitos estudos para inferir sua freqüência surgiram da análise de TC de crânio em vários serviços. Nesse sentido, Kasis 1 observou que as CSGB estavam presentes em 72 (aproximadamente 1%) dentre 7.040 TC de crânio de pacientes que realizaram esse procedimento por motivos diversos. Em outro CARDEAL, J.O. & CARDEAL, D.D. – Calcificação Simétrica dos Gânglios da Base (CSGB) – “Doença de Fahr” Rev. Neurociências 7(1): 28-31, 1999 29 estudo, baseado na análise de 800 TC de crânio, os autores observaram 2% de CSGB 2. Em um estudo com 4.283 TC de crânio de criança foram encontradas CSGB em 1%3. As alterações localizam-se principalmente nos núcleos da base (palidum e estriatum) bem como nos núcleos denteados do cerebelo; e mais raramente, nos tálamos (substância branca do centro semi-oval, córtex cerebral em alguns de seus sulcos); e eventualmente no tronco cerebral. Dentre os achados anatomopatológicos, encontram-se alterações em células da glia e em neurônios, principalmente nos casos de lesões extensas, embora predominem lesões vasculares, principalmente pequenos vasos, afetando também regiões perivasculares4,5. O termo calcificação simétrica dos gânglios da base pode conduzir ao entendimento de que tais lesões sejam apenas deposições de cálcio nas estruturas afetadas. Esses depósitos são constituídos por glicoproteínas e mucopolissacarídeos contendo cálcio, mas outras substâncias são encontradas, como ferro, zinco, cobre, magnésio e alumínio 5,6,7. Assim sendo, consideramos o termo “mineralização” mais adequado e não calcificação dos gânglios da base. As CSGB podem corresponder apenas a um achado fortuito de exame, não estando associadas a uma doença bem-definida. Diversas condições patológicas foram associadas às CSGB, dentre elas: hipoparatireoidismo primário ou secundário; pseudo-hipoparatireoidismo; FIGURA 1 Calcificações relativamente simétricas e restritas aos gânglios da base e núcleos denteados do cerebelo (TC de crânio) – forma idiopática. CARDEAL, J.O. & CARDEAL, D.D. – Calcificação Simétrica dos Gânglios da Base (CSGB) – “Doença de Fahr” pseudo-pseudo-hipoparatireoidismo, hiperparatireoidismo; hipotireoidismo; hipertireoidismo; anoxia neonatal, pós-radioterapia de tumor cerebral; doenças congênitas, inflamatórias, infecciosas, parasitárias e intoxicações. É bem possível que muitas dessas condições descritas em casos de CSGB tenham com essa entidade apenas uma relação casual. Entretanto, a revisão da literatura permite identificar pelo menos três grupos principais: idiopático, familiar e o mais comum, aquele associado a distúrbios do metabolismo do cálcio e do fósforo, hipoparatireoidismo, pseudo-hipoparatireoidismo. Não é incomum observar extensas lesões cerebrais assintomáticas, como é o caso da paciente cuja TC é mostrada na figura 1. Quando as manifestações clínicas estão presentes, não estabelecem estreita correlação com a topografia das lesões detectadas na TC de crânio5,8 e podem ser: neurológicas, psiquiátricas e neuropsicológicas. As principais manifestações neurológicas são expressas por distúrbios do movimento e crises epilépticas. Estima-se que distúrbios do movimento ocorram em aproximadamente 30% dos casos de CSGB e podem ser do tipo parkinsoniano, tremor, rigidez, distonia, mioclonia, coréia, atetose, mutismo, hemicoréia, hemibalismo 5,7,9 . As síndromes extrapiramidais observadas nesses casos podem sugerir que as mineralizações não ficam restritas a regiões vasculares ou perivasculares, mas direta ou indiretamente afetam elementos neurais do sistema extrapiramidal. As crises epilépticas constituem outra condição clínica relativamente comum nos casos de CSGB, não tendo sido encontrada associação com um tipo específico de crise. Quando as CSGB se associam ao hipoparatireoidismo, o fator precipitante das crises pode ser atribuído diretamente ao distúrbio do cálcio. Estima-se que crises epilépticas ocorram em 30% a 70% dos pacientes com hipoparatireoidismo 10 e podem ser parciais motoras, generalizadas tônico-clônicas, e menos freqüentemente ausências atípicas ou crises acinéticas11. Nesse sentido, as observações em modelos experimentais de epilepsia com manipulação dos íons cálcio, com ou sem alteração do potássio, mostram que a exposição de fatias de hipocampo a concentrações extracelulares de 0,2 mm ou menores bloqueia as respostas sinápticas de neurônios piramidais. Ao invés de observar a inibição das descargas epilépticas por essa alteração eletrolítica, observa-se após um breve período com descargas isoladas eventos semelhantes a crises epilépticas espontâneas e recorrentes na camada piramidal CA1 do hipocampo12. No entanto, além das alterações do cálcio, outras devem ocorrer, pois crises epilépticas também foram observadas em casos sem Rev. Neurociências 7(1): 28-31, 1999 30 FIGURA 2 Calcificações simétricas dos gânglios da base e núcleos denteados do cerebelo (TC de crânio), comprometendo outras estruturas cerebrais, incluindo o córtex cerebral – forma secundária a hipoparatireoidismo. CARDEAL, J.O. & CARDEAL, D.D. – Calcificação Simétrica dos Gânglios da Base (CSGB) – “Doença de Fahr” distúrbios do íon cálcio, como ocorreu com o paciente cuja TC de crânio é apresentada na figura 2. Diversos distúrbios psiquiátricos foram descritos em casos com CSGB, compreendendo: distúrbios do comportamento com apatia, retraimento social, crises emocionais, abandono das atividades habituais; distúrbios psicopatológicos como síndromes do humor, transtorno obsessivo-compulsivo, alterações de personalidade, síndrome paranóide-alucinatória, psicose esquizofreniforme e dependência química. Também foram descritas depressão seguida de transtorno bipolar e síndrome maniforme. As alterações neuropsicológicas abrangem vários domínios, como a orientação, a atenção e a concentração, a memória e a inteligência. Pode também estar afetada a capacidade de aprendizagem, assim como a coordenação visual-motora e as atividades visuoespaciais. De modo geral, nesses casos o quadro dominante corresponde à demência em padrão diferente de Alzheimer e também de Pick, mas com elementos de ambos, sendo observada atrofia cortical frontal ou temporal. Um estudo anatomopatológico13 feito em 5 casos de CSGB associados a demência mostrou que as principais características foram: 1- ausência de placas senis; 2 - a presença de numerosos e disseminados emaranhados neurofibrilares no neocórtex; 3 - depósitos calcários como os descritos anteriormente; 4 - atrofia cerebral restrita aos lobos frontais ou temporais; 5 - moderada ou intensa desmielinização e gliose fibrosa na substância branca das áreas atrofiadas; 6 - leve ou moderada perda neuronal no núcleo basal de Meynert. Os casos com demência são encontrados nos pacientes com extensas mineralizações intracranianas8. O diagnóstico de CSGB pode ser feito em estudos anatomopatológicos, raios X simples de crânio e principalmente TC de crânio (Figuras 1 e 2). Evidentemente, a TC de crânio é superior aos raios X simples para detecção de calcificação em gânglios da base14, não só pela identificação de lesões, mas também por permitir avaliar sua extensão, além de identificar casos com atrofia cerebral. O patologista Karl Theodor Fahr 15 em 1930 publicou os resultados do estudo anatomopatológico do caso de um paciente do sexo masculino que falecera após quadro de diarréia, cãibras nas pernas, diplopia, vertigens, tetania e coma. Identificou a presença de calcificações perivasculares comprometendo bilateralmente, de modo simétrico, os gânglios da base, atribuindo um caráter idiopático para as referidas alterações. A partir de então, casos de CSGB passaram a ser designados como “doença de Fahr”. No entanto, essa designação tem sido freqüentemente contestada, como o fez Lowental e Bruyn7 no final da década de 60: “Those using it betray Rev. Neurociências 7(1): 28-31, 1999 31 a major state of ignorance with respect to this disorder: the condition is not a disease in the nosological sense of the word, neither was Fahr the first to report it, nor should be credited for having presented an exhaustive descriptio princeps”. Finalmente podemos ressaltar que as CSGB são uma entidade conhecida desde a metade do século passado 9. Não constitui uma doença, nem sempre é idiopática, em muitos casos está associada com distúrbios do metabolismo dos íons cálcio e fósforo e o termo calcificação não é apropriado. 5. SUMMARY 9. Symmetrical Calcification of the Basal Ganglia – Fahr’s Disease There is a specific type of intracranial calcification that affects the basal ganglia and the dentate nuclei of the cerebellum symmetrically which is denominated Simmetrical Calcification of the Basal Ganglia (SCBG) or Fahr’s disease, in which the main diagnosis method is the CT scan. This revision shows that this may be associated to many pathological processes like calciumphosphorus metabolism disorders and no relationship is observed between the clinical manifestations and the topography of the lesions, standing out the epilepsy and the psychic disorders. We conclude that the SCGB is not always idiophatic and the term calcification is not appropriate, and this condition is not a disease in the nosological sense. 6. 7. 8. 10. 11. 12. KEY WORDS Farh’s disease, calcification, basal ganglia, clinical manifestations. 13. Referências 14. 1. 2. 3. 4. Kazis AD. Contribution of CT scan to diagnosis of Fahr´s syndrome. Acta Neurol Scand, 71: 206-11, 1985. Goldscheider HG, Lischewski R, Claus D et al. Clinical, endocrinological, and computerized tomography scans for symmetrical calcification of the basal ganglia. Arch Psychiatr Nervenkr, 228: 53-65, 1980. Legido A, Zimmerman RA, Packer RJ et al. 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Calcification of the basal ganglia and Fahr disease. Report of two clinical cases and review of the literature. Recenti Prog Med, 84: 192-8, 1993. Fahr TK. Idiopathische ver kalkung der hir ngefässe. Zentralblatt Allg Pathol, 50: 129-133, 1930. Endereço para correspondência: Rua Borges Lagoa, 783, cj. 11 – Vila Clementino CEP 04038-031 São Paulo (SP) E-mail: [email protected] APLICAR BULA HYDERGINE CARDEAL, J.O. & CARDEAL, D.D. – Calcificação Simétrica dos Gânglios da Base (CSGB) – “Doença de Fahr” Rev. Neurociências 7(1): 28-31, 1999 32 ARTIGO Epilepsias – Tratamentos Alternativos Sueli Rizzutti* Alzira Nobuko Nishiyama** Mauro Muszkat*** Carlos José Reis de Campos**** RESUMO Este é um artigo de revisão no qual os autores fazem uma abordagem geral dos principais tratamentos alternativos atualmente utilizados para as epilepsias, dentre eles: acetazolamida, brometos, alopurinol, piracetam, leviracetam, imunoglobulina, dieta cetogênica e corticosteróides. UNITERMOS Epilepsia, drogas antiepilépticas, tratamento alternativo em epilepsia. O principal objetivo do tratamento medicamentoso da epilepsia é o controle total das crises epilépticas, com o uso de drogas potencialmente efetivas, sem efeitos indesejáveis ou com efeitos adversos que não interfiram na qualidade de vida do paciente. Embora o tratamento medicamentoso com drogas antiepilépticas resulte em bom controle das crises em aproximadamente 70% dos pacientes com epilepsia, ainda 20% a 30% deles têm crises epilépticas não-controladas pelas drogas antiepilépticas disponíveis. A freqüência de crises nesses pacientes com crises epilépticas de difícil controle medicamentoso pode ser diminuída pela medicação, mas não completamente controlada. A cirurgia de epilepsia é uma das alternativas quando há insucesso no tratamento com drogas antiepilépticas habituais, como também quando se utilizam novas drogas. Porém, há um outro grupo de drogas e até mesmo uma dieta especial, que podem ser utilizados como alternativa de abordagem para pacientes considerados de difícil controle medicamentoso. Tais medidas são consideradas como tratamento coadjuvante e, excetuando-se a corticoterapia para a síndrome de West, ainda não há estudos prospectivos controlados duplo-cegos que confirmem sua eficácia. Faremos uma abordagem geral dos principais tratamentos alternativos. ACETAZOLAMIDA (AZM) * Médica Neurologista. Pós-graduanda da Disciplina de Neurologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. ** Médica Neurologista. *** Médico Neurologista, Doutor em Neurologia pela Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. **** Prof. Adjunto e Chefe do Setor de Investigação e Tratamento das Epilepsias (SITE) da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. A acetazolamida, introduzida como droga antiepiléptica em 1952, tem como mecanismo de ação a inibição da anidrase carbônica, enzima que catalisa a reação de hidratação do CO 2, de importância fundamental na formação de ácido carbônico e fase intermediária na secreção de íons hidrogênio e transporte de bicarbonato, levando a um acúmulo de dióxido de carbono. A droga é amplamente absorvida no duodeno e porção do jejuno proximal. Os níveis plasmáticos máximos são obtidos dentro de duas horas após a administração oral. Liga-se em 90% a proteínas plasmáticas. A alta RIZZUTTI, S.; NISHIYAMA, A.N.; MUSZKAT, M. & CAMPOS, C.J.R. – Epilepsias – Tratamentos Alternativos Rev. Neurociências 7(1): 32-38, 1999 33 concentração da acetazolamida encontra-se em tecidos com alto teor de anidrase carbônica (glia e eritrócitos), refletindo intensa afinidade da AZM por essa enzima. No interior do cérebro, as células gliais são as principais células que contêm a anidrase carbônica e a AZM encontra-se no seu interior. Na célula, a AZM distribuise no citoplasma e na mitocôndria e sua meia-vida é de 4 horas a 10 horas. A interação da AZM com outras drogas é rara. Como a AZM não é metabolizada pelo fígado, sua concentração plasmática não pode ser afetada por drogas que induzem ou inibem enzimas metabólicas hepáticas. A dose usual é de 250 mg em duas ou três vezes por dia podendo chegar até 1 g. A AZM tem-se mostrado efetiva no controle de vários tipos de crises, como em crises parciais, mioclonias, ausência, e crises generalizadas tônico-clônicas que não são controladas por outras drogas antiepilépticas1. Resor & Resor2 avaliaram 84 pacientes com epilepsia mioclônica juvenil, dos quais 51 pacientes fizeram uso de AZM devido a efeitos colaterais induzidos pelo ácido valpróico, e observaram controle de 45% de crises generalizadas tônico-clônicas e menor efeito sobre crises mioclônicas. Oles3 et al. (1989) avaliaram 48 pacientes com epilepsia parcial e observaram que 44% tiveram diminuição da freqüência das crises de 50%, quando a AZM foi associada à carbamazepina. Os efeitos colaterais mais encontrados são letargia, parestesias, anorexia, cefaléia, náuseas, acidose metabólica, diarréia, distúrbios visuais e podendo ser facilitada a formação de cálculo renal. BROMETOS Os brometos foram introduzidos na medicina em meados do século passado, primeiramente como sedativos e hipnóticos e a seguir como droga antiepiléptica. Foi a primeira substância efetiva usada no tratamento de epilepsia. Charles Locock, em 1857, foi o primeiro a preconizar os brometos para diminuir as “sensações sexuais” em mulheres não-epilépticas e estendeu suas observações para a “epilepsia histérica” (provavelmente epilepsia com crises exacerbadas no período menstrual) com excelentes resultados. Com o advento de outras drogas antiepilépticas, tais como o fenobarbital (1912) e a fenitoína (1932), os brometos foram substituídos, sendo progressivamente reduzida sua indicação. Atualmente os brometos têm recebido maior atenção por parte da literatura especializada 4,5,6 . Os mais empregados são o brometo de sódio, o brometo de cálcio e o brometo de amônia. O brometo de sódio é o mais utilizado por ser o menos irritante da mucosa gástrica. Em geral são usados oralmente, às vezes associados a corretivos para mascarar o sabor desagradável. Devem ser administrados após as refeições, devido a sua ação irritante sobre a mucosa gástrica. Os brometos são reabsorvidos completamente pelo trato gastrintestinal e são distribuídos de maneira muito semelhante à dos cloretos. Os brometos substituem o cloreto no fluido extracelular e o equivalente do cloreto é excretado. No meio intracelular, o brometo encontra-se nas células vermelhas sangüíneas. A taxa de distribuição para o líquido cefalorraquiano, trato gastrintestinal e músculo é baixa. O brometo é excretado pelos rins sem biotransformação, e apesar de se afirmar que a excreção dos brometos é um pouco mais lenta que a dos cloretos, por serem mais propensos à reabsorção tubular, do ponto de vista prático, eliminam-se mais ou menos na mesma proporção. No túbulo distal há uma reabsorção competitiva entre cloreto e brometo. Os brometos têm uma meia-vida de 12 dias. De fato a restrição de cloretos na alimentação facilita a obtenção de maior teor sérico de brometos, em função de uma determinada dose, ao passo que o aumento da quantidade de cloreto de sódio na alimentação acelera a eliminação renal de brometos. O brometos não se ligam a proteínas plasmáticas e não há evidências de inibição ou indução de enzimas hepáticas responsáveis pelo metabolismo de outras drogas antiepilépticas. Entretanto, os brometos podem aumentar o efeito de sedação produzido por outras drogas antiepilépticas. Os mecanismos de ação são desconhecidos. Woodbury e Pippenger sugerem que os brometos atravessam a membrana celular mais rápido que o cloreto, causando uma hiperpolarização e facilitando a ação de neurotransmissores inibitórios7. Há muitas indicações para a terapia com brometos, dentre elas a epilepsia com crises generalizadas tônicoclônicas de difícil controle em adultos e crianças8. Os brometos são menos efetivos em epilepsia parcial e podem piorar crises de ausência, mioclonias, tônicas e atônicas. Dreifuss e Bertram9 utilizaram os brometos em seis pacientes (dois com crises convulsivas generalizadas, dois com crises parciais complexas e dois com crises de ausência), observando ótimo controle nas convulsões generalizadas, menor controle sobre as crises parciais complexas e falta de efeito sobre as crises de ausência. Woody 10 utilizou brometos como terapia coadjuvante em 11 crianças com epilepsia de difícil controle (um caso de epilepsia fotossensível, um de afasia epiléptica adquirida, três de síndrome de LennoxGastaut e seis de epilepsia parcial sintomática) e RIZZUTTI, S.; NISHIYAMA, A.N.; MUSZKAT, M. & CAMPOS, C.J.R. – Epilepsias – Tratamentos Alternativos Rev. Neurociências 7(1): 32-38, 1999 34 observou controle total das crises em dois pacientes e melhora importante em quatro; observou também que a terapia de brometos associada ao ácido valpróico foi muito efetiva nesses casos. Oguni et al.4 estudaram a eficácia dos brometos (brometo de potássio) como terapia coadjuvante em 11 pacientes com epilepsia mioclônica grave e em outros 11 pacientes com uma variante de epilepsia mioclônica grave, com doses que variaram de 30 a 100 mg/kg (média de 58 mg/kg); 36% dos pacientes com crises generalizadas tônico-clônicas tiveram redução das crises de aproximadamente 75% e em 41% dos pacientes redução de 50% a 75%. A dose usual em crianças até 6 anos de idade é de 300 mg duas vezes ao dia até 600 mg três vezes ao dia; acima de 6 anos de idade, a dose é de 300 mg a 1 g três vezes ao dia. A concentração sérica tolerada é de 75 a 125 mg/100 mL. Os efeitos colaterais dos brometos podem ser divididos naqueles que afetam o trato gastrintestinal, a pele e o sistema nervoso central. Os efeitos sobre o trato gastrintestinal incluem anorexia, constipação e perda de peso. Recentemente, tem sido descrita pancreatite como efeito colateral da terapia com brometo de sódio. As três principais manifestações dermatológicas são: exantema, erupção acneiforme e bromoderma tuberoso. O bromoderma tuberoso é uma erupção acneiforme envolvendo face e região superior do tronco, é dose-dependente e em muitos casos é totalmente reversível, ocorrendo em cerca de 25% dos casos. Os efeitos sobre o sistema nervoso central observados incluem a sedação, mioclonias de ação, sinais cerebelares como ataxia e disartria, diminuição da libido, disfagia, sonolência, tremores e alucinação. A administração excessiva de brometos pode causar quadros psicomotores confundíveis com os próprios automatismos de crises epilépticas, o que muitas vezes pode levar o médico a tratar erroneamente o “bromidismo” com o próprio brometo. O bromidismo crônico caracteriza-se por confusão, irritabilidade, cefaléia, anorexia, labilidade emocional, fadiga, perda de memória, insônia, desorientação e depressão. Podem ocorrer também midríase, distúrbios da marcha, fraqueza, tremor e hiper-reflexia6. O tratamento envolve a eliminação do brometo, utilizando-se cloreto de sódio, hidratação e diuréticos. ALOPURINOL O alopurinol foi introduzido inicialmente por Coleman et al.11 para o tratamento de epilepsia em pacientes que, além da epilepsia, apresentavam hiperuricemia. Posteriormente, De Marco e Zagnoni12 sugeriram que a droga poderia ser utilizada em casos sem uricemia. O alopurinol inibe a complexa atividade da enzima xantina-oxidase, responsável pela conversão da hipoxantina em xantina e desta em ácido úrico, com conseqüente redução do ácido úrico no sangue e na urina. Inibe também o triptofano 2-3 desoxigenase o que causa redução do ácido quinolínico que é um análogo do glutamato. A concentração plasmática de muitas drogas antiepilépticas não é afetada pela administração do alopurinol. Contudo, Mikati et al.13 relatam a elevação dos níveis de carbamazepina induzida pelo alopurinol. O alopurinol é utilizado como coadjuvante no tratamento de epilepsia com doses de até 15 mg/kg/dia dividida em três tomadas. Há descrições de respostas favoráveis no controle de crises parciais, com ou sem generalização subseqüente, em crises generalizadas tônico-clônicas e até mesmo na síndrome de Lennox-Gastaut14,15,16,17. So e Ptacek14 utilizaram alopurinol como medicação coadjuvante em 13 pacientes com epilepsia de difícil controle (9 com crises generalizadas tônico-clônicas, 4 com crises atônicas, 3 com mioclônicas e 2 com crises parciais complexas), com dose mínima de 300 mg por dia, somente 1 paciente teve redução das crises, 50% de crises atônicas e mioclônicas. Marrosu et al. 15 observaram uma diminuição da freqüência de crises epilépticas em pacientes com síndrome de LennoxGastaut, principalmente de crises atônicas. Tada et al.16 utilizaram o alopurinol em 31 pacientes com epilepsia de difícil controle e observaram que a droga foi eficaz em 55% dos pacientes, sendo que 8 permaneceram sem crises, 8 pacientes tiveram redução das crises em 75% e em 1 paciente as crises foram reduzidas em aproximadamente 50%; o alopurinol foi mais eficaz em crises parciais com generalização subseqüente. Zagnoni et al.17 observaram uma redução de crises no grupo de pacientes com epilepsia parcial com generalização subseqüente. Os efeitos colaterais podem ocorrer em até 25% dos casos e incluem: diarréia, indisposição geral, sonolência, dor abdominal, cefaléia e inapetência. PIRACETAM Foi introduzido por pesquisadores na Bélgica em 1967 e utilizado na prática clínica para melhorar a memória. Terwinghe et al. 18 foram os primeiros a relatar a efetividade do piracetam sobre as mioclonias em um paciente, após quadro de anoxia por comprometimento cardíaco. O piracetam é considerado droga nootrópica. A ação na supressão das mioclonias não é totalmente compreendida. Entretanto, as alterações da serotonina RIZZUTTI, S.; NISHIYAMA, A.N.; MUSZKAT, M. & CAMPOS, C.J.R. – Epilepsias – Tratamentos Alternativos Rev. Neurociências 7(1): 32-38, 1999 35 e função gabaérgica são envolvidas nas mioclonias corticais e não há relatos que o piracetam modifique a atividade gabaérgica19. Um pequeno aumento nos níveis do ácido homovanílico foi encontrado com altas doses de piracetam. Porém, no cérebro de ratos albinos, foi observada diminuição de norepinefrina, dopamina e serotonina e de seus metabólitos com o uso crônico de piracetam 19. O piracetam é um derivado cíclico do GABA. Após a ingestão oral, o pico plasmático ocorre de 30 a 40 minutos e a droga é quase completamente absorvida. A meia-vida é de 5 horas a 6 horas, com eliminação após 30 horas. O piracetam não é transformado, sendo excretado sem alteração pelos rins, na proporção de 85% a 100% da dose. Não há ligação com proteínas plasmáticas. O piracetam é quase que exclusivamente excretado pelos rins, e a dose deve ser reduzida em pacientes com comprometimento renal. A droga é contra-indicada em pacientes com depuração de creatinina abaixo de 20 mL/min. Quanto à interação com outras drogas, os níveis de piracetam não se alteram por substâncias que inibam ou induzam o metabolismo, já que o piracetam não é metabolizado no fígado. A dose ideal é desconhecida, porém recomenda-se inicialmente de 4 a 8 g/dia, com aumento progressivo até 24 g/dia, observando-se a resposta clínica e o aparecimento de efeitos adversos20. Há relatos de resposta satisfatória no controle das mioclonias associados aos quadros de epilepsia mioclônica progressiva, como na doença de Unverricht-Lündborg e na doença de Lafora. A droga pode ser dada em duas ou três tomadas/ dia 19. A droga atravessa a barreira placentária e deve ser evitada na gravidez e na lactação. O piracetam tem melhor efeito sobre as mioclonias de origem cortical 21 . Ikeda et al. 22 trataram de 60 pacientes com mioclonias, constataram que o piracetam, tanto em monoterapia como em politerapia, foi mais efetivo nas mioclonias de origem cortical, além de ocorrer melhora da freqüência de convulsões, da ataxia de marcha, dos distúrbios do sono, do déficit de atenção e da depressão. Também foi relatado que o piracetam se mostra efetivo em pacientes com mioclonias de origem subcortical, e que essa droga não tem efeito em outros tipos de crises epilépticas20. A droga é muito bem tolerada e há poucos efeitos adversos. A freqüência desses efeitos é de 1% a 3%, sendo os mais comuns: insônia, tontura, náuseas, desconforto gastrintestinal, ganho de peso, depressão, tremores e agitação. Erupção cutânea ocorre numa freqüência menor que 1%. LEVETIRACETAM O levetiracetam é um análogo do piracetam e parece ser uma droga antiepiléptica promissora23. É uma droga altamente solúvel em água, rapidamente absorvida após uma hora da ingestão oral. Seu metabolismo é mínimo, 66% da quantidade absorvida é excretada por via renal sem alteração e 24% é excretada como metabólito inativo. Sua meia-vida é de 7 horas a 8 horas e o steady state é obtido após dois dias da administração oral. É indicado em epilepsia parcial, fotossensível e crises audiogênicas. O levetiracetam foi avaliado em dois estudos duplo-cegos, um realizado na Europa com 324 pacientes e outro nos Estados Unidos com 294 pacientes, como coadjuvante no tratamento de epilepsia parcial na dose de 1 a 1,5 g em duas tomadas diariamente, com redução das crises epilépticas parciais em comparação com o grupo placebo. Foi também utilizado em 12 pacientes com epilepsia fotossensível, com doses de 250 mg até 1 g por dia, encontrando supressão de 75% da resposta fotoparoxística, além da melhora das mioclonias24. Os efeitos adversos mais comumente encontrados são sonolência, cefaléia, astenia e tontura. IMUNOGLOBULINA O efeito da imunoglobulina no tratamento de epilepsias foi pela primeira vez descrito por Péchadre et al. (Van Engelen et al.25 , 1997). Eles observaram melhora clínica e eletroencefalográfica de algumas crianças que estavam sendo tratadas com imunoglobulina intramuscular para infecções de repetição das vias aéreas. A partir daí, a imunoglobulina intravenosa tem sido utilizada para epilepsias de difícil controle com drogas antiepilépticas convencionais, nas síndromes de West, de Lennox-Gastaut 26 , da afasia-epilepsia de Landau-Kleffner27 e na doença de Rasmussen28. Em um estudo com nove crianças com diagnóstico de epilepsia de difícil controle, síndrome de West e LennoxGastaut, tratadas com imunoglobulina, observou-se controle de crises em 27,5% e melhora leve a moderada em 37,8%29. Apesar dos resultados satisfatórios com o uso da imunoglobulina em várias publicações, ainda são escassas as evidências convincentes sobre o assunto. A maioria dos estudos são baseados em relatos de um grupo pequeno e heterogêneo de pacientes em relação às variáveis amostrais como tipo e duração da epilepsia, idade, freqüência das crises e duração do tratamento. O mecanismo de ação pelo qual a imunoglobulina melhora a epilepsia ainda é desconhecido. Alguns RIZZUTTI, S.; NISHIYAMA, A.N.; MUSZKAT, M. & CAMPOS, C.J.R. – Epilepsias – Tratamentos Alternativos Rev. Neurociências 7(1): 32-38, 1999 36 estudos sugerem a influência da neuromodulação da imunoglobulina no controle das crises epilépticas, embora estudos controlados ainda sejam necessários para esclarecer o exato mecanismo de ação. As melhores indicações para o tratamento com imunoglobulina apontam para pacientes com síndromes epilépticas graves sem resposta ao tratamento com drogas convencionais, especialmente crianças com síndromes de West e Lennox-Gastaut que não responderam ao ACTH; podendo ser usada também em casos nos quais mecanismos inflamatórios estejam envolvidos como na encefalite de Rasmussen 28. Outra condição clínica rara e grave em que pode ser usada é na síndrome de Landau-Keffner, em que o uso de drogas antiepilépticas convencionais e corticosteróides não produz resultados satisfatórios. Fayad et al.27 apresentaram um relato de caso isolado de tratamento com imunoglobulina (3 séries de 400 mg/ kg/dia durante 5 dias, a intervalos de 5 a 6 meses) com controle total das crises epilépticas, melhora da afasia e normalização do EEG. A imunoglobulina humana apresenta boa tolerância, efeitos colaterais leves e pouco freqüentes e sem aumento no risco de infecções durante o tratamento, porém apresenta um elevado custo. Embora não exista consenso da dose recomendada na literatura mundial, bem como do regime terapêutico e sua duração, utilizamos doses que variaram de 100 a 400 mg/kg/dia. O tratamento com imunoglobulina em pacientes epilépticos ainda permanece um procedimento de alto custo, aguardando comprovação em estudos controlados. Essa forma de tratamento deverá ser usada em casos esporádicos, nos quais comprovadamente não exista resposta ao uso de drogas antiepilépticas convencionais. DIETA CETOGÊNICA As manipulações dietéticas e o jejum como modalidade de tratamento têm sido utilizados há centenas de anos. O conhecimento de que o jejum de alimentos sólidos e líquidos controla completamente as crises epilépticas data da época de Hipócrates. Vários estudos foram realizados para elucidar as alterações metabólicas produzidas pelo jejum em crianças epilépticas. Dentre as alterações observadas, encontram-se a acidose metabólica, o aumento na excreção urinária de corpos cetônicos, de ácido úrico e alterações metabólicas que desaparecem com a reintrodução da dieta. Wilder, em 1921, propôs que uma dieta rica em gorduras e pobre em hidratos de carbono e proteínas poderia reproduzir a cetose e a acidose metabólica características do jejum, além de permitir a manutenção desse estado por período de tempo maior30. Essa dieta recebeu a denominação de “dieta cetogênica”. O uso da dieta cetogênica no controle de pacientes epilépticos teve destaque durante a década de 20, quando apenas duas drogas antiepilépticas eram conhecidas, os brometos e o fenobarbital. Com o advento de novas drogas antiepilépticas potentes nas décadas seguintes, a dieta cetogênica praticamente deixou de ser usada em quase todos os centros médicos. Na década de 90 foi presenciada uma progressiva retomada da dieta cetogênica no tratamento das epilepsias, mesmo frente ao desenvolvimento de modernas drogas antiepilépticas e avanços tecnológicos para investigação e tratamento das doenças neurológicas. Dentre os motivos para a retomada da dieta cetogênica no tratamento de epilepsia na infância, incluem-se a refratariedade de síndromes epilépticas mesmo a tratamentos invasivos, os relatos da efetividade da dieta no controle de crises de difícil controle, com redução de até 50% no número de crises diárias, diminuição do número de drogas antiepilépticas utilizadas durante a dieta, baixo custo e poucos efeitos colaterais 31. As indicações para o uso de dieta cetogênica são dirigidas principalmente para crianças epilépticas com mais de um ano idade que tenham epilepsia comprovadamente refratária a duas ou mais drogas antiepilépticas, utilizadas em doses adequadas ou para os pacientes cujos efeitos colaterais sejam intoleráveis ou que tenham reações idiossincrásicas. A dieta cetogênica parece atuar melhor em crises generalizadas (crises de ausência e mioclônicas), porém qualquer tipo de crise pode beneficiar-se com a dieta cetogênica. A experiência da dieta cetogênica com pacientes adultos é limitada30. O mecanismo de ação da dieta cetogênica no controle das crises epilépticas ainda não é bem-conhecido. Existem várias teorias para explicá-los, dentre elas, a cetose produzida pelos corpos cetônicos; a acidose que acompanha a cetose e as alterações no balanço de eletrólitos, de fluídos; alterações nas concentrações de lipídios no cérebro; e as adaptações metabólicas induzidas pela dieta no cérebro28. Prassad et al. 28 atribuíram o efeito antiepiléptico à cetose e ao efeito sedativo do ácido acetoacético, porém vários outros mecanismos têm sido relatados sem confirmação. A utilização da dieta cetogênica exige adequada avaliação multidisciplinar do paciente e de sua família. Para iniciar a dieta, o paciente deve ser admitido em hospital, permanecendo em jejum de alimentos sólidos e líquidos por aproximadamente 36 horas ou até que apresente cetonúria intensa, quando iniciada a dieta. Na fase de jejum existe risco de hipoglicemia e desidratação RIZZUTTI, S.; NISHIYAMA, A.N.; MUSZKAT, M. & CAMPOS, C.J.R. – Epilepsias – Tratamentos Alternativos Rev. Neurociências 7(1): 32-38, 1999 37 e após a fase de jejum existe o risco de desidratação, em alguns casos devido à recusa dos pacientes à dieta. A dieta é calculada de forma que 90% das necessidades calóricas diárias sejam obtidas a partir de gorduras e apenas 10% de hidratos de carbono e proteínas, mantendo assim uma relação 4:1; para manter essa relação, quatro partes da dieta é constituída de gorduras e uma parte de carboidratos e proteína. Os efeitos colaterais da dieta cetogênica relacionamse em geral com a intolerância da dieta, como náuseas, vômitos, diarréia e obstipação intestinal; pode ocorrer ainda sonolência no início do tratamento, recomendando-se a retirada de drogas antiepilépticas potencialmente sedativas ao iniciar a dieta cetogênica. Outro cuidado em relação ao uso de medicação concomitante é a não-utilização de drogas inibidoras da anidrase carbônica, como a acetazolamida, devido à litíase urinária, bem como o uso de valproato de sódio pelo maior risco de esteatose hepática30. Outro efeito notado com a dieta cetogênica é o aumento no teor de colesterol e de triglicérides, porém não se sabe ao certo as implicações desse fato a longo prazo. Observando-se resposta satisfatória com a introdução da dieta cetogênica, esta deve ser mantida durante dois anos, ao final desse período o teor de gordura pode ser progressivamente reduzido na dieta. A dieta cetogênica torna-se alternativa válida em pacientes que não responderam às medicações convencionais. Porém, o sucesso dessa forma de tratamento está muito ligado à motivação dos familiares do paciente, boa relação com uma equipe multidisciplinar composta por nutricionista, neurologista e psicólogo. CORTICOSTERÓIDES O ACTH é um peptídeo com trinta e nove aminoácidos, hormônio endógeno liberado pela hipófise anterior, que regula a secreção de glicocorticóides e hormônios sexuais. Os primeiros relatos de eficácia terapêutica do ACTH em algumas síndromes epilépticas datam da década de 50, em que foi observado melhora em quatro crianças com várias crises intratáveis. Oito anos depois, Sorel e Dusaucy relataram casos de espasmos infantis que mostraram normalização do EEG, controle de crises e normalização do comportamento após tratamento com ACTH; posteriormente, outros resultados confirmaram o papel dos corticosteróides nessas condições. A droga de escolha no tratamento da síndrome de West tem sido o ACTH; no entanto, sérios efeitos adversos têm sido relatados como infecções e hiper- tensão arterial ocorrendo durante a terapia com ACTH, além da atrofia cerebral, que na maioria dos casos é reversível, mas alguns pacientes desenvolvem coleção subdural ou a melhora da atrofia cerebral ocorre de forma muito lenta. Alguns autores sugerem que a vigabatrina é a droga de primeira escolha na síndrome de West, principalmente os casos associados à esclerose tuberosa. O uso de esteróides está bem-estabelecido em epilepsias da infância, em particular na síndrome de West, porém existem controvérsias em relação às outras síndromes epilépticas como no caso da síndrome de Landau-Kleffner (Prassad 28 et al., 1996) e na encefalite de Rasmussen32. Os mecanismos antiepilépticos do ACTH e esteróides são incertos, postulando-se efeitos sobre a neuromodulação colinérgica e serotoninérgica. Huttenlocher sugere efeito sobre a maturação cerebral e arborização dendrítica em pacientes com espasmos infantis 9. Apesar da preferência de alguns autores pelo uso do ACTH em relação aos corticosteróides orais, não existe diferença na eficácia entre as apresentações. O regime terapêutico empregado é variável, alguns autores preconizam baixas doses 5-40 unidades/dia, enquanto outros preferem doses altas, de 40 a 160 unidades/dia. Embora de grande auxílio no controle dos espasmos infantis, com remissão de até 60% das crises, o tratamento com ACTH apresenta vários efeitos colaterais importantes, que limitam o uso clínico, sendo os mais freqüentes as complicações infecciosas, a hipertensão arterial, as alterações relacionadas ao uso de corticosteróides como síndrome Cushing, irritabilidade, cardiomiopatia, calcificações renais e pancreáticas, as alterações eletrolíticas e glicosúria. SUMMARY Alternative Epilepsy Therapies This paper is a revision article about new approaches in epilepsy treatment concerning current issues and alternative epilepsy therapy including: acetazolamide, bromides, allopurinol, piracetam, levetiracetam, immunoglobulins, ketogenic diet and steroids. KEY WORDS Epilepsy, antiepileptic drugs, alternative epilepsy therapies. Referências 1. 2. Reiss WG & Oles KS. Acetazolamide in the treatment of seizures. Ann Pharmacother, 30(5): 514-519, 1996. Resor SR & Resor LD. 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Nas últimas duas décadas têm sido realizados vários estudos randomizados para definição de condutas nas estenoses carotídeas. Com base nesses estudos, recomenda-se endar terectomia para estenose sintomática ≥ 70% se não houver contra-indicações ao procedimento, e também para estenoses assintomáticas ≥ 60%, porém considerando-se cautelosamente o risco cirúrgico do serviço. Caso não haja indicação de cirurgia, os pacientes devem submeter-se a tratamento clínico, que no caso de estenose assintomática constitui-se do controle dos fatores de risco aterotrombótico e nos casos de estenose sintomática, além do controle dos fatores de risco, utiliza-se droga antiagregante plaquetária. UNITERMOS Estenose da carótida, doença vascular cerebral, endarterectomia. * ** Neurologista do Setor de Urgências e do Setor de Doenças Neurovasculares da Disciplina de Neurologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. Professor Titular da Disciplina de Neurologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. INTRODUÇÃO A estenose da carótida é responsável por cerca de 20% dos acidentes vasculares cerebrais oclusivos do território carotídeo1. O principal processo patológico é a aterosclerose do sistema arterial cerebral. Trata-se de um processo degenerativo localizado na camada íntima dos vasos, caracterizado por acúmulo de lípides plasmáticos, fibras do tecido conjuntivo e células locais e circulantes. A formação da placa aterosclerótica leva ao estreitamento da luz vascular e à redução do fluxo, o que caracteriza a estenose da carótida, podendo complicar com ulceração da placa levando à trombose e embolização distal2,3. Endarterectomia da carótida tem sido realizada desde a década de 50, porém sua indicação tem sofrido modificações conforme surgem trabalhos controlados. Na década de 70, nos Estados Unidos, faziam-se cerca de 15.000 cirurgias anuais, esse número aumentou para 107.000 em 1985. Na década de 80 começaram os primeiros estudos controlados sobre endarterectomia de carótida e no final dessa década surgiam os primeiros resultados dos estudos, fazendo o número de cirurgias cair para 45.000 em 1989, principalmente devido à definição das indicações precisas e da consideração do risco paciente-cirúrgico, passando a ser realizada somente no grupo de pacientes que realmente se beneficiariam com o procedimento sem correr riscos adicionais; em 1997, foram realizadas 110.000 a 115.000 cirurgias tecnicamente aperfeiçoadas e mais seguras em relação às de 20 anos atrás4. A estenose carotídea pode ser assintomática ou sintomática. A estenose assintomática da carótida (EAC) é aquela em que não há sintoma neurológico relacionado. Nos Estados Unidos devem existir aproximadamente 2 milhões de indivíduos com EAC. A incidência de EAC na faixa etária de 50 a 59 anos é de 1,7% para homens e zero para mulheres; na faixa etária de 60 a 69 anos é de 4,2% para homens e de 1,8% para mulheres5. Não temos estatísticas nacionais disponíveis. Para EAC >75%, estima-se incidência de AVC de 3% ao ano, e se forem somados casos de ataque isquêmico transitório, a incidência chega a 10% ao ano; além do risco vascular cerebral, os portadores de EAC têm risco elevado para eventos coronarianos (cerca de 8,5% ao ano) e morte de origem vascular (cerca de 7% ao ano)6,7. FUKUJIMA, M.M. & GABBAI, A.A. – Condutas na Estenose da Carótida Rev. Neurociências 7(1): 39-44, 1999 40 Um elemento propedêutico para o diagnóstico de EAC é o sopro carotídeo, que é preditivo de acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI) em 76% dos casos. Porém, o sopro carotídeo tem baixa especificidade para predizer a EAC, estando presente em 4% da população geral sem doença vascular e em até 10% em indivíduos com mais que 60 anos, e destes menos de 1% tem estenoses > 75%8,9. Nas estenoses graves, há importante redução do fluxo carotídeo, fazendo com que o sopro torne-se inaudível. O diagnóstico é realizado com auxílio de métodos de imagem, principalmente exame ultrasonográfico (Figura 1) com fluxometria das carótidas, angiografia dos vasos cerebrais (Figura 2), angiorressonância magnética dos vasos cerebrais e reconstrução tomográfica de vasos cerebrais. Apesar da grande importância da EAC, não se justifica a recomendação de exame de imagem das FIGURA 1 Bifurcação da artéria caródida comum – aspecto ultra-sonográfico. FIGURA 2 Estenose da artéria carótida interna – angiografia. TABELA 1 Resultados dos principais estudos controlados de estenose assintomática da carótida, considerando a mortalidade perioperatória e a redução de risco para diferentes intervalos de tempo Estudo – período número de pacientes cirúrgico clínico mortalidade (%) cirúrgico clínico redução do risco significante ACAS (1987-93) 825 834 0,4 0,1 5,9% em 5 anos VACS (1983-91) 211 233 1,9 0,4 nenhuma (4 anos) CASANOVA (1982-88) 206 204 1,5 0,5 nenhuma (3 anos) MACES (1987-90) 36 35 0,0 0,0 nenhuma (2 anos) ACAS = Asymptomatic Carotid Atherosclerosis Study; VACS = Veterans Affair Cooperative Study Group; CASANOVA = CASANOVA Study Group; MACE = Mayo Asymptomatic Carotid Endarterectomy Study Group. FUKUJIMA, M.M. & GABBAI, A.A. – Condutas na Estenose da Carótida Rev. Neurociências 7(1): 39-44, 1999 41 TABELA 2 Resultados dos principais estudos controlados de estenose sintomática da carótida, considerando a mortalidade perioperatória e a redução de risco para diferentes intervalos de tempo número de pacientes cirúrgico clínico Estudo – período mortalidade (%) cirúrgico clínico redução do risco significante NASCET (1988-91) 328 331 0,6 0,3 17% em 2 anos VACS (1988-91) 92 101 3,3 0,0 11,7% em 1 ano ECST 0-29% (1981-91) 219 155 1,4 0,0 nenhuma em 3 anos ECST 30-49% (1981-95) 389 259 0,8 0,0 nenhuma em 4 anos ECST 50-69% (1981-95) 570 372 1,4 0,0 nenhuma em 4 anos ECST 70-99% (1981-91) 455 323 0,9 0,0 5% em 3 anos NASCET = North American Symptomatic Group Endarterectomy Trial; VACS = Veterans Affair Cooperative Study Group; ECST = European Carotid Artery Surgery Trial. QUADRO 1 Recomendações de endarterectomia nas EAC Estenose assintomática da carótida – endarterectomia A) Comprovadamente benéfica: • estenose assintomática < 60% confirmada por arteriografia (se morbidade e mortalidade perioperatória < 3% e pacientes selecionados criteriosamente com controle agressivo dos fatores de risco) B) Benefício incerto: • estenose > 75% com alto risco paciente-cirúrgico (índice de mortalidade e morbidade > 3%) • cirurgia combinada de carótida e coronária • lesão ulcerada sem estenose hemodinâmica significante. QUADRO 2 Recomendações para endarterectomia da carótida nas estenoses sintomáticas Estenose sintomática da carótida – endarterectomia A) Comprovadamente benéfica: • AIT hemisférico ou retiniano • AVC sem incapacidade • estenose grave (70%-99%) da carótida interna ipsilateral B) Aceitável, mas não comprovada (representam boas indicações para endarterectomia, baseadas em dados ainda não comprovados cientificamente) • AIT (isolada, múltipla ou em crescendo) nos últimos 6 meses com estenose > 70% • AVC progressivo com estenose > 70% • AVC moderado ou leve e estenose 50%-69% • endarterectomia ipsilateral combinada com revascularização coronariana em paciente com TIA e estenose unilateral ou bilateral ≥ 70% FUKUJIMA, M.M. & GABBAI, A.A. – Condutas na Estenose da Carótida Rev. Neurociências 7(1): 39-44, 1999 42 QUADRO 2 (continuação) C) Benefício incerto (baseado em dados ainda insuficientes para cálculo do índice de risco e benefício) • AIT ou AVC leve com estenose < 50% • AIT com estenose < 70% combinada com revascularização coronariana • AVC moderado ou progressivo com estenose < 69% • sintomas de isquemia globais • estenose ipsilateral > 75%, mas contralateral < 75% • dissecção da carótida interna com sintomas persistentes em vigência de heparina • oclusão aguda da carótida dentro de 6 horas, evoluindo para AIT ou AVC leve D) Comprovadamente imprópria (os dados mostram que os riscos cirúrgicos se sobrepõem aos benefícios) • AIT único, AVC moderado ou progressivo com estenose < 50%, sem uso de aspirina • sintomas de isquemia global com estenose < 50% • dissecção da carótida interna assintomática em vigência de heparina; morbidade e mortalidade cirúrgica > 5% SINTOMÁTICO – AIT ou infarto cerebral não-incapacitante US Doppler de carótida Estenose ≥ 70% Estenose < 70% Tratamento clínico • Controle dos fatores de risco • Antiagregante plaquetário Sim Contra-indicações Neurológicas • AIT vertebrobasilar • Demência vascular • Déficit neurológico grave • Hemorragia cerebral • Infarto cerebral intenso Clínicas • ICC • IAM (< 6 meses) • Angina • Neoplasia maligna avançada • Doença pulmonar obstrutiva • DM descompensado • HA descontrolada • Diagnóstico incerto Não Controle Cirurgia FIGURA 3 Algoritmo para estenose sintomática da carótida. FUKUJIMA, M.M. & GABBAI, A.A. – Condutas na Estenose da Carótida Rev. Neurociências 7(1): 39-44, 1999 43 ASSINTOMÁTICO – alto risco cardiovascular Exame clínico US Doppler de carótida Estenose ≥ 60% Estenose < 60% Tratamento clínico • Controle dos fatores de risco Estudo angiográfico • Angiografia convencional • Angiografia digital • Angiorressonância • Tomografia com reconstrução vascular tridimensional Sim Contra-indicações • ICC • IAM (< 6 meses) • Angina • Demência • Neoplasia maligna avançada • Doença pulmonar obstrutiva Não ≥ 5% Morbidade e mortalidade cirúrgica do serviço < 5% Cirurgia FIGURA 4 Algoritmo para estenose assintomática da carótida. carótidas de maneira rotineira ao nível populacional, sendo este realizado criteriosamente em casos individuais de pacientes de alto risco cardiovascular, isto é, naqueles portadores de um conjunto de fatores de risco, tais como hipertensão arterial, diabetes melito, dislipidemia, tabagismo, obesidade, entre outros. O rastreamento populacional necessitaria de realização de exames em 850 a 1.700 pessoas (podendo chegar a 8.500 pessoas) para prevenir um episódio de AVC10,11. FUKUJIMA, M.M. & GABBAI, A.A. – Condutas na Estenose da Carótida Os principais estudos controlados e respectivos resultados são apresentados nas tabelas 1 e 210,11,12,13,14,15,16,17,18. Com base nesses estudos, algumas recomendações foram adotadas a partir de consensos da American Heart Association (1995)19 e foram modificadas pela Canadian Society for Vascular Surgery (1998)20, quadros 1 e 2 e figuras 3 e 4. A endarterectomia é a cirurgia de escolha para os casos selecionados. As complicações mais comuns deste procedimento são: Rev. Neurociências 7(1): 39-44, 1999 44 • no período intra-operatório: embolização de placa aterosclerótica; • no período pós-operatório: trombose carotídea; lesão de nervos hipoglossos, facial, vago, auricular magno e cervical transverso; reestenose da carótida, hematomas cervicais, infecção cirúrgica. Outro procedimento que vem sendo utilizado mais recentemente é a angioplastia da carótida com ou sem suporte interno stent, porém ainda não há estudos controlados e randomizados suficientes para sua recomendação21,22,23,24. O tratamento clínico dos pacientes sintomáticos baseia-se no controle dos fatores de risco e no uso de antiagregante plaquetário. Nos casos de EAC, recomenda-se controle dos fatores de risco; o uso de antiagregante plaquetário, anticoagulante oral ou outros medicamentos é ainda controverso. A principal medida clínica adotada é o controle dos fatores de risco (tabagismo, hipertensão arterial, hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, uso de anticoncepcional oral, diabetes melito, obesidade, sedentarismo, coagulopatias, doenças inflamatórias, abuso de drogas)7. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. SUMMARY Management of Carotid Stenosis The carotid stenosis can be asymptomatic or symptomatic (presented either by transient ischemic attach or ischemic stroke without disabling sequelae). The asymptomatic carotid stenosis has a risk rate of 10% per year to present a clinical vascular event. Doppler ultrasound is the main diagnostic exam. Even though, it is not recommended for general population; it must be performed in the cases of great vascular risk. In the last decades randomized trials were made in order to define the best management of carotid stenosis. Based on these studies, endarterectomy has been recommended for symptomatic carotid stenosis greater than 70%; it is also recommended for asymptomatic stenosis greater than 60%. The surgery risk should be analyzed. If surgery is not recommended, the patients must receive clinical treatment. In asymptomatic stenosis the risk factors must be controled. In the symptomatic stenosis, both risk factors control and antiplatelet drugs must be done. KEY WORDS Carotid stenosis, stroke, endarterectomy. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. DeGraba TJ, Fisher M, Yatsu FM. Atherogenesis and strokes. In: Bar nett HJM, Mohr JP, Stein BM, Yatsu F. StrokePathophysiology, Diagnosis and management. 2nd ed. New York, Churchill Livingstone, 1992: 29-48. Ross R. The pathogenesis of atherosclerosis - an update . N Engl Med J, 314: 488-500, 1986. Garcia J, Ho KL. Carotid Atherosclerosis - definition, pathogenesis, and clinical Significance. Neuroimaging Clin N Am, 6: 801-10, 1996. Robertson J. Carotid endarterectomy. In: Welch KMA, Caplan LR, Reis DJ, Siesjö BK, Weir B. Primer on cerebrovascular diseases. New York, Academic Press, 1997: 582-6. WilleitJ, Kiechl S. Prevalence and risk factors of asymptomatic extracranial carotid artery atherosclerosis. A population-based study. Arterioscler Thromb, 13: 661-8, 1993. Norris JW, Zhu CZ, Borstein NM, Chambers BR. Vascular risks of asymptomatic carotid stenosis. Stroke, 22: 1485-90, 1991. FUKUJIMA, M.M. & GABBAI, A.A. – Condutas na Estenose da Carótida 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. Murros K, Toole JF. Management of asymptomatic extracranial carotid artery disease. In: Welch KMA, Caplan LR, Reis DJ, Siesjö BK, Weir B. Primer on cerebrovascular diseases. New York, Academic Press, 1997: 762-5. Wolf PA, Kannel WB, Sorlie P, et al. The Framingham study: Asymptomatic carotid bruit and the risk of stroke. JAMA, 245: 1442-5, 1981. Mackey AE, Abrahamowicz M, Langlois Y, et al . For the Asymptomatic Cervical Bruit Study Group. Outcome of asymptomatic patients with carotid disease. Neurology, 48: 896-903, 1997. Executive Committee for the Asymptomatic Carotid Atherosclerosis Study. Endarterectomy for asympotomatic carotid artery stenosis. JAMA, 273: 1421-8, 1995. Hill AB. Symposium: controversies in cerebrovascular disease 2. Should patients be screened for asymptomatic carotid artery stenosis? Canadian J Surg, 41: 208-13, 1998. Hobson RW, Weiss DG, Fields WS, Goldstone J, Moore WS, Toene JB, Wright CB, and the Veterans Affairs Cooperative Study Group. Efficacy of carotid endar terectomy for asymptomatic carotid stenosis. N Engl J Med, 328: 221-7, 1993. CASANOVA Study Group. Carotid surgery versus medical therapy in asymptomatic carotid stenosis. Stroke, 22: 122935, 1991. Mayo Asymptomatic Carotid Endarterectomy Study Group. Results of a randomized controlled tr ial of carotid endarterectomy for asymptomatic carotid stenosis. Mayo Clin Proc, 67: 513-8, 1992. North American Symptomatic Carotid Endarterectomy Trial Collaborators. Beneficial effects of carotid endarterectomy in symptomatic patients with high-grade carotid stenosis. N Engl J Med, 325: 445-53, 1991. Mayberg MR, Wilson SE, Yatsu F, Weiss DG, Messina L, Hershey LA, Colling C, Eskridge J, Deykin D, Winn HR. Carotid endar terectomy and prevention of cerebral ischemia in symptomatic carotid stenosis. 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Esses tumores raramente são diagnosticados antes da realização de biopsia ou cirurgia, já que são pouco freqüentes e podem ter apresentação clínica variável. Descrevemos um caso de neurilemoma de nervo periférico em uma paciente com história de dor abdominal. Os tumores que se originam de nervos periféricos são de ocorrência relativamente rara e, quando ocorrem de modo esporádico, representam dificuldade diagnóstica sendo seu manuseio freqüentemente difícil. Os autores relatam um caso de neurilemoma em que essas dificuldades foram encontradas e ressaltam a importância da ressonância magnética para esse diagnóstico. UNITERMOS Neurilemoma; schwannoma benigno; tumores de nervos periféricos. * Residente de Neurologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. ** Pós-Graduando de Neurologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. *** Chefe do Setor de Doenças Neuromusculares da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. RELATO DE CASO DAT, 59 anos, sexo feminino, referia que há cerca de 30 anos apresentava episódios de dor na fossa ilíaca esquerda, de forte intensidade, tipo pontada, que piorava com movimentação, esforço e compressão. A dor era praticamente contínua e tinha períodos de exacerbação. Durante muitos anos fizera uso de vários analgésicos com melhora parcial do quadro e realizara extensa investigação clínica, bem como exames complementares (incluindo ultra-sonografia de abdome, tomografia computadorizada e ressonância magnética de abdome, exame de líquido cefalorraquiano) que não revelaram qualquer anormalidade. Há dois anos houve intensificação da dor, ficando limitada para a realização de atividades profissionais e sociais. Ao exame físico, apresentava abdome doloroso à palpação em fossa ilíaca esquerda, com sensação de choque nessa localização. O exame neurológico mostrou reflexos patelar e aquileu diminuídos à esquerda. Foi complementada investigação com realização de ressonância magnética de coluna lombo-sacra e pelve, que evidenciou hérnia discal foraminal esquerda em L4-L5 com compressão sobre a raiz nervosa correspondente. Como as alterações encontradas não correspondiam às queixas clínicas, optou-se por realizar nova RM de abdome a qual mostrou em região de flanco esquerdo a presença de massa sólida, fusiforme, medindo cerca de 5,0 x 2,5 cm, com intenso realce homogêneo após a injeção intravenosa de contraste paramagnético, estendendo-se até a crista ilíaca esquerda, sugestivo de tumor de linhagem nervosa (Figuras 1 e 2). Vale ressaltar que essa massa não fora visibilizada BRAZ, C.A.; SANTOS, A.J. & OIVEIRA, A.S.B. – Neurilemoma Periférico Isolado Rev. Neurociências 7(1): 45-47, 1999 46 diagnóstico de neurilemoma. Após o tratamento cirúrgico, evoluiu com remissão completa da dor. DISCUSSÃO FIGURA 1 FIGURA 2 quando da realização da ressonância magnética de abdome anteriormente (o exame anterior terminava em nível mais alto que o local da lesão). Foi submetida à cirurgia com ressecção do tumor, cujo estudo anatomopatológico foi compatível com o Os tumores que se originam dos nervos periféricos são caracterizados por dificuldade no diagnóstico clínico, na classificação e no tratamento1. Sua ocorrência é relativamente incomum, estimando-se sua incidência em 1:100.000 habitantes/ano2. Embora raro, o neurilemoma (também chamado de schwannoma) é o tumor benigno mais freqüente com origem nos nervos periféricos; pode ocorrer isoladamente ou em associação com a neurofibromatose do tipo 11. Os neurilemomas derivam das células de Schwann dos nervos cranianos ou dos nervos periféricos 3. O sítio mais comum é a região da cabeça e do pescoço, abrangendo o plexo braquial e nervos espinhais, seguido pelos membros superiores e inferiores 2. Os tumores geralmente aparecem na superfície flexora, especialmente cotovelos, joelhos e tornozelos4. O schwannoma ou neurilemoma são tumores encapsulados que contêm dois componentes, um tecido bastante celular (Antoni A) com áreas de núcleos em paliçada (corpos de Verocay) e um tecido mais mixóide, menos celular (Antoni B). Os tumores dos grandes nervos periféricos geralmente aparecem como massas excêntricas sobre as quais estão unidas algumas fibras nervosas, enquanto aqueles dos nervos menores expandem-se pelo nervo todo. A cápsula é composta de epineuro, geralmente recoberta por vasos sangüíneos tortuosos. A superfície de corte é amarelo-acinzentada e pode ser cística 5. O diagnóstico histológico pode ser confirmado por características imuno-histoquímicas e ultra-estruturais específicas; os schwannomas, particularmente nas áreas celulares, expressam a proteína S-100 6,7. Clinicamente, manifestam-se como uma massa inicialmente indolor. O crescimento posterior pode resultar em parestesia e dor, que pode ser espontânea ou desencadeada por palpação ou percussão3. Um déficit neurológico mais intenso desenvolve-se quando o tumor cresce em espaços limitados (p.ex., sob fáscias musculares ou profundamente na fossa supraclavicular). A massa pode ser mobilizada de um lado para outro, porém não no seu eixo longitudinal3,5,6,8. A ressonância magnética é o método de escolha para confirmar o diagnóstico clínico de um neurilemoma, exceto nos casos de localização mais distal nos membros onde o diagnóstico seja óbvio. Nas imagens obtidas em T1, o tumor geralmente é isointenso ou discretamente BRAZ, C.A.; SANTOS, A.J. & OIVEIRA, A.S.B. – Neurilemoma Periférico Isolado Rev. Neurociências 7(1): 45-47, 1999 47 hipointenso em relação à medula e hiperintenso em relação ao líquor. O realce após administração de contraste é geralmente difuso, mas pode ser heterogêneo nos tumores com degeneração cística, necrose ou hemorragia. Nas imagens em T2, a intensidade do sinal é bem variável, dependendo da quantidade relativa de zonas Antoni A e B, degeneração cística e hemorragia. A maioria dos tumores tem sinal hiperintenso em relação à medula, semelhante ao líquor. Entretanto, os tumores que contêm hemorragia ou produtos de degradação sangüínea podem apresentar sinal hipointenso 4. Não há características específicas de ressonância magnética que diferenciem confiavelmente tumores nervosos benignos e malignos, e a biopsia geralmente é necessária para estabelecer o diagnóstico definitivo2. O tratamento é cirúrgico e tem como princípio remover o tumor sem danificar o nervo. A excisão de um neurilemoma de nervo periférico por um neurocirurgião experiente tem bom prognóstico com relação aos sintomas principais (dor e parestesia). Os déficits neurológicos pré-operatórios muito freqüentemente melhoram após a remoção do tumor. No entanto, déficits neurológicos novos e permanentes podem desenvolverse em alguns pacientes após a cirurgia3. KEY WORDS Neurilemmoma; benign schwannoma; peripheral nerve tumors. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. Bhargava R, Parham DM, Lasater OE et al . MR Imaging differentiation of benign and malignant peripheral nerve sheath tumors: use of target sign. Pediatr Radiol, 27: 124129, 1997. Hems TEJ, Burge PD, Wilson DJ. The role of magnetic ressonance imaging in the management of peripheral nerve tumors. J Hand Surg, 22B(1): 57-60, 1997. Ober le J, Kahamba J, Richter HP. Per ipheral Ner ve Schwannomas – an analyses of 16 patients. Acta Neurochir (Wien), 139: 949-953, 1997. Newton HB. Sporadic schwannomas and neurofibromas. Neurobase. 3 ed. San Diego CA, Arbor Publishing Corp., 1998. Kehoe NJS, Reid RP, Semple JC. Solitary Benign Peripheral Nerve Tumors. Review of 32 years experience. J Bone Joint Surg, 77B(3): 497-500, 1995. Birch R. Peripheral nerve tumors. In: Dyck PJ, Thomas PK. 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Endereço para correspondência: Cláudia Aparecida Braz Disciplina de Neurologia – EPM – UNIFESP Rua Botucatu, 740 – Vila Clementino CEP 04023-900 São Paulo (SP) APLICAR BULA TRILEPTAL BRAZ, C.A.; SANTOS, A.J. & OIVEIRA, A.S.B. – Neurilemoma Periférico Isolado Rev. Neurociências 7(1): 45-47, 1999 48 AGENDA • II Congresso Paulista de Neurologia 13 a 15 de maio de 1999 Campos do Jordão, SP Departamento de Neurologia da Associação Paulista de Medicina Inf.: Setor de Eventos Científicos da APM Tel.: (011) 232-3141 Fax: (011) 3107-7979 • II Congresso Brasileiro de Doenças Cerebrovasculares 18 a 20 de novembro de 1999 Pousada do Rio Quente – Goiás, GO Inf.: Classe Promoções e Eventos Telefax: (062) 241-7399 Tel.: (062) 241-6021 e-mail: [email protected] APLICAR BULA EXELON AGENDA Rev. Neurociências 7(1): 48, 1999