UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII – CAMPUS SÃO JOSÉ CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS COORDENAÇÃO DE ESTÁGIOS E MONOGRAFIAS TRANSFERÊNCIA, INCORPORAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIAS DE EMPRESAS ALEMÃS PARA AS CATARINENSES RAFAEL DOS SANTOS São José (SC), junho de 2005 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII – CAMPUS SÃO JOSÉ CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS COORDENAÇÃO DE ESTÁGIOS E MONOGRAFIAS TRANSFERÊNCIA, INCORPORAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIAS DE EMPRESAS ALEMÃS PARA AS CATARINENSES Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais, sob orientação do Prof. Dr. Aloysio Marthins de Araújo Júnior. ACADÊMICO: RAFAEL DOS SANTOS São José (SC), junho de 2005 5 Resumo A presente monografia descreve a importância da tecnologia às empresas e analisa a sua função no desenvolvimento econômico de um país, fato que a faz ser considerada como um dos principais e atuais temas nas relações econômicas internacionais. O foco do estudo é dado a partir da descrição e da análise do processo de transferência, incorporação e desenvolvimento de tecnologias provenientes das relações entre empresas alemãs e catarinenses, especialmente as do setor metal-mecânico do Vale do Itajaí e região Nordeste de Santa Catarina. Além disso, fez-se uma análise da Alemanha como referência tecnológica mundial em vários setores e a sua proximidade com empresas brasileiras, especialmente catarinenses, no contexto tecnológico. Portanto, o principal objetivo do estudo foi identificar como esse intercâmbio tecnológico com empresas alemãs beneficiou as empresas catarinenses, as quais se apresentam hoje como alguns dos setores produtivos mais avançados do Brasil e do mundo e que representam boa parte da pauta de exportações de Santa Catarina e do país. Palavras-chave: transferência, incorporação e desenvolvimento desenvolvimento econômico; empresas alemãs; empresas catarinenses. de tecnologia; 6 Zusammenfassung Diese Diplomarbeit beschreibt den Stellenwert der Technologie für Unternehmen und analysiert zudem ihre Funktion in der wirtschaftlichen Entwicklung eines Landes. Deshalb ist die Technologie eines der wichtigsten und aktuellsten Themen in den internationalen wirtschaftlichen Beziehungen. Die Schwerpunkte dieser Arbeit sind die Beschreibung und die Analyse des Prozesses von Transfer, Inkorporation und Entwicklung der Technologien, die aus den Beziehungen zwischen Unternehmen aus Deutschland und Santa Catarina stammen, insbesondere die Unternehmen der Region „Vale do Itajaí” und des Nordostens und des Maschinenbau-Sektors in Santa Catarina. Ausserdem analysiert die Arbeit Deutschland als eine weltweite technologische Referenz in verschiedenen Sektoren und folglich seine Nähe zu brasilianischen Unternehmen, besonders zu den Unternehmen Santa Catarinas in technologischer Hinsicht. Daher war das wichtigste Ziel zu identifizieren wie dieser technologische Austausch mit deutschen Unternehmen die Unternehmen in Santa Catarina förderte, die heutzutage einige der produktivsten und entwickeltsten Sektoren Brasiliens und der Welt sind und einen grossen Teil der Ausfuhren Santa Catarinas und Brasiliens repräsentieren. Schlüsselwörter: Transfer, Inkorporation und Entwicklung von Technologie; wirtschaftliche Entwicklung; deutsche Unternehmen; Unternehmen in Santa Catarina. 7 Sumário Introdução............................................................................................................................... 7 1 A Importância da Tecnologia no Desenvolvimento Econômico.................................... 18 1.1 O Desenvolvimento Econômico....................................................................................... 18 1.2 A Tecnologia..................................................................................................................... 24 1.3 A Teoria dos Ciclos Econômicos...................................................................................... 33 2 A Alemanha como Referência Tecnológica Mundial................................................... 40 2.1 Os Primórdios da Industrialização Alemã......................................................................... 41 2.2 A Imigração Alemã ao Brasil............................................................................................ 47 2.3 O Contexto da Unificação Alemã...................................................................................... 49 2.4 Da Unificação Alemã até a Alemanha Atual..................................................................... 51 3 Os Benefícios do Intercâmbio Tecnológico com a Alemanha à Indústria de Santa Catarina.................................................................................................................................. 62 3.1 As Relações Brasil-Alemanha e Santa Catarina................................................................ 62 3.2 A Economia Brasileira....................................................................................................... 73 3.3 A Economia Catarinense.................................................................................................... 84 3.3.1 A Imigração Alemã......................................................................................................... 88 3.3.2 O Empreendedorismo do Imigrante Alemão.................................................................. 90 3.3.3 O Papel do Estado........................................................................................................... 92 3.4 O Setor Metal-Mecânico Catarinense................................................................................ 95 Considerações Finais............................................................................................................ 104 Referências Bibliográficas................................................................................................... 109 8 Introdução Desde a pré-história, a técnica e o homem sempre tiveram uma relação muito próxima, sendo que muitas vezes ambos se fundiram e se confundiram alternadamente no decorrer da história humana. Entretanto, somente quando surge a ciência moderna no Renascentismo na Europa no século XVI, surgem novas concepções e aplicabilidades da técnica na transformação da relação homem e natureza. A partir daí, ou seja, da associação da técnica com a ciência, surge não somente a palavra tecnologia, mas também uma crescente preocupação ao seu redor, principalmente após sua aplicação no setor produtivo que produziu autênticas revoluções nas relações homem e natureza e, conseqüentemente, nas nossas sociedades contemporâneas. Em razão da grande importância dada à tecnologia, a transferência, a incorporação e o desenvolvimento de novas técnicas representam constantes e importantes processos nas relações econômicas internacionais contemporâneas, envolvendo tanto os próprios Estados quanto as empresas privadas. Nesse contexto, o intercâmbio tecnológico é uma das principais ações do comércio internacional, porém este é comandado principalmente por grandes corporações transnacionais, as quais detêm a principal base tecnológica necessária à inovação do setor produtivo, o que as transforma num importante ator das relações econômicas internacionais contemporâneas. Nesse contexto, o tema da presente monografia será justamente o processo de transferência, incorporação e desenvolvimento de tecnologia entre Alemanha e Santa Catarina, focado na importação de tecnologia de empresas alemãs por parte das empresas catarinenses, em especialmente as do setor metal-mecânico e situadas no grande pólo industrial formado pelas regiões Vale do Itajaí e Nordeste catarinense, ocorrida nas últimas décadas. Além disso, pretende-se fazer uma análise da Alemanha como referência tecnológica mundial e a sua proximidade com empresas brasileiras, especialmente as catarinenses do setor metal-mecânico, no que se refere à transferência de novas tecnologias. Portanto, o principal objetivo do estudo é identificar como o processo de transferência, incorporação e desenvolvimento de tecnologia a partir do intercâmbio com empresas alemãs beneficiou as empresas catarinenses, as quais se apresentam hoje como alguns dos setores produtivos mais avançados do Brasil e do mundo e que representam boa parte da pauta de exportações de Santa Catarina e do país. 9 Como base para a temática do estudo, têm-se a transferência, a incorporação e o desenvolvimento de tecnologias nas relações entre Brasil e Alemanha, as quais representam processos constantes nas relações econômicas internacionais, envolvendo tanto os próprios Estados quanto as empresas privadas. O intercâmbio de tecnologia é uma das principais ações das grandes corporações transnacionais, as quais detêm a principal base tecnológica necessária à inovação no setor produtivo mundial, transformando-as num significativo ator das relações internacionais contemporâneas. A partir de um estudo específico sobre o setor metal-mecânico no Vale do Itajaí e na região Nordeste de Santa Catarina, tem-se o foco do estudo para compreender, analisar e explicitar como ocorre o processo de intercâmbio tecnológico atualmente no mundo. Na elaboração da problemática do estudo, vê-se que a evolução tecnológica sempre foi motivo de transformações das técnicas de produção industrial. Conforme as mudanças tecnológicas ocorridas num certo período, a influência destas forças se dà de forma tão profunda que podem determinar o sucesso ou a falência de várias empresas nos mais diversos setores de uma economia nacional. Por exemplo, a revolução causada pela introdução da informática e da microeletrônica no setor produtivo mundial a partir dos anos 70 fez com que várias empresas sentissem a necessidade e a obrigatoriedade de investir em tecnologia e inovação para conquistar mais competitividade frente aos concorrentes e também para garantir sua própria existência nos mercados nacional e internacional. Além disso, a concentração de recursos financeiros necessários ao investimento e ao desenvolvimento de novas tecnologias pelas grandes corporações transnacionais fez com que empresas médias e pequenas não tivessem condições de competir e de sobreviver. Diante disso, a complexidade e a dificuldade no processo de transferência, incorporação e desenvolvimento de novas tecnologias entre empresas surgem como um problema ao desenvolvimento tecnológico e econômico de um país, sendo um assunto bastante plausível para uma pesquisa como esta. As perguntas que se pretendeu responder no presente estudo são: Por que a Alemanha é um referencial tecnológico ao setor produtivo mundial? Como ocorre a transferência, a incorporação e o desenvolvimento de tecnologia entre empresas alemãs e catarinenses? Quais os benefícios trazidos por tal processo à economia catarinense? Na tentativa antecipada de responder, pelo menos em parte, as perguntas do estudo, elaborou-se uma hipótese de que o desenvolvimento tecnológico alemão é muito mais avançado em relação ao brasileiro. Por isso, muitas empresas brasileiras e, principalmente, catarinenses 10 buscam estabelecer relações com a Alemanha, pois a consideram como referência tecnológica em alguns setores industriais, principalmente o setor metal-mecânico, o qual desponta como o setor produtivo mais avançado alemão e o que apresenta maiores relações comerciais e de transferência de tecnologia com empresas brasileiras. Diante disso, o objetivo geral desta monografia é analisar os benefícios da transferência, incorporação e desenvolvimento de tecnologia provenientes do intercâmbio com empresas alemãs às empresas catarinenses, as quais alavancam as exportações catarinenses. Para tanto, é necessário descrever a importância da tecnologia como fator de desenvolvimento econômico; investigar o papel da Alemanha como referência tecnológica mundial, principalmente nos setores metal-mecânico e de alta tecnologia; e analisar como se dão as relações entre empresas alemãs e catarinenses no que se refere ao processo de absorção e repasse de tecnologia entre elas. Justifica-se este estudo, reconhecendo-se que após a abertura comercial e financeira realizada pelo Brasil a partir da década de 1990, exigiu-se uma reestruturação organizacional e produtiva da economia do país, pois esta perdia competitividade industrial nos cenários nacional e internacional. O fator essencial desta transformação da cadeia produtiva brasileira deu-se através do acesso às novas tecnologias dentro de um novo contexto do capitalismo internacional. Neste processo, diversos setores industriais sentiram a necessidade de inovar para conquistar maior competitividade e até mesmo para garantir sua própria existência nos mercados nacional e internacional frente a seus concorrentes. Tal inovação somente seria possível pela transferência ou pela produção de novas tecnologias, sendo as principais delas a biotecnologia, a informática e a microeletrônica. O acesso à tecnologia se dá pelos seguintes métodos: pela transferência real da tecnologia, ou seja, quando a transferência se dá desde o estágio inicial da produção e a tecnologia é repassada por completa; pela simples incorporação de tecnologia, ou seja, quando ela é somente repassada no estágio final da produção e não por completa, cabendo à indústria somente a sua incorporação à produção e não caracterizando o domínio total sobre esta tecnologia adquirida; e por último o próprio desenvolvimento de tecnologia, ou seja, quando a própria indústria desenvolve sua tecnologia através de pesquisa e desenvolvimento ou do aperfeiçoamento de suas técnicas de produção, adquirindo a propriedade e o dominio desta tecnologia por ela desenvolvida desde o estágio inicial até o final da produção. 11 Tais questões serão as principais discutidas nesta pesquisa e justificam um estudo desse gênero, levando-se em conta a constante necessidade de estudos nesta área, já que a Alemanha desponta como um dos principais parceiros comerciais do Brasil, e também a importância atual do tema nas relações econômicas internacionais. A complexidade da compreensão sobre o papel e a importância da tecnologia no desenvolvimento econômico de um país fez com que várias correntes teóricas tentassem explicar tal fenômeno. Entretanto, elas apontaram certas limitações teóricas, principalmente por apresentarem diferentes métodos e ênfases de abordagem para um determinado fenômeno. Diante disso e da proposta de pesquisa, a tecnologia e seu papel no desenvolvimento econômico de um determinado país, e mais especificamente do Estado de Santa Catarina, pode ser analisado e compreendido a partir da teoria do desenvolvimento econômico de Joseph Alois Schumpeter, a qual define-se como o referencial teórico mais adequado, porém ainda insuficiente para analisar tal fenômeno. Por isso, levando em conta diferentes contribuições e limitações de outras correntes teóricas, pretende-se também utilizar como referencial teórica complementar a teoria geral do emprego, do juro e da moeda de John Maynard Keynes; e as teorias do valor trabalho e do capital de Karl Marx. A partir do referencial teórico composto por diferentes correntes teóricas, pretende-se responder e analisar de forma mais abrangente, completa e adequada às perguntas da pesquisa. Os teóricos vinculados à corrente teórica denominada de schumpeteriana baseiam-se na teoria do desenvolvimento econômico de Joseph A. Schumpeter, [...] que analisa a economia a partir dos ciclos econômicos (longos, médios e curtos). As bases para o início de um novo ciclo dar-se-iam a partir das inovações tecnológicas introduzidas por empresários empreendedores. O autor [no caso Schumpeter] afirma a necessidade da existência de empresários audaciosos, juntamente com suas inovações tecnológicas, sem as quais a economia não se desenvolveria. (MICHELS, 1998, p. 63). Como Schumpeter (1982, p. 58) define, “[...] os empresários são um tipo especial, e o seu comportamento um problema especial, a força motriz de um grande número de fenômenos significativos.” Assim, eles são os responsáveis pelas novas combinações dos meios produtivos e, conseqüentemente, fundamentais ao desenvolvimento econômico, desde que tais empresários apresentam as três características básicas ao empreendedorismo definidas pelo teórico: iniciativa, autoridade e previsão. 12 No entanto as inovações no sistema econômico não aparecem, via de regra, de tal maneira que primeiramente as novas necessidades surgem espontaneamente nos consumidores e então o aparato produtivo se modifica sob sua pressão. Não pegamos a presença desse nexo. Entretanto, é o produtor que, via de regra, inicia a mudança econômica, e os consumidores são educados por ele, se necessário; são, por assim dizer, ensinados a querer coisas novas, ou coisas que diferem em um aspecto ou outro daquelas que tinham o hábito de usar. Portanto, apesar de ser permissível e até necessário considerar as necessidades dos consumidores como uma força independente e, de fato, fundamental na teoria do fluxo circular, devemos tomar uma atitude diferente quando analisamos a mudança. (SCHUMPETER, 1982, p. 48). Sobre a relação entre as novas combinações dos meios produtivos descritas por Schumpeter e a questão da tecnologia num sistema econômico, ele afirma que: [...] não coincidem as combinações econômicas e as tecnológicas, as primeiras ligada às necessidades e meios existentes, as últimas, à idéia básica dos métodos. O objetivo da produção tecnológica é na verdade determinado pelo sistema econômico; a tecnologia só desenvolve métodos produtivos para bens procurados. [...]. O ideal tecnológico, que não leva em conta as condições econômicas, é modificado. A lógica econômica prevalece sobre a tecnologia. (1982, p. 16). Os ciclos econômicos trabalhados por Schumpeter são caracterizados por períodos de recessão ou ascensão (boom) do sistema capitalista. Conforme seus estudos, Schumpeter afirma que: o boom termina e a depressão começa após a passagem do tempo que deve transcorrer antes que os produtos dos novos empreendimentos possam aparecer no mercado. E um novo boom se sucede à depressão, quando o processo de reabsorção das inovações estiver terminado. (1982, p. 142). Estes seriam, portanto, os fatores essenciais que determinam o desenvolvimento econômico de um país, segundo os schumpeterianos, ou seja, os ciclos econômicos determinados a partir das inovações tecnológicas no setor produtivo, o crédito bancário destinados ao financiamento e a ação de empresários empreendedores. Estas definições são abordadas por estudiosos desta corrente em Santa Catarina, como por exemplo Idaulo José Cunha, Maria Luiza Renaux Hering, Ondina Pereira Bossle, Ady Vieira Filho e Apolinário Ternes. Esses autores e obras, sem nenhuma exceção, atribuem ao empresário catarinense, especialmente ao de origem germânica e italiana, a responsabilidade pelo desenvolvimento econômico do Estado. Interpretam os grandes grupos econômicos existentes hoje, em Santa Catarina, a partir da ação empresarial empreendedora e 13 inovadora. Um dos aspectos presentes, especialmente em Cunha, Hering e Bossle, refere-se à tentativa de ver a industrialização catarinense não relacionada com a economia nacional, que, para a maioria dos setores, está associada à acumulação cafeeira. (MICHELS, 1998, p. 64-65). As concepções de Schumpeter merecem muito respeito, porém algumas falhas podem ser constatadas nelas. Sua teoria do desenvolvimento econômico está baseada nos ciclos econômicos, nas inovações tecnológicas do setor produtivo e na ação de empresários empreendedores num ambiente econômico de concorrência perfeita. Entretanto, como sabemos, atualmente não existe concorrência perfeita no mercado internacional, fazendo com que os governos nacionais ajam na tentativa de corrigir tais falhas do mercado. (SOUZA, 1999). Diante disso, necessita-se um diferente referencial teórico para analisar o desenvolvimento econômico, particularmente em Santa Catarina. A contribuição da corrente teórica keynesiana, baseada nas idéias de John Maynard Keynes e na sua teoria geral do emprego, do juro e da moeda, estabelece uma análise econômica de uma ótica diferenciada das demais, pois, segundo os pontos que interessam a esta pesquisa, o desenvolvimento econômico está condicionado a outras variáveis. Entre elas está o papel do Estado, dos investimentos e da acumulação de capital somente em novos bens de capital, principais fatores para resolver os problemas econômicos e sociais de uma economia. A teoria keynesiana, segundo Souza (1999), afirma que o laissez-faire, defendido pelos economistas da corrente clássica e que evidenciavam ao mercado o papel de regular a economia mundial, deu lugar a uma ação mais efetiva do Estado no direcionamento da economia, sendo que uma intervenção estatal teria, por exemplo, como objetivo reduzir o desemprego, elevando a produção ao nível do pleno emprego. Em períodos de depressão principalmente, o governo pode influenciar diretamente o nível do emprego, por meio da política fiscal (gastos públicos, tributação, empréstimos etc.), da política monetária (emissão ou controle da moeda, fixação da taxa de juro etc.), da política cambial etc. Com o auxílio dessas políticas, o governo age também sobre as expectativas dos agentes econômicos, influenciando, pois, direta e indiretamente, o nível do investimento. Assim, cabe ao Estado, segundo Keynes, a função básica de regular a economia, procurando suavizar as flutuações econômicas e complementar a iniciativa privada no que tange à realização do investimento, evitando a estagnação no longo prazo, em face da tendência declinante da EMgk [eficiência marginal do capital]. (SOUZA, 1999, p. 159). Keynes considerava a política fiscal (isto é, o gasto, a taxação e o empréstimo estatais) como a arma mais importante contra o desemprego. Sua explicação geral da necessidade de uma política fiscal positiva tem o seguinte teor: em um nível de rendimento correspondente ao pleno emprego, a disparidade entre o total do rendimento 14 e o total do consumo é tão grande nas economias industriais adiantadas que o investimento privado é insuficiente para cobri-la. Se se quer evitar o desemprego, é preciso lançar uma ponte sobre tal disparidade, ou cobrindo-a com o gasto estatal, ou reduzindo seu volume pelo incremento da propensão a consumir. (DILLARD, 1964, p. 95). Outro ponto importante da teoria keynesiana, “os investimentos desempenham um papel essencial. Eles são função do crescimento demográfico, das inovações tecnológicas na produção e do incentivo a investir.” (DILLARD, 1964, p. 158). Conforme Keynes, seriam os investimentos tanto públicos ou privados, alimentados pelo seu “efeito multiplicador”, que garantiriam o pleno emprego, já que “[...] uma taxa elevada de investimento foi sempre condição necessária para o bom funcionamento das economias capitalistas.” (DILLARD, 1964, p. 257). A teoria keynesiana apresenta também uma falha na análise do desenvolvimento econômico, em função dos objetivos desta pesquisa. As atuais tendências mundiais apontam para outra direção na busca efetiva por um real fator propulsor do desenvolvimento econômico, ou seja, não mais o Estado. O crescimento desmesurado dos gastos públicos e as falhas do governo produziram desvios do ótimo global, com inflação, desemprego, deslocamento da produção privada e desindustrialização. Foi a crise do Estado cobrador de impostos. A partir de 1970, a idéia básica passou a ser a de que o crescimento econômico e o bem-estar social somente aumentariam com a redução do tamanho do Estado na economia. (DILLARD,1964, p. 327). A outra corrente teórica é a denominada de marxista por basear-se nas idéias de Karl Marx, que analisa o desenvolvimento econômico a partir da acumulação do capital industrial, desde que ela se transforme em novos bens de capital. Ela “[...] determina o ritmo do desenvolvimento, mas ela depende tanto dos lucros como de um impulso psicológico que leva a classe empresarial a investir.” (DILLARD, 1964, p. 144). No entanto, Marx defende que o capitalismo mundial chegará a um ponto que ele se autodestruirá e emergiria um novo sistema, o socialista, com a planificação da economia que passaria ser controlada principalmente pelo Estado. Em Marx podem ser encontradas algumas contradições, se comparadas com o mundo atual. Com um sistema socialista, o maior responsável pelo desenvolvimento e, conseqüentemente, das inovações tecnológicas seria o próprio Estado. Até neste ponto, Marx 15 poderia estar certo, mas com o exemplo da ex-União Soviética e outros países de economia socialista torna-se impossível a adoção deste sistema econômico. A experiência dos países que alcançaram elevados níveis de renda demonstra [claramente] que o desenvolvimento se explica por inovações tecnológicas do lado da produção e pela ampliação das áreas de mercado em nível mundial. O progresso técnico impulsiona-se pelo esforço individual e as inovações na produção têm sido o resultado da ação do empresário [como defende Schumpeter]. A livre iniciativa, quando combinada com a ação de grupos unidos por um ideal comum, muitas vezes ancorados em instituições eficientes, tem explicado o desenvolvimento contemporâneo. A busca do lucro levou os indivíduos e as empresas a desenvolverem novos processos de produção e a abrirem novos mercados nas mais distantes régios do planeta. Os líderes comunistas, ao abolirem o lucro, eliminaram também o móbil das atividades empresariais nas economias que passaram por essa experiência. (DILLARD, 1964, p. 145). O referencial teórico proposto, portanto, objetiva responder as questões levantadas e atingir os objetivos da pesquisa de forma mais profunda e ao abranger diferentes visões de análise do papel da tecnologia no desenvolvimento econômico, principalmente devido às limitações de análise que algumas correntes teóricas apresentam. Por isso, os três referenciais teóricos que serão utilizados na pesquisa pretendem abranger todos estes quesitos, para que no final possa ser feita uma análise aprofundada na economia e no desenvolvimento catarinense a partir da importação de tecnologia alemã. Conforme o tema do estudo e as obras do referencial teórico apontadas anteriormente, a revisão bibliográfica também pode ser dividida em quatro partes: a primeira referente à tecnologia e ao desenvolvimento econômico em si, abrangendo definições, aspectos econômicos e inter-relação entre ambos; a segunda parte se refere à Alemanha como referencial tecnológico mundial e aspectos históricos e econômicos do país; a terceira parte abrange uma análise econômica de Santa Catarina e os benefícios provenientes das relações entre empresas alemãs e catarinenses no que tange ao processo de transferência, incorporação e desenvolvimento tecnológico e industrial; e a quarta e última parte se trata dos referências teóricos estabelecidos, analisando como cada teoria trata da tecnologia e do desenvolvimento econômico; Na primeira parte, destaca-se a obra do autor Henrique Rattner (1988) intitulada Impactos Sociais da Automação: o caso do Japão, na qual o autor comenta sobre o contexto internacional no pós-guerra, as mudanças estruturais da economia mundial, o advento das inovações tecnológicas e a questão do desenvolvimento econômico de alguns países, especialmente do Japão. A obra pode ajudar no entendimento de como tais mudanças estruturais da cadeia 16 produtiva mundial se deram e como o advento de novas tecnologias proporciona o desenvolvimento industrial e econômico de um país. A obra de Georges Benko (1999), Economia, Espaço e Globalização: na aurora do século XXI, destaca as economias e os territórios em mutação na era da globalização, focando a emergência de um novo sistema produtivo, suas inovações tecnológicas e os novos espaços industriais e de alta tecnologia. A contribuição desta obra está na parte que abrange sobre a emergência de um novo sistema produtivo mundial durante a atual fase de mutação do capitalismo internacional, ou seja, a globalização, focando a difusão de novas tecnologias e o surgimento de novos espaços industriais e de alta tecnologia. O autor Ignácio Rangel teve uma significativa contribuição sobre o debate acerca da relação entre tecnologia e economia, quando escreveu a obra Ciclo, Tecnologia e Crescimento, publicado em 1982. Tal obra auxilia na compreensão da evolução da economia brasileira e mundial, do papel da tecnologia no Brasil e da posição do país frente à revolução técnicocientífica. Sobre a segunda parte da revisão bibliográfica sobre os aspectos econômicos e tecnológicos da Alemanha, encontram-se as obras do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) e da Fundação Alexandre Gusmão, com organização de Samuel Pinheiro Guimarães, de 2000 Alemanha: visões brasileiras e de 1995 Brasil e Alemanha: a construção do futuro, sendo ambas sobre questões contemporâneas da política externa alemã, questões sobre a realidade econômica da Alemanha e as relações entre ambos os países no mundo globalizado. Estas obras podem auxiliar no compreensão da atual situação econômica da Alemanha e alguns de seus aspectos que fazem do país um dos líderes mundiais em inovações tecnológicas, destacando as relações entre Brasil e Alemanha. Além desta obras, encontra-se ainda Perfil da Alemanha, editada pelo governo alemão em 2000, destaca tudo sobre o país desde questões culturais, políticas, sociais até econômicas e relações exteriores do país com outros países, especialmente com os das América Central e do Sul. A obra retrata muito bem a realidade da Alemanha, podendo ser utilizada para agregar mais conhecimentos sobre a atual situação econômica, o grau de evolução e desenvolvimento tecnológico do país e ainda a evolução das relações entre Brasil e Alemanha. Na terceira parte da revisão bibliográfica que trata sobre Santa Catarina e os benefícios do intercâmbio tecnológico com a Alemanha, destaca-se a interessante obra do autor Ido Luiz 17 Michels, intitulada Crítica ao Modelo Catarinense de Desenvolvimento: do planejamento econômico – 1956 aos precatórios – 1997 (1998), onde o autor reúne diversas interpretações da história e do desenvolvimento da sociedade e, sobretudo, da economia catarinense. Diante disso, ele ainda destaca a ação estatal nos planejamentos econômicos e ilustra os diversos setores produtivos catarinenses. As diversas correntes e interpretações sobre o desenvolvimento econômico e industrial de Santa Catarina podem ajudar ao estudo devido à diversidade do ponto de vista das interpretações, que ajudam a compreender de diferentes formas como ocorreu todo este processo no nosso Estado. A obra dos autores Walter Fernando Piazza e Laura Machado Hübener, intitulada Santa Catarina: história da gente (1987), descreve sobre toda a história de Santa Catarina desde a préhistória até a atualidade. A obra pode contribuir de forma significativa, já que retrata desde os primórdios da industrialização até a modernização industrial do Estado, sendo umas das obras mais completas sobre a relação entre história e economia de Santa Catarina. Para a análise de dados e estatísticas sobre Santa Catarina, a obra intitulada Santa Catarina: oportunidades e negócios e elaborada recentemente pelo Governo do Estado pode servir como referência confiável e atualizada sobre as mais diversas áreas. Ela destaca com dados, estatísticas e informações históricas e atuais sobre os diversos setores industriais catarinenses e sua importante participação na pauta das exportações brasileiras. O método de abordagem utilizado para o desenvolvimento do estudo será o dedutivo. A análise e interpretação dos resultados serão feitas utilizando-se da pesquisa qualificativa para interpretar, justificar ou negar as hipóteses e/ou as respostas de forma global ou individualmente. Como técnicas de investigação, as pesquisas bibliográfica e documental serão as principais fontes utilizadas para esta pesquisa, na qual serão utilizados os mais diversos meios de acesso aos materiais, como a própria biblioteca universitária, jornais e material da internet. Além disso, o levantamento de dados e informações será feito através do recolhimento de materiais em instituições governamentais e empresas, as quais podem fornecer materiais úteis ao estudo. A estrutura do trabalho está definida em três capítulos. Dessa maneira, o Primeiro Capítulo procura destacar a importância da tecnologia no desenvolvimento econômico de um país. Para essa análise, parte-se inicialmente das definições de dois importantes conceitos-chave nesse processo, isto é, o de desenvolvimento econômico e o de tecnologia, segundo as mais diversas correntes teóricas, para então descobrir suas origens e determinar suas inter-relações no 18 decorrer dos séculos em que os dois conceitos foram estudados. Em conseqüência disso, faz-se necessário recorrer à teoria dos ciclos econômicos para melhor contextualizar e definir essa interrelação existente entre tecnologia e desenvolvimento econômico. Uma visão geral sobre a Alemanha, especialmente no que diz respeito aos seus aspectos econômicos, é dada no Segundo Capítulo, objetivando comprovar de que forma o país foi reconhecido com o atual status de referência tecnológica mundial. A análise se dá em forma de uma cronologia histórica do processo de industrialização alemã até os seus dias atuais, focando os principais fatores e acontecimentos que proporcionaram à Alemanha tornar-se um país econômica e tecnologicamente desenvolvido e, portanto, uma referência mundial nessas áreas. O Terceiro Capítulo pretende analisar os benefícios que as relações com a Alemanha trouxeram ao desenvolvimento das indústrias de Santa Catarina, ou seja, como elas contribuíram aos processos de industrialização e, portanto, de desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico catarinenses, dando ênfase especial ao setor metal-mecânico no Vale do Itajaí e região Nordeste do estado. Dada a grande importância e complexidade de análise, o presente Capítulo subdivide-se em quatro principais partes: a) as relações entre Brasil e Alemanha, fazendo-se um histórico das relações teuto-brasileiras e focando-se o estado de Santa Catarina nesse contexto; b) a economia brasileira, também esboçada por uma análise histórica do desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico do Brasil; c) a economia catarinense, retratada historicamente a partir de seu desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico, no qual destacam-se três principais fatores: a imigração alemã e o advento da indústria, o empreendedorismo do imigrante alemão, o papel do Estado; e finalmente d) uma análise do desenvolvimento industrial e tecnológico do setor metal-mecânico catarinense, a partir do intercâmbio tecnológico com a Alemanha. Depois da análise, dos pontos expostos, são apresentadas as considerações finais e algumas sugestões de temas para futuros estudos nas diversas áreas de Relações Internacionais. 19 1. A Importância da Tecnologia no Desenvolvimento Econômico O debate acerca da importância da tecnologia no desenvolvimento econômico é tão antigo quanto a própria questão do desenvolvimento econômico entre nações. Há séculos, estudiosos das mais diversas correntes teóricas ou escolas econômicas tentam decifrar a correlação existente entre o desenvolvimento econômico e a tecnologia, objetivando responder sua coexistência e suas mútuas influências. Além disso, a tentativa de descobrir qual o caminho correto que uma nação deve traçar para estar avançada tecnologicamente e para alcançar o almejado desenvolvimento econômico sempre intrigou a todos. Os métodos de análise tanto do desenvolvimento econômico quanto da tecnologia, neste caso, serão muito semelhantes e estarão intimamente interligados, porém com elementos e fenômenos diferenciados. Geralmente no decorrer dos séculos, ambos sempre foram analisados de forma conjunta, porém a partir de diferentes visões segundo seus distintos paradigmas e suas teorias subseqüentes. Mesmo assim, torna-se uma tarefa árdua separar dois temas tão interligados para análise, o que aparecerá naturalmente nesta pesquisa. Diante disso, primeiramente, pretendese fazer uma análise, mesmo que superficialmente, da história do pensamento econômico e como as diferentes escolas teóricas viam o desenvolvimento econômico, para então, finalmente, chegar às origens e ao papel da tecnologia nesse processo no decorrer dos séculos. 1.1 O Desenvolvimento Econômico A questão do desenvolvimento econômico sempre foi muito discutida e há séculos está presente no debate político e econômico de qualquer país. Com a crescente importância do tema, tanto governos quanto estudiosos de diferentes correntes ideológicas e teóricas passaram a tentar compreendê-lo e explicá-lo de uma melhor forma, visando descobrir como surge e quais seriam as condições prévias e os efeitos posteriores desse processo, que, supostamente, levariam uma nação ao desenvolvimento econômico. Como Souza (1999, p. 15) esclarece, “Embora o 20 desenvolvimento econômico seja um tema que tenha obtido destaque somente no século XX, a preocupação com o crescimento econômico nos principais países da Europa é muito mais antiga”. Na Idade Média, a preocupação com o desenvolvimento econômico estava ligada ao fortalecimento do regime feudal, no qual a estrutura econômica tinha como primordial objetivo, como destacado por Souza (1999, p. 15), [...] aumentar o poder econômico e militar do soberano. [...]. Desse modo, [...], procurava-se combinar a segurança do povo com a subsistência do Senhor. Os vassalos trabalhavam os campos, abasteciam as cidades, onde se refugiam em caso de ataques inimigos. Esse sistema garantiu seu equilíbrio secularmente, mas, ao mesmo tempo, dificultava as mudanças necessárias ao desenvolvimento econômico. Desde o fim da Idade Média, quando fatos como a expansão marítima e comercial originadas pelas grandes navegações, o aumento da riqueza das metrópoles da Europa determinado pelo monopólio comercial sobre suas colônias e pela política econômica vigente do mercantilismo e o fortalecimento do Estado-nação, o desenvolvimento econômico passou a determinar a política econômica de uma nação e a criar novas concepções em torno de seu real significado e importância, que se refletiram no desenvolvimento das forças produtivas no mundo. A partir do século XVI, o desenvolvimento econômico estava relacionado com a quantidade de metais preciosos que cada país detivesse. Diante disso, as metrópoles européias aumentavam suas reservas de ouro e prata pela exploração de suas colônias, obtendo assim uma balança comercial favorável. Quanto maior fosse o saldo positivo da balança comercial e o volume acumulado de metais preciosos de um país, ele seria considerado desenvolvido economicamente. Essa política era conhecida como mercantilismo e baseada no pacto colonial, que vigorou mundialmente desde o século XVI até o XIX.1 A partir do século XVIII, inicia-se um processo de decadência do sistema mercantilista e a emergência de um novo sistema econômico mundial, ou seja, o capitalismo. Neste período, 1 Sob a égide do sistema mercantilista, as potências coloniais (Portugal, Espanha, Inglaterra, Holanda e França) utilizavam-se de uma política exploratória chamada de pacto colonial, a qual vigorou nas relações metrópole-colônia do século XVI até o XVIII. O seu principal objetivo era prover a metrópole de produtos exóticos, ou seja, aqueles que ela não pudesse produzir, destinando essa função à colônia. A metrópole, além de apropriar-se de riquezas minerais (ouro e prata), conseguia grandes lucros na venda desses produtos na Europa. Nessas condições, a colônia não poderia de maneira alguma concorrer com a metrópole. Era um sistema de total submissão da colônia para com a sua metrópole e foi utilizado nas colônias de exploração, ou seja, nas Américas portuguesa, espanhola, holandesa, francesa e inglesa, em parte. A colônia inglesa na América do Norte não se constitui totalmente numa colônia de exploração, sendo que somente a parte sul da colônia correspondia ao sistema exploratório adotado no restante do continente americano pelas outras metrópoles coloniais. Já a parte norte da colônia inglesa não apresentou um caráter 21 vários estudiosos e críticos ao então sistema vigente destacaram-se, particularmente o inglês Adam Smith vinculado à escola clássica e autor da importante obra A Riqueza das Nações, de 1776. Segundo sua visão, a formação da riqueza de uma nação, além de uma balança comercial favorável e do volume de metais preciosos, concentrava-se também no “[...] aumento da proporção dos trabalhadores produtivos em relação aos improdutivos, redução do desemprego e elevação da renda média do conjunto da população.” (SOUZA, 1999, p. 16). Smith defendia que o comércio internacional beneficiava a todos os países que dele participam, levando em conta que cada país possuía algum tipo de vantagem na produção de algum bem em comparação com os outros países. (SINGER, 1983). Segundo esses preceitos, Smith elaborou a teoria das vantagens absolutas, segundo a qual uma nação deveria especializar-se na produção de algum bem que lhe desse algum tipo de vantagem comercial em relação a outras nações. A especialização das forças produtivas de um país num determinado bem proporcionaria a esse bem baixos custos de produção, o qual obteria boas vantagens comerciais frente aos produtos de outros países. Essas vantagens poderiam ser naturais, ou seja, aquelas que um país detém naturalmente como condições climáticas, terras férteis, recursos minerais, etc., ou ainda adquiridas através do aperfeiçoamento das forças produtivas ou das técnicas de produção. Garantidas tais vantagens comercias, um determinado país obteria boas relações comerciais e garantiria uma balança de pagamentos favoráveis, dando-lhe as condições perfeitas para que ele chegasse definitivamente ao desenvolvimento econômico. Seguindo os passos da teoria de Adam Smith na corrente clássica, porém agora já no século XIX, o economista inglês David Ricardo desenvolveu a teoria das vantagens relativas em 1817, aperfeiçoando as idéias de Smith. O exemplo clássico dado por Ricardo para explicitar sua teoria foi entre Inglaterra e Portugal, assim ambos os países obteriam vantagens relativas no comércio de seus produtos se eles se especializassem num determinado bem. A Inglaterra produzia produtos têxteis com mais eficiência, em menor tempo e com um preço mais competitivo, devendo especializar-se nesse setor. Já Portugal, apresentava as mesmas condições vantajosas na produção vinícola, na qual devia especializar-se. Diante disso, todos os países teriam condições, assim como Portugal e Inglaterra, de obter vantagens relativas no comércio internacional de seus principais produtos, garantindo um saldo positivo na balança comercial e exploratório e constitui-se numa colônia de povoamento, pois nela as pessoas vieram para fixar-se e não para explorar. 22 aumentando a renda nacional do país, principal indicador do desenvolvimento econômico de um países segundo a corrente neoclássica. Ainda no século XIX, em contraposição à corrente clássica, surge uma nova corrente teórica fundamentada nas idéias de Karl Marx e Friederich Engels, que ficou mundialmente conhecida como corrente marxista e por propor um novo sistema produtivo que substituísse o vigente sistema capitalista, ou seja, o socialismo. A proposta de Marx e Engels defendia que as forças produtivas deveriam ser coletivizadas, proporcionando uma distribuição de renda igualitária entre a população e, assim, levando um país tanto ao desenvolvimento econômico como também social. A partir deste momento, o desenvolvimento social toma outra concepção e entra definitivamente na pauta de discussão do desenvolvimento econômico dos países. Além disso, Marx formulou uma tese sobre a acumulação primitiva de capital pelas metrópoles colonizadoras a partir do século XVI, quando as metrópoles européias Portugal, Espanha, França, Holanda e Inglaterra acumularam muitas riquezas pela expropriação e exploração principalmente de minérios (ouro e prata) em seus territórios coloniais. Esta grande acumulação de riquezas resultou, segundo Marx, numa acumulação primitiva de capital e que foi o grande impulso financiador da industrialização e do fortalecimento econômico das metrópoles européias a partir do século XVIII, especialmente na pioneira Inglaterra. Nas primeiras décadas do século XX, surge a teoria do desenvolvimento econômico elaborada pelo austríaco Joseph A. Schumpeter, o qual baseou-se no trabalho inicial do economista russo Nikolai D. Kondratieff e sua hipótese de que a economia mundial é caracterizada por ciclos ou ondas largas. Diante disso, os ciclos determinariam o crescimento e a expansão do sistema capitalista. Um ciclo, segundo a teoria, dura cerca de 50 anos, compreendendo desde os períodos de depressão e de crise até os de ascensão e de saturação da economia mundial. No período de crise, ocorrem as maiores e mais profundas transformações, ou seja, quando as estruturas do sistema são modificadas principalmente por empresários empreendedores que investem em inovações tecnológicas e dão novo fôlego à economia. Depois de incorporadas à produção, as inovações revolucionam a produção e ditam uma nova reorganização da economia mundial, recuperando o sistema capitalista e levando as economias ao desenvolvimento econômico. Schumpeter (1982), portanto, baseia sua teoria num tripé, no qual seus elementos seriam fundamentais ao desenvolvimento. São eles as novas combinações nos meios de produção, o 23 crédito e o empresário empreendedor. Se não houver a total interação destes elementos numa economia, existe a possibilidade de ocorrer mudanças e/ou crescimento, mas não haverá novos fenômenos que gerariam o fenômeno do desenvolvimento, que segundo a teoria seria definido pela realização destas novas combinações e das inovações tecnológicas resultantes deste processo. Diante disso, o desenvolvimento econômico estaria atrelado ao crescimento e ao aperfeiçoamento das forças produtivas. Ainda no século XX, John M. Keynes elaborou a tese que o desenvolvimento de um país seria alcançado quando houvesse uma maior distribuição de renda entre a população, elevando o índice de renda nacional, pois ele seria o principal medidor do índice de desenvolvimento de um país. Mas para isso, Keynes propôs um novo método aos momentos de crise, pois neles deveria haver um modo de equilibrar a demanda e a produção para que a renda nacional continuasse nos níveis anteriores ou até aumentasse. Para isso, ao contrário de muitos economistas da época, ele propôs que a intervenção do Estado nas economias nacionais seria a saída mais viável para superar a crise dos anos 1930 e para que elas voltassem a crescer e expandir sua renda nacional, desenvolvendo suas economias. Um Estado interventor na economia nacional seria o promotor de políticas de regulação de sua economia, garantindo através dos gastos públicos o pleno emprego, o crescimento da renda nacional e a distribuição dessa renda entre a população, promovendo o estágio do pleno consumo da população, a expansão das atividades industriais e, como conseqüência, o crescimento e desenvolvimento de sua economia. A teoria keynesiana de intervenção estatal na economia influenciou muitas políticas nacionais de vários países, inclusive o Brasil nessa época, que buscavam alternativas para superar a recessão econômica mundial da década de 1930 e desenvolver cada vez mais suas economias. Um pouco mais recente, principalmente a partir da década de 1950, a questão do desenvolvimento toma novas proporções e significados, especialmente aos países da América Latina. Em plena Guerra Fria, disputa ideológica travada entre a superpotência capitalista, os EUA, e a superpotência socialista, a União Soviética, os países não-alinhados faziam parte do Terceiro Mundo, assim chamado por não fazer parte do Primeiro Mundo (capitalista) e nem do Segundo Mundo (socialista) e todos serem países em desenvolvimento e relativamente pobres. Sob a órbita das duas superpotências, tornava-se impossível discutir e muito menos agir em prol da solução dos problemas e do desenvolvimento dessas regiões marginalizadas. Por isso, surgem movimentos que preencheram essa lacuna, destacando-se a CEPAL nesse contexto. 24 A Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) foi fundada em 1948 pelo Conselho Econômico e Social (CES) das Nações Unidas, objetivando buscar soluções aos problemas latino-americanos e promover o desenvolvimento da América Latina. As teses da CEPAL foram baseadas nas idéias de Raul Prebisch, que elaborou algumas teses que se tornaram as bases teóricas aos cepalinos e que foram internacionalmente muito criticadas. Como ponto de partida Prebisch desenvolve uma “[...] crítica à teoria das vantagens comparativas de David Ricardo, segundo a qual os países deveriam especializar-se na produção de produtos para os quais apresentassem vantagens comparativas de custo”. (SOUZA, 1999, p. 199). Seguindo os conselhos econômicos da corrente clássica, os países deveriam produzir matérias-primas e alimentos para exportar para suas metrópoles e importar delas produtos manufaturados, estruturando assim a relação centro x periferia e a conhecida divisão internacional do trabalho. Prebisch concluiu que se a América Latina continuassem nessa situação periférica e produtora de produtos primários, a tendência apontava que cada vez mais a região iria empobrecer e não chegaria ao desenvolvimento. Por isso, Prebisch elaborou outra tese cepalina, ou seja, a tese da deterioração dos termos de trocas, segundo a qual os bens primários produzidos pelos países periféricos tenderiam a deteriorar-se mais do que os bens manufaturados produzidos pelos países centrais. As teses de Prebisch foram duramente criticadas, especialmente pelos economistas neoclássicos. Dessa maneira, segundo as idéias cepalinas, a única maneira de os países latino-americanos para alcançar o almejado desenvolvimento era industrializar-se. Nesse sentido, industrialização era sinônimo de desenvolvimento. Nesse contexto, segundo Bielschowsky (1999, p. 113), a CEPAL criou um princípio normativo, ou seja, “[...] a idéia de que a contribuição do Estado é necessária para ordenar o desenvolvimento econômico nas condições da periferia latino-americana. Trata-se, em resumo, do paradigma desenvolvimentista latino-americano.” O que faz a corrente de pensamento cepalino contrariar em mais um ponto a corrente clássica, ou seja, a intervenção estatal na economia. Dessa forma, Bielschowsky (1999) identificou os quatro importantes traços presentes na análise da América Latina nas cinco décadas de existência da CEPAL, sendo eles: o enfoque histórico-estruturalista, baseado na idéia da relação centro-periferia; a análise da inserção internacional; a análise dos condicionantes estruturais internos do crescimento e progresso técnico, e das relações entre estes, o emprego e a distribuição de renda; e ainda a própria análise das possibilidades da ação estatal. 25 Por outro lado, paralelamente às teses da CEPAL, acontecia no âmbito internacional a chamada globalização, caracterizada pela extinção gradual das fronteiras nacionais ao capital e comércio internacionais e, como conseqüência, pela vigência de uma interdependência econômica mundial. Nela, vê-se a propagação de tendências neoliberais, que pregam a extinção da atuação do Estado na economia e o abandono de políticas protecionistas, deixando que o mercado internacional regule automaticamente as economias nacionais e, através do livrecomércio, determine o desenvolvimento destas. Dessa forma, a predominância do neoliberalismo num mundo globalizado fez com que as idéias cepalinas de desenvolvimento à América Latina fossem sendo cada vez mais obstruídas, dificultando a sua aplicação efetiva no contexto latinoamericano. Causas para isso, foram identificadas por Magalhães (1999, p. 278). Em linhas gerais, a receita neoliberal para os países em desenvolvimento se traduz em três pontos básicos: (a) Estado mínimo e inserção do país na economia mundial através (b) da abertura às importações e (c) da dependência de poupanças e capitais internacionais, representados pelas empresas multinacionais. Sinteticamente, diríamos que a proposta se resume na irrestrita abertura ao comércio externo e ao capital internacional, tendo a passividade do Estado como precondição. Os estudos cepalinos auxiliaram na formulação e na orientação de políticas nacionais industrializantes entre os países da América Latina, visando o desenvolvimento de suas economias e de suas sociedades. Como a industrialização tornou-se realidade em alguns países como Brasil, Argentina e México, porém tais países não alcançaram o desenvolvimento, a CEPAL passou a estudar outros fenômenos mais atuais, visando contribuir para a solução de novos problemas que afligem a América Latina, como o atual e gigantesco endividamento externo, uma melhor inserção latino-americana na globalização e nela a busca por novas oportunidades para os países latino-americanos. 1.2 A Tecnologia Desde a pré-história, a natureza e o homem, no que se refere ao desenvolvimento de técnicas, tinham uma relação muito próxima. As técnicas e o trabalho se casavam com as dádivas da natureza, com a qual se relacionavam sem outra mediação. As transformações impostas à 26 natureza pelo homem eram técnicas criadas a partir dessa relação homem x natureza, como por exemplo, a domesticação de plantas e animais, o pouso e rotação de terras e culturas, outras atividades agrícolas etc. Tais técnicas utilizadas estabeleciam uma harmonia entre homem e natureza, pois até então o instinto de conservação da natureza sempre esteve presente nessa relação. (SANTOS, 1996). Com o passar dos anos, as sociedades locais vivenciaram a emergência de espaços mecanizados, que aos poucos foram transformando a relação homem x natureza, antes restrita somente ao “natural”, mas que agora envolve tanto o “natural” quanto o “artificial”, resultado das constantes transformações dessa relação. (SANTOS, 1996). Esse fato pode ser constatado principalmente depois da acumulação de riquezas pelas metrópoles européias, obtida pela expropriação e exploração de produtos tropicais e metais preciosos provenientes das colônias. Neste momento, ocorrem simultaneamente o fortalecimento e a expansão dessas economias, as quais passaram a acumular grande quantidade de capital e a desenvolver novas técnicas de produção agrícola a partir do século XVI e que, posteriormente, ou seja, a partir século XVIII na Inglaterra e do próximo século em outros países como Alemanha, França etc., serviram de base à produção industrial, garantindo uma grande reprodução daquele capital por parte dos capitalistas e contribuindo ao desenvolvimento econômico e a uma vantagem competitiva diante das outras economias. A partir deste ponto, as novas técnicas de produção adquirem uma grande importância ao desenvolvimento econômico de um país. Tanto as inovações na agricultura como na indústria fizeram com que as economias nacionais das metrópoles européias crescessem e prosperassem, refletindo assim num constante aperfeiçoamento das técnicas de produção. A técnica pode ser conceituada como o uso de determinada arte ou ciência na expectativa de produzir algo, independentemente de sua área abrangente. Ela pode ser empregada desde as ciências naturais e até as humanas, para fins de pesquisa e de desenvolvimento de novos processos ou produtos. Ainda sobre sua caracterização, Rangel (1982, p. 95) destaca que: [...] a ciência e a técnica, no sentido contemporâneo, de forças produtivas em si mesmas, [...], mais do que em qualquer outro momento da história da humanidade, são produto da civilização humana, no sentido mais lato que seja possível atribuir a essa expressão. Com o emprego da ciência e da técnica e como produto delas neste processo surge a tecnologia, empregada nos mais diversos campos, principalmente no setor produtivo, no qual ela 27 mais se destaca e onde seus efeitos são mais facilmente percebidos pela sociedade mundial. Focando justamente o setor produtivo, Benko (1999, p. 225) define a tecnologia “[...] como a sistematização dos conhecimentos e das técnicas que permitem à indústria realizar completamente uma produção.” O setor produtivo de uma economia é sempre alvo das constantes inovações tecnológicas, devido principalmente ao advento de novas tecnologias nos mais diversos setores industriais. A introdução de novas tecnologias no mercado dita as novas tendências ou direções que as empresas devem tomar tanto a nível nacional quanto internacional. Portanto, a tecnologia tem um importante papel no desenvolvimento da economia de um país, pois é ela que vai determinar os novos rumos que o setor produtivo deve seguir e, conseqüentemente, o desenvolvimento econômico de um país. A difusão tecnológica em escala mundial pode ser considerada recente, já que antigamente as inovações tecnológicas eram pouco difundidas e circulavam a uma velocidade muito menor do que recentemente. Na Primeira Revolução Industrial ocorrida na metade final do século XVIII, por exemplo, somente a Inglaterra beneficiou-se das inovações tecnológicas desenvolvidas. O pioneirismo inglês deve-se ao cumprimento das condições necessárias na época ao desenvolvimento industrial, ou seja, capital, mão-de-obra e matérias-primas. Somente a partir do século XIX e principalmente no século XX, outros países como Alemanha, França e Estados Unidos conseguiram cumprir tais pré-condições e a difusão tecnológica se intensificou amplamente, atingindo nível e abrangência jamais vistos até então. O período entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras décadas do século XX, segundo Motoyama (2004), foi considerado internacionalmente como Segunda Revolução Industrial ou ainda como Segunda Revolução Científica, no qual cada vez mais os conhecimentos científicos se difundem e passam a ser aplicados no sistema produtivo, estabelecendo-se assim novas interações entre essas áreas, ou seja, entre a ciência e a indústria. Nessa época, a ciência passa por constantes e profundas transformações, quando novos temas começam a ser pesquisados e quando surgem importantes descobertas científicas como as do raio X (1895) por Wilhelm Conrad Röntgen, da radioatividade (1896) por Henri Becquerel, do rádio (1898) pelo casal Pierre e Marie Curie, da estrutura de cristais (1912), do nêutron (1932), da cisão nuclear (1938), dos mésons (entre 1936 e 1947), e de novas teorias como a dos quanta (1900) de Max 28 Planck, da relatividade restrita (1905) e geral (1916) de Albert Einstein, o modelo atômico (1913) de Rutherford-Bohr e a nova teoria dos quanta (1925), etc. A partir daí, as atividades científicas passam a integrar-se e a interar-se cada vez mais com as industriais. Além disso, a descoberta de fontes alternativas de energia, especialmente a eletricidade e o petróleo, geram uma maior diversificação industrial, utilizando-se de novos materiais como o alumínio e o aço na construção civil e na fabricação de motores a combustão interna. Tais fatos revolucionaram o mundo no final do século XIX e até meados do XX, época pela qual ficou conhecida pela Segunda Revolução Industrial. A partir de então, os constantes aperfeiçoamentos na construção civil implicaram na construção de edifícios mais altos, estradas, hidrelétricas entre outras grandes obras, e a fabricação de motores a combustão interna revolucionaram os meios de transporte, principalmente com o advento do automóvel e do avião. E neste contexto, com o intuito de ampliar a capacidade de produção e de reduzir os custos, surgem o Taylorismo e o Fordismo. (MOTOYAMA, 2004). O Taylorismo foi um método organizacional criado pelo engenheiro e economista norteamericano Frederik Taylor, que muitos chamam de “organização científica do trabalho”. Segundo ele esta melhor organização na produção resultaria em maiores ganhos de produtividade e lucratividade aos capitalistas que o adotassem. Foi o caso de Henry Ford, que implantou as técnicas organizacionais do Taylorismo na indústria automobilística e as aperfeiçoou criando um novo modelo de produção industrial, o Fordismo. Segundo Benko (1999, p. 28), ele “[...] fundamentou-se em uma produção industrial estandardizada, apoiada num consumo de massa – que permitiu o desenvolvimento da produção em massa - e em seu estabelecimento com a ajuda de forte intervenção do Estado.” O Fordismo revolucionou a produção industrial mundial na sua época e ainda hoje algumas características desse modelo estão presentes na estrutura funcional de alguns setores industriais, em especial na indústria automobilística. A maioria dos países que participaram da Segunda Revolução Industrial e dos modelos industriais do Taylorismo e Fordismo, como EUA, Japão e Alemanha, contaram com forte apoio de seus Estados na implantação de políticas industriais de incentivo, como linhas de crédito, investimentos em infra-estrutura e, muitas vezes, medidas protecionistas em favor do desenvolvimento seus setores industriais e de suas economias. Nesses casos, o Estado teve uma participação importante na criação das bases de sustentação, que possibilitaram países como os 29 EUA, o Japão e a Alemanha de tornaram-se as atuais potências econômicas, industriais e tecnológicas, como veremos mais adiante no seguinte capítulo o caso da Alemanha. No período pós Segunda Guerra Mundial, segundo Rattner (1988), as grandes inovações tecnológicas difundiram-se largamente e tomaram proporções mais profundas, quando o rápido crescimento econômico e expansão do comércio internacional levaram a uma reestruturação das relações de interdependência em escala global. Com isso, as exportações e importações cresceram tanto em volume quanto em valor, estimulando a expansão dos fluxos de capital, tecnologia e recursos humanos, os quais foram facilitados pelo desenvolvimento de sistemas mais modernos e eficientes de transporte e comunicação. Os agentes mais dinâmicos desse ciclo de expansão da economia mundial foram as corporações e conglomerados transnacionais, os quais, baseados em uma cultura organizacional e capacidade financeira superiores, elaboraram e executaram estratégias e planos de produção, de comércio, de transações financeiras e de transferência de tecnologia, em âmbito e escala globais. Entre os fatores favoráveis ao crescimento e expansão dos conglomerados transnacionais, deve-se mencionar a fabricação de produtos estandartizados e em massa, que exigem unidades fabris de grande escala operando com tecnologia sofisticada de alto custo, o que torna a “entrada” no mercado mais difícil para os concorrentes potenciais. (RATTNER, 1988, p. 5). A partir dos anos 60, o modelo de produção fordista atinge seu auge e entra num processo de decadência. Essa crise mundial do fordismo não teve uma causa única, mas sim uma combinação de vários fatores que resultaram em seu colapso. Suas principais causas provêm da “[...] articulação de ´causas internas` (a crise do próprio modelo de desenvolvimento, principalmente do lado da oferta) e de ´causas externas` (a internacionalização econômica, que compromete a gestão nacional da demanda).” (BENKO, 1999, p. 29). Novos espaços industriais e tecnológicos surgem principalmente a partir dos anos 70, quando várias corporações transnacionais iniciam um processo de descentralização das atividades de produção industrial, a qual geralmente não vinha acompanhada da transferência tecnológica. Mesmo assim, este novo processo do capitalismo contribuiu à integração de novos espaços geográficos nesse novo dinamismo do próprio capitalismo mundial quanto na nova divisão internacional do trabalho. Conforme Santos (1996), uma característica deste processo é a transformação destes territórios nacionais num espaço regional da economia internacional, nos 30 quais os avanços tecnológicos mais modernos, utilizados em cada país, são mais bem utilizados por firmas transnacionais2 do que propriamente pela sociedade nacional. A partir daí, inicia-se uma fase de transição do capitalismo industrial ao financeiro e de formação de um novo sistema produtivo, substituindo o antigo modelo fordista por um novo, marcado pela flexibilidade nos processos produtivos e pela introdução de novas tecnologias tanto em novos produtos quanto em novas indústrias emergentes. De acordo com Benko (1999, p. 29), A maior flexibilidade favorece a desintegração vertical das relações de proximidade entre dirigente e subcontratante, a troca contínua de informações e portanto a proximidade espacial, que permite a interação e a regulação final do processo de produção global. A introdução de técnicas de produção flexíveis, assim como de uma variedade de novos produtos, abriu perspectivas na reorganização do processo de produção global. Pela primeira vez na história do capitalismo, tornou-se possível combinar trabalho de alto nível tecnológico e diversificação dos produtos e dos processos. Ocorre, portanto, a substituição do Fordismo por um novo sistema produtivo mais flexível, ou seja, o Toyotismo. Segundo Moraes (2002), esse sistema foi desenvolvido pela Toyota nos anos 30 próprio para a economia do Japão, isto é, a produção de pequenas quantidades de diferentes modelos de automóveis no mesmo processo produtivo. Um dos principais princípios do Toytotismo ou da produção flexível é o just-in-time, que consiste em suprir o mercado com aquilo que é demandado, quando é demandado e na exata quantidade demandada. Como o sistema Toyotismo de produção permite a redução dos estoques, dos seus custos de administração e do espaço físico, ele passa a substituir o Fordismo a partir dos anos 70, fazendo com que o Toyotismo se consolide e seja freqüentemente usado até os dias atuais no sistema produtivo mundial. Neste ponto cabe salientar, o surgimento de novas indústrias que combinam o uso da alta tecnologia e a diversificação de produtos, particularmente a microeletrônica, a biotecnologia e a informática. Seus produtos têm um alto nível de sofisticação e aperfeiçoamento, determinado, conforme Benko (1999, p. 225), principalmente pela “[...] porcentagem do emprego científico e 2 Firmas transnacionais são empresas formadas por uma maioria proprietários e/ou administradores de diferentes nações, não identificando-a com uma única nação específica. Já uma firma multinacional caracteriza-se por estar presente em vários países com filiais produtoras ou de prestação de serviços fora de seu país de origem. Nelas, o processo decisório engloba todas as associadas ou subsidiárias e, via de regra, fora do país anfitrião. O crescimento rápido destas empresas e seu poderio têm causado algum conflito em certos países, ou por repatriação dos lucros ou pelo poder de monopólio que muitas vezes exercem. (Dicionário Michaelis). 31 de engenheiros no emprego total; o crescimento do emprego, os gastos para a pesquisa e o desenvolvimento etc.” A partir da década de 1980 e no decorrer da 1990, como Rattner (1988, p. 1) destaca, as “[...] tecnologias microeletrônicas estão transformando a infra-estrutura produtiva, com profundos impactos sobre a estrutura organizacional, emprego, requisitos de competência, práticas administrativas e relações industriais.” Além das tecnologias microeletrônicas, temos também a informática e a biotecnologia, inovações tecnológicas que alteram constante e profundamente tanto os processos administrativos como os produtivos no mundo atual. Tudo isso foi possibilitado, pois, conforme Benko (1999, p. 22), “[...] trata-se de utilizar as virtualidades tecnológicas da automação como suporte material a fim de remodelar a organização do trabalho, os processos de produção, os sistemas de gestão e a qualidade dos produtos ou mesmo a norma social do consumo.” O acesso à tecnologia, geralmente, não acontece de forma muito fácil e uniforme, particularmente aos países em desenvolvimento. O centro dinâmico da economia mundial, ou seja, aquele composto pelos países desenvolvidos, sempre cria e desenvolve primeiramente as inovações tecnológicas. O conhecimento e a informação exercem profundamente seus papéis de recursos, participando do clássico processo pelo qual, no sistema capitalista, os detentores de recursos competem vantajosamente com os que não dispõem deles. (SANTOS, 1996). Por isso, neste contexto, cabe aos países em desenvolvimento um papel coadjuvante neste processo. Ou seja, buscar formas para que o acesso às inovações daqueles também possa chegar e ser aproveitado ao desenvolvimento destes. E para isso, os países em desenvolvimento, principalmente, utilizam três modos principais para adquirir tecnologia: a transferência, a incorporação e desenvolvimento. Neste sentido, segundo Rangel (1982), apesar de que a tecnologia não tenha pátria e que não pode florescer em qualquer parte do mundo, mas somente onde se cumpram certas condições prévias, “[...] a tecnologia tem uma naturalidade e uma nacionalidade, emergindo como objeto lícito de comércio [...].” (RANGEL, 1982, p. 96). Desse modo, a tecnologia não conhece fronteiras nacionais, e assim como qualquer outra mercadoria comercializada mundialmente, ela também é ampla e livremente vendida, mas altamente valorizada no comércio internacional. E essa comercialização ocorre como forma de importação de novas tecnologias, principalmente de países desenvolvidos para os países em desenvolvimento. 32 A difusão tecnológica intensificou-se nas últimas décadas do século XX, especialmente por causa do excepcional aperfeiçoamento dos meios de comunicação e da crescente interdependência econômica entre as nações num mundo globalizado, facilitando uma troca cada vez maior de informações, conhecimentos e tecnologias. Nesse contexto, segundo Cooper apud Cassiolato e Elias (2004), elementos de know-how técnico são adquiridos principalmente por países em desenvolvimento, que importam ou adquirem tais conhecimentos e técnicas dos países desenvolvidos de várias maneiras. As principais delas se dão através do fluxo de livros, revistas, e outras publicações técnicas; do movimento de pessoas entre os países; educação e treinamento; da troca de informações e pessoal por programas de cooperação técnico-científica; de consultoria e emprego de especialistas estrangeiros; da simples importação de máquinas e equipamentos; de acordos de licenciamento para processos produtivos e uso de marcas e patentes; de investimentos diretos estrangeiros num dado país, etc.. No entanto, muitos países, mesmo importando constantemente tecnologia, não conseguem porém assimilar ou absorver adequada ou totalmente tal tecnologia, impedindo-os de tornarem-se países tecnologicamente desenvolvidos e independentes. Essa situação ocorre com a maioria dos países em desenvolvimento, por não possuírem certas condições necessárias ao desenvolvimento tecnológico. A importação de tecnologia, portanto, não garante única e exclusivamente que o país importador progrida e se desenvolva tecnologicamente. Isso vai depender de algumas condições prévias que variam de país para país, podendo ser referente à disponibilidade de capitais, infraestrutura, investimentos em educação e até mesmo fatores culturais, que determinaram ou não se o país terá condições futuras de progredir científica e tecnologicamente. Mesmo assim, a importação de tecnologia se tornou uma prática muito comum, por ser o meio mais fácil de adquirir as novas tecnologias. Por isso, segundo Rangel (1982), a grande maioria dos países torna-se primeiramente importador de tecnologia, para anos mais tarde se desenvolver e se tornar um produtor de tecnologia. A importação de novas tecnologias compreende dois processos completamente distintos, mas muitas vezes confundidos entre si conceitualmente, isto é, a incorporação e a transferência de tecnologia. A princípio, os dois processos são muito parecidos, pois ambos tratam de aquisição de tecnologia pela importação, porém em situação e grau diferenciados. A importação de tecnologia através da incorporação acontece pela simples compra de produtos manufaturados dos países desenvolvidos e/ou pelo advento deles no estágio final na 33 produção de outro bem. Isso acontece, principalmente, com os países em desenvolvimento, por não possuírem uma indústria de base consolidada e necessitarem importar produtos industrializados ou maquinaria para produção de produtos finais destinados ao mercado interno e externo. Conforme Rangel (1982, p. 96), esta era uma das únicas saídas a estes países, [...] dado que a tecnologia engendrada pelos países de vanguarda era um insumo obrigatório, ainda que não explícito, dos produtos finais, a princípio, e intermediários, mais recentemente [...]. Este processo ocorre principalmente com países em desenvolvimento, que ainda possuem somente uma indústria infante e, muitas vezes, nem apresentam indícios de uma indústria de base, importando geralmente tecnologia para incorporar à produção de bens não-duráveis ou semi-duráveis. Já a importação de tecnologia através da transferência ocorre quando a tecnologia, aqui entendida como conhecimento ou know how e não somente como mercadoria, é repassada por completa a seus importadores. A transferência compreende que a tecnologia deverá ser totalmente absorvida à produção do importador, o qual dominará toda a técnica empregada desde o estágio inicial da produção até o produto final. Em outras palavras, os que transferem a tecnologia repassam todo o seu conhecimento para que os receptores aprendam desde o estagio inicial e dominem tal tecnologia. Este processo difere da incorporação em razão da questão do domínio tecnológico, já que na incorporação o importador somente importa a tecnologia desenvolvida por outros e a incorpora na sua produção, ficando ainda dependente das novas tecnologias dos centros produtores. Além disso, o importador no caso da incorporação ainda necessita de investimentos em recursos humanos, manutenção, assistência técnica, franquias, etc. Já na transferência tecnológica, a tecnologia é repassada por completa e, apesar de muitas vezes ser obrigatório o pagamento de franquias ou royalties, não representa tanta dependência em relação ao caso anterior. Aqui, desde a assistência técnica, a manutenção dos equipamentos e o treinamento de recursos humanos podem ser feitos a partir das próprias indústrias receptoras desta tecnologia. A transferência de tecnologia é feita, principalmente, por países em desenvolvimento, mas que já possuem uma indústria de base consolidada e estão buscando modernizar seu parque industrial, principalmente para os setores de produção de bens de consumo duráveis e bens de capital. 34 Neste processo de incorporação de tecnologia ocorre um outro processo evolutivo paralelo, ou seja, a evolução do status de importador pela incorporação de tecnologia ao de importador pela transferência de tecnologia. Diante disso, uma indústria ou um país passa de um simples importador de tecnologia incorporada para um importador de tecnologia em estado puro. Começa então a desenvolver suas próprias tecnologias a partir das experiências e conhecimentos acumulados pela importação ao longo dos anos. Por isso, diz-se que primeiramente um país torna-se importador de tecnologia, para então se tornar um produtor dela. (RANGEL, 1982). A partir deste ponto, chega-se finalmente ao último modo de aquisição de tecnologia, que é o próprio desenvolvimento dela. O desenvolvimento de tecnologia é um longo processo que depende de muitas variáveis e que não estão presentes em todos os países do mundo. Por isso, a dificuldade de desenvolver ou produzir tecnologia somente por esforços próprios. A produção de tecnologia depende de várias condições, que se não forem atingidas, dificilmente um país se tornará um pólo produtor. Entre estas condições destacam-se a disponibilidade de recursos naturais, a capacitação de mão-de-obra, a acumulação de capitais, a existência de investimentos privados e públicos em infra-estrutura, educação de boa qualidade e ciência, entre outros. Os países que desenvolvem tecnologia passaram por grandes transformações em suas estruturas econômicas, políticas e sociais até atingir tal status. Países como Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos e Japão só chegaram neste patamar depois de superar todas as etapas e possuir todas as condições necessárias. A acumulação de capitais pode ter desempenhado um papel importante neste processo, mas não somente um fator por si só pode fazer com que sejam superadas todas as etapas. Por isso, investimentos em educação geral e técnica, qualificação dos recursos humanos, ciência e tecnologia (C&T), pesquisa e desenvolvimento (P&D) são essenciais e determinantes para um país que tenha como objetivo tornar-se um país tecnologicamente desenvolvido, além de beneficiar diretamente o seu desenvolvimento econômico e social. 1.3 A Teoria dos Ciclos Econômicos Depois das análises do desenvolvimento econômico e da tecnologia, ainda permanece uma pergunta: como surgem tantas inovações tecnológicas nas mais diferentes indústrias e em tão 35 pouco tempo? Alguns estudiosos apontam para a teoria dos ciclos econômicos, a qual foi elaborada primeiramente pelo economista russo Nikolai D. Kondratieff em 1922 e aperfeiçoada pelo economista austríaco Joseph A. Schumpeter em 1939. Ambos partem do seguinte pressuposto: “Inovações tecnológicas [...] estão relacionadas com os movimentos cíclicos da economia mundial e com o processo de concentração de capital [...].” (RATTNER, 1988, p. 2). Sobre a teoria dos ciclos econômicos, afirma Benko (1999, p. 25): Baseando-se numa análise dos movimentos dos preços de atacado em vários países industrializados, ele [Kondratieff], propôs uma cronologia das flutuações longas (´ondas longas`- long waves) que caracterizam a evolução dessas economias desde a Revolução Industrial. Com periodicidade de cerca de cinqüenta anos em média, esses ciclos trazem o nome de seu descobridor, ‘Kondratieff’. Cada um deles compreende uma fase ascendente e uma fase descendente. A teoria de Konfratieff e Schumpeter não teve muita repercussão inicialmente, a não ser entre os seus críticos. Tanto no mundo socialista quanto no capitalista, a teoria dos ciclos econômicos foi rechaçada, pois, segundo seus críticos, especialmente os economistas neoclássicos, ela não apresentava argumentos suficientes que comprovassem a existência e a representação da economia mundial em ciclos longos. Por isso, somente anos mais tarde com o aperfeiçoamento da teoria por Schumpeter, ela foi retomada e reconhecida como verdadeira por economistas de todo o mundo, principalmente por destacar “[...] o papel central desempenhado pela inovação tecnológica na dinâmica do sistema econômico.” (BENKO, 1999, p. 26). Schumpeter elabora um modelo, explicando que quando ocorre a completa difusão das inovações anteriores, o lucro líquido é nulo. Diante desse estado de equilíbrio, os empresários são estimulados a inovar. Se ocorrer uma pressão geral, isso pode resultar em inovações revolucionárias, ou seja, aquelas que estabelecem complementariedades entre produtos, processos de produção e espaços geográficos. Ocorre, assim, uma expansão geral do investimento e a economia entra em longa fase de ascensão, contribuindo à difusão dos novos produtos e suas técnicas para um vasto conjunto de empresas e consumidores. A partir daí, entretanto, as rendas iniciais começam a cessar, pois, ao atingir certo limite, a ação dos imitadores é tanta que gera um completo saturamento, desestabilizando as formas anteriores de concorrência. Dessa forma, ou seja, endogenamente, o ciclo ascendente se renova, porém o investimento diminui naturalmente e a taxa de lucro líquido tende a anular-se. (BENKO, 1999). 36 Segundo a teoria dos ciclos econômicos, o sistema econômico mundial está relacionado com as ondas largas, que compreendem desde a fase de crescimento ou expansão deste sistema até sua fase de depressão e, em seguida, recessão. Diante disso, essa análise descreve um ciclo econômico vicioso, isto é, ele parte do mesmo ponto de sua chegada, porém o momento de partida será diferente do de chegada dando ao ciclo novas e diferentes características. Assim, um ciclo econômico é caracterizado pela fase de ascensão econômica até atingir seu ponto de equilíbrio entre a oferta e a procura, quando a tecnologia anterior já foi completamente difundida e copiada. A partir daí, o consumo e produção não conseguem se autoregular. O consumo cai primeiramente e a produção, até aqui crescente, começa a cair também, afetando todo o sistema. Os investimentos caem, a inovação cessa, o desemprego aumenta e a crise se generaliza. Esta fase é caracterizada pela fase de depressão da onda ou do ciclo econômico, quando o consumo e a produção caem constantemente. Segundo Schumpeter (1982), começa a aparecer a pessoa do empresário inovador, que busca na crise a oportunidade de voltar a crescer. E a crise se aprofunda e a economia chega numa fase de recessão, que culmina na pior fase do ciclo econômico. A oferta e a demanda estão muito baixas, praticamente nulas. Entretanto, são nas fases de recessão que surgem as maiores inovações no setor produtivo. Os empresários inovadores entram em ação e introduzem a inovação tecnológica em processos e produtos, dando impulso para o surgimento de um novo ciclo econômico. Durante o período da crise, ou seja, quando ocorre o desequilíbrio da conhecida lei da oferta e da procura, chega-se ao ponto da “destruição criadora”, que segundo Schumpeter e seus sucessores, seria condição necessária para um novo surto tecnológico e, conseqüentemente, a um novo ciclo econômico. Neste ponto, as inovações produzidas pelos empresários inovadores já foram apropriadas pelos empresários imitadores e totalmente difundidas em todas as atividades econômicas, iniciando-se um período de depressão. E, a partir daí, inicia-se um novo processo de inovações, que resultará num novo ciclo econômico provavelmente com maiores inovações tecnológicas. (BENKO, 1999). Segundo os estudos de Kondratieff, o sistema capitalista historicamente pode ser dividido em quatro diferentes ciclos longos de mais ou menos cinqüenta anos cada um, envolvendo as fases ascendente (ou fase “a”) e descendente (ou fase “b”). Cada ciclo longo pode ser relacionado com alguns dos mais importantes fatos do capitalismo mundial, especialmente evoluções ou 37 descobertas técnico-científicas e outros eventos políticos e sociais como guerras ou revoluções, que se constituem etapas da evolução capitalista. Dessa maneira, conforme os estudos iniciais de Kondratieff e os complementares de Schumpeter, pode-se sistematizar um quadro com os diferentes ciclos, fases, durações e fatos importantes ao capitalismo contemporâneo. Os ciclos longos do sistema capitalista Ciclo Longo 1º Fase “a” Duração 1790 - 1815 Evento(s) Importante(s) Primeira Revolução Industrial (Reino Unido) “b” 1815 - 1847 Difusão de Inovações 2º “a” 1847 - 1873 Novas Invenções “b” 1873 - 1896 Segunda Revolução Industrial (Alemanha, França e EUA) 3º “a” 1896 - 1920 Revolução Russa e Primeira Guerra Mundial “b” 1920- 1948 Crise de 1929 e Segunda Guerra Mundial 4º “a” 1948 - 1973 Primeiro Choque do Petróleo e Novas Invenções “b” 1973 - ? Segundo Choque do Petróleo e Terceira Revolução Industrial (Alemanha, EUA e Japão) Fonte: Adaptação de Rangel (1982); Araújo Junior (2002). No início do século XX, surgem grandes eventos mundiais que marcaram profundamente toda a estrutura do capitalismo mundial. Entre eles destacam-se as duas guerras mundiais, a Primeira (1914-1918) e a Segunda (1939-1945), a quebra da bolsa de valores de Nova York em 1929 e a grande recessão econômica dos anos 30. Neste período, As competições entre empresas e as disputas entre potências econômicas estabelecidas e emergentes acabaram provocando tensões políticas e militares, tornando a primeira metade do século XX um período de extrema instabilidade [...]. (MOTOYAMA, 2004, p. 194). Diante disso, vemos que o ciclo econômico mundial está na sua fase mais crítica, ou seja, a recessão. Justamente neste ponto surgem as inovações tecnológicas necessárias para que o 38 crescimento seja retomado, como o foi a partir do final da década de 1930. No período entre as duas Grandes Guerras, a atividade econômica nos países centrais do sistema capitalista, com algumas poucos exceções, mantinha-se em níveis muitos baixos, porém isso não significava que a ciência e a tecnologia não estivessem acumulando pré-condições para o surgimento de uma fase repleta de inovações tecnológicas. (RANGEL, 1982). No decorrer da década de 1930 e 1940, ocorre portanto a retomada do crescimento econômico mundial em função principalmente do esforço de guerra, saindo da fase de recessão para a fase de ascensão do ciclo longo. Nela, as inovações tecnológicas produzidas na fase anterior, ou seja, durante a recessão, começam a difundir-se em larga escala. O crescimento econômico mundial conheceu uma fase de ascensão de cerca de 30 anos, beneficiando principalmente as grandes potências mundiais ganhadoras da Segunda Guerra Mundial, ou seja, Estados Unidos e União Soviética, e possibilitando também que países periféricos como Brasil e Índia iniciassem seu processo de industrialização e desenvolvimento econômico. Entretanto, a partir dos anos 70 e principalmente nos anos 80, o capitalismo mundial entra em crise, aprofundada pelas constantes crises do petróleo e das novas tendências estruturais do novo período da economia mundial, que estava sendo cunhado. O enfraquecimento do Fordismo e a desaceleração do crescimento econômico nos anos 70 e 80 se refletem profundamente até hoje. Novos processos oriundos desta nova fase do capitalismo mundial surgem, como por exemplo, [...] a passagem dos mecanismos monopolistas [...] para os mecanismos concorrenciais, contribuiu na manutenção do crescimento e foi uma das principais razões que permitiram evitar uma estagnação como [...] nos anos 30 (BENKO, 1999, p. 114). Além desse, outro novo processo, que Rattner (1988) destaca, é a internacionalização das atividades econômicas mundiais comandadas pelos grandes conglomerados transnacionais, por causa de suas altas concentrações de capital e de tecnologia. Como Motoyama (2004, p. 194) destaca, [...] é importante ressaltar que, em função de uma série de fatores de natureza política e econômica, o desencadeamento desse processo acabou contribuindo para gerar novas contradições no mundo capitalista. Formaram-se grandes conglomerados industriais como a Du Pont, General Motors, I. G., Siemens, Mitsubishi, Shell, entre outros, que ultrapassaram barreiras dos territórios nacionais para vender seus produtos no mercado internacional, ou mesmo exportar capitais e instalar filiais, assinalando a passagem da hegemonia do capital industrial para o financeiro. 39 Como sabemos, os conglomerados transnacionais estão presentes e ainda dominam grande parte da economia e das inovações tecnológicas mundiais. Entretanto depois da crise dos anos 70 e 80, caracterizada pela crise dos modelos taylorista e fordista, vemos uma nova tendência na economia mundial, isto é, a adoção de um novo modelo capitalista de produção em substituição aos anteriores Taylorismo e Fordismo. Trata-se do Toyotismo, visto que [...] a demanda por bens produzidos em série estagnou num período em que os mercados nos países adiantados estavam saturados e no momento em que os consumidores procuravam bens mais diversificados e apelavam para uma concepção mais elaborada. Nessa conjuntura, empresas menores e mais flexíveis que fabricavam e ofereciam bens e serviços diversificados, que empregavam mão-de-obra qualificada, começaram a tornar-se competitivas e deixavam pressagiar novo modelo de desenvolvimento denominado especialização flexível (BENKO, 1999, p. 115). O Toyotismo surge no Japão na década de 1930, quando a fábrica de automóveis da Toyota estabelece um novo modelo produtivo baseado na flexibilização não somente de processos ligados à produção, mas também de outros ligados à administração e ao funcionamento em geral das empresas. O modelo caracteriza-se ainda pela adoção de políticas e programas inovadores, como por exemplo o just-in-time, a terceirização, o aperfeiçoamento logístico e outros de melhoria de qualidade dos produtos e dos serviços prestados, visando aumentar a produtividade, a competitividade das empresas para que elas possam, além de lucrar mais, conquistar maiores parcelas de um mercado internacional altamente concorrido. Seguindo esses novos conceitos de produção e de administração, a empresa Toyota desbancou as grandes fábricas automobilísticas dos EUA na década de 1970, quando ela penetrou no país e conquistou boa parte do mercado norte-americano com automóveis diferenciados e de alta qualidade, em comparação com os automóveis norte-americanos fabricados em série e destinados ao consumo em massa conforme os conceitos fordistas e que não atendiam as reais necessidades dos consumidores. Inicialmente, a invasão de carros japoneses fez com que as fábricas norteamericanas General Motors e Ford perdessem muito do grande mercado interno dos EUA, obrigando-as a adotar posteriormente também técnicas e processos inovadores mais flexíveis para reconquistar o mercado anos mais tarde. Neste ponto, vale salientar que sem a difusão tecnológica ocorrida nas últimas décadas seria impossível tal fenômeno. Diante disso, empresas menores e com uma estrutura organizacional e produtiva mais flexíveis adequaram-se às novas tendências mundiais de 40 consumo e se beneficiaram das novas tecnologias, em parte, difundidas pelos grandes conglomerados industriais e, em parte, desenvolvidas por elas mesmas através de um significativo investimento em pesquisa e desenvolvimento. Aqui vale ressaltar que, geralmente, a tecnologia é um bem muito caro, não sendo possível sua aquisição por todas as pequenas empresas. Razão pela qual, o mercado mundial da tecnologia ainda está concentrado nos domínios dos grandes conglomerados transnacionais. Mesmo assim, como a tecnologia não é um bem de um único dono, sua difusão é real e sem espaço temporal ou geográfico determinados para acontecer. Neste novo contexto mundial, isto é, a chamada Era da Informação, é que se destacam os principais meios de difusão tecnológica conhecidos atualmente, ou seja, a transferência, a incorporação e o desenvolvimento de tecnologia. Neste capítulo, pôde ser visto desde a evolução do pensamento econômico acerca do desenvolvimento econômico até a importância da tecnologia e suas inovações neste contexto. A interrelação entre o desenvolvimento econômico e a tecnologia foi também destacada especialmente pela teoria dos ciclos econômicos, atribuindo à tecnologia uma importância vital no desenvolvimento econômico de um país e na evolução do sistema capitalista mundial. No próximo capítulo, a Alemanha, vista como referência tecnológica mundial será o principal tema abordado. Iniciar-se-á com uma breve histórica econômica e industrial do país até o seu surpreendente nível tecnológico alcançado com o passar dos anos, o que tornou a Alemanha um centro produtor e difusor de tecnologia mundialmente reconhecido e referenciado. 41 2. A Alemanha como Referência Tecnológica Mundial A Alemanha se apresenta hoje como um dos principais países do mundo, merecendo destaque nos mais diversos campos do cenário internacional. Tanto sua economia quanto sua política, desenvolveram modelos de atuação que colocam o país num patamar muito elevado e que servem como referência a outros países. Entre as áreas de destaques internacionais do país estão a indústria, o transporte, a logística, a educação, a ciência e a tecnologia. Todos estes pontos evidenciam a Alemanha como referencial nestas áreas, dentre as quais a ciência e tecnologia são destaque especial e, além de seu peso econômico e político, colocam o país no topo dos países mais desenvolvidos do mundo. Todos sabemos, entretanto, que o caminho percorrido pela Alemanha até chegar a este nível foi muito tortuoso e, portanto, com muitas dificuldades. Entretanto, ele foi percorrido num prazo relativamente curto, ou seja, em menos de dois séculos o país superou vários obstáculos para se tornar um fenômeno mundial. Nenhum outro país do mundo passou pelas circunstâncias que a Alemanha passou, especialmente em função da destruição total e das graves e profundas conseqüências causada pelas duas Grandes Guerras. Mesmo assim, o país demonstrou uma força inacreditável para transpor todas as barreiras, obter o êxito e figurar entre as grandes potências econômicas mundiais da atualidade. O desenvolvimento econômico alemão, enquanto país industrializado, pode ser entendido a partir da segunda metade final do século XIX, ou seja, durante a Segunda Revolução Industrial. Não que antes a Alemanha não tivesse desenvolvido algumas atividades industriais, mas, especialmente a partir desta época, o país realmente prospera e atinge seu desenvolvimento econômico, o qual servirá de base ao progresso científico e tecnológico alcançado nas décadas posteriores. Portanto, a análise abrangerá desde os primórdios da industrialização alemã no início do século XIX, passando pela Segunda Revolução Industrial até chegar na atualidade, retratando o rápido desenvolvimento do seu avançado estágio tecnológico e econômico no mundo atual. 42 2.1 Os Primórdios da Industrialização Alemã Antes de analisar e para melhor entender como se deu o desenvolvimento industrial e econômico da Alemanha, vale ressaltar um fato importante ao país: a Alemanha, tal como a conhecemos hoje, é fruto da unificação do país ocorrida somente em 1871. Antes disso, existiam apenas os Estados-alemães, ou seja, eram aqueles Estados de origem étnica predominantemente germânica3. Desde a antiguidade, os povos germânicos estavam organizados em pequenos Estados ou principados, nos quais cada um deles possuía seu governo, seu dialeto, seus costumes etc. Portanto, antes do final do século XIX, a Alemanha era constituída por vários pequenos Estados absolutistas, impedindo por muito tempo que o país se organizasse para desenvolver sua economia como um todo. As tentativas de unificação não foram poucas, porém quase não apresentaram êxitos significativos. Somente a partir do século XI, o então Império Romano-Germânico começou a livrar-se da influência de Roma, que vinha desde o Império Romano e depois com a Igreja Católica Romana. No entanto, com tal acontecimento, a divisão territorial do Império foi inevitável e a partir do século XII ocorre o surgimento de vários novos pequenos Estadosalemães. Estas forças desagregadoras no seio do Império impediam a formação de um Estado Nacional alemão, enquanto o movimento pela unificação de Estados nacionais já havia iniciado em outros países da Europa. Esta desagregação é considerada, por muitos estudiosos, um dos principais elementos que fizeram com que a Alemanha se tornasse uma país de industrialização tardia, se comparado com Inglaterra e França. 3 A maioria dos Estados-alemães possuía somente etnias pertencentes da grande família de povos germânicos, que incluía os boêmios, os borússios, os bávaros, os anglo-saxões, os turíngios, etc.. Desde os tempos do Império Romano, esses povos são conhecidos, porém todos eram chamados de bárbaros por não cultuar a cultura e os costumes romanos. Todos eles possuíam costumes e formas de organização social muito semelhantes, além dos traços culturais e lingüísticos muito próximos. Essas questões foram cruciais séculos mais tarde durante a Unificação da Alemanha em 1871, pois procurava-se manter e reunir todos esses povos germânicos sob um único território a partir da formação de um único Estado Nacional, ou seja, o Império Alemão. No final, a Prússia e a Áustria, os dois maiores Estados-alemães, travavam intensas disputas políticas para decidir de como se daria a unificação alemã. Além de defender seus interesses políticos e econômicos frente a Áustria, a Prússia queria inicialmente reunir todos os Estados-alemães e formar a grande Alemanha sob sua hegemonia. Esse era o mesmo desejo austríaco. Como se sabe, a Prússia viu-se obrigada a optar pela pequena Alemanha, ou seja, uma Alemanha sem a Áustria. Uma das alegações prussianas foi devido a questões culturais, pois a Áustria na época fazia parte do Império Austro-húngaro e possuía outras etnias sob seu território, como os próprios húngaros e outros povos eslavos, não abrindo mão dessa situação frente um Império Alemão. Foi quando a Prússia declarou guerra à Áustria e a eliminou de vez do contexto alemão. 43 Além disso, outros importantes acontecimentos dificultavam a unificação alemã: a Reforma religiosa idealizada por Martinho Lutero, dividindo os povos germânicos religiosamente em católicos e protestantes a partir do século XVI; a Guerra dos Trinta Anos (1618 – 1648) desencadeada por motivos políticos e religiosos entre católicos e protestantes no século XVII, arrasando várias regiões da Alemanha e dizimando vários de seus povos; a Paz de Vestefália (1648) que causou ainda mais divisões políticas e territoriais chegando a cerca de 360 pequenos Estados-alemães; e as constantes disputas territoriais e de poder no século XVIII entre os Estados-alemães e outras potências, particularmente entre Prússia, Áustria e França. (PERFIL DA ALEMANHA, 2000). A partir do século XVIII, as cidades tornaram-se centros do poder econômico, surgindo nesta época a burguesia comercial urbana na Alemanha; apesar de que o campo, ou seja, os grandes proprietários agrários ainda detinham uma significativa influência na política e economia. Por seu lado, as cidades se beneficiavam sobretudo do comércio, cada vez mais florescente e que transformava cada vez mais numa economia monetária a região que hoje compreende a Alemanha. O feudalismo estava iniciando seu processo de decadência na Alemanha, enquanto outros países da Europa, desde o século XVI, já passavam por esta transformação. Nos setores da indústria têxtil e da mineração surgiam novas formas de economia que ultrapassavam o corporativismo artesanal e, juntamente com o comércio com regiões distantes, já formavam feições pré-capitalistas. Por outro lado, a política econômica mercantilista fortalecia economicamente os Estados absolutistas, dentre os quais merecem destaque a Baviera, a Prússia, a Saxônia, Hanover e a Áustria. (PERFIL DA ALEMANHA, 2000). Com a ocupação francesa nos territórios germânicos logo após a Revolução Francesa (1789), Napoleão estendeu sua área de influência e dominação sob boa parte da Alemanha. No entanto, esta ocupação fez com que surgisse um grande ressentimento contra a França, particularmente pela Prússia e Áustria. Paralelo a este processo político, iniciava-se um desenvolvimento econômico moderno, ainda que a passos lentos e que contrariava as tendências reacionárias. Quando em 1806 a Prússia é derrotada em Iena pelos franceses e apesar da dominação francesa de boa parte da Alemanha, os prussianos tenderam a um processo de renovação política e econômica. Dessa forma, foi promovida pela monarquia prussiana uma reforma agrária e o início de uma política econômica mais liberal. (KEMP, 1985). A reforma agrária contribuiu para transformar a estrutura agrária do 44 país, eliminando os últimos resquícios do feudalismo e colocando a agricultura sob o modo de produção capitalista. Os trabalhadores rurais, antes servos, tornaram-se agora trabalhadores livres e assalariados, aumentando a produtividade agrícola alemã, impulsionando o consumo e criação de um mercado interno e de uma economia monetária na Alemanha. Como Kemp (1985, p. 105) destaca: Embora não fosse essa a sua intenção, a emancipação dos servos contribuiu para preparar o terreno para a industrialização. Estavam lançados os fundamentos para o crescimento de uma força de trabalho livre e para a integração [...] camponesa e da propriedade do senhor da terra numa economia de mercado. A mobilidade pessoal, a divisão do trabalho e a ênfase na obra individual que o capitalismo exige teriam sido impossíveis sem uma reforma do velho sistema agrário. Com a prosperidade de um sistema agrário reorganizado a partir de 1815, devido à expansão da procura por produtos agrícolas tanto interna quanto externamente, ocorre um relativo aumento da qualidade de vida da população, que, combinada com outros fatores, impulsionou um robusto crescimento demográfico. Como essa revolução, segundo Kemp (1985, p. 109), “[...] começou num país [...] predominantemente agrícola, mas, dada a presença de outras condições favoráveis, deve ser visto como favorecendo a industrialização a longo prazo.[...]. Criava-se uma reserva de trabalho para a indústria [...].” Claro que somente em algumas regiões, este processo contribuiu à eliminação total do feudalismo e à criação das bases capitalistas necessárias para o desenvolvimento da economia alemã. Nesta época, a Prússia e a Áustria despontavam como os dois maiores e mais fortes Estados-alemães. Com a junção de ambas as forças, conseguiram expulsar as tropas francesas e já em 1815 fundaram a Confederação ou Liga Alemã. Por muitos anos, a Liga se constituiu num novo esforço dos povos germânicos pela unificação num único Estado livre e soberano. Ela era, entretanto, uma união pouco coesa dos Estados-alemães, pois sua capacidade de ação somente era possível quando os dois grandes, Prússia e Áustria, entravam em acordo. Além disso, havia ainda uma grande irregularidade no desenvolvimento econômico entre as diferentes regiões de uma Alemanha politicamente dividida, pois vigoravam várias divisões administrativas politicamente independentes. Ainda no campo político, o Congresso de Viena (1814-1815) se reúne para redefinir o mapa político da Europa depois da derrota de Napoleão e o fim de seu reinado europeu. Com isso, ficaram estabelecidos cinco grandes pólos de poder: Inglaterra, França, Rússia, Áustria e 45 Prússia, equilibrando os poderes político, econômico e militar na Europa. Para a Alemanha, ainda separada, o Congresso de Viena trouxe um importante benefício, ou seja, a junção de pequenos Estados em outros maiores. Dessa forma, a Alemanha, que antes era um emaranhado de cerca de 360 pequenos Estados, passa a contar com exatos 35 Estados maiores e mais fortes e quatro Cidades-Estados livres (Bremen, Frankfurt, Hamburgo e Lübeck), visando justamente à manutenção da segurança interna e externa da Alemanha, da independência e da invulnerabilidade de cada Estado-alemão.4 Portanto, até aqui não se pode dizer que havia na época uma economia nacional na Alemanha e os motivos eram vários: a fragmentação, a fragilidade política e econômica dos pequenos Estados; a burocracia estatal e as fidelidades locais; o grande predomínio de uma economia de camponeses e pequenos artesões; a falta de facilidades de transporte entre as diferentes regiões; os interesses imutáveis das classes dominantes da sociedade (proprietários de terras, dirigentes, funcionários e chefes das guildas, aristocracia e alguns setores dos governos estatais) que sempre se oporam à mudança; e o desconhecimento pela Alemanha dos reflexos da revolução comercial dos séculos XVII e XVIII, refletido na insignificante participação alemã no comércio internacional se comparado com Grã-Bretanha, Holanda ou França nessa época. (KEMP, 1985). Essa era portanto a situação da Alemanha no início do século XIX: politicamente conservadora e desunida, economicamente distinta, institucionalmente autocrática e burocrática, e socialmente desorganizada e injusta. Diante dessa situação e com o fracasso da Liga Alemã, a Prússia, cada vez mais forte, decide tomar a dianteira rumo à unificação política e econômica da Alemanha. Já que a Liga não deu certo devido às disputas pelo maior poder entre Áustria e Prússia e, na qual, a predominância incontestável era austríaca, a Prússia aposta numa nova forma de organização econômica e política aos Estados-alemães e cria a Zollverein, ou seja, uma união aduaneira que reuniu 18 Estados-alemães e atingiu 25 milhões de pessoas em 1834. (SOUZA, 1999). A intenção prussiana era com ela intensificar o intercâmbio comercial e contribuir a uma maior integração econômica e política entre os Estados-alemães, isolando de vez a Áustria e sua possibilidade de fazer parte de um possível Estado nacional alemão. Seguindo as necessidades de se desenvolver economicamente e de se integrar definitivamente ao sistema capitalista vigente, com a Zollverein a partir 1834, a situação 4 Didaktisches Begleitmaterial. Disponível em: 46 econômica alemã começa a se transformar. Esta ação representou a sonhada criação de um mercado nacional uniforme alemão e também se tornou o primeiro grande impulso à integração do país. Nesse sentido, a Zollverein aboliu as várias barreiras alfandegárias e com elas as cobranças de vários impostos às mercadorias que circulavam entre os diversos Estados-alemães e ainda estabeleceu elevadas taxas a produtos estrangeiros. Com isso, mercadorias, pessoas e capitais passaram a circular mais facilmente entre as fronteiras entre os Estados-alemães, incentivando o comércio interno, protegendo o mercado interno alemão da concorrência externa e facilitando ainda mais a integração nacional. No entanto, faltava algo mais. Com o aumento significativo do comércio entre os Estados após a criação da Zollverein, a necessidade da melhoria na infra-estrutura torna-se evidente, principalmente no que se refere à melhoria dos transportes para facilitar a circulação de mercadorias e integrar todos os territórios alemães. Nesse contexto, em 1835 foi construída a primeira estrada de ferro na Alemanha, constituindo-se no impulso inicial à industrialização alemã. Se por um lado a Zollverein foi o impulso essencial à integração do país, por outro, a construção de ferrovias o foi à industrialização alemã. Para a melhoria e investimento em transportes, a obtenção de capital estrangeiro tornou-se essencial, como destacado por Kemp (1985, p. 116). O capital estrangeiro era importante, não tanto pelo seu valor total, mas mais porque era canalizado para as empresas mais modernas e vanguardistas, onde o capital interno podia ficar atemorizado dados os altos riscos. Era amiúde acompanhado por empresários estrangeiros que levavam consigo a tecnologia avançada, como a mineração em profundidade ou a produção de ferro com carvão de coque, tecnologias tão necessárias eram para dar o empurrão inicial à industrialização alemã. A construção do caminho de ferro e a indústria pesada eram os principais sectores captadores de capital estrangeiro, atraído pelos lucros potencialmente elevados. A melhoria nos transportes nos Estados-alemães apontou ao transporte ferroviário como o mais viável e adequado por várias razões. O transporte rodoviário de longa distância era praticamente inexistente e de custo muito alto. Já o transporte fluvial, apesar de estar desenvolvido e utilizado há séculos na Alemanha, apresenta limitações geográficas, impedindo ligações entre as diversas regiões. Por outro lado, a construção de estradas de ferro representava um produto da tecnologia industrial avançada e que podia ser introduzido em países relativamente atrasados como a Alemanha através de financiamentos estrangeiros, utilizando <http://www.ilch.uminho.pt/kultur/Didaktik%20Begeleitmaterial%20index.htm>. Acesso em: 10 janeiro 2005. 47 capital, material e engenheiros importados e ainda como um negócio muito próspero. Diante disso, a Alemanha se colocava numa situação privilegiada, permitindo-lhe avançar e saltar rapidamente várias fases no seu desenvolvimento econômico e industrial. (KEMP, 1985). Muitos estudiosos modernos atribuem às ferrovias como a grande “heroína” da industrialização alemã por desempenhar um papel primordial no desenvolvimento econômico, desde os efeitos de demanda pela sua construção como também pelo seu importante fator de integração nacional. A importação inicial de materiais e a adoção de tecnologia britânica na indústria do ferro e da construção de ferrovias incentivaram rapidamente a substituição de importações e o crescimento de engenharia própria alemã a partir de 1840, contribuindo ao fortalecimento econômico interno e, por outro lado, ao aperfeiçoamento na exploração das reservas de carvão nos territórios alemães. Por isso, a ferrovia e a indústria pesada formaram os setores de vanguarda no estágio inicial da industrialização alemã a partir de meados do século XIX, não havendo nessa época nenhum outro setor industrial que tivesse algum destaque econômico na Alemanha. (KEMP, 1985). Este fenômeno aconteceu, pois tanto a indústria têxtil como a de bens de consumo enfrentavam uma forte concorrência com os produtos britânicos, mais baratos e de melhor qualidade. Isso se deve ao auge industrial da Grã-bretanha, que se tornara o país anfitrião da Primeira Revolução Industrial e, conseqüentemente, muito mais avançado tecnológica, industrial e economicamente se comparada com qualquer outro país do mundo. Dessa maneira, a concorrência britânica impedia o desenvolvimento de muitos setores industriais e, por efeito, prejudicava a atração de investimentos externos a tais setores na Alemanha. Somente setores estratégicos e que eram muito atrativos e lucrativos, como foi o caso das indústrias metalúrgica e carbonífera, foram creditadas pelo Estado e/ou de empresários nacionais e receberam investimentos externos, principalmente britânicos e franceses. No campo social, o rápido desenvolvimento econômico e industrial da Alemanha no século XIX passou a alterar significativamente o cotidiano das pessoas e da sociedade em geral. De uma sociedade tipicamente agrária e praticamente feudal, o país passa a se transformar gradativa e profundamente a partir do surgimento das indústrias e da formação das cidades. Nesse novo contexto, o advento da atividade industrial na Alemanha faz surgir novas classes sociais, organizadas segundo seus interesses, condições e necessidades. Uma nova classe social surgida nesse período inicial da industrialização alemã foi a burguesia industrial, formada pelos 48 industriais, isto é, pelos donos dos meios de produção, e que vinham ascendendo forte e constantemente no cenário social alemão. Outra classe social foi a classe média liberal, formada pela decadente burguesia comercial e que agora passa a adotar tendências mais liberais e apoiar a burguesia industrial. E, por último, surge a classe trabalhadora, formada pelos trabalhadores das indústrias e constituíam-se na classe social menos privilegiada na Alemanha, por serem explorados, marginalizados e sem possibilidades de ascensão numa sociedade predominantemente burguesa. 2.2 A Imigração Alemã ao Brasil O aumento da população alemã se dava de forma excessiva devido às melhorias das condições de vida dos alemães e cada vez mais camponeses saíam do campo em direção às cidades, buscando melhores condições de vida nas cidades ao trabalhar nas indústrias. Inicialmente, a industrialização e a urbanização aprovaram o êxodo rural, pois abastecia as indústrias com mão-de-obra barata e em grande proporção. Porém, logo surgem os problemas mais graves por causa desse desequilíbrio populacional na Alemanha. A partir da década de 1820, o êxodo rural intensificou-se muito rapidamente, já que as condições no campo eram precárias. Por isso, muitos migraram às cidades para trabalhar nas indústrias e fugir da fome e da miséria. Até certo ponto, as indústrias continuavam a empregar cada vez mais e mais pessoas, pois a produção industrial estava em expansão. No entanto, como a população estava aumentando de forma excessiva e a maioria dela fugindo dos campos para as cidades, a situação começou a se descontrolar. As indústrias já não absorviam toda essa mão-de-obra excedente, causando verdadeiros inchaços urbanos e aumentando ainda mais pobreza das populações urbanas. Essa crise social na Alemanha, na metade inicial do século XIX, beneficiou os empresários, que aproveitaram a grande oferta de mão-de-obra, que já era barata, para aumentar cada vez mais seus lucros. Assim, eles aumentaram a produtividade e o lucro através da maior exploração da mão- 49 de-obra, proporcionando-lhes condições ideais para aumentar a jornada de trabalho e para manter os salários dos trabalhadores tão baixos5. Durante a primeira metade do século XIX, a Europa no geral e, particularmente, os Estados-alemães passavam por constantes períodos de profundas crises alimentares por causa justamente do crescimento excessivo de suas populações. Os camponeses, dominados pela aristocracia grande detentora de terras, e os trabalhadores urbanos, explorados pela recente burguesia industrial detentora dos meios de produção e capitais, viviam sem as mínimas condições de vida e, para piorar a situação, sob regimes absolutistas desinteressados por estas classes menos favorecidas. Associados com esses fatos, a propaganda na Europa de riqueza fácil nas Américas e a grave situação sócio-econômico da população contribuíram para o aumento de um expressivo contingente de europeus dispostos a imigrar para esse novo continente. Já que diante desse caos, no qual muitas pessoas estavam morrendo por causa das mínimas condições de vida ou das graves epidemias comuns na Europa nessa época, muitas pessoas não tinham outra opção a não ser optar pela imigração para a América, principalmente para países como Estados Unidos e Brasil, que lhes ofereceriam boas possibilidades de melhorar suas condições sócioeconômicas e políticas. (PIAZZA, 1987). Ainda nas primeiras décadas do século XIX, os primeiros fluxos migratórios europeus com destino à América foram compostos por imigrantes de várias partes da Europa, principalmente alemães, italianos e poloneses. No caso do Brasil, a maioria deles destinou-se para as regiões sul e sudeste do país devido a alguns fatores, como: a demanda por mão-de-obra imigrante para trabalhar como trabalhadores assalariados nas plantações de café no caso da região sudeste, já que a mão-de-obra escrava negra já era muito escassa; e a necessidade de povoamento do sul do Brasil, até então pouco povoado e explorado, para garantir a soberania brasileira sobre essas terras e desenvolver alguma atividade econômica na região, integrando-a com a economia nacional. Em 1818 e 1820, foram criadas respectivamente as colônias de Leopoldina e Frankenthal no sul da Bahia, sendo elas as primeiras colônias alemãs no Brasil. A imigração em grande escala ocorreu somente após a melhoria por parte do governo brasileiro das condições concedidas aos imigrantes, particularmente após a promulgação da primeira Constituição do Brasil em 1824, que lhes assegurou alguns direitos e uma política de incentivo à imigração mais específica e melhor 5 Die beginnende Industrialisierung. Disponível em: 50 elaborada. (PERFIL DA ALEMANHA, 2000). Já em 1824, o fluxo migratório aumentou expressivamente e principalmente para a região sul do Brasil, destacando-se a criação das colônias de São Paulo e São Leopoldo no Rio Grande do Sul ainda nesse ano, e a colônia de São Pedro de Alcântara em 1829 na Província de Santa Catarina. Anos mais tarde, principalmente a partir da década de 1850, a imigração alemã continuou e surgiram muitas outras colônias no sul e sudeste do Brasil, principalmente as colônias de Petrópolis no Rio de Janeiro; Blumenau e Joinville em Santa Catarina; e Novo Hamburgo e Nova Petrópolis no Rio Grande do Sul. Entre essas colônias, a maioria prosperou economicamente, por causa principalmente do surgimento da atividade industrial, dado os conhecimentos e experiências profissionais que muitos dos imigrantes dessa época presenciaram durante a fase de industrialização da Alemanha e trouxeram consigo ao Brasil. Entre as colônias, destacam-se Blumenau, Joinville e Novo Hamburgo, que tornaram-se importantes centros industriais brasileiros. 2.3 O Contexto da Unificação Alemã Como a situação sócio-econômica era grave na Alemanha, logo os reflexos da Revolução Francesa (1789) surtiram efeito no país a partir do surgimento e da consolidação das novas classes sociais alemãs, especialmente a burguesia industrial e a classe trabalhadora. Um importante reflexo disso foi quando em 1848 acontece a Revolução Alemã, que procurou estabelecer uma nova ordem de poder e influência entre estas novas classes sociais e os governos autocráticos e conservadores alemães. Por isso, a recente burguesia industrial tomou a dianteira do movimento, já que ela representava a força inovadora e liberal de uma Alemanha em transição. Nesse mesmo sentido, os trabalhadores também buscavam ter mais peso político frente aos governos e empresários, inspirados principalmente pelo famoso Manifesto do Partido Comunista de Karl Marx e Friederich Engels. Entretanto, mesmo com a importância e a profundidade do movimento, a Revolução de 1848 fracassou e o conservadorismo continuou <http://www.lsg.musin.de/Geschichte/gk/industrialisierung.htm>. Acesso em: 10 janeiro 2005. 51 reinando na Alemanha, pois não alterou a estrutura política e, por conseqüência, adiou novamente o projeto de unificação do país. Diante de um conturbado contexto social e econômico, marcado pela luta entre as classes sociais alemãs conforme descrito por Marx, a disputa por maior influência e poder atingiu e dominou o contexto político alemão durante todo o século XIX. E nele, o assunto mais discutido era justamente a questão da unificação da Alemanha, pois nela estava em jogo não somente questões em torno de como ela se daria, mas também questões em torno da disputa pelo poder e hegemonia política, econômica e social dentro de uma nova Alemanha. Os governos da maioria dos Estados-alemães, devido suas tendências conservadoras e sempre em favor dos interesses monárquicos, temiam que a crescente força e influência da burguesia industrial e da classe média liberal passassem a influenciar cada vez mais nas decisões políticas estatais. Por isso, a oposição dos conservadores monárquicos e aristocráticos frente às novas tendências liberais sempre fora muito forte, pois aqueles eram considerados os “acomodados” (os Biedermeier) e procuravam conservar o seu poder enquanto os liberais e inovadores procuravam deter algum poder ou mesmo aumentá-lo. Por isso, a aristocracia, formada principalmente pelos grandes proprietários rurais e por estar muitos anos na esfera política alinhada à monarquia, era contra essas novas tendências liberais e inovadores, sendo automaticamente contra as transformações que defendidas pelo empresariado liberal e inovador como a abertura comercial alemã e o próprio projeto de unificação da Alemanha. A principal razão desse posicionamento retrógrado adotado pela aristocracia era a manutenção desse sistema e de sua hegemonia e influência política na Alemanha. Dessa forma, qualquer tipo de levante ou movimento de organização liberal ou trabalhadora era rapidamente abafado pela monarquia, tal como foi a Revolução de 1848 e outros eventos. Por outro lado, a evolução e a transformação econômica e social da Alemanha tornava-se cada vez mais profunda e real. As novas forças impulsoras da economia alemã, ou seja, as indústrias metalúrgica e carbonífera, tendiam através da ascensão empresários empreendedores e inovadores a influenciar cada vez mais as decisões econômicas e políticas alemãs, para que essa influência se voltasse a seus interesses, ou seja, ao incentivo de suas indústrias e à abertura comercial da Alemanha. A ascensão econômica da burguesia industrial fez com que o empresariado nacional fosse cada vez mais influente no cenário político alemão na metade final do século XIX e passasse a defender a abertura comercial e o projeto de unificação alemã, 52 visando a conquista de novos mercados através da expansão das pretensões políticas da Alemanha. Além disso, a classe média liberal (comerciantes) e a classe trabalhadora também eram favoráveis à unificação alemã por motivos idênticos ao da burguesia industrial, no que se refere à mudança da ordem política na Alemanha. A partir do momento que a aristocracia fosse destituída de seu poder político junto à monarquia, seria possível estabelecer uma nova ordem política numa nova Alemanha. Assim, essas classes sociais em conjunto conquistariam maior poder e influência num novo cenário político que viesse a se formar, podendo beneficiá-las não somente politicamente, mas também social e/ou economicamente. Apesar de que a Alemanha conhecera muitas transformações econômicas, políticas e sociais na sua fase inicial de industrialização, ela possuía até meados do século XIX um perfil ainda diferenciado. “Uma indústria que crescia e avançava rapidamente combinava-se com uma base política arcaica e com uma sociedade ainda dominada por uma classe alta agrária, agarrada a valores pré-industriais”. (KEMP, 1985, p. 120). Somente após a Segunda Revolução Industrial e de sua Unificação no final do século XIX, é que a Alemanha sairá do estágio de país atrasado para se tornar uma das maiores economias entre os países capitalistas. 2.4 Da Unificação Alemã até a Alemanha Atual A metade final do século XIX representou à sociedade alemã uma época de profundas mudanças culturais, políticas e econômicas. Depois da Revolução de 1848, as condições de vida no campo e na cidade continuavam precárias e, diante disso, ocorre a substituição da antiga rivalidade Aristocracia governamental vs. Burguesia Industrial ou Classe Média para uma nova: Burguesia vs. Classe Trabalhadora. Essa rivalidade surge por causa da crescente ascensão econômica, política e social da burguesia industrial e da constante decadência econômica e social dos trabalhadores, além, é claro, da situação miserável em que estes viviam em função da superexploração do trabalho por aqueles. A integração espaço-territorial da Alemanha completa-se com a construção de ferrovias e, após a implantação da Zollverein em 1834, a economia alemã cresce rapidamente, trazendo 53 profundas transformações econômicas e sociais que contribuíram para criar e consolidar uma consciência nacional alemã. Os efeitos da Revolução de 1848 emergem, o que contribuiu na luta interna pela unificação do país e na mudança de conduta dos governos ao iniciar a adoção de medidas liberais na economia dos Estados-alemães. (SOUZA, 1999). No campo político, vemos a continuação de regimes reacionários, autoritários e antiliberais até os anos 1860 na Alemanha, quando a partir daí a influência e a força do empresariado e dos liberais começam a ter mais peso. A liderança entre os Estados-alemães é agora totalmente da Prússia, governada pelo rei Guilherme I, que tinha como idéia fundamental eliminar a Áustria definitivamente da Liga Alemã, já que ela era sempre contrária às opiniões e ao projeto prussiano de unificação. Eliminando a Áustria da Liga, o caminho ficaria livre e sem os obstáculos austríacos que tardavam a almejada unificação alemã. O próximo passo seria anexar à Prússia o restante dos Estados-alemães para a formação de um grande Império Alemão. Em 1866, a Prússia, comandada pelo Primeiro-ministro Otto Von Bismarck derrota a Áustria, pondo fim à Liga Alemã e eliminando de vez os austríacos do projeto imperial alemão. Com duas outras guerras, uma contra a Dinamarca em 1864 e outra contra a França em 1870-71, a Prússia conquistou mais duas importantes vitórias, que moldaram as novas fronteiras do Império Alemão, que surgira ainda em 1871. A formação de um novo Estado-nação, política, militar e economicamente forte, como era a Alemanha em 1871, mexeu com o cenário político europeu e mundial. A Alemanha, que já havia derrotado a França e a Áustria antigas rivais mais fortes, passou a rivalizar agora arduamente com a Grã-Bretanha e com os EUA, visando à liderança político-militar e econômica no cenário internacional. A preocupação britânica e norte-americana não era em vão, já que a Alemanha aspirava a uma política expansionista e poderia interferir com seus interesses políticos e econômicos ou até mesmo desestabilizar a ordem internacional vigente. A anexação de territórios na Europa e a expansão colonialista a alguns países africanos, devido à expansão de suas indústrias e à demanda de matérias-primas, comprovavam tais tendências e as desconfianças britânicas e norteamericanas aumentavam, tanto que passaram a considerar a Alemanha como uma emergente ameaça ao equilíbrio do poderio mundial. Enquanto isso, a economia alemã crescia a níveis relativamente altos após a constituição e integração completa do mercado interno ao externo, importando somente algumas novas 54 tecnologias que o país não possuía e exportando cada vez mais produtos industrializados. Além disso, o forte e rápido crescimento econômico alemão se deve, em boa parte, à política protecionista contra a concorrência estrangeira e à política de melhorias nos transportes fluvial e ferroviário, interligando a Alemanha com a maioria dos países europeus e do mundo. (SOUZA, 1999). O protecionismo econômico adotado pela Alemanha era fruto da aliança tácita entre o empresariado e o governo, já que alguns setores estavam sendo prejudicados pela concorrência estrangeira a partir da abertura comercial iniciada nos anos 1860. (KEMP, 1985). Por outro lado, essa nova aliança entre empresariado e governo não foi bem vista pela classe trabalhadora, contribuindo ainda mais para o acirramento da rivalidade entre empresários e trabalhadores, já que essa nova aliança política não defendia os interesses da classe trabalhadora, e ainda ajudava a manter a classe trabalhadora fora do cenário político na Alemanha. “A Alemanha sobressaiu entre os países europeus ao aproveitara vantagens de ser um industrializado ‘tardio’ em relação à Inglaterra.” (KEMP, 1985, p. 125). Segundo esse autor, este fato pode ser confirmado pela vanguarda tecnológica já no final do século XIX em importantes áreas como: produção em larga escala de aço, alguns ramos da engenharia, da indústria química e da eletricidade. Em plena Segunda Revolução Industrial, a Alemanha foi um dos países mais ativos, no que diz respeito a sua grande capacidade em desenvolver importantes inovações científicas e tecnológicas. Alguns fatores contribuíram para que a Alemanha se tornasse um dos berços dessa Revolução e um destaque industrial e tecnológico mundial, ficando em muitos casos à frente da própria Grã-Bretanha. Entre eles destacam-se: o papel do Estado com um governo preocupado com o estímulo e crescimento da economia; uma indústria de base já consolidada e avançada; a proximidade dos principais países centrais como Inglaterra e França, o que contribuiu para uma melhor difusão dos conhecimentos técnicos e científicos na época; elevados investimentos na educação pública técnica e científica de alta qualidade; uma quantidade considerável de técnicos e cientistas em indústrias avançadas e em renomados institutos científicos e tecnológicos; uma excelente competência administrativa e organizacional nos mais diversos setores; a relativa abundância de capital de alguns setores mais fortes, que era investida no constante aperfeiçoamento tecnológico e científico ou ainda remetida ao desenvolvimento de outros setores da economia menos favorecidos; entre outros fatores. 55 Com os avanços tecnológicos, a agricultura se tornou mais produtiva e importante à econômica alemã. Assim, inicia-se um processo de equilíbrio entre os setores primário e secundário no país, refletindo na diminuição da emigração em larga escala, num menor êxodo rural e num relativo aumento das condições de vida dos camponeses. Segundo Kemp (1985), o campesinato continuou a ser uma importante força social, empregando cerca de 35% da população economicamente ativa em 1914, que produzia em boa parte à exportação e também ao próprio consumo. Os industriais, não lhes bastando o mercado interno protegido, queriam mais e mais novos mercados para absorver a grande capacidade produtiva e que não parava de crescer nas indústrias alemãs. Por isso, junto ao governo, eles passaram a defender uma política expansionista, uma vez que o comércio externo alemão já apresentava uma situação bastante competitiva frente seus concorrentes estrangeiros e cada vez mais a produção industrial alemã ficava dependente das exportações. Tal política, baseada em conceitos imperialistas6, necessitaria da criação de uma frota naval maior e de alto-mar para implantá-la e efetivá-la. Diante disso, o incentivo à indústria naval aliada com equipamentos militares seria uma boa saída à capacidade excedente da indústria pesada da Alemanha. E foi justamente esta a política adotada por Bismarck: o estabelecimento da aliança de interesses econômicos internos com interesses político-militares externos, considerando as ambições do próprio Bismarck de uma futura hegemonia européia e também mundial. Se economicamente, a Alemanha perturbava diretamente a França e a Rússia, devido principalmente às medidas protecionistas alemãs, politico-militarmente o país levantava suspeitas junto à Grã-Bretanha e, mais amplamente, aos EUA. (KEMP, 1985). Como a Alemanha era um dos berços da Segunda Revolução Industrial, todo o conhecimento científico e tecnológico produzido nesse período contribuiu para um considerável 6 Imperialismo, segundo Lênin, é o estágio superior do capitalismo. Ou seja, depois que a economia de um país já se expandiu ao máximo e está dominada por oligopólios (predomínio de um mercado por um grupo de empresas), ela sente-se a necessidade de expandir seus mercados para absorver o excedente de sua produção. Para isso, na defesa de seus interesses políticos e econômicos, muito Estados recorrer para uma política imperialista ou expansionista, utilizando-se muitas vezes de seu poder militar para atingir tal objetivo. Como aconteceu com a maioria das grandes potências mundiais, entre elas a Alemanha, no que se refere à expansão de seu Lebensraum (espaço vital), pois garantia-lhe novos mercados fornecedores de matérias-primas e consumidores de seu produtos industrializados, ou seja, seu excedente de produção. Como se sabe, tal ação da Alemanha gerou muitos choques de interesses e acirrou disputas comerciais entre as potências, deflagrando as Primeira (1914-1918) e Segunda (1939-1945) Guerras Mundiais. “As características básicas do Imperialismo são: exportação de capital, juntamente com a exportação de mercadorias; controle de trustes e cartéis na produção e distribuição; união dos capitais industriais e bancário, dando origem ao capital financeiro; divisão do mundo pelas potências capitalistas em esferas de influência.” (MICHELS, 1998, p. 126). 56 aumento do poderio militar, econômico e tecnológico do país. Nesse sentido, os reflexos à economia alemã foram sentidos principalmente no setor produtivo, pois era nele que se aplicava a maioria desses novos conhecimentos científicos e tecnológicos, criando assim novas interações entre a ciência e a indústria. A maior integração ciência e indústria pôde comprovar tais resultados a partir do aumento significativo da produtividade, das novas técnicas e dos novos produtos que passaram a ser produzidos no país, consolidando a Alemanha como um dos países de maior destaque econômico e tecnológico do mundo. Como a difusão científica e tecnológica ocorria no seu próprio território e na sua indústria, o governo alemão achou conveniente utilizar tais conhecimentos para o fortalecimento de seu poderio bélico, já que para manter seu status de grande potência econômica mundial era necessário haver um considerável poderio militar. “O armamentismo, [e] a produção bélica [...] não podiam deixar de tirar proveito desse estado das coisas, o que representaria, tecnologicamente, um salto qualitativo.” (RANGEL, 1982, p. 130). Frente aos benefícios da ciência e tecnologia, o próprio Estado alemão, que antes propiciou o estabelecimento da maioria dos setores industriais do país, segundo Kemp (1985), passa agora a encorajar algumas atividades industriais que lhes pareçam úteis e que satisfaçam suas necessidades em tempo de guerra. Dessa forma, o Estado alemão passa a incentivar alguns setores industriais estratégicos para a manutenção de sua condição de potência mundial, especialmente nos setores aeronáutico, naval, automobilístico, energético, entre outros. Como destaca Sene e Moreira (1998, p. 25), A Alemanha, por ter se unificado tardiamente (1871), perdeu a fase mais importante da corrida imperialista e sentiu-se lesada, especialmente frente ao Reino Unido e à França. Além disso, como a sua indústria crescia em ritmo mais rápido do que a dos demais países, também se ressentia mais da falta de mercados consumidores. O choque de interesses internos e externos entre as potências imperialistas européias acabou levando o mundo à Primeira Guerra Mundial (1914-1918). E foi justamente este choque de interesses internos e externos entres as potências imperialistas européias que desencadeou tanto a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quanto a Segunda (1939-1945). Os dois grandes conflitos mundiais foram marcados pela enorme destruição e extermínio, atingindo diretamente quase todos os países da Europa e alguns outros países do mundo, como o Japão e os EUA. 57 Por outro lado, não se pode analisar o período de 1918 a 1948 somente como um período conturbado internacionalmente, em especial à Alemanha como um dos centros de todos os importantes acontecimentos mundiais (Crise de 1929 e Primeira e Segunda Guerras Mundiais), mas também como um importante período de desenvolvimento técnico-científico. Conforme a teoria dos ciclos econômicos de Schumpeter analisada anteriormente, esse longo período obscuro e de recessão mundial corresponderia a uma fase “b” de um ciclo longo, durante o qual se produziram significativas inovações técnico-científicas, particularmente na Alemanha. Nessa época, portanto, a ciência passava por constantes e profundas transformações, quando novos temas começam a ser pesquisados e quando surgem importantes descobertas científicas e boa parte delas descobertas por cientistas alemães, como por exemplo o raio-X (1895) de Wilhelm Conrad Röntgen, a cisão nuclear (1938) de Otto Hahn e Fritz Strassmann, as novas teorias como a dos quanta (1900) de Max Planck, a da relatividade restrita (1905) e geral (1916) de Albert Einstein, a nova teoria dos quanta (1925), etc. (MOTOYAMA, 2004). A Alemanha, estando no centro dos dois grandes conflitos mundiais, foi um dos países que mais sofreu com suas conseqüências, ficando totalmente arrasado depois das duas Grandes Guerras. A economia do país ficou desestruturada: grande parte das fábricas e dos campos agrícolas foi destruída; o desemprego atingiu níveis altíssimos; a miséria novamente voltou entre a população. Às relações internacionais contemporâneas, as duas grandes guerras trouxeram como conseqüência profundas transformações ao mundo, especialmente no que se refere à questão do poderio econômico e militar num pós-guerra. A destruição causada pelas duas grandes guerras, segundo Sene e Moreira (1998, p. 29), [...] agravou o processo de decadência das antigas potências européias, que se refere desde o final da Primeira Guerra Mundial. Aos poucos, elas foram perdendo os seus domínios coloniais na Ásia e na África e, com a destruição causada pela guerra, houve o deslocamento do centro de poder mundial com a emergência de duas superpotências: os Estados Unidos e a União Soviética. Era o início da Guerra Fria, o conflito ideológico travado entre os EUA capitalista e a URSS socialista na disputa pela hegemonia mundial. Nesse novo contexto mundial, as antigas potências européias, arrasadas pelas guerras, tinham um papel secundário. Enfraquecidas econômica e militarmente restava-lhes tentar reconstruir suas economias e, para isso, se submeter à esfera de poder e influência de uma ou outra superpotência. 58 A Alemanha, particularmente, teve seu território dividido entre os vencedores da Segunda Guerra: EUA, Reino Unido, França e URSS. Diante disso, o país ficou dividido em duas partes e sob a órbita de influência das duas superpotências: a Alemanha Ocidental ou República Federal da Alemanha (RFA), capitalista e alinhada aos EUA, e a Alemanha Oriental ou República Democrática Alemã (RDA), socialista e alinhada à URSS. Além de objetivar estabelecer novos domínios geopolíticos pelas superpotências, essa medida foi tomada para assistir de perto a Alemanha, evitando que ela recorresse novamente a uma política belicosa e desencadeasse um novo conflito internacional de proporções como os dois anteriores causados por ela, e também visando desestruturar a economia alemã e conter o seu poderio econômico-industrial, mesmo que momentaneamente, abrindo novos espaços econômicos para as duas superpotências. Entre 1949 e 1990, a Alemanha permaneceu dividida em Alemanha Ocidental e Alemanha Oriental, não tendo praticamente relações entre si. Durante esse período, a Alemanha Ocidental, conheceu um rápido e significativo avanço econômico, industrial e tecnológico. O país, antes destruído pelas guerras, iniciou um processo de recuperação econômica, que já nos anos 50 apresentava resultados positivos. Isso foi possibilitado por causa do Plano Marshall, destinado à reconstrução da Europa Ocidental e patrocinado pelos EUA. Além desse objetivo, o Plano Marshall serviu para estabelecer novos aliados e uma área de influência norte-americana, mas também para conter o avanço do socialismo sobre a Europa. Com a injeção de capitais e dólares norte-americanos nas economias da Europa Ocidental, incluindo a Alemanha Ocidental, estes países prosperaram rapidamente e logo voltaram ao cenário político e econômico mundial. Já a Alemanha Oriental, sob influência da URSS, não teve a mesma sorte como a vizinha capitalista. Sua economia foi planificada e os meios de produção coletivizados, prejudicando a recuperação e o crescimento da economia do país. As indústrias logo se tornaram obsoletas e não atendiam adequadamente a demanda e a necessidade de consumo da população. Os investimentos na economia e na indústria eram ínfimos e insuficientes para recuperar e reestruturar a infraestrutura econômica do país após as duas grandes guerras, restando apenas as indústrias de base (metalúrgica, siderúrgica e construção civil) e as de alguns poucos bens de consumo. A sociedade era organizada de uma forma que impossibilitava relevantes ascensões sociais, desestimulando as pessoas que se tornavam acomodadas e sem aspiração empreendedoras ou inovadores. Essa realidade estagnava e prejudicava significamente o crescimento e o desenvolvimento econômico e social da Alemanha Oriental. 59 No cenário econômico internacional, como Sene e Moreira (1998, p. 29) citam, [...] o período do pós-guerra foi marcado por acentuada mundialização da economia capitalista, sob comando dos grandes conglomerados, agora chamados de multinacionais ou transnacionais. Foi o período de profundas transformações econômicas pelas quais o mundo iria passar, principalmente a partir dos anos 80, ou seja, o atual processo de globalização da economia. Esse processo de globalização econômica mundial e de profundas mudanças econômicas e sociais só foi presenciado pela Alemanha Ocidental, já que a Alemanha Oriental se organizava num diferente sistema econômico, social e político e ficava isolada numa esfera pouco progressista e impedida de absorver os novos processos e inovações difundidos pelo mundo ocidental. Por isso, torna-se necessário levar em conta que somente a Alemanha Ocidental participou desses processos e progrediu econômica e tecnologicamente, formando a base que lhe servirá de sustentação ao status de referência tecnológica do mundo atual. Portanto, somente a Alemanha Ocidental será considerada no decorrer desse estudo para análise do processo de industrialização e desenvolvimento econômico e tecnológico, pelo menos até a reunificação da Alemanha ocorrida somente em 1990. Com os investimentos de capitais norte-americanos através do Plano Marshall criado em 1947, segundo Souza (1999, p. 71), o governo da RFA priorizou alguns setores considerados essenciais à economia do país, já que estava impedido de investir no setor bélico, direcionando políticas nesse sentido e investindo fortemente na reimplantação da infra-estrutura física, na educação, na área social, no controle da inflação, na concessão de créditos a juros baixos às empresas, no incentivo ao empreendedorismo e à inovação empresarial, na promoção das exportações e na reestruturação de setores básicos como aço, cimento, transportes, construção civil, alimentos, comunicações, entre outros. Tal postura deu resultados muito positivos já na década de 1950 com a diminuição do desemprego e da inflação, associada com um robusto crescimento econômico e industrial. Isso se deve especialmente à abertura da Alemanha ao capital estrangeiro, pois mais “[...] do que qualquer outro país da Europa continental, a Alemanha abriu-se ao capital estrangeiro e inúmeras multinacionais implantaram-se nesse país, contribuindo decisivamente para a consolidação de seu parque industrial.” (SOUZA, 1999, p. 71). Ainda segundo Souza, as indústrias resultantes desse processo se desenvolveram associadas ao uso do carvão das grandes reservas do vale do Ruhr, 60 especialmente a indústria siderúrgica e, suas derivadas, como a indústria mecânica e a indústria automobilística, que representam a base das exportações da Alemanha ainda hoje e os mais diversos produtos de alta precisão e tecnologia. Conforme a influência política econômica dos EUA, que passara pela grave crise da década de 1930 e adotara a política keynesiana, ou seja, de intervenção do Estado na economia para garantir o seu reaquecimento e alcançar o pleno emprego, após a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha também passa a adotar tal política econômica para reconstruir a infra-estrutura econômica do país e voltar a crescer economicamente. Por isso, na Alemanha, na Europa em geral, no Japão e no Canadá, além dos EUA, segundo Souza (1999, p. 87): O Estado desempenhou papel importante na expansão de mercados, muitas vezes com o auxílio de esquadras de guerra, obtendo acordos comerciais na base da intimidação. No plano interno, ele também foi fundamental na implementação da infra-estrutura econômica, como ferrovias, canais, portos, rodovias [...]. Na Alemanha e no Canadá, embora o Estado não tenha investido diretamente na infra-estrutura, ele foi o grande mobilizador de grandes empreendimentos realizados pela iniciativa privada. Em países como a Alemanha, um Estado forte e ativo na economia nacional contribuiu ao desenvolvimento econômico e social, ainda mais em modelos associados com uma forte ação empreendedora e inovadora do empresariado e com um farto financiamento bancário destinados a novos investimentos. Segundo Schumpeter (1982), o empresário é o responsável por trazer o dinamismo à economia e por criar as novas combinações de processos necessários ao desenvolvimento econômico, pois ele tende a encontrar novas maneiras de aumentar a produtividade, reduzir os custos produtivos e, ainda, aumentar seus lucros. Em relação ao crédito bancário, ele torna-se necessário ao empresário, pois este capital será empregado na aquisição de novos meios de produção, matérias-primas e mão-de-obra. Essa era a situação na Alemanha pós-guerra: um Estado atuante na economia, regulando o mercado através de uma legislação competente, da aplicação de uma política econômica adequada e de uma íntima parceria com a iniciativa privada no desenvolvimento de grandes empreendimentos; um empresariado empreendedor e inovador, disposto a abraçar grandes empreendimentos e a reestruturar a infra-estrutura econômica do país em parceira com o governo ou instituições de crédito privadas; e uma disponibilidade de linhas de crédito, tanto nacionais ou estrangeiros, para investimentos diretos redirecionados aos mais diversos setores industriais e em setores estratégicos da economia. 61 A combinação dos fatores descritos acima fez com que a Alemanha prosperasse muito economica e tecnologicamente, reestruturando e diversificando totalmente seu parque industrial. Além disso, foram se desenvolvendo vários setores industriais de alta tecnologia, como as indústrias da informática, da biotecnologia, da robótica, das telecomunicações, de automóveis, entre outros, sendo eles que ostentam o importante e praticamente imbatível status da Alemanha de referência tecnológica mundial. Como Oliveira (2000, p. 38) destaca, [...] Japão e Alemanha em particular souberam tirar proveito do período de tolerância dado pelos EUA aos seus aliados e, servindo-se também dos gastos relativamente baixos que precisavam fazer com armamentos, reconstituíram rapidamente suas economias, como sistemas mercantilistas voltados para a exportação. Japão e Alemanha alcançaram tecnologicamente os EUA, em termos de II Revolução Industrial, e o Japão [e porque não dizer a Alemanha também] começou [começaram] inclusive a investir contra a liderança americana nas novas tecnologias prenunciadoras da III Revolução Industrial. Tal situação confere à Alemanha um novo status internacional: um importante exportador, não somente de produtos de alta tecnologia, mas também de tecnologia em si, isto é, básica e aplicada. Tornando-se um dos grandes exportadores mundiais de tecnologia, a Alemanha assumiu um novo papel no comércio internacional, ou seja, de grande exportador mundial tanto de produtos quanto de know how e novas tecnologias. Uma boa fatia do total das exportações mundiais pertence à Alemanha, tornando sua economia em boa parte dependente do comércio internacional. Devido ao seu perfil de país industrializado, não é de se estranhar que seus produtos industriais respondam pela maior fatia do comércio exterior da Alemanha. Automóveis e autopeças apareciam em 2002, mais uma vez, como o item mais importante das exportações alemãs, com faturamento de 123,918 bilhões de euros. As máquinas pesadas ocupam o segundo lugar com 91,667 bilhões de euros, e os produtos químicos o terceiro, com 76,536 bilhões de euros. Os mesmos itens lideraram também as importações alemãs: o primeiro lugar foi dos produtos químicos, com 55,153 bilhões de euros, seguidos dos automóveis e autopeças, com 53,482 bilhões de euros, e no terceiro lugar das máquinas, com 36,250 bilhões de euros7. 7 A ESTRUTURA Econômica. Disponível em: <http://www.dw-world.de/dw/article/0,1564,1050172,00.html>. Acesso em: 05 janeiro 2005. 62 A Alemanha apresenta superávit na balança comercial desde 1952. Quanto ao volume do comércio exterior, o país é o segundo no ranking mundial, após os EUA e antes do Japão. Atualmente, os cinco principais parceiros comerciais da Alemanha são França, Holanda, Estados Unidos, Reino Unido e Itália, para os quais se destinam cerca de 75 % do volume total comercializado pelo país. Entre estes países, a Alemanha só teve déficit na sua balança comercial com a Holanda. O Brasil aparece na 25º posição do ranking dos destinos das mercadorias e serviços alemães e na 26º entre os fornecedores. A Alemanha, em 2003, importou do Brasil um volume de cerca de 4,4 bilhões de euros e exportou cerca de 4,6 bilhões de euros, obtendo assim um saldo positivo de 0,2 bilhão de euros8. Nesse contexto, o Brasil como parceiro comercial da Alemanha importa muitos produtos industrializados e de alta tecnologia, mas também muito know how e novas tecnologias. Santa Catarina, por possuir um parque industrial avançado e diversificado, também participa deste intercâmbio comercial e tecnológico com a Alemanha. E, através dessa participação, Santa Catarina conseguiu adquirir novas tecnologias, beneficiando vários setores industriais, especialmente o metal-mecânico, e que, por conseqüência, conseguiu expandir o mercado interno e externo de sua economia. Esse contexto será o objeto de estudo do próximo capítulo, ou seja, apontar os principais benefícios desse intercâmbio comercial e tecnológico com a Alemanha à indústria e à economia de Santa Catarina. 8 Idem. 63 3. Os Benefícios do Intercâmbio Tecnológico com a Alemanha à Indústria de Santa Catarina Anteriormente à formação da Alemanha, como hoje a conhecemos, ocorrida somente em 1871, alguns Estados-alemães, por estarem muito ligados ao comércio internacional, já possuíam algum tipo de contato e/ou relação com o Brasil. Desde os primeiros anos de existência do Brasil, contada a partir de seu descobrimento por Portugal em 1500, estes Estados já começaram a estabelecer contatos com a nação brasileira, mesmo que inicialmente as relações ainda eram incipientes e irregulares, mas que foram se aprofundando com o passar dos séculos. Nesse contexto, Santa Catarina, como importante entreposto comercial e marítimo desde as primeiras décadas de colonização portuguesa, tirou proveito e se beneficiou das relações entre Brasil e Alemanha, visando dinamizar e desenvolver sua economia. Com a chegada dos primeiros imigrantes alemães a Santa Catarina no início do século XIX, inicia um processo de significativas transformações na estrutura econômica catarinense. E os efeitos desse processo estão presentes até hoje na economia e na sociedade de Santa Catarina, sendo eles o objeto central desse estudo. Entretanto, para essa análise, primeiramente faz-se necessário conhecer o desenvolvimento das relações entre Brasil e Alemanha no decorrer dos séculos, focando em seguida as relações alemãs com Santa Catarina. Para constatar os benefícios dessas relações à economia catarinense, torna-se indispensável retomar um pouco do processo de industrialização e desenvolvimento econômico do Brasil e de Santa Catarina, para então focar os benefícios do intercâmbio tecnológico com a Alemanha ao setor metal-mecânico catarinense, que hoje forma a base econômica e boa parte das exportações do Estado. Estes são, portanto, os principais pontos a serem abordados neste capítulo. 3.1 As Relações Brasil-Alemanha e Santa Catarina Como já foram mencionadas anteriormente, as relações entre Brasil e Alemanha, inicialmente realizadas pelos Estados-alemães, datam já de alguns séculos, sendo que desde a 64 descoberta do Brasil pelos portugueses no ano de 1500 os alemães já se faziam presentes. No início, eram cartógrafos, pintores, escritores, cronistas e outros estudiosos que navegavam juntos com os portugueses e espanhóis até o Novo Mundo, ou seja, a América recém descoberta e ainda inexplorada. Muitos alemães se destacaram ainda no século XVI por seus estudos, particularmente na cartografia e na escrita, área pela qual tanto os descobridores espanhóis quanto os portugueses necessitavam desses especialistas às expedições ultramares para a confecção de mapas, descrições e gravuras, que retratavam as paisagens do Mundo Novo e contribuíram para divulgar a América pela Europa. (PERFIL DA ALEMANHA, 2000). Até o início do século XIX, no entanto, as relações teuto-brasileiras não apresentavam muito dinamismo e eram muito irregulares. Uma das principais causas dessas ínfimas relações foi, sem dúvida nenhuma, a inexistência tanto de um Estado alemão quanto de um Estado brasileiro. A Alemanha era na época composta por um emaranhado de pequenos Estados independentes e, geralmente, muito fracos econômica e politicamente, impedindo a elaboração de uma política externa com interesses nacionais e mais profundos. Já, o Brasil ainda era uma colônia portuguesa e estava dependente à política externa e aos interesses de Portugal. Somente a partir da fixação da coroa portuguesa em 1808 no Brasil, por um lado, e da ascensão da Prússia e da Áustria no cenário alemão, de outro, é que as relações teuto-brasileiras conheceram uma nova fase mais profunda e contínua. A independência do Brasil em 1822 e o rápido reconhecimento dela por parte da Prússia e Áustria foram decisivos às relações entre os países, pois a partir daí os fluxos migratórios alemães se intensificaram ao Brasil e as relações presenciaram um bom dinamismo. (PERFIL DA ALEMANHA, 2000). Diante disso, as relações comerciais se aprofundaram e passaram a abranger novas áreas, especialmente no que diz respeito às relações políticas e culturais. Nesse contexto, Santa Catarina passou a se destacar com relevância por receber uma grande leva de imigrantes alemães e por se consolidar como um dos principais destinos no Brasil de imigrantes, capitais e mercadorias provenientes da Alemanha. As ondas migratórias iniciaram nas primeiras décadas do século XIX, provocadas pela difícil situação sócio-econômica na Alemanha após as guerras napoleônicas. O Brasil foi um dos principais destinos do Novo Mundo, pois o reconhecimento de sua independência pelas potências européias foi anterior ao das ex-colônias espanholas. Após a promulgação da primeira Constituição do Brasil em 1824, oficializando a soberania do Estado brasileiro e permitindo a 65 imigração de não católicos, inicia a imigração em grande escala para algumas regiões do Nordeste, do Sudeste e, principalmente, do Sul do país. Ao Brasil, não vieram apenas camponeses, mas também artesãos, comerciantes, empresários e profissionais de alguns setores técnicos e intelectuais. (PERFIL DA ALEMANHA, 2000). A colonização alemã criou e estabeleceu, com suas inúmeras propriedades agrícolas relativamente pequenas, tanto uma base para a florescente classe média brasileira como uma nova estrutura econômica no Centro-Sul do país. Nessas áreas, existiam praticamente somente pastagens e plantações de café. Os colonos alemães introduziram novas culturas e passam a produzir alimentos até então não cultivados no Brasil, como por exemplo a batata. Algumas colônias se transformaram em centros urbanos e industriais, como Blumenau e Joinville em Santa Catarina e São Leopoldo e Novo Hamburgo no Rio Grande do Sul. Nelas surgiram empresas comerciais e industriais que contribuíram consideravelmente à economia regional brasileira, pois os imigrantes alemães participaram de várias atividades consideradas essenciais à economia brasileira da época, ainda desestruturada e pouco dinâmica, como na ampliação das redes de transporte rodoviário, ferroviário e no desenvolvimento da navegação fluvial e costeira, e na inovação das comunicações com a introdução do telégrafo no país. E tudo isso ocorreu principalmente na região Sul do Brasil, onde mais de cem centros de colonização alemã se originaram. (PERFIL DA ALEMANHA, 2000). O primeiro tratado de que se tem conhecimento e firmado entre Brasil e Alemanha data de 1827, quando o então imperador do Brasil D. Pedro I assinou um Tratado de Comércio e Navegação com as cidades hanseáticas alemãs de Lübeck, Bremen e Hamburgo. (PERFIL DA ALEMANHA, 2000). Esse foi somente o primeiro tratado entre Brasil e Alemanha, sendo que muitos outros e nas mais diversas áreas foram firmados entre ambos os países até o presente. Depois da unificação alemã e a criação do Império Alemão em 1871, ocorre uma intensificação da política externa alemã voltada à América Latina no geral, sendo um reflexo do apoio de um Estado agora centralizado para defender os interesses políticos e econômicos da Alemanha. Nesse época, a Alemanha já era uma país industrializado e apresentava um excedente de produção industrial, necessitando com isso novos mercados externos para absorver esse excedente. Diante das circunstâncias, a América Latina poderia ser uma boa solução à economia alemã. Entretanto, não era somente a Alemanha que estava na busca por novos mercados 66 externos consumidores de produtos industrializados e fornecedores de matéria-prima às indústrias. Outras potências européias, como Grã-Bretanha, França e Itália, também estavam nessa disputa tanto a nível europeu quanto mundial. Isso fez com que as disputas e tensões entre esses países aumentassem e a situação logo atingisse seu auge, ou seja, a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914. Essa disputa por novos mercados externos entre as potências européias foi considerada a principal causa de todas as tensões que originaram esse grande conflito mundial. A Alemanha, por sua vez, estava no seio do conflito e, durante a Primeira Grande Guerra (1914-1918), interrompe as relações com a América Latina e, conseqüentemente, com o Brasil. A partir daí, as relações teuto-brasileiras tardaram a ser retomadas, sendo restabelecidas somente com a ascensão ao poder de Getúlio Vargas no Brasil e de Adolf Hitler na Alemanha no início da década de 1930. A partir do governo Vargas, o governo brasileiro procurou atrair capitais estrangeiros, inclusive alemães, que serviriam para financiar o desenvolvimento industrial do país. Essa era a intenção de Vargas. Já Hitler pretendia conquistar novos mercados para beneficiar a indústria alemã e encontrar novos países aliados, servindo de suporte à pretensão de hegemonia mundial alemã e dando mais apoio político-militar à Alemanha em caso de guerra. No entanto, logo a Alemanha inicia uma nova corrida armamentista com intenções imperialistas, encabeçada pelo regime nazista de Hitler a partir de 1933. Com isso, as tensões políticas entre as potências européias não tardaram a surgir contra a política imperialista da Alemanha. Nesse período, visando aproveitar essa situação e atrair vantagens à industrialização do Brasil, o governo Vargas criou a chamada política externa pendular, que consistia em jogar com os dois lados, ou seja, com Alemanha e com EUA ao mesmo tempo, já que um novo conflito entre as potências era somente questão de tempo. O oportunismo de Vargas conseguiu fazer com que uma considerável quantidade de capital e tecnologia tanto alemães quanto norte-americanos ingressasse no país, contribuindo ao desenvolvimento industrial e fortalecendo a economia nacional. Entretanto, já em 1939, as tensões e provocações chegaram a um nível crítico, que culminaram na eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Durante a guerra e depois de já ter aproveitado bem esse situação, o Brasil foi obrigado a se decidir em que lado o país estava, se dos EUA ou da Alemanha. Diante da situação, o Brasil preferiu se decidir a favor dos EUA, 67 fortalecendo as relações com os norte-americanos e novamente interrompendo-as com os alemães. Segundo Seitenfus9, o Brasil, ao ter conquistado junto aos Estados Unidos apoio técnico e financeiro para o lançamento da indústria pesada – no caso da usina siderúrgica de Volta Redonda –, ingressa num ciclo de extraordinária industrialização que contrasta com o país agrário e atrasado que o caracterizava até então. Um pólo industrial se estabelece no triângulo São Paulo/Rio de Janeiro/Minas Gerais, que muda a face do país. Modernizando-se, acontece uma dupla migração campo/cidade e com elevados índices de urbanização no sentido Nordeste/Sul, provocando um desequilíbrio de desenvolvimento entre as regiões brasileiras. Surge uma classe média urbana que ditará os valores culturais e decidirá os rumos da política nacional. O desenvolvimento econômico brasileiro será estreitamente vinculado ao capitalismo internacional, sendo o país – pela primeira vez em sua história – integrado ao sistema internacional. A Alemanha Ocidental será, nessa fase, um dos principais parceiros do país. Como país perdedor das duas Grandes Guerras, a Alemanha teve seu campo de atuação político e econômico restringido no cenário internacional por muitos anos. Um exemplo das limitações impostas pelos vencedores e que beneficiaram diretamente o Brasil foi a restrição da Alemanha em desenvolver novamente sua aviação civil, ocasionando a imigração de muitos técnicos dessa área à América Latina e contribuindo com isso à criação de algumas das atuais companhias áreas do Brasil, Argentina e outros países latino-americanos. A não ser assim de forma espontânea, a Alemanha não teve mais relações oficiais com nenhum país latino-americano no imediato pós-guerra. Somente a partir da criação da República Federal da Alemanha (RFA) em 1949, houve algum clima para restabelecê-las novamente. (PERFIL DA ALEMANHA, 2000). O restabelecimento das relações entre Brasil e Alemanha encontrava muitas dificuldades para se consolidar novamente, em parte, devido à desconfiança brasileira diante dos alemães causadas pelo impacto das duas Grandes Guerras e, em grande parte, à influência norteamericana sobre o país no pós-guerra. Segundo Seitenfus10, as relações exteriores brasileiras conhecem uma profunda "americanização", tal como ocorreu na segunda metade do século 19. Washington encontra no Brasil um aliado confiável e o Brasil, por sua vez, não consegue 9 SEITENFUS, Ricardo. Hitler tentou “nazificar” alemães no Brasil. Entrevista a DW-World. Disponível em: <http://www.dw-world.de/dw/article/0,1564,1450461,00.html> . Acesso em: 03 fevereiro 2005. 10 Idem. Op. cit. 68 perceber seus interesses no plano internacional sem referir-se aos Estados Unidos. Sai fortalecida do episódio, portanto, a influência – cultural, financeira, comercial, política, tecnológica – dos Estados Unidos no Brasil, a qual não encontra – como sucedeu na década de 1930 – nenhum obstáculo ou concorrente. Com relação às relações culturais entre Brasil e Alemanha, pode-se dizer que sempre decorreram constantemente ao longo dos anos. Apesar do rompimento de relações políticas e comerciais por causa das duas Grandes Guerras, as relações culturais permaneceram especialmente devido à significativa quantidade de imigrantes alemães no país e a forte influência da cultura européia sobre a brasileira, particularmente da cultura alemã. As contribuições de cartógrafos, cronistas e pintores já foram mencionadas, mas em outras áreas também houve bons destaques que contribuíram para intensificar a presença da cultura alemã no Brasil, como a influência de religiosos, juristas, músicos, sociólogos, filósofos, escritores, biólogos e outros profissionais. (PERFIL DA ALEMANHA, 2000). Segundo Bandeira11, a política de Vargas foi correta. Graças a ele, o Brasil é hoje um país industrializado, porque pôde implantar o maior complexo siderúrgico da América Latina, que começou a funcionar em 1946. O Brasil, com abundantes jazidas de ferro e uma indústria de bens de consumo já bem desenvolvida, pôde desenvolver uma indústria de bens de capital, o setor que permite a auto-sustentação e a auto-transformação do capitalismo. Assim o país ganhou um extraordinário impulso, o boom dos anos 50, época em que justamente os capitais alemães para cá fluíram, porque não podiam ir para o Leste Europeu, subordinado ao regime comunista, e temiam uma guerra atômica na Europa. Já no tempo de Vargas, em 1953, começaram os entendimentos para a instalação das fábricas da Volkswagen e da Mercedes Benz, cujos investimentos amadureceram durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek, principalmente entre os anos 1957–1959. Passada a Segunda Guerra Mundial e a fundação da RFA, as condições essenciais para uma nova fase de cooperação entre a Alemanha e a América Latina foram criadas. Entre 1950 e 1952, a Alemanha firmou tratados de comércio e abriu missões comerciais e diplomáticas em alguns países latino-americanos, particularmente Brasil, Argentina e Chile. Esses países, por conseguirem resgatar a confiança presente nas relações passadas, logo se tornaram numa das regiões prioritárias da política externa alemã. Diante disso, esses países receberam, apenas atrás 69 da Europa e da América do Norte, a maior parte dos investimentos alemães, destacando-se a atuação de bancos alemães e a fundação de várias escolas e institutos educacionais e técnicos na região. (PERFIL DA ALEMANHA, 2000). Ainda na década de 1950, sob o Governo de Juscelino Kubitschek, ocorre no Brasil a instalação de importantes indústrias alemãs como a Companhia Siderúrgica Mannesmann em 1954, a qual viria a tornar-se a Mercedes-Benz em 1955, e a fábrica da Volkswagen em 1959. A instalação de importantes empresas alemãs no país foi reflexo de uma situação internacional favorável ao Brasil na captação de investimentos estrangeiros, especialmente alemães e norteamericanos. No caso alemão, segundo Lohbauer (2000, p. 58), “como terceira potência industrial do mundo capitalista, a RFA [Alemanha Ocidental] podia oferecer o capital, a tecnologia e, em parte, o mercado que o Brasil urgentemente necessitava para promover sua expansão econômica.” A assinatura do Acordo de Cooperação em Pesquisa Científica e Desenvolvimento Tecnológico em 1969 entre Brasil e Alemanha inaugura uma nova fase das relações teutobrasileiras. Era a fase de sua consolidação, por duas causas destacadas por Lohbauer (2000): a busca de uma relativa autonomia em relação aos EUA para o Brasil, abrindo espaço à opção européia, especialmente à Alemanha, nas relações exteriores brasileiras; e o interesse alemão no potencial do mercado brasileiro, diante de seu caráter econômico de país exportador de equipamentos e tecnologia. No redirecionamento da política externa brasileira para a Europa, o Brasil almejava a concretização do “Brasil-potência”, julgando que os EUA, de alguma forma ou outra, impedia tal concretização e, nesse contexto, uma maior aproximação com a Alemanha poderia significar grandes avanços econômicos e tecnológicos para o país. Nesse sentido, no ano de 1975, durante o governo do General Ernesto Geisel, foi firmado o Acordo sobre Cooperação nos Campos dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear entre Brasil e Alemanha, transferindo para o Brasil novas tecnologias na construção de usinas nucleares e também na produção de energia para abastecer o país. Esse acordo nuclear teve muitas críticas tanto internas (ambientalistas e políticos pró-EUA), como externas (particularmente dos EUA e da URSS), devido à dissipação de tecnologia nuclear a um país não-signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), no caso o Brasil12. A tecnologia nuclear em questão, segundo 11 BANDEIRA, Luis Alberto Moniz. Pentágono quis invadir o Brasil. Entrevista a DW-World. Disponível em: <http://www.dw-world.de/dw/article/0,1564,1450782,00.html>. Acesso em: 03 fevereiro 2005. 12 Idem. Op. cit. 70 Lohbauer (2000), há muito deixara de ser ao Brasil somente uma questão de interesse econômicoenergético, mas uma questão político-estratégico de peso na política externa brasileira. A década de 1980 foi um período de enfraquecimento das relações entre Brasil e Alemanha, principalmente por causa de fatores internos e externos que envolviam ambos os países. Além de uma crises internacional que transcorria no período, o Brasil passava por difíceis momentos de sua história por se tratar de uma fase de complexa transição econômica, reflexo de constantes ajustes e planos com vistas à reestruturação da economia brasileira, e política, reflexo do descontentamento da população com o regime militar e da luta pela vindoura redemocratização do país. Por sua vez, a Alemanha também enfrentava problemas de origem econômica e política, em parte, gerada pela desfavorável situação internacional da década de 1980 e, em parte, por fatores internos, como o esforço e as profundas transformações necessárias à concretização da sonhada reunificação alemã, que viria a acontecer oficialmente somente em 1990. Apesar dos esforços, as relações entre Brasil e Alemanha se restabeleceram com intensidade somente na década de 1990, quando a reunificação alemã e a consolidação da democracia brasileira se concretizam. A partir daí, as relações teuto-brasileiras apresentaram uma ampliação e um desenvolvimento muito dinâmicos, especialmente na busca por interesses comuns. As relações políticas após a redemocratização melhoram a situação dos países latinoamericanos no geral, pois resultaram nos esforços de integração regional, dos quais surgiram o Mercosul, a Comunidade Andina e o Caricom, por exemplo. A integração regional em blocos econômicos beneficiou a estabilidade política e econômica na América Latina e incrementou ainda mais as relações com a União Européia (UE). Um bom exemplo disso foi a criação de um fórum permanente de negociação entre a UE e o Mercosul, ampliando os acordos de cooperação e intercâmbio político, econômico, tecnológico, educacional, cultural e ainda nas organizações internacionais como na ONU e seus órgãos especializados, priorizando as questões de desarmamento internacional, prevenção de conflitos, manutenção da paz e da estabilidade internacionais, preservação do meio-ambiente, defesa ao livre comércio e outros assuntos nas mais diversas áreas. 71 Comparativo Econômico entre Alemanha e Brasil referente 2003 Alemanha 2.408 Brasil 498 População (milhões) 82 176 PIB per capita (US$) 29.366 2.840 Primário - 1 Secundário - 28 Terciário - 71 10 Primário - 8 Secundário - 32 Terciário - 60 1 747,7 73,1 601,5 48,3 PIB (US$ bilhões) PIB por setores (% do total) Participação nas exportações mundiais no PIB (estimativa em %) Exportações (US$ bilhões) Importações (US$ bilhões) Saldo Balança Comercial 146,2 24,8 (USS bilhões) Investimento Direto Externo (IDE) 31,8 10,1 (US$ bilhões) Fonte: Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha. www.ahkbrasil.com Relações Comerciais Brasil-Alemanha 2003 Exportações (US$ bilhões) Alemanha 4,6 Brasil 4,4 Importações (US$ bilhões) 4,4 4,6 Saldo (US$ bilhões) Principais produtos comercializados entre ambos 0,2 -0,2 Máquinas, motores, Minério de ferro, soja automóveis, autopeças, e derivados, carne e eletroeletrônicos, derivados, café, equipamentos, adubos, automóveis, autopeças, fertilizantes, produtos alumínio, madeiras e farmacêuticos, químicos e derivados, fumo e plásticos. tabaco. Importância representada de um país 3° 25 ° para o outro no comércio exterior (respectivamente) Fonte: Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha. www.ahk.org.br 72 Comparativo Tecnológico entre Brasil e Alemanha Dispêndios em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) (% do PIB em 2000) Origem dos recursos (R$ bilhões)* Total dos dispêndios (R$ bilhões)* Recursos Humanos em Ciência e Tecnologia (RHCT) (1999)** Número de doutores titulados (1999) Alemanha 2,46 Brasil 1,05 Empresas – 118,8 Governo Federal – 29,7 Governos Estaduais – 24,09 Instituições Privadas – 0,66 173,25 47.370 Empresas – 4,37 Governo Federal - 4,88 Governos Estaduais – 2,01 Instituições Privadas – 0,19 11,45 31.772 24.545 2,9 4.862 29,9 Número de doutores por 100 mil Habitantes (1999) Número de publicações científicas 18 12,5 (1999 em milhões) Fonte: Adaptação de Viotti; Macedo (Org.) (2003) e BUNDESMINISTERIUM FÜR BILDUNG UND FORSCHUNG. www.bmbf.de (*) Tomou-se como base o PIB da Alemanha de US$ 2,4 trilhões e o valor do euro R$ 3,30. (Dados da Alemanha 2003 e do Brasil 2000). (**) Os Recursos Humanos em Ciência e Tecnologia (RHCT) incluem os cientistas, engenheiros, técnicos e pessoal administrativo que se dedicam à C&T. Conforme as tabelas acima, pode ser constatado que a Alemanha apresenta uma economia muito maior que a do Brasil, um PIB cerca de cinco vezes maior que o brasileiro, uma renda per capita dez maior que a brasileira, uma economia muito mais voltada ao comércio exterior e com uma maior atração de investimentos estrangeiros que a economia brasileira. Nas relações comerciais entre Alemanha e Brasil, vê-se claramente que a Alemanha exporta para o Brasil, quase que exclusivamente, produtos de alta tecnologia e valor agregado, enquanto o Brasil exporta também produtos de alta tecnologia para a Alemanha, porém a maioria das exportações é 73 de compreendidas de produtos de baixo conteúdo tecnológico e pouco valor agregado, como alguns produtos semi-manufaturados, commodities e outros produtos primários. Na questão tecnológica, como já fica explícito na pauta de exportação da Alemanha ao Brasil, os alemães investem muito mais em C&T e P&D do que os brasileiros, ficando muito a frente no total dispendido nessas áreas em relação ao Brasil. Por isso, pode-se dizer que tanto econômica quanto tecnologicamente, a Alemanha possui um desenvolvimento bem maior que o do Brasil, com grandes vantagens nessas áreas, colocando o país como um dos principais participantes na chamada Terceira Revolução Técno-científica e Industrial. Segundo o Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil, a Alemanha é atualmente um dos principais parceiros do país no campo da cooperação técnica e científica, a qual se dá principalmente pela execução de projetos de parcerias públicas e/ou privadas. Esses projetos concentram-se nas áreas de meio ambiente, agricultura, indústria, saúde, desenvolvimento social, administração pública, energia, transportes, educação e planejamento urbano. Geralmente, eles são executados e financiados pelas várias organizações ou entidades vinculadas ao governo alemão que atuam no Brasil, como é por exemplo o caso da Sociedade Alemã para a Cooperação Científica (GTZ), o Serviço de Intercâmbio Acadêmico Alemão (DAAD), o Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social (DED), entre outros. 74 Principais Áreas de Execução de Programas Alemães no Brasil Setores Beneficiados • Área de Desenvolvimento Regional Integrado - Programa PRORENDA - visa o desenvolvimento social e econômico da população de baixa renda rural (pequenos agricultores) e urbana, apoiando tanto o desenvolvimento urbano quanto as atividades de microempresários e trabalhadores autônomos. - Programa de Indústria - visando o aumento da produtividade e competitividade das Pequenas e Médias Empresas Industriais. • Área de Meio Ambiente - Programa de Gestão do Meio Ambiente Urbano e Industrial - apoiando projetos do setor florestal e de gestão do meio ambiente urbano e industrial. - Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil - PPG7 - apoia projetos na região Amazônica e na Mata Atlântica. • Fundo para Estudos e Técnicos ("Pool" de Peritos) - consultorias de curto prazo (até 12 meses) nas mesmas áreas prioritárias dos projetos. • Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social (DED): 1. Saúde; 2. Organização Comunitária; 3. Capacitação Profissional; 4. Agricultura; 5. Relações de Gênero Fonte: Adaptação MRE. Modalidade da Cooperação - Projetos - Vinda de Peritos - Vinda de Cooperantes (em projetos de menor porte) Atualmente, portanto, as relações entre Brasil e Alemanha se dão nas mais diversas áreas, sendo que o comércio de importação e exportação de mercadorias, capitais, tecnologias e know how são as áreas nas quais mais se realizam convênios e cooperações. Segundo as pretensões de ambos os países, os convênios de cooperação no campo tecnológico são os mais comuns e os principais atos firmados nos últimos anos, visando aprofundar cada vez mais a cooperação científica e tecnológica com objetivos de metas de desenvolvimento social e econômico de suas respectivas sociedades. E para isso, foram determinadas algumas áreas prioritárias destinadas à cooperação teuto-brasileira, dentre as quais se destacam: a biotecnologia, a pesquisa do genoma, os sistemas e tecnologias da informação e comunicações, as tecnologias de produção mais limpa, 75 as nanotecnologias e as tecnologias de micro-sistemas, as tecnologias ambiental e de marinha, a pesquisa espacial e a geociência13. 3.2 A Economia Brasileira Durante o período pré-colonial, que compreende desde a descoberta do Brasil em 1500 até 1530, praticamente inexistiu alguma atividade econômica no país. Somente a partir de 1530, já estabelecido como período colonial devido ao início real da colonização de Portugal no Novo Mundo, aparecem os primeiros indícios de atividades econômicas. Diante disso, a economia do Brasil-colônia insere-se na dinâmica do capitalismo mundial e da divisão internacional do trabalho como fornecedor de matérias-primas e, por outro lado, consumidor de produtos manufaturados das metrópole portuguesa. Portugal, na época maior potência marítima e mercante mundial, dominava várias técnicas agrícolas e manufatureiras. Por isso, necessitava de matérias-primas para abastecer seu mercado e suas manufaturas e para negociá-las com o exterior. Como o Brasil era um país tropical e com um clima bem diferente do europeu, Portugal queria aproveitar tal situação para conseguir produtos exóticos de suas colônias, obtendo maiores lucros na hora de comercializá-los, já que se tratavam de produtos mais caros por serem exóticos e escassos na Europa. Como conseqüência, o paubrasil foi o primeiro produto brasileiro a ser explorado pelos portugueses, pois essa árvore possuía uma madeira considerada nobre, de ótima qualidade e apreciada pelos europeus. Além disso, o seu preço era relativamente alto, compensando muito aos portugueses a sua exploração em terras brasileiras. Entretanto, a exploração do pau-brasil se deu de forma muito rápida e descontrolada, logo escasseando essa matéria-prima e extinguindo praticamente essa atividade econômica no Brasil. Diante dessa crítica situação em que se encontrava a exploração do pau-brasil, Portugal viu-se obrigado a procurar por alguma outra vantajosa e lucrativa matéria-prima, capaz de reativar a exploração econômica dessa colônia tropical. Como o país já possuía experiência e 13 MEMORANDO de Entendimento entre o Ministro da Ciência e Tecnologia da República Federativa do Brasil e a Ministra da Educação e Pesquisa da República Federal da Alemanha sobre Cooperação Científica e Tecnológica em Áreas Prioritárias. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/prog/coop_int/coop_bilateral/alemanha.htm#>. Acesso em: 05 janeiro 2005. 76 também já produzia cana-de-açúcar no arquipélago dos Açores e outras ilhas atlânticas, mas sem muito sucesso devido sua produção limitada e insuficiente para abastecer Portugal e fortalecer sua economia, o país decide experimentar a produção desse produto no Brasil. Sua produção seria voltada à produção de açúcar destinado à exportação, pois este produto também era uma mercadoria nobre e de alto valor na Europa. Essa experiência deu tão certo, que muitos consideram o ciclo da cana-de-açúcar como o primeiro e verdadeiro ciclo econômico a se desenvolver no Brasil. Dessa maneira, o Brasil produzia a cana-de-açúcar e exportava o açúcar puro, ou mascavo como muitos conhecem, a Portugal, que revendia a outros países europeus, principalmente à Holanda, para seu refinamento, venda e distribuição do produto final, o açúcar refinado, a outros países. Paralelo ao ciclo econômico da cana-de-açúcar no Nordeste do Brasil, Portugal sempre teve esperança de descobrir riquezas minerais no solo de sua maior colônia. As expedições interior a dentro na busca por ouro e prata não cessaram. Contudo, somente no final do século XVIII, os portugueses descobriram no Sudeste brasileiro ouro em quantidade considerável, que porém em cerca de três décadas se escasseia. Isso fez com que a exploração do ouro entrasse em decadência e seu ciclo econômico findasse lentamente. Mesmo assim, o ciclo econômico do ouro teve muita importância ao Brasil, pois foi a partir dele que, pela primeira vez na história do país, foram criadas todas as condições necessárias para a criação de um mercado interno brasileiro. No final do século XVIII, Portugal proíbe qualquer tipo de manufatura no Brasil, principalmente as têxteis que recém estavam florescendo. Isso reflete já o período da decadência da hegemonia mundial de Portugal, pois já demonstrava claros sinais da quase que total dependência à Inglaterra. Em troca de proteção militar, os portugueses assinaram com os ingleses o Tratado de Methuen em 1773, que, segundo a teoria ricardiana das vantagens comparativas, daria maiores vantagens comerciais para ambos os países diante da especialização portuguesa na produção de vinhos e na inglesa na de têxteis. Como se sabe, entretanto, somente a Inglaterra teve maiores vantagens comerciais nesse contexto. Portugal, diante dessa situação, abriu mão de desenvolver manufaturas não somente em suas colônias mas também em seu próprio território, o que provavelmente impediu a participação do país na já vigente Primeira Revolução Industrial, em troca de um Tratado que não lhe proporcionou nenhuma vantagem considerável. Com isso, Portugal proíbe a existência de manufaturas no Brasil e aprofunda cada vez mais sua dependência econômica à Inglaterra, pois, devido às perdas comerciais acumuladas, o país viu-se obrigado a 77 transferir todas as riquezas produzidas e exploradas em suas colônias, inclusive Brasil, à Inglaterra. Com forte escolta inglesa, a família real de Portugal vem ao Brasil em 1808, devido às ameaças de invasão feitas por Napoleão, transferindo a sede do reino português ao Rio de Janeiro e criando o então Reino Unido de Brasil e Portugal. A partir desse fato, que teve importantes e profundas repercussões ao Brasil, ao longo do século XIX inicia-se um processo de transformação sócio-econômica e política no país, resultante de um conjunto de fatores. Os principais deles, segundo Motoyama (1994), foram: a abertura dos portos brasileiros aos ingleses, o que, de um lado, transferiu a dependência inglesa de Portugal ao Brasil e, por outro lado, permitiu a importação de bens manufaturados ingleses a taxas menores em comparação àquelas praticadas com outros países; a proibição do tráfico de escravos africanos pela Inglaterra, que inicialmente preocupou, mas que logo passou a incentivar um redirecionamento dos capitais, antes empregados na compra de escravos, para a formação da base industrial no Brasil; a independência do Brasil em 1822, possibilitando a elaboração de políticas sociais, econômicas e comerciais próprias na defesa dos interesses nacionais; a elevação das taxas de importação pela Tarifa Alves Branco (1844), que consistiu na primeira prática protecionista adotada pelo país para defender sua indústria nascente diante da concorrência dos produtos importados; a transformação da mão-de-obra, antes escrava, em assalariada, contribuindo para a monetarização da economia e para a consolidação de um mercado interno no país; o advento das ferrovias a partir de 1854 como fator de interligação das várias regiões do Império e suas atividades econômicas, promovendo o povoamento do interior e o incremento da riqueza nacional; entre outros fatores. Até a década de 1930, a economia do Brasil estava vinculada quase que exclusivamente à atividade agro-exportadora, destacando-se as culturas do café, do algodão e da cana-de-açúcar. No entanto, a realidade econômica estava em constante mudança. As culturas agro-exportadoras estavam passando por constantes e profundas crises de demanda, ocasionando a baixa dos preços dos produtos no mercado internacional por causa de grandes eventos mundiais que ocorreram nessa época, como a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) na Europa e a crise de 1929 nos EUA. Essas crises assolavam os principais países compradores dos produtos do setor agroexportador brasileiro, ocasionando uma forte crise de demanda, o que contribuiu a um novo redirecionamento de capitais nas atividades econômicas do Brasil. 78 Com os bons preços no mercado internacional dos produtos brasileiros conseguidos anteriormente às crises iniciais do século XX, os grandes proprietários rurais, especialmente os cafeicultores, acumularam uma boa quantidade de capitais. Em períodos prósperos e anteriores, certamente esses capitais seriam aplicados na própria expansão da atividade agro-exportadora. Entretanto, agora devido às crises de demanda internacional e, conseqüentemente, ao baixo preço dos produtos, esses capitais acumulados foram redirecionados e acabaram por financiar a futura industrialização do Brasil. A partir daí, surge um empresariado nacional, predominantemente formado por imigrantes europeus, alguns já radicados no Brasil e outros recém chegados. Estes aproveitaram a grande oferta de capital no mercado interno, devido à grande acumulação ocasionada pela exportação do café, e a associaram com seus conhecimentos prévios e alguns recursos financeiros disponíveis de seus lugares de origem, investindo na implantação das primeiras indústrias brasileiras, voltadas inicialmente à produção de bens de consumo nãoduráveis ou semi-duráveis destinados ao abastecimento do mercado brasileiro. A partir de 1930, o governo de Getúlio Vargas prioriza a questão de transformar o Brasil num país industrial e desenvolvido. Aproveitando-se da situação então favorável, o país conseguiu atrair capitais e novas tecnologias, não mais somente da Inglaterra, mas de outros países como EUA e Alemanha, particularmente no período anterior a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A política de Vargas deu certo e industrializou o país, principalmente com a criação e a consolidação do Departamento 1 (D1), ou seja, o setor das indústrias de base e fornecedoras de matérias para outros setores industriais, como a metalurgia, a siderurgia, a construção civil, etc. A partir da consolidação do D1 na década de 1930, estava formada a base industrial, que antes faltava ao Brasil para compensar o relativo atraso industrial e tecnológico do país em relação a outros países e para iniciar um processo de diversificação da indústria nacional e de dinamização da economia brasileira. O advento das duas Grandes Guerras Mundiais e da crise de 1929, sem dúvida nenhuma, impulsionou de fato o desenvolvimento industrial brasileiro. Como as potências européias (Alemanha, França, Itália e Inglaterra), assim como o Japão e, posteriormente os EUA, estavam inicialmente envolvidas num grande esforço de guerra e, posteriormente, passando por períodos de crise e de grande esforço à reconstrução de suas economias, a situação ficou muito favorável ao Brasil. 79 A industrialização via processo de substituição de importações (PSI), que, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), era o caminho mais viável aos países da América Latina para superar o atraso econômico em relação aos países desenvolvidos, se aprofunda no Brasil a partir da década de 1930. Os fatores que impulsionaram esse processo foram, sem dúvida, os baixos fluxos registrados no comércio internacional durante as guerras e as crises econômicas mundiais, que impossibilitaram a exportação do café brasileiro e, conseqüentemente, a importação de máquinas e outros produtos industrializados. Além disso, esse fatores estiveram ainda associados à escassez de capitais estrangeiros no mercado internacional, impossibilitando a atuação dessas capitais para seu investimento na indústria nacional. Todos esses fenômenos ocorreram em conjunto, simultânea e paralelamente, e não isolados, o que fez com que as condições necessárias à industrialização fossem formadas internamente. O Governo Vargas cria uma nova política econômica a partir de 1930. Aproveitando-se da situação internacional e das oportunidades nela dadas, Vargas cria um novo modelo econômico no Brasil, baseado na substituição de importações, no aproveitamento do capital nacional e na intervenção estatal na economia. Seguindo as tendências internacionais da época, o Brasil adota um modelo econômico de inspiração keynesiana, segundo as quais o Estado deveria passar a intervir direta e constantemente na economia através de elevados gastos públicos, transformando-se assim no principal agente de fomento ao desenvolvimento econômico e industrial de um país. Dessa forma, o Estado brasileiro passou a conceder subsídios à formação de empresas nacionais ou ele mesmo constituir as empresas estatais, consideradas essenciais na promoção do desenvolvimento nacional. A questão priorizada por Vargas foi, com certeza, a internalização do D1 da economia brasileira, fortalecida pela nacionalização dos recursos naturais e minerais e da responsabilidade estatal referente à importação de capitais e tecnologias às empresas nacionais. A partir de 1930, altera-se o padrão de acumulação de capital no Brasil, quando a indústria finalmente passa a ser a atividade central e mais dinâmica da economia brasileira, substituindo a tradicional agricultura. Graças a essa mudança na dinâmica econômica brasileira, mesmo em períodos recessivos e/ou de guerras, que ainda estavam por vir, o país conheceu um avanço considerável na produção de bens de capital, de consumo durável e, principalmente, de bens intermediários. (MOTOYAMA, 1994). Como centro dinâmico da economia nacional, a 80 indústria possibilitava maior acumulação e reprodução de capital, mesmo em tempo de crises internacionais quando comparado com qualquer outro setor da economia brasileira, inclusive a eterna atividade agro-exportadora. Dessa maneira, a indústria foi o único setor econômico brasileiro capaz de expandir-se diante das condições adversas internacionais da época, passando a expandir-se não mais somente na tradicional indústria de bens de consumo não-duráveis, mas também ocorrendo expansão nas indústrias de bens de consumo semi-duráveis, duráveis e, o mais importante, de bens de capital. A nova política econômica adotada por Vargas na década de 1930, portanto, logrou resultados positivos, que porém só foram consolidados nas décadas seguintes. Os grandes esforços do Estado na nacionalização dos recursos minerais e na internalização do D1 resultaram na formação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em 1946 e da Petrobrás em 1954, que garantiram o monopólio estatal sobre a exploração do ferro e do petróleo brasileiros, considerados cruciais à produção de outras indústrias, como a de bens de consumo duráveis. Essas duas indústrias, CSN e Petrobrás, constituíram-se em marcos da industrialização brasileira, pois pela primeira vez no país alguma indústria nacional alcançava níveis de produção industrial em larga escala e destinadas a suprir as demandas siderúrgicas e energéticas de um parque industrial em constante expansão. (MOTOYAMA, 1994). Entretanto, outros setores, como o de bens de consumo e o de máquinas e equipamentos, não obtiveram na época o mesmo apoio do Estado durante seu período de desenvolvimento e consolidação, resultando na constante necessidade de importar tais bens. Segundo Motoyama (1994), sem o desenvolvimento tecnológico anterior da siderurgia e da construção civil, ficaria impossibilitada a implantação da indústria automobilística no país, demonstrando que houve um certo desenvolvimento tecnológico brasileiro, totalmente benéfico a tais projetos estatais. Os seus benefícios podem ser vistos num melhor aproveitamento do aço e na tecnologia desenvolvida na área de barragens e de estradas de rodagem, por exemplo, os quais foram importantes fatores ao processo de industrialização do Brasil. A partir da década de 1950, o Brasil teve que novamente mudar sua estratégia de desenvolvimento econômico para lograr esses setores que ainda não possuía e para completar o processo de industrialização via PSI. O segundo Governo Vargas (1951-1954) redireciona a política econômica brasileira, flexibilizando a autonomia estatal na economia e passando a aceitar a participação de capitais estrangeiros na formação e no desenvolvimento desses setores. 81 Contudo, somente no Governo de Juscelino Kubiteschk (1955-1960) esse processo foi concluído com grandes investimentos nos diversos setores da economia do país, financiados a partir do advento de capitais externos. Nesse período, a atração de capitais se deu na forma de empresas, principalmente multinacionais, que se instalaram no Brasil e passaram a produzir bens de consumo duráveis, como automóveis e eletrodomésticos, que antes constituíam grande parte da nossa pauta de importações. Embora modernizando os processos de fabricação e especializando a mão-de-obra, as empresas estrangeiras contribuíram para o alto grau de dependência tecnológica do Brasil em equipamentos e insumos básicos. (...). Como a transferencia de tecnologia é ditada pela relação matriz-subsidiária, o Brasil continua dependendo das importações para certos produtos de tecnologia mais avançada. (MOTOYAMA, 1994, p. 281). Durante o Governo JK, portanto, iniciou-se um processo inverso ao de internalização da economia brasileira defendido anteriormente por Vargas, ou seja, o de sua internacionalização. Mesmo assim, cabia ao Estado dois importantes papéis: o de investir em infra-estrutura e serviços para garantir a acumulação de capitais pelos setores dinâmicos da economia, ou seja, justamente os de bens de consumo duráveis dominados pelas empresas multinacionais; e o papel de criar bancos públicos, como o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE) e os Bancos de Regionais de Desenvolvimento (BRDE), para subsidiar e/ou financiar a expansão da industrialização do país. Portanto, durante o período do Governo JK, ocorre uma alteração da estrutura produtiva brasileira, que pode ser acompanhada na tabela a seguir. 82 A Estrutura Produtiva Brasileira nos Anos 1949 e 1959 em % Anos Bens de Consumo Bens de Consumo Semi- Bens de Consumo e de Capital Duráveis ou Intermediários Não-duráveis 1949 60,7 31,7 7,6 1959 45,2 38,1 16,8 Produtos químicos, Automóveis, autopeças, madeira, papel, minerais mecânica pesada, não-metálicos materiais elétricos Indústria em Destaque Têxtil Fonte: Adaptação de Motoyama (1994). Como pode-se observar na tabela acima, vemos que em apenas dez anos a estrutura produtiva brasileira foi sendo profundamente alterada. Nesse contexto, a produção de bens de consumo não-duráveis decaiu cerca de 30 %, mesmo que a indústria têxtil tenha apresentado crescimento de 6,2 % ao ano, e passou de 60,7 % em 1949 para 45,2 % do total da produção industrial do país no ano de 1959. Já a produção de bens de consumo semi-duráveis aumentou cerca de 20 % durante este período, passando de 31,7 % em 1949 para 38,1 % em 1959. O maior crescimento ocorreu na indústria de bens de consumo duráveis e de capital, ou seja, entre 1949 e 1959 a produção industrial desse setor cresceu mais de 100 %. Ela passou de 7,6 % em 1949 para 16,8 % do total produzidos pelas indústrias brasileiras em 1959. O modelo econômico adotado por JK fez, portanto, com que a economia brasileira crescesse muito, fato comprovado pela consolidação de novas indústrias no cenário econômico brasileiro, como a indústria de bens de consumo duráveis e de capital antes poucos significativas, e pela conseqüente alteração da estrutura produtiva do país. Esse processo esteve, porém, associado a altas taxas de inflação, ao aumento da dívida externa e, conseqüentemente, ao aumento gradual da dependência externa do Brasil. Dessa forma, tal modelo desenvolvementista entra em crise, influenciando diretamente na crise política do país e que levaria ao golpe militar de 1964. A política econômica adotada pelos governos militares muito se pareceu com a adotada por JK, atraindo capitais externos e investindo nas empresas estatais e na infra-estrutura do país 83 com grandes obras, como a usina hidrelétrica de Itaipú, as usinas nucleares de Angra dos Reis, a rodovia Transamazônica, etc.. Essas grandes ações foram reflexos da idealização do projeto “Brasil-potência” pelos governos militares, visando a expansão e a modernização da economia brasileira. Essa política logrou, ao mesmo tempo, uma maior expansão do D1 da economia, através dos grandes investimentos em infra-estrutura, assim como ainda possibilitou uma maior diversificação da indústria nacional. No processo de diversificação, a indústria nacional, especialmente o da indústria de bens de consumo duráveis, contou com suporte de capital e tecnologia estrangeiros. (MOTOYAMA, 1994). A economia voltou a se expandir, principalmente na década de 1970, que, enquanto a maioria dos países estava em crise devido à falta de petróleo no mercado internacional, o Brasil passava pelo seu “milagre econômico”14, caracterizado por altas taxas de crescimento econômico e industrial, mas com um grande aumento da dívida externa do país. O robusto crescimento econômico do Brasil não estava relacionado ao desenvolvimento social do país. Por isso, com inflação e o empobrecimento da população, os descontentamentos com os governos militares se agravavam, especialmente na década de 1980. Constantes manifestações populares ocorreram nessa época, já que os governos militares eram autoritários e priorizavam somente questões voltadas ao desenvolvimento econômico e tecnológico, deixando de lado questões do desenvolvimento social. Com tantas e violentas pressões, em mais de duas décadas de governos militares, a redemocratização torna-se possível. E a partir de 1985, com o Governo Sarney (1985-1990), inicia-se um processo de mudanças das tendências políticas brasileiras. Assim como no cenário internacional, a nova postura do governo brasileiro estabelece, especialmente a partir dos anos 1990, uma política inovadora e com tendências neoliberais. Ou seja, quando o Estado retira-se da economia e a deixa por conta do mercado, responsável agora por regular e ditar o ritmo de crescimento das economias nacionais, inclusive a do Brasil, através da conhecida lei da oferta e da procura. Seguindo tais tendências internacionais, o Estado brasileiro deixa de investir como antes no D1 e em outros setores antes considerados estratégicos ao desenvolvimento nacional, deixando que o capital externo assumisse essa responsabilidade. 14 O período conhecido como “milagre econômico” brasileiro compreende entre os anos de 1968 a 1973, quando o Brasil apresentava altos índices de expansão econômica em relação aos demais países do mundo. O crescimento industrial na época foi, em média, de 14 % ao ano. O Brasil superou esse período com forte retomada dos gastos públicos, financiados principalmente por empréstimos internacionais, o que, conseqüentemente, fez a dívida externa do país aumentar absurdamente nesse período. 84 Dessa forma, inicia-se o processo de privatizações das empresas estatais, terminando aos poucos com o monopólio estatal em vários setores, como na siderurgia, na energia, nos transportes e na infra-estrutura. Como principal conseqüência dessa abertura econômica do Brasil nos anos 1990, tem-se novamente um aumento acentuado da dependência externa, caracterizada pelo aumento extraordinário da dívida externa e pela transferência do controle de capitais e tecnologias às empresas estrangeiras, já detentoras de importantes setores da economia nacional. Por um lado, esse processo de desnacionalização da economia brasileira beneficiou a modernização do parque industrial nacional e facilitou o acesso das indústrias para as mais recentes inovações científicas e tecnológicas mundiais do setor produtivo. Entretanto, por outro lado, reforçou a dependência externa do país ao capital e tecnologia estrangeiros, como pode ser observado na tabela a seguir, dificultando a execução de projetos nacionais de desenvolvimento, como ocorria antes nos setores de informática e biotecnologia, e ainda limitando o desenvolvimento sócio-econômico do país por causa da subordinação da dinâmica econômica nacional a interesses externos. Dispêndios nas Atividades Inovativas no Brasil Brasil ano 2000 Treinamento R$ mil 417.592 Aquisição externa de P&D 630.739 Aquisição de outros conhecimentos externos 1.168.219 Introdução de inovações tecnológicas no mercado 1.420.759 Projetos industriais e outras preparações técnicas 3.297.406 Atividades internas de P&D 3.741.572 Aquisição de máquinas e equipamentos 11.667.339 Total dos Dispêndios Fonte: Adaptação de Viotti; Macedo (2003). 22.343.626 85 A estabilidade econômica interna alcançada a partir de 1994, com o Plano Real, fez com que a realidade começasse a mudar, apesar da continuidade das privatizações e da predominância do capital e tecnologia estrangeiros na economia nacional. O Estado, impedido de atuar direta e fortemente na economia, redireciona sua política econômica à manutenção da estabilidade interna para atrair novos investimentos externos tanto na transferência de capitais e tecnologias como de empresas, particularmente aquelas multinacionais. Na área social, o governo brasileiro progrediu consideravelmente em algumas áreas, como combate à pobreza e à fome, melhoria da condições de vida da população, combate a epidemias, etc. Gráficos das Exportações e Importações Brasileiras por Fator Agregado (2004) EXPORTAÇÃO POR FATOR AGREGADO PRODUCTS CATEGORIES OF EXPORTS PARTICIPAÇÃO % / % SHARE JANEIRO-DEZEMBRO/ JANUARY-DECEMBER – 2004 Op. Especiais Special Op. 1,6% Básicos Basics 29,6% Semimanufaturados Semimanufactureds 13,9% Fonte: MDIC/SECEX. www.mdic.gov.br Manufaturados Manufactureds 54,9% 86 IM PO RTAÇÃ O PO R FATO R AGR EG AD O PRODUCTS CATEG ORIES O F IM PO RTS PARTICIP AÇÃO % / % SHARE JANEIRO-DEZEM BRO / JANUARY-DE CEM BER – 2004 Básicos Basics 18,6% Sem im anufaturados Sem im anufactureds 4,5% M anufaturados Manufactureds 76,9% Fonte: MDIC/SECEX. www.mdic.gov.br Atualmente, a economia brasileira apresenta uma boa diversificação de suas atividades e setores econômicos e industriais, ainda que a maioria sob controle de empresas ou investidores estrangeiros, e constitui-se numa das dez maiores economias do mundo. Tem um mercado interno forte, mas boa parte de seu potencial está direcionado ao mercado externo. Como pode ser observado nos gráficos anteriores, o Brasil exporta desde produtos agrícolas como soja, café e algodão, produtos semi-industrializados como carnes, sucos, produtos lácteos, até produtos industrializados com alto valor agregado e alto nível tecnológico como automóveis, aviões, softwares, entre outros. Apesar disso, o Brasil necessita importar ainda muitos outros produtos, principalmente aqueles dotados de alta tecnologia como produtos de informática, robótica e biotecnologia, como pode ser comprovado pelas tabelas acima. Por isso, o crescimento e o dinamismo da economia brasileira está condicionado à dinâmica econômica internacional, tanto quanto a questões de investimento, capital, tecnologia estrangeiros como também a questões ditadas pela lógica do mercado internacional, como por exemplo o desempenho de seu comércio exterior. 87 3.3 A Economia Catarinense Até o século XIX, o Estado de Santa Catarina apresentava uma economia pouco dinâmica e praticamente agrícola e extrativista, geralmente voltada à subsistência de seus poucos habitantes na época. A maioria deles era indígenas de várias etnias e alguns poucos portugueses que viviam ao longo da costa marítima catarinense. Apenas as atividades pesqueira, extrativista e agrícola tiveram algum destaque, como a pesca da baleia e a produção de farinha de mandioca, sendo ambos destinados ao próprio consumo da população e o seu excedente ao comércio local. Somente a partir do início do século XIX, Santa Catarina passa a conhecer um processo de profundas transformações econômicas, políticas e sociais, particularmente após a chegada dos primeiros imigrantes europeus, majoritariamente alemães e italianos. Até então, a paisagem econômica catarinense era constituída pelas áreas de colonização açoriana no litoral, ligada a atividade econômica da produção de farinha de mandioca, e paulista no planalto e serra, que recém iniciara sua atividade como entreposto comercial do gado vindo do Rio Grande do Sul em direção a São Paulo. Entretanto, ambas as atividades econômicas não produziram um dinamismo suficiente, para que tais atividades pudessem dar um suporte adequado ao desenvolvimento econômico catarinense. Mesmo assim, elas foram de suma importância no que se refere ao povoamento do litoral e interior de Santa Catarina, que, mais tarde, serviria ao desenvolvimento de um mercado interno estadual. Segundo Hering (1987), o processo de desenvolvimento sócio-econômico catarinense seria um processo específico e diferenciado em relação ao desenvolvimento econômico nacional. Santa Catarina, ao contrário de outras regiões brasileiras, não contou com um meio-ambiente favorável que propiciasse uma antevisão de suas possibilidades econômicas, como aconteceu com o cultivo da cana-de-açúcar no Nordeste e a mineração no Sudeste. Por isso, a colonização em Santa Catarina estaria ligada muito mais a um transplante de uma cultura européia, segundo a política do governo imperial, do que à potencialidade dos recursos naturais disponíveis na região. Além disso, a ocupação de Santa Catarina por se tratar de uma região estratégica, já que o estado sempre fora passagem entre o extremo-sul e os centros vitais da economia nacional, fez com que 88 a economia catarinense se desenvolvesse dentro de um isolamento regional e pouco integrado com o conjunto da economia brasileira. De qualquer maneira, a colonização européia em Santa Catarina, iniciada no final da década de 1820, teve um papel crucial ao desenvolvimento econômico e industrial catarinense. A forma de como ela foi feita determina muitas características marcantes ainda hoje na economia do estado, como, por exemplo, a predominância de pequenas e médias empresas fundadas, na sua grande maioria, por empresários-imigrantes, e o destacado dinamismo dos principais setores industriais catarinenses quando foram fundadas as principais indústrias, principalmente têxteis como a Hering (1880), Karsten (1882), D hler (1881) entres outras, mas também em outros setores como por exemplo a primeira fundição, a Motzkeit (1893). Durante as Primeira (1914-1918) e Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os reflexos à Santa Catarina foram profundos, principalmente no que se refere à consciência, à cultura e à vida dos imigrantes alemães frente a crescente desconfiança e discriminação social no Brasil. No campo econômico, um dos principais impactos à economia catarinense, segundo Piazza e Hübener (1987), foi o cancelamento do comércio com a Alemanha. Como a importação de produtos alemães por Santa Catarina era bastante significativa, a interrupção do comércio impediu a compra de matérias-primas e máquinas, prejudicando o desenvolvimento e a expansão do parque industrial do estado, que nessa época já contava com cerca de oito mil estabelecimentos industriais, na sua maioria têxteis e extrativistas. O período entre 1914 e 1945, foi determinante ao processo de industrialização de Santa Catarina por causa de uma série de fatores. Entre os principais estão o desenvolvimento e consolidação de uma estrutura econômica e industrial baseada em pequenas e médias empresas; a transição do país de uma economia agro-exportadora de café para uma industrial, devido à necessidade de substituir importações em função da menor oferta internacional gerada pelas duas Grandes Guerras, gera uma demanda interna maior por bens de consumo finais, o que abriu aos poucos um importante espaço às indústrias catarinenses no cenário nacional; o setor têxtil voltase à exportação; os setores de extração de madeira e carvão crescem robustamente; o setor metalmecânico inicia suas atividades; o setor alimentício conhece uma forte expansão; ocorre a incorporação da região Oeste na economia catarinense, depois do ganho de causa por Santa Catarina frente ao Paraná na disputa territorial dessa região, a qual passa a ser colonizado por gaúchos ítalo-germanos voltados à extração da madeira, à agricultura, à suinocultura e, mais 89 tarde, à agroindústria15; embora pouco expressiva nesse período, a imigração alemã foi mais seleta, chegando pessoas com experiência técnica e organizacional, operários especializados, engenheiros, técnicos e pequenos empreendedores, que contribuíram para a formação de mão-deobra mais especializada e até para a fundação de muitas empresas no Vale do Itajaí e na região de Joinville; a proibição das importações, principalmente da Alemanha, contribuíram ao surgimento do setor metal-mecânico, no que se refere à substituição de peças, máquinas e teares antes produtos importados; a substituição da erva-mate pela madeira como principal produto de exportação catarinense na década de 1930. (FIESC, 2000). O pioneirismo da indústria têxtil, portanto, interrompe-se a partir da Segunda Guerra Mundial, quando a proibição das importações da Alemanha instaurou uma grande demanda por bens e matérias-primas importadas para abastecer, principalmente, as indústrias têxteis, com maquinários e matérias-primas, e as casas comerciais com bens de luxo ou manufaturados. Para suprir essa demanda crescente, destaca-se novamente o papel de empresário-empreendedor, quando ele redireciona capitais e investe em novos e diversificados empreendimentos conforme a demanda por determinados bens, antes importados e que apresentam demanda crescente nas cidades catarinenses. Nesse período, nasceram, ainda que de forma lenta e de caráter incipiente, diversos ramos industriais com destaque ao surgimento das indústrias metalúrgica, siderúrgica, material elétrico e de transporte, cerâmica, carbonífera, agroindústria, etc. Nesse sentido, os imigrantes alemães desenvolveram as industrias têxteis, metal-mecânica e alimentar no Vale do Itajaí e região Nordeste do Estado; enquanto os descendentes de italianos foram responsáveis pela indústria carbonífera no Sul e os descendentes ítalo-germânicos pela agroindústria no Oeste. Dessa maneira, a indústria de transformação sofre um alteração na sua estrutura: as indústrias tradicionais (têxtil, vestuário, alimentícia e mobiliária) apresentaram um redução da sua participação na produção industrial catarinense, passando de 87,5 % em 1939 para 76,8% em 1965; enquanto as indústrias dinâmicas (minerais não-metálicos, metalúrgica, papel, plásticos, mecânica, material de transporte e elétrico) progrediam constantemente e praticamente dobraram sua participação no mesmo período, passando de 12,5% em 1939 para 23,2% em 1965 do total da produção industrial catarinense. (SANTAMARÍA, 1994). 15 Segundo dados da FIESC (2000), 76.394 migrantes descendentes de alemães e italianos oriundos do Rio Grande do Sul ingressaram na região Oeste de Santa Catarina entre as décadas de 1920 e 1940. Esse robusto fluxo migratório fez com que a participação do estado na população brasileira subisse de 2, 18 % em 1920 para 2,9 % em 1940. 90 Paralelamente, conforme Michels (1998), inicia o processo de integração da economia catarinense à economia nacional, a partir do momento, que esta passa a demandar por produtos produzidos pelas indústrias catarinenses, como foi o caso das indústrias metais-mecânicas à indústria automobilística de São Paulo, o da indústria carbonífera ao setor energético (Usina de Volta Redonda) do Rio de Janeiro e da agroindústria no abastecimento da região Sudeste. Nesse contexto, a economia catarinense passa a integrar-se cada vez mais com a economia brasileira, tanto como fonte consumidora quanto fornecedora de produtos e serviços ao resto do país. A partir da década de 1970, a paisagem industrial de Santa Catarina conhece novamente significativas transformações, especialmente após uma melhoria nas infra-estruturas do estado e nas linhas de crédito aos empresários. Projetos e créditos financiados a partir de instituições do governo federal e estadual, como o BNDES, BRDE e BESC, possibilitam uma maior oferta de energia elétrica com o aumento da capacidade produtora da CELESC, de estradas de rodagem como a BR 101, a 470 e a 282, e ainda a ampliação de empresas já constituídas e a criação de várias novas empresas no estado através do uso desse crédito oferecido. A consolidação da maioria das indústrias e da diversificação industrial catarinense ocorre nos anos 1970, quando Santa Catarina conquista o mercado nacional em vários segmentos, como os de produtos eletro-metal-mecânicos, têxteis e vestuários, revestimentos cerâmicos, tubos e conexões, produtos agro-industriais, etc. Por isso, a década de 1970 foi considerada como a década de ouro ao desenvolvimento industrial catarinense. A partir daí, “Santa Catarina passou a figurar com destaque na oferta brasileira nos ramos tradicionais e dinâmicos, conforme se desprende das participações nos valores de transformação industrial do Brasil.” (CUNHA, 2000, p. 298). A década de 1990, quando ocorre a abertura econômica do Brasil e sua integração na economia internacional globalizada, trouxe às indústrias brasileiras e também às catarinenses, no geral, profundas e importantes transformações. Os resultados foram uma verdadeira reestruturação produtiva, exigida segundo as novas tendências mundiais ditadas num cenário de grandes conglomerados empresariais altamente competitivos e inovadores. Diante disso, a indústria brasileira viu-se obrigada não somente a renovar seu parque de máquinas para tornar-se internacionalmente competitiva, mas principalmente a reorganizar sua forma de administrar produção e recursos humanos e a reestruturar sua produção através da introdução de processos inovadores e/ou novas tecnologias como programas de controle de qualidade total (total quality 91 control) e processos mais flexíveis de produção e gestão empresarial como a terceirização, o quick response, o just-in-time16, etc.. Fatores ou processos, que sem os quais, certamente os vários setores industriais brasileiros, especialmente setores com um forte perfil exportador como os catarinenses, não seriam capazes de ganhar em produtividade e competitividade diante dos grandes conglomerados internacionais dominantes no atual contexto internacional. Ao explorar nichos de mercados nos quais eram competitivas, as empresas catarinenses assumiram rapidamente a liderança nacional em vários setores industriais como a agroindústria (suínos e aves), tubos e conexões, matérias plásticas, cerâmica de revestimento, refrigeradores e ar condicionado, motocompressores e motores elétricos. Além disso, os produtos catarinenses passaram a ocupar cada vez mais a pauta de exportações brasileiras, a partir da abertura de novos mercados e com a comercialização de produtos de alto índice de competitividade, de tecnologia e de qualidade. (FIESC, 2000). 3.3.1 A Imigração Alemã A Alemanha durante o século XIX, século no qual iniciaram-se os movimentos migratórios, passava por profundas e graduais transformações políticas, sociais e econômicas, resultantes de três importantes processos que aconteciam paralela e concomitantemente na época, ou seja, a industrialização, a urbanização e a unificação do país. A industrialização alemã iniciou-se a partir da década de 1820, quando surgiram as primeiras fábricas têxteis. Esse processo intensificou-se mesmo na década de 1830, com os adventos da Zollverein (União Aduaneira Alemã) em 1834 e da ferrovia em 1835, que desempenharam uma contribuição muito importante para o surgimento, desenvolvimento e aperfeiçoamento de novos setores industriais na Alemanha, especialmente o carbonífero, o siderúrgico, o metalúrgico e o da construção naval. Estes foram, portanto, os primeiros setores de vanguarda no processo de industrialização da Alemanha, pois foram eles os que mais 16 Segundo Moraes (2002, p. 75), “Just-in-time é o sistema desenvolvido pela Toyota nos anos 30, próprio para a economia japonesa, para a produção de pequenas quantidades de automóveis diferentes, no mesmo processo produtivo. Consiste em suprir o mercado com aquilo que é demandado, quando é demandado, e na exata quantidade demandada. O sistema de produção ‘toyotismo’ permite a redução dos estoques, dos custos de administração dos estoques e do espaço físico”. 92 dinamizaram o desenvolvimento econômico alemão e serviram de sustentação ao desenvolvimento industrial e tecnológico do país, inserindo-o anos mais tarde no centro da Segunda Revolução Industrial. Por outro lado, se o processo de industrialização na Alemanha se intensificava, as indústrias necessitavam cada vez mais de mão-de-obra, já que a expansão industrial estava em franca ascensão por causa da rápida consolidação do país como potência econômica de base exportadora ainda no século XIX. Dessa forma, a constante demanda por mão-de-obra pela indústria fez com muitos camponeses migrassem para as cidades na busca por melhores condições de vida, intensificando expressivamente o processo de urbanização na Alemanha especialmente nas décadas de 1840 e 1850. No campo, os camponeses viviam em precárias condições e/ou eram expropriados de suas terras pelos grandes proprietários rurais, formada principalmente pela aristocracia alemã da época. Por isso, cada vez mais os pequenos camponeses abandonavam o campo e fugiam para as cidades, atraídos pela esperança de melhoria de vida e ascensão social com o emprego nas indústrias urbanas. No entanto, o êxodo rural tomou proporções gigantescas com a vinda de uma imensa massa de camponeses, principalmente pequenos camponeses que formavam a maioria da população alemã nesse período, devido às condições insustentáveis no campo. Com isso, o inchaço urbano tornava-se caótico, pois as indústrias já não mais absorviam como inicialmente toda essa oferta de mão-de-obra crescente, ou seja, a oferta de mão-de-obra era superior em relação à demanda nas indústrias. Diante dessa situação, muitas pessoas ficaram desempregadas e as que estavam empregadas recebiam, em geral, muito pouco pelo seu trabalho nas indústrias, pois, como havia um significativo excedente de mão-de-obra, os empresários aproveitavam as circunstâncias para superexplorar a mão-de-obra empregada e assim aumentar a produtividade das fábricas e seus lucros. A superexploração do trabalho da grande massa de trabalhadores proporcionou aos capitalistas industriais uma grande acumulação de capitais, fazendo com que seus negócios prosperassem e os ascendessem política e socialmente. Por isso, durante o século XIX quando as indústrias estão surgindo e/ou consolidando-se na Alemanha, o prestígio político e social dos empresários conhece uma significativa ascensão, passando a quebrar a longa relação monarquia e aristocracia e a disputar novos espaços políticos nesse novo e transitório cenário político na defesa de seus interesses. Dessa maneira, os empresários passam a influenciar cada vez mais na 93 política alemã, tanto que vão alicerçando uma aliança política com a monarquia e desbancando cada vez mais a aristocracia alemã. O cenário político alemão estava passando por constantes transformações, dentre elas as fortes influências liberais presente na Europa nessa época e a consolidação dessa nova aliança monarquia e empresariado, o que fortalecia o poder dos empresários e avalizava a situação dominante empresarial, ou seja, frente aos protestos de trabalhadores contra a superexploração de seu trabalho. Perante um contexto caótico de impotência e insignificância na política e de superexploração do trabalho, desemprego, miséria em massa nas cidades, aliadas com precárias condições de vida no campo e com as epidemias e as crises alimentares constantes na Europa no século XIX, criou-se um contigente de alemães dispostos a imigrar para o Mundo Novo, ou seja, a América. Somam-se ainda a essas pessoas os vários artesãos, desempregados e prejudicados pela concorrência desleal com a indústria, colocando-os também em situação preocupante e dispostos a imigrar. A opção pela imigração foi vista por muitos como a única saída da profunda crise sócio-econômica, pela qual estavam passando. Além disso, a propaganda na Europa de riqueza fácil e de rápida melhoria de vida na América fez com que muitos alemães optassem pela imigração ao Brasil ainda na década de 1820. Os primeiros imigrantes alemães chegaram no Brasil a partir de 1824 e tiveram como principais destinos o Sul do país, segundo pretensões do governo imperial de colonização e povoamento da região. Dessa maneira, as províncias do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina receberam as maiores levas de imigrantes, não somente alemães, mas também italianos, poloneses, entre outros, que também fugiam das difíceis condições de vida em seus países. A grande proporção dos fluxos imigratórios reflete a dimensão dos graves problemas sociais e econômicos de quase todos os países europeus no século XIX. A primeira colônia alemã em Santa Catarina foi São Pedro de Alcântara, criada em 1829, mas que não obteve tanto sucesso como as colônias de Blumenau, Brusque e Joinville, fundadas na década de 1850. Elas logo se desenvolveram por causa de suas melhores condições agrícolas e, mais tarde, do advento da atividade industrial, possibilitando que elas prosperassem e se estabelecessem como principal pólo econômico e industrial de Santa Catarina. 94 3.3.2 O Empreendedorismo do Imigrante Alemão Recém chegados ao Brasil, os imigrantes alemães receberam pequenos lotes de terras para cultivar e trabalhar. Aquela propaganda de riqueza fácil foi pura ilusão, porém a de melhorias nas condições de vida foi real, mesmo que para isso alcançá-las fosse necessário muito trabalho. Mesmo assim, a motivação dos imigrantes alemães sempre fora grande, pois já haviam superados dois problemas que lhes afligiam na Alemanha: a fome e a falta de terra. Com seu trabalho no Brasil, estabeleceram um sistema produtivo de subsistência, baseado no cultivo de alimentos para o próprio consumo, nas pequenas propriedades de terras recebidas e não mão-de-obra familiar. Inicialmente, foi assim que a maioria dos imigrantes alemães se instalou no Sul do Brasil. Juntamente com eles, os imigrantes trouxeram técnicas de produção agrícola mais avançadas em relação às praticas brasileiras, já que a maioria deles era de origem camponesa e dominavam técnicas e conhecimentos de cultivo que se desenvolveram e evoluíram com o passar dos séculos na Europa. Com isso, muitos imigrantes progrediram e melhoram suas condições de vida, pois logo começaram a produzir excedentes e a comercializá-los nas vilas coloniais. Esse comércio foi aos poucos formando uma economia monetária e um mercado interno regional. Com a venda dos produtos agrícolas excedentes nas vilas, os imigrantes foram acumulando lentamente pequenas quantias de capital, as quais muitas vezes foram utilizadas para quitar dívidas, comprar novas terras ou ainda aplicadas na criação de pequenas manufaturas, muitas delas comunitárias, para manufaturar e agregar valor à produção agrícola dos agricultores, aumentando assim seus ganhos no momento de comercializá-los. Por outro lado, entre os imigrantes alemães não vieram somente agricultores, mas também artesãos e pequenos comerciantes. Estes, ao dedicaram-se inicialmente à agricultura, também conseguiram acumular algum capital pelo comércio de seus excedentes agrícolas e, juntamente com alguns poucos recursos financeiros trazidos da Alemanha, passaram a investir no comércio e/ou na manufatura artesanal. Nesse contexto, surgiram as casas comerciais, estabelecimentos que abasteciam as colônias e vendiam desde produtos agrícolas, alimentos até fios, ferramentas e outros utensílios importados. Já os artesãos passaram a exercer suas velhas atividades profissionais em que trabalhavam na Alemanha, abrindo sapatarias, alfaiatarias, ferrarias, 95 chapelarias, etc.. A partir do desenvolvimento desses ramos e de seus capitais reinvestidos, criaram-se as primeiras fábricas, especialmente na região de Blumenau e Joinville. As primeiras fábricas surgidas foram as têxteis e de vestuário, apesar das péssimas circunstâncias, que aliás eram muito contrárias ao surgimento das primeiras indústrias, especialmente em função da escassez de crédito e falta de apoio governamental. Mesmo assim, as indústrias surgiram e se consolidaram como importante atividade econômica ainda no final do século XIX na região do Vale do Itajaí e Nordeste de Santa Catarina, particularmente devido a um importantíssimo fator: o empreendedorismo do empresário-imigrante de origem alemã17. Os imigrantes alemães que chegaram no Brasil durante a metade final do século XIX viram em seu país de origem, no caso a Alemanha, o processo de industrialização nascer e se aprofundar, trazendo consigo suas próprias experiências que lá presenciaram durante esse período. Por isso, muitos artesãos, desempregados pela própria indústria alemã, e mesmo trabalhadores e técnicos industriais imigraram para o Brasil e continuaram a trabalhar nesses ramos voltados à indústria, contribuindo no estabelecimento e consolidação da atividade industrial como um importante setor à economia catarinense. A experiência profissional, de uns, e o espírito empreendedor, de outros imigrantes, fizeram com que as condições necessárias ao surgimento das primeiras indústrias em Santa Catarina florescessem com êxito. Através do capital, gerado no próprio mercado interno regional e depois reinvestido na atividade industrial, foi possibilitada a importação de bens de capital da Alemanha, destacando maquinário (teares, agulhas, ferramentas, peças de reposição, corantes, etc.) e matérias-primas, as quais ainda eram escassas no Brasil como o algodão e a lã, para o estágio inicial da produção têxtil catarinense. “A contribuição técnica e empreendedora desses pioneiros [imigrantes alemães] em muito facilitou o desenvolvimento da industrialização na Região Sul e fundamentalmente em Santa Catarina.” (VIEIRA FILHO, 1986, p. 11). Portanto, o empresário-empreendedor, de origem imigrante e germânica, foi o principal responsável pela consolidação e o sucesso alcançado pela indústria de Santa Catarina, pois ele soube acreditar em seu espírito empreendedor e lidar com as mais diversas adversidades da época, logrando sucesso indiscutível em seus empreendimentos e contribuindo significativamente ao desenvolvimento econômico e industrial catarinense. 17 Schumpeter (1982) define o empresário-empreendedor como um dos principais agentes na promoção do desenvolvimento, pois ele será o agente inovador do processo produtivo e realizará as novas combinações necessárias para a evolução do sistema capitalista. 96 3.3.3 O Papel do Estado Durante a fase inicial de implantação da indústria em Santa Catarina no final do século XIX, os governos tanto o provincial quanto o imperial não se fizeram presente no processo de industrialização catarinense. O governo catarinense estava ligado às elites estabelecidas no litoral, desatentando-se das regiões interioranas do território catarinense. A demora na implantação de políticas públicas voltadas à indústria na maioria das regiões de Santa Catarina, principalmente nas de colonização alemã no Vale do Itajaí e no Nordeste catarinense, incentivou um movimento dos próprios empresários na busca por melhores condições e aportes para seus empreendimentos. Diante dessa situação, alguns empresários, destacando novamente o espírito empreendedor do empresário-imigrante alemão, tomaram importantes e decisivas iniciativas para criar linhas de crédito para investimentos, financiamentos e infra-estruturas nessas regiões, garantindo assim a sustentabilidade de seus empreendimentos. Entre as principais iniciativas estão a criação de companhias de navegação pelo Rio Itajaí-Açú, a construção de pequenas ferrovias de ligação entre as cidades e os portos de Itajaí ou São Francisco do Sul, a criação de casas bancárias ou sociedades de crédito, a instalação de pequenas usinas hidrelétricas, etc. Estes novos empreendimentos foram, portanto, praticamente financiados e liderados pelos próprios empresários-imigrantes, que viam nessas ações um complemento para as atividades industriais da região e que o Estado deixou de lhes proporcionar. No final da década de 1940, segundo Piazza e Hübener (1987), viu-se que a continuidade do desenvolvimento econômico de Santa Catarina dependia de maiores investimentos por parte do governo estadual em infra-estrutura para melhorar o escoamento da produção agrícola e industrial de todas as regiões catarinenses. Com isso, Santa Catarina torna-se um dos primeiros estados brasileiros a elaborar seu planejamento governamental. “Trata-se do ´Plano de Obras e Equipamentos` - POE, com vistas a atingir o desenvolvimento através da construção de estradas de rodagem, energia elétrica, agricultura, educação e saúde.” (PIAZZA; H BENER, 1987, p. 145). Esse plano foi efetivado somente em 1951, durante o governo Irineu Bornhausen, quando o governo estadual realmente passa a investir em infra-estrutura e em outras políticas de apoio para 97 a maioria das atividades econômicas do estado, especialmente para as indústrias do Vale do Itajaí e Nordeste catarinense. Desde a década de 1930 com o governo Getúlio Vargas, o governo federal passou a atuar diretamente no plano econômico brasileiro através da elaboração de políticas desenvolvementistas, as quais eram voltadas ao desenvolvimento econômico e industrial do país. Iniciava-se o período da industrialização forçada pelo Estado via programa de substituição de importações, comprovando o início da tendência para um Estado de inspiração política keynesiana, ou seja, pela sua atuação direta e determinante na economia nacional, tendência a qual se estenderá até a década de 1980. Entretanto, durante essas longas décadas (1930 – 1980) de políticas públicas federais voltadas ao desenvolvimento econômico e industrial do Brasil, as políticas do Estado foram destinadas, na sua grande maioria, aos setores industriais dos grandes centros dinâmicos da economia nacional, isto é, às indústrias dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, deixando a maioria das regiões periféricas industriais do país desprovidas de tais benefícios federais. Por isso, muitos estados brasileiros, dentre eles Santa Catarina, viram-se diante dessa situação obrigados a buscar outras alternativas e elaborar suas próprias políticas de incentivo para suas indústrias. A implementação de políticas públicas tanto pelo governo federal como pelo estadual fez com que alguns poucos grupos empresariais fossem beneficiados. Em Santa Catarina a partir de 1950, constata-se que a maioria das políticas públicas estaduais nesse sentido beneficiara os atuais grandes grupos empresariais catarinenses. O apoio do governo estadual, referente a incentivos fiscais, financiamentos e promoção de infra-estruturas de apoio, beneficiou especialmente os grupos empresariais do Vale do Itajaí e da região Nordeste do estado. Com certeza, tal apoio do governo estadual a algumas poucas indústrias foi determinante na consolidação de tais grupos no cenário nacional e internacional. Com o fortalecimento do setor industrial em Santa Catarina, ocorre uma ascensão não só social dos empresários, mas também política. Os principais grupos empresariais catarinenses passam a influenciar na política estadual, principalmente na defesa de seus interesses. Reflexo disso, foi a criação da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC) e o estabelecimento de outras entidades nacionais voltadas à indústria no estado, como o Serviço Social da Indústria (SESI) em 1951 e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) em 1954. Com isso, os empresários passam a ter destacada atuação política e social em Santa 98 Catarina, mesmo que direta e/ou indiretamente. Ou seja, com o passar dos anos, a influência do empresariado catarinense na política estadual gerou um evidente benefício em favor de seus empreendimentos, principalmente em relação aos grandes grupos industriais do Vale do Itajaí e da região de Joinville. Estes passaram a influenciar cada vez mais nas decisões políticas do governo estadual e, geralmente, em seu favor. Como pode-se perceber, várias políticas estaduais de incentivos fiscais, de financiamentos e de melhorias da infra-estrutura foram destinados ao benefício direto das principais indústrias catarinenses. Certamente, se não houvesse tal influência empresarial, o governo estadual não se voltaria de livre e espontânea vontade para viabilizar recursos públicos para financiar obras, conjuntamente ou não com o governo federal, como a BR 101 e a modernização dos portos de Itajaí e São Francisco do Sul. Além dos pontos já mencionados sobre o papel do Estado no desenvolvimento catarinense, destaca-se ainda a associação entre o governo estadual e entidades comerciais e/ou industriais catarinenses no que se refere à participação em ferias ou eventos internacionais. Como exemplo disso, anualmente ocorre a missão empresarial catarinense à Feira Internacional de Hannover na Alemanha. Nessa, que é a maior feira multisetorial do mundo, essa missão é empreendida e formada pelo governo estadual em conjunto com o empresariado catarinense, o qual é representado pelas suas entidades, a FIESC e o SEBRAE-SC. Ela tem como objetivos primordiais divulgar as potencialidades de Santa Catarina no exterior, firmar negócios, contatos e acordos de parcerias público-privadas e, especialmente, atrair novas e maiores possibilidades através do intercâmbio de novas tecnologias, de informações, conhecimentos e experiências para alavancar o desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico catarinense. Portanto, o papel do Estado na economia catarinense torna-se contraditório, mas normal em relação ao Brasil ou a maioria dos países periféricos mundiais que vivem sob a égide do sistema capitalista. Se de um lado, o governo estadual interveio positivamente na economia catarinense, quando implementou políticas para a expansão das atividades industriais e para a melhoria das condições sociais, colocando o estado com destaques nacional e internacional por possuir indústrias alta e tecnologicamente competitivas e por contar com um dos melhores índices de desenvolvimento humano; de outro, ele contribuiu para aumentar a acumulação de capitais e riquezas dos grandes grupos empresariais de Santa Catarina, calcada na superexploração da massa trabalhadora, e que hoje despontam nacional e internacionalmente. 99 3.4 O Setor Metal-Mecânico Catarinense Primeiramente, faz-se necessário definir quais ramos ou atividades industriais o setor eletro-metal-mecânico abrange, para mais tarde partir para a sua análise em Santa Catarina. O setor metal-mecânico é compreendido pelos seguintes ramos: a metalurgia, a mecânica, o material elétrico, de comunicações e de transporte. Portanto, segundo Santamaría (1994), são todos aqueles ramos que se dedicam à transformação de metais, englobando as fábricas de bens e serviços intermediários, como fundições, forjarias, soldagem, etc., bem como aquelas que produzem bens finais, como equipamentos, a maquinaria, veículos e outros materiais de transporte e de comunicações. Essas são consideradas as atividades industriais dinâmicas da economia, ou seja, as indústrias de bens de capital e bens de consumo duráveis. Na análise sobre o setor metal-mecânico de Santa Catarina, como já visto anteriormente, a colonização alemã teve um papel crucial ao desenvolvimento econômico e industrial catarinense, especialmente a partir da metade final do século XIX quando aqui chegaram os imigrantesempreendedores. Eles foram responsáveis pelo surgimento da atividade industrial em Santa Catarina ao aplicar os seus conhecimentos e técnicas mais avançadas no desenvolvimento dos principais setores industriais catarinenses, dando impulso e dinamismo nas pioneiras e principais indústrias têxteis como a Hering (1880), D hler (1881), Karsten (1882), entres outras. Além dessas, os imigrantes alemães tiveram importante participação também em outras atividades industriais, como por exemplo na primeira fundição, a Motzkeit fundada em 1893, constituindo na primeira empresa desse ramo na época. Nessa época, a participação alemã no processo de industrialização de Santa Catarina inicia, portanto, no próprio processo de colonização das regiões do Vale do Itajaí e Nordeste catarinense por imigrantes alemães, quando nelas muitos deles passam a dedicar-se ao desenvolvimento inicial da atividade industrial. Por outro lado, vê-se que capitais alemães também tiveram participação nesse processo, ou seja, além de alguns poucos recursos que alguns imigrantes trouxeram consigo da Alemanha, houve a participação de alguns bancos alemães nessas duas regiões. Um exemplo disso, é o financiamento feito por bancos alemães para a construção de ferrovias, uma que ligaria várias cidades do Vale do Itajaí e outra Joinville às cidades vizinhas. Esse financiamento foi realizado em 1899, mas as ferrovias foram concluídas 100 somente em 190918. (VIDOR, 1995). Esse fato comprova que, de alguma forma ou outra, recursos e capitais alemães vindos da Alemanha contribuíram ao desenvolvimento industrial e econômico de Santa Catarina. Segundo Vidor (1995), as primeiras fundições criadas em Santa Catarina, nas duas primeiras décadas do século XX, situaram-se principalmente na região Nordeste e no Vale do Itajaí, quando os capitais para sua criação foram coletados junto à burguesia local e a bancos alemães. A sucata de ferro era a matéria-prima e tecnologia utilizada nessas fundições era alemã, produzindo utensílios agrícolas, peças avulsas para reposição e artigos domésticos. Apesar das primeiras indústrias que compreendem o setor eletro-metal-mecânico em Santa Catarina surgirem anteriormente, somente a partir das restrições de importar máquinas e equipamentos provocadas pela Segunda Guerra Mundial, particularmente da Alemanha o maior fornecedor dessas mercadorias até então19, o setor se expande significativamente, quando surgem as suas principais e mais dinâmicas indústrias na região Nordeste do Estado, principalmente em Joinville e Jaraguá do Sul. Nesse contexto, surgiram empresas como, por exemplo, a Fundição Tupy (1938), a Schneider Motobombas (1946), a Carrocerias Nielsen (1946) e a Refrigeração Consul (1950). Nas décadas seguintes, seguindo as oportunidades geradas na época pela restrição de importações e a real necessidade de substituí-las, surgem novas e dinâmicas empresas no setor eletro-metal-mecânico, como a Docol Metais Sanitários (1956), a Weg Motores Elétricos (1961), a Schulz Compressores (1963), a Empresa Brasileira de Compressores – Embraco – (1971), a Intelbrás (1976), entre outras. Por isso, pode-se dizer como Santamaría (1994, p. 2), ou seja, que o “[...] setor Metal-Mecânico catarinense surgiu de igual forma ao nacional, produto da política de substituição de importações.” 18 “No ano de 1899, na cidade de Berlim, foi fundada uma empresa, cujo maior acionário, o Banco de Bleishroeder e Warschauer, colocou nove milhões de francos para a construção de uma rede ferroviária com vagões movidos a vapor, que iria ligar várias cidades no Vale do Itajaí e, mais no norte, uma outra via que ligava Joinville às cidades vizinhas. Os trabalhos em Blumenau não começaram senão em 1907, com novos acionistas, mantendo-se os bancos alemães com o controle acionário. O primeiro segmento, de 31 km, foi concluído em maio de 1909. No mês de outubro deste mesmo ano foram terminado mais 70 km e, mais tarde, esta via ligar-se-ia ao sudeste do Vale, tendo como ponto final a cidade de Trombudo Central. A leste, a ferrovia chega ao porto de Itajaí.” (VIDOR, 1986, p. 35). 19 Para se ter uma idéia da importância da Alemanha nas importações totais catarinenses nessa época, Cunha (1982) afirma que em 1886, Santa Catarina importava da Alemanha 36,4% do total de suas importações, alcançando a incrível marca de 51,3% em 1908. Segundo Vidor (1986), em 1928, foram registrados 515 mil réis de importações vindas da Alemanha, ficando muito acima do segundo colocado a Suécia com apenas 80 mil réis. Diante disso, a Alemanha consolidou-se com principal país nas importações catarinenses, pelo menos até a Segunda Guerra Mundial. 101 Portanto, nas décadas de 1950 e 1960, ocorrem a expansão e a diversificação das atividades industriais em Santa Catarina e, nesse processo, ocorre também a ascensão das industrias dinâmicas catarinenses, com destaque às do setor metal-mecânico. Elas consolidam-se e já apresentam um bom desempenho, passando de uma participação de 5,2 % em 1949 para um 11,7 % em 1965 no total da produção industrial catarinense. (SANTAMARÍA, 1994). Segundo Vidor (1995), esse crescimento quantitativo das indústrias do setor metal-mecânico deveu-se à expansão das pequenas empresas, que passaram a fabricar materiais para a construção civil, como portas, janelas, estruturas metálicas, esquadrias de alumínio, além dos já mencionados utensílios agrícolas e peças de reposição. De qualquer forma, o setor metal-mecânico tornou-se nesse período um importante setor econômico catarinense, que já começara a despontar nacionalmente. Os capitais necessários para a formação das primeiras empresas do setor eletro-metalmecânico em Santa Catarina tiveram origem na acumulação de capital, permitida anteriormente pelo comércio externo da erva-mate e da madeira que atingiram o seu auge nas décadas de 1920 e 1930. Entretanto, logo na década de 1940 e 1950, essas duas atividades econômicas entraram em decadência, devido à crise vivida nesse período pela Argentina, principal importador de ervamate e também de madeira, e à Segunda Guerra Mundial que envolvia muitos países no esforço de guerra, prejudicando as exportações catarinenses de madeira. Diante disso, houve um redirecionamento de capitais dessas atividades para outras, especialmente às atividades industriais como fundições, forjarias, fábricas de máquinas e equipamentos, ou seja, aquelas de bens de capital e de consumo duráveis que até hoje dão importante sustentação à economia do estado e alavancam as principais exportações catarinenses. A alocação de recursos e capitais na formação do setor metal-mecânico se deu, além daqueles gerados pelo comércio exterior (erva-mate e madeira), também pelo surgimento de pequenas agências financiadoras e alguns bancos maiores, como, por exemplo, o Banco Regional de Desenvolvimento do Sul (BRDE), o Banco da Indústria e Comércio (INCO) e o Banco do Estado de Santa Catarina (BESC). Elas contribuíram ao desenvolvimento industrial catarinense, quando redirecionaram os recursos para o financiamento e investimento em máquinas, equipamentos, instalações físicas e infra-estruturas necessárias. (VIEIRA FILHO, 1986). Além disso, na formação do setor eletro-metal-mecânico de Santa Catarina temos que destacar a importante e destacada presença do empresário-empreendedor de origem alemã, este que como Schumpeter (1982) destaca ser o principal determinante do desenvolvimento 102 econômico por realizar as novas combinações necessárias à inovação nas atividades produtivas. Por isso, Schumpeter afirma que nem todos os empresários são empreendedores, pois muitos não realizam as novas combinações (novos processos e produtos) e sim as copiam de outros, ou seja, dos empreendedores. Dessa forma, pode-se afirmar que os empresários catarinenses, pelo menos a grande maioria deles do setor eletro-metal-mecânico, são empresários-empreendedores, conforme a definição schumpeteriana, pois eles foram um dos principais determinantes na consolidação desse setor como uma importante e destacada atividade econômica para Santa Catarina. No âmbito nacional, em meados da década de 1950, o Governo de Juscelino Kubitschek passou a atrair capitais externos na forma de empresas multinacionais, as quais foram responsáveis pela implantação da indústria automobilística no Brasil. Isso fez com algumas indústrias metais-mecânicas catarinenses, como por exemplo a Fundição Tupy, se tornassem importantes fornecedoras de máquinas, equipamentos e peças para a indústria automobilística nacional. Além disso, esse fato contribuiu para o salto desse setor em Santa Catarina e para iniciar a progressiva integração da economia catarinense com a nacional. É importante observar que a indústria de Blumenau [Vale do Itajaí e Nordeste catarinense] não concorre, via de regra, com a de São Paulo e a do Rio. As empresas que atingem o estágio de grande indústria, possuindo participação ponderável no mercado nacional, são as que desempenham papel pioneiro em ramos virgens ou quase virgens no Brasil. [...]. A condição de sucesso da penetração no mercado nacional parece ter sido abrir mercados como estruturas monopolísticas ou oligopolísticas (oferta concentrada em uma ou poucas empresas).” (SINGER apud MICHELS, 1998, p. 140). No âmbito estadual, as relações de Santa Catarina com a Alemanha sempre foram muito próximas, não somente no período inicial da colonização alemã no Estado, mas elas também foram muito próximas e importantes durante o processo de industrialização catarinense. “O relacionamento refletia a importância dos laços extracomerciais, dos quais Santa Catarina se beneficiava com a transmissão de ‘know how’ e pelo estímulo ao ingresso de pessoal técnico da Alemanha.” (CUNHA, 1982, p. 110). Dessa forma, Santa Catarina adquiriu conhecimentos técnicos vindos da Alemanha, especialmente pelo ingresso de pessoal técnico e imigrantes especializados e pela importação de máquinas e equipamentos mais avançados, que sem dúvida contribuíram ao desenvolvimento industrial catarinense. 103 O setor metal-mecânico foi um dos mais beneficiados nesse processo de intercâmbio tecnológico com a Alemanha. Como tratavam-se inicialmente de pequenas empresas industriais, conforme Michels (1998), elas davam grande importância ao vínculo com a Alemanha, pois era onde elas buscavam atualizar-se e modernizar-se. um exemplo disso, pode ser acompanhado pelo exemplo da Weg de Jaraguá do Sul, fundada em 1961, mas que somente em 1968 inicia [...] sua evolução efetiva, após viagem dos três fundadores à Europa e principalmente à Alemanha, onde sentiram a necessidade de atualização da empresa. Inicialmente, sob o aspecto tecnológico, passando a padronizar e estandartizar os produtos que até então eram fabricados de forma empírica. Isto, envolveu a aquisição de um pacote tecnológico (desenhos, especificações de motores, etc.). Feita a aquisição a Weg passou a absorver e desenvolver a tecnologia, simultaneamente. Paralelamente, foi elaborado um projeto de modernização do parque fabril [...]. Na ocasião foram feitos contatos com fornecedores de máquinas e equipamentos visando dotar a empresa de uma ferramentaria (Departamento Mecânico). Aparelhos de metrologia para a introdução do controle de qualidade e equipamentos de produção modernos para a época. (VIEIRA FILHO, 1986, p. 110-111). A partir do exemplo da Weg, pode-se constatar um modelo muito comum de como ocorre o intercâmbio tecnológico de empresas alemães para as catarinenses. Ou seja, inicia-se geralmente com a ida de empresários catarinenses à Alemanha para estabelecer contatos e acordos diretamente com empresas e/ou fornecedores alemães, visando transferir inovações tecnológicas, seja na forma de máquinas ou equipamentos ou ainda na de processos inovadores de produção e/ou de administração, as quais serão adquiridas e posteriormente incorporada na produção e/ou na administração da empresa. Muitas empresas catarinenses, especialmente do setor metal-mecânico, buscam constantes atualizações tecnológicas na Alemanha, sendo que tais inovações são primeiramente incorporadas na produção e, depois de assimilada e aperfeiçoada tal tecnologia, as empresas passam geralmente a desenvolver algum tipo de tecnologia ao mesmo tempo que continuam a importar outros tecnologias. Nas décadas de 1970 e 1980, devido à grande diversificação e à especialização técnica e produtiva da indústria catarinense, ocorre a internacionalização das principais empresas catarinenses, especialmente as do setor metal-mecânico, como a Weg, a Embraco, a Nielsen, etc. Para tal internacionalização, muitas delas precisaram atualizar-se novamente e modernizar sua produção para competir no mercado internacional. Pode-se constatar mais um benefício do intercâmbio tecnológico com a Alemanha, no caso da Weg, mas que outras empresas catarinenses também o fizeram. 104 Os anos oitenta levam os fundadores da Weg novamente à Europa, com o objetivo de encontrar saída para o alto risco que corriam com a concentração das atividades industriais no desenvolvimento de motores elétricos. [...]. Surge a diversificação, dentro do produto básico: motores elétricos. O objetivo a sinergia, principalmente dentro do campo eletroeletrônico e mecânica. As unidades industriais passariam a produzir: a) alternadores, b) tacogeradores, c) motores de maior potência, e d) motores de corrente contínua formando um pacote. Mais tarde, essa diversificação passou a complementar outros produtos como, por exemplo, contadores, conversores, já entrando na eletrônica, painéis para comando de motores, sub-estações, acionamento para máquinas, de forma bastante ampla entre si. O projeto estava implantado. Recentemente, o grupo Weg decidiu entrar na área de informática ou tecnologia de ponta (automação). (1986, 114115). A década de 1970, segundo Cunha (2000), ficou caracterizada como os anos de ouro da indústria catarinense. Houve a consolidação dos grandes grupos empresariais, os quais passaram a ocupar a liderança em vários segmentos nacionais. Por outro lado, foi também a consolidação das exportações catarinenses, devido à sua enorme expansão ocorrida nesse década. Em 1975, elas eram de US$ 213 milhões, passando em 1980 para US$ 858 milhões, principalmente de produtos agroindustriais e têxteis. Além disso, a década de 1970 trouxe bons resultados às indústrias catarinenses, especialmente as do setor metal-mecânico devido à expansão dos investimentos alemães no Brasil. Durante a década de 1950, o Brasil recebeu muitos investimentos alemães, especialmente na forma de empresas que se instalaram principalmente na região Sudeste do país. Entretanto, a partir da década de 1970 outras regiões do Brasil começaram a beneficiar-se desse processo. Nesse contexto, as empresas catarinenses se beneficiaram, pois conforme Lohbauer (2000, p. 5354) “o forte engajamento de grandes empresas [alemãs] no Brasil garantia o fornecimento de produtos tecnológicos e de maior valor agregado das fábricas sediadas na Alemanha [...].” Assim, as empresas catarinenses receberam consideráveis investimentos alemães, os quais se davam especialmente na forma de novos produtos e/ou processos repassados por empresas alemãs e que foram incorporados ao setor produtivo catarinense, significando um salto para a produção industrial catarinense e um importante fator preparativo para a expansão das exportações catarinenses verificada na década seguinte. Nas décadas de 1980 e de 1990, vê-se uma constante alteração na pauta das exportações catarinenses, quando as indústrias dinâmicas, especialmente as do setor metal-mecânico, passam a participar mais ativamente e a conquistar cada vez mais novos mercados externos. Aqui, 105 destacam-se como principais produtos de exportação os motocompressores (Embraco), os eletrodomésticos (Multibrás/Consul), os materiais elétricos (Weg) e de comunicação (Intelbrás). A concentração das indústrias do setor metal-mecânico no Nordeste de Santa Catarina fez com que ocorresse a formação de um cluster, ou seja, uma aglomeração das atividades industriais de um mesmo setor numa determinada região, onde as empresas nela localizadas estabelecem um tipo de inter-relação mútua entre elas. Esse relacionamento entre empresas não acontece apenas por ligações físicas como rodovias ou ferrovias, mas também por meio de compartilhamento de serviços, fornecedores e estratégias como consórcio de exportação ou estabelecimento de jointventures.20Além disso, como Nunes (2000, p. 413) destaca, que esse ambiente pode “[...] representar o tipo de terreno mais fértil às estratégias de estímulo à inovação [...]”. Portanto, no Nordeste catarinense consolida-se um cluster do setor eletro-metal-mecânico, o qual, de alguma forma ou outra, beneficia o intercâmbio de tecnologias e informações entre as empresas que o formam. A abertura econômica do Brasil, ocorrida a partir da década de 1990, quando houve uma significativa redução da taxa de importação, possibilitou a entrada de maiores quantidades de mercadorias, capitais, investimentos e novas tecnologias, provenientes do exterior. A Alemanha, nesse contexto, como uma das maiores economias exportadoras do mundo, passou a participou ativamente nesse processo, exportando e importando tais bens e consolidando-se como um dos principais parceiros comerciais brasileiros. Além da esfera econômica, o Brasil tornou-se um dos principais países parceiros da Alemanha na área da cooperação técnica e cientifica, como visto anteriormente segundo o MRE, dada principalmente pela execução de projetos de parcerias públicas e/ou privadas nos mais diversos setores. Santa Catarina também aparece nesse contexto. Nesse sentido, as parcerias e acordos entre catarinenses e alemães abrangem várias áreas, destacando-se a execução de projetos ambientais, agrícolas, industriais, educacionais, sociais, energéticos, de transportes e de planejamento urbano. Entretanto, é na atividade industrial que mais ocorre a interação e a cooperação técnico-científica entre ambos, sendo o setor metal-mecânico o mais atrativo e beneficiado dos setores catarinenses nesse processo. 20 Joint-venture, segundo o dicionário Michaelis, trata-se de um empreendimento conjunto com fins lucrativos, do qual participam duas ou mais pessoas (empresas) por um tempo determinado. Uma joint-venture acontece, geralmente, quando duas ou mais empresas participam na formação de um empreendimento com fins de exportar seus produtos, através do estabelecimento de uma firma ou de um ponto de distribuição e/ou representação no país que desejam vender seus produtos. 106 Relações Comerciais entre Alemanha e Santa Catarina em 2004 Importações (US$) Alemanha 249.991.699 Santa Catarina 111.471.686 Exportações (US$) 111.471.686 249.991.699 Saldo Comercial (US$) - 138.520.013 + 138.520.013 Principais Produtos Comercia Máquinas, lizados entre ambos equipamentos, cevada, produtos petroquímicos, fertilizantes, etc. Fonte: MDIC/SECEX. www.mdic.gov.br Carnes, motores elétricos, motocompressores, móveis, cerâmicas, refrigeradores, autopeças, óleo de soja, produtos alimentícios, etc. Segundo informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), a Alemanha ocupa a quarta posição como principal destino das exportações catarinenses, atrás respectivamente de EUA, Rússia e Argentina, e também a quarta posição na origem das importações catarinenses, atrás respectivamente de Argentina, Chile e EUA. O total das exportações catarinenses em 2004 foi cerca de US$ 4. 853 milhões e as importações somaram em torno de US$ 1.508 milhões, gerando um saldo positivo na balança comercial de US$ 3.345 milhões. Isso representou quase 10 % do total do superávit registrado na balança comercial do Brasil em 2004, ou seja, US$ 33.696 milhões. Com esses números, Santa Catarina aparece como o sexto principal estado exportador do país, com cerca de 5% do total das exportações brasileiras, atrás respectivamente de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de Janeiro. Em relação a 2003, as exportações catarinenses tiveram um crescimento de 31,3% em 2004. O intercâmbio tecnológico com a Alemanha, portanto, beneficiou o desenvolvimento industrial de Santa Catarina, direta e/ou indiretamente. Pôde ser constatado que a importação de máquinas, equipamentos, capitais, informações e novas técnicas e processos produtivos e administrativos foram os principais mecanismos utilizados pelas empresas catarinenses para adquirir e absorver novas tecnologias junto à empresas da Alemanha, um dos país mais desenvolvidos econômica e tecnologicamente do mundo atual. A transferência da tecnologia 107 alemã às empresas catarinenses contribuiu, sem dúvida, à consolidação do parque industrial catarinense e o seu destaque nos cenários nacional e internacional. Diante disso, as principais empresas catarinenses, em especial as do setor metal-mecânico, estabeleceram-se como importantes fornecedoras de mercadorias de alto conteúdo tecnológico e alto valor agregado aos mercados nacional e internacional, consolidando a região Nordeste de Santa Catarina como um dos principais pólos industriais do Brasil e com um importante nível de participação na pauta de exportação brasileira. 108 Considerações Finais Conforme descrito nos capítulos precedentes, a tecnologia está no centro de qualquer evolução necessária ao desenvolvimento econômico de um país, enfatizando sua destacada importância nesse contexto. No setor produtivo, no qual ela se destaca por ser vista e presenciada mais facilmente por nós, ela engendra novos processos e novos produtos, expandindo o crescimento industrial, impulsando o desenvolvimento de uma economia nacional e, muitas vezes, também livrando o sistema capitalista mundial de uma crise ou recessão. Uma importância da tecnologia no desenvolvimento econômico, além de gerar novos processos e/ou produtos, é o seu poder de aumentar a produtividade, a competência, a competitividade e, finalmente, a lucratividade de um setor industrial ou de uma empresa, por exemplo. Visto esses quesitos e, conseqüentemente, a maior acumulação de capital que ela proporciona, seu valor comercial é altíssimo e, em função disso, os poucos países do mundo que a dominam, como Alemanha, Japão e EUA, e criam restrições para exportá-la. O domínio tecnológico tornou-se, portanto, uma importante peça no jogo geopolítico e econômico disputados pelos países centrais do capitalismo mundial, restando à maioria dos países periféricos apenas tecnologias já difundidas e obsoletas descartadas por aqueles. Por isso, torna-se praticamente impossível um país, somente pela sua própria vontade, alcançar um alto nível tecnológico, bastando-lhes contentar-se com aquela tecnologia já repassada e ultrapassada e dependendo tecnologicamente dos centros dinâmicos mundiais. Nesse contexto, os países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, buscam incessantemente adquirir tecnologias dos países desenvolvidos, importando-as na esperança de contribuir ao desenvolvimento de suas economias, visto que geralmente preferem importar do que incentivar a pesquisa e o desenvolvimento científico e tecnológico em seu próprio território. O Estado, muitas vezes endividado interna e externamente, não consegue nem se quer impulsionar o seu próprio desenvolvimento econômico e social, quem dirá subsidiar a pesquisa e o desenvolvimento científico e tecnológico. Tornando impossível investir em pesquisa e desenvolvimento (P&D), o Estado atribui essa função à iniciativa privada, na qual há uma relativa predominância de empresas multinacionais, as quais geralmente não estão preocupadas com desenvolvimento econômico e tecnológico do país. O que fazem, é explorar a mão-de-obra barata e apossar-se dos recursos naturais disponíveis e dos incentivos governamentais dados. 109 Além disso, a maior parte da tecnologia empregada no desenvolvimento e fabricação de seus produtos não é repassada ao país, pois ela é pesquisada e desenvolvidas nos países-sede ou de origem dos grandes conglomerados transnacionais, estabelecendo num país em desenvolvimento somente instalações fabris destinadas à montagem final de seus produtos ou algumas representações comerciais. Nesse contexto, o domínio tecnológico é totalmente preservado pela matriz, ou seja, pela empresa multinacional sediada num país desenvolvido, restando ao país da filial pouco ou quase nenhum benefício ao seu desenvolvimento econômico e tecnológico. Por isso, muitos países, como o Brasil, apesar de dominarem alguns poucos ramos tecnológicos, tornam-se ainda dependentes do dinamismo técnico-científico dos países desenvolvidos. Nesse ponto, já se comprova a superioridade do desenvolvimento tecnológico da Alemanha, pois ela é um dos países desenvolvidos que mais investe no Brasil na área industrial, principalmente na forma de transferência e instalação de empresas multinacionais alemãs no país. Somente pelo fato de a Alemanha possuir um número elevado de empresas multinacionais muito conhecidas mundialmente, vê-se que as empresas alemãs, por terem e para sustentarem tal status, investem muito em pesquisa e desenvolvimento e, com o importante papel do Estado alemão como provedor de infra-estrutura e investidor assíduo em educação e formação técnica de alta qualidade, em ciência e tecnologia (C&T) e em pesquisa e desenvolvimento (P&D), tem contribuído, e muito, ao desenvolvimento econômico e tecnológico da Alemanha nos últimos anos. Além disso, o avançado nível do desenvolvimento tecnológico da Alemanha deve-se à razão de que ela foi um dos países-berços da Segunda Revolução Industrial no final do século XIX e início do século XX e que ela participa ativamente na presente Terceira Revolução Industrial, em curso desde o final do século passado, juntamente com outros países desenvolvidos, como EUA e Japão. Portanto, se comparada com o Brasil, a Alemanha teve um capitalismo diferenciado, isto é, um capitalismo que, apesar dos adventos contrários como as duas Grandes Guerras por exemplo, ofereceu todas as condições necessárias (mão-de-obra especializada, significativa acumulação de capital e crédito bancário) para que ela se desenvolvesse muito rapidamente e se tornasse essa potência econômica mundial, calcada nas exportações de produtos sofisticados e altamente competitivos com um alto valor agregado e um alto grau tecnológico dos mais diversos ramos industriais do país, destacando-se os setores eletrometal-mecânico, automobilístico, de biotecnologia, robótica e informática. 110 Não é à toa, portanto, que Santa Catarina tentava de todas as maneiras absorver um pouco desse dinamismo industrial e tecnológico alemão para desenvolver sua economia. Conseguiu isso, por um acaso inicial, quando chegaram os imigrantes alemães em terras catarinenses, os quais foram expulsos de sua pátria por causa das péssimas condições sócio-econômicas em que viviam, frutos daquele mesmo capitalismo que ajudou o seu país a desenvolver-se. Em Santa Catarina, os recém chegados imigrantes alemães trataram logo de construir sua nova pátria, desempenhando um importante papel no desenvolvimento econômico catarinense. Fruto de seu trabalho na aplicação de seus conhecimentos profissionais e técnicos, proporcionaram o surgimento da atividade industrial em solo catarinense. Devido a relativa escassez de capital, de crédito e de políticas públicas por parte dos governos estadual e federal, o advento da indústria em Santa Catarina deveu-se especialmente ao empreendedorismo do imigrante-empresário de origem germânica. Isso comprova o caráter do empresário-empreendedor segundo as concepções de Schumpeter, pois ele torna-se o principal determinante do desenvolvimento econômico ao combinar processos e produtos inovadores no setor produtivo. Em Santa Catarina, apesar de todas as adversidades da época, o empresário-empreendedor, especialmente o de origem imigrante e germânica, viu nos momentos difíceis e de crise a oportunidade de crescer, fazendo surgir as primeiras fábricas têxteis e, mais tarde, de outras atividades de transformação industrial, como as dos setores alimentícios, de bebidas e do importante eletro-metal-mecânico. Além do próprio advento da indústria, outros benefícios originados pelo estabelecimento de relações entre a Alemanha e Santa Catarina foram, especialmente, conquistados e/ou relacionados à atividade industrial catarinense. Os benefícios pela importação de tecnologia alemã estão evidentes no alto grau tecnológico alcançado pelos setores industriais catarinenses, impulsionando a produtividade, a competência e a competitividade das empresas catarinenses, fazendo-as conquistar rapidamente posições de liderança em vários setores no mercados nacional e de destaque no mercado internacional. O setor eletro-metal-mecânico foi o principal beneficiado nesse contexto, importando não somente tecnologia mas também técnicos alemães ou enviando muitas vezes pessoas para a Alemanha com intenção de treinar e qualificar recursos humanos junto a importantes e destacadas empresas alemãs ou participando de feiras internacionais para o estabelecimento de acordos ou parcerias entre empresas para adquirir novas tecnologias e conhecimentos. A partir daí, muitos moldes ou métodos alemães de pesquisa e desenvolvimento foram incorporados e aplicados nas empresas catarinense, o que sem dúvida 111 impulsionou o seu próprio crescimento e beneficiou o desenvolvimento econômico de Santa Catarina. Conforme visto e analisado, conclui-se que o papel do Estado, no que diz respeito à sua participação no desenvolvimento econômico de Santa Catarina, torna-se um tanto contraditório. Ou seja, a partir do momento em que ele se posiciona como um importante agente fomentador e regulador do processo de desenvolvimento econômico e industrial catarinense, conforme as concepções de Keynes de Estado-interventor direto na economia através de seus vultuosos gastos públicos, ele transforma-se gradativamente num simples instrumento de manipulação dos grandes grupos empresariais catarinenses. Segundo as idéias de Marx, um Estado controlado pela burguesia industrial e voltado para seus próprios interesses, ou seja, pura e simplesmente aumentar a sua acumulação de capital. Para finalizar as considerações finais, é imprescindível comentar dois importantes pontos discutidos nesse estudo e que podem a vir constituir base para novos e futuros estudos em diversas áreas, especialmente das relações econômicas internacionais. Primeiramente, a questão de que Santa Catarina teria um desenvolvimento econômico diferenciado e isolado da economia brasileiro é bastante complexa. Muitos autores chegaram a essa conclusão tendo como base que Santa Catarina não dependeu dos fatores e condições geralmente apresentados no desenvolvimento econômico do Brasil, constituindo-se numa diferenciação por possuir endogenamente os fatores e as condições para o seu próprio desenvolvimento econômico. Como visto no estudo, até certo ponto essa questão é verdadeira e clara. Entretanto, a partir das décadas de 1950 e 1960, Santa Catarina passa a integrar-se, ainda que de forma lenta porém progressiva, na economia brasileira. Portanto, atualmente, não se pode falar num “modelo catarinense de desenvolvimento”, diferenciado e isolado da economia brasileira, ainda que essa questão seja muito debatida e defendida por muitos economistas catarinenses hoje em dia. Além da questão sobre o “modelo catarinense de desenvolvimento”, é também de apreciável discussão a questão da acumulação de capital pelos grandes grupos empresariais de Santa Catarina, sobre a qual a realidade muitos ocultam ou desconhecem. Ou seja, de que a acumulação de capital foi forçada em cima da superexploração do trabalho e da manipulação do aparelho do Estado em favor dos grandes grupos empresariais catarinenses. Certamente, essa foi a forma encontrada para acumular uma grande quantidade de capital que elevou esses grandes grupos empresariais catarinenses à elite empresarial nacional e, em alguns casos, à internacional. 112 Referências Bibliográficas A ESTRUTURA Econômica. Disponível em: <http://www.dw- world.de/dw/article/0,1564,1050172,00.html>. Acesso em: 05 janeiro 2005. ARAÚJO JÚNIOR, Aloysio Marthins. Tecnologia e crescimento econômico: a perspectiva brasileira. São José: UNIVALI, set. 2002. Artigo desenvolvido para o evento “São José Debate – A Cooperação Universidade-Empresa”. BANDEIRA, Luis Alberto Moniz. Pentágono quis invadir o Brasil. Entrevista a DW-World. Disponível em <http://www.dw-world.de/dw/article/0,1564,1450782,00.html>. Acesso em: 03 fevereiro 2005. BENKO, Georges. Economia, espaço e globalização: na aurora do século XXI. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1999. Tradução de Antônio de Pádua Danesi. BIELSCHWOSKY, Ricardo. Vinte anos da Ierj, cinqüenta anos de Cepal. 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