Um método para a apreensão dos conteúdos

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Pulsional Revista de Psicanálise, ano XIV, no 150, 32-35
Um método para a apreensão dos
conteúdos emocionais da criança
em odontopediatria
Fátima Cristina Monteiro de Oliveira
E
ste artigo procura apresentar um método de abordagem psicanalítica para
apreensão dos conteúdos emocionais da criança na clínica odontológica.
Apresentamos um caso clínico que mostra sua facilidade de aplicação e
resultados encorajadores.
Palavras-chave: odontologia, odontopediatria, psicanálise, desenho
T
his article presents a method for apprehending children’s emotional contents
in pediatric dentistry. A clinical case is presented that shows this mode of
application and its results.
Key words : Dentistry, pediatric dentistry, psychoanalysis, drawing
A
clínica odontológica, bem como a
clínica médica, ressente-se da falta de métodos para abordagem do paciente infantil, de modo a levar em conta
suas angústias e medos diante dos procedimentos pelos quais irá passar.
Um estudo da psicanálise da criança,
uma capacidade do profissional em estabelecer contato emocional com ela, certamente facilitará o tratamento e evitará
traumas em seu psíquico em formação.
Vínhamos utilizando técnicas de abordagem que permitem à criança brincar e,
deste modo, estabelecer um contato com
o mundo emocional da criança.
Este método, porém, no caso de crianças com maior dificuldade, nem sempre
conseguia atingir um resultado satisfatório a não ser após inúmeras sessões. A
impossibilidade de livre associar da
Um método para a apreensão dos conteúdos emocionais ...
criança, de verbalizar seus medos, é uma
dificuldade com a qual sempre nos deparamos.
A utilização de desenhos no tratamento
psicanalítico infantil já era utilizada por
Winnicott (1971) no Squiggde Game
(jogo dos rabiscos). Esta técnica é um
tipo de teste projetivo, em que o profissional faz o primeiro rabisco e a criança
deve transformá-lo em alguma coisa. Em
seguida a criança faz o rabisco e o profissional tenta transformá-lo.
O que a criança via e desenhava a partir
do rabisco, auxiliava Winnicott a apreender seu mundo emocional.
A TÉCNICA QUE TEMOS UTILIZADO
NA ODONTOPEDIATRIA
Em odontopediatria temos utilizado o
“Procedimento de desenhos e histórias”
de Walter Trinca (1972).
Este procedimento é vastamente utilizado como instrumento de apreensão de
conteúdos emocionais de grupos específicos, tais como crianças terminais hospitalizadas, crianças em situação de préoperatório, jovens e adultos com deficiências visuais, crianças asmáticas, mulheres mastectomizadas com câncer de
mama, crianças com dificuldades de
aprendizagem, e inúmeras outras condições em que se mostrou um método extremamente satisfatório. Na odontopediatria, tenho obtido um resultado de
compreensão da emoção e dos medos
infantis que nenhuma outra técnica de
abordagem alcançou me dar. Minha pesquisa tem se baseado na utilização deste
procedimento na clínica para preparar a
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criança para a consulta odontológica,
para o preparo pré-cirúrgico de cirurgias odontológicas ou médicas, para a
abordagem terapêutica de crianças e
adultos com bruxismo grave.
A técnica consiste em oferecer papel em
branco e lápis coloridos à criança, e deixar que esta passe a desenhar de modo
totalmente livre. Executado o primeiro
desenho, pedimos que a criança nos fale
sobre ele, o que significa contá-lo a nós.
Prosseguimos com outros desenhos. Na
odontopediatria tenho deixado que a
criança produza-os conforme seu desejo e vontade, e que costuma resultar em
três ou quatro desenhos por consulta.
Através dos desenhos, a criança nos fala
de seus medos, de suas angústias. Fala
sempre de si mesma enquanto produz.
É importante ressaltarmos que não basta que o profissional peça à criança que
desenhe. É preciso uma atitude de estar
atento e acompanhando-a. É preciso estar em contato com a criança de modo
semelhante à situação analista-analisando. Estar continente, como nos assinala
aos movimentos emocionais do pequeno
paciente, é absolutamente necessário
para que ele possa exprimir o que sente
mediante o desenho.
Acreditamos, e a utilização clínica do
“Procedimento de desenhos e histórias”
nos comprova, que esta técnica nos possibilita uma aproximação dos conteúdos
mentais do paciente e uma elucidação
das angústias que o mobilizam.
Desenhar é para a criança assim como
brincar, um modo de entender e controlar suas emoções, e tenho constatado
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que a utilização deste procedimento permite-lhe mesmo dominar ou desinvestirse de seu medo, seja porque o conta ao
profissional, seja porque o conta para si
mesma.
CASO CLÍNICO
B. é uma criança que apresenta uma
grande resistência ao tratamento odontológico, bem como, nos relata sua mãe, a
qualquer tratamento médico.
Tem 7 anos e, embora seja um menino
bastante inteligente, com um núcleo familiar estável, apresenta também dificuldade na escrita.
Já havíamos tentado as técnicas de
abordagem convencional – brinquedos,
explicações em linguagem infantil – mas
B, logo de início, chorava, gritava, batia
em sua mãe e demorava bastante tempo
para aceder ao tratamento, que em seu
caso era bastante simples, uma aplicação
tópica de flúor.
Sua mãe era bastante acessível a que fizéssemos algumas consultas em que,
através de desenhos, eu pudesse compreender melhor o que se passava com B.
Exporei aqui, resumidamente, a primeira consulta que se mostrou muito rica.
Disse a B que nesta consulta iríamos
apenas desenhar. B ficou sozinho e muito tranqüilo comigo e iniciou seus desenhos, usando apenas um lápis azul-claro.
O primeiro desenho foi de um robô, suas
mãos em forma de garra, sua cabeça com
um dispositivo que soltava um raio mortal. Seus joelhos inchados também atacavam.
É o robô corajoso. Ele tem uma defesa.
.
. O segundo robô, B chamou de robô
bravo. Seu corpo tinha ganchos para
atacar, mãos em forma de garra e uma
expressão realmente brava.
O terceiro robô, B chamou de o robô
medroso. Ele tem espinhos para picar e
também solta fogo.
— Ele tem um campo de defesa, diz B.
Esta consulta foi bastante ilustrativa e
feliz no sentido de que B pôde comunicar por intermédio de seus desenhos, de
um modo tão claro, o motivo de ficar
tão nervoso e bravo. Pôde comunicar-me
seu medo e se sentir compreendido.
Após mais uma consulta em que prosseguimos na apreensão de suas emoções,
B pode colaborar comigo na consulta
odontológica.
.
CONCLUSÃO
As áreas de saúde podem enriquecer-se
muito com o estudo e aplicação da psicanálise na prática clínica diária.
É bastante freqüente, ainda hoje, tratamentos odontopediátricos com contenção e pais que nos trazem crianças difíceis e, na primeira consulta, nos perguntam se não seria viável pensar em uma
anestesia geral.
Estas técnicas mais traumatizantes podem ser evitadas com o desenvolvimento de mais pesquisas e estudos, que localizando-se na interface entre duas
ciências, no caso acima, a odontologia e
a psicanálise, trazem um conforto para o
paciente e um crescimento.
A atividade lúdica facilita imensamente o
contato entre a criança e o profissional,
e os desenhos e histórias permitem uma
Um método para a apreensão dos conteúdos emocionais ...
facilitação do acesso a estes conteúdos
mentais que raramente a criança é capaz
de verbalizar apenas usando a fala.
Parece-nos que, por este processo, o
que vem da criança para nós são conteúdos inconscientes, muito próximos aos
conteúdos oníricos.
Quando a criança nos percebe atentos à
sua emoção, criamos uma relação de
confiança em que o tratamento transcorre gratificante para ambos, paciente e
profissional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABERASTURY, Arminda. Abordagens à psicanálise de crianças. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1996. p. 79-127.
MIGLIAVACCA, E.M. Semelhanças entre o
procedimento de desenhos – Estórias
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e os conteúdos dos sonhos: uma interpretação psicanalítica. Dissertação
de Mestrado. IPUSP, 1987. 145 p.
KLEIN, Melanie. A psicanálise de crianças.
Rio de Janeiro: Imago, 1997. p. 23-54.
OLIVEIRA, Fátima Cristina H. M. Psicanálise
aplicada à Odontologia e Odontopediatria. Pulsional Revista de Psicanálise.
São Paulo: Escuta, n. 143, março 2001,
p. 42-48.
T RINCA, Walter. Investigação clínica da
personalidade: o desenho livre como
estímulo da percepção temática. São
Paulo: EPV, 1987.
____ Formas de investigação, clínica
em psicologia. São Paulo: Vetor, 1997.
WINNICOTT, D.W. O brincar e a realidade.
Rio de Janeiro: Imago, 1975.
____ Da pediatria à psicanálise. Rio de
Janeiro: Imago, 2000. p. 176.
Artigo recebido em julho/2001
Revisão final recebida em setembro/2001
CICLO DE PALESTRAS EM PSICANÁLISE
A Clínica Dimensão, dando continuidade ao seu Ciclo de Palestras em Psicanálise, convida para o 8o Encontro, a se realizar
nos dias 26 e 27 de outubro, com o tema
As fronteiras do Eu nas psicoses
O trabalho pioneiro de Paul Federn
com Dra. Maria Teresa de Melo Carvalho
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