etiologia e desenvolvimento da esquizofrenia: diferentes - BVS-Psi

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ASSOCIAÇÃO CULTURAL E EDUCACIONAL DE GARÇA - ACEG
FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE – FASU
CURSO DE PSICOLOGIA
“ETIOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DA
ESQUIZOFRENIA: DIFERENTES PERSPECTIVAS E
TENDÊNCIAS ATUAIS”
Geuza Ferreira De Morais
Garça – São Paulo – Brasil
2006
2
ASSOCIAÇÃO CULTURAL E EDUCACIONAL DE GARÇA - ACEG
FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE – FASU
CURSO DE PSICOLOGIA
“ETIOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DA
ESQUIZOFRENIA: DIFERENTES PERSPECTIVAS E
TENDÊNCIAS ATUAIS”
Geuza Ferreira De Morais
Orientadora: Dra. Regina de Cássia Rondina
Trabalho apresentado à Faculdade de
Ciências da Saúde, como uma das
exigências para obtenção do grau de
Bacharel Psicologia.
Maio / 2006
Garça - SP
3
Ficha Catalográfica:
Morais, F. Geuza
Etiologia e Desenvolvimento da
Esquizofrenia: Diferentes Perspectivas e
Tendências Atuais/ Geuza F. Morais –
Garça – São Paulo.FASU.2006
84 páginas. Psicologia
1.Psicologia I. Morais,F. Geuza
II. Título
4
FOLHA DE APROVAÇÃO:
Geuza Ferreira de Morais
“ETIOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DA ESQUIZOFRENIA:
DIFERENTES PERSPECTIVAS E TENDÊNCIAS ATUAIS”
Este trabalho de Conclusão de Curso foi aprovado como requisito
para a obtenção do título de Bacharel em Psicologia. Realizado
na Faculdade de Ciências da Saúde – FASU, pela Banca
Examinadora formada pelos professores:
___________________________________________Nota:_____
_
Prof.
___________________________________________Nota:_____
_
Prof.
___________________________________________Nota:_____
_
Prof.
Média:__________
Data da apresentação: _______/________/_______
Garça – São Paulo – Brasil
2006
5
EPÍGRAFE:
HAVERÁ SEMPRE UMA LUZ QUE NOS GUIA
Por mais difícil que seja... Uma solução haverá de ter...
Uma luz... Por menor que seja haverá de aparecer, quando tudo na
vida escuro estiver.
Por mais sofrida que seja a luta, sairemos vencedores se
acreditarmos, se enxergarmos além de toda escuridão...
O importante é não desistir nunca! Mesmo que venham ventos
contrários...Mesmo quando parecer que todos o esqueceram...alguém
há de se lembrar de sua importância...
E se este alguém tiver que ser você mesmo...só você...acredite mais
profundamente ainda...
Pelo menos você acredita e isso é muito importante quando se está
numa batalha!
Acreditar em sua competência, seus bons propósitos...Acreditar que
a vida poderá, sim, oferecer-lhe algo de bom através de seus esforços.
Há uma luz em cada um de nós que jamais poderemos deixar apagar:
a luz do amor próprio, da confiança, a LUZ INFINITA DO AMOR!
E se mesmo assim alguém conseguir vencê-lo, seja por que motivo
for...ainda assim o vencedor será você!
Porque “o maior vencedor não é aquele que vence uma guerra, mas
aquele que não perde uma batalha”...Aquele que não desiste nunca de
lutar...Pois aquele que não luta, já perdeu antes mesmo de começar!
Aquele que o venceu, prejudicando-o de alguma forma, terá uma
alegria passageira... enquanto que sua vitória será eterna...Porque sua
arma é o AMOR!
Autora: Geuza Morais
Não há derrota que derrote
quem um dia nasceu para
vencer!
6
DEDICATÓRIA:
Dedico minha monografia a três “Pessoas”, que me ensinaram, com suas
maneiras singulares de ser, a importância de se enxergar o outro como um igual,
apesar das diferenças físicas, mentais, sociais e econômicas de cada um:
Ao Sr.Wilson Shimizu, presidente da ACEG, na figura de “pai”, “amigo” e
exemplo de “Ser Humano”; pela compreensão de minhas limitações e
dificuldades, por acreditar em minha capacidade de vencer, pelo incentivo e apoio
nos momentos mais difíceis, pelo respeito, carinho e atenção.
Ao Sidney P. S. Bissoli, meu terapeuta por quatro anos, pelo respeito por
minha individualidade como pessoa, pela sabedoria na hora certa, uma palavra
amiga e um “colo”, quando ninguém me compreendia e eu mais necessitava,
fazendo-se representar em minha vida, como um exemplo, de um grande
profissional,conduzindo-me ao início ardoroso, mais necessário, encontro comigo
mesma, ajudando-me a perceber que em cada etapa do processo de
autoconhecimento além de um desafio, é um aprendizado. Por me ajudar a
compreender que “o acreditar e o amar, começa em mim mesma”, que “nada é
obra do acaso...e tudo tem uma razão de ser”; e que, aquilo que se opta “Ser” é
responsabilidade individual de cada um.Você foi e é um exemplo de profissional e
de pessoa que sempre levarei comigo onde eu estiver. Obrigada!!!
À minha supervisora: Dra.Regina de Cássia Rondina, pela dedicação,
responsabilidade, profissionalismo, por todo incentivo,orientação, colaboração e
ajuda para a realização deste trabalho e, principalmente, pela consideração como
aluna e pessoa, que sei que teve comigo. Sua atitude nada mais foi que uma
atitude de quem realmente tem uma grande alma e também é exemplo de
profissional em tudo o que faz.
Com certeza, a presença de cada um contribuiu, de maneira especial, para
meu crescimento pessoal e profissional .
Que Deus os abençoe sempre e que a vida lhes traga muito Sucesso, Paz e
Amor!
7
AGRADECIMENTOS:
Meus sinceros agradecimentos à direção da FASU, na pessoa da Prof. Dra.
Alessandra de Morais Shimizu, por colaborar na minha formação profissional,
incentivando-me sempre que necessário com palavras de apoio, carinho e
respeito.
Aos meus pacientes, que tive durante o período de estágio, por
contribuírem de maneira significante na minha formação.Obrigada por me
mostrarem o quão é importante saber acolher os tesouros que outro Ser Humano
deposita em nossas mãos! Aprendi muito com vocês!
A minha colega de sala, Luciana Alves Amorim, por ter me acolhido com
meus defeitos e qualidades, e me aceitado como “ Pessoa ”, pela credibilidade e
respeito pelo meu caráter como ser humano, quando eu mais precisei. “Que a
amizade tome conta de tudo aquilo em que acreditamos, incorporando o sonho de
descobrir em cada pessoa que a gente gosta, uma outra metade de si mesmo”.
Você é um dos maiores exemplos de “SER HUMANO!”
Às demais colegas de classe, Ana Lúcia A . Elias, Fernanda Cantu, Isabela
Paganini e Juliana Otomura, pela ajuda em alguns momentos, e pelos momentos
de divergências os quais não deixei de aprender com eles e com vocês.
Aos professores de todos os períodos, que exerceram de forma nobre e
respeitosa sua bela profissão, como verdadeiros sacerdotes, proporcionando - me
8
uma boa formação profissional, deixo aqui, de maneira simples, minha admiração,
respeito e gratidão.
Ao Coordenador do Curso de Engenharia Florestal da FAEF, o amigo e Prof.
Ms. Josébio Esteves Gomes, pela atenção, respeito, carinho, compreensão e
ajuda.
Ao Prof. Sidney S.P. Bissoli, por colaborar para a conclusão deste trabalho,
pela
brilhante
orientação
de
supervisão
na
abordagem
psicanalítica,
proporcionando um maior conhecimento teórico e prático nessa linha de
pensamento escolhida por mim, para o exercício de minha profissão.
Também, de maneira especial, quero deixar meu agradecimento, carinho e
admiração às alunas da segunda turma de Psicologia: Márcia, Maria Aparecida
(Cidinha) e Nátaly, pelas palavras amigas, e os gestos de ajuda em momentos
difíceis e de necessidade.Posso dizer, com certeza, que àqueles que forem
depositados em suas mãos como pacientes, serão vistos e tratados com o
profissionalismo e a humanidade que exige nossa profissão e que em vocês pude
presenciar de perto.
Aos meus pais, Gerôncio Januário de Morais (in memóriam) e Gersonita
Ferreira de Morais (in memóriam) por terem permitido-me passar pela
experiência de viver.
À minha prima-irmã , Aparecida F. da Silva Oliveira, seu esposo Divino
Luis de Oliveira e meus sobrinhos Klauber Augusto,Luis Paulo, Jéssica
Cristina, Maria Luiza e Ana Beatriz, por, apesar de todas as dificuldades, terem
me acolhido em seu lar como um dos seus, e pelo apoio moral e material sempre
que puderam.
Agradeço a todos que, direta ou indiretamente, colaboraram na realização
deste.Dedico meu diploma e meu futuro àqueles que me ensinaram a viver com
humildade e dignidade.Àqueles que me criticaram ou não acreditaram em minha
capacidade de vencer por algum motivo, meus agradecimentos, pois “cresci com
9
suas atitudes”; vocês também foram motivos de incentivo e persistência nesse
caminho percorrido até aqui e continuarão sendo nas, próximas batalhas que a
vida me proporcionará. Eu acreditei e venci...Isso me basta!
Finalmente, meu agradecimento à Deus e a Nossa Senhora de Fátima, que
não me desampararam nesta jornada, tanto nos bons, quanto nos momentos
difíceis.
“Meus sentimentos são como minha impressão digital,
como a cor dos meus olhos e o tom da minha voz:
únicos e irrepetíveis. Para você me conhecer, é preciso
que conheça meus sentimentos. Minhas emoções são a
chave, você pode entrar e compartilhar comigo o que
tenho de melhor a oferecer: eu mesmo” (Jonh Powell)
10
SUMÁRIO :
Capítulos......................................................................................................Páginas
1- INTRODUÇÃO..................................................................................................13
Objetivos........................................................................................21
Metodologia...................................................................................22
2- DESENVOLVIMENTO......................................................................................23
A ORIGEM E EVOLUÇÃO DA ESQUIZOFRENIA, SEGUNDO EXPLICAÇÕES
PERTINENTES A DIFERENTES ABORDAGENS.............................................23
2.1 O QUE É COMPORTAMENTO ANORMAL?...........................................23
2.2 Explicações da Teoria da Aprendizagem ................................................24
2.3 Explicações da Teoria Cognitiva..............................................................28
2.4 Explicações de Natureza Orgânico/Fisiológica........................................32
2.5 Explicações de Natureza Humanístico- Existencial.................................36
2.6 Explicações Para a Esquizofrenia, segundo a Ótica
Psicanalítica...................................................................................................39
2.6.1 A Psicanálise: Ciência do Inconsciente................................................39
2.6.2 A Psicanálise: Evolução e Desdobramentos.......................................49
2.6.3 A Esquizofrenia, segundo a Ótica Psicanalítica...................................52
2.6.3.1 Influência da Dinâmica de Interação familiar no Desenvolvimento
da Esquizofrenia, Segundo uma Visão Sistêmica............................................58
2.6.3.2 Transmissão Geracional........................................................................60
2.6.3.3 - A Construção da Psicose no Seio das Relações Familiares: O Papel
dos Vínculos.......................................................................................................65
2.6.3.4 – Os Processos de Comunicação Intrafamiliares e o Surgimento de
Sintomas Psicóticos...........................................................................................70
2.6.3.5 - O Tratamento da Pessoa com Esquizofrenia:Importância do
Envolvimento de Familiares...............................................................................75
3-CONCLUSÃO....................................................................................................78
4-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................81
11
ETIOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DA ESQUIZOFRENIA: DIFERENTES
PERSPECTIVAS E TENDÊNCIAS ATUAIS
RESUMO:Este trabalho consiste em uma revisão da literatura sobre os fatores
determinantes da origem e desenvolvimento da esquizofrenia. Foi efetuado um
levantamento sistemático sobre as explicações de diferentes perspectivas do
conhecimento científico sobre o assunto, destacando as tendências que estão
surgindo sobre este assunto, no ideário contemporâneo vigente. Foi desenvolvida
uma revisão da literatura sobre o conceito de "anormalidade", sendo este,
subdividido em sub-tópicos que abordam as explicações de várias abordagens
psicológicas sobre o assunto: Explicações da Teoria da Aprendizagem e
Cognitivas; Explicações de Natureza Orgânico/Biológica, Explicações de natureza
Humanístico-Existencial e Explicações Psicanalíticas. Em especial, este estudo
aborda explicações de cunho psicanalítico para a origem e desenvolvimento da
esquizofrenia, como o papel da dinâmica familiar no desenvolvimento da
esquizofrenia segundo a ótica psicanalítica, transmissão geracional, o papel dos
vínculos familiares na construção das psicoses, bem como os processos de
comunicação intrafamiliar e sua contribuição no surgimento de sintomas da
esquizofrenia. Finalmente, este estudo aborda a importância terapêutica do
envolvimento de familiares, no tratamento da pessoa com esse tipo de transtorno.
A literatura como um todo, permite afirmar a impossibilidade de tratamento mais
eficaz para esse transtorno, sem que o profissional tenha um olhar global
envolvendo todos os fatores apresentados por cada abordagem para atingir um
diagnóstico mais preciso e cauteloso ,olhando assim pessoa como um todo que
se integra: mente e corpo.
Palavras-Chave: esquizofrenia, dinâmica familiar, abordagens psicológicas,
psicose
AETIOLOGY AND DEVELOPMENT OF THE SCHIZOPHRENIA: DIFFERENT
PERSPECTIVES AND CURRENT TENDENCIES
ABSTRACT: This report consists in a literature review about the determinants
elements of the source and development of the schizophrenia. It was made a
systematic search about the explanation of different perspectives of the scientific
knowledge about the matter, detaching tendencies which are rising about this
subject in the contemporaneous idea in force. It was developed a literature review
about the abnormal conceit, which is divided in sub topics that approach the
explanation of several psychology conceits about the matter such as Learning
explanations, Cognitives, Explanations about Organic/Biological Nature,
Explanation of humanistic existential Nature and psychoanalytic Explanations.
Specially, this report approaches psychoanalytic explanations to the source and
development of the schizophrenia, the rolls of the family dynamic in the
schizophrenia development according to the psychoanalytic view, generation
transmission, the role of the familiar link on the constructions of the psychoses
12
such as the process of communication intra-familiar and its contribution to the
appearing of the schizophrenia symptoms. Finally, this report approaches the
therapeutic importance of the familiars envelopment to the treatment of this
disturb. The literature as a whole, allows to affirm the impossibility of more
effective treatment for that upset without the professional has a global glance
involving all the factors presented by each approach to reach like this a more
necessary diagnosis and cautious, looking person as a whole that becomes
complete: he/she/you lies and body
Key-Words: Schizophrenia, psychological approaches , familiar dynamics,
psychoses.
13
1. INTRODUÇÃO:
O aparecimento e evolução de quadros de perturbação psicológica, no
decorrer do ciclo vital, podem comprometer o ajustamento psicossocial e
profissional do indivíduo, afetando sua saúde como um todo. Perturbações em um
ou mais desses aspectos podem comprometer a saúde e a qualidade de vida de
qualquer pessoa.
Os principais transtornos psicológicos, codificados no Manual Diagnóstico e
Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), são agrupados em :
Transtornos geralmente diagnosticados no decorrer da infância e adolescência
(como Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, Transtornos de
Conduta, entre outros); Transtornos Relacionados ao Abuso ou Dependência de
Substâncias; Transtornos do Humor; Transtornos Psicóticos;
Transtornos
Sexuais; Transtornos do Sono; Transtornos da Alimentação; Transtornos da
Personalidade, entre outros (APA, 2002).
Dentre os diferentes quadros de transtornos mentais descritos na literatura
pertinente, destaca-se a esquizofrenia. Esta perturbação psiquiátrica vem sendo
objeto de maciça investigação científica nas últimas décadas. A esquizofrenia é
um transtorno psicótico caracterizado, principalmente, por sintomas como delírios,
alucinações, disfunção social / ocupacional, entre outros critérios (APA, 2003). Há
dois grupos principais de sintomas, que caracterizam o problema:
(...) A esquizofrenia é uma doença mental crônica e incapacitante (...)
geralmente se manifesta na adolescência
ou
início da
idade
adulta, entre 20 e 30 anos de idade (...).seus principais sintomas são:
positivos: - diminuição ou perda das funções psíquicas , redução da
afetividade, da motivação, pobreza de discurso e retraimento social;
negativos:
–
distorção
do
funcionamento
psíquico,com
alucinações,delírios. (APA, 2003, p. 149).
14
Contudo, o diagnóstico da esquizofrenia nem sempre é fácil. Segundo
critérios estabelecidos no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos
Mentais – DSM-IV-TR (APA, 2003), a esquizofrenia caracteriza-se por:
A - Sintomas característicos: No mínimo dois dos seguintes quesitos,
cada qual presente por uma porção significativa de tempo durante o
período de 1 mês ( ou menos , se tratados com sucesso): (1) delírios
(2) alucinações (3) discurso desorganizado (4 ) comportamento
amplamente desorganizado ou catatônico (5) sintomas negativos, isto é,
embotamento afetivo, alogia ou abulia.
Nota: Apenas um sintoma do critério A é necessário quando os delírios
são bizarros ou as alucinações consistem em vozes que comentam o
comportamento ou os pensamentos do indivíduo, ou duas ou mais
vozes conversando entre si..
B - Disfunção social/ocupacional: Por uma porção significativa do tempo
desde o início da perturbação uma ou mais áreas importantes do
funcionamento, tais como trabalho, relações interpessoais ou cuidados
pessoais, estão acentuadamente abaixo do nível alcançado antes do
início
(ou
quando
o
início
ocorre
na
infância
ou
adolescência,incapacidade de atingir o nível esperado de realização
pessoal, acadêmica ou profissional. C – Duração: sinais contínuos da
perturbação persistem pelo período de 6 meses.Esse período de 6
meses deve incluir pelo menos 1 mês de sintomas (ou menos se
tratados com sucesso) que satisfazem o critério A (i.é, sintomas da fase
ativa) e pode incluir períodos de sintomas prodômicos e residuais, os
sinais da perturbação podem ser manifestados apenas por sintomas
negativos ou por dois ou mais sintomas relacionados no Critério A
presentes de uma forma atenuada (p.ex., crenças estranhas,
experiências perceptuais incomuns). D – Exclusão de transtorno
Esquizoafetivo e Transtorno de Humor. O Transtorno Esquizoafetivo e o
Transtorno de Humor com Características Psicóticas foram descartados,
porque (1) nenhum Episódio Depressivo Maior, Maníaco ou Misto
ocorreu concomitantemente aos sintomas da fase afetiva, sua duração
total breve com relação à duração dos períodos ativo e residual. E –
Exclusão de substância/condição médica geral: A perturbação não se
deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., uma
droga de abuso, um medicamento) ou uma condição médica geral. F –
Relação com um Transtorno Global do Desenvolvimento: Se existe um
histórico de Transtorno Autista ou de outro Transtorno Global do
Desenvolvimento, o diagnóstico adicional de Esquizofrenia é feito
apenas se delírios ou alucinações proeminentes também estiverem
presentes pelo período mínimo de 1 mês (ou menos, se tratados com
sucesso) (APA, 2003 p.149-150).
Critérios semelhantes são estabelecidos na Classificação Internacional das
Doenças (CID-10):
15
F20- Esquizofrenia - Os transtornos esquizofrênicos são caracterizados,
em geral, por distorções fundamentais e características do pensamento
e da percepção e por afeto inadequado ou embotado. A consciência
clara e a capacidade intelectual estão usualmente mantidas, embora
certos déficits cognitivos possam surgir no curso do tempo. A
perturbação envolve as funções mais básicas que dão à pessoa normal
um senso de individualidade, unicidade e de direção de si mesmo. Os
pensamentos, sentimentos e atos mais íntimos são sentidos como
conhecidos ou partilhados por outros e podem de desenvolver delírios
explicativos, a ponto de que forças naturais ou sobrenaturais trabalham
de forma a influenciar os pensamentos e as ações do indivíduo
atingido, de forma que são muitas vezes bizarros (CID-10, 1993, p.85).
Além disso, postula-se a existência de vários subtipos de
esquizofrenia,
definidos, principalmente, segundo a natureza dos sintomas apresentados pelo
indivíduo:
Pode-se subdividir a esquizofrenia em cinco tipos, de acordo com a
sintomatologia predominante na ocasião da avaliação. São eles: tipo
paranóide, desorganizado ou hebefrênico, catatônico, indiferenciado
ou simples e tipo residual. A esquizofrenia paranóide é o tipo mais
comum; no quadro clínico, predominam delírios e alucinações, além da
perturbação do afeto e pragmatismo. No tipo desorganizado ou
hebefrênico, a característica principal é a desorganização do
pensamento; o discurso é incoerente, as associações de idéias são
ilógicas; o prognóstico é ruim, principalmente pelo rápido
desenvolvimento de sintomas negativos, como embotamento afetivo e
perda da volição. A forma catatônica se caracteriza pelos sintomas
psicomotores proeminentes, que podem se alternar, como hipercinesia,
estupor ou obediência automática e negativismo. Atitudes e posturas
forçadas podem ser mantidas por longos períodos, e episódios de
agitação extrema podem ocorrer. Por razões desconhecidas, esta forma
de esquizofrenia tem sido pouco vista nos dias atuais. A forma
indiferenciada é a mais complicada de ser caracterizada; o quadro
preenche critérios para esquizofrenia, mas não satisfaz os critérios para
o tipo paranóide, desorganizado ou catatônico. Muitas vezes, esta forma
de esquizofrenia é confundida com transtorno de personalidade. O tipo
residual é a forma crônica da doença, onde se percebe uma progressão
clara dos sintomas psicóticos da esquizofrenia; no estágio mais tardio,
há predominância de sintomas negativos. (TENGAN; MAIA,2005, p.6).
Estudos epidemiológicos sugerem que se trata de um problema com
acentuada prevalência na população:
A esquizofrenia acomete cerca de 1% da população; normalmente, a
idade de início está entre 15 e 30 anos de idade. O termo ‘esquizofrenia
16
de início precoce’ se refere à idade de início anterior a 17-18 anos, e a
de início muito precoce consiste em início antes dos 13 anos de idade.
É uma doença rara na infância e, conforme avança a adolescência
(próximo dos 11 anos), esses casos tornam-se mais expressivos.
Apesar de existirem alguns relatos com idade inferior a 5 anos, estes
são extremamente raros. Estima-se que cerca de 0,1 a 1% dos casos
de esquizofrenia tenha iniciado antes dos 10 anos de idade e
aproximadamente 4% antes dos 15 anos de idade. Talvez um subdiagnóstico da doença possa ocorrer devido a uma sobreposição de
sintomas com outras patologias psiquiátricas (TENGAN; MAIA, 2005,
p.7).
Embora não seja comum, essa perturbação psiquiátrica pode ter início
durante a infância. Segundo Tengan e Maia (2005, p. 7):
(...) a esquizofrenia com início na infância apresenta algumas
particularidades, quando comparada à de início na fase adulta. Quando
iniciada antes dos 12 anos de idade, geralmente está associada a
problemas de comportamento. Essas crianças costumam ser vistas
como socialmente desadaptadas, estranhas e isoladas, com distúrbios
de comportamento e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, entre
outros aspectos. Os distúrbios do pensamento, principalmente
desorganização de idéias, delírios, alucinações e afeto com pouca
ressonância, são freqüentemente observados. Esses sintomas não se
modificam com a idade, mas sua expressão varia, havendo em geral
uma maior riqueza nas descrições, da doença conforme avança a idade
(TENGAN; MAIA, 2005, p.7).
Os mesmos autores acima citados ainda ressaltam que:
Na infância, o problema costuma ter um início mais insidioso e muitas
vezes, difícil de ser delimitado. Normalmente, os sintomas persistem por
um ano antes de o problema ser diagnosticado, acarretando prejuízo
para a criança e a família, já que o diagnóstico é feito na maioria das
vezes, tardiamente, o que compromete as possibilidades de tratamento.
A principal diferença entre a esquizofrenia de início na infância e na
idade adulta é a diferença de prevalência entre os sexos. Enquanto na
população adulta, incidência entre homens e mulheres é praticamente a
mesma, na população infantil os meninos são duas vezes mais
acometidos pelo transtorno, em comparação às meninas. Além disso,
estudos têm apontado diferenças no curso da doença entre os sexos
(TENGAN; MAIA, 2005, p. 7).
Em geral, efeitos devastadores
decorrem do aparecimento desta
17
perturbação:
A deterioração mental nos pacientes com esquizofrenia é quase
inevitável (...) Aproximadamente 10 a 20% das crianças com
esquizofrenia apresentam rebaixamento de inteligência. A deterioração
mental é significativamente maior, se comparada com as psicoses nãoesquizofrênicas. Além do déficit cognitivo, encontra-se também, em
geral, déficit na atenção e no aprendizado e abstração, problemas
comuns em pacientes com esquizofrenia (...) (TENGAN; MAIA, 2005, p.
7)
É importantíssimo observar que a esquizofrenia apresenta um curso
bastante variado e o surgimento / evolução de quadros deste problema pode ser
influenciado por fatores de natureza diversa, tais como idade de início, tipo de
esquizofrenia, gênero, além de uma gama de fatores individuais e ambientais,
que podem interferir no prognóstico e evolução do quadro (TAYLOR, 1994 apud
TENGAN; MAIA, 2005).
A literatura como um todo, denota que o problema é
altamente complexo:
“O curso da esquizofrenia é bastante variado e influenciado por
diversos fatores, como idade de início, tipo de esquizofrenia, gênero,
além de fatores individuais e ambientais que podem interferir em seu
prognóstico. Normalmente, o curso da doença é flutuante, inicialmente
com uma fase prodrômica, seguida por uma fase ativa, de crise, com
sintomatologia variada, onde normalmente é feito o diagnóstico. Com a
evolução, episódios de crise, recuperação e fase residual são
observados. Na esquizofrenia, normalmente após a estabilização da
crise, o indivíduo não volta ao estado anterior; geralmente se percebe
alguma alteração na afetividade e no pragmatismo: o chamado ‘defeito’
pós-crise. O prognóstico da doença é reservado, apesar de as novas
terapêuticas farmacológicas terem favorecido muito uma melhora da
doença. Fatores de um melhor prognóstico são: início tardio, fator
precipitante claro, início agudo, antecedente social favorável, como
trabalho e relacionamentos interpessoais, presença de sintomas
depressivos, ser casado (o que claramente não se aplica aqui),
sintomas positivos (delírios e alucinações) e suporte familiar e social
favorável. Fatores de um pior prognóstico seriam: início precoce, não
existência de fatores precipitantes, fatores pré-mórbidos, como má
adaptação social e no trabalho, comportamentos autísticos, sintomas
negativos, pouco suporte familiar e social, não remissão no período de 3
anos, muitas recaídas. A esquizofrenia na infância acaba tendo um pior
prognóstico principalmente pelo início precoce e pela predominância de
sintomas negativos (TENGAN; MAIA, 2005, p.10).
18
Diante do exposto, é possível afirmar que a revisão da literatura sobre
doenças mentais, em geral, sugere que uma gama de variáveis de natureza
diversa pode influenciar na etiologia e desenvolvimento de transtornos mentais,
como a esquizofrenia.
Atualmente, pesquisas efetuadas por psicólogos (de diferentes abordagens),
psiquiatras, neurocientistas e profissionais de áreas afins, vêm resultando em um
conjunto de explicações variadas, para a origem e evolução das psicoses
esquizofrênicas. Como exemplo, Holmes (2001), destaca algumas das principais
explicações científicas para quadros de perturbação mentais, vigentes no ideário
contemporâneo:
Explicações psicodinâmicas: o comportamento anormal origina-se de
1
conflitos intrapsíquicos;
explicações baseadas em teorias da
2
aprendizagem: o comportamento
anormal é aprendido no decorrer da história do indivíduo, segundo
exposição a contingências de natureza diversa ;
3
explicações cognitivas: o comportamento anormal resulta dos problemas
com o conteúdo cognitivo (pensamento) ou rupturas nos processos de
pensamento;
4
explicações de natureza fisiológica: o comportamento anormal é devido a
problemas relacionados à transmissão sináptica, a fatores relacionados
à estrutura cerebral e níveis hormonais;
5 explicações de natureza humanístico - existencial: o comportamento
anormal é decorrente de escolhas conscientes e as escolhas de uma
pessoa são influenciadas pela percepção pessoal da situação, singular
para cada indivíduo.
Diante disso, considera-se de suma importância efetuar pesquisas
de
revisão bibliográfica, enfocando a origem e o desenvolvimento da esquizofrenia,
sob a ótica de diferentes abordagens do conhecimento científico. É fundamental
19
abordar o problema através de uma visão abrangente; ou seja, abster-se do
propósito de
buscar a verdade somente através de uma ou outra teoria.
Outrossim, é importante encarar o conjunto de explicações sobre o assunto, como
um “todo” , composto por partes que se complementam, possibilitando, dessa
forma, uma compreensão mais ampla ou profunda acerca desta problemática.
Este estudo tem como finalidade básica, portanto, apresentar uma revisão da
literatura recente sobre os principais fatores que influenciam a origem e evolução
de quadros de psicose esquizofrênica. Com esta finalidade, este trabalho aborda
o papel de fatores de natureza bipsicofisiológica, psicossocial e psicodinâmica
que podem predispor o indivíduo à esquizofrenia. Este trabalho destaca, em
especial, a influência de fatores ou aspectos pertinentes à dinâmica de interação
familiar no aparecimento dos sintomas e/ ou na progressão
deste quadro
psicótico, segundo um referencial teórico de cunho psicanalítico.
É importante salientar, de antemão, que este estudo apresenta, também,
uma compilação da literatura sobre os recentes avanços das neurociências no
estudo da esquizofrenia. Na década de 70, foram publicados os primeiros estudos
de tomografia computadorizada em pacientes com transtornos mentais. A partir
de então, desenvolveram-se métodos que propiciam a produção de imagens (com
nitidez
impressionante) do cérebro humano, destinadas à investigação de
aspectos anatômicos, estruturais e funcionais (como tomografias para emissão
de pósitrons e fóton único e as técnicas de ressonância magnética
espectroscópica funcional). Técnicas como essas podem detectar alterações sutis
na estrutura e metabolismo de áreas cerebrais
portadores de diversos transtornos
específicas de pacientes
mentais, como transtornos psicóticos,
afetivos, transtornos ansiosos, entre outros (HOLMES, 2001; MACHADO, 2000)
20
Com o avanço das neurociências, atualmente vem sendo possível estudar,
por exemplo, mudanças dinâmicas do funcionamento cerebral, durante tarefas de
estimulação
mental ou exacerbação de sintomas, alterações em vias
neuropsíquicas - antes e depois da administração de tratamentos farmacológicos entre outros aspectos.
A literatura denota que
a multiplicidade de estudos e pesquisas
desenvolvidos por neurocientistas, nos últimos anos, vem trazendo contribuições
importantes para o entendimento do assunto. Diante disso, optou-se por incluir
neste estudo, uma seção destinada a apresentar uma compilação da bibliografia
sobre os avanços do conhecimento sobre esquizofrenia, nessa área do
conhecimento científico.
Supõe-se que os dados coletados através desta pesquisa poderão subsidiar
o trabalho de profissionais que atuam na área da saúde mental, contribuindo para
atualização em torno do assunto, bem como para a elaboração e/ou
aperfeiçoamento de estratégias terapêuticas. Este estudo aponta, ainda, indícios
para que novas pesquisas sejam desenvolvidas. Com essa finalidade, foram
estabelecidos os seguintes objetivos:
OBJETIVO GERAL
-
Identificar, via levantamento bibliográfico, os principais fatores que
contribuem para o início e desenvolvimento da psicose em pacientes
esquizofrênicos, segundo diferentes abordagens da Psicologia e Psiquiatria.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
-
identificar os principais fatores determinantes da esquizofrenia, segundo
a ótica psicanalítica;
21
-
descrever e caracterizar o papel de fatores pertinentes à dinâmica
familiar, na construção das psicoses esquizofrênicas, com base em um
referencial psicanalítico;
-
caracterizar os principais fatores que influenciam no desenvolvimento e
evolução de quadros de psicose esquizofrênica,
segundo as teorias
cognitivas e teorias da aprendizagem;
-
descrever e caracterizar o papel de fatores de natureza genética e
neurobiológica, no surgimento e progressão de quadros de psicose
esquizofrênica;
-
investigar e caracterizar algumas das principais contribuições das
neurociências para o entendimento da etiologia e desenvolvimento de
quadros de psicose esquizofrênica,
presentes
no ideário científico
contemporâneo;
-
analisar o papel de fatores de natureza psicossocial e humanístico
existencial, no início e progressão de quadros de esquizofrenia.
METODOLOGIA
Este estudo consiste em uma pesquisa de natureza bibliográfica sobre o
assunto. Para a coleta de dados, foram adotados os seguintes procedimentos:
efetuou-se consultas sistemáticas, junto a sites especializados na Internet, tais
como os
sistemas “Google”, “Scielo”, “Medline”. Através dessa consulta, foi
efetuado um levantamento de trabalhos publicados em periódicos, abordando a
temática em questão. Selecionou-se
artigos sobre o tema,
publicados em
periódicos das áreas de Psicologia e de Psiquiatria no decorrer dos últimos seis
22
anos, em virtude do acelerado avanço das neurociências no decorrer desse
período. Desta forma, pretende-se apresentar um conjunto de dados atualizados
sobre o assunto.
Para coleta dos artigos, foram utilizadas palavras chaves como :
“Esquizofrenia”,
Esquizofrênicas”,
“Duplo
Vínculo”,
“Psicanálise”,
“Esquizofrenia
“Psicanálise
e
na
Família”,
“Psicoses
Esquizofrenia”,
“Família”,
”Transmissão Psíquica entre Gerações”, entre outras, para busca do material.
Foram coletados e analisados 19 artigos ao todo. Dentre estes, foram
selecionados 16, os quais aparecem citados neste nas várias citações feitas no
decorrer deste estudo, segundo critérios de pertinência ao assunto-objeto deste
trabalho. Além disso, foi efetuado um levantamento bibliográfico, junto a obras
especializadas.
Após a coleta e seleção do material bibliográfico, foi efetuado um trabalho
sistemático de leitura, fichamento e análise dos dados coletados. As informações
coletadas foram organizadas em categorias ou seções, de modo a atender aos
objetivos estabelecidos neste estudo. Assim, este trabalho apresenta uma
descrição compreensiva do material bibliográfico coletado.
23
2. DESENVOLVIMENTO
A ORIGEM E EVOLUÇÃO DA ESQUIZOFRENIA, SEGUNDO EXPLICAÇÕES
PERTINENTES A DIFERENTES ABORDAGENS
2.1 – O QUE É COMPORTAMENTO ANORMAL???
“ Os diferentes aí estão: enfermos, paralíticos, machucados,
engordados, magros demais, inteligentes em excesso, bons
demais para aquele cargo, excepcionais, narigudos,
barrigudos, joelhudos, de pé grande, de roupas erradas,
cheios de espinhas, de mumunha, de malícia ou de baba.
Aí estão, doendo e doendo, mas procurando ser,
conseguindo ser, sendo muito mais” (TÁVOLA, A. – A
ALMA DOS DIFERENTES)
Chegar a um conceito geral do que é o comportamento anormal não é fácil.
Alguns teóricos definem o conceito de “anormalidade”, sob o ponto de vista do
indivíduo, no qual o comportamento está sendo considerado; outros o definem
sob o ponto de vista da cultura na qual vive o indivíduo. Contudo, é importante
aqui destacar que diferentes interpretações ou pontos de vista que podem ser
conjugados ou integrados, no sentido de possibilitar uma definição de
comportamento “anormal”.
Quando se tenta definir em que consiste o comportamento “anormal”, sob
uma ótica voltada para ponto de vista do indivíduo, a atenção é voltada para o
sofrimento da pessoa. Assim, algumas pessoas são definidas como “anormais”
quando estão ansiosas, deprimidas, insatisfeitas ou seriamente perturbados e,
posteriormente, a atenção é voltada para a incapacidade da pessoa de funcionar
em nível pessoal, social, fisiológica ou profissionalmente (HOLMES, 2001). De
acordo com o ponto de vista pessoal, a anomalia
é definida em termos da
24
felicidade e eficácia da pessoa, e o que os demais pensam sobre ela, também, se
faz relevante para tal definição.
Culturalmente, a definição de comportamento anormal remete ao conceito
de desvio da norma,
ou ao grau em que o comportamento da pessoa se
desvia das normas culturais. Por exemplo: Uma pessoa que alucina será definida
como anormal porque a maioria das pessoas não alucina. Além disso,
é
importante também salientar que o conceito de anormalidade varia muito de uma
cultura para outra, pois o que é considerado um comportamento normal em uma
determinada cultura, pode não ser em outra (HOLMES, 2001).
O assunto, portanto, é complexo e intrincado. Para obter uma compreensão
ampla e abrangente do assunto, portanto, torna-se necessário
englobar
diferentes ângulos de interpretação:
“É arriscado tentar uma definição específica, mas se poderia dizer que
comportamento anormal é o comportamento que é pessoalmente
angustiante ou pessoalmente incapacitante ou é culturalmente tão
afastado da norma que outros indivíduos o julgam como inapropriado ou
mal-adaptado.”( HOLMES,2001.p.3).
Conforme foi explicitado anteriormente, a origem e evolução dos quadros de
psicose esquizofrênica vêm sendo investigadas através de diferentes abordagens
de pesquisa, nas últimas décadas. Assim, as seções seguintes apresentam
algumas das principais explicações sobre o problema, vigentes no cenário atual.
2.2 - EXPLICAÇÕES DA TEORIA DA APRENDIZAGEM
Segundo Holmes (2001), basicamente, a Teoria da Aprendizagem defende
que o comportamento anormal é aprendido. Dois são os pontos gerais que devem
ser observados nessa perspectiva .
O primeiro é
o de que os teóricos
25
tradicionais dessa abordagem não fazem suposições sobre processos internos,
como o pensamento, para entendimento do comportamento anormal. Para eles,
as explicações sobre o comportamento devem ser embasadas somente em
variáveis observáveis, limitando assim sua atenção para fatores externos como,
estímulos e reforços (gratificações). Em segundo lugar, postula-se que dois tipos
distintos
de
aprendizagem
podem
desempenhar
papéis
diferentes
no
desenvolvimento do comportamento anormal: Condicionamento Clássico e
Condicionamento Operante (HOLMES,2001). O processo de condicionamento
clássico foi descrito inicialmente por Ivan Pavlov, no início do século
XX.
Entende-se por Condicionamento Clássico:
(...) o Condicionamento Clássico ocorre quando um estímulo que induz
uma resposta particular é consistentemente emparelhado com um
estímulo neutro que não induz a resposta, como quando o alimento com
o som de uma sineta. Após combinações repetidas dos dois estímulos,
o próprio estímulo anteriormente neutro induz sozinho também a
resposta; por exemplo,o som da sineta induz salivação.O estímulo que
originalmente induzir a resposta (o alimento) é chamado de estímulo
não-condicionado e o estímulo neutro que assume a potencialidade de
induzir a resposta ( o som da sineta) é chamado de estímulo
condicionado (SKINNER,1953 apud HOLMES, 2001, p.41-42).
Condicionamentos Clássicos podem contribuir para o aparecimento e
manutenção de comportamentos “anormais” :
Talvez o exemplo mais famoso de condicionamento clássico em
humanos seja o caso do ‘Pequeno Albert’, um menino que foi
condicionado por Jhon B. Watson em sua tentativa de demonstrar que
os medos são aprendidos ao invés de inatos.Watson primeiro
apresentou um rato branco ao pequeno Albert, que não demonstrou
medo algum do rato e apreciou brincar com ele.Quando Watson, em
seguida, apresentou o rato para Albert, soou também um gongo muito
intenso que assustou a criança. Este mesmo procedimento da
combinação do rato com o gongo assustador foi repetido inúmeras
vezes até que, posteriormente, quando apenas o rato era apresentado,
Albert imediatamente demonstrava medo. (...) O condicionamento
clássico é relevante para o nosso entendimento do comportamento
anormal porquê provê a base para muitas respostas emocionais e
fisiológicas inapropriadas, como o medo do pequeno Albert e a minha
26
náusea.O medo de ratos do pequeno Albert certamente seria
considerado anormal.Em realidade se fosse levado a uma clínica,
provavelmente Albert teria sido diagnosticado como sofrendo de uma
fobia (um medo irracional) (HOLMES, 2001, p. 42)
Também o conceito de Condicionamento Operante pode explicar o
aparecimento e manutenção de comportamentos anormais. Para melhor
entendimento do assunto, é necessário, inicialmente, atentar para o conceito de
comportamento operante:
“inclui todos os movimentos de um organismo dos
quais se possa dizer que, em algum momento, têm efeito sobre ou fazem algo ao
mundo em redor.O comportamento operante opera sobre o mundo, por assim
dizer, quer direta ou indiretamente” (KELLER apud BOCK, 2001, .p.48).
Com base na exposição a contingências ambientais, o comportamento
operante
pode
ser
condicionado.
O
condicionamento
de
respostas ou
comportamentos acontece por meio das conseqüências que se seguem à
emissão dos mesmos. Bock (2001), afirma que o comportamento operante é
representado por: “ R – S” ; R significa resposta e S, significa estímulo reforçador
o qual interessa ao organismo e este estímulo reforçador é chamado de “reforço”.
A autora define o conceito de reforço, proposto originariamente por Skinner, da
seguinte forma:
Chamamos de reforço a toda conseqüência que , seguindo uma
resposta , altera a probabilidade futura de ocorrência dessa resposta.O
reforço pode ser positivo ou negativo.O reforço positivo é todo evento
que aumenta a probabilidade futura da resposta que o produz.O reforço
negativo é todo evento que aumenta a probabilidade futura da resposta
que o remove ou atenua.(...) O reforçamento positivo oferece alguma
coisa ao organismo (gotas de água com a pressão à barra por
exemplo); o negativo permite a retirada de algo indesejável (os choques
...) (BOCK, 2001, p. 50).
27
Assim, entende-se por condicionamento operante: (...) “ocorre quando uma
resposta é seguida por uma gratificação (reforço), de modo que no futuro você
tenderá mais a usar a resposta para obter a recompensa” (SKINNER,1953 apud
HOLMES,2001, p.41-42). Aqui, entra em jogo o papel das gratificações. As
gratificações são poderosos reforçadores.
Os estudiosos dessa abordagem
sugerem que gratificações de natureza diversa podem manter comportamentos
considerados “anormais”, através de um esquema de Condicionamento Operante:
(...) as pessoas com esquizofrenia usam seu comportamento anormal
para obter gratificações, por exemplo ‘atenção’. É improvável que em
uma ala hospitalar superlotada e com escassez de funcionários, um
paciente silencioso, livre de sintomas, obtenha muita atenção; portanto
convém ao paciente que deseja atenção a encenar um pouco de
‘loucura’. Assim como a roda ganha o óleo, do mesmo modo o
‘esquizofrênico esquisito’ obtém a atenção.Atenção pode ser um a
gratificação particularmente poderosos em um hospital onde os
pacientes são raramente visitados e em geral ignorados por uma equipe
sobrecarregada(...) (HOLMES, 2001, p. 264).
Ainda, segundo Holmes (2001), as gratificações são importantes para
desenvolver e manter os comportamentos em geral;
e o comportamento
esquizofrênico não é uma exceção.
Por isso, ao considerar sintomas, é necessário diferenciar os sintomas
estratégicos usados como uma estratégia
para obter gratificações e outros
sintomas psicóticos, originários de outras causas. Muitos dos estudiosos dizem
que tais gratificações podem explicar o comportamento superficial dos pacientes.
Contudo, não explicam as causas graves e incontroláveis, na maioria das vezes,
como os processos de pensamentos desses pacientes (HOLMES, 2001).
Estudiosos da análise do comportamento alertam, ainda, para o papel da
atribuição de “rótulos” no desenvolvimento e manutenção de sintomas psicóticos.
Nessa linha de interpretação, alguns dos sintomas da esquizofrenia podem ser
28
desenvolvidos por causa do rótulo de “esquizofrênico” atribuído a pacientes com
sintomatologia psicótica, dando assim origem a comportamentos anormais.
Alguns dos sintomas da esquizofrenia podem desenvolver-se porque os
indivíduos são rotulados como ‘esquizofrênicos’ , e tais rótulos podem
resultar em comportamento anormal, de dois modos. Primeiro porque as
esperamos que os indivíduos rotulados como sofrendo de esquizofrenia
se comportem como ‘loucos’, podemos sutilmente lhes sugerir
comportamentos anormais...ser rotulado de estar sofrendo de
esquizofrenia, pode também conduzir aos sintomas porque o ‘papel’ de
ser ‘esquizofrênico’, permite uma variedade ampla de comportamentos
do que o ‘papel’ de ser ‘normal’ portanto, um indivíduo rotulado de
‘esquizofrênico’ poderia usar comportamentos que comumente seriam
suprimidos.(...) Além do fato de que os rótulos e os papéis influenciam o
que as pessoas fazem, eles influenciam nossa interpretação do que elas
fazem e porque fazem (HOLMES, 2001, p.265-267).
Segundo o autor, parece estar claro que os rótulos e papéis são
responsáveis por alguns dos sintomas na esquizofrenia e pelas
interpretações que são atribuídas aos seus comportamentos; mas, os
mesmos não podem explicar todos os sintomas, uma vez que os rótulos e
papéis podem apenas exercer seus efeitos quando a pessoa já foi
diagnosticada (rotulada) e, até então, alguns dos sintomas já existiam.
Portanto, esse ângulo de interpretação pode oferecer apenas explicações
parciais para a origem e desenvolvimento da esquizofrenia.
Diante disso, fica evidente a necessidade de conjugar esta vertente de
interpretação, com explicações apresentadas em abordagens diversas,
para um entendimento mais profundo do assunto.
2.3 – EXPLICAÇÕES DA TEORIA COGNITIVA
As explicações cognitivas, defendem que as experiências sensoriais dos
esquizofrênicos são reais e são a causa do distúrbio.
Nessa linha de
29
interpretação, as explicações para a esquizofrenia são baseadas em um conjunto
de suposições ou pressupostos:
1-As pessoas com esquizofrenia realmente tem experiências sensoriais
diferentes das dos indivíduos normais; 2- Muitos dos sintomas da
esquizofrenia (ex. alucinações, delírios) originam-se das tentativas das
pessoas de explicar suas experiências sensoriais diferentes. 3-O
desempenho intelectual e verbal perturbados observados na
esquizofrenia, deve-se ao fato de que as experiências sensoriais
interferem no funcionamento cognitivo, de outro modo normal da
pessoa (HOLMES, 2001, p.268)
De acordo com Holmes (2001), os teóricos cognitivos sugerem que os
processos de pensamentos na esquizofrenia são semelhantes aos das pessoas
normais e só parecem perturbados, porque o indivíduo
tem experiências
sensoriais diferentes, que interferem nos processos normais do pensamento. Ou
seja, alguns indivíduos apresentam níveis diferenciados de percepção sensorial,
em comparação a pessoas “normais”.
Assim,
pode ocorrer um processo
denominado de “inundação cognitiva” ou uma sobrecarga, decorrente da
percepção de estímulos como sons, imagens e sensações, que as pessoas
normais geralmente filtram. Isto resultaria no que tradicionalmente se denomina
de alucinações e delírios (HOLMES, 2001). Pessoas com esse transtorno não são
capazes de filtrar estímulos irrelevantes e, desta forma, os mesmos acabam
rompendo os processos de pensamento. A sensibilidade sensorial mais intensa
pode desempenhar um papel no déficit esquizofrênico, como se acontecesse um
colapso no mecanismo responsável pela filtragem dos estímulos que não estão
relacionados ao pensamento corrente (PAYNE,1959 apud HOLMES, 2001).
Além disso, os teóricos dessa linha de interpretação, também, sugerem que
os problemas de linguagem em esquizofrênicos resultam da incapacidade dessas
pessoas em manter a atenção e por intrusões de pensamentos irrelevantes.
30
Essas intrusões se devem às associações que a pessoa faz entre as palavras
que estão sendo usadas. Há diversos tipos de associações: “intrusão semântica,
intrusão de conteúdo de pensamento, associações sonoras e intrusões por força
do hábito”. As intrusões semânticas ocorrem quando se usa um sentido
alternativo para uma palavra particular introduz um pensamento novo, ou seja, a
pessoa passa a ter lapsos de atenção durante os quais outros pensamentos
aparecem e assim, a pessoa associa uma palavra à outra (HOLMES,2001). Nas
palavras do autor: “quando um indivíduo usa a palavra rio para indicar um rio e
um outro indivíduo responde e fala sobre rir é fácil ver como confusões surgirão
e como se pode concluir que um indivíduo que respondeu com a associação
errada apresenta um transtorno de pensamento” (HOLMES, 2001, p.271)
Um exemplo de intrusão de conteúdo de pensamento ocorre quando uma
palavra faz com que o indivíduo se lembre de um tópico diferente. Um exemplo
seria:
“(...) quando uma pessoa conta uma história sobre um gato especial e
ao dizer a palavra gato, lembra-se de um outro gato e, no meio da frase,
começa a relatar a história desse outro gato, que acabara de se
lembrar. Isto, sem que essa mudança de relato tenha ficado clara em
seu discurso” (HOLMES, 2001, p.271).
Já as associações sonoras são baseadas em sons parecidos de algumas
palavras. A pessoa troca uma palavra por outra, pela semelhança de sons das
duas, como, “torta e porta, boa e proa, cola e bola”, entre outras:
‘Quando ouvi a porta bater tapei os ouvidos’ , ao pronunciar a palavra
porta a pessoa com esquizofrenia poderia pensar sobre a palavra torta
e então completar a sentença com uma frase envolvendo a palavra
torta. A sentença resultante ‘Quando ouvi a torta bater ,tapei os ouvidos’
não faz sentido(HOLMES, 2001 p. 271) .
Assim, as intrusões de pensamento, para o observador externo, se
apresentam como discurso desorganizado, confusão de pensamento e até delírios
31
ou alucinações. Ainda, de acordo com Holmes (2001, p. 272):
(...) Dois pontos finais devem ser levados em conta em relação aos
problemas de linguagem na esquizofrenia (...) primeiro é importante
reconhecer que o conteúdo da intrusão pode estar relacionado a algo
nos antecedentes da pessoa, mas este fator de fundo não é a causa da
intrusão. Entender o conteúdo da intrusão não levará a um
entendimento da esquizofrenia. (...) Segundo, os processos que
resultam em problemas de linguagem observados na esquizofrenia, não
são diferentes dos que conduzem a erros ou enganos na linguagem
dos indivíduos normais. Os erros cometidos por pessoas perturbadas
não são singulares; eles simplesmente cometem erros mais extremos
ou mais freqüentes que os dos tipos cometidos por pessoas normais.
Finalmente,
é importante notar que os sintomas psicóticos, como
alucinações podem ser
entendidos, também, através de um processo de
mediação cognitiva. Ou seja, processos cognitivos podem favorecer o
aparecimento e/ou agravamento de sintomas psicóticos:
(...) As alucinações, podem também ser explicadas por atenção seletiva.
Há uma linha tênue entre ‘pensamentos’ e ouvir vozes quando não há
ninguém mais presente (alucinações auditivas) Amiúde, recordamos e
ensaiamos mentalmente conversações que envolveram inúmeras
‘vozes’. Porque o mundo é ameaçador, a pessoa com esquizofrenia
pode deixar de prestar atenção a indícios externos focalizar a atenção
internamente.(Diz-se que o indivíduo infeliz volta-se para dentro para
buscar consolo). Então porque ele ou ela não está prestando atenção
aos indícios sociais relevantes no ambiente, o indivíduo não perceberá
que prestar atenção a indícios internos é inapropriado. A partir daí é
apenas um pequeno salto lidar com estes estímulos internos como se
fossem reais (HOLMES, 2001, .p.264-265).
Segundo vários autores, parece estar claro que os rótulos e papéis são
responsáveis por alguns dos sintomas na esquizofrenia e pelas
interpretações que são atribuídas aos seus comportamentos; mas, os
mesmos não podem explicar todos os sintomas, uma vez que os rótulos e
papéis podem apenas exercer seus efeitos quando a pessoa já foi
32
diagnosticada(rotulada) e, até então, alguns dos sintomas já existiam.
Portanto, esse ângulo de interpretação pode oferecer apenas explicações
parciais para a origem e desenvolvimento da esquizofrenia.
Diante disso, fica evidente a necessidade de conjugar esta vertente de
interpretação com explicações apresentadas em outras abordagens
diversas, para um entendimento mais profundo do assunto.
2.4 - EXPLICAÇÕES DE NATUREZA ORGÂNICO/FISIOLÓGICAS
Atualmente, numerosos estudos vêm sendo desenvolvidos em diversas
partes do planeta, enfocando o papel de fatores de natureza orgânica/ biológica
no surgimento da esquizofrenia e na evolução de quadros dessa psicose. Nessa
vertente de investigação científica, postula-se, principalmente, que fatores de
natureza genética e neurobiológica desempenham papel fundamental no
problema.
Em especial, os sintomas da esquizofrenia estão relacionados aos
complexos mecanismos de transmissão e captação de neurotransmissores, entre
outros aspectos.
Segundo Holmes (2001), existem três grupos diferentes de explicações
fisiológicas principais para a esquizofrenia:
A primeira delas é de que ‘níveis excessivamente altos de atividade
neurológica em algumas áreas do cérebro podem romper a atividade
cognitiva, resultando principalmente em sintomas positivos como
processos de pensamentos perturbados e alucinações. Este nível alto
de atividade é, em sua maior parte, limitado às áreas do cérebro onde a
dopamina é o neurotransmissor; altos níveis de dopamina levam a altos
níveis de atividade neurológica e , assim a alguns dos sintomas da
33
esquizofrenia; e uma vez que a dopamina provê a base para a atividade
disruptiva, freqüentemente referem-se a hipótese da dopamina para a
esquizofrenia. A segunda explicação é a de que níveis muito baixos de
atividade neurológica em algumas áreas do cérebro podem servir para
retardar a atividade cognitiva e por meio disso, resultam em sintomas
positivos como pobreza de fala e apatia.A terceira explicação é a de
que anomalias estruturais no cérebro podem servir para retardar a
atividade cognitiva e por meio disso, resultar principalmente em
sintomas negativos.Os problemas estruturais poderiam incluir másformações, dano e deteriorização. Os fatores genéticos e traumas
biológicos conduzem a problemas como níveis de atividade neurológica
e estrutura cerebral, os quais por sua vez, conduzem a sintomas
positivos e negativos da esquizofrenia. E a terceira explicação é de que,
anomalias estruturais do cérebro podem servir para retardar a atividade
cognitiva, resultando em sintomas negativos (HOLMES, 2001, .p.272).
No
cenário
contemporâneo,
vêm
sendo
desenvolvidos
sofisticados
procedimentos tecnológicos, que possibilitam novas perspectivas para o
entendimento dos complexos mecanismos responsáveis pela etiologia e
desenvolvimento das doenças mentais.
Segundo Machado, (2000), algumas das principais técnicas que vêm
imprimindo novas concepções para o entendimento do assunto são a TC
(Tomografia Computadorizada); a TRM (Tomografia por Ressonância Magnética);
e o exame PET (Tomografia por Emissão de Pósitrons):
(...) essa técnica (TC) emprega fontes múltiplas de raios X capazes de
produzir feixes muito estreitos e paralelos que percorrem ponto a ponto
o plano que se pretende visualizar no encéfalo ou na medula, medindo
então, a radiodensidade de cada ponto.Os dados obtidos da medida de
milhares de pontos são levados a um computador e por ele utilizados
para a construção da imagem. A técnica mostra facilmente sangue,
líquor e tecido nervoso, permitindo ainda a identificação das áreas
maiores de substâncias branca e cinzenta.Já a TRM (Tomografia Por
Ressonância Magnética), difere da anterior porque não emprega os
raios X.Ela baseia-se na propriedade que têm de certos núcleos
atômicos de sofrer o fenômeno de ressonância e, emitir sinais de
radiofreqüência
quando colocados
em
campos
magnéticos
adequados(...)Distingue-se, facilmente a substância branca da cinzenta,
e até mesmo pequenas massas de substância cinzenta como a do
núcleo rubro ou da substância negra , podem ser visualizadas.As
imagens por PET (Tomografia Por Emissão de Pósitrons), mais
conhecida como PET (Pósitrons Emission Tomography), que permite
estudar ao mesmo tempo aspectos morfológicos e funcionais de áreas
34
cerebrais (...) indivíduos inalam ou recebem injeção de isótopos
capazes de emitirem pósitrons, como por exemplo, o flúor.As moléculas
de compostos biológicos relevantes aclopam-se aos isótopos , como a
glicose e os neurotransmissores, podendo assim, mapear sua
distribuição no cérebro de pessoas durante os exercícios de diferentes
atividades.Como a captação de glicose pelos neurônios é proporcional à
sua atividade de pequenas áreas do cérebro de um indivíduo em
diferentes condições normais e patológicas, podendo-se localizar com
precisão as áreas corticais , que são ativadas quando o indivíduo é
submetido a diversos estímulos sensoriais, quando executa um ato
motor ou até mesmo na fase de planejamento desse ato (MACHADO,
2000, .p.319-321) .
Através de recursos dessa natureza, pode-se obter imagens claras do
cérebro vivo e em funcionamento e então, estudar os relacionamentos entre
anomalias estruturais e/ou funcionais
e o surgimento de transtornos mentais
diversos, como a esquizofrenia (HOLMES, 2001). A revisão da literatura recente
denota, claramente, um acelerado avanço no conhecimento a respeito de
transtornos mentais, decorrente
da realização de estudos embasados em
procedimentos dessa natureza. Os estudos em neuroimagem vêm possibilitando
uma
compreensão
mais
abrangente
da
dimensão
neurobiológica
da
esquizofrenia, além de fornecer subsídios para a elaboração e aperfeiçoamento
de procedimentos terapêuticos:
(...) o diagnóstico é eminentemente clínico, de acordo com a
sintomatologia apresentada e sua evolução. Os estudos por imagem
têm sua importância, não diagnóstica, mas sim pela propriedade de uma
maior compreensão de estruturas cerebrais envolvidas na doença.
Estudos através de tomografia computadorizada de crânio têm revelado
uma dilatação de ventrículos conseqüente a uma redução do
parênquima cerebral em alguns pacientes. Esses mesmos achados têm
sido encontrados em crianças, já evidenciando o comprometimento e
também a gravidade de áreas cerebrais atingidas. Estudos utilizando
ressonância magnética têm revelado diferenças no volume de áreas do
lobo temporal e parietal em adultos com esquizofrenia, especialmente
redução na porção anterior do complexo amígdala-hipocampo, mais
notadamente no lado esquerdo. Essas alterações não são observadas
nas crianças e parece que começam a surgir com a adolescência.(...)
(TENGAN; MAIA, 2005, p.10-11).
35
Além disso, é importante salientar também, que no âmbito das explicações
de natureza orgânico/biológicas, há um consenso entre os estudiosos, no sentido
de que fatores de natureza genética exercem papel fundamental no surgimento e
evolução de transtornos psiquiátricos, como a esquizofrenia. Como exemplo,
numerosos estudos controlados (efetuados em diferentes regiões do planeta)
com gêmeos idênticos, criados em ambientes diferentes, evidenciam claramente o
papel da hereditariedade, na predisposição ao problema. De forma geral, os
dados dos estudos sugerem que a esquizofrenia resulta da confluência ou
interação entre predisposição genética e fatores ambientais.
Assim, autores
apresentam interessantes considerações, nesse sentido:
Gêmeos monozigotos (MZ) têm índice de concordância de 48% para a
esquizofrenia, em comparação com o índice de 17% para gêmeos
dizigóticos (DZ). Irmãos não-gêmeos têm somente 9% de chance de
ambos terem esquizofrenia, a menos que um dos pais seja afetado,
quando o risco volta para 17%. A hereditariedade tem sido calculada em
0,68. Se ambos os pais têm esquizofrenia, o risco da doença é de 46%
para a criança. Há um efeito genético claro na esquizofrenia, mas
também há uma influência óbvia do ambiente, muito maior do que para
o transtorno bipolar ou TDAH. Igualmente de interesse é a diferença no
risco para os gêmeos DZ e os irmãos não-gêmeos.Os gêmeos, é claro,
índice mais elevado de complicações durante a gravidez e o parto, um
fator que mostrou ter um papel na esquizofrenia (PLISZKA, 2004,
.p.178).
Contudo, o cômputo da literatura denota que o assunto é extremamente
complexo, intrincado e que ainda são necessários novos estudos, até que se
chegue a um consenso, nesse sentido. Ao que tudo indica, uma complexa rede de
variáveis inter-relacionadas atua no aparecimento da esquizofrenia e/ ou na
evolução do problema:
Recentemente, William Barre e colaboradores estudaram 15 gêmeos
36
MZ e 14 DZ que eram discordantes para a esquizofrenia e comparamnos com outras 29 duplas de gêmeos dos quais nenhum tinha a doença
(os controles eram
pareados pelo tipo zigótico). Em geral as
correlações do tamanho das regiões do cérebro eram maiores para os
gêmeos MZ do que para os DZ; ou seja, a estrutura cerebral era mais
semelhante nos primeiros. Os investigadores estudaram tanto o volume
intracraniano (espaço interno do crânio,que é estabelecido pelo
crescimento inicial do cérebro) como o volume do próprio
cérebro(volume total do mesmo). Primeiro o volume, intracraniano era
reduzido nos MZ discordantes para
a esquizofrenia. Segundo, o
tamanho do lobo frontal era diminuído
nos
MZ
doentes
em
relação aos seus irmãos saudáveis. Essa descoberta sugere que
tanto
os
gêmeos MZ doentes como os saudáveis tinham
crescimento inicial reduzido do cérebro (particularmente do lobo frontal),
mas que somente um deles desenvolveu a doença. Assim o
crescimento inicial reduzido do cérebro é um fator de risco para a
esquizofrenia, mas não causa a doença por si só. Em contraste, o
volume total do cérebro, bem como o volume hipocampal era reduzido
nos gêmeos com esquizofrenia a despeito do tipo zigótico. Essa
diminuição adicional no tamanho do cérebro pode ser causada pelo
próprio processo da doença. Os dados de imagens são consistentes
com a hipótese do duplo golpe: um fator genético prejudica o
desenvolvimento do cérebro, enquanto outros fatores desencadeiam
outros eventos que
levam a diminuições ulteriores no volume do
cérebro(PLISZKA, 2004, p.181).
Finalmente, é importante notar que pesquisas dessa natureza vêm
subsidiando propostas terapêuticas diversas. Atualmente, a Psiquiatria propõe o
tratamento farmacológico combinado ao sócio-educativo:
A base do tratamento farmacológico restringe-se aos neurolépticos ou
antipsicóticos. A eficácia dessas drogas sobre as psicoses tem sido
demonstrada em vários trabalhos. Infelizmente, os estudos dessas
drogas na infância são em número infinitamente menor que em adultos.
Por uma série de razões, as pesquisas com os neurolépticos iniciam-se
na população adulta, e somente após alguns anos essas drogas são
autorizadas para uso na infância (TENGAN; MAIA, 2005, .p.11).
Em suma, é possível notar que os estudos em neuroimagem vêm
retroalimentando a elaboração
de novas modalidades de
tratamento do
problema e o aperfeiçoamento das já existentes. Assim sendo, supõe-se que o
avanço nos conhecimentos acerca da dimensão neurobiológica da esquizofrenia
possibilite, nos próximos anos, novas e refinadas propostas terapêuticas para o
problema. Fármacos de última geração vêm sendo desenvolvidos para controle
37
do problema. Atualmente, é consenso entre os pesquisadores, contudo, que a
administração de fármacos, associada à psico-educação de pacientes e familiares
sobre o problema aumenta o grau de eficácia do tratamento (HOLMES, 2001;
CABALLO, 2003).
2.5 - EXPLICAÇÕES DE NATUREZA HUMANÍSTICO-EXISTENCIAL:
Nessa abordagem, o comportamento anormal é aquele em que a pessoa
simula uma sanidade mental de acordo com as regras impostas pela sociedade.
Para os teóricos dessa vertente, pacientes esquizofrênicos são pessoas que têm
uma maior probabilidade de encontrar seu verdadeiro eu, em comparação
àqueles que se submetem às regras da sociedade. Os rótulos são atribuídos aos
esquizofrênicos, justamente por estarem em contraste, em desobediência a tais
regras e assim, comportarem-se de maneira diferente do que foi estabelecido
socialmente:
“Os teóricos humanísticos-existenciais, acreditam que a esquizofrenia
não é um transtorno, ao contrário,é uma forma alternativa de adaptação.
(...) o comportamento esquizofrênico é definido como anormal apenas
porque desvia do padrão de comportamento aceito pela maioria das
pessoas (HOLMES, 2001, .p.280)”.
Assim, o comportamento “anormal” apresentado pelo indivíduo com
esquizofrenia, segundo a vertente humanístico-existencial, reflete-se em um
desvio ou ruptura com os padrões de normalidade impostos pela sociedade:
Mais especificamente, eles sugerem que o que nós em geral nos
referimos como comportamento ‘normal’ é na realidade anormal porque
pressões sociais forçaram a maioria das pessoas a adotar eus falsos e
distorcidos e tornar–se robôs ou autômatos programados para seguir
os ditames da sociedade. A partir da perspectiva humanísticoexistencial, as pessoas diagnosticadas como apresentando a
esquizofrenia são considerados como indivíduos que rompem do molde
38
da sociedade, retiram–se para dentro de si mesmas em uma tentativa
de encontrar – se como indivíduos singulares à parte dos papéis
estabelecidos pela
sociedade. Na esquizofrenia, os indivíduos
desistem da simulação de sanidade e encetam uma viagem de
descoberta do eu real. Em busca por si mesmos, estes indivíduos
poderiam demonstrar algum comportamento incomum ou inapropriado
(...) seu comportamento
não é nada mais inapropriado do que o
comportamento prescrito pela sociedade (...) os indivíduos com
esquizofrenia são considerados como mais próximos a encontrar seus
eus verdadeiros do que as outras pessoas, mas eles são rotulados
anormais porque estão em descompasso com a maioria (...) (HOLMES,
2001, p.280).
Outros autores apresentam considerações, nesse sentido. Laing (1964)
apud Holmes (2001), por exemplo considera:
Alguns teóricos focalizam a maior parte de sua atenção sobre os transtornos
menos sérios como ansiedade e depressão, mas oferecem uma explicação
radical para a esquizofrenia. Alguns
teóricos
humanísticos-existenciais
sugerem que o comportamento observado na esquizofrenia
é
rotulado
como anormal porque difere do modo como a maioria das pessoas se
comporta, mas que é de fato o comportamento das pessoas que não tem
esquizofrenia que é anormal (LAING, 1964 apud HOLMES, 2001, p. 280).
De certa forma, esta concepção é compatível, pelo menos parcialmente, com
as anteriormente apresentadas, corroborando a noção de que um conjunto de
aspectos de natureza diversa podem contribuir para o desenvolvimento e/ou
agravamento de comportamentos tidos como anormais, sob o ponto de vista
social.
É importante destacar aqui, que a teoria humanítico-existencial, em seu
discurso sobre comportamento anormal, deixa claro a importância do respeito
pela individualidade do outro, mesmo sendo visto como um “diferente”
socialmente.
39
2.6 – EXPLICAÇÕES PARA A ESQUIZOFRENIA, SEGUNDO A ÓTICA
PSICANALÍTICA
“...Ah, o diferente, esse ser especial!... O diferente suporta e
digere a ira do irremediavelmente igual: a inveja do comum;
o ódio do mediano. O verdadeiro diferente sabe que nunca
tem razão, mas que está sempre certo.” (TÁVOLA, A Alma dos Diferentes)
Esta seção enfoca explicações sobre a origem dos sintomas e evolução de
quadros de psicoses esquizofrênicas, segundo a ótica psicanalítica, destacando a
influência
de
aspectos
pertinentes
à
interação
desenvolvimento de quadros desta psicose.
familiar,
na
origem
e
Para facilitar o entendimento do
assunto, inicialmente, será apresentada uma visão geral sobre conceitos
fundamentais da Psicanálise, enquanto teoria, método de investigação e prática
psicoterapêutica.
2.6.1. A Psicanálise: Ciência do Inconsciente
A Psicanálise surgiu, originariamente, a partir dos trabalhos do médico
austríaco Sigmund Freud. O termo “Psicanálise” refere-se, simultaneamente, a
uma teoria, a um método de investigação e a uma prática psicoterápica:
(...) Enquanto teoria, é definida por um conjunto de conhecimentos
sistematizados sobre o funcionamento da vida psíquica...; (...) enquanto
método de investigação, caracteriza-se pelo método interpretativo, que
busca o significado oculto do que é manifesto através de ações e
palavras ou pelas produções imaginárias, como os sonhos, os delírios,
as associações livres,os atos falhos. A prática profissional refere-se à
forma de tratamento - à Análise - que busca o autoconhecimento ou a
cura, que ocorre através desse autoconhecimento . (...) A psicanálise
também é uma ferramenta importante para a análise e compreensão de
fenômenos sociais relevantes: as novas formas de sofrimentos
40
psíquicos,excesso de individualismo no mundo
exacerbação da violência etc.(BOCK, 2001, p.71).
contemporâneo,
Sigmund Freud formou-se em Medicina na Universidade de Viena, em 1881,
e se especializou em Psiquiatria (BOCK,2001; FADMAN; FRAGER, 2002). Freud
nasceu na cidade de Freiberg, na Moravia (hoje Tchecoslováquia), em 06 de maio
de 1856. Formou-se aos 26 anos em Medicina, desenvolveu várias pesquisas
independentes sobre Histologia e publicou artigos sobre Anatomia e Neurologia.
Apesar de se dirigir, relutantemente, para a clínica particular, seus principais
interesses permaneciam na área da observação e exploração científicas.
Trabalhou como cirurgião, depois em clínica geral, tornou-se médico interno do
principal hospital de Viena. Fez curso de Psiquiatria, o que reforçou ainda mais
seu interesse pelo estudo das relações entre sintomas de doenças mentais e
distúrbios físicos. Em 1885, tinha se estabelecido na posição prestigiosa de
conferencista da Universidade de Viena.(BOCK, 2001 ;FADMAM; FRAGER,
2002). Ao final de sua residência médica, trabalhou em Paris com outro médico
psiquiatra, Jean Charcot, o qual tratava quadros de histeria, através do método
hipnótico. Segundo Freud (1895) histeria consiste em:
(...) Os sintomas cujo rastro pudemos seguir até os referidos fatores
desencadeadores deste tipo abrangem nevralgias e anestesias de
natureza muito diversas, muitas das quais haviam persistido anos,
contraturas e paralisias, ataques histéricos e convulsões epileptóides,
que os observadores consideravam como epilepsia verdadeira, petit mal
e perturbações da ordem dos tiques, vômitos crônicos e anorexia,
levados até o extremo de rejeição de todos os alimentos, várias formas
de perturbação da visão, alucinações visuais constantemente
recorrentes, etc (...) (FREUD, 1895, p. 40).
Em 1886, Freud retornou a Viena e voltou a clinicar, usando como
instrumento na eliminação dos sintomas dos distúrbios nervoso “a sugestão
41
hipnótica”. Com Breuer, Freud explorou a dinâmica da histeria (1895):
(...) A doença manifesta. Uma psicose de maneira peculiar, com
parafasia, estrabismo convergente, graves perturbações da visão,
paralisias (sob a forma de contraturas) completa na extremidade
superior direita e ambas as extremidades inferiores, e parcial na
extremidade superior esquerda, e paresia dos músculos do pescoço.
Redução gradual da contratura nas extremidades o qual a melhora foi
interrompida por um grave trauma psíquico; ( C ) Um período de
sonambulismo persistente, alternando-se com estados mais normais
(Freud,1895, p.57-58) .
Um dos casos de pacientes com distúrbios nervosos e sintomas histéricos
que Freud estudou, foi o de Anna O., paciente de Breuer. Este caso foi decisivo
para o processo de descoberta do inconsciente e para a formulação de suas
teorias sobre o funcionamento da mente humana. A paciente sofria de sintomas
como paralisia com contratura muscular, inibições e dificuldades de pensamento,
os quais tiveram início quando ela cuidava de seu pai enfermo. Enquanto Anna O.
cuidava de seu pai, ocorriam-lhe pensamentos e afetos referentes ao desejo de
morte de seu pai. Tais desejos, ela reprimiu, substituindo-os pelos sintomas. No
estado de vigília, ela era incapaz de falar sobre a origem de seus sintomas, mas,
quando hipnotizada, relatava a origem de cada um deles. Com a lembrança de
cenas e vivências, os sintomas desapareciam, não de forma mágica, mas por
causa da liberação das emoções que foram associadas ao trauma - a doença de
seu pai, e o desejo de sua morte (FADIMAN; FRAGER, 2001).
A essa liberação de afetos e emoções, relacionada a acontecimentos
traumáticos, Breuer chamou de método catártico. Segundo ele, essa liberação de
afetos leva à eliminação dos sintomas histéricos.
Freud começou, então, a
trabalhar com pacientes que sofriam de sintomas histéricos, através da hipnose,
abandonando posteriormente esse método, porque notou que nem todos os seus
42
pacientes se prestavam à hipnose. Modificando a técnica de Breuer, desenvolveu
a técnica da concentração, que consistia na rememoração sistemática dos fatos
de sua vida interior e exterior, feita por meio da conversação normal. Em seguida,
aceitando a sugestão de uma jovem anônima, abandonou as perguntas e a
direção da sessão, passando a confiar às falas desordenadas dos pacientes,
deixando que suas idéias fluíssem de forma livre (BOCK, 2001). Surgiu, então, o
método de associação livre:
“Ele achou que a hipnose não era tão efetiva quanto esperava,
abandonou-a por completo, passando a encorajar seus pacientes a
falarem e a relatarem o que quer que pensassem independentemente
da aparente relação – ou falta de relação – com seus sintomas”
(FADIMAN; FRAGER, 2002 p. 4-5).
Bock (2001) descreve a descoberta do inconsciente e o modelo
psicodinâmico do funcionamento da mente, formulado por Freud através da
prática terapêutica:
Quando Freud abandonou as perguntas no trabalho terapêutico com os
pacientes e os deixou dar livre curso às suas idéias, observou então que
os pacientes ficavam embaraçados, envergonhados com algumas idéias
ou imagens que lhes ocorriam. A esta força psíquica que se opunha a
tornar consciente, a revelar um pensamento, Freud então, denominou
essa força psíquica de resistência. E chamou de repressão o
processo psíquico que visa encobrir, fazer desaparecer da consciência,
uma idéia ou representação insuportável e dolorosa que está na origem
do sintoma. Esses conteúdos psíquicos ‘localizam-se’ no inconsciente.
(BOCK, 2001, p. 73)
Freud, então, apresentou o conceito de inconsciente:
O inconsciente exprime o ‘conjunto de conteúdos não presentes no
campo atual da consciência’. É constituído por conteúdos reprimidos,
que não têm acesso aos sistemas pré-consciente/consciente, pela ação
de censuras internas. Estes conteúdos podem ter sido conscientes, em
algum momento, e ter sido reprimidos, isto é, ‘foram’ para o
inconsciente, ou podem ser genuinamente inconscientes. O
inconsciente é um sistema do aparelho psíquico regido por leis próprias
43
de funcionamento. Por exemplo, é atemporal, não existem as noções de
passado e presente (BOCK, 2001, p.73-74).
Segundo
a
mesma
autora,
Freud
elaborou
uma
teoria
sobre
o
funcionamento da mente humana, postulando a existência de níveis diferenciados
de consciência, a abordagem estrutural do psiquismo humano. Nesta abordagem,
a vida mental do ser humano é composta por três instâncias distintas (ou três
níveis de vida mental): o inconsciente, pré-consciente e consciente (BOCK,
2001). Surgiu, então, a primeira concepção sobre a estrutura e o funcionamento
da mente:
O inconsciente exprime o conjunto dos conteúdos não presentes no
campo atual da consciência”. É constituído por conteúdos reprimidos,
que não têm acesso aos sistemas pré-consciente/consciente, pela ação
de censuras internas. (...) o inconsciente é um sistema do aparelho
psíquico regido por leis próprias de funcionamento. O pré-consciente,
refere-se ao sistema onde permanecem aqueles conteúdos acessíveis à
consciência. É aquilo que não está na consciência, neste momento, e
no momento seguinte pode estar. O consciente é o sistema do
aparelho psíquico que recebe ao mesmo tempo as informações do
mundo exterior e as do mundo interior. Na consciência, destaca-se o
fenômeno da percepção do mundo exterior, a atenção, o raciocínio
(BOCK, 2001, p. 73-74).
Através do atendimento de numerosos pacientes com problemas nervosos
e/ou quadros de histeria, Freud foi, paulatinamente, construindo uma complexa
teoria sobre o funcionamento do psiquismo, desenvolvimento emocional e
formação da personalidade humana, que influenciou a concepção de homem em
diversas áreas do conhecimento, no decorrer do século XX.
Alguns conceitos básicos, originariamente postulados por Freud, são
fundamentais para o entendimento da Psicanálise como um todo. Destacam-se os
conceitos de pulsão e de libido, centrais em sua teoria. Inicialmente, Freud
44
caracteriza o conceito de libido como energia sexual, num amplo sentido: libido,
nas palavras de Freud, “(...) é a energia dos instintos sexuais e só deles” (BOCK,
2001, apud ROCHA, 2005, p.1).
Segundo Gomes (2001), Freud, em seu livro “Além do Princípio do Prazer”,
discorre sobre o novo conceito de pulsão:
M
Contudo, a partir de ’Além do Princípio do Prazer’, de 1920, surge não
só uma nova teoria das pulsões, mas um novo conceito de pulsão. As
pulsões - pulsão de vida e de morte – passam a ser os princípios gerais
que regem o funcionamento não só da vida psíquica, mas de toda a vida
orgânica, presente nos animais, nas plantas e nos organismos
unicelulares. A pulsão de vida é concebida como uma tendência à
formação de unidades maiores, à aproximação e a unificação entre as
partes dos seres vivos. A pulsão de morte, ao contrário, é vista como a
tendência à separação, à destruição e, em última análise, à volta ao
estado inorgânico. As pulsões que se manifestam na vida psíquica
passam a ser vista como resultado da ação confluente ou antagônica
destas duas tendências, que emanam a nível biológico (GOMES, 2001,
p. 8).
Em “Estudos Sobre a Histeria”, (1895), Freud considera:
As forças que
existem por trás das tensões causadas pelas
necessidades do id são chamadas de instintos. Representam as
exigências somáticas que são feitas à mente. Embora sejam a suprema
causa de toda atividade, elas são de natureza conservadora; o estado,
seja qual for, que um organismo atingiu dá origem a uma tendência a
restabelecer esse estado assim que ele é abandonado (...) os instintos
podem mudar de objetivo (através do deslocamento) e também podem
substituir-se mutuamente, a energia de um instinto transferindo-se para
outro (...) a existência de apenas dois instintos básicos, Eros e o instinto
destrutivo. (O contraste entre os instintos de autopreservação e a
preservação da espécie, assim como o contraste entre o amor do ego e
o amor objetal, incidem dentro de Eros) O objetivo desses instintos
básicos é estabelecer unidades cada vez maiores e assim preservá-las
– em resumo, unir; o objetivo do segundo, pelo contrário, é desfazer
conexões e, assim destruir coisas. No caso do instinto destrutivo,
podemos supor que seu objetivo final é levar o que é vivo a um estado
inorgânico. Por essa razão, chamamo-lo também de instinto de morte.
Se presumimos que as coisas vivas apareceram mais tarde que as
inanimadas e delas se originam, então o instinto de morte se ajusta à
fórmula que propusemos, a qual postula que os instintos tendem a
retornar a um estado anterior. No caso de Eros, (ou instinto do amor),
não podemos aplicar essa fórmula (FREUD, 1895, .p.161).
45
Freud construiu, também, uma teoria sobre a estrutura da personalidade
humana. Nessa concepção, a personalidade seria composta de três instâncias
distintas, que ele denominou de id, ego e superego. Em 1905, nos “Três Ensaios
sobre a Teoria da Sexualidade”, Freud desenvolveu a teoria do desenvolvimento
psicossexual, trabalhando com os conceitos de pulsão sexual e pulsão de
autoconservação. A partir de 1920, a teoria pulsional se transforma em uma teoria
que tem como base as pulsões de vida e de morte. Apenas em 1923 surge a
segunda tópica freudiana, com os conceitos de id e superego:
O id, é o reservatório inconsciente das pulsões, regido pelo princípio
do prazer, exige sempre satisfação imediata desses impulsos, sem
levarem conta a possibilidade de conseqüências indesejáveis. O ego,
funciona a nível consciente e pré-consciente, embora também contenha
elementos inconscientes, pois evoluiu do id. Regido pelo princípio da
realidade, o ego cuida dos impulsos do id, tão logo encontre a
circunstância adequada. Desejos inadequados não são satisfeitos, mas
reprimidos... parcialmente consciente, o superego serve como um
censor das funções do ego (contendo os ideais do indivíduo derivados
dos valores familiares e sociais), sendo a fonte dos sentimentos de
culpa e medo de punição (ROWELL, 1998, p.2).
Freud foi, então, progressivamente, formulando uma complexa teoria sobre o
desenvolvimento da personalidade, segundo a qual a formação de características
de personalidade é decorrente da evolução e organização da libido em zonas
erógenas, em momentos distintos do ciclo vital. Desta forma, postulou a existência
de fases ou estágios de desenvolvimento psicossexual, caracterizados pela
organização da libido. Um dos principais aspectos dessa teoria é o de que a
função sexual existe desde o princípio de vida, logo após o nascimento e não só
na puberdade. O desenvolvimento da sexualidade humana percorre um processo
longo e complexo, até atingir a forma adulta (ROCHA, 2005).
Freud sugeriu que a personalidade se desenvolve em cinco estágios
46
psicossexuais: oral, anal, fálico, latência e genital.
Os estágios iniciais do
desenvolvimento provêem a fundação para os estágios posteriores e, caso
ocorram problemas nos estágios iniciais, o desenvolvimento da personalidade nas
fases subseqüentes tende a ser comprometido (HOLMES, 2001). Bock (2001)
apresenta uma breve caracterização de cada etapa do desenvolvimento
psicossexual:
(...) fase oral (a zona de erotização é a boca), fase anal (a zona de
erotização é o ânus), fase fálica (a zona de erotização é o órgão
sexual); em seguida vem o período de latência, que se prolonga até a
puberdade e se caracteriza por uma diminuição das atividades sexuais,
isto é, há um ‘intervalo’ na evolução da sexualidade. E, finalmente na
puberdade é atingida a última fase, isto é, a fase genital, quando o
objeto de erotização ou de desejo não está mais no próprio corpo, mas
em um objeto externo ao indivíduo – o outro (BOCK, 2001, p.75).
Autores enfatizam que a partir da formulação dessa teoria, se formaram as
primeiras concepções psicanalíticas acerca das perturbações psicológicas.
Rocha (s.d), por exemplo, ressalta que:
O primeiro grande conceito desenvolvido por Freud (1856-1939) foi o de
inconsciente, assumindo em seu pensamento teórico que, não há
nenhuma descontinuidade na vida mental, que nada ocorre por acaso.
Há uma causa para cada pensamento, para cada memória revivida,
sentimento determinado pelos fatos que o precederam (determinismo
psíquico). (...) Freud em suas investigações na prática clínica, sobre as
causas e funcionamento das neuroses, descobriu que a grande maioria
de pensamentos e desejos reprimidos referiam-se a conflitos de ordem
sexual, localizados nos primeiros anos de vida dos indivíduos, isto é, na
vida infantil estavam as experiências de caráter traumático, reprimidas,
que se configuravam como origem dos sintomas atuais e, confirmava-se
dessa forma, que as ocorrências desse período de vida deixam marcas
profundas na estruturação da personalidade. As descobertas colocam
a sexualidade no centro da vida psíquica e é desenvolvido o segundo
conceito mais importante da teoria psicanalítica: ‘a sexualidade infantil’
(ROCHA, s.d., p.1).
Observa-se, portanto, que os conceitos sobre o funcionamento da psique
humana e desenvolvimento da personalidade lançaram as bases para o início do
47
entendimento de psicopatologias, com base na ótica psicanalítica. O pressuposto
inicial de Freud, portanto, foi o de que a não-elaboração dos conflitos em
determinada fase do desenvolvimento psicossexual pode se refletir em sintomas
psiconeuróticos, no decorrer da vida adulta. Além disso, outros conceitos básicos,
apresentados por Freud, são também fundamentais para o entendimento de
psicopatologias, segundo a perspectiva psicanalítica. Freud postulou que o ser
humano utiliza recursos psicológicos diante de determinadas situações, as quais
ele deu o nome de mecanismos de defesa. Os mecanismos de defesa são
manobras psicológicas pelas quais a realidade é distorcida, para evitar conflitos e
reduzir sentimentos de ansiedade (HOLMES, 2001).
Segundo ROWELL (2005), os mecanismos de defesa são vários. Os
principais são:
1 Repressão: retirada de idéias, afetos ou desejos que perturbam a
consciência, pressionando-os para o inconsciente.
2
Supressão: o modo de evitar intencionalmente de pensar sobre os
materiais provocadores de conflitos.
3 Negação: envolve a reinterpretação do material provocador de conflitos,
ansiedades, para torná-los menos ameaçadores.
4 Projeção: o processo através do qual o sujeito atribui suas próprias
características de personalidade a outras pessoas.
5 Deslocamento: há dois tipos – deslocamento de objeto – ocorre quando
expressa um sentimento em direção a um indivíduo, que deveria ser expressado
em direção a outro alguém; deslocamento de impulso – ocorre quando o sujeito
tem um sentimento (impulso) que não pode ser expressado, então a energia
daquele sentimento é transferida para um outro sentimento que pode ser
48
expressado.
6 Regressão: quando diante de um conflito, estresse e, particularmente, com
a frustração, a pessoa volta-se para um estágio anterior, da vida no qual se sentia
mais segura e bem-sucedida.
7 Identificação: no qual a pessoa características pessoais de um outro
indivíduo e, em certa extensão torna-se o outro indivíduo.
8
Racionalização: envolve dar uma boa razão para algum comportamento
que não é a razão real, podendo disfarçar motivações reais, porém inaceitáveis.
9 Compensação: é a tentativa de superação da fraqueza real ou imaginária,
ao se sentir ameaçado em alguma área.
10
Intelectualização: para evitar emoções ameaçadoras, a pessoa focaliza-
se nos detalhes objetivos, não emocionais, de uma situação de outro modo
emocional.
11 Formação Reativa: ocorre quando se deseja algo ou se quer fazer algo,
mas, devido a um conflito, transforma-se o desejo ou o comportamento no oposto.
(HOLMES, 2001; ROWELL, 1998).
Embora esses mecanismos ajudem a evitar ou reduzir os conflitos
psicológicos e diminuir, momentaneamente, a ansiedade, eles dependem de uma
grande liberação de energia por parte da pessoa. Quando um desses
mecanismos é usado, tende-se a não trabalhar sobre modos realistas para
eliminar o conflito. A utilização maciça de mecanismos de defesa pode levar a
sérias distorções da realidade e tais distorções reduzem a habilidade de o
indivíduo funcionar com eficácia, diante do meio ambiente (HOLMES, 2001). Na
projeção, por exemplo:
(...) a pessoa passa a fazer distorções do mundo externo e interno,
localizando (projetando) algo de si no mundo externo e, assim, não
49
percebe que aquilo que foi projetado como algo seu que considera
indesejável. Ex: Uma pessoa que critica os outros por serem
extremamente invejosos, não se dando conta de que também o é, às
vezes, até mais que os outros os quais ele tanto critica (BOCK, 2001, p.
79).
Em resumo, a Psicanálise defende que a partir do momento em que
começa a se socializar, no convívio com seu meio, à medida que vai criando
vínculos, o indivíduo começa a desempenhar papéis e luta com os conflitos que
ficaram mal resolvidos em fases anteriores, causando assim ansiedade. Assim,
começa a usar seus mecanismos de defesa como forma de evitar o confronto com
tais conflitos e com sua ansiedade, o que, muitas vezes, é insuportável, no plano
mental, para essas pessoas. Esses mecanismos contribuem tanto para a
manutenção do equilíbrio humano, como também para o aparecimento de
comportamentos anormais, por envolverem distorções da realidade. Portanto,
dependendo de como a pessoa lida com eles, pode passar a ter um
comportamento “anormal” e este comportamento pode comprometer, ainda mais,
seu
convívio
social,
familiar,
entre
outros,
resultando
em
sintomas
psicopatológicos.
2.6.2 A PSICANÁLISE: EVOLUÇÃO E DESDOBRAMENTOS
A Psicanálise comemorou, há pouco tempo, um século de existência. E
nesse período de existência, a exemplo de outras áreas científicas e no
pensamento humano, em geral, também ela sofreu e continua sofrendo profundas
transformações.
Surgiram
correntes
psicanalíticas,
com
concepções
contestadoras, inovadoras ou ampliadoras. Ao mesmo tempo, tais correntes,
também, passam por constantes mudanças, desde suas formas originais. Para
50
um melhor entendimento da esquizofrenia, sob a ótica psicanalítica, será
apresentada, na seqüência, uma breve revisão da literatura sobre a evolução da
Psicanálise e seus desdobramentos.
De forma esquemática, a Psicanálise pode ser dividida em três importantes
períodos: a Psicanálise Ortodoxa, a Clássica, e a Contemporânea (ZIMERMAN,
1999, p.63). Os principais representantes de cada período são, respectivamente :
no período ortodóxico, Freud e seus seguidores; o período clássico foi
representado por Melanie Klein e Wilhelm Reich; finalmente, o período
contemporâneo tem como os maiores representantes Lacan, Bion, Winnicott,
Bateson, Heisenberg, entre outros. É importante apresentar, inicialmente, uma
breve caracterização de cada corrente psicanalítica, em seu respectivo período
histórico, de modo a possibilitar uma diferenciação e compreensão de cada
uma:
Psicanálise Ortodoxa: a que foi criada, usada por Freud e algumas
gerações de seus
seguidores, onde o aspecto da investigação
enfatizava os processos psíquicos, razão a qual dava-se importância
aos sonhos trazidos pelos pacientes e a necessidade de uma análise
dos mesmos de forma meticulosa e detalhista, sendo seu enfoque
quase exclusivo nos, proibidos, desejos edípicos, reprimidos no
inconsciente; consistindo seu objetivo terapêutico unicamente na
remoção dos sintomas. A análise era feita de forma mais rígida,
basicamente de seis sessões semanais e o mérito do analista estava
em sua capacidade de decodificar as manifestações simbólicas; a cura
situava em três princípios formulados por Freud, onde o primeiro era ‘o
neurótico sofre de reminiscências e a cura consiste em rememorá-las’
(teoria do trauma psíquico)’; o segundo era, ‘ tornar consciente o que é
inconsciente’ (teoria topográfica)”; e o terceiro, ‘onde houver o id, o ego
deve estar’ (teoria estrutural) (ZIMERMAN,1999, p. 64).
Por outro lado, segundo o mesmo autor entende-se por Psicanálise Clássica:
Psicanálise Clássica: Começa com o surgimento de novas vertentes
psicanalíticas que se diferenciavam dos ‘postulados’ freudianos. O
interesse do analista voltava-se para a ‘interpretação das emoções
arcaicas, relações objetais parciais, fantasias inconscientes e suas
ansiedades e defesas primitivas.’ Dava-se ênfase nas interpretações
51
dos sentimentos agressivos do paciente, ligados ao ‘instinto de morte’;
com sessões mais longas, e menor rigidez nas regras técnicas e
redução do número de sessões para cinco semanais e posteriormente
quatro, em alguns centros. Conservou-se nesse período, a regra de
somente ter um valor psicanalítico as interpretações feitas à ‘neurose da
transferência’, ganhando aqui valor e espaço a contratransferência ‘
voltando para os primórdios da psicanálise vincular baseada na relação
transferencial - contratransferencial; caindo num extremo oposto de que
tudo o que o analista sentisse seria literalmente sempre resultante de
identificações projetivas do paciente (ZIMERMAN,1999, p. 64) .
Com relação à Psicanálise Contemporânea, Zimerman (1999) afirma:
Psicanálise Contemporânea: Esta dá prioridade aos ‘vínculosemocionais e relacionais de amor e ódio, ódio e conhecimento, que
permeia a dupla analítica.’ Os psicanalistas atribuem uma importância
bastante mais significativa à influência da mãe real, no psiquismo da
criança.(...) é cada vez maior a crença de que a ‘pessoa real’ do analista
exerce uma grande influência na evolução da análise.’ O leque de
analisabilidade, incluindo pacientes bastante agressivos, ficou mais
ampliado, sendo que o conceito de ‘analisabilidade’ (que precipuamente
leva em conta os – antecipados - aspectos de diagnóstico e
prognóstico) começa ceder lugar aos critérios de “acessibilidade” (alude
mais do que ao diagnóstico clínico, à motivação e a capacidade de o
paciente permitir, ou não, um acesso ao seu inconsciente) (...) O estilo
interpretativo do analista adquire um tom algo mais coloquial (...) a
análise das funções do ego, incluídas aquelas que pertencem ao
consciente, ocupam um interesse bem maior por parte dos
psicanalistas. Cresce de forma significativa o enfoque nos transtornos
narcisistas da personalidade e, da mesma forma começa a ganhar
corpo a análise de ‘autismo psicogenético’, tanto em crianças com
autismo secundário como com certos casos de adultos neuróticos.’ A
psicanálise começa a abrir portas para as outras ciências, como a
lingüística, a teoria sistêmica, as neurociências, psicofarmacologia,
etologia, etc. Em relação aos critérios de formação de psicanalistas, o
pêndulo contemporâneo inclina-se nitidamente para uma ‘formação
pluralista’, ou seja, para uma recomendação de que o psicanalista
conheça os postulados das diversas escolas de psicanálise e, a partir
dessas, juntamente com sua experiência de análise pessoal e de
supervisões, construa a sua formação, de forma livre e coerente com
seu jeito autêntico de ser (ZIMERMAN,1999, p. 64).
Zimerman (1999) ressalta que a primeira fase pode ser chamada de
Psicanálise pulsional, a segunda fase de Psicanálise objetal e o terceiro período,
o atual, pode ser chamado de Psicanálise vincular.
52
Muita coisa mudou, mas, muito foi preservado e, ainda, pode-se notar que
entre os três períodos, existem pontos em comum:
A regra fundamental (...) Essa regra consistia fundamentalmente no
compromisso assumido pelo analisando, em associar livremente as
idéias que lhe surgissem espontaneamente na mente, e verbalizá-las ao
analista, independentemente de suas inibições , ou do fato se ele as
julgasse importantes ou não.’(...) a regra da abstinência (...) Tal como
o nome ‘abstinência’ sugere, essa regra alude à necessidade de o
psicanalista abster-se de qualquer tipo de atividade que não seja a de
interpretar, portanto ela inclui a proibição de qualquer tipo de
gratificação externa, sexual ou social, ao mesmo tempo em que o
terapeuta deveria preservar ao máximo o seu anonimato para o
paciente’ (...) a regra da atenção flutuante , o terapeuta deve propiciar
condições para que se estabeleça uma comunicação de ‘inconsciente
para inconsciente’ (...) equivalem a um estado mental de ‘préconsciência’ que, portanto, propicia ao analista estar ligado ao mesmo
tempo para os fatos externos e conscientes , e a uma área do
inconsciente que lhe favorece uma ‘escuta intuitiva’, que possibilita a
arte e a criatividade psicanalítica (ZIMERMAN, 1999, p.291-296).
É importante salientar, no âmbito deste estudo, que nos três períodos da
Psicanálise existem conceitos que contribuem para um melhor entendimento das
doenças mentais, como a esquizofrenia.
53
2.6.3 A ESQUIZOFRENIA, SEGUNDO A ÓTICA PSICANALÍTICA
“...O diferente carrega desde cedo apelidos e marcações os
quais acaba incorporando. Só os diferentes mais fortes do
que o mundo se transformaram (e se transformam) nos
seus grandes modificadores...” (TAVOLA,A. – A Alma dos
Diferentes)
Na concepção psicanalítica, a saúde mental estaria ligada, diretamente, à
capacidade do indivíduo de estabelecer vínculos com as pessoas e, de alguma
maneira, encontrar formas de suportar o mal-estar e as dores que se apresentam,
fugindo, às vezes, ao seu controle. Na teoria freudiana, o comportamento anormal
resulta da seguinte seqüência: conflito - ansiedade - defesa - sintomas. O conflito
leva à ansiedade; o indivíduo utiliza, então, mecanismos de defesa para reduzir a
ansiedade. Os mecanismos de defesa podem distorcer a visão de realidade e
conduzir a sintomas de perturbação psicológica. Assim, quando o indivíduo é mal
sucedido na resolução de um conflito por meio de ações construtivas normais,
pode tornar-se ansioso; e a ansiedade é considerada tanto um sintoma do
conflito, como um sinal para a utilização de mecanismos de defesa (HOLMES,
2001
apud MORAIS, 2005). Esse processo pode predispor a pessoa a
desenvolver sintomas de perturbação psicológica diversos.
Numerosos especialistas interpretam o surgimento de sintomas de psicose,
com base nesta ótica. A utilização maciça de mecanismos de defesa pode
comprometer, severamente, o contato com a realidade e, conseqüentemente, o
ajustamento do indivíduo como um todo:
Psicose pode ser definida como uma desordem mental na qual o
pensamento, a resposta afetiva e a capacidade em perceber a realidade
estão comprometidos. Somado a estes sintomas, o relacionamento
interpessoal costuma estar bastante prejudicado, o que interfere
54
substancialmente no convívio social. As características clássicas da
psicose são: prejuízo em perceber a realidade de forma adequada,
presença de delírios, alucinações e ilusões (TENGAN; MAIA, 2005, p.2).
A idéia ou concepção central, nessa perspectiva, é a de que o nível de
comprometimento da percepção da realidade, resultante da utilização maciça de
mecanismos de defesa, está por trás do aparecimento dos sintomas.
Esse
processo está presente em diferentes quadros psicóticos, como a esquizofrenia:
“psicoses implicam um processo deteriorativo das funções do ego, a tal ponto que
haja, em graus variáveis, algum sério prejuízo do contato com a realidade. É o
caso,
por
exemplo,
das
diferentes
formas
de
esquizofrenias
crônicas”
(ZIMERMAN, 1999, p. 227)
A esquizofrenia é um transtorno que acarreta, na maioria das vezes,
acentuado sofrimento ao portador e às pessoas com quem convive. São comuns
os delírios de perseguição, por exemplo:
Na sua ‘forma clássica’ (forma paranóide), estão presentes delírios e
alucinações auditivas e visuais. As descrições desses estados de
"loucura" são as mais variadas e, muitas vezes, provocam um fascínio
muito grande, não só para pessoas que estudam psiquiatria, mas
também para a sociedade. Os delírios muitas vezes possuem grande
complexidade na organização das idéias e, se vistos por um
determinado ângulo, são passíveis de compreensão, embora não se
exclua a possibilidade de um quadro delirante. Poderíamos citar alguns
exemplos desses quadros delirantes: ’Durante a madrugada, seres
extraterrenos implantaram um chip em meu corpo; estou sendo
controlado durante as 24 horas do dia; cada passo meu é observado por
esses seres, e tenho a missão de ajudá-los’, ou então ‘Estou sendo
perseguida pelos traficantes do meu bairro, doutor; eles sabem que eu
os vi passando a droga; agora eles me ameaçam a todo instante; não
posso assistir TV, pois eles colocaram uma câmera dentro da TV que
observa todo o movimento da casa; mesmo quando venho às consultas,
eles estão a par de tudo, pois eles colocaram câmeras aqui também e
estão ouvindo tudo, eu não tenho mais paz!’. Com a evolução da
esquizofrenia, a convivência com a família e grupos sociais torna-se
impossível, fazendo com que o paciente fique excluído e sendo forçado
pela família a procurar tratamento (TENGAN; MAIA, 2005, p.3).
55
A literatura psicanalítica, como um todo, sugere que, além da utilização de
mecanismos de defesa, outros fatores diversos podem influenciar o aparecimento
de quadros de psicose esquizofrênica. Na seqüência, será apresentado um breve
resumo
sobre
algumas
das
principais
concepções
teóricas
sobre
o
desenvolvimento da esquizofrenia, segundo a ótica psicanalítica.
De acordo com Holmes (2001), há um processo por trás da esquizofrenia
que é “a regressão intrapessoal”. Segundo o autor:
Freud sugeriu uma tática que os indivíduos usam para lidar com o
conflito e estresse esmagador é a regressão (regressão a um estágio
anterior do desenvolvimento psicossexual, no qual o indivíduo sentiu-se
mais seguro) (ARIETI, 1974; FENICHELl, 1945; apud HOLMES, 2001).
Além disso, conflitos na interação social, ou um processo de retração
interpessoal (retração social), também, podem influenciar no aparecimento do
problema:
Uma outra teoria, sugere que pessoas com esquizofrenia consideram
estressante o contato com os outros indivíduos, então elas se retraem e
essa retração intrapessoal impede os indivíduos de receber feedback
sobre que comportamentos ou pensamentos são inapropriados, e na
ausência do feedback corretivo, eles começam a comportar-se de modo
estranho (FARIS, 1934 apud HOLMES, 2001 p. 261).
Outro fator a ser ressaltado nessa doença é o estresse, que, segundo essa
perspectiva, desempenha um papel importante na etiologia da esquizofrenia.
Uma pesquisa realizada com 50 pessoas com esquizofrenia e 325 normais,
entrevistados sobre suas experiências durante um período de 13 semanas;
demonstrou que para os pacientes com esquizofrenia, o período em questão era o
das 13 semanas imediatamente anteriores ao início dos seus sintomas e
hospitalização; sendo que os resultados indicaram que os que tinham
56
esquizofrenia, tenderam mais a ter experimentado eventos de vida estressantes
(ex.: perda de emprego, mudança geográfica, divórcio) do que os “normais”
(BROWN; BIRLEY,1968 apud HOLMES, 2001).
Contudo, o estresse, por si só, não explica a complexa dinâmica envolvida
no
problema:
“...o
estresse
provavelmente
desempenha
um
papel
no
desenvolvimento da esquizofrenia, porém o relacionamento não é simples e devese considerar outros fatores ...” (HOLMES, 2001, p. 262).
Com base em Mannoni (1988), Ribeiro(1998), também aborda o universo da
psicose explicitando que:
(...) o psicótico é um sujeito em busca de uma referencia que lhe falta,
ou seja, o referencial da lei não simbolizada por ele (...) A constituição
do sujeito sempre se dá em referência a um outro, servindo como
espelho, uma relação de indistinção funcional com a necessidade da
interferência de uma lei, que rompe com essa completude imaginária,
instalando-se a falta, a pessoa torna-se um ser desejante, não ligado ao
desejo do outro. Se essa interferência falha compromete gravemente o
acesso ao simbólico (mundo da lei) e essa falta fica não simbolizada em
virtude da ausência da lei, e tende a voltar na realidade. A metáfora
paterna é a ‘encruzilhada estrutural’ da subjetividade (Mannoni,1988
apud RIBEIRO, 1998, p.12-13).
Embasado em Calligaris (1989), Ribeiro (1998), ainda, afirma:
A ausência de uma referência a um sujeito que detém um saber, que
instaura uma lei, é condição para a psicose (...). O psicótico é um sujeito
livre, solto, por não estar amarrado a nenhum eixo central que lhe guie,
falta um ordenador (...) é um sujeito errante em busca de uma referência
que lhe falta (...) está sujeitado a consistência de uma referência
imaginária, advinda da realidade, pela qual ele está estabilizado. É
como se ele inventasse uma referência que desse conta da ordenação
que ele necessita para se relacionar com o mundo, referência muitas
vezes precária e que ainda não encontrou com o referencial da lei que
rege o universal neurótico.(...) O rompimento surge do encontro do
psicótico com a lei, que não vê significado nesse encontro, perde sua
referencia artificial e se desestabiliza. A realidade obriga o psicótico a se
sustentar num saber organizado como o saber neurótico – é o momento
da injunção, que coloca seu saber em estado crepuscular, retira a
validade desse saber, deixando o sujeito sem nenhum tipo de
57
significação do mundo, e impõe o saber neurótico, que por não estar
simbolizado pelo psicótico, retorna enquanto algo real e concreto: são
as alucinações e os delírios (CALLIGARIS, 1989 apud RIBEIRO,1998,
p.13-14.)
Ribeiro (2002), também, afirma que quando o acontecimento psicótico se dá
pela irrupção de um surto, ocorre um acidente psíquico, causado por diversas
razões, levando a pessoa à impossibilidade de simbolizar. Desta forma, as
possibilidades metafóricas tornam-se restritas e
simbólica sustentada pela lei
a articulação com a ordem
é anulada. A crise causa uma ruptura com o
universo, denominado por Lacan como ‘crepúsculo do mundo’ . Um outro não
barrado exerce uma influência e esmaga-o, tomando a forma de diversos seres
imaginários, comprometendo qualquer idéia de unidade em relação ao eu e ao
corpo do psicótico.
O estilhaçamento do imaginário
manifesta-se através de alucinações
verbais (palavras ou frases incompletas que são ouvidas pela pessoa) ou
alucinações visuais, além de outros fenômenos que a Psiquiatria descreve. A
palavra do psicótico é (invadida) contaminada pela presença de um outro que o
controla. A pessoa é levada pelo controle desse outro, reduzindo-se à condição
de objeto e vítima de seu bel-prazer, é invadido por suas próprias pulsões,
perseguido por demandas imaginárias. O psicótico se aliena, oferecendo seu ser
em resposta a essa demanda absoluta. Ameaçado de extermínio, ele sofre com a
solidão e o isolamento, e gasta toda sua energia tentando fugir deste
empreendimento destrutivo. Contra essa invasão do real, virão algumas palavras,
atitudes e gestos “estranhos”, frases murmuradas e o delírio:
“(...) nas crises mais agudas predominantemente ele age em função da
palavra, porque seu corpo dissocia-se da cadeia significante e o sujeito
58
expõe os outros e a si mesmos a muitas situações de risco, e não
podemos esperar do psicótico um chamado sem ambigüidades“
(RIBEIRO, 2002, p.80).
Autores diversos apontam para uma outra dimensão do problema, que
merece destaque no âmbito do estudo da esquizofrenia, através da perspectiva
psicanalítica. Teóricos diversos afirmam e especulam que problemas na dinâmica
de interação familiar podem estar na raiz da esquizofrenia. Aspectos diversos,
como os padrões de comunicação permeados pelo “duplo vínculo”,
pesquisado por Bateson e seus colaboradores em 1956, podem exercer um papel
central, no aparecimento dos sintomas e evolução do quadro como um todo
(HOLMES, 2001).
Ou seja, padrões perturbados de comunicação na família
podem conduzir à esquizofrenia e/ou exacerbar os sintomas.
Desta forma, é
essencial investigar como se caracterizam os padrões de comunicação no seio da
família e de que modo os mesmos, combinados a outros fatores de natureza
diversa, podem influenciar no aparecimento do problema (HOLMES, 2001).
Considerando a vasta produção teórica em abordagem psicanalítica em
torno deste aspecto, bem como a relevância do assunto, as seções seguintes
apresentam considerações sobre a dinâmica de interação familiar do paciente,
destacando o papel
de padrões
vinculares
e processos de comunicação
intrafamiliares, no surgimento dos sintomas e progressão de quadros de psicose
esquizofrênica, segundo a perspectiva psicanalítica e sistêmica.
59
2.6.3.1 INFLUÊNCIA DA
DESENVOLVIMENTO
DA
DINÂMICA DE INTERAÇÃO FAMILIAR NO
ESQUIZOFRENIA,
SEGUNDO
UMA
VISÃO
SISTÊMICA
“...o diferente começa a sofrer cedo, já no primário,onde os
demais de mãos dadas, e até mesmo alguns adultos por
omissão, se unem para transformar o que é peculiaridade e
potencial em aleijão e caricatura...O que é percepção
aguçada em:” Puxa, fulano, como você é complicado”. O
que é o embrião de um estilo próprio em: “ Você não está
vendo como todo mundo faz ?” (TÁVOLA, A . – A Alma
dos Diferentes)”.
Conforme foi explicitado anteriormente, os mecanismos de defesa podem
exercer um papel fundamental no aparecimento de sintomas de perturbação
psicológica. No interjogo de forças que se configura na dinâmica familiar, os
mecanismos de defesa assumem papel central na configuração dos sintomas.
Textualmente, Bowen (1978) descreve esse processo na seguinte passagem:
[...] a projeção ocorre em torno do instinto maternal e da maneira pela
qual
ansiedade permite que este atue durante os períodos de
reprodução e de infância da prole. Nele, geralmente o papel do pai é o
de suporte [...] O processo tem início com a ansiedade da mãe. O
esforço parental ansioso é canalizado por uma energia compassiva ,
solícita, superprotetora , dirigida pela ansiedade desse filho ou filha
, o qual, gradualmente se torna mais debilitado e mais exigente. Uma
vez iniciado o processo, este pode ser motivado tanto pela ansiedade
materna, como pela ansiedade do filho ou da filha (BOWEN,1978 apud
ELKAÏM,1998 p.90).
Isto remete à importância de atentar, também, para aspectos de natureza
diversa, relativos à constelação familiar, que podem influenciar no aparecimento
quadros psicopatológicos. É na família que todo ser humano dispõe de anos de
formação e aprendizado; e, partindo desse pressuposto, alguns autores acreditam
que problemas na família podem estar por trás do aparecimento da esquizofrenia.
60
Assim, atentam para fatores como as características de personalidade dos pais,
padrões de comunicação estabelecidos dentro do seio familiar, entre outros
aspectos. É importante notar também que existem evidências de que, muitas
vezes, os pais das pessoas que desenvolveram esquizofrenia são menos bem
ajustados emocionalmente, em comparação aos de pessoas “normais” (HOLMES,
2001).
Segundo Minuchin (1974 apud ELKAÏM 1998) o sistema familiar tem um
papel essencial para a evolução do indivÍduo, pois a noção de identidade do
indivíduo tem origem, ao mesmo tempo, no sentimento de pertencimento e no de
separação. As famílias são laboratórios onde esses dois ingredientes são
ministrados e misturados, dando base, simultaneamente, à identidade individual e
a instrumentos de socialização. A família “normal”, segundo essa perspectiva, é
definida como um sistema que encoraja à socialização, possibilitando aos seus
membros apoio, regulação, um desabrochar pessoal e relacional (ELKAÏM,1998).
Nessa linha de interpretação, um aspecto ou elemento relativo à constelação
familiar que pode contribuir para o surgimento de psicopatologias, segundo a
ótica psicanalítica, é a questão da transmissão geracional. Nichols e Schwartz
(1998), definem o processo de Transmissão Multigeracional, segundo a ótica
psicanalítica: “Este conceito descreve a transmissão do processo emocional da
família através de gerações múltiplas” (NICHOLS; SCHWARTZ,1998, p.314)
Como este tema é abordado por numerosos estudiosos, será apresentada, a
seguir, uma breve caracterização do mesmo, destacando sua influência no
aparecimento da esquizofrenia.
61
2.6.3.2 TRANSMISSÃO GERACIONAL:
“Estou de acordo que um esquizofrênico é um
esquizofrênico, mas uma coisa é importante: ele é um
homem e tem necessidade de afeto, de dinheiro e de
trabalho: é um homem total e nós devemos responder não à
sua esquizofrenia mas ao seu ser social e político.”
(FRANCO BASAGLIA)
De acordo com Elkaïm (1998), um dos precursores da terapia familiar é
Murray Bowen, o qual vê a família humana multigeracional como uma rede
relacional que possui um papel fundamental na vida do indivíduo. A família que
abriga em seu seio um esquizofrênico é caracterizada, de um lado, por uma rede
estreita de relações; e de outro lado, pela presença de uma angústia marcante,
que tende a ser transmitida com facilidade de um membro para outro. Vários
autores sugerem que conflitos vividos no seio familiar são transmitidos, de alguma
forma, de geração em geração. Entre eles, Nichols e Schwartz (1998), afirmam:
O conceito de transmissão multigeracional de Bowen conduz a doença
emocional não somente além do indivíduo – para família - , mas
também além da família nuclear – para várias gerações.O problema do
paciente identificado é um produto do relacionamento dos pais daquela
pessoa, que por sua vez é um produto do relacionamento de seus pais,
e assim sucessivamente, continuando por várias gerações atrás.O
problema não está no filho; os pais também não devem ser
responsabilizados. O problema é o resultado de uma seqüência
multigeracional em que todos os membros da família são agentes e
reagentes (NICHOLS; SCHWARTZ ,1998, p. 314).
O centro da teoria de Bowen, segundo Elkaïm (1998), diz respeito ao
conceito de diferenciação do eu, que consiste na capacidade que cada pessoa
possui de manter a separação entre seus sistemas emocional/ intelectual, em
relação aos demais componentes familiares. Bowen (1978 apud ELKAÏM 1998)
62
ressalta duas variáveis que influenciam a operação do sistema emocional
humano: ‘a diferenciação do eu’ e a ‘ansiedade’”. Segundo o autor, o que impede
o andamento natural no processo de diferenciação do ego é o nível dessas duas
variáveis, apresentado pelos pais ou responsáveis pela criança (ELKAÏM,1998).
O primeiro conceito (diferenciação do eu) ocupa lugar central na teoria de
Bowen (1978). De acordo com Nichols & Schwartz (1998), em toda geração, a
criança que estiver mais envolvida na fusão familiar vai de encontro a um nível de
diferenciação mais baixo do self, enquanto que a criança que se encontra menos
envolvida, desenvolve um nível mais elevado de diferenciação do seu “eu” em
relação aos seus pais: “ O filho que é objeto do processo de projeção torna-se
aquele mais ligado aos seus pais(positiva ou negativamente) e aquele com a
menor diferenciação do self.” (NICHOLS; SCHWARTZ,1998, p.314)
A capacidade que cada indivíduo possui de manter a separação entre seus
sistemas emocionais e intelectuais é influenciada, em parte, por experiências
pertinentes ao passado multigeracional, bem como por experiências de vida de
sua própria família. Bowen (1978) apud Elkaïm (1998),
apresentam dois
processos que descrevem como o passado pode influenciar no presente:
O processo de ‘projeção’ – familiar – o modo pelo qual o grau de
diferenciação atingido pelos pais se transmite aos filhos de maneira não
uniforme. Um filho ou filha pode sair de seu processo de
desenvolvimento com um grau de diferenciação maior do que aquele
apresentado por seus pais. Outro pode desenvolver o mesmo nível que
estes e um terceiro, um nível mais baixo.As crianças que emergem do
processo com um nível de diferenciação mais baixo, foram expostas à
ansiedade crônica de seus pais. São, por isso, mais sensíveis a estes
do que seus irmãos e levam consigo esse alto nível de sensibilidade
para todo o relacionamento que venham a formar.(...)levam consigo um
modo de perceber e interpretar o comportamento dos demais, que
desenvolveram com seus pais, e um conjunto de comportamentos
emocionais associados ao complexo formado por sensibilidade,
percepção e interpretação. Essas crianças se encontram mais expostas
a imaturidade de seus pais do que seus irmãos, estes mais afortunados.
Apresentam uma menor capacidade de separar seu sistema emocional
do intelectual e sua vida é dominada mais pelos sentimentos e pelo
automatismo de respostas do que a vida de seus irmãos.Tem mais
63
dificuldades de separar-se sem traumas de seus pais e, em casos
extremos,podem nunca chegar a fazê-lo. O conceito de processo de
transmissão multigeracional
aplica-se ao modo pelo qual os
processos de projeção familiar, repetidos de geração em geração
durante longos períodos de tempo levam os diferentes ramos de uma
família a alcançar níveis mais baixos ou mais altos de diferenciação
(Bowen,1978 apud ELKAÏM,1998, .p.87).
Bowen (1978)
apud Elkaïm (1998), descreve a existência de
padrões
diversos de manifestação de ansiedade entre o casal, que se refletem em
ligações emocionais não-resolvidas, as quais podem promover sérios distúrbios
na personalidade da pessoa envolvida em tais padrões, principalmente em um
dos filhos. O autor descreve alguns dos principais modelos de manifestação de
ansiedade, que podem desencadear processos dessa natureza:
‘O Processo emocional da Família Nuclear’ - está relacionado aos
processos desenvolvidos no seio do par conjugal e da família nuclear,
destinado a solucionar as dificuldades decorrentes de ligações
emocionais não-resolvidas.O nível de diferenciação dos parceiros e a
intensidade da ansiedade determinam o limiar além do qual esses
processos e seus sintomas ocorrem.Quanto mais alto o nível de
diferenciação do ego em uma família, mais capazes serão os indivíduos
que a compõem de manter seus níveis funcionais na presença do
aumento dos níveis de ansiedade - e menos radicais serão as
mudanças funcionais, quando de sua ocorrência(...)O primeiro deles
denominou distância emocional. À medida que a ansiedade sofre um
aumento, os cônjuges envolvidos reduzem seu contato mútuo.Tanto
podem chegar a evitar-se mutuamente quanto os processos de redução
de contato podem se dar em nível interno a cada um deles.(...) A
distância torna-se tão grande que ambos acabam por saber muito pouco
sobre os pensamentos, sentimentos ou mesmo sobre a forma de viver
do outro.As manifestações específicas da distância emocional
dependem do grau de diferenciação dos indivíduos nela envolvidos e da
intensidade do nível de ansiedade com o qual são obrigados a
defrontar-se.O segundo padrão do processo emocional da família é o do
conflito entre os cônjuges. A intensidade do conflito pode variar de
pequenas alterações à violência física.(...) o conflito em si,poderia ser
definido como uma reação em cadeia, em que cada ataque conduz a
um contra-ataque, e os questionamentos(...) A reação emocional em
cadeia bloqueia o encontro de uma solução para o problema – e o
conflito revela a fusão primária entre as pessoas.Cada uma delas
declara à outra o quanto ela ou ele, de maneira clara e com toda a sua
força, violou a interdependência estabelecida e o que deve fazer para
corrigir a situação.O terceiro padrão que se evidencia na família nuclear
Bowen denominou disfunção de um dos cônjuges. Um deles mostra
delegar ao outro a responsabilidade por seu próprio ego e esse outro,
por sua vez, mostra estar administrando áreas cada vez mais
64
complexas de responsabilidade.(...) quando esse processo é alimentado
por uma carga suficiente de ansiedade e não sofre um desvio que o
transforme num outro processo, o cônjuge submisso pode desenvolver
uma disfunção emocional, física ou social.Bowen via esse quadro como
um processo de reciprocidade no qual um dos cônjuges reduz seu
funcionamento - e o outro, proporcionalmente o aumenta.Nessa
reciprocidade,cada um tem um preço a pagar: o cônjuge submisso
torna-se predisposto a apresentar disfunções físicas e psíquicas e sua
postura básica em relação à vida assume os contornos da pessoa que
se rende, indefesa. O que toma para si as responsabilidades carrega
um sentimento de enorme responsabilidade, que pode atuar como
cadeias a limitar sua energia e liberdade de perseguir metas
importantes para o ego.O quarto padrão da família nuclear, a projeção
do problema sobre um dos filhos, representa a operação de uma
versão intensa do triângulo parental (BOWEN,1978 apud ELKAÏM,1998,
p. 89-91).
Por sua vez, Correa ( 2004), considera, ainda, que :
O reconhecimento da alienação da subjetividade, comprometida numa
transmissão psíquica geracional defeituosa, possibilita um novo olhar
clínico sobre as patologias da modernidade. O vínculo mãe-bebê e o
grupo familiar constituem o berço psíquico do sujeito, constituído por
uma tecelagem grupal geracional que poderíamos denominar arquivos
de família. Os processos de transmissão são sustentados por
mecanismos de identificação junto a um interjogo de projeções introjeções e incorporações, assim como por uma referência ao
superego parental (CORREA, 2004, p. 1- 2).
De acordo com Nichols; Schwartz (1998), ao atuar na Psiquiatria, Bowen
voltou-se para o enigma da esquizofrenia. Além disso, por ter raízes na
Psicanálise e ter se submetido à análise por 13 anos, Bowen procurou aplicar os
conceitos da Psicanálise em seus estudos sobre a esquizofrenia, expandindo
assim, seu enfoque do paciente esquizofrênico para a díade ‘mãe-filho’, com o
propósito de ampliar o conhecimento acerca da ‘simbiose mãe-filho’, e sua
influência no aparecimento de patologias.
Dessas suas pesquisas sobre a
simbiose mãe-filho, Bowen observou os padrões de relacionamentos repetitivos: ‘
65
alternação de ciclos de proximidade e distanciamento, estranhamente sensíveis a
deslocamentos na tensão emocional na mãe ou no filho, ou no relacionamento
entre eles.’ O autor acreditava que a ansiedade de separação, associada à
ansiedade da incorporação, era a dinâmica básica desse tipo de relacionamento.
Partindo dessas observações, Bowen introduziu o conceito de ‘apego ansioso’,
uma forma patológica de ligação orientada pela ansiedade e pela emocionalidade
que reviram a razão e o autocontrole. “(...) o apego ansioso é o oposto do apego
funcional, que é um aspecto fundamental da diferenciação”. (NICHOLS &
SCHWARTZ, 1998, p. 310).
66
2.6.3.3 - A CONSTRUCÃO DA PSICOSE NO SEIO DAS RELAÇÕES
FAMILIARES: O PAPEL DOS VÍNCULOS
“...A alma dos diferentes é feita de uma luz além. Sua
estrela tem moradas deslumbrantes que eles guardam para
os poucos capazes de os sentir e entender...” (TAVOLA, A .
– A Alma dos Diferentes)
Elkaïm (1998) propõe uma explicação da esquizofrenia relacionada a um
fenômeno interpessoal: a doença mental já não é mais considerada como
conseqüência de um psiquismo perturbado, mas como um problema de
comunicação surgido no interior das células familiares. Assim, é importante
atentar para questões como
a natureza dos vínculos e processos que se
estabelecem no seio familiar.Para Pichon-Rivière (2000), em sua Teoria do
Vínculo :
(...) dá o salto qualitativo de uma teoria psicanalítica predominantemente
intrapsíquica, para uma psiquiatria social, considerando indivíduo como
um resultante dinâmico – mecanicista não da ação dos instintos e dos
objetos interiorizados, mas do interjogo estabelecido entre o sujeito e os
objetos internos em uma relação de interação dialética, a qual se
expressa através de certas condutas. Relata o vínculo como uma
estrutura dinâmica em contínuo movimento englobando o sujeito e o
objeto, tendo essa estrutura características consideradas normais e
alterações interpretadas como patológicas. A todo o momento o vínculo
é estabelecido pela totalidade da pessoa que ele interpreta como uma
Gestalt, em constante processo de evolução (PICHON-RIVIÈRE, 2000
p. XI).
Pichón-Rivière (2000), ressalta o papel dos vínculos familiares e a
importância de sua análise para uma melhor compreensão do modo como
acontece a disfunção da estruturação normal da personalidade e como a mesma
67
age sobre a pessoa, afirmando, também, a existência de uma variedade de
vínculos:
A análise do vínculo patológico que o sujeito estabelece com o outro,
permite compreender de que modo se perturba a estruturação normal
da personalidade e de que forma deve se operar sobre o paciente para
reitificar seus vínculos patológicos e contribuir terapêutica e
profilaticamente para a proteção da evolução sadia de sua
personalidade (...) Para ele, nunca existe só um tipo de vínculo, mas
que as relações que o sujeito estabelece com o mundo são mistas, na
medida em que emprega, simultaneamente, estruturas vinculares
diversas. Ele estuda o indivíduo não como um ser isolado, mas incluído
dentro de um grupo, basicamente familiar; investiga a inclusão e
significação que esse grupo tem dentro da sociedade na qual está
inserido, que ele denomina de investigação institucional (PICHONRIVIÉRE, 2000, p. XII – XIII).
Portanto, nessa perspectiva, o aparecimento de sintomas psicóticos pode ser
entendido dentro de uma perspectiva sistêmica, na qual o papel das vinculações
familiares se reveste de uma dimensão fundamental:
O estudo psicossocial, sociodinâmico e institucional coleta no exterior
informações que fornecem dados sobre o interior do paciente,
permitindo detectar e/ou descobrir as causas, em termos gerais, que
provocaram a ruptura do equilíbrio psicológico do paciente que se
mantinha, até o momento mais estável. Segundo ele, em razão de um
determinado fator; geralmente a perda do prestígio do líder da família –
que se relaciona com a totalidade daquilo que acontece dentro desse
grupo – a estabilidade grupal é perdida, surgindo condições para o
aparecimento, em um de seus membros, da ‘psicose’, que aparece
como emergente novo e original; levando tal “psicótico” a se transformar
pouco a pouco no líder familiar. Assinala também, a necessidade de que
esse membro psicótico se encarregue da doença mental de todo grupo
familiar. O delírio deve ser compreendido como uma tentativa do
paciente de solucionar um determinado conflito e, ao mesmo tempo,
como uma tentativa de reconstruir não apenas seu mundo individual
mas, o de seu grupo familiar e, secundariamente o social. Isso
determina o fato de que para compreender um delírio, é fundamental
investigar o conjunto de forcas que atuam no meio familiar do qual
emerge a doença mental. (PICHON-RIVIÈRE, 2000, p.XIII).
Ainda, o autor salienta que a pessoa se despersonaliza para romper o
compromisso vincular estabelecido com o outro.Também, caracteriza que o
vínculo normal se dá a partir de uma boa diferenciação entre o sujeito e os objetos
68
internalizados por ele, e que o vínculo é uma estrutura dinâmica em contínuo
movimento, que através de motivações psicológicas resultam em variadas
condutas as quais a pessoa tende a repetir em suas relações internas e externas
com tais objetos:
De acordo com sua teoria do vínculo, interpreta a despersonalização
com a negação do vínculo, como uma tentativa de perda do ser, de
não ser ninguém para não ter compromisso no vínculo com o outro.
Considera o vínculo normal, aquele que se estabelece entre o sujeito
e um objeto, como resultado de uma boa diferenciação entre ambos.
O vínculo é uma estrutura em contínuo movimento, que funciona
acionada por motivações psicológicas, resultando daí uma
determinada conduta, que se repete tanto na relação interna como na
relação externa com o objeto. Descreve dois campos psicológicos nos
quais o vínculo se expressa: o interno e o externo, e é o vínculo
interno, que condiciona muitos dos aspectos externos e visíveis da
conduta da pessoa. O caráter torna-se mais compreensível à medida
que se descobrem seus vínculos internos (PICHON - RIVÉRE, 2000
.p.XIV).
Diante disso, as condutas psicóticas são entendidas como o resultado de
um constante interjogo de vínculos internos exteriorizados e reintrojetados. O
depositário assume um determinado papel, que está relacionado com as
características daquilo que foi depositado e com a função que o depositante lhe
adjudica em relação ao depositado:
Na psicose, o vínculo paranóide, o vínculo depressivo e o vínculo
maníaco também se caracterizam por serem vínculos de controle,
semelhantes ao da neurose obsessiva, só que muito mais rápidos
quanto à velocidade e mais operantes quanto a paralização do objeto. O
aumento da ansiedade experimentada pelo psicótico determina a
necessidade de um controle maior do outro. Na esquizofrenia, esses
vínculos podem aparecer juntos, alternadamente ou com predominância
de um deles, mas com uma característica adicional (PICHON-RIVIÈRE,
2000, p.4).
Para esse autor, são múltiplos os laços vinculares:
69
(...)todas as relações de objeto e todas as relações estabelecidas com
o mundo são mistas.Existe uma divisão que é mais ou menos universal,
no sentido de que por um lado se estabelecem relações de um tipo, e
por outro, de um tipo diverso.O grupo social em que esse sujeito está
atuando adquire uma dupla significação.(...) se juntarmos os diferentes
tipos de relações que esse paciente se estabelece com seu grupo
familiar e levarmos em conta os diversos tipos de conduta que ele
manifesta em relação a cada membro do grupo, teremos a descrição de
um quadro clínico visto do seu lado de dentro (PICHON-RIVIÈRE, 2000
p. 5)
O mesmo autor enfatiza, ainda, a importância da investigação sob o ponto de
vista psicossocial, analisando a parte da pessoa que se expressa para fora,
dirigindo-se aos outros membros de sua família que o rodeiam. O autor, também,
aponta a finalidade do estudo sociodinâmico para uma melhor compreensão da
configuração dos vínculos estabelecidos dentro do seio familiar, permitindo,
assim, a análise das tensões que existem entre os membros que configuram a
estrutura do grupo familiar onde
a pessoa está inserida, no qual as tensões
dirigem-se para um certo ponto fazendo a parecer um emergente, como um todo
que atua através de um membro do grupo familiar (PICHON-RIVÈRE,2000).
O autor ressalta, portanto, a necessidade de estudar as tensões internas do
grupo familiar e analisar em que momento ocorreu a ruptura do equilíbrio do grupo
e os motivos dessa ruptura. Em relação à patologia do vínculo, o campo
psicológico mais importante na patologia mental é o campo intrapsíquico (PichonRivière, 2000). Nas palavras do autor:
O vínculo com a mãe é chamado de vínculo uterino.O feto estabelece
um vínculo parasitário com a mãe, que mais tarde, pode tornar se
simbiótico, e em certas ocasiões, siamésico. Este último é o mais
angustiante de todos, porque a criança pode experimentar a separação
da mãe, com se acarretasse a morte das duas, ou a impossibilidade de
sobrevivência de uma delas, o que poderia acontecer, na situação
70
parasitária ou na simbiótica, como se observa em determinadas
esquizofrenias e em certos processos psicóticos. Em uma projeção
paranóide, aquilo que o sujeito coloca fora, no mundo exterior ou na
sociedade, é a pauta da conduta dos vínculos internos com seus objetos
internos. Os objetos atuais funcionam para o sujeito como telas
referenciais sobre as quais coloca toda uma estrutura, um modo de ser.
À medida que o vínculo interno se fortalece, vai passando da neurose
par a psicose (PICHON-RIVIÈRE, 2000, p.36-37).
Pichon-Rivière, ainda, ressalta que, de uma maneira particular, em meio a
este jogo de forças, de algum modo, a pessoa doente tenta se comunicar:
Podemos dizer que até nos quadros catatônicos mais severos os
pacientes buscam um tipo particular de contato com o mundo exterior.
Um paciente catatônico sempre tem algum movimento, sempre
apresenta alguma estereotipa que estabelece uma linguagem, uma
comunicação através de um movimento com as mãos, dedos, etc.
Instalando aí o aparelho de transmissão com seu código ‘Morse’
privado, enviando uma comunicação. Todo o psiquismo e toda a
personalidade do paciente se expressam através desses pequenos
gestos, que têm uma significação simbólica total. Uma conduta
particular, uma atitude simbólica particular, representa a totalidade da
vida mental do paciente, refletida em uma pequena conduta, num
processo de intensa condensação sobre essa situação. Aquilo que ele
está expressando através desse gesto, expressa toda a sua vida
mental. A pessoa repete diante de todas as pessoas que se encontram
ao seu redor sua estereotipa, como se estivesse buscando alguém que
fosse capaz de compreender a significação de sua mensagem
(PICHON-RIVIÈRE, 2000, p.111-112).
Como ressaltou anteriormente, Pichon-Rivière(2000), as condutas e atitudes
simbólicas particulares das pessoas acometidas pela doença mental, como a
esquizofrenia, por exemplo, representam a totalidade da vida mental da pessoa,
que se reflete em uma determinada conduta, e o que ela expressa, através de tais
atitudes, gesticulações, também, deve ser levado em conta para uma melhor
compreensão do quadro.
71
2.6.3.4 - OS PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO INTRAFAMILIARES
E O SURGIMENTO DE SINTOMAS PSICÓTICOS
“...Nessas moradas estão tesouros da ternura humana.De
que só os diferentes são capazes.Não mexa com o amor de
um diferente.A menos que você seja suficientemente forte
para suportá-lo depois” (TAVOLA, A . – A Alma dos
Diferentes)
Conforme
foi
mencionado
anteriormente,
padrões
de
comunicação
perturbados no seio familiar, também, exercem um papel fundamental no
aparecimento e evolução de sintomas
psicóticos. Assim sendo, esta seção
apresenta algumas considerações sobre este aspecto, em específico. Villares et
al.(2005) propõem uma explicação da esquizofrenia relacionada a fenômenos
interpessoais:
O modelo comunicacional passou a determinar as abordagens a partir
da década de 60, concomitante ao desenvolvimento de estudos
dirigidos à família como um sistema. Os estudos de Wynne & Singer
(1963), sobre os padrões comunicacionais familiares na esquizofrenia e
a teoria do duplo-vínculo proposta por Bateson e col. (1956) são
exemplos deste modelo de pesquisa. As pesquisas conduzidas pelo
grupo de Palo Alto, lideradas por Bateson, representaram uma
importante articulação da compreensão da esquizofrenia em termos
comunicacionais no contexto das relações familiares. Entretanto, tais
proposições foram freqüentemente mal interpretadas e o foco causal
continuou a predominar, com concepções de esquizofrenia como um
‘produto’, ou uma ‘solução’, por um membro da família, para lidar com
uma estrutura familiar doentia.(...) O modelo familiar sistêmico evoluiu
com o reconhecimento das limitações do enquadre proposto
inicialmente, linear e homeostático, chegando à formulação de
abordagens do sistema familiar como um conjunto interacional orgânico
( VILLARES et .al. 2005, p. 3).
Assim, a doença mental já não é mais considerada como conseqüência,
apenas ou somente, de um psiquismo perturbado, mas como um problema
decorrente, também, de processos de comunicação perturbados, no interior da
72
célula familiar.
Segundo a teoria da comunicação citada por Pichon-Rivière (2000), se o
paciente esquizofrênico se comunicasse diretamente, experimentaria uma
ansiedade tão forte, que não a poderia tolerar, por isso ele distorce o processo de
comunicação. Assim, a
loucura é também um fruto de distorções da
comunicação. Nessa linha de interpretação, a comunicação distorcida serve,
também, ao propósito de se comunicar algo, já que a comunicação direta é
vivida como perigo de sua interrupção. A pessoa tem medo de não ser aceita em
uma situação de comunicação direta, ou que se rompa a comunicação, ou de
atacar e destruir o objeto, perdê-lo, e interromper a relação com ele. O
esquizofrênico inicia, teoricamente, um longo relato, ou um monólogo, ou um
diálogo incoerente,com a finalidade aparente de tomar distância. A “salada” de
palavras acontece em momentos de grande ansiedade, como uma defesa aguda,
a qual poderá se tornar crônica. O distanciamento é uma forma
de conduta
defensiva, para evitar a frustração de perder a comunicação, seja pelo perigo de
destruir o objeto e ficar desamparado, ou pelo medo de ser pego pelo objeto em
uma situação paranóide e ser ele destruído por esse objeto.
Pichon-Rivière
(2000), afirma que:
A teoria da comunicação não nos obriga a julgar se uma conduta é boa
ou má: sempre observamos simplesmente qual é a finalidade da
comunicação, conscientes de que aquilo que o paciente está fazendo é
a única coisa que ele pode fazer nesse momento, nessa situação
particular. Sempre temos a hipótese de que um paciente tenta se
comunicar de alguma forma (PICHON-RIVIÈRE,2000, p.118).
Um aspecto da comunicação,
familiares conflituosas, é
diretamente relacionado às relações
justamente o “duplo vínculo” que, segundo alguns
autores, tem papel fundamental no desenvolvimento da esquizofrenia. Entende-
73
se por duplo vínculo:
(...) uma situação que se estabelece quando uma pessoa se vê diante
de mensagens de aceitação (amor)
e rejeição. Tais mensagens
são simultâneas e contraditórias, de modo que quem as recebe fica
confuso. Segundo Bateson, adultos jovens que desenvolveram
esquizofrenia freqüentemente têm história de relação de duplo vínculo
na infância (MARIOTTI, 1999, p.2.).
Em seus estudos sobre a análise das comunicações interpessoais e a
estrutura da família, Bateson (1956), define o duplo vínculo como uma distorção
da comunicação, ou seja, uma mensagem que chega para quem a recebe, com
duplo sentido. A pessoa não consegue assim, distinguir qual das mensagens
deve ser descartada e qual deverá ser considerada, o que a conduz a um
impasse, fazendo com que veja o mundo pela ótica da dupla vinculação. A
vivência desse processo, para muitos indivíduos,chega a atingir
níveis
intoleráveis:
O duplo vínculo permeia os processos de comunicação humana. De
acordo com Bateson e colaboradores (1956), o esquizofrênico é fruto
dessa modalidade de comunicação. Fruto de um contexto relacional
ameaçador, confuso e imobilizante,que pode levar o indivíduo
constantemente a confundir o literal e o metafórico. O único caminho
encontrado pelo membro de uma família envolvida por longo período
nesse tipo de comunicação, pode ser justamente o que conduz à
esquizofrenia, através da qual sua confusão pode ser expressa, sem
medo de atacar diretamente aquele que o ataca (BATESON, et. al. 1956
apud CALLIL,1987, p.29-30).
Segundo Mariotti (1999), pessoas tidas como “normais” tomam as situações
do duplo vínculo como desafios, reagindo sobre elas, intervindo, questionando,
pedindo mais clareza sobre tal comunicação. Bateson (1956 apud MARIOTTI
(2005), chama essa capacidade de “metacomunicação”. Nos indivíduos
esquizofrênicos, a saída adotada nesse caso é o afastamento do mundo real,
porque a constante exposição ao duplo vínculo os faz perder essa a capacidade
de intervir, de metacomunicar. Essas pessoas substituem a comunicação normal
74
por outro modo de comunicação, diferente dos que as pessoas “normais” usam.
Imaginam, por exemplo, que toda mensagem tem “algo por trás” e tornam-se
pessoas constantemente desconfiadas. Adquirem um padrão de pensamentos
concreto e infantil, ou ignoram sistematicamente essas mensagens, afastando-se
de tudo e encastelando-se em seu próprio mundo interior, perdendo sua
autocapacidade de comunicação (MARIOTTI, 1999).
Desta forma, para o entendimento dessa patologia, é importante tentar
compreender ou decifrar a finalidade da comunicação consciente, que a pessoa
“doente” ou “anormal”
está fazendo.
A sintomatologia psicótica, nessa
perspectiva, pode ser entendida como o único recurso utilizado pelo indivíduo
nesse momento e nessa situação particular. Sempre tendo em mente a hipótese
que, dessa forma, ele tenta comunicar algo (PICHON-RIVIÈRE, 2000,
apud
MORAIS, 2005).
É importante observar, ainda, que teóricos psicanalíticos diversos sugerem
que um dos
esquizofrenia
principais fatores que influenciam no desenvolvimento da
reside
na
qualidade
do
relacionamento
mãe-filho.
Mães
superprotetoras e controladoras, mas ao mesmo tempo, rejeitadoras e distantes,
podem contribuir para o aparecimento da esquizofrenia. Essa superproteção,
supostamente, sufoca o desenvolvimento emocional da criança e sua distância
emocional provoca nela uma insegurança pessoal, deixando-a fragilizada e
vulnerável. Com isso, ao se depararem com o estresse (conflito), tais pessoas
entram em desequilíbrio (HOLMES, 2001), o que predispõe ao aparecimento de
sintomas psicóticos. Contudo, é importantíssimo atentar para o papel do duplo
vínculo no processo de comunicação mãe-criança, no surgimento e evolução de
sintomas psicóticos. Bateson e seus colaboradores (1956), dão um exemplo
75
claro de interação entre mãe e filho, situando os processos de duplo vínculo
nessa relação:
A mãe apresenta um comportamento afetivo um convite à aproximação
e a criança então reage a esse convite tornando – se mais próxima
de sua mãe. Essa aproximação do filho, gera ansiedade na mãe por
temer uma relação excessivamente intima. Ela então sente a
necessidade de se distanciar do filho, mas não consegue aceitar seu
ato hostil em relação à criança Ela então, nega sua hostilidade e,
simulando afeição diz: ‘Vá para a cama, filho.Você está muito
cansado’.Essa comunicação tem na verdade a intenção de negar um
sentimento que poderia ser comunicado da seguinte maneira: ’Saia
da minha frente, pois estou cheia você’.de você. (BATESON,1956, apud
CALIL,1987.p.29)
Desta forma, a discriminação
da mensagem se torna um processo
complexo:
Se a criança discrimina os sinais metacomunicativos da mensagem
enviada pela mãe, terá que encarar o fato de que sua mãe não a quer e
que, e que por detrás dessa atitude afetiva, sua mãe a está na verdade
enganando (...) ‘ao discriminar corretamente a mensagem emitida por
sua mãe a criança seria punida’. É melhor então aceitar a idéia de que
está cansada, do que admitir que sua mãe a está enganando
(BATESON, 1956 apud CALIL,1987,p.29).
Resumindo, o filho é punido se discriminar corretamente a mensagem da
mãe e é também punido caso a discrimine incorretamente. Essa criança está
presa em um processo de comunicação permeado pelo duplo vínculo. Para sair
dessa situação, o pai poderia ser solicitado, mas, geralmente, não é capaz de
intervir na relação mãe-filho e de apoiar a criança,
face às contradições
utilizadas. Ele está, também, numa situação difícil, pois, se concordar com o filho
sobre a atitude enganosa da mãe, terá que reconhecer também a natureza do seu
próprio relacionamento com ela (CALIL,1987). Forma-se, então, um triângulo de
relações conflituosas, permeado por processos extremamente perturbados de
comunicação.
76
2.6.3.5
-
O
TRATAMENTO
DA
PESSOA
COM
ESQUIZOFRENIA:
IMPORTÂNCIA DO ENVOLVIMENTO DE FAMILIARES
“A beleza de um jardim está na diferença e multiplicidade de
espécies, cores, formatos e perfumes...cada um fazendo
sua parte, por mais insignificante que pareça...e assim
devemos ser...com a união de nossas diferenças, construir
um todo! É na diferença que nos tornamos iguais!” (GEUZA
MORAIS)
Finalizando, cabe aqui tecer algumas considerações sobre os diferentes
aspectos envolvidos nas explicações de cunho psicanalítico para a esquizofrenia.
Villares et al. (2005), afirmam que a literatura revela que, grande parte dos
estudos realizados a partir de um referencial psicodinâmico tem procurado, de
alguma forma, lidar com uma relação de causalidade linear entre a doença mental
e a família. Esse foi um pressuposto básico de estudos conduzidos a partir do
final da década de 50, que procuraram estabelecer relações de causalidade entre
aspectos das relações e estruturas familiares (em especial o relacionamento mãefilho e as relações maritais) e a manifestação da doença (VILLARES et al. 2005).
Contudo, o autor apresenta um resumo da evolução do pensamento psicanalítico,
nesse sentido, nos períodos seguintes:
As investigações recentes mais importantes nesse terreno, segundo
Marsh,(1992) têm se realizado a partir de um enfoque multidimensional,
formulação teórica que pretende reunir evidências complementares das
ciências biológicas, sociais e do comportamento. No estudo da
esquizofrenia, esse modelo procura considerar de maneira integrada
aspectos do substrato biológico da doença e fatores ambientais e
psicológicos, apoiados em análises das evidências de pesquisas
realizadas na área. Os aspectos psicossociais mais estudados dentro
do ambiente familiar são os fatores de estresse que influenciam o curso
do transtorno, sendo as principais variáveis medidas, os Desvios de
Comunicação e o índice de Emoções Expressas (EE) na convivência
familiar. As EE, particularmente, tornaram-se uma das principais
variáveis pesquisadas, promovendo o encontro (e confronto) de
modelos teóricos e merecendo, portanto, análise mais detalhada em
seguida à descrição de estudos realizados a partir das abordagens
epidemiológicas e sociais. (VILLARES. et al., 2005, p.3).
77
Segundo
esses
autores,
freqüentemente incapacitante,
a
esquizofrenia
é
uma
doença
crônica,
cabendo assim aos familiares cuidar ou
administrar, de alguma maneira, o membro da família que sofre, fica dependente
e desorganizado, bem como promover o contato entre o doente e os serviços de
saúde existentes. Esta é uma tarefa complexa, que envolve as etapas de
procurar, avaliar e encaminhar o doente ao médico, hospital ou serviço de saúde
disponível; conduzir as "negociações" entre o profissional que prescreve
determinado tratamento e o familiar, que identificado como paciente, reluta em
aceitá-lo; lidar com as situações de crise, decidindo quando é possível o manejo
em casa e quando buscar ajuda emergencial. Salientam, contudo, as dificuldades
envolvidas no processo:
(...) nem todos os familiares possuem condições estruturais,
econômicas e emocionais para conduzir satisfatoriamente esses
aspectos da convivência com a doença mas, que de alguma forma
elaboram a experiência, lidam com seu sofrimento e expectativas
viabilizando a convivência com a doença, buscando apoio em sua rede
de conhecidos, em algum sistema de crenças e em tratamentos
alternativos. O envolvimento afetivo característico dos laços familiares,
de alguma forma orienta as tentativas de entendimento e as buscas de
soluções para muitas questões pertinentes ao convívio com um familiar
doente (VILLARES et al., 2005, p.2).
Nos casos de esquizofrenia com início na infância, a literatura sugere que
problema adquire contornos ainda mais peculiares:
A presença de uma criança doente em uma família quase que
inevitavelmente acaba levando a um desequilíbrio nas relações
familiares, principalmente quando se trata de doença mental. Muitas
vezes, um ser doente acaba mobilizando sentimentos variados, como
culpa, raiva, medo, vergonha, fracasso, entre outros, os quais
necessitam ser trabalhados. Em algumas situações, uma orientação
familiar pode solucionar o problema. Entretanto, nas famílias onde as
relações já eram conflituosas, o surgimento de uma criança doente
somente favorece a rede de problemas já existente, e a criança não tem
78
a possibilidade de mudanças, sendo necessário um processo de terapia
de família, com o objetivo de uma melhor compreensão e solução
desses conflitos (TENGAN; MAIA, 2005, p.11).
Os mesmos autores, enfatizam que:
Na literatura não existem trabalhos mostrando que determinadas
técnicas psicoterápicas são efetivas no tratamento da esquizofrenia na
infância. Parece que ações socioeducativas voltadas ao funcionamento
da família, soluções de problemas e habilidades de comunicação têm
sido mais efetivas na diminuição das crises. No nosso meio, o
tratamento desses casos em nível de hospital/dia (HD) tem mostrado
uma evolução mais favorável. De um modo geral, a criança permanece
no HD cerca de duas a cinco vezes por semana, por meio período, onde
é assistida por uma equipe multidisciplinar. A família também participa
de algumas atividades, onde é realizado um trabalho de orientação
sobre a doença e muitas vezes tenta-se abordar possíveis fatores
dinâmicos que possam interferir no quadro (TENGAN; MAIA, 2005,
p.11).
Com base em Villares et al.(2005), é de suma importância o envolvimento
dos familiares para a compreensão e convivência com a esquizofrenia,
oferecendo um suporte para melhor lidarem com esse transtorno, desmistificando
conceitos e imagens do universo cultural e social-familiar, onde a maioria das
pessoas a caracterizam como: ‘Problema de Nervoso’, Problema na Cabeça’,
‘Problema Espíritual’, as quais partem de uma construção cultural muitas vezes
carregada de preconceitos, causando danos e sofrimento para o portador da
doença , bem como, para seus familiares. A discussão dessas questões junto à
família,
levando-a
rumo
a
uma
melhor
compreensão
da
doença
e,
conseqüentemente, a um melhor cuidar sobre do membro acometido pelo
transtorno, é de capital importância.
79
3 - CONCLUSÃO
O conjunto dos aspectos abordados neste estudo sugere, portanto, uma
conjugação ou integração de diferentes perspectivas, na busca do entendimento
do complexo assunto da esquizofrenia.
Embora haja controvérsia entre as diferentes abordagens sobre o assunto,
as mesmas não devem ser consideradas como concorrentes ou antagônicas,
mas como partes de um mesmo todo. Cada concepção teórica contribui, de
alguma
forma,
para
o
entendimento
do
comportamento
anormal
e,
conseqüentemente, da esquizofrenia. Em alguns casos, as diferentes explicações
podem ser associadas, de modo a promover uma explicação mais abrangente
para os transtornos mentais (MORAIS, 2005). A revisão da literatura, como um
todo, permite supor que é impossível trabalhar a questão da esquizofrenia, sem
levar em conta o contexto familiar e social em que o paciente está inserido.
Concepções e abordagens diferenciadas sobre o assunto, sugerem que a
participação e colaboração de familiares no processo de tratamento de pacientes
com esquizofrenia, se revestem de uma dimensão especial. É importante atentar
não apenas ao controle dos surtos e das crises, mas ter em mente que a família,
também, deve ser envolvida, para ajuda no processo terapêutico. É importante,
ainda, sensibilizar a sociedade no sentido de aceitação e respeito para com tais
pessoas, para que as mesmas venham a ser tratadas com mais humanidade.
As possibilidades de tratamento, vigentes no cenário atual, bem como as
sofisticadas estratégias tecnológicas para investigação do problema, como
exames de tomografia computadorizada, tomografia por emissão de pósitrons
(entre outras) possivelmente, conduzam a um “olhar”
mais global para esta
80
problemática, nas próximas décadas. A integração entre todas as hipóteses
levantadas
sobre
a
origem,
o
desenvolvimento
e/ou
agravamento
da
esquizofrenia, nas várias abordagens de pesquisa e opções psicoterapêuticas
existentes no cenário atual, podem vir a possibilitar o desenvolvimento de novos
paradigmas com relação ao assunto, que permitam conceber o paciente não
somente como um “indivíduo” ou “sujeito”, mas acima de tudo como “Pessoa”,
contribuindo para uma melhora significante no quadro em que se insere essa
doença.
O desenvolvimento dessa pesquisa contribuiu, de modo satisfatório, no que
diz respeito à minha formação acadêmica, proporcionando um variado e
importante embasamento teórico, oferecendo, conseqüentemente, um suporte
melhor para a prática, levando em consideração a máxima que essa nobre
profissão exige “olhar para o Ser Humano” sob outra ótica com os olhos do Amor,
independente da abordagem teórica na qual se for trabalhar.
A
presente
pesquisa
poderá
ser
de
grande
importância
para
o
desenvolvimento científico, para uma maior e melhor compreensão das causas já
existentes dessa doença, levando o profissional da saúde (psicólogos, psiquiatras,
médicos, enfermeiros, entre outros) a buscar uma compreensão mais global
dessa doença, suas manifestações, e diversas causas e fatores que contribuem
para o desenvolvimento, e/ou agravamento da mesma, para a elaboração de um
diagnóstico mais preciso e cauteloso, bem como de estratégias psicoterapêuticas
mais eficazes. O clínico que atua junto a portadores deste transtorno, precisa
estar atento para todos esses aspectos, para assim manter uma visão mais ampla
do problema, evitando rótulos, julgamentos desnecessários, os quais podem
comprometer mais ainda a saúde mental dessas pessoas, despersonalizando-as,
81
ainda mais, reduzindo-as a “coisas” e levando-as a um desmerecimento; de
serem vistas, antes de qualquer quadro clínico, como “Pessoas”, no pleno e total
sentido dessa palavra, deixando de infringir assim, seus direitos como seres
humanos.
De modo particular, é necessário encarar o ser humano não somente como
um “indivíduo” mas, como “Pessoa” em sua totalidade, levando em conta a
necessidade de complementar a investigação psicanalítica, com a investigação
social, voltada para uma tríplice direção: psicossocial, sociodinâmica e
institucional. É importante considerar o homem em uma só dimensão, a humana,
concebendo a pessoa como uma totalidade integrada por três dimensões: a
mente, o corpo e o mundo exterior, como considera Pichon-Rivière (2000) apud
MORAIS (2005), que propõe uma forma sistemática de ver, sentir e explicar:
(...) O que nós psiquiatras, e (psicólogos), temos feito por nossos
pacientes esquizofrênicos?Nos limitamos a discutir o efeito de tal
droga,a dosagem de tal cura (algumas sessões de terapia) e pronto!(...)
Temos um trabalho que transcende as salas fechadas de nossos
consultórios. Precisamos sensibilizar a sociedade, em paralelo com a
necessidade de desmistificarmos a esquizofrenia, que não raro, é
impregnada de tantos preconceitos (CAVALCANTE, 2002, p. 3).
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