Artigo TCC Pós- al - Roberta Rodrigues

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL - UNIJUÍ
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM HEMATOLOGIA LABORATORIAL
ROBERTA RODRIGUES
ANEMIA HEMOLÍTICA AUTO-IMUNE
ORIENTADOR: PROF MATIAS NUNES FRIZZO
IJUÍ, FEVEREIRO DE 2013.
2
ROBERTA RODRIGUES
ANEMIA HEMOLÍTICA AUTO-IMUNE
Projeto de Trabalho de Conclusão de
Curso apresentado ao Departamento de
Ciências da Saúde da Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul – Unijuí. Curso de
Especialização
em
Hematologia
Laboratorial. Professor Orientador: Matias
Nunes Frizzo.
Ijuí, 2013
3
ANEMIA HEMOLÍTICA AUTO-IMUNE
AUTOIMMUNE HEMOLYTIC ANEMIA
RESUMO
A anemia hemolítica auto-imune é caracterizada pela presença de auto-anticorpos, os quais se ligam
aos eritrócitos e diminuem o tempo de sobrevida dessas células, por meio de sua remoção da
circulação. A AHAI é classificada com base na temperatura em que os auto-anticorpos reagem com
os eritrócitos. Os anticorpos IgG reagem a temperaturas maiores ou iguais a 37ºC, não ativam o
sistema complemento e não aglutinam in vitro. Na AHAI a frio, os anticorpos são IgM, reagem a
temperaturas menores que 37ºC, requerem a atividade do sistema complemento e produzem
aglutinação in vitro. A classificação também é baseada na etiologia. Na AHAI primária, a destruição
dos glóbulos vermelhos é o único achado clínico e não se identifica doença de base. A AHAI
secundária ocorre no contexto de uma doença sistêmica, sendo a anemia hemolítica uma
manifestação dessa doença. Ocorre normalmente em pacientes com doenças auto-imunes,
neoplasias, infecção por vírus/bactérias ou uso de drogas. O diagnóstico é baseado na positividade
do teste de Coombs direto. Outros testes laboratoriais, como hemograma, contagem de reticulócitos,
desidrogenase lática, identificação do anticorpo ligado à superfície das hemácias (IgG ou IgM) e
pesquisa de autocrioaglutininas, devem ser realizados para a confirmação do caso.
Palavras-chave: Anemia. Hemolítica. Auto-imune. Anticorpos. Coombs.
SUMMARY
The autoimmune hemolytic anemia is characterized by the presence of autoantibodies which bind to
erythrocytes and decreases the survival time of these cells through their removal from circulation. The
AIHA is classified based on the temperature at which autoantibodies react with erythrocytes. IgG
antibodies react at temperatures greater than or equal to 37 º C, do not activate the complement
system and not agglutinate in vitro. In cold AIHA, the antibodies are IgM, react at temperatures lower
than 37 º C, requires the activity of the complement system and produce agglutination in vitro. The
classification is also based on etiology. In primary AIHA, the destruction of red blood cells is the only
clinical finding and does not identify the underlying disease. The secondary AIHA occurs in the context
of a systemic disease and hemolytic anemia is a manifestation of this disease. Usually occurs in
patients with autoimmune diseases, cancer, viral infection / bacteria or drugs. The diagnosis is based
on the positive Coombs test. Other laboratory tests such as complete blood count, reticulocyte count,
lactate dehydrogenase, identification of the antibody bound to the surface of red blood cells (IgG or
IgM) and cryoagglutinins research should be conducted to confirm the case.
Keywords: Anemia. Hemolytic. Autoimmune. Antibodies. Coombs.
4
INTRODUÇÃO
A anemia hemolítica auto-imune (AHAI) é uma doença caracterizada pela
presença de auto-anticorpos, os quais se ligam aos eritrócitos e diminuem o tempo
de sobrevida dessas células, por meio de sua remoção da circulação pelos
macrófagos do sistema retículo-endotelial13. Recentes estudos de base populacional
calcularam a incidência de AHAI em 0.8/100, 000/ano, e sua prevalência em
17/100,000 na população dinamarquesa2.
A AHAI é classificada com base na temperatura em que os auto-anticorpos
reagem com as células vermelhas do sangue. A anemia hemolítica auto-imune a
quente ocorre predominantemente em crianças de 2-12 anos. Os anticorpos
pertencem à classe IgG, reagem a temperaturas maiores ou iguais a 37ºC, não
ativam o sistema complemento e não aglutinam in vitro14. Na AHAI a frio, a
incidência é menor em crianças. Os anticorpos são da classe IgM, reagem a
temperaturas menores que 37ºC, requerem a atividade do sistema complemento e
produzem aglutinação espontânea in vitro14.
Outra forma de classificação da anemia hemolítica auto-imune, é baseada em
sua etiologia. Na AHAI primária, a destruição dos glóbulos vermelhos é o único
achado clínico e não se identifica doença de base para explicar a presença de autoanticorpos13. A AHAI secundária ocorre no contexto de uma doença sistêmica,
sendo a anemia hemolítica uma manifestação dessa doença. Pode ocorrer em
pacientes com doença auto-imune, como o lúpus eritematoso sistêmico (LES) ou
outras doenças inflamatórias de caráter auto-imune. É observada também em
pacientes com neoplasias, infecção por vírus/bactérias ou uso de drogas13.
O diagnóstico é baseado na detecção do teste de Coombs direto positivo na
presença de hemólise. Entretanto, o teste de Coombs direto pode ser negativo em 2
a 4% dos casos, e falso positivo em 8%13. Outros testes laboratoriais devem ser
realizados para a confirmação do caso. Além do teste de Coombs, é feito
hemograma com contagem de plaquetas, contagem de reticulócitos, dosagem de
desidrogenase lática (LDH), identificação do anticorpo ligado à superfície das
hemácias (IgG ou IgM) e pesquisa de autocrioaglutininas18.
Estudos têm demonstrado um aumento na incidência desta doença nos
últimos 14 anos, principalmente em adultos, que tendem a desenvolver, em 25% a
30% dos casos, cronicidade11.
5
O presente estudo tem por objetivo realizar revisão sobre a anemia hemolítica
auto-imune, enfatizando a importância do laboratório clínico no diagnóstico e
acompanhamento da doença.
1 MATERIAL E MÉTODOS
O presente artigo foi realizado através de uma pesquisa bibliográfica em
literatura especifica da área, abrangendo a anemia hemolítica auto-imune e suas
formas de diagnóstico, a partir de uma seleção de artigos, obtidos junto aos
principais bancos de dados e bibliotecas virtuais de saúde e medicina, como o
PubMed e Scielo. A busca foi realizada no período de junho de 2012 a janeiro de
2013, privilegiando artigos datados a partir do ano de 1998, não havendo restrições
de idioma.
2 PATOGÊNESE E FISIOLOGIA
Os auto-anticorpos dirigidos contra epítopos de “red blood cells” (RBC) são
cruciais para a patogênese da AHAI. O isotipo é importante para a significância
clínica de um auto-anticorpo. As imunoglobulinas do isotipo IgM formam uma
estrutura pentamérica e são, portanto, muito eficientes na ativação do complemento.
IgG1 e IgG3 são ativadores de complemento eficientes, enquanto IgG2 e IgA têm
apenas uma capacidade fraca para ativar complemento. IgG4 não ativam o
complemento18.
Geralmente, o sistema complemento não é completamente ativado, deixando
produtos de degradação (complemento C3c, C3d) como traços nos glóbulos
vermelhos. No entanto, a ativação do complemento pode prosseguir até a formação
e introdução do complexo de ataque à membrana (MAC) C6-9, levando à lise dos
glóbulos vermelhos18.
A temperatura dos auto-anticorpos para se ligar às hemácias é de relevância
clínica. Auto-anticorpos frios mostram a ligação ótima com as RBC abaixo de 30°C e
são principalmente de isotipo IgM. Estes são clinicamente relevantes, uma vez que
pode induzir a ativação do complemento in vivo18. Autoanticorpos quentes mostram
ligações ótimas a 37 °C e são na sua maioria IgG, sendo menos comumente do
6
isotipo IgM e raramente IgA. Auto-anticorpos bifásicos são IgG que mostram ligação
ótima abaixo de 30ºC e induzem a ativação do complemento a 37 °C18.
RBC revestidas com IgG são preferencialmente removidos via fagocitose
mediada por receptor Fc-gama no baço, ao passo que RBC revestidas com C3c/C3d
na ausência de IgG são destruídos através do complemento - fagocitose mediada
por receptor no fígado (hemólise extravascular). Na presença de IgM, que é reativa
acima de 30ºC, a ativação do complemento pode prosseguir até a inserção do MAC,
levando à destruição intravascular das células vermelhas (hemólise intravascular)18.
Há dois mecanismos de hemólise. Hemólise intravascular é a destruição de
células vermelhas do sangue em circulação, com a liberação do conteúdo da célula
para o plasma. Trauma mecânico, fixação do complemento com ativação na
superfície da célula e agentes infecciosos podem ser causas de degradação direta
da membrana e destruição celular2.
A hemólise extravascular mais comum é a remoção e destruição das
hemácias com alterações de membrana pelos macrófagos do baço e do fígado.
Circulando o sangue é filtrado continuamente através de paredes finas cordões
esplênicos em sinusóides esplênicos (com membranas basais fenestrados), um
labirinto esponja de macrófagos com longos processos dendríticas2.
3 DIAGNÓSTICO
Um diagnóstico preciso de anemia hemolítica auto-imune é obrigatório, pois
as condições requerem estratégias diferentes de terapia e acompanhamento. As
conscientizações da demografia, apresentação clínica e exames laboratoriais são
necessárias no diagnóstico de AHAIs1.
A identificação de uma doença sistêmica de base como causa do quadro
hemolítico pode ser encontrada em 5 a 43% dos casos. Podem decorrer anos entre
o desenvolvimento do processo hemolítico e o aparecimento dos sinais e sintomas
de uma doença de base1. As recomendações atuais para o diagnóstico e tratamento
desta doença são originárias da Europa Ocidental e América do Norte, onde a
epidemiologia de doenças hematológicas é diferente do Oriente. Embora alguns
estudos tenham descrito as características clínicas da AHAI nas populações
asiáticas, informações das regiões da Ásia ainda são limitadas. Além disso, não
7
houve nenhum relatório sobre as características clínicas ou história natural da AHAI
em adultos coreanos2.
3.1 Achados Laboratoriais
Além de uma avaliação cuidadosa da história clínica, exames laboratoriais
desempenham um papel central no diagnóstico da AHAI18.
O diagnóstico de AHAI normalmente é feito com base nos seguintes
resultados laboratoriais: anemia normocítica ou macrocítica, reticulocitose, baixos
níveis de haptoglobina, nível de lactato desidrogenase elevado (LDH), aumento do
nível de bilirrubina indireta e teste direto de antiglobulina positivo com um largo
espectro de anticorpos contra a imunoglobulina e complemento12.
No entanto, existem obstáculos, particularmente em casos secundários, uma
vez que nem sempre os resultados laboratoriais presentes são típicos da AHAI.
Duas informações são de extrema importância para o clínico tomar uma
decisão de tratamento adequado: 1 - Que tipo de anticorpo está envolvido? 2 - A
AHAI é primária ou secundária? O tipo de anticorpo pode ser identificado com a
utilização de anticorpos monoespecíficos para imunoglobulina G (IgG) e C3d.
Quando os glóbulos vermelhos são revestidos com IgG ou IgG e C3d, o anticorpo é
geralmente um anticorpo quente12.
Quando os glóbulos vermelhos são revestidos apenas com C3d, o anticorpo é
muitas vezes, mas nem sempre, um anticorpo frio. Para o diagnóstico definitivo de
uma AHAI de anticorpos frios, o título de aglutininas frias deve ser marcadamente
elevado (1:512). Em alguns casos (Coombs negativo, anticorpos IgM quentes,
anticorpos frios com títulos baixos, ou anticorpos bifásicos, como o de DonathLandsteiner), o diagnóstico pode ser difícil, e os conhecimentos de um laboratório
imuno-hematológico são necessários12.
A detecção de anticorpos de Donath-Landsteiner é bastante complicada. A
aglutinação direta normalmente está presente, mas muitas vezes em títulos
relativamente baixos (inferior a 1:64). O teste de Coombs direto com anti-IgG é
negativo, já que o anticorpo é eluído das células durante a sua preparação. A melhor
técnica é a utilização de anti-IgG radioativamente marcados, o qual está afixado a
4°C, mas removido através do aumento da temperatura para 37°C15.
8
Para o diagnóstico de AHAI secundária, uma anamnese cuidadosa, incluindo
informações sobre o início (agudo ou insidioso), história de infecções, informações
sobre transfusões recentes, exposição a drogas ou vacinação, sinais de doença
imunológica (artrite), e da condição clínica geral são úteis12.
3.2 Testes hematológicos
Juntamente com anemia, uma das características mais importantes de
hemólise é a reticulocitose, resposta normal da medula óssea para a perda periférica
de células vermelhas do sangue2.
Na ausência de doença concomitante da medula óssea, uma reticulocitose
acelerada deve ser observada no prazo de três a cinco dias depois de uma
diminuição da hemoglobina. Numa minoria de pacientes, a medula óssea é capaz de
compensar cronicamente, conduzindo a uma concentração de hemoglobina normal
e estável9.
A anemia de hemólise geralmente é normocítica, embora uma reticulocitose
significativa possa conduzir a um elevado volume corpuscular médio (VCM)2.
Em geral, os pacientes com AHAI apresentam a série branca e plaquetária
normais. Entretanto, a combinação de AHAI e plaquetopenia imune pode ocorrer,
junto ou sequencialmente. Ela foi primeiramente descrita por Fisher (1947) e mais
tarde ficou conhecida como síndrome de Evans5.
A revisão do esfregaço de sangue periférico é um passo crítico na avaliação
de qualquer anemia. Junto com a avaliação de morfologias patognomônicas de
glóbulos vermelhos, como esferócitos ou esquizócitos, o exame de leucócitos e
plaquetas quando coexistem doenças hematológicas ou desordens malignas, é
essencial2.
O teste de Coombs direto (TCD), método habitualmente utilizado no
diagnóstico da AHAI, permite a identificação da presença de anticorpos fixados
sobre as hemácias. Tecnicamente, baseia-se no fato de que os anticorpos que
recobrem as hemácias podem ser identificados pela adição de anticorpos
antigamaglobulina humana. Quando positivo, ou seja, indicando a presença de
anticorpos aderidos às hemácias, formam-se pontes entre elas, levando à
aglutinação4.
9
Se o TCD for positivo utilizando um reagente de globulina anti-humano
poliespecífico, é necessário outro teste com um reagente monoespecífico, a fim de
detectar qual o isotipo de imunoglobulina está revestindo as RBC18.
Devido ao seu tamanho auto-anticorpos IgM são difíceis de detectar, porque
eles são removidos durante os processos de lavagem. A temperatura ideal para a
ligação de IgM e a temperatura na qual o teste de Coombs está sendo realizado são
cruciais18.
Se houver aglutinação espontânea após a incubação de soro de um paciente
com as hemácias teste a 16°C, auto-anticorpos IgM a frio devem ser suspeita. Um
anticorpo a frio clinicamente relevante deve ser considerado se ocorrer aglutinação,
a 30°C18.
Durante muitos anos, acreditou-se que caso o TCD fosse negativo não
haveria IgG na superfície da hemácia; entretanto, aproximadamente 5-10% dos
pacientes com
diagnóstico
clínico
de AHAI
apresentaram TCD negativo,
evidenciando que o TCD possui sensibilidade limitada. As técnicas mais sensíveis
que o TCD, empregadas para quantificar o número de moléculas de IgG ligadas à
membrana eritrocitária, são de aplicação mais complexa e de custo mais elevado.
Szymanski et al. descreveram um TCD automatizado capaz de detectar 100-150
moléculas de IgG/GV, Galili et al. utilizaram formação de rosetas de hemácias, Jeje
et al. usaram radioimunoensaio, enquanto outros autores têm quantificado o número
de IgG/ GV com o teste imunoenzimático. A citometria de fluxo também pode ser
empregada na análise de anticorpos eritrocitários, permitindo a quantificação de
IgG/GV por meio da medida de fluorescência/GV 4,16,6,10,8.
Em geral, as técnicas desenvolvidas para avaliar pacientes com AHAI com
TCD negativo apresentam resultados satisfatórios, e o tipo de teste é escolhido em
função da melhor reprodutibilidade de resultados, facilidade de realização, menor
toxicidade4.
3.3 Citometria de Fluxo
A citometria de fluxo foi utilizada para detectar imunoglobulinas ligadas às
RBC devido à sua elevada precisão, reprodutibilidade e comparabilidade de outros
ensaios sensíveis. Além disso, pode também ser utilizado para a quantificação de
10
moléculas de imunoglobulinas expressas na superfície das células, o que aumentará
a sua importância no caso de Coombs negativo na AHAI17.
Isto pode ser feito através da medição e comparação da intensidade de
fluorescência (expressos como a área média geométrica) de antígeno expressas na
superfície celular utilizando um padrão externo, tal como são quantificadas células
granulares17.
3.4 Testes bioquímicos
A destruição das células vermelhas do sangue é caracterizada pelo aumento
da bilirrubina não conjugada, aumento da desidrogenase lática, e diminuição dos
níveis de haptoglobina2.
Desidrogenase lática e hemoglobina são liberadas na circulação quando as
hemácias são destruídas. Essa hemoglobina é convertida em bilirrubina não
conjugada no baço ou pode ser ligada no plasma por uma haptoglobina. O complexo
de haptoglobina-hemoglobina é eliminado rapidamente pelo fígado, levando a níveis
baixos ou indetectáveis de haptoglobina2.
3.5 Testes Urinários
Na presença de hemólise intravascular, muitas vezes a capacidade de ligação
da haptoglobina é excedida, fazendo com que a hemoglobina seja filtrada pelos rins
e reabsorvida pelo túbulo proximal. Nesta localização a molécula é catabolizada e o
ferro do heme armazenado nas proteínas de depósito: hemossiderina e ferritina. As
células epiteliais tubulares normalmente descamam e a hemossiderina é identificada
na urina quando empregamos a coloração do azul da Prússia2.
Quando a destruição das hemácias no interior dos vasos é ainda mais
intensa, ocorre uma saturação da hemossiderina presente nos túbulos. Nesta
situação, a hemoglobina filtrada não é reabsorvida e surge na urina a
hemoglobinúria. Uma quantidade expressiva de hemoglobina livre na urina provoca
a coloração vermelho-acastanhada da urina2.
4 ANEMIA HEMOLÍTICA IMUNE INDUZIDA POR DROGAS
11
Anemia hemolítica imune induzida por drogas (AHIID) é rara, e um laboratório
especializado é muitas vezes necessário para realizar os testes sorológicos ideais
para confirmar o diagnóstico. As drogas mais comuns associadas à AHIID e as
hipóteses para o mecanismos envolvidos mudaram durante as últimas décadas7.
As drogas mais frequentemente associadas com a AHIID neste momento são
cefomicina, ceftriaxona e piperacilina7.
A AHIID é normalmente atribuída a anticorpos dependentes de drogas, que só
podem ser detectados na presença da droga, no entanto, também pode estar
associada a anticorpos independentes de drogas, os quais não precisam da
presença da droga para obter reação in vitro. Neste último caso, a droga afeta o
sistema imunológico, causando a produção auto-anticorpos contra os glóbulos
vermelhos. Os achados clínicos e laboratoriais são idênticos à anemia hemolítica
auto-imune (AHAI), com exceção da remissão associada à suspensão da droga7.
O mecanismo mais aceitável envolvido na AHIID é que a droga liga-se
covalentemente a proteínas (neste caso, as proteínas da membrana das células
vermelhas), e reveste as hemácias. Anticorpos contra o medicamento (geralmente
IgG) ligam-se às RBCs, que são fagocitadas por macrófagos7.
Um mecanismo mais controverso é o chamado mecanismo de complexo
imune, o qual sugere que a maioria das drogas é capaz de se ligar a proteínas da
membrana de RBCs, mas não covalentemente. A membrana combinada com a
droga pode criar um imunogênio. Os anticorpos formados podem ser IgM ou IgG e
muitas vezes ativam o complemento, conduzindo à lise intravascular aguda e
insuficiência renal. Ainda não se sabe como e por que algumas drogas induzem à
produção de anticorpos contra células vermelhas, muitas vezes causando AHAI7.
5 TRATAMENTO
O tratamento padrão com o uso de corticosteroides para a hemólise aguda é
prednisona (1 mg/kg/dia) por 10 a 14 dias. A maioria dos pacientes apresenta boa
resposta e a dose é então reduzida lentamente ao longo de três meses. Cerca de
60% dos pacientes apresentam recidiva do quadro após interrupção da droga e
podem receber tratamentos de segunda opção. Os corticosteroides atuam
diminuindo: a proliferação de linfócitos, a produção de IL-2, a função de linfócitos T
12
auxiliadores, a função de células NK, a maturação de macrófagos, a quimiotaxia de
macrófagos, e a atividade do anticorpo pelo antígeno3.
Quanto à esplenectomia, em geral, os indivíduos com hemólise causada
apenas por anticorpos da classe IgG respondem melhor, e todos os pacientes
devem ser previamente vacinados contra pneumococos, meningococos, e
haemophilus influenza3.
Sobre o uso de imunoglobulinas endovenosas, aproximadamente 40% dos
pacientes com AHAI respondem ao tratamento com 0,4 g/kg/dia de imunoglobulina
endovenosa por cinco dias, porém a resposta é transitória com duração de três a
quatro semanas3.
Os
pacientes
alternativamente
com
refratários
doses
a
corticosteróides
padronizadas
de
podem
ciclosporina,
ser
tratados
azatioprina,
ciclofosfamida ou danazol. A irradiação esplênica pode substituir a esplenectomia
em pacientes que tenham contra-indicação cirúrgica, e a plasmaferese pode ser
indiciada em pacientes com anticorpos da classe IgM3.
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A anemia hemolítica auto-imune (AHAI) é uma doença que se caracteriza
pela presença de auto-anticorpos contra as hemácias, removendo essas células da
circulação.
OLIVEIRA et al classificam a AHAI pela sua etiologia, sendo que na AHAI
primária, a destruição dos eritrócitos é a única característica e não tem envolvimento
de uma doença de base que justifique os auto-anticorpos. A AHAI secundária
acontece como uma doença sistêmica, tendo a anemia hemolítica como
manifestação. Normalmente, afeta pacientes com doenças auto-imunes e/ou
inflamatórias. Pode atingir também em pacientes com neoplasias, infecção por
vírus/bactérias ou uso de drogas.
Normalmente, o diagnóstico laboratorial da AHAI tem como base resultados
de exames simples e rotineiros, como hemograma, LDH e bilirrubina e teste de
Coombs direto, no entanto, em casos secundários da doença, os resultados podem
ser atípicos (LECHNER & JÄGER).
O teste de Coombs direto é o método mais utilizado no diagnóstico da AHAI,
pois permite identificar presença de anticorpos sobre as hemácias. Os anticorpos
13
são identificados pela adição de anticorpos antigamaglobulina humana. Quando
positivo, há aglutinação (BRAGA et al).
ZEERLEDER explica que se o Coombs for positivo com um reagente
poliespecífico, é necessário testar com um reagente monoespecífico, para detectar
qual o isotipo de imunoglobulina está revestindo as RBC. Anticorpos IgM são difíceis
de detectar por serem removidos durante a lavagem. A temperatura ideal para a
ligação de IgM e a temperatura na qual o teste de Coombs está sendo realizado são
cruciais.
ZEERLEDER também defende que a temperatura em que auto-anticorpos se
ligam às hemácias é de grande relevância clínica. Auto-anticorpos frios se ligam
otimamente com as células vermelhas abaixo de 30°C e geralmente são IgM. Estes
são relevantes porque podem ativar complemento in vivo. Auto-anticorpos quentes
apresentam ligações ótimas a 37°C e são, na maioria das vezes, IgG. Autoanticorpos bifásicos são IgG que se ligam abaixo de 30°C e ativam complemento a
37°C.
LECHNER & JÄGER mostram que para o diagnóstico definitivo de uma AHAI
de anticorpos frios, o título de aglutininas frias deve ser elevado. ROSSE et al15
confirmaram que em determinados casos, por exemplo, Coombs negativo, autoanticopos IgM quentes, auto-anticorpos frios com títulos baixos, ou anticorpos
bifásicos, como o de Donath-Landsteiner, a melhor técnica é a utilização de anti-IgG
radioativamente marcados, o qual é afixado a 4°C, mas removido com a temperatura
em 37°C.
Apesar da incidência da anemia hemolítica auto-imune ter aumentado nos
últimos anos, o diagnóstico pode ser um desafio tanto para os profissionais do
laboratório quanto para o médico. A investigação laboratorial pode ser problemática
e, muitas vezes, requer testes específicos e demorados (BRAGA et al).
Há alguns anos, acreditava-se que caso o Coombs direto fosse negativo,
excluiria a possibilidade da doença. Entretanto, alguns pacientes com diagnóstico
AHAI presentaram Coombs negativo, mostrando que esse teste é limitado (BRAGA
et al).
As técnicas mais sensíveis são também mais complexas e caras.
SZYMANSKI et al descreveram um TCD automatizado, GALILI et al
formação de rosetas de hemácias, JEJE et al
utilizaram
usaram radioimunoensaio.
14
GARRATTY & NANCE tem utilizado a citometria de fluxo para a análise
quantificativa de anticorpos eritrocitários por meio de fluorescência.
BRAGA et al afirmam que, em geral, as técnicas que detectam a presença de
anticorpos eritrocitários são satisfatórias. O tipo de teste escolhido depende da
reprodutibilidade de resultados, facilidade de realização e menor toxicidade.
GARRATTY escreveu sobre a anemia hemolítica auto-imune induzida por
drogas (AHIID), que é uma forma rara da doença e, muitas vezes, é necessário o
apoio de laboratórios especializados que realizem testes sorológicos específicos
para a confirmação do o diagnóstico. A AHIID é mais comumente atribuída a
anticorpos dependentes de drogas, que são detectados apenas na presença da
droga. No caso de anticorpos independentes de drogas, a droga produz autoanticorpos contra os glóbulos vermelhos. Acredita-se que o mecanismo da AHIID é
que a droga se liga na membrana das células vermelhas, e os anticorpos contra o
medicamento causam a fagocitose das hemácias. Outro mecanismo, mais
controverso, sugere que a ligação da droga com as RBCs forma um imunogênio, o
qual ativa o complemento e conduz à hemólise.
Sobre os achados hematológicos em pacientes com AHAI, BAEK et al
afirmam que, além da anemia, uma das características mais importantes da
hemólise é a reticulocitose, em resposta da óssea para a perda hemácias
circulantes. A reticulocitose deve aparecer em até cinco dias depois da redução da
hemoglobina. A anemia nos casos de hemólise geralmente é normocítica, embora
se a reticulocitose for muito acentuada, pode produzir um VCM elevado.
EVANS et al descreveram que, em geral, os pacientes com AHAI apresentam
séries branca e plaquetária normais, entretanto, pode haver plaquetopenia imune.
Esse caso foi descrito em 1947 por Fisher, e mais tarde ficou conhecido como
síndrome de Evans.
BORDIN reportou que o tratamento da AHAI pode ser feito tanto com drogas,
imunoglobulinas e até a esplenectomia pode ter uma boa resposta.
Novas técnicas, principalmente na área da biologia molecular, como a
citometria de fluxo, que permite a análise individual de células, estão sendo
amplamente utilizadas no diagnóstico de doenças imunológicas e auto-imunes e
devem ser considerados padrão ouro pelos próximos anos.
15
CONCLUSÃO
A AHAI é uma doença cada vez mais prevalente. Sua fisiologia vem sendo
esclarecida, assim como novas técnicas de diagnóstico estão sendo testadas.
O laboratório de análises clínicas é imprescindível para o diagnóstico correto
e identificação da classe de anticorpo envolvido, facilitando o tratamento do
paciente.
O teste de Coombs é o mais antigo e mais rotineiro método de detecção da
doença, embora métodos mais atuais, como a citometria de fluxo, tenham sido
bastante empregados e tenham apresentado resultados satisfatórios.
Destes testes, a citometria de fluxo é o mais sensível, podendo quantificar
imunoglobulinas na superfície das hemácias, medindo a fluorescência dos antígenos
presentes, através de um padrão.
Outra técnica que pode ser utilizada é a ELISA, onde o antígeno é preso a
uma superfície através de um anticorpo. Havendo ligação, este complexo pode ser
reconhecido por um outro anticorpo, que produz um composto facilmente detectável.
Anticorpos
contra
antígenos
solúveis
são
detectados,
também,
por
radioimunoensaio, que usa o antígeno marcado radioativamente e anticorpos para
determinar a concentração desses antígenos com uma precisão elevada.
Portanto, apesar da dificuldade em encontrar informações mais recentes
sobre a doença, os métodos diagnósticos vêm evoluindo principalmente na parte
imunológica e molecular.
16
REFERÊNCIAS
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Clinical patterns and hematological spectrum in autoimmune hemolytic
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YUN, H. J.; KIM, S. & JO, D. Y. – Clinical features and outcomes of autoimmune
hemolytic anemia: a retrospective analysis of 32 cases. The Korean Journal of
Hematology, 46 (2): 111-117, 2011.
3.
BORDIN, J.O. – Anemia hemolítica auto-imune e outras manifestações na
leucemia linfocítica crônica. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, 27
(4): 257-262, 2005.
4.
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teste manual direto do Polybrene. Revista da Associação Médica Brasileira, 44
(1): 16-20, 1998.
5.
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