MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres Autos nº 146/06 – 3ª Vara Criminal Agravante: Justiça Pública Agravada: Wilmer Alberto Velásquez Pinedo RAZÕES DE AGRAVO EM EXECUÇÃO Egrégio Tribunal de Justiça, Colenda Câmara Criminal, Douto Procurador de Justiça, Meritíssimo Juiz, WILMER ALBERTO VELASQUES, após o devido processo legal, foi condenado a pena de 06 anos de reclusão no regime INTEGRALMENTE fechado, por desrespeitar o estatuído nos artigos 12, caput, c.c. 18, incisos I e III, ambos da Lei n.º 6.368/76, conforme r. sentença condenatória, prolata pela Justiça Federal. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres A defesa, alicerçada no julgamento pelo STF do habeas Corpus n.º 82.959, que, neste caso concreto, por votação mínima (6x5), afastou óbice legal da vedação da progressão prisional, previsto no art. 2º, § 1º da Lei n.º 8.072/90, pretendeu, a progressão de regime de pena para a Agravada. O nobre Magistrado de 1ª instância, revendo seu recente entendimento de que a famigerada decisão do Pretório Excelso deu-se num julgamento de controle Difuso de constitucionalidade, logo, com efeitos apenas “INTRA PARS”, entendeu em deferir o pleito da defesa, desacolhendo, pois, a manifestação ministerial, conforme se vê no r. decisum de fls. 144/154, sem, contudo, ter enfrentado com afinco a preliminar de coisa julgada, expressamente suscitada pelo Ministério Público às fls., e autorizou a progressão de regime para o semi-aberto, não obstante a condenação em crime de natureza hedionda. Desta respeitável decisão, o Ministério Público agravou, apresentando, pois, as razões recursais. É o relato do essencial. Passamos a postular. Colenda Câmara, “data venia”, a decisão agravada não pode subsistir, como procuraremos pontificar. PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO AGRAVADA MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres Com efeito, como é de se observar, a r. decisão agravada, não enfrentou adequadamente a questão preliminar da coisa julgada textualmente sustentada pelo órgão do Parquet, como se dessume do nosso pronunciamento de fls. 111/142. Na ocasião, sustentávamos que o pedido de progressão de regime encetado pela parte adversa, sequer poderia ser conhecido, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da coisa julgada, expressamente agasalhado pela Constituição Federal como garantia fundamental (art. 5º, inciso XXXVI), haja vista o trânsito em julgado da sentença condenatória ao estabelecer o regime integralmente fechado de cumprimento de pena. Nessa esteira, plácida e incontroversa jurisprudência: “Estabelecido na sentença condenatória que o regime de cumprimento da pena será o integralmente fechado, tendo esta transitado em julgado, não pode o Magistrado possibilitar a progressão do regime prisional, mesmo que este seja seu entendimento, porque fere o princípio constitucional da coisa julgada. Inteligência do art. 5º, inciso XXXVI, da Carta Magna”. (TJRS – Agr em Execução – Rel. Saulo Brum Leal – j. 24/06/99 – RT 770/666). “Homicídio – Agravo em execução – Trânsito em julgado – Sentença condenatória a pena de 13 anos de reclusão no regime integralmente fechado – Início MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres de cumprimento da pena – Transferência para colônia agrícola – Impossibilidade de modificação pelo Juízo da Execução após trânsito em julgado. A decisão sobre regime inicial de cumprimento de pena faz coisa julgada formal e material, não podendo ser modificada pelo Juiz da Execução (STF – RT 609/325). Recurso de Agravo para, cassando a decisão agravada, determinar o cumprimento da pena imposta no regime integralmente fechado”. (TJCE – 1ª Câm. Crim. – Agr em Execução n.º 1988.059887- Rel. Carlos Facundo – j. 18/04/2000). “Tratando-se de crimes hediondos e assemelhados, não cabe ao juiz da execução modificar o regime de cumprimento de pena fixado pelo magistrado da condenação, aplicando a progressão do regime, sob pena de violação do princípio da coisa julgada”. (TJAM – 1ª C. – Agr em Exec. 10100041-3 – Rel. Roberto Hermidas de Aragão – j. 11/12/01 – RT 798/652). “Execução penal – Progressão de Regime – Crime hediondo – Regime fechado estabelecido para o cumprimento integral da pena – Decisão transitada em julgado – Transitada em julgado a sentença que estabeleceu, por se tratar de crime hediondo, o regime integralmente fechado para o cumprimento da pena, não é possível, mediante incidente na execução, postular a progressão do regime prisional. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres Recurso desprovido”. (TJPR –2ª Câm. Crim. – Agr. Execução n.º 110912000 – Rel. Telmo Cherem – j. 22/11/2001). Tal entendimento também é albergado pelo e. Superior Tribunal de Justiça: “Habeas Corpus. Condenação. Latrocínio. Fixação Crime Regime Hediondo. Fechado Inicial. Cumprimento de Pena. Ocorrência. Trânsito em Julgado. Progressão de Regime. Possibilidade. Ordem Concedida. 1. infringe a coisa julgada o decisum que nega a progressividade de regime no cumprimento da pena prisional, assegurada na sentença condenatória não impugnada na parte em que fez apenas inicial o regime fechado, embora se cuidasse de crime hediondo. 2. Ordem concedida” (STJ – HC 27.990-SP – Rel. Min. Hamilton Carvalhido – j. 04.09.03 – DJ 06.10.03). Sentenciar, como procedera o douto Julgador, que a preliminar se confunde com o mérito, data venia, não merece guarida, haja vista que os argumentos que estribam a coisa julgada são absolutamente díspares dos fundamentos do mérito do pedido, no caso, a argumentação de constitucionalidade do art. 2º, § 1º da Lei n.º 8.072/90. Verifica-se, contudo, uma ululante ofensa ao princípio constitucional da motivação das decisões judiciais, encartado no artigo 93, inciso MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres IX, da Constituição Federal, que determina que “todas as decisões dos órgãos do Poder Judiciário serão fundamentadas, sob pena de nulidade”. Tal regra (obrigatoriedade de fundamentação dos atos judiciais), decorre de legítimo Estado Democrático de Direito e legitima a atuação jurisdicional. Assim, com o acerto que lhe é peculiar, preleciona o constitucionalista Alexandre de Moraes1, ao comentar o disposto no art. 93, inciso IX, da CF: “A legitimidade democrática do Poder Judiciário respeito baseia-se de suas na aceitação decisões e pelos demais poderes por ele fiscalizados, e, principalmente, pública, seus motivo pelo pela qual pronunciamentos opinião todos devem os ser fundamentados e públicos”. No mesmo sentido, sinaliza a jurisprudência: “A fundamentação constitui pressuposto de legitimidade das decisões judiciais. A fundamentação dos atos decisórios qualifica-se como pressuposto constitucional de validade e eficácia das decisões emanadas do Poder Judiciário. A inobservância do dever imposto pelo art. 93, IX, da Carta Política, precisamente por traduzir grave transgressão de natureza constitucional, afeta a legitimidade jurídica do ato decisório e gera, de maneira irremissível, a conseqüente 1 Constituição do Brasil, Atlas, 2002, p. 1293. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres nulidade do pronunciamento judicial (STF – Rel. Ministro Celso de Mello RTJ 163/1.059)” “As decisões judiciais, nos termos do art. 165 do CPC e do art. 93, IX, da CF, devem ser fundamentadas, ainda que de modo conciso, sob pena de nulidade” (TJBA – 1ª Câmara – MS n.º 94/89 – Rel. Des. Cícero Britto, decisão 19-31990). Assim, verifica-se que, quando uma decisão judicial não enfrenta todas as questões suscitadas, mormente quando se tratem de questões incidentais que impedem a própria apreciação do mérito do pedido, como se deu in casu, trata-se de um ato eivado de nulidade absoluta, e, por conseguinte, deve ser considerada nula. DA PRELIMINAR DA COISA JULGADA Se porventura, o Egrégio Sodalício não deferir a preliminar que visa anular a r. decisão agravada, ante os argumentos suso delineados, o Ministério Público levanta, ainda, no presente recurso de agravo, outro incidente, consistente na preliminar da coisa julgada. Senão vejamos. Como visto alhures, quando lançamos nosso parecer contrário ao pleito concernente à progressão de regimes, levantamos a preliminar de coisa julgada, que, se acolhida, impediria a apreciação do mérito do pedido. Todavia, como também vimos, a r. decisão agravada não analisou adequadamente MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres o assunto relativo à preliminar ministerial ventilada, razão pela qual, requeremos na anterior preliminar, fosse o mencionado ato judicial declarado nulo, para que outro fosse prolatado. Pois bem. Ocorre que nesta preliminar de coisa julgada, recorro-me dos mesmos argumentos acima articulados. Com efeito, reitero, o pedido preconizado pela defesa ao pretender a progressão prisional não pode ser admitido, porque encontra óbice intransponível na garantia constitucional da coisa julgada, tornando, pois, proscrito ao Juízo das Execuções Penais descumprir o comando sentencial. A possibilidade do Juízo das Execuções Penais de decidir, com espeque no art. 66, inciso III, alínea “b”, da Lei 7.210/84, sobre “progressão de regime”, refere-se quando a determinação puder ser admitida, porque autorizada na sentença condenatória, diante do que dispõe o art. 59, inciso III, do Código Penal, ou na hipótese de omissão por parte do juiz da sentença, ou ainda na hipótese de soma ou unificação de penas, diante do preceituado no art. 111 da citada Lei de Execuções; entretanto, no caso vertente não se trata de nenhuma dessas hipóteses, uma vez que a progressão não foi expressamente autorizada quando da sentença condenatória. Nesse sentido, já se pronunciou o E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO, em recente decisão unânime: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres “AGRAVO EM EXECUÇÃO - CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DE CRIME HEDIONDO - SENTENÇA QUE ESTABELECE EXPRESSAMENTE O REGIME INTEGRALMENTE FECHADO SEQÜÊNCIA QUE EXPRESSA A IMPOSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO E A INDICAÇÃO DO ART. 2º, § I, DA LEI 8.072/90 E 83, V, DO CP - APELAÇÃO INTERPOSTA MANUTENÇÃO DA DECISÃO QUANTO AO REGIME EM CONSONÂNCIA COM A LEI DOS CRIMES HEDIONDOS RECURSO DESPROVIDO. Se no ato sentencial ficou estabelecido que o regime de cumprimento da pena privativa de liberdade era o inicialmente fechado, para logo em seguida se expressar que estava inviabilizada a progressão e permitido o livramento condicional nos termos da Lei dos crimes hediondos, assim ratificado em grau de apelação, não significa que se tenha garantido a evolução do cumprimento para o regime menos severo e sim ao contrário, que se fixou o regime integralmente fechado, como ato de inteligência e de lógica de seu prolator”. (TJMT – Rel. Rui Ramos Ribeiro Agravo de Execução n.º 25744/2005 – DJ 25/10/05). Na mesma revoada, reitero os julgados outrora transcritos: “Estabelecido na sentença condenatória que o regime de cumprimento da pena será o integralmente fechado, tendo esta transitado em julgado, não pode o Magistrado possibilitar a progressão do regime prisional, mesmo que este seja seu entendimento, porque fere o princípio constitucional da coisa MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres julgada. Inteligência do art. 5º, inciso XXXVI, da Carta Magna”. (TJRS – Agr em Execução – Rel. Saulo Brum Leal – j. 24/06/99 – RT 770/666). “Homicídio – Agravo em execução – Trânsito em julgado – Sentença condenatória a pena de 13 anos de reclusão no regime integralmente fechado – Início de cumprimento da pena – Transferência para colônia agrícola – Impossibilidade de modificação pelo Juízo da Execução após trânsito em julgado. A decisão sobre regime inicial de cumprimento de pena faz coisa julgada formal e material, não podendo ser modificada pelo Juiz da Execução (STF – RT 609/325). Recurso de Agravo para, cassando a decisão agravada, determinar o cumprimento da pena imposta no regime integralmente fechado”. (TJCE – 1ª Câm. Crim. – Agr. em Execução n.º 1988.059887- Rel. Carlos Facundo – j. 18/04/2000). “Tratando-se de crimes hediondos e assemelhados, não cabe ao juiz da execução modificar o regime de cumprimento de pena fixado pelo magistrado da condenação, aplicando a progressão do regime, sob pena de violação do princípio da coisa julgada”. (TJAM – 1ª C. – Agr Exec 10100041-3 – Rel. Roberto Hermidas de Aragão – j. 11/12/01 – RT 798/652). MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres “Execução penal – Progressão de Regime – Crime hediondo – Regime fechado estabelecido para o cumprimento integral da pena – Decisão transitada em julgado – Transitada em julgado a sentença que estabeleceu, por se tratar de crime hediondo, o regime integralmente fechado para o cumprimento da pena, não é possível, mediante incidente na execução, postular a progressão do regime prisional. Recurso desprovido”. (TJPR –2ª Câm. Crim. – Agr. Execução n.º 110912000 – Rel. Telmo Cherem – j. 22/11/2001). Tanto que o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já endossou o entendimento acima ventilado pelos Tribunais Estaduais: “A mera remissão, ao art. 2º, §1º, da Lei n.º 8.072/90, feita pelo magistrado, na sentença condenatória, basta para legitimar o cumprimento integral da pena em regime fechado, desde que se trate de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados. A ausência, no ato sentencial, de menção ao cumprimento da pena em regime integralmente fechado não significa que tenha garantido ao condenado o direito a progressão no regime de execução penal. Precedentes”. (STF – 2ª T. – HC 81006-3 – Rel. Celso de Mello – j. 28/08/2001 – DJU 21.06.2002, p. 130). E, realizando uma interpretação a contrario sensu, mais um decisum da Corte Suprema: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres “HABEAS CORPUS. CRIME HEDIONDO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. REGIME PRISIONAL. COISA JULGADA. REFORMATIO IN PEJUS. 1. O juiz Criminal, ao fixar a pena na sentença condenatória, deve estabelecer o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade (art. 59, III, CP e art. 110 da LEP) e o juiz da execução deve determinar que a pena seja cumprida de forma progressiva (art. 112 da LEP); a par destas disposições, a Lei dos Crimes Hediondos determina o cumprimento integral de tais penas no regime fechado. 2. Por crime hediondo, o Juiz criminal estabeleceu o regime fechado para o início do cumprimento da pena e permitiu a progressão de regime. 3. O Promotor de Justiça, autor da ação penal, não recorreu da sentença, ocorrendo o seu trânsito em julgado. 4. A sentença transitada em julgado que aplica o direito a espécie, bem ou mal, não pode mais ser revista pelo Tribunal a quo quanto a possibilidade de progressão de regime concedida ao paciente. 5. Habeas Corpus conhecido e deferido para restabelecer a sentença de 1º grau.” (STF, 2ª Turma, HC 72.474/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 09.05.95, DJ 30.06.95). Destarte, o Ministério Público propugna seja acolhida a preliminar suscitada, ante a ocorrência da coisa julgada, o que impede a progressão de regime de pena requerida pela eminente defesa. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres DO MÉRITO DO RECURSO DE AGRAVO EM EXECUÇÃO Proeminentes Desembargadores, acaso não acolhidas as preliminares dantes propugnadas, no mérito, o Ministério Público, augura a reforma da r. decisão agravada para o fim de indeferir a possibilidade de progressão prisional para o Agravado, condenado irrecorrivelmente por crime de laia hedionda, portanto, insuscetível da benesse concedida, por força do art. 2º, § 1º, da Lei n.º 8.072/90. DA IMPOSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO PRISIONAL PARA CONDENADOS EM CRIMES DE NATUREZA HEDIONDA A r.decisão vituperada, autorizando a progressão de regime o Agravado WILMER ALBERTO VELASQUES, merece ser reformada, porque além de inconstitucional e ilegal, vai de encontro com os anseios da sociedade. Com efeito, a Carta da República em seu Título II, justamente no Capítulo alusivo aos Direitos Garantias Fundamentais, manifestou de forma expressa sua repulsa contra delitos considerados de grave criminalidade, ante o abalo à ordem social e à paz pública, assim como a repulsa que acarretam, já que tais crimes são repugnantes, sórdidos, abjetos, enfim, são hediondos... Logo, passíveis de um encrudescimento, de uma resposta estatal mais rígida do que as demais infrações penais. Assim, por opção legislativa, e, EM ATENDIMENTO AO PRECEITO CONSTITUCIONAL (Art. 5º, XLIII), o legislador vedou a progressão de regimes nos crimes hediondos, tráfico de entorpecentes e terrorismo. Referido princípio constitucional dispõe in litteris: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres “A lei considerará inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”. Com a propriedade que lhe é peculiar, o constitucionalista Alexandre de Moraes, em sua ousada e já consagrada obra Constituição do Brasil Interpretada2: “A obrigatoriedade legal do cumprimento integral da pena, em caso de condenação por crimes hediondos ou assemelhados em regime fechado, não ofende o princípio da individualização da pena, uma vez que se trata de matéria infraconstitucional a ser disciplinada por lei ordinária. Assim, da mesma forma pela qual o legislador ordinário tem a discricionariedade para a criação de regimes de cumprimento de pena, bem como das hipóteses de progressão e regressão entre os diversos regimes previstos, poderá também instituir algumas hipóteses em que a progressão estará absolutamente vedada”. De outro giro, pode-se afirmar ainda que, a Lei n.º 8.072/90, também se harmoniza com o princípio constitucional previsto no artigo 5º, XLVIII, assim redigido: 2 Constituição do Brasil Comentada , Editora Atlas, 2002, pág. 322. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres “A pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”. Com efeito, conforme mencionado alhures, o Agravado, após o devido processo legal, foi condenada pela prática de crime de tráfico de entorpecentes, crime com status de hediondez, em regime integralmente fechado, em decisão TRANSITADA EM JULGADO. Como não poderia ser diferente, o ínclito Juiz que prolatou a sentença condenatória, aplicando a lei ao caso concreto, fixou o regime integralmente fechado, em consonância com o artigo 2º, § 1º da Lei n.º 8.072/90. Aliás, a sentença condenatória, ao fixar o regime integralmente fechado, nada mais fez do que aplicar o direito ao caso concreto, consoante art. 2º, §1º, da Lei dos Crimes Hediondos, assim redigido: "Os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito3 de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:... §1º. A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado". (grifo nosso). Ora, a chamada "Lei dos Crimes Hediondos" (Lei n.º 8.072/90), em seu artigo 2º, §1º, estabeleceu, de forma clara e insofismável, ser obrigatório ("será") o integral cumprimento da pena privativa de liberdade em 3 Aqui se verifica um ululante pleonasmo cometido pelo próprio legislador: “tráfico ilícito”. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres regime fechado, em caso de condenação por crime de "tráfico de entorpecentes e drogas afins". A redação usada pelo legislador evidencia a total impossibilidade de aplicar-se a progressão de regime prisional, do mais severo para o mais brando em se tratando da prática de "crime hediondo". E, consoante tranqüilo posicionamento da hermenêutica, é inadmissível qualquer entendimento que conduza à ampliação de preceito legal, de molde a fazer com que abarque situação não entrevista pelo legislador. É ainda atual a lição de CARLOS MAXIMILIANO a respeito: ”Às vezes os próprios termos da lei excluem a extensão do respectivo alcance; quando, por exemplo, se encontram no texto as palavras: só, apenas, exclusivamente e outras semelhantes” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 1947, p. 278). Na espécie em exame - condenação por tráfico de entorpecentes - a situação do reeducando não permite a progressão de regime prisional. Sobre o tema, adverte Júlio Fabbrini Mirabete: “Por expressa disposição da Lei nº 8.072, de 25-7-90, a pena será integralmente cumprida em regime fechado quando se tratar da prática de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, de terrorismo e dos crimes hediondos..." ( in Manual de Direito Penal, vol. 1º, pág. 246, ed. 1.992, Ed. Atlas). No mesmo sentido pronunciou-se o eminente penalista pátrio Damásio E. de Jesus, para quem: "Pena imposta por crime hediondo, de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e terrorismo deve ser cumprida exclusivamente em regime fechado (art. 2º, §1º, da Lei nº 8.072, de 25-7-1990). MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres O STF já tinha entendimento nesse sentido quanto ao tóxico (RECrim 116.328, DJU, 5 ago. 1988, p. 18632)". (Código Penal Anotado, pg. 116, Saraiva, ed. 1991). Aliás, embora de forma não uníssona, também vem decidindo o próprio STJ, como se vê dos inúmeros julgados abaixo citados: “Recurso Especial Entorpecentes – Impossibilidade – – Crime Hediondo Regime Prisional Lei 8.072/90, nº – – Tráfico Progressão art. 2º, § De – 1º. Constitucionalidade – Declaração – Competência – Tribunal Pleno ou Órgão Especial – Nos chamados crimes hediondos ou a estes equiparados, pela Lei nº 8.072/90, o regime previsto é o integralmente fechado, descabendo a progressão. Preceito legal declarado compatível com a atual Constituição Federal pelo Excelso Pretório (HC 69.603). Prevendo a Lei nº 9.455/97 a possibilidade de progressão de regime especificamente para o crime de tortura, não há falar-se em derrogação tácita do art. 2º, § 1º da Lei nº 8.072/90 para se estender aquela possibilidade de progressão aos outros delitos elencados neste diploma legal. A declaração de inconstitucionalidade de dispositivo de Lei Federal foi decidida pelo acórdão recorrido com base na jurisprudência do STF. A via eleita é inadequada para analisar matéria de índole constitucional. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido”. (grifo nosso). (STJ – RESP 612390 – RS – 5ª T. – Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca – DJU 28.06.2004 – p. 00411). MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres “Criminal. Narcotráfico. Regime Único de Cumprimento da Pena. - Regime fechado. Desacerto da admissão do regime progressivo expressamente vedado pelo art. 2º, da Lei 8.072/90, a trato dos chamados crimes hediondos”. (STJ REsp. n.º 61108-SP, 5.ª Turma, Rel. Min. José Fernandes Dantas, j. 17/04/1995, DJU de 08-05-1995, pág. 12416). “Penal. Estupro. Crime Hediondo. Pena. Regime Fechado. O estupro, em qualquer de suas configurações, é crime hediondo, devendo o réu cumprir a pena integralmente no regime fechado”. (STJ - REsp. n.º 46204-PR, 5.ª Turma, Rel. Min. Jesus Costa Lima, j. 02-05-1994, DJU de 16-05-94, pág. 11779). “Constitucional e Processual Penal. Lei Dos Crimes Hediondos. Regime Prisional. I - O crime de trafico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tem tratamento diferenciado na própria Carta Magna (art. 5º, XLIII), demonstrando que a ele deve ser dado tratamento legal mais rígido. II Cumprimento da pena em regime fechado. Art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. Inexistência de ofensa ao art. 5º, XLVI, da Constituição. Decisão do STJ. III - Recurso conhecido e provido”. (STJ - REsp. n.º 41595-SP, 6.ª Turma, Rel. Min. Pedro da Rocha Acioli, j. 26-04-1994, DJU de 16-05-94, pág. 11795). “Constitucional e Penal. Tráfico de Entorpecentes. Cumprimento da pena em regime fechado, integralmente. 1. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres A lei ordinária determinando que, nos crimes hediondos, a pena deve ser cumprida integralmente no regime fechado, conforme interpretação autorizada do Supremo Tribunal Federal, não ofende o disposto no art. 5º, XLVI, da Constituição. 2. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.” (STJ - REsp. n.º 41335-SP, 5.ª Turma, Rel. Min. Jesus Costa Lima, j. 10/08/1994, DJU de 29-08-1994, pág. 22209). “Constitucional e Processual penal. Lei dos Crimes Hediondos. Regime Prisional. I - O crime de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tem tratamento diferenciado na própria Carta Magna (art. 5º, XLIII), demonstrando que a ele deve ser dado tratamento legal mais rígido. II Cumprimento da pena em regime fechado. Art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. Inexistência de ofensa ao art. 5º, XLVI, da Constituição. Decisão do STF. III - Recurso conhecido e provido”. (STJ - REsp. n.º 53068-SP, 6.ª Turma, Rel. Min. Pedro da Rocha Acioli, j. 20/09/1994, DJU de 28-11-1994, pág. 32649). “Processual Penal. Regime de Cumprimento de Pena. Lei de Crimes Hediondos. Os condenados pela pratica de crime hediondo deverão cumprir integralmente a pena em regime fechado, ante a expressa norma do art. 2º, §1º, da Lei 8.072/90, reputado constitucionalmente pelo STF, em sessão plenária (HC 69.657-1, Rel. Min. Francisco Rezek). Recurso especial conhecido e provido, recomendando-se ao juiz da MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres execução examinar a possibilidade de concessão de livramento condicional aos acusados”. (STJ - REsp. n.º 27932-TO, 5.ª Turma, Rel. Min. Francisco de Assis Toledo, j. 23/11/1994, DJU de 19-12-1994, pág. 35324). De outro lado, inobstante a ventilada decisão plenária do STF mencionada pela defesa (HC 82.959-SP, da qual discorreremos adiante), impende ressaltar, ainda, que o próprio Órgão, já se manifestou em outras ocasiões sobre a constitucionalidade do art. 2º, §1º, da Lei nº 8.072/90: "Habeas Corpus nº. 69.603-1. Decisão: Por maioria de votos, o Tribunal declarou a constitucionalidade do par. 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, e indeferiu o pedido de habeas corpus, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence, que o declararam inconstitucional e, em conseqüência, deferiram o pedido”. (STF - DJU, nº 24 de 04.02.93, pág. 759). "Habeas Corpus n. 69.657-1. Decisão: Por maioria de votos, o Tribunal declarou a constitucionalidade do par. 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90 e indeferiu o pedido de habeas corpus, vencidos os Ministros Relator (Min. Marco Aurélio) e Sepúlveda Pertence, que o declararam inconstitucional e, em conseqüência, deferiram o pedido". (STF - DJU, nº 24 de 04.02.93, pág. 759). Não é à toa que o Pretório Excelso, em inequívoca demonstração de que a vedação de progressão para os crimes hediondos, tráfico MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres de entorpecentes e terrorismo é constitucional que, chegou a ponto de editar a Súmula n.º 698, que interpretada a contrario sensu, se infere pela constitucionalidade do vergastado dispositivo da Lei n.º 8.072/90: “Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura.” Assim, não se tem como prosperar a progressão de regime, sob pena de flagrante desacordo com a Lei n.º 8.072/90 – constantemente ratificada pelo STJ – sob o argumento de inconstitucionalidade, uma vez que o STF – guardião da constituição – já reconheceu sua compatibilidade, em tantos outros julgados: “Execução Penal – Tráfico de Entorpecentes – Progressão de Regime – Inviabilidade – Nos crimes hediondos ou equiparados é vedada a progressão de regime prisional. – Recurso desprovido.” (STJ – RHC 12971 – RS – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Scartezzini – DJU 02.06.03 – p. 0306). Ademais, eventual admissão do pleito, além de descumprir a legislação federal, negando-lhe vigência e suplantar matéria apreciada na sentença condenatória, ainda contribuiu para a insatisfação na Cadeia Pública, já que existem vários outros condenados cujos pedidos de progressão sempre foram sistematicamente indeferidos com base na Lei .° 8.072/90. O próprio Tribunal de Justiça de Mato Grosso assim já se pronunciava: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres “Apelações Criminais – Tráfico ilícito de entorpecentes em concurso de agentes – Condutas típicas previstas no art. 12 e 18, III, da Lei n.° 6368/76 – Decisão de 1° grau escorreita quanto às condenações – Apreensão de grande quantidade de cocaína em veículo conduzido por um dos Réus – confissão de um dos réus e depoimento de policiais em harmonia com a prova dos autos – Associação mesmo que eventual comprovada autorizando o aumento da pena nos termos do art. 18, III, da Lei de Tóxicos – Pena-base levemente acima da mínima com o necessário aumento pela associação para o tráfico – Regime Fechado em consonância com a Lei 8.072/90 – Previsão legal – Não Preenchimento dos Requisitos Necessários para a Obtenção dos Benefícios do art. 32 da Lei 10.409/02 – Recursos Improvidos. (TJMT – Relatora Shelma Lombardi de Kato – Rec. Apel. n.° 37512/2004 – Comarca de Cáceres – j. 1º/03/05). DO JULGAMENTO PELO STF DO Habeas Corpus n.º 82.959 A respeitável decisão agravada, se apega na ventilada decisão do Pretório Excelso proferida no Habeas Corpus n.º 82.959, julgado em 23/02/06, logo, num caso de controle difuso de constitucionalidade, que como sabemos (pelo menos levando-se em conta o Sistema Constitucional tupiniquim), só gera efeitos INTRA PARS. Todavia, o leading case da Corte Excelsa, não corresponde a euforia pretendida pela defesa, como passamos a discorrer. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres Com efeito, Excelências, como sabemos, só existem duas formas de controle judicial de constitucionalidade, isto é, de verificação de adequação das normas infraconstitucionais e a Constituição Federal feito pelo Judiciário, quais sejam: 1- Via de Ação, também chamado de Via Direta (ou Controle Concentrado), previsto no artigo 102, inciso I, alínea a da Carta da República; e, 2- Via de Exceção, denominado ainda de Via de Defesa (ou Controle Difuso), basicamente, previsto no artigo 97 da Constituição Federal. No Controle Direto (Via de Ação), a declaração de (in)constitucionalidade se dá por intermédio da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADIN) e da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADECON), é, em resumo, de competência originária do Supremo Tribunal Federal, tem efeito erga omnes e VINCULANTE (§ 2º do artigo 102, CF), possui efeitos ex tunc, e somente os legitimados (numerus clausus) do artigo 103, da Carta Política são os detentores de legitimidade para delas se valer. De outro lado, no Controle Difuso4, a declaração de constitucionalidade de uma lei ou ato normativo frente à Constituição Federal pode ser proferida em qualquer esfera do Poder Judiciário (inclusive por um Juiz de 1ª instância), é argüido incidenter tantum (questão incidental) e por ser requerida num caso concreto, opera efeitos apenas INTRA PARS, ou seja, seus efeitos vinculam apenas as partes do processo em que foi proferida, logo, NÃO TEM O CONDÃO DE ATINGIR TERCEIROS. Com efeito, preleciona o constitucionalista José Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional Positivo5: 4 Inclusive, o Controle de Constitucionalidade Difuso tem sua raiz no Direito Norte-Americano no célebre caso Madison versus Marbury em 1803. 5 Editora Malheiros, 22ª edição, 2003, p. 49. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres “Os sistemas constitucionais conhecem dois critérios de controle da constitucionalidade: o controle difuso (ou jurisdição constitucional difusa) e o controle concentrado (ou jurisdição constitucional concentrada). Verifica-se o primeiro quando se reconhece o seu exercício a todos os componentes do Poder Judiciário, e o segundo, se só for deferido ao tribunal de cúpula do Poder Judiciário ou a uma corte especial... De acordo com o controle por exceção, qualquer interessado poderá suscitar a questão de inconstitucionalidade, em qualquer processo, seja de que natureza for, qualquer que seja o juízo.” (Destaques no original) Tais prolegômenos concernentes ao tema ‘Controle de Constitucionalidade’ se mostraram necessários somente para não se olvidar que a tão famigerada decisão proferida pelo STF no julgamento do HC n.º 82.959, deuse num Controle Difuso de Constitucionalidade, PORTANTO, como vimos alhures, SÓ PRODUZ EFEITOS INTRA PARS, não vincula terceiros que não participaram daquela relação processual. Por oportuno, socorro-me do magistério de Alexandre de Moraes, ao discorrer sobre o tópico “Efeitos do Controle Difuso de Constitucionalidade”6: “Declarada incidenter tantum a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo pelo STF, desfaz-se, desde de sua origem 6 Constituição do Brasil Interpretada, editora Atlas, 2002, p. 1339. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as conseqüências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo, inclusive os atos pretéritos com base nela praticados. NO ENTANTO, TAIS EFEITOS EX TUNC (RETROATIVOS) SOMENTE SERÃO APLICADOS PARA AS PARTES E NO PROCESSO EM QUE HOUVE A CITADA DECLARAÇÃO INCIDENTAL” (Grifo nosso). Nesse talho, a jurisprudência é rigorosamente UNÍSSONA: “Argüição de caráter ‘incidenter tantum’ – Decreto firmado pelo Presidente da República – Competência do Órgão Especial do Tribunal de Justiça – Reconhecimento que afetará somente as partes envolvidas, sem efeito da invalidação, por vício de inconstitucionalidade, ‘erga omnes’. A declaração ‘incidenter tantum’ de inconstitucionalidade projeta seus efeitos jurídicos exclusivamente na dimensão subjetiva que envolve as partes vinculadas a um determinado processo. Inconstitucionalidade – Indulto ou comutação de pena individual com fundamento em decreto de indulto coletivo – Inadmissibilidade – Competência exclusiva do Poder Judiciário, de todo estranha ao elenco constitucional reservado ao Chefe do Poder Executivo, invasão da esfera de competência do Judiciário pelo Executivo – Manifesta ofensa a princípios da Lei Maior – Argüição procedente” (TJSP – Órgão Especial – Argüição de MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres Inconstitucionalidade n.º 172.241-3/3-01 – SP; Rel. Des. Djalma Lofran, Decisão: 20/09/95). Desta feita, desejando o STF que uma decisão sua, proferida em sede de Controle Difuso, declarando a inconstitucionalidade de uma norma, tenha eficácia erga omnes, ou seja, pretenda viabilizar a extensão subjetiva dos efeitos do julgado, DEVERÁ COMUNICÁR A DECISÃO AO SENADO FEDERAL, que, por sua vez, PODERÁ sustar a lei tida como inconstitucional, consoante artigo 52, inciso X, da CF. Mais uma vez, valho-me do escólio de Alexandre de Moraes7: “A constituição Federal previu um mecanismo de ampliação dos efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade pelo STF (CF, art. 52, X), nas hipóteses do exercício do controle difuso de constitucionalidade. Assim o STF poderá oficiar o Senado Federal, para que este, nos termos do artigo 52, X, da Constituição, por meio da espécie normativa resolução, suspenda a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF”. O mesmo autor, em outra obra de sua autoria8, discorrendo sobre os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso, escreveu “A Constituição Federal, porém, previu um mecanismo de ampliação dos efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (CF, art. 52, X). Assim, ocorrendo essa declaração, conforme já visto, o Senado Federal poderá editar uma resolução suspendendo a execução, no todo ou 7 8 Obra citada. Direito Constitucional, Editora Atlas, 2001, p. 569. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres em parte, da lei ou ato normativa declarado inconstitucional por decisão definitiva do STF, que TERÁ EFEITOS ‘ERGA OMNES’, PORÉM, ‘EX NUNC’, ou seja, a partir da publicação da citada resolução senatorial” (Destaques nossos). Em resumo, reiteramos: Quando o STF julga uma norma inconstitucional, porém, no bojo de um CONTROLE DIFUSO (como foi no caso do famigerado leading case HC n.º 82.959), sua declaração só vale para as partes daquele processo (INTRA PARS); Pretendendo o Pretório Excelso que sua declaração se estenda a terceiros (ERGA OMNES) deve o Pretório Excelso oficiar ao Senado Federal, e esta Casa Parlamentar, em juízo de discricionariedade, poderá sustar a executoriedade da infirmada norma declarada inconstitucional pelo STF. Todavia, se isso ocorrer, aí sim, a norma valerá para todos, mas, destaco, com efeitos EX NUNC, é dizer, daí para frente, logo, não alcança casos anteriores (v.g. réus já condenados por crimes hediondos, tráfico de entorpecentes e terrorismo). Corroborando o articulado supra, imprescindível citarmos a lição de José Afonso da Silva9, considerado um dos papas do Direito Constitucional: “A declaração de inconstitucionalidade, na via indireta, não anula a lei nem a revoga; teoricamente, a lei continua em vigor, eficaz e aplicável, até que o Senado Federal suspenda sua executoriedade nos termos do artigo 52, inciso X... Em primeiro lugar, temos que discutir a eficácia da sentença que decide a inconstitucionalidade na via de exceção, e que se resolve pelos princípios processuais. Nesse caso, a argüição de inconstitucionalidade é questão prejudicial e 9 Obra citada, pág. 53 e 54. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres gera um procedimento incidenter tantum, que busca a simples verificação da existência ou não do vício alegado. E a sentença é declaratória. Faz coisa julgada no caso concreto e entre as partes. Mas, no sistema brasileiro, qualquer que seja o tribunal que a proferiu, não faz coisa julgada em relação à lei declarada inconstitucional, porque qualquer tribunal ou juiz, em princípio, poderá aplicá-la por entendê-la constitucional, enquanto o Senado Federal, por resolução, não suspender sua executoriedade, como já vimos. No que tange ao caso concreto, a declaração surte efeitos ex tunc, isto é, fulmina a relação jurídica fundada na lei inconstitucional desde o seu nascedouro. No entanto, a lei continua eficaz a aplicável, até que o Senado suspenda sua executoriedade; essa manifestação do Senado, que não revoga nem anula a lei, mas simplesmente lhe retira a eficácia, só tem efeitos, daí por diante, ex nunc. Pois, até então, a lei existiu. Se existiu, foi aplicada, revelou eficácia, produziu validamente seus efeitos.” Por fim, o renomado constitucionalista, traçando uma diferença entre o Controle Difuso e o Controle Concentrado (Via Direta), conclui: “Qual a eficácia da sentença proferida no processo da ação direta de inconstitucionalidade genérica? Essa ação, como vimos, tem por objeto a própria questão de constitucionalidade. Portanto, qualquer decisão, que decrete a inconstitucionalidade, deverá ter eficácia erga omnes (genérica) obrigatória (...) Em suma, a sentença aí faz coisa MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres julgada material, que vincula as autoridades aplicadoras da lei, que não poderão mais dar-lhe execução sob pena de arrostar a eficácia da coisa julgada, uma vez que a declaração de inconstitucionalidade em tese visa precipuamente atingir o efeito imediato de retirar a aplicabilidade da lei”. Por conseguinte, conclui-se insofismavelmente pela inadmissibilidade da decisão proferida pelo STF no bojo do “famoso” HC n.º 82.959, eclodir seus efeitos para terceiros. Assim, segundo o sistema constitucional pátrio vigente, somente por intermédio das vias de ação e de exceção, é que se pode expungir e deixar de cumprir uma norma jurídica tida como inconstitucional. Afora isso, somente com a sua revogação, expressa ou tácita, por uma outra norma legal, é que uma lei deixa de existir. Aceitar outra tese, como a teoria doutrinária da abstrativização defendida pelo autor Luiz Flávio Gomes, é o mesmo que rasgar o texto constitucional, esvaziando os sistemas de controle constitucionalmente previstos. E isso representa um inegável perigo a ordem jurídica. Oras, então basta o operador do Direito tenha uma imaginação jurídica aguçada, passar a escreve-la, publica-la e sustenta-la e pronto, ter-se-ia mais uma forma de controle de constitucionalidade, embora não positivada. Assim fica fácil. Ou melhor, assim fica difícil... Ademais, comete-se uma flagrante heresia mencionar que o art. 27 da Lei n.º 9.868/99 poder-se-ia ser utilizado para conceder “laivos de MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres erga omnes” ao leading case do HC 82.959, por duas razões básicas: Uma, tal dispositivo somente é admitido nas hipóteses de Ação Direta de Inconstitucionalidade ou Ação Declaratória de Constitucionalidade, portanto, EM CONTROLE CONCENTRADO (também conhecido como Via de Ação, ou Controle Direto), e; Duas: Para de valer de tal dispositivo exige-se quorum qualificado de dois terços dos ministros do STF; e, como se sabe, a votação HC 82.959 se deu por maioria simples (6 x 5). Eminentes Desembargadores, o que é vedado no Brasil, é a adoção de pena de morte (salvo nalguns casos admitidos pela CF), penas cruéis, de banimento, de trabalhos forçados e de caráter perpétuo, conforme princípio constitucional inserto no inciso XLVII do art. 5º da CF. A vituperada lei dos crimes hediondos não contemplou nenhuma destas ignóbeis reprimendas, como irresponsavelmente sustentam algumas pessoas, despreocupadas com a avalanche criminosa que acomete a sociedade brasileira, cansada e desanimada com tantas leis penais brandas e interpretações voltadas para os infratores da lei. Ah, mas o Estado Democrático de Direito se preocupa com o “Sistema de Garantias”... Mas, é de se indagar: Garantia de quem? Apresso-me a responder: Da sociedade brasileira, “vítima única” de um sistema penal extremamente brando, e, cada vez mais recheado com interpretações pro reo deixando a míngua, desprovido, envergonhado e, até irresignado o cidadão de bem, sôfrego de infindável carga tributária, que sequer lhe é devolvido com um mínimo de segurança pública. Vejamos que, vingar a absurda tese de inconstitucionalidade da progressão de regimes, como apregoam, na prática, fará com que traficantes só fiquem presos, na maioria das vezes, por um semestre. Isso, sem contar com a MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres detração penal e com a remição. Depois de período, voltam à liberdade: Sim, porque como sabemos (e também procuraremos abaixo demonstrar), ante a letargia do Poder Executivo, inexiste cumprimento “real” do regime semi-aberto no nosso Estado (salvo a única Colônia de Palmeira), e, de um modo geral, na nação inteira, razão pela qual, o condenado por tráfico a pena de 03 anos de reclusão, com pouco menos de 06 meses estará na rua “pra ganhar a vida”. É esse o “sistema de garantias” que o Estado Brasileiro e a sociedade auguram? Aliás, a lei dos crimes hediondos não baniu o livramento condicional (nem a remição e a detração penal), logo, os condenados por crimes hediondos ou delitos equiparados não vão cumprir totalmente a pena em regime fechado. A realidade é inegável e incontrastável: No Brasil a vetusta e cosmopolita máxima “O CRIME NÃO COMPENSA”, aqui não vigora. Mas, lamentavelmente, o reverso dela... Já está mais do que na hora de lembramos das pessoas de bem, que devem ser também tuteladas, de não se olvidar do Direito Penal da Sociedade, sem, obviamente, laurear o Estado arbitrário, abusivo. Não estamos a defender a “caça às bruxas”, a condenações de inocentes, a pena perpétua, isso jamais, até porque, indesejado por todos. Mas, que a pena privativa de liberdade para crime de elevada gravidade, deva exercer, não só o conteúdo da prevenção geral e especial, mas o caráter da exemplaridade. Ademais, mesmo depois do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do HC n.º 82.959/06, também, nosso Sodalício já decidiu pela obrigatoriedade do cumprimento do regime integralmente fechado para os MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres condenados em crimes hediondos ou à eles equiparados, conforme, aliás, em r. acórdão prolatado neste mês (06/2006), no julgamento do Habeas Corpus n.º 34788/2006, quando a Colenda 3ª Câmara Criminal, à unanimidade, indeferiu o writ que pretendia a possibilidade de progressão em crime de tráfico de entorpecentes (saliente-se, portanto, um recentíssimo julgamento proferido por uma das Câmaras Criminais do nosso e. TJ/MT...). Aliás, na ocasião, vale transcrever os bem fundamentados votos do ínclitos Desembargadores ao julgar referido remédio heróico: Desembargador Díocles de Figueiredo (relator): “... Contudo, o julgamento de inconstitucionalidade do HC 82.959, do STF, não produz efeitos erga omnes, pois a coisa julgada restringe-se às partes do processo em que a inconstitucionalidade foi argüida, e não possui o condão de vincular os demais casos...”. Desembargador Círio Miotto (Vogal): “... O artigo 2º, § 1º da Lei de Crimes Hediondos ainda está em vigor, o único benefício com que pode contar o condenado em crimes hediondos é o livramento condicional quando preenchidos os requisitos. Denego a ordem, nos termos do voto do eminente relator”. Impende salientar ademais, que, nesse mesmo HC 34788/2006, o eminente Procurador de Justiça, Dr. Waldemar Rodrigues dos Santos Júnior, ao propalar parecer oral, divergindo do parecer escrito, se MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres pronunciou contrário a progressão de regime no caso de crimes hediondos, em lapidar manifestação, da qual peço vênia para, também, transcrevê-la: “Em que pese o novo entendimento jurídico esposado pelo ilustre parecerista, dele ouso divergir. Primeiramente, porque o julgamento citado por ele, levado a efeito pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, apenas e tãosomente surtiu efeito’ incidenter tantum’ entre as partes daquele’ mandamus’ e, via de conseqüência, não tem o condão de efeito’ erga omnes’. De outro lado, aceita a posição adotada, isoladamente, pela excelsa Corte de Justiça, teríamos em vigor os efeitos de uma súmula vinculante, figura que vem sendo desprezada pela magistratura nacional. Por fim, retificando, ‘data venia’, o parecer escrito, opino pela denegação do’ writ’, e, desde já, pré-questiono a matéria para efeito de eventual recurso extraordinário e especial”. Destarte, em recentes v. Acórdãos, como não poderia, obviamente, ser diferente, já se posicionaram os egrégios Tribunais de Justiça de vários Estados, como o de Goiás, Mato Grosso do Sul e o nosso e. sodalício Mato-Grossense: “Apelação Criminal – Tráfico de Entorpecentes para o Interior do Presídio – Recurso da Acusada – Pretendida Redução da Pena-Base – Bis In Idem na Dosimetria – Provimento – Pretendida Aplicação de Atenuante – Pena Fixada No Mínimo Legal – MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres Impossibilidade – Recurso Ministerial Pleiteando a Fixação de Regime Integralmente Fechado – Crime Hediondo – Recurso da Acusada Parcialmente Provido – Recurso do Ministério Público Provido. Fixada a pena-base no mínimo legal, impossível, na segunda fase da dosimetria, a redução da reprimenda em quantidade inferior ao mínimo abstratamente considerado, ante o reconhecimento de circunstância atenuante. O desconto da reprimenda penal nos crimes tipificados como hediondo, à luz do que rege o § 1º do art. 2º da Lei n.º 8.072/90, deve ser efetuado em regime integralmente fechado. Precedentes do STF” (TJMT – Apel. Crim. N.º 43174/05 – Terceira Câmara Criminal – Rel. Dr. Alexandre Elias Filho – Julgamento 03/04/06). E também: “Apelação Criminal – Tráfico de Entorpecentes – Condenação – Alegação de Exasperação da Pena-Base Pouco Acima do Mínimo – Decisão Fundamentada – Pretendido Reconhecimento da Atenuante da Confissão Espontânea – Agente que Nega o Ilícito – Não Caracterização da Atenuante – Decisão Escorreita – Crime Hediondo – Regime Integralmente Fechado – MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres Vedação à Progressão – Condenação Mantida – Recurso Improvido. A fixação da pena-base acima do mínimo legal está suficientemente fundamentada na sentença. Não caracteriza a atenuante da confissão espontânea quando o agente nega a prática da infração cometida. A condenação por crime hediondo deve ser cumprida em regime integralmente fechado” (TJMT – Apel. Crim. 48553/05, Segunda Câmara Criminal – Rel. Des. Paulo da Cunha – DJ 7341, 22/03/06). “Habeas Corpus – Condenado por Crime Hediondo – Regime de cumprimento de pena – Integralmente fechado – Progressão – Indeferimento – A decisão do STF declarando a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do art. 2º da Lei n.º 8.072/90, no julgamento do HC 82.959, por seis a cinco, por ser incidental, não retirou o preceptivo legal do mundo jurídico, não tem efeito erga omnes e não subordina as demais decisões, pelo menos até que suspensa a eficácia pelo Senado Federal, se lhe for comunicada a decisão. Por isso que, indeferi a ordem de habeas corpus, não permitindo a quebra de regime integralmente fechado” (TJGO - HC n.º 26.015-8/217 - Luziânia - 2ª Cam. C.– Rel. Des. José Lenar de Melo Bandeira – J. 16-3-06.) MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres Excerto da Apelação Criminal n.º 200.001570-010, oriunda da Comarca de Nova Andradina/MS, in verbis: ” “Apelação Criminal – Tráfico de entorpecentes – Pedido de Desclassificação da Conduta para o Delito de Porte de Entorpecente Para Uso Próprio – Pleiteada Redução da Pena – Regime Integralmente Fechado Mantido – Recurso Improvido. (...) De seu turno, o regime integralmente fechado decorre da expressa dicção do art. 2º, § 1º da Lei n.º 8.072/90, do qual, não obstante recente pronunciamento isolado do STF, que declarou incidenter tantum, a sua inconstitucionalidade, continua vigente e aplicável. Ocorre que, no sistema difuso de controle de constitucionalidade, a decisão preferida possui efeitos inter parts e não vincula o posicionamento de outros tribunais e juízes, até que a norma eventualmente, seja suspensa pelo Senado Federal, ou que seja declarado inconstitucional por ação direita de inconstitucionalidade. Registro que, em outras tantas oportunidades, a Suprema Corte se pronunciou no sentido da constitucionalidade do dispositivo mencionado, decisões estas, ao meu ver, mais acertadas.” E ainda no Habeas Corpus n.º 2006.003700-5, Comarca de Aquidauna/MS: 10 Apelante: Patrick Santos Levy x Apelado Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres “ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR – PEDIDO DE PROGRESSÃO DO REGIME PRISIONAL – CRIME HEDIONDO – VEDAÇÃO LEGAL – CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME INTEGRALMENTE FECHADO – ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2. § 1º, DA LEI 8.072/90 – NÃO OCORRÊNCIA – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, §1º, DA LEI 8.072/90, EM SEDE DE CONTROLE DIFUSO – SENADO FEDERAL QUE AINDA NÃO SUSPENDEU A EXECUÇÃO DO ARTIGO DECLARADO INCONSTITUCIONAL PELO STF (ART. 52, X, DA CF) – SÚMULA 698 VIGENTE – CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE – ORDEM DENEGADA. Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado por Mário Nelson Lima Paiva, Procurador Autárquico, em favor do paciente José Thomas Ragalzi de Araújo, alegando constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção, tendo em vista o indeferimento do pedido de progressão do regime prisional. (...) Além disso, é pacífico o entendimento de que a pena aplicada aos condenados por crimes elencados no rol dos hediondos e seus assemelhados, deve ser cumprida em regime integralmente fechado. Eis a orientação do STJ: PENAL. CRIME HEDIONDO. TRÁFICO DE ENTORPECENTE. REGIME PRISIONAL. PROGRESSÃO. DESCABIMENTO. LEI 8.072/90, ART. 2º, § MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres 1º. Nos chamados crimes hediondos, o regime previsto é o fechado, descabendo progressão. Preceito legal declarado compatível com a atual Constituição Federal pelo Supremo Tribunal Federal (HC 69.603). Fixando as instâncias comuns que o cumprimento da pena dar-se-á em regime fechado, não é concebível que seja apenas inicialmente, mas, sim, atendo-se ao preceito de lei, integralmente. De outra parte, conforme diretriz do STF e do STJ, a Lei 9.455/97, que versa acerca do crime de tortura ‘não se aplica, em sede do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, a outros crimes’. (STJ – Recurso Especial – n.º 287726 – RO – RIP: 200001188330 – REL. José Arnaldo Da Fonseca – Quinta Turma – J. 13/08/02 – DJ. 02/09/02). No mesmo sentido aponta a jurisprudência deste Tribunal de Justiça, que reiteradamente vem decidindo da mesma forma: “(...) hediondo, é expressamente vedada a progressão do regime prisional, visto que, de acordo com o disposto no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, a pena deverá ser cumprida no regime integralmente fechado”. (Apelação Criminal – Reclusão – N. 2003.006702-7/0000-00 – Bonito.) Por outro norte, em que pese o julgamento isolado pronunciado recentemente pelo Supremo – HC 82.959 – declarado inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, é importante frisar que referida decisão foi proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade, procedimento que não vincula diretamente os Tribunais Pátrios, muito menos retira do ordenamento jurídico a norma indigitada, salvo a exceção prevista no art. 52, X, da CF, que prevê a MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres suspensão da norma pelo Senado Federal, a denominada ampliação dos efeitos das decisões definitivas proferidas pelo STF em sede de controle difuso de constitucionalidade. Ademais, a matéria ainda continua sumulada (Súmula 698), sendo que, a sua revogação, até o presente momento, não fora concretizada. Vejamos o teor da referida Súmula: “Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura. Sendo assim, o pedido formulado em relação à progressão do regime para o cumprimento da pena não deve ser atendido. Inexiste, pois, qualquer constrangimento ilegal. Posto isso, com o parecer, denego a presente ordem de habeas corpus. É como voto. Assim, a r. decisão agravada ao deferir a progressão prisional para condenado em crime equiparado a hediondo, não tem razão de ser. Com efeito, o §1º do artigo 2º da Lei n.º 8.072/90 continua hialinamente em vigor, posto que não fora expungido do ordenamento pátrio, pois não foi declarado inconstitucional, seja em Via de Ação, seja em Via de Exceção (Controle Concentrado); e nem foi revogado por outra lei. Aliás, en passant, únicas formas previstas no Brasil para não se cumprir uma lei, sob pena de ofensa ao Estado Democrático de Direito e edificação do caos social. Assim, o pedido de progressão de regime para o sentenciado por crime de tráfico de entorpecentes, por expressa vedação legal, não merece acolhida, principalmente nesta região em que existe uma grande incidência de MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres prisões por tráfico de entorpecentes, havendo a necessidade de uma resposta firme, e sistematizada do Poder Judiciário. Mas, não é só. Como se sabe Excelências, por omissão do Poder Executivo Estadual, inexiste no Estado de Mato Grosso, qualquer colônia agrícola, industrial ou outro estabelecimento similar11, local, onde àqueles que se encontram em REGIME SEMI-ABERTO devem cumprir suas penas, com espeque no artigo 33, § 1º, b, do Código Penal. Dessa absurda e nefasta realidade, como é notório, decorre o entendimento de que, como o condenado não tem nada haver com isso (inexistência de estabelecimento), não pode o preso pagar com a sua liberdade ante a ineficiência do Poder Público. E com isso tem-se entendido (o que não poderia ser diferente), que àqueles que alcançaram a progressão para o regime semi-aberto, obviamente, não podem permanecer no regime fechado em razão da falta de colônia penal, logo, acabam por cumprir o restante de sua reprimenda estatal apenas “pernoitando” nas Cadeias Públicas, ou, onde há, em Casas de Albergues. Isso não é nenhuma novidade, trata-se de fato cediço. Ocorre, todavia, que a realidade de Cáceres, é bem pior (pior, diga-se, para a sociedade). Com efeito, por incrível que pareça, e como também é do trivial conhecimento, aqui em Cáceres, os reeducandos que se encontram no regime semi-aberto SEQUER dormem na Cadeia Pública ou em Albergues, isto porque, nas Cadeias não há vagas e nem servidores suficientes; e casa de albergado, para variar, também não existe. 11 No nosso Estado de Mato Grosso, só há um existente – Colônia Palmeiras. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres Assim, a míngua do aparato estatal, como sabemos, criou-se a praxe execucional penal de que, PASMEM, o apenado que se encontra no regime semi-aberto CINGI-SE a apresentar-se diariamente na Cadeia Pública, assinar um livro de presença e ir embora... Preciso repetir?!! Pois é exatamente dessa forma que se cumpre pena no regime semi-aberto na Comarca de Cáceres, cidade onde a criminalidade avulta, com escorchantes crimes violentos como roubos à mão armada, homicídios, e quase incontáveis tráficos de entorpecentes, mormente por se tratar de uma região de fronteira internacional... Essa tem sido a forma de cumprimento de pena do regime semi-aberto em nossa Comarca de Cáceres, e em tantas outras de nosso Estado de Mato Grosso. Quem ganha com isso, naturalmente, é, solamente o infrator e, também a odiosa impunidade; por outro lado, quem sucumbe é a sociedade: tratase de uma inegável impunidade velada oficializada, pois, “fingimos” que estamos executando a aflição penal regularmente imposta no édito condenatório. Tal injusta e absurda situação não pode passar ao largo pelo Poder Judiciário donde se espera sensibilidade e comprometimento social com a sociedade. Não é à toa que, em artigo publicado na Revista Veja (Edição n.º 1.937, de 28/12/05), matéria esta, de indispensável leitura, o renomado jornalista Fábio Portela ao noticiar a decisão do STJ em admitir a progressão de regime pena para o seqüestrador e terrorista chileno Maurício H. Norambuena e sua trupe, foi enfático e irônico, dando à matéria, o seguinte título: “BOA NOTÍCIA. MAS PARA OS BANDIDOS”. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres Finalmente, outro fator que alicerça a impossibilidade de acolher o pedido de progressão suscitado, e que reforça mais a tese da constitucionalidade do famigerado § 1º do artigo 2º da Lei n.º 8.072/90, foi a edição da recente lei n.º 10.792/03, que ao alterar a redação do artigo 112 da LEP, ressalvou expressamente a existência de casos legais em que é proscrita a progressão prisional: “A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, RESPEITADAS AS NORMAS QUE VEDAM A PROGRESSÃO” (Destaque nosso). Ora, a alteração citada, se deu justamente no dispositivo de lei em que se prevê os requisitos para a progressão de regime (art. 112 da LEP), em evidente manifestação de que o legislador reconheceu que, nalguns casos, a lei pode tornar defesa a progressão, como se dá na Lei n.º 8.072/90. Ante o exposto, o Ministério Público, em nome da ordem jurídica, propugna seja o presente recurso de agravo CONHECIDO, e acolhida a preliminar de nulidade seja declarada nula a r. decisão ora combatida, para que outra seja proferida, posto que não enfrentou adequadamente a preliminar de coisa julgada suscitada em nosso parecer de fls.; ou, acaso não seja nulificada o r. decisum como pretendido, seja acolhida, em sede preliminar, a ofensa ao princípio constitucional da coisa julgada, que se acolhida, impedirá a apreciação do mérito do pedido da defesa referente à progressão prisional, ante os MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Promotoria de Justiça de Cáceres fundamentos acima delineados; contudo, e acaso superada esta, no mérito, seja dado provimento ao presente agravo, para reformar a respeitável decisão agravada, ante a expressa vedação legal inserta no § 1º do artigo 2º da Lei n.º 8.072/90, por ser medida da mais escorreita JUSTIÇA. Cáceres, 27 de junho de 2006. ALLAN SIDNEY DO Ó SOUZA PROMOTOR DE JUSTIÇA