A Favor da etnografia Mariza Peirano Apresentação: Ardjana Robalo Na sua introdução Mariza manifesta sua preocupação e apresenta-nos os assuntos que irá desenvolver durante o livro, composta por quatro capítulos e um prefácio que, a princípio parecem independentes e escritos em situações diferentes. O livro parte: “neste contexto amplo, exercitar um projeto de universalidade, especialmente um projeto escrito no português local”, que segundo a autora significa adotar a perspectiva, em um debate mais próximo, das experiências acumuladas da disciplina. No livro, ela defendeu o seguinte: “o pressuposto de que o desenvolvimento das disciplinas acadêmicas – entre elas, a antropologia – ocorre de maneira mais eficaz via os confrontos constantes com interlocutores quer contemporâneos, quer com aqueles considerados clássicos”. No primeiro capitulo: Mariza vai dialogando com Fábio Wanderley Reis. O capitulo tem como propósito esclarecer por que é infundado seu tenor de que a influência da antropologia, com sua inclinação para a observação desarmada, possa diminuir o rigor teórico das demais ciências sociais. Mariza citando Fábio Wanderley Reis cientista político, que “apontou, em 1988, uma certa inspiração antropológica”. Ela parafraseando Fábio “o leitor teria de suportar longos depoimentos em estudo bruto de mulheres da periferia urbana, uma discrição que serve como metáfora para muitos dos problemas que ocorrem também dentro da disciplina”. O Fábio denunciou conjunturalismo e um historicismo como responsável pela ausência de uma maior e desejável sofisticação teórico – metodológica, resultando em um estado de indigência analítica que teria se alastrado nas ciências no Brasil. 1- Generalização Universalização: Mariza Peirano aponta que a antropologia diferente das outras ciências não se vê como especificamente caracterizada pela disposição nomológica, sistema generalizante do estudo das leis sociais, nem como um tipo de sociologia que, pelas suas características gerais, se aplica a diferentes contextos, isto é, cujos métodos e interesses são comuns à ciência sócias como um todo. O objetivo mais geral da antropologia, contudo, foi sempre a procura de uma visão alternativa, mais genuína talvez, da universalidade dos conceitos sociológicos. Segundo a autora - pode-se dizer -, que na antropologia não existe fato social, mas fatos etnográficos, ela salienta que houve seleção no que foi observado e interpretado no relato. Ainda ressalta Peirano que é importante reter a ideia de que as observações são realizadas não só para descrever o curioso, o exótico ou o diferente por si mesmo (ao natural interesse que despertam), mas também principalmente para universaliza-los. São essas duas direções – a especificidade do caso concreto e o caráter universalista da sua manifestação – que levam a antropologia a um processo de refinamento de problemas e conceitos e não, como espalham os estereótipos a respeito do seu empirismo, a um acúmulo de informações sobre situações bizarras (...). 2- Teoria e historia da antropologia: Mariza, explica que a criatividade nasce da relação entre pesquisa empírica e fundamentos da disciplina – o antropólogo prova que “sofreu mas resistiu”. À parte o fato de que a distância necessária para produzir o estranhamento pode ser geográfica, de classe, de etnia ou outro, mas será sempre psíquica, os conceitos nativos requerem, necessariamente a outra ponta da corrente, que liga o antropólogo aos próprios conceitos da disciplina e à tradição teóricoetnográfico acumulada. A teoria antropológica é teoria-e-historia da antropologia, da mesma forma que é teoria-e-etnografia. É baseada na tensão entre o presente teórico e a historia da disciplina que a tradição da antropologia é transmitida, resultados que, no processo de forma, cada iniciante estabelece sua própria linhagem como inspiração, de acordo com preferências que são teóricas, mas também existenciais, políticas, às vezes estéticas e mesmo de personalidade. Na antropologia, as linhagens disciplinares são tão importantes que se pode imaginar que, sem elas, o antropólogo não tem lugar na comunidade de especialista. De acordo com a autora, no processo da transmissão da disciplina, o conhecimento etnográfico a respeito das várias sociedades e culturas se enriquecem. O que significa que um antropólogo bem formado teoricamente é um antropólogo bem informado etnograficamente. Assim, o "conjunturalismo" ao qual Fábio Wanderley Reis reconhece na inspiração antropológica é próprio daqueles que se limitam apenas ao imediatismo da experiência, aquém do estranhamento e da relativização, e que se esquecem da tradição da disciplina. Para os pontos 3-4-5: Entre as conseqüências das observações feitas anteriormente, Marisa aponta que não há como ensinar a fazer pesquisa de campo, que o treinamento metodológico se faz melhor quando acoplado às monografias clássicas "ou aos cursos teóricos." Que a antropologia não se reproduz por paradigmas estabelecidos, mas por determinada maneira de se vincular à teoria-e-pesquisa. E que, enquanto houver este vínculo de teoria e pesquisa conduzindo a uma nova reflexão teórica, não há lugar para crises. No segundo capitulo: que vai dar nome ao livro “A favor da etnografia”, o tema pretende abordar à relação entre pesquisa de campo e etnografia. Mariza vai optar também por uma discussão da provocação, baseado na obra do Nicholas Thomas, um jovem bem sucedido antropólogo australiano. Thomas publicou um artigo em revista americana de vanguarda, com o título Contra a etnografia. Mariza deixa claro de que a opção dela, contudo, não é ingênua: “primeiro, estou ciente de que o debate que proponho é uma ficção – isto é, Nicolas Thomas não saberá que está sendo contestado no Brasil”, mesmo assim ela aproveita para de uma forma indireta para fazer algumas provocações em relação ao caso Brasileiro. Como diz, “especificamente, penso que nossa tradição etnográfica se baseia, de forma equivocada, no princípio de que a criatividade pode superar a falta de disciplina e a carência de um ethos cientifica”. Thomas está preocupado e descontente com a maneira como os antropólogos têm tradicionalmente estudado as sociedades coloniais. E, neste disputa aparentemente localizado no mundo anglo-saxão colonial, levanta a bandeira “contra a etnografia”, que segundo Mariza ele “nos atinge”. Mariza considera que as alternativas oferecidas por Nicolas Thomas se baseiam em um processo de reinvenção da história da antropologia que é além de repetir antigas formulas, revive dicotomias que já deveriam estar ultrapassados. Segundo Autora, ele diz que o objetivo do artigo “não é de forma alguma o de condenar toda a disciplina” (1991, P.315), naturalmente apenas o de apontar problemas cruciais associados ao que considera o modelo canônico. Marisa Peirano discute esta ideia perguntando: a que modelo canônico ele se refere? De acordo com ela a critica desenvolvida pelo Thomas recai sobre a tendência de tratar questões teóricas totalizadoras a partir de análises locais de eventos exóticos, e sua solução contempla um revigoramento da antropologia comparativa e uma reformulação da escrita pósetnográfica. “isso nos leva a pensar que o modelo criticado como `canônico` se fixa na experiência totalizadora de uma pesquisa de campo traduzida como exotismo e transformada em experimento teórico. A autora vai fazer uma longa discussão baseada no Malinowski e Evans- Pritchard. elementos para discutir esta questão, apontando que aquilo que é cobrado por Thomas já estava presente nestes autores, e que Malinowski, ao focalizar a co-autoria etnográfica, conserva os termos nativos, não por exotismo, mas para manter a fidelidade de uma categoria nativa diferente das categorias ocidentais; a argumentação é reforçada por Evans-Pritchard, com a antropologia comparativa, em que era um tradutor, utilizando terminologia ocidental; pretendia tratar de problemas ocidentais, mas para causar um impacto das categorias em seus leitores. O texto etnográfico era, assim, resultado da adequação da ambição universalista da disciplina com dados detectados em determinado contexto etnográfico, combinando a sensibilidade do etnógrafo com o aprendizado adquirido com a formação do pesquisador. Quando Evans-Pritchard declara que "não tinha interesse por bruxaria, mas que os Azande tinham, (...)" deixa um depoimento em que fica claro o vínculo estreito da teoria com a pesquisa e que o avanço da teoria ocorre quando esses desafios são aceitos. Marisa, ao relacionar as implicações deste pensamento de Evans-Pritchard como comparativo e não positivista, reconhecendo que apresenta uma visão diferente da de Geertz, para quem Evans-Pritchard é o vilão colonial, defende que um bom texto etnográfico foi sempre um experimento. Ao identificar o interlocutor oculto de Thomas, pois, modelo canônico no seu sentido negativo, aparece representado pelas ideias de Radcliffe-Brown, cujo cientificismo se manteve influente na antropologia até que Evans-Pritchard afirmasse que a antropologia era mais arte que ciência. Para Thomas, no entanto, Radcliffe-Brown também aparece como vilão, embora tenha inspirado novas propostas. Assim, há uma sugestão de "resgate" da comparação que "não deve ser positivista". Marisa observa que a recente rebeldia dos australianos, e Thomas faz parte deste grupo, vai principalmente em direção a um antropólogo que fez da Austrália seu campus avançado. Marisa chama atenção para a necessidade de se considerar no problema da teoria e pesquisa a questão das trajetórias individuais, mostrando que nem sempre bons etnógrafos são bons teóricos e vice-versa, o que a tradição teórica da Antropologia considera as diversas formas de combinar a tensão, sempre presente entre o particular/etnógrafo e o universal/teórico. Quando a tensão se perde, a obra empobrece. Malinowski, Turner e Geertz aparecem como exemplos de que "nem sempre antropólogos envelhecem bem", o primeiro, por ter feito uma excelente etnografia e má teoria, o segundo, por ter perdido o aspecto universalista de sua obra, se tornou cético e irônico após ter produzido um trabalho que Marisa considera "pequena jóia", que, possibilitou a proposta de uma teoria da religião vinculada à análise da experiência histórica do islamismo no Marrocos e na Indonésia, que não teria sido possível se o autor não houvesse realizado pesquisa de campo nesses países. Para a autora, isso ocorre porque o diálogo entre as teorias dos pesquisadores e a dos nativos desapareceu, o pesquisador agora sozinho voltou a ser apenas ocidental. Há, ainda, a referência a Leach, que aborda temas pós-modernos, mas adverte que antropólogos , conscientes ou não, mantêm a diferença entre "nós" e "eles". Para mostrar que esta não é uma circunstância obrigatória, Marisa lembra que Leach, do interior da tradição da disciplina, aborda temas caros à tradição pós-moderna, advertindo que os antropólogos ainda mantêm a diferença entre o "nós" e "eles", notando o quanto seria excepcional se um antropólogo escrevesse uma monografia no formato de uma autobiografia. Para fechar o capítulo, Marisa provocativamente elabora uma agenda de problemas sobre outras implicações da pesquisa de campo, destacando, entre outros aspectos: o impacto da pesquisa sobre o pesquisador, a renúncia da pesquisa logo depois de seu início, o que coloca dúvidas sobre a vocação, a conversão religiosa de antropólogos que, depois da pesquisa, aderem a crenças institucionalmente reconhecidas e, finalmente, verifica que há antropólogos que reconhecem que as etnografias mais que os sistemas teóricos que elas suscitaram são a verdadeira herança da antropologia. Etnografias são freqüentemente alvo de reanálise, o que deve ser considerado como sinal de densidade do material etnográfico.