UMA INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: NARRATIVAS

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UMA INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DA MATEMÁTICA:
NARRATIVAS E FICÇÃO
Edilson Roberto Pacheco1
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Resumo
Vários têm sido os trabalhos que discorrem sobre alternativas metodológicas para a
introdução de temas históricos da matemática em diferentes níveis de ensino, sem,
entretanto, ser possível se constatar uma forma padronizada. Conhecimentos históricos
sobre a matemática, encontrados nos meandros de narrativas em obras caracterizadas como
de ficção, se constituem em alternativa pedagógica à composição de uma visão histórica
introdutória do conhecimento matemático. Uma proposta, nessa abordagem, é, portanto, a
que trata da utilização de obras literárias, trabalhadas sob a forma de exercícios de leitura,
as quais objetivam despertar o interesse pela leitura de obra literária bem como possibilitar
aproximação ao conhecimento histórico da matemática a partir de um contexto ficcional.
Introdução
Há algumas décadas pesquisadores e interessados no tema história da matemática
desenvolveram estudos que constituíram as práticas acadêmica e científica, as quais
alcançaram também a ambitude da sala de aula. Assim, a inserção da história da
matemática no ensino e na aprendizagem da Matemática passou a ser um tema possível.
Muitos autores têm escrito a respeito da função da história da matemática no ensino
da Matemática. Há, por um lado, a gama de argumentos favoráveis, dentre os quais, os de
D’Ambrosio (1996) para quem a história da matemática deve ser reconhecida,
principalmente, pelo seu aspecto motivacional para a Matemática, pois auxilia na
compreensão do que é Matemática e possibilita ver a Matemática como uma manifestação
cultural.
Barbin (2000, p. 64) assevera que o aspecto histórico propicia considerar a
Matemática como um processo historicamente contínuo, ou seja, para além de uma
estrutura de verdades irrefutáveis.
1
Professor do Departamento de Matemática da Universidade Estadual do Centro-Oeste –
UNICENTRO. Doutor em Educação Matemática pela UNESP/Rio Claro.
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Referentemente ao uso didático, Tzanakis e Arcavi (2000, p. 210) citam que a
história da matemática ajuda na reconstrução de exemplos, motiva à introdução de novos
conceitos, possibilita a comparação das formas de apresentação da Matemática e ainda
favorece o aprendizado da Matemática e desenvolve a visão sobre sua natureza.
Por outro lado, há alguns dificultadores, os quais devem ser considerados no uso
didático da história da matemática, como por exemplo: a concepção de que História não é
Matemática; a falta de tempo e de material apropriado; a falta de habilidade do professor e
a existência de alunos que não gostam de história e, consequentemente, de história da
matemática.
Qualquer forma de utilização de história da matemática no ensino da matemática
deve, segundo Dorier e Rogers (2000, p. 168), ser cercada de uma reflexão didática.
Uma abordagem realizável
O campo da história da matemática tem sido fecundo para a produção de obras
científicas e ficcionais, as quais têm tomado lugar de forma mais aparente e, por essa
razão, têm despertado a atenção por parte daqueles que se interessam pelas relações entre
história e literatura.
Para introdução da história da matemática, tanto no Ensino Médio quanto nos
primeiros anos da graduação, algumas obras literárias circulantes atualmente são profícuas
por amalgamarem relatos historiográficos e narrativas ficcionais. A literatura passa a ser,
portanto, uma via alternativa a possibilitar análises, questionamentos e reflexões sobre de
fatos históricos relativos à matemática.
História e literatura
Estudos têm sido desenvolvidos sobre as fontes literárias como objeto
historiográfico e sobre romances históricos que têm tomado lugar de forma mais notória. O
modo ficcional, presente nessa relação em algumas obras atuais de cunho literário, permite
ao leitor formas diferenciadas de ler eventos históricos, em específico, da matemática.
O limite entre história e literatura (AQUINO 1999, p.16), era bem definido até
meados do século XX; a literatura estava atrelada a uma impressão da realidade, à
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ficcionalidade, ao passo que a história era tida como o verdadeiro e confiável registro da
realidade. Em outras palavras, o discurso estético se opunha à natureza cientificista da
história. Contudo, esse limiar tem, ao longo do tempo, sido questionado e a conexão entre
história e literatura vem sendo mais evidente, haja vista que a narrativa histórica é
compartida com a interpretação dos fatos, e, portanto, tem caráter subjetivo.
O historiador Jacques Le Goff (1992, p.12) afirma que, “a necessidade de o
historiador misturar relato e explicação fez da história um gênero literário, uma arte”, ou
seja, o historiador, ao construir seu relato historiográfico, empresta a ele sua própria
subjetividade, comprometendo, assim, a “imparcialidade” do relato da “verdade história”.
Segundo Georges Duby (1989)
“a história é acima de tudo uma arte, uma arte essencialmente literária. A
história só existe pelo discurso. Para que seja boa, é preciso que o
discurso seja bom”. (p.50)
Ainda, para Peter Gay (1990), a respeito da natureza do conhecimento histórico, a
história porta uma natureza dual: é, simultaneamente, ciência e arte. Destarte, se entre
história e literatura as fronteiras se tornam tênues, de forma semelhante ocorre com as
ideias sobre ficção e realidade.
Ficção e realidade
O termo “ficção” designa (HOUAISS, 2001) uma construção narrativa imaginária,
fantasiosa, um relato consequente de uma interpretação subjetiva, uma criação em que o
autor faz uma leitura particular da realidade. Todavia, no âmbito da literatura, o conceito
de ficção apresenta uma definição própria do universo da narrativa.
Em Reis e Lopes (1988) o termo narrativa denomina um universo ficcional
autônomo, formado por códigos narrativos (signos narrativos – personagens) que,
organizados numa estratégia narrativa desempenham ações num determinado espaço e
numa dinâmica temporal.
Sobre ficção e realidade, D’Onofrio (1995) afirma que
A literatura cria seu próprio universo, semanticamente autônomo em
relação ao mundo em que vive o autor, com seus seres ficcionais, seu
ambiente imaginário, seu código ideológico, sua própria verdade (...).
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Mesmo a literatura mais realista é fruto de imaginação, pois o caráter
ficcional é uma prerrogativa indeclinável da obra literária. (p.19)
Quanto à palavra história, Borges (1986) afirma que o termo surgiu no séc. VI a.C.
e significa investigação, informação. Para o historiador Marc Bloch, “o objetivo da
História é por natureza o homem” (2002, p. 23), o homem em seu tempo e, portanto, o
tempo é, para o historiador, a matéria concreta da História.
No texto ficcional, a realidade criada tem conexões com factual, o qual é objeto da
narrativa histórica, ou seja, um discurso referencial. A realidade objeto da história seria
equivalente ao referencial da literatura. A “não-ficção” histórica é uma narrativa sobre a
realidade enquanto que obras ficcionais podem nutrir-se de fatos reais, porém, na essência,
são de conteúdo imaginário.
Na literatura, é perceptível a construção de “mundos possíveis”, todavia, não se
torna cabível definir limites entre o real e o ficcional, pois que autores renomados já
afirmaram que o real e o ficional se mesclam.
Dessa proficiente relação entre o real e o ficcional algumas obras têm enredos
entremeados por elementos históricos (factuais, reais) e ficcionais, numa mesma trama
narrativa em que fatos sobre a matemática e à sua história são tratados numa mescla sob
uma leitura particular do autor, conectando, assim, a história da matemática e a literatura.
Um exercício de leitura
Um exercício de leitura desse tipo de obra literária propicia ao leitor (aluno)
conhecer fatos históricos sobre a matemática permeados na trama ficcional. O intento é
evidenciar que história e ficção, quando articuladas, podem abrir caminho na direção do
conhecimento mais específico e também mais abrangente sobre a história da matemática.
A fim de subsidiar o leitor (aluno ou professor) para uma utilização mais proveitosa
dessas informações, o intuito é oferecer um roteiro de leitura, como encaminhamento
metodológico, mediante o qual o leitor possa não apenas usufruir de uma obra de ficção,
mas colher dela algumas informações históricas da matemática, tecidas no entrecho
narrativo.
A opção por trabalhar com a leitura de obras literárias dessa natureza deve-se ao
fato, não raro, de que alunos de graduação (principalmente do curso de Matemática)
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apresentam atitudes de aversão à leitura, muitos manifestando, inclusive, que a decisão por
estudar matemática tem relação com a possibilidade de não ser necessário ler. Tem-se
notado que o interesse por leitura de obras técnico-científicas é difícil de ser manifestado
pelo aluno, por obras literárias então é raro. Nesse tipo de discurso o aluno revela a forma
própria de se relacionar (ou não) com a leitura e, consequentemente, compreender (ou não)
a importância dessa atividade em sua trajetória pessoal ou profissional.
Por essa razão, a possibilidade de dar a conhecer uma obra dessa natureza tenciona
desmitificar a ideia de que quem estuda matemática não lê, não gosta e não conhece
literatura e de que “literatura não serve para coisa alguma”. Ao se utilizar uma obra
literária como meio possível à introdução da história da matemática está se oferecendo ao
aluno a oportunidade de fruir do texto literário, atividade esta incomum para muitos que
estudam matemática. Ademais, possibilita ao aluno verificar conexões entre áreas
diferentes do conhecimento.
Algumas obras literárias selecionadas para esse tipo de atividade apresentam a
característica de evidenciarem, na teia ficcional, aspectos da história da matemática e, por
assim ser, considera-se que podem motivar o aluno.
Em um primeiro momento, a leitura desse tipo de obra é uma sugestão ao professor
e, consequentemente, aos alunos, podendo se configurar, posteriormente, no objeto de
estudo e discussão no âmbito da sala de aula sobre a atividade de leitura em si bem como
sobre o conteúdo matemático da obra em foco.
Roteiro de leitura
Para conduzir o trabalho, um roteiro de leitura possibilita orientar o leitor a
observar questões relevantes para a interpretação da obra e beneficia ao leitor direcionar a
atenção aos propósitos centrais da leitura. O roteiro não é único, ou seja, de uma mesma
obra literária, pode-se elaborar diferentes roteiros de leitura, já que depende do que se
pretende alcançar com a atividade de leitura.
Um roteiro de leitura não apresenta uma forma padronizada, pode ser estruturado
de diversas maneiras, tanto partindo de questões para as quais o leitor buscará respostas na
obra, de tópicos a serem verificados e até mesmo de citações de trechos para serem
discutidos e analisados. Em Pacheco, E.; Pacheco, E. G. (2009), encontram-se alguns
exemplos de atividades realizadas com obras dessa natureza.
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Sugestões de obras para exercício de leitura
TIO PETROS E A CONJECTURA DE GOLDBACH
DOXIADIS, A. Traduzido por Cristiane Gomes de Riba.
São Paulo: Editora 34, 2001.
20.000 LÉGUAS MATEMÁTICAS:
Um passeio pelo misterioso mundo dos números
DEWDNEY, A. K. Traduzido por Vera Ribeiro
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
O TEOREMA DO PAPAGAIO:
um thriller da história da matemática
GUEDJ, D. Traduzido por Eduardo Brandão
São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
A principal função do exercício de leitura desse tipo de obra literária é que se
possam estabelecer relações entre ficção e história no mote história da matemática, leitura
possível que suscite questões motivadoras à introdução dessa importante temática para
uma melhor compreensão desenvolvimento da matemáica no tempo.
Considerações finais
Os exercícios de leitura como os apresentados aqui favorecem uma reflexão
interdisciplinar ao possibilitar avizinhar-se, simultaneamente, da matemática, da história e
da literatura, mediante o viés ficcional.
A arte empresta à história uma outra exterioridade que se revela ao leitor, o qual,
por sua vez, pode constatar que um limiar sutil entre essas áreas do conhecimento. Por
assim ser, é possível conhecer mais sobre a história da matemática a partir de uma
linguagem singular: a linguagem literária.
Enfim, obras com essas características oferecem ao leitor o especial deleite, próprio
do universo literário.
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Referências bibliográficas
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UPF, 1999.
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números. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
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DOXIADIS, A. Tio Petros e a Conjectura de Goldbach. Trad. Cristiane Gomes de Riba.
São Paulo: Editora 34, 2001.
DUBY, G. e LARDREAU, G. Diálogos sobre a Nova História, Publicações Dom Quixote,
1989.
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Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
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Maanen, J. V. (Eds.). Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 2000, pp. 201-240.
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