Curso da Área Básica de Ingresso em Computação - ABI Campus Taguatinga - IFB Capitulo III: A Psicanálise Lacaniana e a Educação Jacques-Marie Émile Lacan nasceu em Paris, em 13 de abril de 1901, de família burguesa e católica. Formou-se em medicina, especializando-se em psiquiatria, e foi interno de Gaétean de Clérambaut, a quem considerava seu único mestre no campo psiquiátrico. Com a tese de doutorado La Psychose paranoïaque dans ses rapports avec la personnalité (1932; A psicose paranóica em suas relações com a personalidade), mostrou impressionante erudição e simpatia pela psicanálise, numa época em que preconceitos obstavam sua disseminação na França. A Linguagem e a Cultura na Constituição do Sujeito Os instintos dos animais não vacilam diante das estimulações, dispondo de respostas prontas e acabadas a tudo aquilo que, vindo do meio ambiente ou do interior do organismo, os afeta gerando algum incômodo ou produzindo um estado de excitação. Os animais não são tomados por vacilação quando afetados por algum acontecimento do seu meio nem se consomem em duvidas “existenciais”. O animal sabe comer quando tem fome, sabe se defender quando está em perigo, sabe procurar um parceiro para se acasalar; enfim, dispõe de um repertório de comportamentos, a maiorias herdados, que o habitam para a vida. Tal repertório é fixo na espécie e a homogeneidade dos comportamentos, derivada da herança, caracteriza a identidade da espécie no plano comportamental. Assim, uma vasa sabe ser uma vaca. Com o homem se passa algo totalmente diferente. Quando ao mundo, não sabe o que é, nem tem à sua disposição algum mecanismo biológico que lhe dê, por herança e sem a necessidade de alguma forma de apropriação, os recursos comportamentais mínimos para a sobrevivência. O home não vem ao mundo com um registro, já dado no seu organismo, de como se defender, busca o semelhante, associa-se, reproduzir, proteger a prole, amar e assim por diante. Todos aqueles comportamentos que aparecem espontaneamente nos animais, sem a necessidade de uma aprendizagem, nos homens são insuficientes para o enfretamento de toda a complexidade que o caracteriza. São poucos os comportamentos instintivos no homem, resumindo-se praticamente aos primeiros reflexos que operam no inicio da vida, como o da sucção. A Importância do Espelho na Constituição do Sujeito Como é sabido, o relacionamento da criança com o espelho por ora tomado como o espelho comum – passa ao longo do primeiro ano de vida, por transformações interessantes. Num primeiro momento, o bebê não demostra nenhuma atração por sua imagem refletida no espelho, como se não reconhecesse ali qualquer coisa especial capaz de chamar a sua atenção. Num segundo momento, sua reação diante do espelho se modifica: ele é tomado por uma intensa excitação, passa a observar atentamente o que vê ali, demostrando alegria e curiosidade por aquela imagem ainda não reconhecida como sendo a sua, mas como se fosse à de outra pessoa. Num momento seguinte, dá um passo adiante, procurando olhar atrás do espelho para certificar-se da existência dessa outra pessoa que visualiza na sua própria imagem. Começa a se evidenciar a suspeita da criança de que aquilo que aparece no espelho é apenas uma imagem; porém, ainda não reconhecida plenamente como sendo a sua própria. No estágio final, a criança é capaz de se reconhecer nela. O momento inicial da inexistência de qualquer interesse pela imagem refletida no espelho corresponde ao período da indiferenciação do bebê em relação ao mundo externo. Como é sabido, no inicio da vida, o bebê não consegue perceber-se como algo separado dos demais objetos do mundo. Não existe distinção entre sujeito/objeto, Eu/não Eu, mundo interno/mundo externo. Por isso mesmo, ele não demostra qualquer reação especial frente às imagens refletidas no espelho; no máximo as toma como qualquer outra formada na sua percepção e tida como mais uma do montante desse mundo indiferenciado. Subsiste, nesse período, um funcionamento psicológico comandado pelo narcisismo primário - investimentos afetivos que se ligam a objetos tomados como parte desse “Eu” soberano, grandioso, que abarca ou não se destaca do restante do mundo. O “Outro”, aquilo que residiria num espaço diferenciado, independente do sujeito, ainda não é instituído, como tal, no universo do bebê nesse período da indiferenciação. Sobre as Fundações Tomando a constituição do “Eu” como algo que emerge da presença do “Outro” e a questão da herança, discutidas anteriormente, é possível visualizar, na gênese do sujeito, como se formam os marcos de sua referência, como são criadas suas fundações. De imediato, é possível afirmar que os legados da herança transitam na rede de relações e são desejos impressos no sujeito por aqueles a quem está conectado, ou seja, pelos intérpretes encarregados de traduzir-lhes as imagens que emergem dessa relação, provendo-lhe representações de si próprios e do mundo. O desejo da mãe, que designará num primeiro momento o lugar da criança no mundo. Funciona como um desses marcos inaugural. A presença do pai, num segundo momento, deslocará a criança para um lugar próprio, distanciado da mãe e mantido sob o espectro da função materna e paterna. A aparição da função paterna estabelece outro marco de referência importante para o sujeito. Espelhismos, Heranças e Desejos na Educação Bertolt Brecht (1963), conhecido escritor alemão contemporâneo de Freud, retratou no conto “Diálogos dos exilados” a educação de uma forma muito provocativa e indulgente; porém, com a genialidade de um artista que consegue, com intuição e sensibilidade, penetrar no âmago das coisas, na mundaneidade. Escolhemos esse conto para ilustrar algumas questões básicas que saltam à vista num olhar lacaniano sobre a educação. Nele, Brecht retrata dois amigos falando sobre educação, conversando num café, como faziam toda manhã. Um deles começa a ler para o outro um trecho de seus escritos sobre experiências da infância na escola. Após expor seu ceticismo em relação à escola, situando-a como transmissora da prática e valores sustentadores de uma sociedade hipócrita e injusta, o personagem começa a descrever episódios de sua experiência escolar. Num deles, havia um professor que se deliciava em humilhar os alunos, lançando-lhes questões a que não conseguiam responder. Assim realizava sua onipotência, ostentando sua sabedoria diante da fragilidade os alunos. Certa vez, quando um supervisor visitou a sala para avaliar o trabalho do professor, como aconteciam rotineiramente, os alunos ficaram todos mudos e não responderam a nenhuma pergunta do supervisor, como se não tivessem aprendido nada da matéria ensinada. O professor ficou muito constrangido e, desse dia em diante, não foi mais àquela figura mesquinha.