Arq Sanny Pesq Saúde 1(1):38-48, 2008 ARTIGO ORIGINAL Excesso de peso e insatisfação com a imagem corporal em mulheres. Kalina Veruska da Silva Bezerra Masset1, Marisete Peralta Safons2 1. BACOR - Universidade Federal do Rio Grande do Norte 2. Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília – UnB Resumo A padronização coletiva do corpo esguio é instituída pelos valores sócio-culturais independente de sua adequação com as capacidades orgânicas individuais. As pessoas que fogem a este modelo tornam-se fonte de discriminação levando a insatisfação com sua imagem corporal e consequentemente submete-se a sua própria rejeição. O presente estudo piloto teve como objetivo verificar a relação entre excesso de peso e insatisfação corporal de cinco mulheres com sobrepeso, destacando os valores de padrão de beleza mais acentuados na insatisfação corporal e os fatores mais relevantes que intervém nas relações sociais. Foram utilizados como instrumento de coleta de dados a escala de silhuetas de Stunkard e método de história de vida solicitando um relato escrito (e oral) com descrições acerca do tema. Os resultados da escala de Stunkard não foram conclusivos por falta de objetividade nas respostas indicadas. Os relatos de vida apontaram uma acentuada insatisfação quanto a descrição corporal atual e a repercussão nefasta no estado emocional e nas trajetórias sociais. Constatou-se ainda que apesar dos efeitos negativos provocarem um grande interesse em modificar os hábitos cotidianos, eles permanecem impotentes diante da persistência em modificar o estilo de vida. Palavras chave: Imagem corporal, sobrepeso, relatos de vida. Abstract The collective definition of the slim body as a standard is established by social and cultural values, regardless of its adequacy to individual organic capacities. Those who don't fit in these models are target of discrimination which leads to dissatisfaction with their body image and as a consequence to their being subjects to their own self-rejection. The present pilot study aimed to assess how related excessive weight and body self dissatisfaction are in five overweight women, highlighting those values of beauty standards which are more strongly expressed in body dissatisfaction and the most relevant factors acting on social relations. Data collection methods included Stunkard's figure rating scale and written and oral life history reports about the theme. Life history reports have depicted a great degree of dissatisfaction regarding recent body descriptions and an extremely negative repercussion on emotional states and social trajectories. It has been observed that despite these negative effects have been causing a great interest of women in changing their daily habits, they are still powerless when facing the persistence in changing lifestyle Key words: body image, overweight, life histories. Masset e Safons, Excesso de peso e insatisfação com a imagem corporal. 38 Arq Sanny Pesq Saúde 1(1): 38-48, 2008 Introdução As pesquisas sobre imagem corporal foram desenvolvidas inicialmente nas áreas da neurofisiologia evoluindo para os âmbitos da psicologia e sociologia em virtude da interação de uma multiplicidade de parâmetros em seu processo de construção, dando origem a inúmeras abordagens metodológicas e conceituais. O tema ultrapassou as limitações da esfera dos estudos iniciais transpondo-o para os setores da fenomenologia, psicanálise e filosofia tendo, portanto diferentes interpretações1. Apesar dos diversos significados e focos da imagem corporal e as divergências ou controvérsias conceituais estudadas no contexto científico, ela representa todas as formas pelas quais o ser humano experiencia e conceitua seu próprio corpo, situando-o no contexto existencial individual na relação com outras imagens corporais. Ela se compõe em conexão com uma organização cerebral integrada, influenciada por fatores sociais, culturais e psicodinâmicos. Tais fatores são interrelacionados com o desenvolvimento da percepção e da identidade corporal elaborada ao longo da vida, por meio de experiências associadas às sensações internas e externas ao universo do corpo 2. A imagem corporal não se restringe a uma construção cognitiva, mas também abrange “uma reflexão dos desejos, atitudes emocionais e interação com os outros”3. Dentro da evolução histórica nas tentativas de se definir imagem corporal, pode-se dizer que esta é considerada atualmente como um conceito multidimensional, complementando as junções de várias investigações. Componentes dos conceitos Esquema Corporal e Imagem Corporal O interesse principal dos estudos da imagem corporal foi fundamentado inicialmente em aprofundar as questões sobre sensações provocadas pela posição do corpo, seu modelo postural e sua localização em relação ao espaço. Portanto a Neurologia e a Fisiologia se apropriaram dos avanços nos estudos dando ênfase aos mecanismos cerebrais relacionados à imagem tridimensional que todos têm de si. Isto favoreceu o aparecimento do termo "Esquema Corporal" usado por Henry Head para designar a organização neurológica na qual “cada indivíduo constrói um modelo ou figura de si mesmo que constitui um padrão contra os julgamentos da postura e dos movimentos corporais”4. Schilder em 1935 vem enriquecer tais trabalhos iniciando a reflexão sobre a influência dos eventos diários na construção da imagem corporal sem restringi-la a fatores patológicos. Ele aborda os aspectos psicológicos e sociológicos inerentes às relações humanas valorizando consequentemente a influência da variedade das experiências e situações. Para Schilder "a imagem subjetiva do próprio corpo formada na nossa mente, enquanto objeto único não é apenas perceptiva, é construída de forma dinâmica a partir das interações sociais e segundo os padrões de uma cultura"5. Esta abordagem valoriza aspectos envolvidos na personalidade sejam eles conscientes ou inconscientes 5,6. A partir desta nova abordagem, os termos Esquema Corporal e Imagem Corporal passam então a coexistir, sendo o primeiro utilizado predominantemente na neurologia e o segundo na psicologia. Porém na última década Cash7 e 8 Rosen estudaram fatores implicados na imagem corporal através da avaliação da história do desenvolvimento neurofiosiológico complementada pela avaliação da história pessoal (atitude corporal e constituição do autoconceito). Apesar dos dois termos terem algumas peculiaridades distintas, eles se correlacionam pelo ajuste contínuo entre a dimensão simbólica e imaginária da imagem corporal e o caráter neurológico e sensorial do esquema corporal. Isto é demonstrado por Fisher em 1986, por meio da interferência dos fatores emocionais no desenvolvimento e ordenação dos componentes neurais do Masset e Safons, Excesso de peso e insatisfação com a imagem corporal. 39 Arq Sanny Pesq Saúde 1(1): 38-48, 2008 esquema corporal9. Para a elaboração do conceito de imagem corporal, Slade considera os parâmetros associados às normas sociais e culturais, a história sensorial para experiência corporal, o histórico das alterações de peso e a atitude individual em relação ao corpo, além das variáveis cognitivas, afetivas e biológicas. Pode-se entender que o caráter separatista dos dois conceitos pode implicar na fragmentação da integração entre os mesmos, negando a influência de um sobre o outro. Construção e reconstrução da Imagem Corporal O indivíduo se constrói e se reconstrói em seu diálogo com o mundo, em seu movimento de fazer-se e refazer-se constantemente em meio às múltiplas sensações táteis, de motilidade, visuais e sinestésicas, justificado pela característica de labilidade que a imagem corporal possui10. Portanto, para se remeter aos conhecimentos sobre a imagem corporal tal como será tratada no presente estudo, é necessário percorrer de forma sinuosa e complexa as conexões entre as múltiplas dimensões segmentadas na concepção da identidade do corpo e de seu progressivo desenvolvimento, movido pelas sensações2. Apesar de tais sensações serem desenvolvidas pelos sentidos, a percepção que tem um papel inexorável de captura dos significados, não vai limitar-se em traduzir sensibilidade ou imaginação no contexto das figurações ou representações do corpo. A percepção vai extrapolar o entendimento de sua etimologia e valorizar o caráter dinâmico representativo e simbólico do homem, assim como seus processos inconscientes, memória, 9 sensibilidade e emoções . É através da percepção de como o corpo se apresenta para si próprio e se conceitua, e de como o mesmo experiencia sua existência na relação com os outros corpos, que imagem corporal se alicerça mentalmente. Nesta perspectiva o corpo já não pode ser mais considerado isoladamente como uma entidade estática, mas devendo ser abordado no seu contexto próprio. A imagem do corpo é a síntese viva das experiências dos seres humanos e é indissociável de suas emoções2. Além disso, a existência do caráter pessoal fortalece a formulação da imagem corporal sendo "específica a cada um", por ser intimamente "ligada ao sujeito e a sua história"11. Por esta razão, é sensato ressaltar o movimento de sucessiva reconstrução ao qual a imagem corporal é submetida, alterando-se constantemente e conservando-se íntegra somente o suficiente para transformar-se novamente em seu diálogo com o mundo12. Em outras palavras, a construção de algo só é possível quando a destruição se renova, sendo característica geral das pulsões e de suas forças construtivas. Schilder novamente vai conduzir a noção de recriar-se e ressignificar-se como busca de reconstrução como expõe: "[...] a destruição é uma fase parcial da construção, que é o projeto e a característica geral da vida. Destruímos para reconstruir"10. Esses aspectos preservam fortemente o caráter qualitativo do contexto da imagem corporal. Portanto, é impossível atingir um entendimento sobre esta à partir de dados puramente quantitativos pois sua essência se caracteriza singular e indivisível2. Sociedade e estigmas do corpo Desde o século passado ocorre nas sociedades ocidentais um aumento considerável no número de pessoas acima do peso corporal para os parâmetros de saúde. Revela-se, portanto, a estatística dos riscos somáticos associados a esta nova epidemia colocando a questão em primeira linha de preocupação das instituições de saúde13. Estes números, justificados pelas probabilidades, são então, virtuais enquanto o corpo do “sobrepeso”, ou este cuja mensuração entra nas categorias extremas, permanece bem real e concreto e se expõe Masset e Safons, Excesso de peso e insatisfação com a imagem corporal. 40 Arq Sanny Pesq Saúde 1(1): 38-48, 2008 imediatamente ao julgamento de olhares. É neste corpo que se prova as sensações e as emoções que pontuam cada uma de suas trocas com seus interlocutores e com o ambiente14. Este corpo se confronta aos valores culturais intrínsecos e aos padrões de beleza instituídos pela sociedade contemporânea. Ainda que se resguarde a existência de extratos sociais que não cultuam o corpo magro como padrão de beleza, a concepção desta norma corporal e a valorização excessiva do corpo "modelo" permanecem no discurso hegemônico. Os valores relacionados essencialmente ao peso e forma corporal são gradativamente incorporados ao longo da vida em ações cotidianas, cultuando a padronização coletiva do corpo ideal, independente de sua conformidade com as capacidades orgânicas individuais. Eles são providos pela fantasia do desejo de perfeição (associado geralmente ao sucesso), são cotidianamente sustentados pela mídia como apresentam os estudos de Ferris em 200315. A idéia de fracasso é frequentemente atribuída aos corpos que transgridem a aparência imposta pelas medidas dos critérios corporais atraentes e torna-se fonte de preconceito e de rejeição. Neste sentido, pessoas que fogem a norma do “ideal” enfrentam a "desigualdade" com lucidez ressoando dolorosamente em sua vivência individual e emocional desencadeando ansiedade, angústias e frustrações16. Isto ocorre porque o modelo de corpo ideal difere frequentemente da potencialidade corporal real e consequentemente esta realidade gera desconforto e provoca sofrimento, induzindo a exclusão social ou depressão na maioria dos casos. Sutilmente a originalidade e a identidade corporal são desconectadas minimizando o movimento individualizado, reconhecido como essencial para o desenvolvimento e a transformação humana2. O desejo pelo emagrecimento é mais acentuado em função da idade e do gênero, como comprova o estudo de Frost, onde mulheres mais jovens demonstram maiores problemas por não satisfazerem aos ideais estéticos17. Em outros artigos com utilização de teste de múltipla escolha, mães de crianças obesas são classificadas como 18,19 20 preguiçosas . Segundo Adams , o mundo social discrimina cotidianamente indivíduos não atraentes (para os padrões de cada sociedade) enquanto os atraentes parecem beneficiar-se de bons tratos. Grande parte dos estudos atuais sobre a imagem corporal se concentram principalmente no interesse em investigar os distúrbios da imagem corporal ou autopercepção desta utilizando com frequência o desenho da figura humana21,22, questionários23-25, pesquisas valendo-se de ou testes29. Poucos escalas26-28 30 pesquisadores utilizam entrevistas ou o método biográfico nos estudos da imagem do corpo dialogando com outras áreas como a psicologia e a sociologia numa abordagem qualitativa31. Além dessas limitações metodológicas, esses instrumentos de investigação são habitualmente empregados separadamente em suas categorias de avaliação subjetiva (sentimentos e as atitudes em relação ao corpo) e avaliação perceptual (percepção do tamanho e da forma corporal). Neste sentido, este estudo teve como objetivo verificar a relação entre excesso de peso e insatisfação corporal de mulheres, bem como destacar os valores de padrão de beleza mais acentuados na insatisfação corporal, apontando os fatores mais relevantes que intervém nas relações sociais. Material e Métodos Participantes Inicialmente concordaram em participar do estudo nove mulheres residentes na cidade de Natal-RN, exatletas, sedentárias há mais de dois anos, apresentando sobrepeso, sem presença de transtornos alimentares, pacientes reincidentes de orientação nutricional de diferentes clínicas da cidade. Foram Masset e Safons, Excesso de peso e insatisfação com a imagem corporal. 41 Arq Sanny Pesq Saúde 1(1): 38-48, 2008 excluídas da amostra as mulheres que tinham sido submetidas à cirurgia de restrição gástrica ou estética, e com uso frequente de medicação para fins de emagrecimento. Assim, o grupo ficou reduzido a cinco participantes. Tabela 1. Caracterização das Mulheres Participantes Quanto à Idade, Escolaridade, Peso real e Peso desejado e Índice de Massa Corporal (IMC) e % de Gordura coporal. P1 P2 P3 P4 P5 Idade (anos) Peso (kg) Escolaridade (concluído) Real 39 37 36 37 37 3º grau 3° grau 2° grau 3° grau 3º grau Instrumentos e procedimentos Para avaliação da insatisfação com a imagem corporal foram utilizados os seguintes métodos: Medida do IMC O índice de massa corporal (IMC) foi calculado a partir das medidas de massa e estatura medidos nos consultórios frequentados pelas participantes da amostra por meio da fórmula: Massa corporal (Kg)/ Estatura² (m) Escala de silhuetas proposta por Stunkard et al.32. O procedimento consiste em pedir a participante para indicar em um conjunto de figuras femininas de corpulência 72 79 97 80 71 Peso (Kg) Meta pessoal 62 65 77 65 62 IMC 29,47 28,35 29,93 29,41 27,73 crescente numeradas de 1 a 9, a forma que represente sua imagem corporal atual segundo sua percepção (Figura 1). Em seguida a participante deve apontar na mesma escala outra figura que corresponda a imagem corporal idealizada. Para este efeito foram feitas as seguintes perguntas: - Qual é a silhueta que melhor representa a sua aparência física atualmente? - Qual é a silhueta que você gostaria de ter? O avaliador isentou-se de opinião na escolha das silhuetas. Para codificar a insatisfação com a imagem corporal, o método propõe que seja efetuada a diferença entre a silhueta atual (SA) e silhueta ideal (SI), apontadas pelo indivíduo. Figura 1. Conjunto de silhuetas femininas propostas por STUNKARD32 Masset e Safons, Excesso de peso e insatisfação com a imagem corporal. 42 Arq Sanny Pesq Saúde 1(1): 38-48, 2008 Relatos (Histórias de Vida). Para destacar a insatisfação da imagem corporal, a abordagem qualitativa foi fundamentada no método da história de vida da narradora, contada através de relatos escritos com complementação oral, que descrevem o processo de formação da imagem corporal no decorrer da vida dando ênfase em determinados momentos e em interesses específicos. As histórias de vida abrangem um conjunto de práticas associadas à pesquisa e a construção do sentido a partir de fatos temporais pessoais e/ou coletivos. Este método tem o objetivo de procurar no indivíduo os elementos ou fatores de sua vida correspondentes ao assunto pesquisado, assim como as aptidões para tirar do seu ambiente as ferramentas necessárias para o exercício do pensamento33. O termo "história de vida" tem, no entanto o inconveniente de não ser distinguido entre a história vivida pela pessoa e o relato contado por ela sobre o que viveu. O relato de vida resulta uma forma particular de entrevista, a "entrevista narrativa" durante a qual o "pesquisador" pede a pessoa denominada "sujeito" de contar-lhe tudo ou uma parte de sua experiência vivida. O presente estudo não tem a intenção de captar o interior dos esquemas de representação, mas se interessa pelos fenômenos ideológicos e culturais numa idéia de duração e paralelamente um fragmento particular da realidade sóciohistórica. Pretende-se com este método compreender como este contexto funciona e como se transforma, enfatizando as configurações dos fatos sociais, os mecanismos, os processos, as lógicas de ação que os caracterizam. Este procedimento foi escolhido por ter a possibilidade de favorecer a articulação entre fenômenos intra-psíquicos e sóciopsíquicos envolvidos na (re)construção da identidade, além de convidar o sujeito da narração a se situar diante de sua existência34. Para esta pesquisa foi solicitado um relato escrito norteado por um tema principal: aspectos relacionados à insatisfação corporal. No momento da entrega do relato, a participante teve a liberdade de ler e comentar sobre seus escritos complementando suas narrações oralmente, sendo tais considerações igualmente anexadas aos relatos escritos. Os relatos foram avaliados e interpretados com adaptação da metodologia da análise do conteúdo, com formação de categorias representativas reveladas nos relatos, propondo um ensaio de codificação. Neste processo os dados brutos se transformam e se agregam em unidades que permitem uma exposição exata das características relevantes do conteúdo. Esta técnica se propõe a analisar, interpretar e classificar o manifesto da comunicação, sendo um procedimento básico da investigação qualitativa35. Resultados Escala de Silhuetas As figuras 2 a 6 mostram os pontos em que as pacientes assinalaram na escala de silhuetas de Stunkard, e a tabela 2 mostra a relação entre o IMC e os valores assinalados na escala. Figura 2. Indicação das silhuetas pela paciente 1 (P1). Figura 3. Indicação das silhuetas pela paciente 2 (P2). Masset e Safons, Excesso de peso e insatisfação com a imagem corporal. 43 Arq Sanny Pesq Saúde 1(1): 38-48, 2008 Figura 4. Indicação das silhuetas pela paciente 3 (P3). Figura 5. Indicação das silhuetas pela paciente 4 (P4). Figura 6. Indicação das silhuetas pela paciente 5 (P5). Tabela 2. Condição de insatisfação com a imagem corporal segundo a percepção pessoal por meio da Silhueta Atual e Ideal relacionado ao IMC. P SA SI INSATISFAÇÃO IMC P1 5-6 3-4 2-1 ou 3-2 29,47 P2 5 3-4 2-1 28,35 P3 5-6 3 2-3 29,93 P4 6 3-4 3-2 29,41 P5 6-7 3 3-4 27,73 Legenda: P: Participante; SA: Silhueta Atual; SI: Silhueta Ideal Discussão A escala de silhuetas de Stunkard utilizada para verificar a insatisfação corporal, apresentou resultados inexpressivos quanto sua exatidão. Todas as participantes ofereceram pelo menos uma das respostas inseridas entre duas numerações correspondentes a silhueta atual (SA) ou a silhueta ideal (SI). Das quatro participantes excluídas, uma delas também apresentou dado semelhante, apesar de não ter sido considerado neste estudo. Portanto não foi possível traçar um perfil do grupo por meio desse método, nem de estabelecer um dado conciso quanto diferenças entre as silhuetas, visto a falta de precisão nas respostas (tabela 2 e figuras 2 a 6). Outros estudos precedentes já citaram algumas limitações quanto a bidimensionalidade do método e sua limitação visual em relação a distribuição de gordura e os aspectos antropométricos, informações bastante relevantes da construção da imagem corporal27,36. Porém a nosso conhecimento nenhum deles apresentou o tipo de restrição apresentado no presente estudo. Apesar desta limitação metodológica, pode-se comprovar a insatisfação da imagem corporal relacionada ao excesso de peso por meio das narrações contidas nos relatos. Na categorização da “Descrição corporal atual”, percebe-se que as subcategorias da forma e tamanho corporais têm indicadores citados pelo menos duas vezes por todas as participantes, sobretudo a subcategoria com indicadores de insatisfação em partes específicas do corpo (região da face, braços, coxas e quadris). A participante cinco (P5) demonstra menos insatisfação ao descrever-se, e isto se deve provavelmente por seu IMC ser menor que das demais participantes. Porém ela expressa o mesmo nível de exigência que seus pares quando discorre sobre a categoria dos padrões de beleza quanto à forma, volume e partes específicas do corpo. Ainda nesta categoria pode-se encontrar os mesmos traços físicos dos padrões de beleza referidos em estudos anteriores na literatura37-42, descrevendo o tipo físico ideal associado aos baixos peso e percentual de gordura corporal. Masset e Safons, Excesso de peso e insatisfação com a imagem corporal. 44 Arq Sanny Pesq Saúde 1(1): 38-48, 2008 Relatos escritos (com complementação oral) Tabela 3. Resumo dos relatos escritos e orais sobre a percepção da insatisfação da imagem corporal Categoria Subcategoria Forma Indicadores Estou redonda, uma bola, inflada Estou me sentindo disforme pelo peso adquirido, deformada sem me reconhecer Tamanho Não tenho mais roupa confortável, só uso saias agora, não cabe mais nada, me achando enorme Descrição Vergonha das roupas largas corporal Partes do Impressão que meus braços estão atual corpo desmanchando; não dou tchau Minhas coxas incomodam quando ando Algumas cadeiras me apertam Meu queixo e meu pescoço estão um só, estou com o rosto emendando com o pescoço Forma Fazer músculos Ser como era antes, ser magra, pelo Tamanho menos perder 10 kg Padrões de Diminuir a “barriga” beleza Partes do Coxa bem torneada corpo Braço mais musculoso Diminuir a celulite no corpo Como a mesma coisa e às vezes mais Não me olho mais no espelho Hábitos Não subo mais na balança Tenho muita vontade de mudar Reações Muito insatisfeita, irritada, quadro de depressão Estado Ansiosa, angustiada, desanimada emocional Não posso duvidar de mim, me pergunto se vou conseguir sair disso Reclamações com o que como Pressão da família pra que eu emagreça logo Ninguém acredita em mim Família Discussões por causa do sobrepeso Ele tem pena de mim Relações Fazem piadas sociais Trabalho Fazem piadas Não tenho vontade de sair de casa Só saio para comer Lazer Evito o olhar das pessoas Vergonha de fazer atividade física, é feio um gordo fazendo exercício Somatória das respostas por participantes Legenda: FR = frequência de respostas Participantes P1 P2 P3 X X X X X X P4 X X X X P5 X Fr 4 5 2 X X X X X X X X X X 4 X X X X X X X 3 4 X X X X X X X X X X 5 5 X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X 5 5 5 5 5 4 5 5 4 X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X 23 27 30 30 Masset e Safons, Excesso de peso e insatisfação com a imagem corporal. X X X 17 3 5 5 3 5 2 4 1 5 3 4 1 3 5 45 Arq Sanny Pesq Saúde 1(1): 38-48, 2008 Muitas pessoas iniciam programas de exercício físico quando se encontram insatisfeitas com a imagem corporal43,44. No entanto no presente estudo, percebese na categoria “Reações” que apesar de acentuada a insatisfação corporal e relevante interesse em modificar os hábitos de vida, o impacto permanece impotente diante de uma espontânea mudança de vida. Pode-se antecipar que para o grupo estudado, o fato de ser consciente do comprometimento da qualidade de vida ainda no ponto de vista emocional, não provoca alteração no cotidiano e inversamente, agrava o quadro de angústia e ansiedade. Pode-se suspeitar que a interferência da insegurança gerada em presença do histórico de tentativas e desistências tão característico de pessoas com intenção de se reconstruir, está implicada neste processo, mas provavelmente exista alguma correlação com a nítida rejeição e negação da própria imagem constatadas na mesma categoria. Muito embora o estudo não tenha propriedades suficientes para comprovar estas possibilidades, sabe-se que a ruptura afetiva com o próprio corpo gera uma desvinculação com sua identidade corporal, que consequentemente compromete o desenvolvimento humano e afeta o estado emocional (2). Este também é comprometido em virtude dos conflitos nas relações sociais, como se pode observar na cobrança da própria família pela aparência física dentro dos padrões de beleza vigentes, do emagrecimento rápido e efetivo, no desdém dos companheiros de trabalho e na auto-exclusão social (restrição do lazer e a fonte de prazer). Por outro lado, o ensaio da utilização da metodologia dos relatos de vida em integração com a análise do discurso procurou atender as características relacionadas a imagem corporal. Em meio às múltiplas abordagens na qual ela é inserida, a conduta descritiva favorece uma abrangência mais integrada de seus componentes visuais e táteis, seus elementos afetivos e emocionais bem como seus aspectos sócio-culturais e cognitivos. Além disso, o processo autobiográfico beneficia o movimento semântico de se reinventar pela sua própria escrita. Ele promove a tomada de consciência permitindo ao indivíduo situarse em seu contexto com maior liberdade, responsabilidade e autonomia45. É uma tentativa de reconciliar-se com sua identidade através dos vínculos de sua existência em um processo realizado pelo sujeito para dar sentido à vida. Cabe então considerar nesta busca metodológica conotações de evolução, mudança, linearidade e ruptura, que caracterizam a imagem corporal para facilitar a preparação dos projetos pessoais de indivíduos em busca de uma orientação46. Conclusão Apesar do método da escala de silhuetas não ter sido conclusivo quanto a insatisfação com a imagem corporal, o método autobiográfico pode comprovar a relação do excesso de peso com a insatisfação corporal, assim como os valores relevantes nos padrões de beleza e seu efeito nas relações sociais. Os resultados deste ensaio são no entanto restritos considerando o pequeno número de participantes e a uniformidade das características corporais das mesmas. Por esta razão não foi considerado nenhum tratamento estatístico em relação a somatória das respostas nos relatos. Outros estudos mais aprofundados e com um maior número de partcipantes é sugerido para que a metodologia qualitativa possa tomar mais consistência no universo científico da imagem corporal. Referências Bibliográficas 1. PAILLARD, J.; FLEURY, M.; LAMARRE, Y. Are body schema and body image functionally distinct ? Evidence from deafferented patients. Resumo publicado nos anais do evento: Bases neurologiques du codage de l'espace et de l'action. Lyon, France, Ecole Normale Supérieure, 22-24 March 2001. Acessado em http://www.lyon151.inserm.fr/symposium Masset e Safons, Excesso de peso e insatisfação com a imagem corporal. 46 Arq Sanny Pesq Saúde 1(1): 38-48, 2008 534/posters/43paillard .html. Disponível em 14 de maio de 2002. 2. TAVARES, M.C.G.C.F, Imagem Corporal : Conceito e Desenvolvimento. Barueri, SP: Manole, 2003. 3. SCHILDER, P. F. The Image and the Appearance of the Human Body: Studies in Constructive Energies of the Psyche. London: Trench e Trubner, 1935. 4. FISHER, S. 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