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RELAÇÃO ENTRE OS EFEITOS JURÍDICOS E PSICOSSOMÁTICOS
DO ASSÉDIO MORAL
BRUNA KARLA LIMA DE SIQUEIRA
RESUMO
O objetivo do presente estudo é analisar os efeitos jurídicos e psicossomáticos
gerados pela forma mais primária de tratamento nas relações entre os homens: a
violência moral no âmbito empresarial.
PALAVRAS-CHAVE: assédio moral, dignidade, saúde, transtornos mentais, acidente
de trabalho, prevenção.
ABSTRACT
The objective of this study is to analyze the legal and psychosomatic effects caused
by the most primitive form of treatment in relationships among men: moral violence in
business sphere.
KEYWORDS: mobbing, dignity, health, mental disturbance, work accident,
precaution.
INTRODUÇÃO
Os homens criaram as regras para viver com o mínimo de segurança e
tranqüilidade, mesmo sabendo que tais regras trazem consigo certas limitações. O
direito foi a melhor maneira que eles encontraram para que pudessem viver bem e
em paz, baseando-se, sobretudo, no respeito mútuo e acompanhando sempre as
modificações culturais na sociedade. Entretanto, atualmente, o direito está longe de
ser algo que garanta o bom relacionamento entre os indivíduos, sendo mais
referência para brigas e discussões. Aliás, é vislumbrado, ultimamente, como fonte
de decisões injustas e desconexas com a realidade.
Um dos maiores motivos para tanta discórdia e descrença no direito é a
extrema racionalização pela qual passou a ciência jurídica. A antiga preocupação
dos juristas com o relacionamento das pessoas e do que é realmente importante
para a sociedade deu lugar à mera exposição de fórmulas jurídicas através de
códigos e leis esparsas. O direito deve acompanhar as mudanças sociais e, se as
leis não mudam, devem-se ao menos mudar sua interpretação, sempre em prol da
sociedade. Cabe ao operador do direito, portanto, captar a mudança do pensamento
das pessoas, visando a aplicar as leis de maneira mais justa e necessária a
determinado caso.
Em outras palavras, uma formação interdisciplinar é essencial para uma
boa atuação do jurista. E o assédio moral é o maior exemplo de inter e
multidisciplinaridade. Isso porque outras ciências humanas, como a psicologia,
psiquiatria e medicina do trabalho, fizeram nascer os primeiros estímulos capazes
chamar a atenção do Direito em matéria de assédio, este tão antigo quanto o próprio
trabalho.
A tão conhecida frase o “homem como lobo do homem” é bastante
elucidativa para o tema do assédio moral, uma vez que é o próprio indivíduo o
agente causador do dano perverso. De execução muitas vezes disfarçada e sutil,
mas sempre dolosa, o assédio moral é perpetrado por indivíduos geralmente
despreparados para o exercício da chefia e portadores de distúrbios de
comportamento. Envolve atos reiterados que visam atingir a auto-estima do
trabalhador, sua honra, intimidade e dignidade, desestruturando suas defesas
psíquicas e somáticas.
Nesse contexto, o estudo tratará especialmente sobre a repercussão do
assédio moral afetando diretamente a saúde do trabalhador, seja ela física ou
mental, bem como a repercussão no mundo jurídico.
1. Noções Gerais de Assédio Moral
1.1. Conceito e características
Pautando-se em deveres gerais do empregador para com seus
empregados, diga-se, inicialmente, que seria o de criar um ambiente de trabalho
saudável. Tal se verifica não apenas na qualidade das instalações físicas, mas
também, e principalmente, na harmonia emocional entre todos os trabalhadores.
Não se pode negar, contudo, que alguns desentendimentos e pequenas
desarmonias são normais. O que não se afigura razoável é o excesso e o
extraordinário. Assim, o julgador, diante de um caso concreto, deve-se perguntar se
há relevância naquele caso, ou seja, se houve efetivamente uma extrapolação dos
limites do razoável; ou se tudo não passa de um mero aborrecimento ou transtorno.
Abrindo desde já um parênteses bastante oportuno e necessário, é por
essa razão que o assédio moral vem sendo banalizado, e isso se constata com os
inúmeros pedidos de indenização por dano moral e que já ultrapassa o pedido de
horas extras no âmbito da Justiça do Trabalho, antigo campeão das reclamações
trabalhistas. Não se deve confundir simples conflitos esporádicos ou mesmo más
condições de trabalho, com o assédio moral propriamente dito. Pequenos
desentendimentos, repita-se, são comuns em qualquer tipo de associação de
pessoas, porém, a reiteração de condutas abusivas e vexatórias com o fito de
prejudicar o obreiro é que rompem a harmonia acima mencionada e caracteriza o
assédio moral (ZANGRANDO, 2008, p. 1075).
Dito isso, e deixando de lado tal pensamento que banaliza esse grave
fenômeno, é de se dizer que o assédio moral trata-se de um fato bem conhecido por
todos, mas ainda pouco discutido, se levarmos em consideração a gravidade que
muitos casos expressam, sendo recente seu reconhecimento e em alguns países
sua reparação.
Assim, destacamos o conceito do assédio moral fornecido pelo sítio de
pesquisa www.assediomoral.org: “(...) a exposição dos trabalhadores e
trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas
durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns
em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas
negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes
dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o
ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego (...).”
Várias nomenclaturas podem ser utilizadas como sinônimo do assédio
moral, denotando a importância do tema em diversos países, como, por exemplo:
harcèlement moral (assédio moral), na França; bullying (tiranizar), na Inglaterra;
mobbing (molestar), nos Estados Unidos e na Suécia; murahachibu, ijime
(ostracismo social), no Japão; psicoterror laboral, acosso moral (psicoterror laboral,
assédio moral), na Espanha (TARCITANO e GUIMARÃES, 2004, p.5).
As consequências jurídicas do assédio moral só vieram a ser
reconhecidas pioneiramente na década de 1990, em que a psicanalista e
vitimologista francesa Marie-France Hirigoyen lançou na França um estudo
detalhado sobre o fenômeno, intitulado “Assédio moral: a violência perversa do
cotidiano”. Para essa estudiosa, as microagressões pressupõem, à primeira vista, a
ideia de pouca gravidade, porém, se praticadas de forma sistemática, tornam-se
destrutivas para qualquer ser humano.
Através de uma conduta lesiva capaz de criar um ambiente de trabalho
hostil expondo o empregado a situações reiteradas de constrangimento e
humilhação, o empregador, ou até mesmo um preposto seu, acaba por ofender a
saúde física e mental do obreiro. Diz-se física porque muitas vezes tal fenômeno
desencadeia para o empregado problemas de saúde de ordem orgânica, e não
somente de ordem psíquica, não obstante este seja o mais comum.
Assim, finalmente, podemos conceituar o fenômeno do assédio moral
como sendo uma exposição prolongada e constante dos trabalhadores a situações
vexatórias, humilhantes e degradantes durante o exercício de suas funções no
ambiente de trabalho. Ou seja, uma das características que se pode destacar do
assédio moral seria justamente a exposição excessiva e contínua da vítima de modo
a afetar diretamente o exercício profissional.
Imperioso destacar a figura do assediador que, na maioria das vezes, é
um chefe; porém, como se verá mais adiante, pode ser o próprio colega de trabalho,
que, por se achar em situação privilegiada, corrobora com as práticas do assédio
moral. Num ou noutro caso, segundo estudos da OIT, o assediador caracteriza-se
pela agressividade, podendo adotar atitudes menos chamativas, tais como o
desprezo, a ironia ou obsessão em demonstrar aos outros reiteradamente, o poderio
da função que exerce, utilizando-se de mecanismos perversos para se defender
(NASSIF, 2006, p. 732).
Seu perfil, por assim dizer, denota uma personalidade narcisista que,
vivendo uma verdadeira crise existencial, ataca a auto-estima do outro e maximiza
seus defeitos, transferindo-lhe uma dor que não admite em si mesmo. Em realidade,
essa crise nasce da contradição entre aquilo que ele é e aquilo que ele gostaria de
ser. Muitas vezes ele é um indivíduo com personalidade dura e impermeável à
existência de um grupo social que o rodeia, indiferente a tudo o que acontece no
meio laboral, e gostaria de ser aquele indivíduo especial, portador de grande
admiração por seus colegas de trabalho e de poder ilimitado para fins de controle
sobre estes (NASSIF, 2006, p. 732).
Um profundo sentimento de inveja – motivo da grande maioria dos casos
de mobbing – toma conta do agressor, como expõe com excelência Suzana J. de
Oliveira Carmo: “(...) Decerto, a inveja, é o mais aniquilador dos instintos do homem.
Falamos em instinto, porque a inveja retira do ser sua racionalidade, quando seu
único desejo é a destruição daquilo que lhe parece bom e melhor, do que ele
mesmo, ou, do que possui. (...) Compondo par com a rivalidade e competitividade, a
inveja traz à tona do indivíduo, primeiramente, um profundo desprezo pessoal, como
se não houvesse nada admirável em si, e como se não houvesse espaço para
subsistência de dois ou mais valores concomitantes, ou seja, ele e a vítima. Talvez,
o invejoso empregue a si o uso extremado das palavras ‘eu não’. Eu não sou, eu
não tenho, eu não posso, eu não consigo. Daí surge um outro chavão
costumeiramente utilizado: ‘eu vou’. Eu vou humilhar, eu vou ofender, eu vou
menosprezar, eu vou desdenhar, por fim, eu vou destruir (...)”
Já o perfil do assediado é de uma pessoa insegura, pois teme a todo
momento a desaprovação das pessoas, tendendo a se culpar por tudo de errado
que acontece em seu redor. É, por outro lado, uma pessoa inocente porque busca a
admiração de todos, acredita nos seus colegas, é solidário, tem uma grande autoestima e geralmente uma capacidade superior ao dos demais, o que desperta ainda
mais a inveja do ofensor, achando este que a futura vítima é uma ameaça no
ambiente em que trabalha (TARCITANO e GUIMARÃES, 2004, p. 23).
Outra característica e não menos importante do fenômeno é a
necessidade que possui o assediador de uma “plateia”, com o objetivo de focalizar e
destacar a vítima como a única culpada no ambiente em que labora,
responsabilizando-a, ela própria, pela situação de segregação em que vem sendo
constantemente submetida (DA ROSA, p. 8).
O assediador, nesse contexto, busca influenciar os colegas de trabalho da
vítima, bem como outros superiores hierárquicos, a fim de que obtenha o apoio
necessário a constranger e isolar o assediado. Ou seja, a vítima é simplesmente
isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada e
desacreditada diante dos seus colegas de trabalho. Estes, por medo do desemprego
e da humilhação de que também podem ser vítimas, sofrem grande influência do
ofensor, rompendo os laços afetivos com a assedidado, muitas vezes acabando por
reproduzir os atos do agressor no ambiente de trabalho.
Percebe-se, então, o negativismo imposto ao obreiro por dois lados: pelo
agressor ao persuadir outros trabalhadores para reforçar e apoiar o comportamento
perverso, e a própria “plateia” ao instigar ainda mais o assediador a reiterar tais
condutas, até conseguir chegar ao seu intento. Por esse motivo, a vítima vai
passando por um processo cancerígeno. Inicialmente, se vê isolada de todo o grupo,
em seguida vai paulatinamente se desestabilizando, se fragilizando, perdendo sua
auto-estima, e, por fim, não suportando mais essa situação, se sente obrigada a
deixar seu emprego ou, numa decisão mais grotesca, a se suicidar, como veremos
em tópicos seguintes.
De forma mais detalhada, podemos dizer que inicialmente a vítima é
escolhida para servir de “exemplo” no meio de trabalho, sendo a ela dirigido algum
tipo de conflito. Tal conflito dá origem ao mobbing propriamente dito, no qual o
perseguidor ainda não causa na vítima qualquer tipo de sintoma, todavia vai gerando
nela um sentimento de desconforto e afastamento do grupo, colocando-a desde já
numa posição de defesa. Gradativamente, as situações vão se repetindo contra o
mesmo indivíduo, e junto com ele começam a surgir os sintomas psicossomáticos,
acompanhados sempre de um forte sentimento de insegurança, insônia e problemas
digestivos, entrando em leve estado depressivo. A vítima, então, fecha-se em seu
próprio mundo, aterrorizada com o ambiente com que é obrigada a vivenciar todos
os dias. Observa-se, então, a piora na saúde com síndromes psicopatológicas de
variadas origens, e, por fim, a saída do “mobbizado” de seu local de trabalho,
levando consigo, e para toda a vida, o trauma de uma relação de emprego, com
consequências gravíssimas de ordem salutar (TADEU, 2007, p. 7/9).
Em meio a uma detalhada pesquisa jurisprudencial, facilmente se
constatam exemplos comuns e dos mais variados de assédio moral, prova cabal de
que estes atos muitas vezes são mais lucrativos para a grande massa de
empregadores, os quais relegam a saúde mental de seus subordinados a um
segundo plano. São exemplos típicos de assédio moral, portanto a ofensa verbal
constante1; confinamento proposital do empregado em sala afastada, sem real
necessidade; humilhação como decorrência do acidente de trabalho sofrido 2;
diminuição injustificada da autonomia a que faria jus; cobranças individuais, diárias e
constantes por metas, de modo grosseiro3; ócio forçado4; revista íntima realizada de
forma excessiva5; indiferença, silêncio forçado ou recusa de comunicação;
imposição de tarefas de difícil ou impossível realização6; atribuição proposital e
sistemática de tarefas inferiores à capacidade do assediado7; isolamento decretado
pelo empregador8; ameaças ou sugestões de demissão9; dinâmica de grupo que
expõe os participantes a situações humilhantes e vexatórias (exposição constante
ao ridículo), como por exemplo a realização de “prendas” 10; contestação injustificada
das decisões tomadas pela vítima; divulgação pública de doenças ou problemas
pessoais cumulada ou não com apelidos de mau gosto11; críticas ao trabalho de
forma injusta ou exagerada abalando ou não a credibilidade profissional do
1TRT
14ªRegião, RO 00119.2008.402.14.00-7, Relator: Vulmar de Araújo Coêlho Junior, DJ/AC:
26/12/2008.
2TRT 14ª Região, RO 00008.2007.051.14.00-7, Relator: Elana Cardoso Lopes Leiva de Fraga,
DJ/RO: 30/09/2008.
3TRT 2ª Região, RO 02092-2007-018-02-00-4, Relator: Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva,
DJ/SP: 16/04/2010.
4TRT 2ª Região, RO 01078-2007-341-02-00-5, Relator: Marcelo Freire Gonçalves, DJ/SP:
16/04/2010.
5TRT 20ª Região, RO 00029-2009-001-20-00-5, Relator: Augusto César Leite de Carvalho, DJ/SE:
04/12/2009.
6TRT 2ª Região, RO 03878-2006-083-02-00-7, Relator: Davi Furtado Meirelles, DJ/SP: 09/10/2009.
7TRT 14ª Região, RO 00138.2009.001.14.01-8, Relator: Socorro Miranda, DJ/RO: 28/09/2009
8TRT 2ª Região, RO 00757-2007-079-02-00-5, Relator: Ricardo Artur Costa e Trigueiros, DJ/SP:
18/12/2009.
9TRT 20ª Região, RO 02309-2008-003-20-00-0, Relator: Augusto César Leite de Carvalho, DJ/SE:
17/09/2009
10TRT 2ª Região, RO 14636-2003-902-02-00-5, Relator: Rosa Maria Zuccaro, DJ/SP: 23/09/2003.
11TRT 20ª Região, RO 00658-2008-005-20-00-0, Relator: Carlos Alberto Pedreira Cardoso, DJ/SE:
24/09/2009.
empregado12; privação de acesso aos instrumentos de trabalho 13; tratamento
alvitante e preconceituoso por superior hierárquico14; entre outros.
Dessa forma, o psicoterror, como muitos assim retratam o fenômeno, se
exterioriza por inúmeros gestos e comportamentos obsessivos e inferiorizantes,
como visto acima de forma exemplificada, de modo a provocar consequências
gravíssimas em torno de suas relações pessoais. Entretanto, é a repetição dessa
prática e durante um determinado lapso temporal que configura o fenômeno objeto
deste estudo monográfico. O assédio moral caracteriza-se, pois, como
cansativamente demonstrado, pela verificação, em conjunto, da natureza
psicológica, do caráter reiterado e prolongado da conduta ofensiva, da necessidade
de uma “plateia”, da finalidade de exclusão e, principalmente, da presença de grave
dano psíquico-emocional como decorrência dessas condutas.
1.2. Assédio moral como um dos efeitos da modernização
A necessidade do ser humano em viver em coletividade remonta à época
primitiva, tempo em que se priorizava a segurança e melhor proteção dos membros
da tribo pertencente, fortalecendo, pois, a ideia de dependência do homem em
relação ao grupo. A divisão de grupos, por sua vez, foi responsável pelas grandes e
conhecidas disputas históricas, e, ao extinguir povos e destruir culturas, deixava de
lado a dignidade e a moral dos mesmos. Exemplo típico que podemos apontar seria
a escravidão que perdurou por tanto tempo na humanidade, sendo ela a forma mais
primitiva de trabalho vez que os escravos não possuíam qualquer direito, que dirá
uma recompensa (DIXON, 2008, p. 8).
Transcorrido séculos de lutas pela liberdade e o mínimo de dignidade, do
trabalho escravo passou-se ao trabalho autônomo artesão, destacando-se nesse
período as corporações de ofício, que na Idade Média proporcionava maior liberdade
ao trabalhador, uma vez que existia em cada corporação um estatuto tratando das
relações de trabalho. Desenvolveu-se, portanto, as manufaturas monopolistas,
eclodindo nesse contexto a Revolução Industrial na Inglaterra em meados do século
XVIII e XIX, período em que, diante da precariedade das relações de trabalho,
iniciou-se um interesse pela proteção da vida e da saúde do trabalhador. O século
XX, por sua vez, dá ensejo à maior proteção contra abusos de ordem social e
econômica com o fito de amparo ao trabalhador através de direitos e medidas
assecuratórias de emprego e remuneração, assegurando-lhe o mínimo de subsídios
capazes de manter uma vida digna (DIXON, 2008, p. 8).
Já o século que vivenciamos atualmente nos mostra outro quadro: um
novo ambiente de trabalho regido pela globalização, modernização, indústrias,
empresas multinacionais, tudo isso ligado à busca incessante pelo lucro, gerando
consequências muitas vezes irreversíveis. Tem-se agora um ritmo mais acelerado
de trabalho bem como uma maior pressão aos trabalhadores no que se refere, por
12TRT
2ª Região, RO 00424-2004-482-02-00-9, Relator: Paulo Augusto Camara, DJ/SP: 28/04/2009.
20ª Região, RO 02353-2008-003-20-00-0, Relator: Carlos Alberto Pedreira Cardoso, DJ/SE:
24/09/2009
14TRT 14ª Região, RO 01173.2005.091.14.00-3, Relator: Maria do Socorro Costa Miranda, DJ/AC:
19/05/2006.
13TRT
exemplo, à responsabilidade excessiva, divisão de tarefas e repetitividade. Isso sem
falar da alta percentagem de desemprego que assola o mundo, maior fantasma da
modernização e motivo da alta competição no ambiente de trabalho. Nesse meio,
encontramos também várias pessoas sem escrúpulos, capazes de qualquer coisa
para conseguir o poder tão almejado, gerando conflitos e discriminação no âmbito
laboral (MOLON, 2005, p. 1).
Esse quadro desencadeia uma busca desenfreada pelo lucro embasada
nas leis de mercado pela alta competitividade, busca pelo aperfeiçoamento
profissional, normas internas nas empresas objetivando a produtividade e o
atingimento de metas. Tudo isso contribui para o afastamento entre pessoas de um
mesmo grupo (lembremos que o grupo na era primitiva ao menos se unia para
defender seus pares na luta contra outras tribos), para a indiferença com os
problemas alheios, bem como para o fortalecimento do individualismo.
Encontramo-nos na era do “cada um por si”, mas sempre com o mesmo
objetivo desde os primórdios: a produção constante de riquezas. Nada obstante as
inovações laborais e a mutabilidade da história do homem, o que se percebe é que
as relações de trabalho são naturalmente desequilibradas, numa constante
exploração do homem pelo homem, o qual denega a segundo plano a questão social
(TEIXEIRA, 2009, p. 3) .
O que se quer demonstrar no presente tópico, portanto, é a existência de
um paralelismo entre o mobbing e a globalização. O assédio moral existe desde os
primórdios da humanidade, em qualquer tipo de relação pessoal, principalmente no
âmbito de labor. O que é mais espantoso é a constatação de que, em pleno século
XXI, esses tipos de práticas torturantes são perpetrados por empresas nacionais de
grande porte e algumas multinacionais. Isso porque diante da atual evolução da
organização do trabalho e dos fenômenos como a globalização, vê-se a impotência
e inutilidade de um empregado que não consegue se adaptar às novas exigências,
as quais clamam por empregados cada vez mais aptos e criativos, além de ter que
gozar de plena saúde física e mental.
Repita-se, a responsabilidade do trabalhador aumenta ao longo do tempo,
elevando paralelamente a exigência sobre o mesmo para fins de preservação de seu
emprego. É com essa problemática que o empregado passa a aceitar
silenciosamente e de maneira sofrida qualquer conduta desabonadora do
empregador, evitando o risco de perder seu lugar no mercado de trabalho.
Face à realidade que se enfrenta atualmente no ambiente laboral, a
globalização acaba por colocar o ser humano como “meio” e não como “fim” no
processo de produção de riquezas. Ou seja, a produção volta-se a atender mais às
necessidades do mercado do que às de seus trabalhadores. Por conta dessa
inversão de papéis, se desencadeiam as grandes submissões dos empregados para
com os seus respectivos empregadores, passando estes a exigir cada vez mais a
força e o intelecto daqueles. Desse meio de grandes exigências e desqualificações
emerge facilmente o assédio moral, que passa a ser praticado pelos superiores
hierárquicos através da manipulação, ameaça, reforço do autoritarismo, submissão,
disciplina, constrangimento, entre outros meios sutis de perversidade rompendo o
limite do que seria moralmente aceito (TARCITANO e GUIMARÃES, 2004, p. 17/18).
Na órbita da relação trabalhista, a globalização apresenta-se como uma
faca de dois gumes: ao mesmo tempo em que moderniza e facilita todos os setores
da economia, ela também causa na sociedade uma onda feita de exclusão, de
desigualdades e de injustiças, que sustenta, por sua vez, um clima repleto de
agressividade inclusive no mundo do trabalho. A atual meta da empresa do século
XXI é tentar aniquilar de uma vez por todas qualquer tipo de pressão psicológica
contra a sua própria mão de obra.
Assim, o trabalho deixa de destinar-se simplesmente à satisfação de
necessidades primárias próprias e da família, e torna-se o lugar do empregado para
se firmar no mercado de trabalho com um status social desejado por ele. Este, ao
vestir a camisa da empresa e defender seu posto de trabalho da concorrência,
acaba tornando-se “sócio” da mesma. À primeira vista, isso deveria ser levado como
algo motivacional, como um estímulo de reconhecimento no âmbito de labor. Porém,
diante de tanta expectativa, de tanto empenho, o que se vê facilmente dentro das
organizações empresariais é que o local de trabalho pode se transformar na pior
fonte de frustração e insatisfação e se tornar a causa de diversos problemas de
ordem psíquica.
1.3. Responsabilidade civil do empregador
O instituto da responsabilidade civil reflete grande importância dentro do
tema apresentado no presente estudo uma vez que faz parte do direito obrigacional,
porquanto a prática de um ato ilícito acarreta para o ofensor a obrigação de reparar
o dano à vítima. Por isso mesmo, o art. 186 do Código Civil consagra uma regra
universalmente aceita, a de que todo aquele que causa dano a outrem é obrigado a
repará-lo: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito”. Tal responsabilidade, entretanto, é subjetiva, ou seja, se baseia na idéia de
culpa latu sensu passando esta a ser pressuposto necessário de dano indenizável
(SABINO, p. 9).
Ao adentrarmos na específica hipótese do dano causado na relação
empregatícia, podemos perceber que emerge a responsabilidade civil objetiva em
relação ao empregador para com seus empregados, e não subjetiva, com fulcro no
art. 933 do diploma civil, sendo a responsabilidade objetiva decorrente sempre de lei
em que se exige a reparação do dano independentemente da existência de culpa.
(GONÇALVES, 2007, p. 109).
Melhor dizendo, no âmbito laboral, o que se analisa em realidade é se
efetivamente ocorreu o dano e se houve nexo de causalidade entre o ato ilícito e o
dano. Ademais, o Enunciado do STF, verbete 341, deixou assente que “É presumida
a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto” (grifo
nosso).
Antes de tudo deve-se ter em vista em qual hipótese se enquadra o
assédio moral no caso concreto, se do tipo vertical (ascendente ou descendente) ou
horizontal. Nesse diapasão, vale destacar que no caso específico de mobbing
vertical ascendente, cujas características já foram detidamente analisadas em tópico
próprio, a responsabilidade do empregado enquadra-se na regra geral da
responsabilidade civil, qual seja, a subjetiva, tendo em vista a hipossuficiência do
obreiro.
Como bem lembra Molon, o empregador, ao se deparar com esse tipo de
agressão, pode se valer do art. 482 insculpido na norma celetista o qual prevê,
dentre as hipóteses de dispensa por justa causa do empregado, aquelas que podem
ser interpretadas como assédio moral perpetrado pelo empregado para com o
empregador ou preposto seu. Dentre elas o autor cita três casos: o mau
procedimento, a indisciplina e o ato lesivo da honra praticado contra o empregador e
superiores hierárquicos. O mau procedimento pode ser vislumbrado quando o
obreiro tem um comportamento irregular ou uma atitude incorreta dentro da empresa
que seja incompatível com as regras que um homem comum deve seguir para viver
em sociedade. Exemplo típico de mau procedimento seria o do empregado que
utiliza veículo da empresa para fins pessoais quando expressamente vetado por
esta. O segundo caso exposto pelo autor, como o próprio nome já diz, ocorre
quando o empregado desrespeita as ordens, normas, portarias, circulares e
diretrizes gerais da empresa. Já o ato lesivo da honra praticado contra o empregador
e superiores hierárquicos é algo bastante subjetivo que deve ser analisado
cuidadosamente em cada caso concreto onde o empregado joga contra o
empregador/preposto fatos inverídicos e extremamente ofensivos à sua dignidade,
sendo irrelevante que tais ofensas tenham sido proferidas fora do ambiente de
trabalho. Neste âmbito podemos incluir a calúnia, difamação e injúria previstos no
Código Penal nos arts.138, 139 e 140 (MOLON, 2005, p.3).
No que pertine às espécies mais comuns de mobbing (vertical
descendente) bem como no caso de mobbing horizontal, a responsabilidade aqui,
repita-se, é objetiva. Nesta última hipótese (empregado que assedia empregado)
deve ser analisado se a vítima buscou uma solução no decorrer do pacto de
trabalho, seja pedindo ajuda aos seus superiores hierárquicos, seja através do
médico da empresa, por exemplo. Nesse contexto, a empresa pode ou não ajudar o
agredido na solução do problema apresentado. Caso não obtenha a atenção e ajuda
necessária, o obreiro pode rescindir o contrato de trabalho e pleitear na Justiça do
Trabalho a indenização pelo assédio sofrido ficando a cargo do magistrado
quantificar o dano. Essa hipótese, portanto, deve ser analisada da seguinte forma:
os empregados encontram-se no local de trabalho devido à subordinação do
empregador, e, consequentemente, sob a responsabilidade deste, motivo pelo qual
deverá reparar o agredido (MOLON, 2005, p.3).
Finalmente, na hipótese do corriqueiro assédio moral vertical
descendente, conclui-se pela responsabilidade civil objetiva em que o empregado
não necessita comprovar dolo ou culpa do empregador, devendo estar presente
somente o dano e a relação de causalidade. E quando falamos em empregador,
estamos nos referindo também aos prepostos, ou seja, aqueles que tem poder de
chefia e representa a empresa através do comando direto de seus patrões. E isso
ocorre principalmente em grandes empresas onde há uma divisão em diversos
setores de forma a melhor organizar o exercício de cada função (financeira,
administrativa, de gestão, etc), possuindo cada setor um chefe maior responsável
pela boa organização da empresa. Isso porque, diante da modernização, muitas
vezes a figura do patrão se torna cada vez mais anônima em relação ao controle da
atividade do preposto (MOLON, 2005, p.3).
O assédio moral perpetrado pelos empregadores ou seus prepostos
configura espécie de abuso de direito já que aqueles que tem o poder de gestão e
fiscalização extrapolam os limites do que seria uma liderança normal e saudável,
atingindo os objetivos da empresa esquecendo da saúde dos maiores responsáveis
pelo sucesso e lucros emergentes na empresa. Destaque-se que, conforme o art.
932, inciso III, do Código Civil, o que se afigura essencial para a caracterização de
tal responsabilidade é que o ato ilícito seja praticado na execução dos serviços que
lhe são incumbidos ou em razão deles. Pouco importa que o ato lesivo esteja dentro
das funções do preposto, basta que essas funções facilitem a sua prática. Ou seja,
deve-se analisar no caso concreto se o dano teria ocorrido se ausente fosse a
função do preposto, concluindo-se daí a ligação necessária entre o dano e a função
por ele exercida.
Imperioso destacar também que na hipótese de ato ilícito praticado por
agente público hierarquicamente superior a regra é a mesma: responsabilidade
objetiva. Tal regra encontra-se insculpida no art. 43 da Lei 10.406/02, devendo o
Estado responder objetivamente frente ao particular lesado, obtendo direito de
regresso contra o agente público causador do dano, se demonstrada a culpa em
sentido estrito (imprudência, negligência ou imperícia) ou o dolo. Ou seja, a
responsabilidade é objetiva no caso da pessoa jurídica (Estado), mas é subjetiva em
relação ao agente público (SABINO, p. 9).
Outro caso que podemos apontar é a hipótese da responsabilidade de
empresa terceirizada no contrato de prestação de serviços. A terceirização, como
decorrência também da modernização, descentraliza as atividades da empresa para
que suas atividades sejam desempenhadas por diversos centros de prestação de
serviços. Por conta disso, o TST elaborou a Súmula 331, IV que impõe a
responsabilidade subsidiária do tomador de serviços em relação às obrigações
inadimplidas pelo empregador.
Pelo exposto, o que se deve ter em mente sempre é que a obrigação do
empregador em reparar o seu empregado pelo sofrimento causado na relação de
trabalho é princípio de ordem pública, não possuindo qualquer eficácia a cláusula no
contrato em que o empregador anuncia que não se responsabiliza pelos acidentes
causados, uma vez que seria declaração unilateral de vontade. Deve ser aferido,
como exposto acima, apenas se o ato de agressão foi cometido no exercício da
função ou por ocasião dela, caso contrário não haverá caracterização da
responsabilidade do empregador.
1.4. O Direito Comparado e a Legislação Brasileira
Nada obstante a elaboração de normas não cumpra plenamente o seu
objetivo que é o de disciplinar determinadas relações e, algumas vezes, aplicar a
sanção cabível para cada caso, a importância que reveste a mesma é indubitável.
Em sede de acosso moral, não há dúvida que a lei serve de amparo esclarecendo
aos indivíduos que atitudes de agressão psicológica e moral existem e são passíveis
de punição, pois punir o agressor é uma maneira de afirmar que o assédio moral é
inaceitável.
1.4.1. Legislação Estrangeira
Em 1984, o pesquisador Heinz Leymann realizando uma pesquisa
científica na Suécia sobre o assédio moral, o qual denominou de mobbing –
terminologia esta que ficou conhecida por todo o mundo –, constatou que para
caracterização do mobbing era necessário o elemento de frequência, ou seja,
práticas reiteradas e não isoladas de perversidade. Diante da repercussão do tema,
muitos países passaram a observar com mais atenção o fenômeno, sobretudo na
Alemanha, que em 1990, inseriu a matéria como disciplina de estudo de nível
universitário na cadeira de Psicologia do Trabalho (RUFINO, 2007, p.67/68).
Pioneiramente, na França, foi instituída em 2002 uma lei específica
dispondo sobre o assédio moral nas relações de trabalho (Lei n. 2002-73 de 17 de
janeiro de 2002 de modernização social), decorrendo dessa lei que, se o empregado
for vítima de práticas humilhantes e vexatórias de um superior hierárquico, ou até
mesmo de colegas, comprometendo sensivelmente seu bem estar e sua saúde
(física e mental) a empresa será responsabilizada pela degradação das condições
de trabalho. A lei traz diversos diagnósticos que embasam uma possível solução de
ordem pedagógica a quem praticou tal ato (sanção disciplinar – art. L. 122-50), de
ordem financeira e penal (pagamento de multa de 15.000 euros e um ano de
reclusão – art. 222-33-2), bem como de ordem sindical (art. L. 122-53). Ainda com
referência a essa lei, há uma diretriz no sentido de inversão do ônus da prova no
sentido de que a vítima se desincumba de provar os danos sofridos, fazendo com
que o agressor prove que os fatos alegados não constituem assédio, justificando-se
mediante elementos objetivos (art. L. 122-52). Numa tradução livre, imperioso
destacar o que seria, efetivamente, o assédio para a legislação francesa (RUFINO,
2007, p. 69): “Art. L. 122-49. – Nenhum assalariado deve sofrer os atos (condutas)
repetidos de perseguição moral que têm por objeto ou por efeito uma degradação
das condições de trabalho suscetível de prejudicar os seus direitos e a sua
dignidade, de alterar a sua saúde física ou mental ou comprometer o seu futuro
profissional. Nenhum assalariado pode ser contratado, despedido ou ser objeto de
uma medida discriminatória, direta ou indireta, especialmente em matéria de
remuneração, aperfeiçoamento profissional, reclassificação, transferência,
qualificação, classificação, promoção profissional, mutação ou renovação de
contrato por ter sofrido, ou ter recusado sofrer, as condutas definidas no parágrafo
precedente ou por ter testemunhado tais atuações ou tê-las relatado. Qualquer
ruptura do contrato de trabalho que resultaria, qualquer disposição ou qualquer ato
contrário é legalmente nula.”
Já quanto à tutela jurídica trazida pela nação portuguesa, é de se revelar
tramita ainda hoje o Projeto de Lei n. 252/VIII (junho/2000) que traz consigo a
definição do assédio moral no trabalho, identificando suas características e impondo
sanções aos agentes causadores do dano físico e psíquico (RUFINO, 2007, p. 70).
Recentemente, contudo, já foi consagrado o novo Código do Trabalho através da Lei
n. 99/2003, o qual configura nítido mecanismo de defesa dos trabalhadores em que
há a inserção de dispositivos prevendo a proibição da discriminação, ou seja, é
defeso ao empregador praticar qualquer ato de discriminação, seja direto ou indireto,
seja no trabalho ou simplesmente na candidatura ao emprego, etc. Portugal,
portanto, consolida as teorias objetivas e subjetivas para responsabilização dos
agressores. Esse país, todavia, ainda caminha a passos lentos, uma vez que, não
obstante haja tais regramentos, ainda não há uma tutela específica para o mobbing
(MOLON, 2004, p. 3).
Não muito distante de Portugal, imperioso citar também a legislação
italiana, em que pese também não tutelar especificamente o assédio moral e
encontra-se em tramitação vários projetos de lei no Congresso sobre a problemática
do psicoterror. Sônia Mascaro Nascimento traz em seu artigo (O assédio moral no
ambiente de trabalho) o pertinente modelo italiano em que vigora inúmeros artigos
de autores os mais diversos, os quais fornecem toda a fundamentação para vedação
das práticas reiteradas de humilhação e constrangimento entre empregoempregador, dando, por conseguinte, uma visão mais consciente do assunto aos
tribunais (NASCIMENTO, 2004, p.1).
A Suécia, por sua vez, editou em setembro de 1993 uma Ordenação do
Conselho Nacional Sueco da Saúde e Segurança Ocupacionais, onde consta
diversas medidas de prevenção contra o mobbing. Porém, por ser bastante
genéricas tais medidas, o Governo Sueco editou, posteriormente, um novo ato.
Assim preleciona Sônia M. Nascimento: ”Neste ato regulamentador, estabeleceu-se
que ao empregador incumbe "propiciar que cada empregado tenha o maior
conhecimento possível sobre suas atividades e seus objetivos; informações
regulares e reuniões no local de trabalho ajudarão a alcançar esse objetivo".
Acrescenta ainda como obrigação do empregador "fornecer aos gerentes e
supervisores treinamento pessoal em assuntos ligados às normas trabalhistas, aos
efeitos de diferentes condições de trabalho na experiência de cada empregado, aos
riscos decorrentes da interação e dos conflitos em grupos, e às qualificações
necessárias para resposta rápida, em casos de stress ou de crise". Por fim, afirma
que entrevistas individuais e trabalhos em grupo devem ser estimulados, com
conversas francas, abertas e respeitosas (...)”
Como já dito anteriormente, o termo bullyng foi utilizado na Inglaterra
remetendo-nos ao assédio moral, derivando do verbo inglês to bully que significa
intimidar, aterrorizar. Podemos citar como instrumento para o tratamento específico
sobre o tema o Protection from Harassment Act (1997) que traz em seu bojo o
princípio geral de que nenhum indivíduo pode ser exposto a uma conduta que
resulte dano quando do confronto com outro indivíduo, havendo previsão expressa
de uma pena de 6 meses e multa, sem prejuízo de uma advertência ao assediador
de vedar a conduta perversa, sob pena de ser majorada a condenação (MOLON,
2004, p.3).
O que se quer com isso demonstrar é que, progressivamente, os países
Europeus e demais continentes preocupam-se com a prática do assédio nas
relações empregado-empregador, tentando substituir a lei do silêncio que muitas
vezes é imposta à vítima pela formalização de normas que disponham sobre sua
configuração, efeitos e sanções.
1.4.2. Legislação Brasileira
Até o momento não foi criada uma legislação específica de atuação em
território nacional sobre o assédio moral. Porém, com o crescimento dessa
perversão juntamente com a grande divulgação sobre o tema, possuímos algumas
legislações em âmbito regional, projetos de lei federal, jurisprudências das mais
diversas tratando sobre o tema, enfim, tudo isso demonstrando que o problema
exposto é passível de punição mesmo não havendo tutela jurídica específica.
Concretamente poderíamos apontar alguns dispositivos legais consolidados pela
legislação trabalhista que, não obstante seja colocado de forma geral, podemos
aplicar em situações caracterizadoras do acosso moral, variando sempre de caso a
caso (RUFINO, 2007, p. 73).
A despedida indireta por ato faltoso do empregador com conseqüente
indenização trabalhista prevista no art. 483 da CLT, por exemplo, pode ser citada
como uma forma de o empregado se valer de todas as verbas a que tem direito, sem
precisar esperar – no decorrer de todo o processo de tortura – ser demitido. Com
efeito, o regramento celetista prevê várias hipóteses de faltas graves tanto do
empregado quanto do empregador, as quais podem configurar o assédio moral, a
depender do quase em todas ou quase todas as alíneas. Não é demais lembrar que
a rescisão indireta, é assim denominada porque o empregador não demite o
empregado, mas faz de tudo para tornar insustentável a continuação da prestação
de serviços.
Além dessa previsão pela despedida indireta que o empregado pode se
utilizar, não impede que o mesmo também pleiteie em sede de Justiça do Trabalho a
indenização patrimonial e moral cabível, na forma da lei civil (art. 186), conforme
tratamos no em tópico sobre responsabilidade civil do empregador. Não podemos
esquecer também que o art. 5º, V, trazido pela Carta Magna, que prioriza a questão
do dano material, moral ou à imagem, constituindo tal regramento constitucional em
cláusula geral (aberta) de reparação de danos. Repita-se, em razão da
responsabilidade que cabe ao empregador, diante do conhecimento de ocorrência
de mobbing nas dependências de sua empresa contra algum de seus empregados,
deve o mesmo tomar todas as providências possíveis para apurá-lo e eliminá-lo.
Detalharemos tais providências em tópico mais a frente quando tratarmos das
soluções capazes para atenuar o gravíssimo fenômeno em estudo.
Como já dito anteriormente, não existe no ordenamento jurídico brasileiro
uma diretriz específica para o combate à ocorrência do assédio moral. Todavia, não
podemos deixar de citar alguns projetos de lei que tramitam nos âmbitos municipais,
estaduais e federais. O projeto de Lei n. 4.742/2001 por iniciativa do Deputado
Federal Marcus de Jesus, caso seja aprovado, acrescentaria o art. 136-A ao Código
Penal no Capítulo III (Da Periclitação da Vida e da Saúda), inserido no Título I da
Parte Especial (Dos Crimes contra a Pessoa), dispondo o seguinte (RUFINO, 2007,
p. 73): “Art. 136-A. Depreciar, de qualquer forma e reiteradamente a imagem ou o
desempenho de servidor público ou empregado em razão de subordinação
hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou tratá-lo com rigor excessivo,
colocando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica. Pena – detenção de
um a dois anos.”
O referido projeto encontra-se junto à Mesa Diretora da Câmara dos
Deputados desde 01 de dezembro de 2003 (NASCIMENTO, 2004, p.2). Em 2001
também foi elaborado o Projeto de Lei Federal n. 5.971/2001 introduzindo o crime de
“Coação Moral no Ambiente de Trabalho”, por meio de acréscimo do art. 203-A com
a seguinte redação (RUFINO, 2007, p. 73): “Art. 203-A. Coagir moralmente
empregado no ambiente de trabalho, através de atos ou expressões que tenham por
objeto atingir a dignidade ou criar condições de trabalho humilhantes, abusando da
autoridade conferida pela posição hierárquica. Pena – Detenção de 1 (um) a 2 (dois)
anos e multa”.
Em âmbito regional, a lei estadual do Rio de Janeiro foi pioneira em tema
de assédio moral, Lei n. 3.921/02, de iniciativa do deputado do PSB-RJ Noel de
Carvalho. No que se refere à legislação no âmbito municipal, sabe-se que o
município não tem competência para legislar sobre direito do trabalho, sendo tal
competência privativa da União (art. 22, I da CF/88). Ou seja, as normas que tutelam
a proteção ao trabalhador contra os abusos tiranos de seus empregadores, são
normas meramente administrativas, e não jurídicas trabalhistas de cunho nacional.
Dentre elas podemos citar aquelas trazidas por Rufino (2007, p. 76): Iracemápolis
(Lei n. 1.163/00 e Decreto Regulamentador n. 1.134/01), Cascavel (Lei n. 3.243/01),
Guarulhos (Lei n. 358/01), Sidrolândia (Lei n. 1.078/01), Jaboticabal (Lei n.
2.982/01), São Paulo (Lei n. 13.288/02), Natal (Lei n. 189/02), Americana (Lei n.
3.671/02), Campinas (Lei n. 11.409/02) e São Gabriel do Oeste (Lei n. 511/03).
Como se vê, paulatinamente vem sendo inserido no nosso ordenamento
jurídico brasileiro a ideia de combate ao acosso psíquico. Não há dúvida que a lei,
por si só, é incapaz de trazer à lume a solução pacífica almejada, porém o que se
percebe é que existe a necessidade da ampliação da sanção, além da pecuniária,
por ser tal ato ilícito de grave potencial, levando o indivíduo de repercussões
psicossomáticas à problemas de origem psíquica como a angústia, depressão, ou
até mesmo ao suicídio.
2. Os males à saúde gerados pelo mobbing
Como visto, o assédio moral constitui um risco invisível, porém concreto,
nas relações e condições de trabalho. Isso porque a humilhação repetitiva e de
longa duração interfere diretamente na vida do trabalhador, de forma a comprometer
a sua identidade, dignidade, relações afetivas e sociais, bem como a sua saúde
física e mental.
O mobbing se alastra sensivelmente no meio laboral, incutindo no
trabalhador uma grande carga de responsabilidade que, conjugado à necessidade
premente de se manter no emprego, acaba por viver no limite de suas forças físicas
e psíquicas. Ao exercer seu jus variandi, o empregador esquece que sua equipe é
dotada de sentimentos e, ao despedir arbitrária e paulatinamente seus empregados,
os que ficam sentem uma grande insegurança, uma vez que temem ser os próximos
demitidos (BATISTA, 2010, p. 71).
Analisando-se o tema pelo prisma psicológico, “uma luta pelo poder é
legítima entre indivíduos rivais quando se trata de uma competição em que cada um
tem sua oportunidade. Certas lutas, porém são desiguais. É o que se sucede no
caso de um superior hierárquico, ou quando um indivíduo reduz sua vítima a uma
posição de impotência para depois agredi-la com total impunidade, sem que ela
possa revidar” (RUFINO, 2007, p. 52).
E nessa luta o trabalhador sempre perde, não encontrando mais forças
capazes de combater esse tipo de violência moral. O assédio, num processo muitas
vezes lento, causa um sentimento vexatório ao ofendido, que passa a sentir de
forma acentuada diversas emoções negativas, tais como o medo, a angústia, a
revolta, a ansiedade, a vergonha, a raiva, passando a maximizar seu complexo de
inferioridade. Aos poucos, ele vai nutrindo uma sensação de impotência,
desvalorização e fracasso. Mais a frente, observa as consequências de tais
condutas refletindo nas relações profissionais e sociais do ofendido, e interferindo
amplamente na sua vida comportamental.
Vale ressaltar que, apesar dos fatos isolados não parecerem violências, o
acúmulo dos pequenos traumas é que gera a agressão objeto do presente estudo.
Dessa forma, o cerco contra o obreiro pode ocorrer de forma sutil ou explícita, mas
sempre de forma dolosa. O que temos hoje, em realidade, é a intensificação do
acosso psíquico e suas diferentes formas de abordagens (LEITE, 2005, p. 117/118).
O problema sobe ao nível gravíssimo quando os excluídos iniciam um
processo de perda da auto-estima com o passar do tempo e com as constantes
rejeições a que são submetidos, o que pode provocar diversos males físicos e
doenças psicossomáticas. Nesse sentido, tais males desenvolvem no organismo
variados distúrbios em razão da agressão moral. Entre eles, se vê comumente os
problemas gástricos, respiratórios, nas articulações, cardíacos, entre outros
(RUFINO, 2007, p. 54).
Mencionados males, porém, ultrapassam o plano físico e biológico,
atingindo também a saúde mental da vítima. As reiteradas humilhações constituem,
pois, uma dor invisível, revelando uma violência sutil nas relações organizacionais,
onde se predomina o menosprezo e a indiferença pelo sofrimento dos assediados.
As vítimas passam a adoecer porque passam a viver uma vida que não desejam,
não escolheram e não suportam. Daí a convivência com um cotidiano extremamente
sofrido, com constantes sentimentos de fracasso e inutilidade, desencadeando
males como a depressão, palpitações, tremores, distúrbios no sono e digestivos,
alterações de libido, tentativa de suicídio, etc (BATISTA, 2010, p. 72).
Margarida Barreto da PUC de São Paulo, Médica do Trabalho, nos traz a
estimativa de que, em pesquisa realizada junto ao Sindicato dos Trabalhadores nas
Indústrias Químicas, Plásticas, Farmacêuticas e Similares de São Paulo, 42% das
pessoas entrevistadas relatam experiências de assédio moral em seu ambiente de
labor (BARRETO, 2002). Saliente-se, por oportuno, que tal pesquisa ocorrera no ano
de 2000, o que, por certo, nos dias de hoje, com a massificação das relações de
emprego, esse percentual sofreu sensível aumento.
O quadro de baixa de auto-estima caracteriza-se por distúrbios no sono,
hipertensão arterial, ansiedade, irritabilidade, insônia, tremores, palpitações, dores
generalizadas, alteração da libido e, perigosamente, tentativa ou consumação de
suicídio. Encontrando-se na zona depressiva, a vítima envereda para as
consequências somáticas de patologia psíquica, como se verá mais adiante
(LOPER, 2004, p. 12/13).
O dano psíquico poderá ser permanente ou transitório e deve guardar um
nexo de causalidade com o fato danoso, ou seja, com a conduta repetitiva e
sistemática do agressor. Esse nexo causal, segundo a Resolução 1488/98 do
Conselho Federal de Medicina, deve ser estabelecido segundo critérios de
realização de exames clínicos (físico e mental) e exames complementares. Nestes
últimos, quando necessários, segundo o art. 2ª da Resolução, o médico elabora um
relatório baseado no histórico clínico e ocupacional da vítima, fazendo um estudo
detalhado do local de trabalho e sua organização, dados epidemiológicos,
ocorrência de precedentes de quadro clínico similar ao que se analisa, depoimento e
experiência de trabalhadores, entre outros dados imprescindíveis para qualquer
diagnóstico e investigação do nexo (MOLON, 2004, p. 2/3).
O fato é que a prática desse terror psicológico nos trabalhadores atinge
muito mais que sua auto-estima, leva também a danos à saúde e à mente, muitas
vezes irreversíveis. Quando não chega ao extremo – suicídio –, os divãs dos
psicanalistas encontram-se lotados, sem falar das pesadas doses de antidepressivos
e tranqüilizantes, bem como das demissões “voluntárias” a que são levados a pedir.
De uma forma ou de outra, além do aspecto moral, resta maculada a saúde do
trabalhador, seja ela física ou psíquica (QUEIROZ, 2004, p. 4/5).
Nesse plano envolto pela saúde psíquica, a qual é atingida brutalmente
pela violência moral no ambiente de trabalho, destacaremos alguns
distúrbios/transtornos pouco conhecidos ou que são tratados pela sociedade com
certo desdém, mas que são de crucial importância posto que, maculada a
integridade psíquica, restam ao indivíduo tão somente duas saídas: ou procura ajuda
(seja médica, familiar, seja da própria justiça) ou se entrega definitivamente ao
sentimento de total fracasso. Por oportuno, vale dizer que as patologias aqui
destacadas são meramente exemplificativas, havendo, como já nos reportamos
acima, outros tipos de males à mente da vítima, tais como a depressão, a
irritabilidade, o sentimento de culpabilidade, etc.
Vejamos.
2.1. Stress laboral
Vale destacar, inicialmente, o que nos diz o advogado Mário Gonçalves
Júnior, o qual afirma que se deve tomar muito cuidado para não se presumir a causa
pelos seus efeitos. Isso porque o stress é uma consequência possível na vítima de
assédio, mas, por outro lado, podem existir inúmeras outras causas não dolosas que
são capazes de gerar o stress no empregado. Ou seja, pode uma pessoa assediada
apresentar stress, mas nem todo stress é decorrência do assédio moral
(GONÇALVES JR, 2004, p. 7/9).
Além disso, faz-se mister lembrar também sobre a necessidade de um
pouco de stress em qualquer tipo de trabalho. Ou seja, é completamente normal
haver certa dosagem de stress a fim de que se obtenham melhores resultados em
todo tipo de organização empresarial – o denominado eustress – principalmente
quando o assunto é eficácia produtiva e até mesmo a própria realização pessoal
(NASSIF, 2006, p. 728/729).
O problema hoje não está adstrito mais a encontrar a origem do stress,
tampouco na convicção de que este pode gerar consideráveis consequências
patológicas. Em verdade, a problemática está centralizada na maneira de
administrar o stress individual e coletivo por parte da empresa. Isso porque cada um
de nós, biologicamente falando, tem uma condição ideal de relacionar-se com o
meio ambiente, e qualquer alteração que ocorra nesse meio faz com que cada
indivíduo reaja de uma forma e se adapte da melhor/pior maneira possível. Melhor
dizendo, uma mudança drástica no ambiente laboral obriga empregados ou
empregadores a uma readaptação que pode gerar um stress além do razoável
(NASSIF, 2006, p. 729).
O psicoterror é um dos maiores responsáveis por essa mudança
repentina no meio laboral e, se o organismo da vítima não estiver preparado, a carga
emocional cairá sobre ele de uma maneira que ele não conseguirá se adaptar
facilmente. Não há como qualquer indivíduo querer lutar com os limites criados pelo
próprio organismo. E ultrapassado esse limite, surge a gravidade do problema: o
stress se torna crônico/intenso, encontrando-se o indivíduo agora na zona do risco
psicossomático15, uma vez que tais condutas perversas refletirão inúmeras doenças
na vítima (FREIRE, 2009, p.6).
O processo no organismo gerado pelo stress é explicado pelo Sindicato
dos Trabalhadores na Educação Municipal (SINEDUC), vejamos: “(...)um processo
do organismo, com componentes físicos psíquicos e comportamentais, que ocorre
quando uma pessoa se confronta com algum fator que possa quebrar sua
homeostase, (...). A reação do agente estressor se manifesta através de reações
neuro-endócrinas. É ativado o sistema nervoso autônomo (vegetativo), que mantém
a homeostase imediatamente com a secreção de adrenalina pela medula das
suprarrenais e noradrenalina, secretada pelas terminações nervosas. Estes
hormônios colocam o organismo em estado de alerta e determinam que o organismo
fique preparado para “luta ou fuga”. Até o ponto mais remoto do organismo os
hormônios levam oito segundos. Os vasos se contraem, o coração bate mais rápido
e com mais força, os brônquios se dilatam e a respiração acelera. Os músculos
recebem mais irrigação do sangue, enquanto a circulação periférica diminui: as
mãos ficam geladas e a pessoa pálida, por exemplo. O fígado libera mais glicose no
organismo que, tendo mais oxigênio pela acentuada ação do coração e pulmões, é
queimada mais facilmente no cérebro e músculos para preparar o organismo para
lutar ou fugir. (...)”
Na zona psicossomática estão incluídos todos os sintomas físicos de
origem psíquica: hipertensão arterial, ataques de asma brônquica, úlceras
estomacais, enxaqueca, perda de equilíbrio (labirintite), torcicolos, lumbagos, queda
de cabelo, dores musculares e/ou articulares, etc. O stress nada mais é, portanto, do
que uma autodefesa do organismo a qualquer tipo de hiperestimulação e a tentativa
da pessoa adaptar-se para enfrentar a situação, como dito anteriormente. Todavia,
além da zona psicossomática, o stress pode levar a vítima do assédio à outra zona,
não menos importante, a psicopatológica, incluindo-se nela todos os sintomas de
ansiedade, mudanças de humor, irritabilidade e, principalmente, de depressão
(FREIRE, 2009).
Outrossim, baseado em diversos estudos empíricos sobre o tema,
independentemente da vítima do assédio superar quaisquer das conseqüências
acima mencionadas que porventura venha a sofrer, ela carregará consigo uma ferida
15
Vale destacar que a autora, acertadamente, diferencia os sintomas psicopatológicos,
psicossomáticos e comportamentais. No plano psicopatológico estão incluídos todos os sintomas da
ansiedade, depressão, mudanças de humor, irritabilidade, etc. No plano psicossomático encontramos
todos os sintomas físicos, mas que tem uma gênese ou origem psíquica (hipertensão arterial, asma
brônquica, úlceras estomacais, entre outras). Já na zona comportamental, o indivíduo apresenta
reações agressivas, transtornos alimentares, aumento de consumo do álcool, disfunção sexual,
isolamento social, etc.
psíquica de difícil reparação. Isso porque o trabalhador violentado apresenta uma
série de sintomas semelhantes aos da denominada “síndrome de estresse póstraumático”16 ou, mais especificamente, o que os estudiosos preferem chamar de
“síndrome do estresse por coação continuada” tendo em vista, como o próprio nome
já diz, a submissão a situações repetidas de violência moral pelo ofendido
(SOARES, 2006, p. 50).
Desta forma, o stress laboral representa um alarme do corpo, que não
está satisfeito com o ritmo imposto, sobretudo quando há uma intensa sobrecarga de
trabalho. Nosso metabolismo encontra uma maneira de se defender de uma fase de
resistência onde queremos incessantemente demonstrar a nós mesmos a nossa
capacidade de reagir. A preocupação vem à tona quando há o esgotamento, o limite
a que nos reportamos anteriormente, chegando a uma exaustão física e emocional e
desencadeando diversos problemas psicopatológicos e psicossomáticos. O que
será explanado nos próximos tópicos, portanto, será simplesmente o resultado de
um lento processo de stress laboral, que, não recebendo o tratamento adequado,
evolui para danos muitas vezes irreversíveis para mente e para o organismo do
obreiro.
2.2. Transtorno do Sono
Mais um problema físico comum que atinge milhares de pessoas é o
Transtorno do Sono. O assediado, diante de todo tipo de pressão psicológica e
tendo sua moral incessantemente vilipendiada, acaba se vendo numa situação
bastante delicada, perdendo o sono e sua calma, pois as repercussões do
psicoterror já vão além do que poderia se imaginar, como se já não bastassem as
repercussões no seio familiar, crises conjugais, etc.
Interessante destacar aqui uma dissertação de mestrado ao Instituto de
Psicologia defendida por Leandro Queiroz Soares, o qual realiza uma série de
entrevistas às vítimas de assédio moral, chegando ele a concluir por diversas
repercussões nefastas derivadas de atitudes perversas produzidas no ambiente de
labor. Dentre elas encontra-se o Transtorno do Sono, problema este tão comum e
revestido de tanta gravidade que vem expressamente previsto no Decreto nº
3.048/99 da Previdência Social.
Tais transtornos do sono materializam-se pela insônia e/ou por seguidas
interrupções espontâneas no decorrer do sono. Diante da pesquisa de campo
realizada, o autor demonstra que o problema do sono tem forte ligação com a
ansiedade. Outrossim, as vítimas do assédio moral declaram que, em face de um
quadro reiterativo de agressões e humilhações, acabam recorrendo a medicamentos
para conseguir dormir (SOARES, 2006, p. 145).
Esse é apenas um entre tantos outros problemas que podem ser
detectados por via de conseqüência do assédio moral. As vítimas são carregadas
por um caminho que não desejam e não suportam, todavia, é a forma que elas
encontram para esconder o que sentem (por vergonha, medo ou até por achar que
16
O autor ainda esclarece que o estresse pós-traumático é geralmente identificado em vítimas de
assalto, catástrofes naturais, acidentes em geral, estupros, entre outros incidentes extremos.
pode ser algo temporário) ou para esquecer, ao menos ligeiramente, a sensação de
fracasso e de culpa.
2.2. Burnout ou a Síndrome de Estar Queimado
A Síndrome do Burnout não muda muito do que foi lido até agora. Sendo
ligeiramente classificada hoje como uma questão de ordem pública pela OIT e OMS,
tendo em vista seus efeitos amplos e devastadores, o burnout nada mais é do que o
ápice de um longo processo de stress ocupacional. Tal síndrome tem sérias
implicações para as vítimas do assédio, comprometendo gravemente sua vida
profissional, pessoal, social e sua saúde física e mental (SINEDUC, 2008, p. 6).
É preciso esclarecer, primeiramente, que o burnout pode vir desassociado
do mobbing, ou seja, não é necessariamente uma decorrência do assédio
perpetrado no ambiente de trabalho. Porém, diante da apresentação do presente
estudo monográfico, nos ateremos tão somente à ocorrência do assédio e o possível
efeito psíquico do burnout.
É preciso deixar aqui registrado, primeiramente, que a Síndrome do
Esgotamento Profissional ou a Síndrome do Burnout, ou simplesmente, a Sensação
de Estar Acabado, está inserido entre um dos transtornos mentais e do
comportamento relacionados com o trabalho (Grupo V da CID-10), trazido pelo
Decreto 3.048/99, Anexo II, do INSS, tamanha é a sua gravidade, gerando direito à
percepção ao auxílio-doença previdenciário. Tal assunto, porém, será visto
detalhadamente em tópico posterior, devendo-nos restringir por enquanto apenas ao
estudo dessa enfermidade que acomete muitos trabalhadores.
Para Elaine Nassif, o burnout seria definido como a resposta a uma
gestão inadequada do stress laboral ao qual nos reportamos em tópico anterior. Ou
seja, é a ineficácia de um processo de adaptação do organismo ao stress individual
excessivo, melhor dizendo, a reação a um ápice de tensão emocional gerada a partir
do contato direto, excessivo e estressante com o trabalho. O empregado de certa
forma se desinteressa do trabalho num profundo sentimento de fracasso e exaustão
causado pelo excessivo desgaste de energia e recursos. Caracteriza-se, pois, pela
despersonalização (ou desumanização), perda de idealismo, de energia, de
objetivos, de motivação e de qualquer tipo de expectativa profissional. Enfim, é a
síndrome da desistência (NASSIF, 2006, p. 730)
Seu surgimento é tão lento que o indivíduo muitas vezes não percebe que
está acometido de uma síndrome de tamanha gravidade, e geralmente se recusa a
acreditar que esteja acontecendo algo com ele. No limite de sua capacidade de
adaptação, o cérebro basicamente emite uma ordem de “desligamento” geral, com o
objetivo de evitar maiores danos, como o infarto, o colapso, o acidente vascularcerebral, entre outros que podem trazer conseqüências irreversíveis (ZANGRANDO,
2008, p. 1077).
A fim de dissipar qualquer tipo de dúvida sobre o assunto, vale sedimentar
aqui a diferença entre a Síndrome do Burnout e o stress. Tal esclarecimento é
explanado com pela Médica do Trabalho Margarida Barreto numa entrevista
realizada pela Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho) disponível no site ww1.anamatra.org.br. A referida profissional esclarece
que, diferente do que acontece com o burnout, o stress pode ser superado sozinho
com o afastamento temporário do ambiente de labor paralelo à alguma atividade
relaxante (terapia, ginástica, dança, etc). O burnout seria a pós-fase do stress, sendo
frequente o problema com a memória, mal estar generalizado, perda do senso de
humor. No caso dessa síndrome é imprescindível a vítima afastar-se e procurar
ajuda médica, fazer tratamento e repousar. A médica salienta também que no
burnout é bastante comum ter pensamentos repetitivos, a culpa, a fobia, a
ansiedade, a depressão, perda do rendimento no trabalho, a responsabilidade,
passa a ter atitudes que antes não tinha, enfim, se despersonaliza, como afirmado
anteriormente. Essa despersonalização caracteriza-se por tratar os demais colegas
de trabalho como objetos, o vínculo afetivo é substituído por um racional, mostrando
ao mesmo tempo certa insensibilidade emocional, cinismo, dissimulação afetiva e
“coisificação”.
Assim, é de se dizer que a Síndrome em epígrafe, não obstante possa
surgir por si só, ou seja, sem que ocorra necessariamente algum tipo de assédio
moral no ambiente de trabalho, não há como negar a facilidade de seu aparecimento
num indivíduo que labora sob a chefia de superiores perversos e inescrupulosos,
aumentando ainda mais a tensão emocional e carga de stress. Também não há
como negar que esse esgotamento profissional gera danos incontrastáveis para a
vítima, levando-a, dentre outras conseqüências, a uma sensação de fracasso e a
uma vida que jamais desejou ter.
2.3. Alcoolismo Crônico
Aplicando-se o mesmo raciocínio do da Síndrome de Burnout, é de se
dizer que o alcoolismo crônico pode eventualmente ser uma das consequências
decorrentes da prática perversa no meio laboral. Ou seja, não se quer com isso dizer
que a enfermidade em epígrafe só seja gerada pelo mobbing, ao contrário,
queremos apenas demonstrar mais uma possível consequência de origem psíquica
decorrente do assédio moral perpetrado no ambiente de trabalho.
A título de melhor compreensão, reflitamos sobre a seguinte hipótese: um
trabalhador, cotidianamente sofrendo com pressões e humilhações repetitivas,
produzidas por seu superior hierárquico, vê-se numa situação onde se faz
necessário um intenso auto controle emocional. Após decorrido certo tempo, sem
poder pedir demissão e não aguentando mais a situação com a qual convive em seu
próprio trabalho, se entrega ao álcool como que buscando um meio de anestesiar o
sofrimento ligado a uma depressão relacionada à elevada tensão emocional no
trabalho: o assédio moral. Veja-se, por oportuno, que o uso exagerado da bebida
acaba por agravar ainda mais o sentimento de culpa que é tão comum na vítima de
acosso moral, aprofundando o quadro de depressão e levando a vivências as quais
farão com que a vítima incremente a procura do álcool.
A situação acima descrita é mais comum do que se pode imaginar quando
nos reportamos ao assédio moral. A Doutora em Medicina Preventiva, Edith
Seligmann-Silva, afirma que o ofendido prefere entregar-se voluntariamente à
substâncias químicas a falar com qualquer pessoa (por mais próximo que seja) de
seus sofrimentos mais íntimos. Como é cediço, o álcool possui propriedades
farmacológicas 17 capazes de proporcionar ao indivíduo mobbizado uma sensação
prazerosa de bem estar, muito embora seja de forma temporária (SELIGMANNSILVA, 2003, p. 18/19).
Ainda seguindo o caminho trilhado pela autora suso mencionada, o
alcoolismo crônico é considerado como uma “síndrome de dependência”, e esta
dependência é tanto psicológica quanto física. Psicológica porque a vítima acaba se
entregando à bebida por conta de uma situação que jamais desejou viver, ainda
mais quando se fala em ambiente de trabalho, de forma a tornar insustentável o dia
a dia com seus colegas de trabalho e superiores hierárquicos. E física porque no
momento em que o ofendido pára de incorporar a substância surge uma grande
sensação de mal estar e outros sintomas que podem vir a surgir, uma vez que o
organismo já se adaptou a ter a bebida como alimento diário (SELLIGMANN-SILVA,
2003, p. 19).
Dessa forma, percebe-se que o alcoolismo crônico está entre os sintomas
comportamentais mais usuais decorrentes da violência perversa praticada no meio
laboral. O empregador, sem analisar que a dependência pode ter surgido no
contexto de um ambiente de trabalho hostil, tem nas mangas o seu poder diretivo de
demitir o empregado por justa causa, agravando ainda mais o quadro de
dependência da vítima que, desempregada, vê-se na beira da marginalidade, não
encontrando a compreensão que deveria existir no seio familiar e social.
2.4. Bullicídio
De tudo o que se viu até agora, pode-se perceber que o mobbing – o
verdadeiro mobbing, diga-se de passagem, e não as simples pressões do cotidiano
– pode desencadear problemas no indivíduo tanto de ordem física, como
corporativa, social, ou psicológica. No que pertine a este último plano, quando o
mobbizado não encontra o apoio familiar necessário em seu lar, ou não procura
ajuda médica, ou, pior, aceita calado o câncer que vai se incorporando em seu
organismo, o nível de stress pode subir a ponto de o mesmo tentar fuzilar sua
própria vida.
Analisando-se o limite de cada indivíduo, é de se dizer que a pessoa que
convive com práticas perversas em seu dia-a-dia no trabalho chega a um ponto em
que não encontra mais saída, se sente isolado, afastado de tudo e de todos, se
sente culpado e hostilizado, e sua auto-estima nem existe mais. Perdendo todo o
sentido para continuar vivendo, diante de tanta humilhação e de tanto descaso do
empregador, avista apenas a possibilidade de se ver livre de todos os problemas de
uma vez só: dando fim à sua vida. É o que os especialistas denominam de bullicídio.
(SINEDUC, 2008, p. 11)
Juntamente com os sinais de doença na vítima, surge paralelamente outro
sintoma: a ocultação do problema. Por isso, muitos consideram o assédio como um
ilícito silencioso, uma vez que vai se instalando na vida do indivíduo paulatinamente,
até penetrar em seu organismo e em sua mente. O medo de perder o emprego toma
conta da vida do ofendido e, como um modo de defesa e de preservação, não
17
O autor cita propriedades relaxantes, calmantes, anestesiantes, euforizantes, desinibidoras e
estimulantes, além do álcool funcionar também como indutor do sono (p. 19)
declara sua doença, preferindo sofrer sozinho. Quando a ideia suicida não surge no
próprio ambiente de trabalho, pode surgir logo depois de sua demissão, momento
em que encara sua inadequação – uma vez que se encontra doente e fragilizado –
aos padrões de produção nas organizações empresariais (TARCITANO e
GUIMARÃES, 2004, p. 27).
Citamos aqui mais uma vez o trabalho de campo realizado por Leandro
Queiroz Soares em que este entrevista vítimas do acosso psíquico e, em matéria de
bullicídio, vemos que, em face de todos os tipos de repercussões negativas para os
acossados, estes já declararam que pensaram ou já tentaram contra a própria vida,
e que, inclusive, tiveram algum acesso a casos nos quais um indivíduo cometeu
suicídio em decorrência dos atentados do terrorismo psicológico que sofreu.
Acrescente-se a isso também a informação que, na Suíça, há uma estimativa de que
dos suicídios ocorridos nesse país, 10 a 15% estão relacionados ao assédio moral
ocorrido no trabalho (SOARES, 2006, p. 51).
O bullicídio, portanto, é o cume das consequências psicológicas geradas
pelo assédio moral, quanto mais se prolonga o estado depressivo promovido pelo
assédio moral maior será a probabilidade da vítima atentar contra a própria vida.
Como será explanado adiante, o bullicídio vem sendo reconhecido também como
acidente de trabalho, podendo gerar direito a uma indenização/pensão para os
familiares da vítima, a depender o que cada caso concreto ensejar.
Desenvolvido no organismo do trabalhador qualquer tipo de enfermidade
cuja origem seja dada por ocasião do trabalho, sobretudo em relação à violência
moral, resta para o ofendido tão-somente tentar minimizar seus efeitos através dos
dispositivos jurídicos cabíveis que o caso apresentar. Nada obstante estejamos
diante de uma legislação incompleta em matéria de assédio moral, a vítima pode se
valer de normas que, apesar de não tratar especificamente sobre o tema, buscam
primeiramente dar aplicabilidade ao princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana.
3. Dos efeitos jurídicos gerados pelo mobbing
3.1. Considerações iniciais
A par dos efeitos psíquicos gerados pelo assédio moral, resta falar dos
efeitos jurídicos que aparecerão de forma a tentar coibir, ou pelo menos diminuir
mencionadas práticas no ambiente de labor. Entre eles destacamos os mais
conhecidos: punição disciplinar ao empregado que deu causa ao dano, reintegração
do empregado, a resilição contratual indireta, e a reparação por danos morais e
patrimoniais pelos gravames de ordem econômica e na esfera da honra do ofendido.
Como dito em tópico anterior, ainda não existe no Brasil uma lei que trate
especificamente sobre a prática do mobbing. O que temos hoje em nosso
ordenamento jurídico que possa ser aplicado ao mobber são as conseqüências
acima retratadas trazidas pela CLT e pela própria Carta Magna, à exceção da
sanção disciplinar que vem geralmente prevista em norma interna da própria
organização empresarial. Melhor dizendo, muito embora inexista uma norma
específica dispondo e identificando o mobbing, outras normas devem ser aplicadas
analogicamente, de forma a impor ao empregador o cumprimento fiel à proteção
jurídica de direito dos trabalhadores.
As sanções disciplinares situam-se fora da seara laboral, e sua aplicação
é justificada diante de qualquer tipo de conduta reprovável no âmbito laboral, nos
casos, obviamente, em que o assediador seja o empregado. Tais penas de caráter
meramente administrativo e interno podem ser aplicadas mesmos nos casos em que
a conduta do assediador não justifique pleito indenizatório, seja porque não
apresenta a gravidade compatível, seja por não apresentar os requisitos
necessários. Em casos como esses, pode o empregador se valer também do art.
482 da norma celetista em que se justifica a rescisão do ofensor por justa causa,
podendo se basear nos atos lesivos da honra ou da boa fama no ambiente de
trabalho, bem como na alínea “b” referente à incontinência de conduta ou mau
procedimento, ou até da alínea “h” referente ao ato de indisciplina ou insubordinação
(PESSANHA, 2009).
A despedida indireta nada mais é do que a saída honrosa que o Direito
oferece ao mobbizado que não pretende mais permanecer num ambiente de
trabalho hostil. Melhor dizendo, é a modalidade de extinção cabível nas hipóteses
em que a manutenção no trabalho é insustentável, permitindo que a vítima denuncie
o contrato por ato faltoso do empregador, bem com tenha direito às respectivas
reparações previstas na CLT para as hipóteses em que o trabalhador é sumária e
injustamente despedido. Ademais, a depender de como se processa o mobbing, o
comportamento do empregador pode ser enquadrado em quase todas (se não em
todas) as hipóteses previstas pelo art. 483 do dispositivo celetista (SIMM, 2008, p.
236/238).
Ao contrário, pode a vítima de assédio ter sido levada pelas
circunstâncias da violência a pedir demissão. Muito embora seja raro de acontecer,
pode o obreiro optar por reaver o seu emprego, sem prejuízo das demais
indenizações cabíveis. Nesse caso, deve o juiz analisar detidamente o caso
concreto, apurando eventual falta cometida pela empresa e determinando, mediante
requerimento do ofendido, a reintegração deste (PESSANHA, 2009).
Por fim, a tão conhecida indenização por danos morais vem prevista na
própria Constituição Federal em seu art. 5º, incisos V e X, sendo assegurado a
qualquer pessoa o respeito à dignidade humana, à cidadania, à imagem e ao
patrimônio moral do obreiro, sem prejuízo de indenização por danos morais. Vale
lembrar também que o assédio moral é uma afronta ao art. 225 da Carta Magna que
resguarda um meio ambiente sadio, inclusive o do trabalho. Comprovada a
existência de mobbing na relação de trabalho, há que se falar também em ato ilícito,
tão repudiado pelo Código Civil em seu art. 187, fazendo nascer para o ofensor a
obrigação de reparar o dano, seja ele moral ou material, e sem a necessidade de
análise sobre o elemento subjetivo (dolo ou culpa) uma vez que se trata de abuso de
direito. Ademais, pelo art. 933 do Código Civil, pode-se concluir pela
responsabilidade objetiva do empregador que responderá pelos atos e omissões das
pessoas sob sua responsabilidade, mesmo que não haja culpa. Dessa forma, o
exercício de algum direito realizado de forma abusiva merece rechaço da ordem
jurídica vigente (COCICOV, 2007, p. 58).
Não confundamos, entretanto, o dano psíquico com o famigerado dano
moral. Para a configuração deste, não é essencial a ocorrência daquele, e isso a
doutrina distingue. Como é por demais cediço, o dano moral refere-se à lesão aos
direitos de personalidade e gera conseqüências extrapatrimoniais independente de
prova, uma vez que se presume. Já o dano psíquico, mental, se expressa por meio
de uma alteração psicopatológica comprovada, geralmente, através de laudo
pericial. Assim, o dano moral independe do dano psíquico (PESSANHA, 2009).
Vê-se, portanto, que o empregador quando pratica atos de humilhação
corriqueiros contra seus empregados, por exemplo, deverá delimitar sua conduta em
outras regras de proteção jurídica, que impõem o dever-ser numa relação onde a
violação enseja a respectiva sanção. Demais disso, vale destacar aqui o que vem
sendo considerado pelo direito internacional e, recentemente, pela jurisprudência
brasileira como mais um dos efeitos do assédio moral perpetrado no ambiente de
trabalho: o efeito previdenciário inerente aos danos à saúde. Para tanto, diante da
importância do assunto e da repercussão atual, analisaremos tal consequência de
forma apartada em tópico seguinte.
3.1.
Enquadramento do assédio moral como acidente
de trabalho: uma solução jurídica possível?
É bem verdade que não tem se vislumbrado grandes aplicações práticas
nos Tribunais Regionais do Trabalho onde haja o reconhecimento de acidente de
trabalho em virtude da prática de assédio moral. Porém, é inegável os danos à
saúde do empregado, sejam de natureza física, psíquica ou moral, decorrentes de
tal prática. A depender da gravidade que cada caso apresenta, os já mencionados
danos são capazes de tornar a vítima impossibilitada de continuar a exercer suas
atividades laborativas de forma regular, devendo incidir, pois, consequências de
natureza previdenciária, sem prejuízo da indenização cabível (art. 7º, XVIII, da
Constituição Federal). Dessa forma, veremos que sim, é possível esse tipo de
solução jurídica em matéria de assédio moral.
Faz-se mister, primeiramente, esclarecer o que seria efetivamente
acidente de trabalho. Segundo o disposto no art. 19 da Lei 8.213/91, “acidente de
trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo
exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei,
provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda
ou redução, permanente ou temporária da capacidade para o trabalho”. Podemos
incluir aqui também o conceito de acidente de trabalho trazido pela legislação
previdenciária da Espanha em seu art. 115, parágrafo primeiro, pela qual dita que “é
toda lesão corporal que o trabalhador sofra por motivo ou por consequência do
trabalho que execute por conta alheia”. Já a Lei de Tamaulipas (México) definiu em
seu art. 18 o acidente de trabalho como sendo “o acontecimento imprevisto e
repentino produzido em razão ou no exercício do trabalho, por uma causa exterior
de origem e data determinados, que provoca no organismo do trabalhador uma
lesão ou uma perturbação funcional permanente ou transitória”. A Argentina, por sua
vez, possui a Lei de Riscos do Trabalho e define acidente de trabalho como “todo
acontecimento súbito e violento ocorrido pelo feito ou por ocasião do trabalho, ou no
trajeto entre o domicílio do trabalhador e o lugar de trabalho, sempre quando o
prejudicado não houver interrompido ou alterado o citado trajeto por causas alheias
ao trabalho” (art. 6.1). Podemos apontar também a Lei nº 13 de 1977 de Proteção e
Higiene do Trabalho de Cuba, através da qual dispõe que “acidente de trabalho é
um feito repentino, relacionado casualmente com a atividade trabalhista, que produz
lesões ao trabalhador ou sua morte”. Quanto à legislação cubana, esta ainda traz
em seu bojo o denominado “incidente” que nada mais é do que acontecimentos
anormais ou que se apresentam de forma brusca e imprevista e que interrompem ou
dificultam o desenvolvimento normal do trabalho. Desta forma, a legislação deste
país leva em consideração não somente o local de trabalho, mas também os fatores
externos e os psicológicos, sociais e físicos capazes de criar algum tipo de tensão
mental no obreiro (RAMÍREZ, 2003).
O Decreto 3.048/99 é hoje o instrumento mais eficiente em matéria de
acidente de trabalho decorrente de assédio moral que pode ser utilizado pela vítima.
Tal ato normativo regulamenta a Lei dos Planos de Benefícios (Legislação
Previdenciária) e traz em seu texto alguns distúrbios originados da violência moral
incutida no ambiente de trabalho, especialmente em seu Anexo II. Dentre os
transtornos à saúde psíquica do obreiro, encontramos aquelas referidas em tópico
anterior, tais como: o stress laboral grave – inclusive o stress pós-traumático -, o
Transtorno de Adaptação, a Neurose Profissional, a Síndrome de Burnout (ou
Síndrome do Esgotamento Profissional), o Transtorno do Sono, o Alcoolismo
Crônico, etc.
Atualmente, tramita um projeto de lei na Câmara dos Deputados que
objetiva transformar o assédio moral em acidente de trabalho. Caso seja aprovado, o
assediado passa a ter direito a receber benefícios da Previdência Social para o
tratamento psicológico que se fizer necessário, como qualquer outro tipo de doença
desencadeada no ambiente de trabalho18. A mudança não está sendo estudada à
toa, pois o Decreto supra mencionado é do ano de 1999, ou seja, a última revisão da
lista de doenças classificadas como acidente de trabalho foi nesse ano. Tal direito,
entretanto, só teria cabimento nos casos em que a ofensa fosse reproduzida em
local de trabalho, ainda que os motivos não tenham relação com assuntos
profissionais. Mas essa iniciativa já é um avanço em nossa legislação, as empresas
provavelmente se sentirão obrigadas a prestar mais atenção na saúde de seus
empregados e a lhes proporcionar um ambiente mais adequado para realizar
regularmente suas atividades laborais.
Como já se demonstrou, o mobbing pode se expressar pela violência
astuciosa, sutil, calada – mas sempre de forma reiterada – que, a princípio, não
deixa marcas físicas, mas sim psicológicas, dilacerando o espírito e o caráter,
porquanto atua lesionando a dignidade da pessoa humana, a integridade moral e a
mentalidade do próprio indivíduo. Ocasiona, pois, danos irreparáveis ao indivíduo
mobbizado. O dano pode começar sendo psíquico, passando depois a ser físico,
quando a vítima se encontra numa situação de não conseguir mais lutar, sentindo-se
18
Fonte: g1.globo.com. Em entrevista para o Jornal Hoje, a psicóloga Ana Mongólia Mendes, da
Universidade de Brasília, explica que o assédio moral é capaz de desenvolver no trabalhador
problemas psicológicos sérios: “São pessoas que chegam bastante debilitadas, às vezes com
depressão, com síndrome do pânico, com problemas de fobia, pessoas que têm que passar por
tratamento psiquiátrico, às vezes tomar medicação, tratamento psicológico, porque ficam
completamente destruídas na sua autoimagem, na sua autoestima, se sentindo absolutamente
incompetentes, inúteis para o trabalho”.
cansado da manipulação perversa, podendo chegar até a morte, como já se viu.
Pode, em situação inversa, o dano físico chegar a ocasionar um dano mental a uma
pessoa anteriormente equilibrada, mas que, diante de suas limitações físicas
resultantes do dano, pode deixar marcas em sua personalidade, uma vez que não
se vê mais apta para assumir tarefas e obrigações. O nosso estudo, entretanto,
restringe-se ao primeiro caso, posto que o assédio moral é de ordem psíquica, onde
o mobber tenta incutir no mobbizado certas intimações e coações morais, fazendo
de tudo para desenvolver o medo e forçá-lo a pedir demissão (RAMÍREZ, 2003).
Nesse sentido, podemos inferir que, o assédio moral, além de ser um
dano pessoal, pode ser interpretado também como acidente de trabalho, uma vez
que deriva do exercício do trabalho, e acaba por provocar no ofendido determinada
perturbação funcional ou redução da capacidade permanente ou temporária para o
labor. Ou seja, as enfermidades decorrentes do assédio moral perpetrado no
ambiente de trabalho, dentre as quais estão inseridas aquelas mencionadas em
tópico anterior, podem constituir acidente de trabalho e, consequentemente, pode a
vítima assediada buscar os benefícios de auxílio-acidente, bem como valer-se da
estabilidade de 12 meses auferida após a cessação do benefício (MOLON, 2004,
p.2).
Igualmente, as conseqüências geradas pelo mobbing, como se pode
perceber, abarcam até mesmo o Estado, que deverá prestar os serviços de
assistência social e reabilitação profissional, bem como arcar com o respectivo
benefício à vítima/segurada em razão de seu afastamento. Isso se vislumbra por
diversas maneiras no âmbito da Previdência, seja por auxílio-doença, seja por
auxílio-acidente, seja também por aposentadoria por invalidez para o segurado ou
por pensão por morte para os dependentes, no caso de morte do ofendido, o que,
como vimos no tópico referente às enfermidades, pode tranquilamente concretizarse (RUFINO, 2007, p. 86/87).
José Fernando Lousada Arochena em seu artigo intitulado “Riscos
Psicossociais e Acidente de Trabalho”, atenta para o fato de que o acidente de
trabalho não se refere apenas aos casos de perda da saúde física, mas também da
psíquica. Os riscos psicossociais encontram-se, então, no âmbito da saúde mental
do trabalhador, deixando mais de lado os danos ao seu organismo físico
propriamente dito. Tais riscos do trabalho geram tantos acidentes de trabalho quanto
os riscos físicos, e são capazes de provocar no meio laboral novas patologias como
o stress, o burnout, a work-addiction19, a síndrome do workaholic, o tecnostress20 e o
próprio mobbing. E o mobbing, embora tenha origem na atividade da vítima, não
está ligado a qualquer profissão específica, mas às condições relativas ao ambiente
de trabalho (AROCHENA, 2008).
As patologias decorrentes do assédio psicológico não devem ser
catalogadas como doença comum, mas sim como condicionantes do acidente de
trabalho em sua acepção mais ampla, vez que são gerados por atos em decorrência
do exercício do trabalho ou por motivo de seu desempenho, criando aí um
indiscutível nexo causal sem o qual não se poderia falar em acidente de trabalho ou
doença profissional. O assédio moral é parte integrante de uma violência no
19
20
Também conhecida pela “gripe do yuppie” ou fadiga crônica.
Dificuldade de adaptação a novas tecnologias.
trabalho, tomando vítimas ano após ano, mas é uma máscara daquilo que deveria
conceituar-se como acidente de trabalho. O que vemos em relação ao mobbing é
justamente o contrário, porquanto há uma minimização de suas consequências. Em
realidade, nossa legislação não quer assumir a obrigação que significa para a
seguridade social, ou seja, não quer reconhecer que o mobbing é uma lesão
relacionada diretamente com o trabalho, que atinge mais que a saúde física do
trabalhador, atinge também sua saúde mental (RAMÍREZ, 2003).
É inegável que, para se entender pela necessidade do dano psíquico,
como é cediço, se faz necessária a realização de perícia médica a fim de que se
analise a efetiva existência de um dano porventura alegado, bem como o nexo
causal. Em matéria de saúde mental, prevalece o entendimento de que vários são os
fatores que contribuem para a depressão, sejam eles genéticos, biológicos ou
psicossociais, contudo, o trabalho muitas vezes aparece como fator desencadeante
e/ou de agravamento. E uma vez comprovado que a vítima de violência moral
desenvolveu doença psíquica em razão de fato ligado à sua profissão, resta
configurado a ocorrência de acidente de trabalho, devendo conferir ao trabalhador
todos os efeitos e garantias decorrentes (PESSANHA, 2009).
Além disso, vale chamar a atenção para a dificuldade de provar a
existência do nexo causal quando da propositura de reclamações trabalhistas,
momento de profunda divergência dos tribunais. Isso porque, não são todas as
sentenças que obrigam provar uma causalidade estrita – o que seria, de fato, mais
correto. Contudo, outras exigem a prova incontestável da existência do mobbing,
partindo da idéia de que, inexistindo o assédio, a doença seria comum. Ocorre que é
irrelevante a existência ou não do assédio, devendo-se aplicar uma interpretação
menos estrita no caso de pedido de declaração de acidente de trabalho. No caso,
por exemplo, de stress laboral – lembrando-se inclusive de sua previsão no Decreto
da Previdência –, se esta patologia foi decorrente ou não da prática de violência
moral no trabalho, não importa. O que se deve realmente levar em consideração, é
se houve o dano e se este foi originado por ocasião do trabalho, ou seja, basta que
se prove a causalidade entre a enfermidade e trabalho. Em caso afirmativo, não há
que se impedir a qualificação como acidente de trabalho, nos moldes da legislação
previdenciária (AROCHENA, 2008).
Patrícia Oliveira Lima Pessanha, por outro lado, defende que o mero
reconhecimento da existência de assédio moral já é um grande avanço. Enquadrá-lo
como acidente de trabalho, ou seja, pretender a um só tempo, também sua
caracterização como doença ocupacional já seria “dar um passo maior do que a
perna, preferindo-se um caminhar mais comedido” (PESSANHA, 2009).
A mesma autora suso mencionada, entretanto, reconhece os estudos
realizados acerca da matéria de enquadramento do assédio como acidente de
trabalho, e mais, acredita que não há grandes dificuldades em tal enquadramento,
sobretudo quando se faz uma leitura mais atenta ao art. 20, I e II da Lei nº 8.213/91,
especialmente no §2º que traz a seguinte redação: “Em caso excepcional,
constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste
artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se
relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho”.
Outra questão que poderia ser levantada seria a possibilidade de o
suicídio poder ser qualificado como acidente de trabalho. Tal como visto no tópico
referente ao bullicídio (suicídio decorrente do assédio moral), qualquer dos riscos
psicossociais podem resultar no suicídio do ofendido.
José Fernando Lousada Arochena contrasta, para tanto, os argumentos
contrários de que poderia haver fraude ou que, pela própria natureza do suicídio,
haveria uma ruptura do nexo causal em virtude de ser ele um ato de auto lesão –
portanto, doloso e excluído do enquadramento como acidente de trabalho. Todavia,
cita duas decisões, ambas da Espanha, onde há o reconhecimento da qualificação
do suicídio com sendo acidente de trabalho, uma do Tribunal Superior de Catalunha
proferida em 30/05/2003 e outra do Tribunal Superior de Galícia, em 04/04/2003. O
suicídio não pode ser equiparado a um ato doloso que é sempre voluntário (ou
essencialmente voluntário). Em verdade, no suicídio, a vontade – esta sendo a
faculdade mental ligada à vida – é muitas submetida a determinismos determinantes
de uma intenção suicida, a qual destrói a vida e a própria vontade (AROCHENA,
2008).
Em matéria de suicídio, ousamos discordar do autor espanhol, uma vez
que a dificuldade em se comprovar o motivo ensejador de tal prática contra a própria
vida é ainda maior. Neste caso, o cuidado na análise da ocorrência de bullicídio
deve ser mais comedido. Defendemos, então, pela excepcionalidade de uma prova
cabal para sua caracterização como acidente de trabalho, a fim de que não paire
injustiças e fraudes contra o empregador, o qual arcaria com as despesas –
provavelmente através de uma pensão vitalícia à família do suicida – bem como,
para o Estado que se veria obrigado a efetuar o benefício previdenciário de pensão
por morte aos dependentes do falecido. Por outro lado, havendo prova inequívoca
de que o suicídio ocorrera por ocasião da atividade profissional, não haveria motivo
para não enquadrar tal consequência – diga-se, a mais gravosa – como doença do
trabalho nos moldes da legislação previdenciária.
Desta feita, é de se dizer que, em determinadas situações, o meio laboral
exerce sobre o homem uma situação específica, cujo impacto é a saúde psíquica,
fazendo emergir um sofrimento e, consequentemente, levando o obreiro a estados
de enfermidades como a fadiga crônica, distúrbios no sono, alcoolismo, depressão,
stress, síndrome de burnout, entre outras. A dificuldade hoje é apenas esclarecer o
que é considerado assédio moral e o que não é, sob pena de se cair numa
banalização injusta para o empregador e criar para o empregado um enriquecimento
ilícito.
Afora isso, não vemos razão para não enquadrar o assédio moral como
acidente de trabalho, sendo esta penalidade não só para o empregador que não
procurou adequar uma ambiente salutar para o obreiro, mas também para o Estado,
que se torna co-responsável pela degradação do meio laboral e os riscos dele
decorrentes. E a violência moral, como já foi visto, nada mais é do que um risco
psicossocial inerente a qualquer tipo de trabalho. Cabe ao empregador, contudo, a
seguinte opção: ter um ambiente de trabalho impiedoso, sem nem ter o cuidado de
escolher melhor seus prepostos, ou simplesmente adotar medidas que previnam tais
práticas perversas.
3.2. Medidas Preventivas no âmbito empresarial
Saindo um pouco da esfera da vítima, os efeitos gerados para o
empregador atingem níveis muitas vezes absurdos. As perdas para a empresa
podem ser resumidas em, por exemplo, queda da produtividade, imagem negativa
perante os consumidores e o mercado de trabalho, alteração na qualidade do
serviço, acompanhado de baixo índice de criatividade, doenças profissionais, troca
constante de empregados paralela à ocorrência de inúmeras rescisões contratuais e
constantes seleções e treinamentos de pessoal, e o aumento de reclamações
trabalhistas. As mencionadas consequências do assédio moral podem ser
amenizadas, ou até mesmo erradicadas, com algumas medidas de prevenção do
fenômeno. Trataremos neste capítulo, portanto, de medidas simples – mas que se
colocadas em prática podem ser bastante eficazes –, que se voltam mais para a
prevenção do que para o combate propriamente dito.
Assim, no âmbito individual, é aconselhável desenvolver estratégias de
defesa, seja anotando e datando os fatos, seja buscando aliados que, futuramente,
poderão servir como testemunhas numa possível reclamação trabalhista. Todavia, a
forma mais eficaz de combate da violência moral é a prevenção promovida pelo
empregador (GUEDES, 2004, p. 8).
Muito mais que o empregado, o empregador é um dos grandes
responsáveis pela ocorrência da violência perversa nas dependências da empresa.
Os problemas de relacionamento dentro do ambiente de trabalho e os prejuízos daí
resultantes são proporcionalmente maiores quanto maior for a desorganização da
empresa e maior for o grau de tolerância do empregador no que pertine às práticas
de assédio moral.
Uma empresa desorganizada nem sempre consegue identificar os
problemas entre as pessoas, seja na relação empregado-empregador, seja na
relação empregado-empregado, seja no modo em como está sendo apreciada uma
“nova gestão” na empresa pelos subordinados. Nesse sentido, acaba ignorando, por
vezes, que alguns de seus prepostos agem com a violência moral para com seus
subordinados. Sabe ele que os custos de tais práticas equivalem a prejuízos na
própria empresa, uma vez que a produtividade da vítima diminui, bem como poderá
arcar com uma indenização porventura a ser postulada pelo ofendido. Ou seja,
percebe-se que, mesmo que o empregador não dê o seu aval ao comportamento do
assédio, ele é quem responderá objetivamente pelos danos causados ao ofendido
(RUFINO, 2007, p. 105).
Para tanto, em primeiro lugar, é indispensável uma reflexão por parte da
empresa sobre a forma de organização do trabalho e seus métodos de gestão de
pessoal. Vale lembrar que estamos a falar de pessoas e não de máquinas, como
bem lembra Patrícia Oliveira Lima Pessanha. Essa lembrança é importante para que
seja garantida a eficácia das medidas preventivas. Nesse sentido, a disponibilidade
de profissionais devidamente habilitados no assunto pode ajudar a amenizar os
problemas oriundos da violência moral perpetrada no ambiente de trabalho. Uma
primeira providência seria a criação de Ouvidoria no âmbito empresarial ou, no caso
de pequenas empresas, a designação de um determinado grupo de empregados
imbuídos da mesma finalidade. Tal medida, apesar de ser simples, torna viável o
conhecimento da empresa sobre as problemáticas interpessoais de cunho lesivo, ao
mesmo tempo em que viabiliza as resoluções preventivas antes da ocorrência de
uma lesão maior à dignidade do trabalhador. Outros profissionais habilitados que
podem ser citados são os conciliadores, os assistentes sociais, psicólogos e
psiquiatras, todos atuando junto ao setor médico da empresa, conforme a
necessidade que cada caso apresentar (PESSANHA, 2009).
Nesse contexto, seria também interessante o empregador valer-se de
mecanismos efetivos de veiculação de queixas, através da adoção de
procedimentos formais e informais, com a oitiva dos envolvidos, acompanhada da
garantia de confidencialidade, boa comunicação, competente averiguação,
celeridade e proibição de represálias. Junte-se a isso o estímulo à denúncia de
casos e a solidariedade com os colegas que testemunham o assédio, além do
estímulo à mobilização dos trabalhadores para a busca da erradicação do problema
(RUFINO, 2007, p. 105; BELMONTE, 2008, p. 1334/1335).
Em sua pesquisa de campo, ao entrevistar vítimas do assédio moral,
Leandro Queiroz Soares, em tema de medidas preventivas que devem ser tomadas
pelo empregador, percebeu entre todos os entrevistados que nenhum deles
escolheu por medidas radicais como, por exemplo, uma denúncia a gestores de
nível hierárquico mais elevado ou a defesa legal – o que seria aparentemente mais
adequado para a situação perversa que geralmente se apresenta – sob a justificativa
plausível de que medidas como estas poderiam colocar seus empregos em risco.
Optaram, contudo, para medidas mais simples, entre elas podemos citar: a
disseminação da temática por diferentes meios (como palestras e informativos
impressos ou eletrônicos) a fim de alertar o maior número possível de trabalhadores
da organização acerca da necessidade de combate e prevenção do assédio moral
no trabalho; o incentivo destinado a todos os trabalhadores da instituição, inclusive
os prepostos, que se solidarizem com os assediados e ajam no sentido de impedir a
continuidade da violência, transparecendo claramente que desaprovam tais
condutas e as denunciando para os órgãos competentes sob a garantia de sigilo e
proteção; previsão documental e aplicação efetiva de punições a quaisquer práticas
violentas, englobando desde sanções disciplinares até a demissão; maior abertura
por parte da organização para atuação do sindicato; entre outras medidas
(SOARES, 2006, p. 146/147)
.
De fato, podemos inferir que os mecanismos de prevenção também
podem se originar de uma maior atuação dos sindicatos representativos, da eleição
de um grupo de representantes dos trabalhadores e uma maior fiscalização por parte
da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA). Os sindicatos têm o papel
de defender a classe dos trabalhadores e, por isso, devem colocar entre seus
objetivos uma proteção eficaz contra o assédio moral e outros atentados ao
trabalhador. Junto aos sindicatos, a sua atuação pode ser reforçada com os
representantes dos órgãos públicos como os Auditores Fiscais do Trabalho e do
judiciário como os Procuradores do Trabalho, adotando todos eles mecanismos para
atenuação do problema do comportamento humilhante que tanto infringe as
garantias constitucionais do trabalhador (PESSANHA, 2009; RUFINO, 2007, p. 106).
O problema dos sindicatos hoje é a desvirtuação do seu papel de sua real
finalidade, qual seja, a de prover a defesa dos direitos dos trabalhadores de classe.
Por seu turno, os empregados sindicalizados deveriam cobrar uma maior efetivação
dos poderes dos sindicatos na busca de seus reais interesses. Em realidade, a
prevenção do assédio moral pelos sindicatos no interior das empresas deveria ser
uma verdadeira arma para combater toda e qualquer conduta que vise anular os
direitos essenciais dos trabalhadores (MOLON, 2004, p. 4).
Não obstante tudo o quanto já mencionado, é inegável que o melhor tipo
de prevenção à prática de assédio moral é a atuação participativa, criando sempre
canais de comunicação com o empregado, especialmente a criação e oficialização
de um espaço de discussão mediado preferencialmente por profissionais
contratados para esse fim. Nesse contexto, também os meios de interação e
participação dos trabalhadores quanto aos objetivos empresariais são importantes
na medida em que se sentem úteis e engajados com o fim social da instituição em
que trabalham, aumentado sua auto-estima e tornando-os mais fortes para eventuais
perversidades atiradas contra eles (SOARES, 2006, p. 146; RUFINO, 2007, p. 105;
BELMONTE, 2008, p. 1334/1335)
Podemos citar ainda outra medida preventiva também a ser tomada pelo
empregador: alterar a política comportamental da empresa. Isso significa incentivar
de várias formas a auto-estima do obreiro, o que certamente aumentará a
produtividade, o lucro e o bem-estar dos trabalhadores, e, consequentemente,
diminuirá a falta dos funcionários, bem como o número de acidentes de trabalho na
instituição. Ou seja, não seria uma medida direcionada diretamente ao combate do
assédio moral, tratar-se-iam de mecanismos indiretos capazes de fortalecer a
personalidade dos trabalhadores dentro da empresa, engrenando-os em todas as
formas de participação no âmbito empresarial, e dificultando, desta feita, a
inseminação de transtornos nas mentais nos trabalhadores, o que os tornam mais
fortes do ponto de vista da vulnerabilidade (RUFINO, 2007, p. 105).
Já que não podemos criar uma forma de completa extinção do problema
em todos os âmbitos de trabalho, em todas as organizações empresariais, enfim, em
qualquer tipo de relação de trabalho, resta tão somente a tentativa de prevenir o
fenômeno. Ao empregador, cabe uma melhor escolha sobre seus prepostos, bem
como uma rigorosa vigilância sobre eles. Ao Poder Legislativo um melhor
entendimento, pesquisa de campo, estatística, e maior preocupação com a matéria,
promovendo uma legislação adequada. Ao Ministério Público, resta maior
fiscalização nas grandes e pequenas empresas, sucedida de uma denúncia
impiedosa. Ao Poder Judiciário, cabe a aplicação da diminuta lei vigente que,
melhorada com os ditames da Carta Magna, pode ser capaz de alcançar a melhor
solução para o litígio apresentado (LOPER, 2004, p.15).
As soluções, portanto, são imprescindíveis para a modernidade, a fim de
impor limites ao capitalismo e à globalização e, por via de consequência, minimizar
efetivamente o assédio moral. Mais importante ainda é a necessidade de
reeducação de valores éticos e morais no âmbito das organizações, vez que
estamos diante de uma profunda mudança cultural em nossa sociedade, bem como
do incentivo à prática do diálogo constante, baseado no respeito mútuo e no
companheirismo.
CONCLUSÃO
Tema polêmico em sua essência, o mobbing afeta diretamente a
dignidade da pessoa humana através de condutas abusivas reiteradas e
prolongadas, desestabilizando o emocional do mobbizado.
O primeiro passo foi desmistificar o assédio moral, na medida em que se
confunde com freqüência simples pressões e atritos cotidianos com o mencionado
fenômeno. A cobrança por melhorias na prestação de serviços, por exemplo,
encontra-se dentro dos poderes diretivos do empregador, saindo da órbita do
razoável e entrando no mobbing apenas quando são afetados direitos fundamentais
do trabalhador, basicamente sua dignidade integridade moral. É preciso realmente
tratá-lo de forma cuidadosa, com a precisa identificação de seus elementos
caracterizadores, como demonstrado no primeiro capítulo, sob pena de banalização,
o que levaria a um descrédito e impossibilitaria a adequada implementação de uma
responsabilidade civil sobre o empregador.
Apresentadas as principais características, partiu-se para uma das
grandes causas do crescimento desse tipo de violência laboral, qual seja, a
modernidade. A reflexão nesse aspecto é necessária a fim de que possamos ter um
melhor entendimento sobre o assunto, sobretudo sua origem. A vida moderna – ou
pós-moderna – nos leva a algum tipo de experiência de assédio moral. Os próprios
empregadores são pressionados ora por seus concorrentes, ora pelo próprio poder
público com tributos exagerados e serviços ineficientes, ora pelas crises políticas e
econômicas que se multiplicam tanto dentro quanto fora do país. Podermos de fato
entender o assédio moral como uma síndrome da modernidade, decorrente das
pressões psicológicas impostas pelo mundo atual, em face da velocidade extremada
em que ocorrem as relações sociais, comerciais e econômicas. No ambiente de
trabalho, em razão da existência de níveis de hierarquia, é “permitido” que o
empregador transmita suas angústias para seus subordinados, que já vivendo num
ambiente de pressões sociais, familiares, econômicas, se torna vítima de um sistema
perverso.
É inegável, portanto, que o assédio moral constitui ato ilícito, e como todo
ato ilícito a consequência é a obrigação de reparar o dano através de uma
indenização. Como se viu, a responsabilidade aqui é objetiva, bastando que se
prove a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano sofrido
pela vítima.
A Suécia, Alemanha e Itália, como visto acima, já possuem diversas leis
específicas sobre esse assunto. Embora se trate de ocorrência tão antiga quanto o
próprio trabalho, no Brasil, o tema surge apreciado ainda de forma tímida, somente
agora com alguns projetos de lei, visando a redução e prevenção deste risco
trabalhista.
As consequências geradas para as vítimas estão diretamente
relacionadas com a intensidade e a duração da agressão. Os transtornos
apresentados nada mais são do que a autodefesa do organismo a uma
hiperestimulação e a tentativa da pessoa adaptar-se para enfrentar a situação. O
problema, como visto, nasce quando, ultrapassado o limite criado pelo próprio
metabolismo, cria no indivíduo uma patologia crônica muitas vezes irreversíveis.
Dos inegáveis custos psicofísicos ao trabalhador, surgem os efeitos
jurídicos mencionados, tais como a despedida indireta, a indenização por danos
morais, a reintegração, as penas disciplinares, e o acidente de trabalho.
Apresentadas as ressalvas de alguns autores nesse assunta, resta apenas declarar
que, enquadrar o assédio moral como acidente de trabalho não pode ser recusado
se estivermos diante de incontestável dano à saúde do ofendido por ocasião do
trabalho.
Conforme observamos também, a manutenção de um ambiente de
trabalho salutar, abrangendo aí a questão psicológica, não é somente uma
obrigação do empregador, mas também é de seu interesse, já que a concorrência de
fatores estimulantes e harmoniosos no ambiente laboral implicará, logicamente, no
estímulo ao incremento da produtividade. Daí o extrai-se o real sentido das medidas
preventivas a serem tomadas sempre como norte para o empregador.
Por tudo isso, devemos repensar profundamente o ambiente de trabalho
com o fito de se alcançar um meio saudável onde haja a possibilidade de
comunicação , de relacionamento, enfim, de convivência sadia, valorizando-se
medidas que engrandeçam o trabalhador como ser humano e não como uma
máquina que não pensa e não tem sentimentos. A responsabilidade social da
empresa deve ser despertada onde ela própria adota a política interna de apoio aos
seus subordinados de maneira digna. Nessa responsabilidade social podemos
incutir também o legislador que devem sempre buscar criar o melhor remédio
legislativo para punir os ofensores, bem como criando leis para incentivar na
prevenção do dano. Tais medidas são imprescindíveis para o princípio basilar tão
caro ao direito do trabalho: o da dignidade do trabalhador.
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