RELAÇÃO ENTRE OS EFEITOS JURÍDICOS E PSICOSSOMÁTICOS DO ASSÉDIO MORAL BRUNA KARLA LIMA DE SIQUEIRA RESUMO O objetivo do presente estudo é analisar os efeitos jurídicos e psicossomáticos gerados pela forma mais primária de tratamento nas relações entre os homens: a violência moral no âmbito empresarial. PALAVRAS-CHAVE: assédio moral, dignidade, saúde, transtornos mentais, acidente de trabalho, prevenção. ABSTRACT The objective of this study is to analyze the legal and psychosomatic effects caused by the most primitive form of treatment in relationships among men: moral violence in business sphere. KEYWORDS: mobbing, dignity, health, mental disturbance, work accident, precaution. INTRODUÇÃO Os homens criaram as regras para viver com o mínimo de segurança e tranqüilidade, mesmo sabendo que tais regras trazem consigo certas limitações. O direito foi a melhor maneira que eles encontraram para que pudessem viver bem e em paz, baseando-se, sobretudo, no respeito mútuo e acompanhando sempre as modificações culturais na sociedade. Entretanto, atualmente, o direito está longe de ser algo que garanta o bom relacionamento entre os indivíduos, sendo mais referência para brigas e discussões. Aliás, é vislumbrado, ultimamente, como fonte de decisões injustas e desconexas com a realidade. Um dos maiores motivos para tanta discórdia e descrença no direito é a extrema racionalização pela qual passou a ciência jurídica. A antiga preocupação dos juristas com o relacionamento das pessoas e do que é realmente importante para a sociedade deu lugar à mera exposição de fórmulas jurídicas através de códigos e leis esparsas. O direito deve acompanhar as mudanças sociais e, se as leis não mudam, devem-se ao menos mudar sua interpretação, sempre em prol da sociedade. Cabe ao operador do direito, portanto, captar a mudança do pensamento das pessoas, visando a aplicar as leis de maneira mais justa e necessária a determinado caso. Em outras palavras, uma formação interdisciplinar é essencial para uma boa atuação do jurista. E o assédio moral é o maior exemplo de inter e multidisciplinaridade. Isso porque outras ciências humanas, como a psicologia, psiquiatria e medicina do trabalho, fizeram nascer os primeiros estímulos capazes chamar a atenção do Direito em matéria de assédio, este tão antigo quanto o próprio trabalho. A tão conhecida frase o “homem como lobo do homem” é bastante elucidativa para o tema do assédio moral, uma vez que é o próprio indivíduo o agente causador do dano perverso. De execução muitas vezes disfarçada e sutil, mas sempre dolosa, o assédio moral é perpetrado por indivíduos geralmente despreparados para o exercício da chefia e portadores de distúrbios de comportamento. Envolve atos reiterados que visam atingir a auto-estima do trabalhador, sua honra, intimidade e dignidade, desestruturando suas defesas psíquicas e somáticas. Nesse contexto, o estudo tratará especialmente sobre a repercussão do assédio moral afetando diretamente a saúde do trabalhador, seja ela física ou mental, bem como a repercussão no mundo jurídico. 1. Noções Gerais de Assédio Moral 1.1. Conceito e características Pautando-se em deveres gerais do empregador para com seus empregados, diga-se, inicialmente, que seria o de criar um ambiente de trabalho saudável. Tal se verifica não apenas na qualidade das instalações físicas, mas também, e principalmente, na harmonia emocional entre todos os trabalhadores. Não se pode negar, contudo, que alguns desentendimentos e pequenas desarmonias são normais. O que não se afigura razoável é o excesso e o extraordinário. Assim, o julgador, diante de um caso concreto, deve-se perguntar se há relevância naquele caso, ou seja, se houve efetivamente uma extrapolação dos limites do razoável; ou se tudo não passa de um mero aborrecimento ou transtorno. Abrindo desde já um parênteses bastante oportuno e necessário, é por essa razão que o assédio moral vem sendo banalizado, e isso se constata com os inúmeros pedidos de indenização por dano moral e que já ultrapassa o pedido de horas extras no âmbito da Justiça do Trabalho, antigo campeão das reclamações trabalhistas. Não se deve confundir simples conflitos esporádicos ou mesmo más condições de trabalho, com o assédio moral propriamente dito. Pequenos desentendimentos, repita-se, são comuns em qualquer tipo de associação de pessoas, porém, a reiteração de condutas abusivas e vexatórias com o fito de prejudicar o obreiro é que rompem a harmonia acima mencionada e caracteriza o assédio moral (ZANGRANDO, 2008, p. 1075). Dito isso, e deixando de lado tal pensamento que banaliza esse grave fenômeno, é de se dizer que o assédio moral trata-se de um fato bem conhecido por todos, mas ainda pouco discutido, se levarmos em consideração a gravidade que muitos casos expressam, sendo recente seu reconhecimento e em alguns países sua reparação. Assim, destacamos o conceito do assédio moral fornecido pelo sítio de pesquisa www.assediomoral.org: “(...) a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego (...).” Várias nomenclaturas podem ser utilizadas como sinônimo do assédio moral, denotando a importância do tema em diversos países, como, por exemplo: harcèlement moral (assédio moral), na França; bullying (tiranizar), na Inglaterra; mobbing (molestar), nos Estados Unidos e na Suécia; murahachibu, ijime (ostracismo social), no Japão; psicoterror laboral, acosso moral (psicoterror laboral, assédio moral), na Espanha (TARCITANO e GUIMARÃES, 2004, p.5). As consequências jurídicas do assédio moral só vieram a ser reconhecidas pioneiramente na década de 1990, em que a psicanalista e vitimologista francesa Marie-France Hirigoyen lançou na França um estudo detalhado sobre o fenômeno, intitulado “Assédio moral: a violência perversa do cotidiano”. Para essa estudiosa, as microagressões pressupõem, à primeira vista, a ideia de pouca gravidade, porém, se praticadas de forma sistemática, tornam-se destrutivas para qualquer ser humano. Através de uma conduta lesiva capaz de criar um ambiente de trabalho hostil expondo o empregado a situações reiteradas de constrangimento e humilhação, o empregador, ou até mesmo um preposto seu, acaba por ofender a saúde física e mental do obreiro. Diz-se física porque muitas vezes tal fenômeno desencadeia para o empregado problemas de saúde de ordem orgânica, e não somente de ordem psíquica, não obstante este seja o mais comum. Assim, finalmente, podemos conceituar o fenômeno do assédio moral como sendo uma exposição prolongada e constante dos trabalhadores a situações vexatórias, humilhantes e degradantes durante o exercício de suas funções no ambiente de trabalho. Ou seja, uma das características que se pode destacar do assédio moral seria justamente a exposição excessiva e contínua da vítima de modo a afetar diretamente o exercício profissional. Imperioso destacar a figura do assediador que, na maioria das vezes, é um chefe; porém, como se verá mais adiante, pode ser o próprio colega de trabalho, que, por se achar em situação privilegiada, corrobora com as práticas do assédio moral. Num ou noutro caso, segundo estudos da OIT, o assediador caracteriza-se pela agressividade, podendo adotar atitudes menos chamativas, tais como o desprezo, a ironia ou obsessão em demonstrar aos outros reiteradamente, o poderio da função que exerce, utilizando-se de mecanismos perversos para se defender (NASSIF, 2006, p. 732). Seu perfil, por assim dizer, denota uma personalidade narcisista que, vivendo uma verdadeira crise existencial, ataca a auto-estima do outro e maximiza seus defeitos, transferindo-lhe uma dor que não admite em si mesmo. Em realidade, essa crise nasce da contradição entre aquilo que ele é e aquilo que ele gostaria de ser. Muitas vezes ele é um indivíduo com personalidade dura e impermeável à existência de um grupo social que o rodeia, indiferente a tudo o que acontece no meio laboral, e gostaria de ser aquele indivíduo especial, portador de grande admiração por seus colegas de trabalho e de poder ilimitado para fins de controle sobre estes (NASSIF, 2006, p. 732). Um profundo sentimento de inveja – motivo da grande maioria dos casos de mobbing – toma conta do agressor, como expõe com excelência Suzana J. de Oliveira Carmo: “(...) Decerto, a inveja, é o mais aniquilador dos instintos do homem. Falamos em instinto, porque a inveja retira do ser sua racionalidade, quando seu único desejo é a destruição daquilo que lhe parece bom e melhor, do que ele mesmo, ou, do que possui. (...) Compondo par com a rivalidade e competitividade, a inveja traz à tona do indivíduo, primeiramente, um profundo desprezo pessoal, como se não houvesse nada admirável em si, e como se não houvesse espaço para subsistência de dois ou mais valores concomitantes, ou seja, ele e a vítima. Talvez, o invejoso empregue a si o uso extremado das palavras ‘eu não’. Eu não sou, eu não tenho, eu não posso, eu não consigo. Daí surge um outro chavão costumeiramente utilizado: ‘eu vou’. Eu vou humilhar, eu vou ofender, eu vou menosprezar, eu vou desdenhar, por fim, eu vou destruir (...)” Já o perfil do assediado é de uma pessoa insegura, pois teme a todo momento a desaprovação das pessoas, tendendo a se culpar por tudo de errado que acontece em seu redor. É, por outro lado, uma pessoa inocente porque busca a admiração de todos, acredita nos seus colegas, é solidário, tem uma grande autoestima e geralmente uma capacidade superior ao dos demais, o que desperta ainda mais a inveja do ofensor, achando este que a futura vítima é uma ameaça no ambiente em que trabalha (TARCITANO e GUIMARÃES, 2004, p. 23). Outra característica e não menos importante do fenômeno é a necessidade que possui o assediador de uma “plateia”, com o objetivo de focalizar e destacar a vítima como a única culpada no ambiente em que labora, responsabilizando-a, ela própria, pela situação de segregação em que vem sendo constantemente submetida (DA ROSA, p. 8). O assediador, nesse contexto, busca influenciar os colegas de trabalho da vítima, bem como outros superiores hierárquicos, a fim de que obtenha o apoio necessário a constranger e isolar o assediado. Ou seja, a vítima é simplesmente isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada e desacreditada diante dos seus colegas de trabalho. Estes, por medo do desemprego e da humilhação de que também podem ser vítimas, sofrem grande influência do ofensor, rompendo os laços afetivos com a assedidado, muitas vezes acabando por reproduzir os atos do agressor no ambiente de trabalho. Percebe-se, então, o negativismo imposto ao obreiro por dois lados: pelo agressor ao persuadir outros trabalhadores para reforçar e apoiar o comportamento perverso, e a própria “plateia” ao instigar ainda mais o assediador a reiterar tais condutas, até conseguir chegar ao seu intento. Por esse motivo, a vítima vai passando por um processo cancerígeno. Inicialmente, se vê isolada de todo o grupo, em seguida vai paulatinamente se desestabilizando, se fragilizando, perdendo sua auto-estima, e, por fim, não suportando mais essa situação, se sente obrigada a deixar seu emprego ou, numa decisão mais grotesca, a se suicidar, como veremos em tópicos seguintes. De forma mais detalhada, podemos dizer que inicialmente a vítima é escolhida para servir de “exemplo” no meio de trabalho, sendo a ela dirigido algum tipo de conflito. Tal conflito dá origem ao mobbing propriamente dito, no qual o perseguidor ainda não causa na vítima qualquer tipo de sintoma, todavia vai gerando nela um sentimento de desconforto e afastamento do grupo, colocando-a desde já numa posição de defesa. Gradativamente, as situações vão se repetindo contra o mesmo indivíduo, e junto com ele começam a surgir os sintomas psicossomáticos, acompanhados sempre de um forte sentimento de insegurança, insônia e problemas digestivos, entrando em leve estado depressivo. A vítima, então, fecha-se em seu próprio mundo, aterrorizada com o ambiente com que é obrigada a vivenciar todos os dias. Observa-se, então, a piora na saúde com síndromes psicopatológicas de variadas origens, e, por fim, a saída do “mobbizado” de seu local de trabalho, levando consigo, e para toda a vida, o trauma de uma relação de emprego, com consequências gravíssimas de ordem salutar (TADEU, 2007, p. 7/9). Em meio a uma detalhada pesquisa jurisprudencial, facilmente se constatam exemplos comuns e dos mais variados de assédio moral, prova cabal de que estes atos muitas vezes são mais lucrativos para a grande massa de empregadores, os quais relegam a saúde mental de seus subordinados a um segundo plano. São exemplos típicos de assédio moral, portanto a ofensa verbal constante1; confinamento proposital do empregado em sala afastada, sem real necessidade; humilhação como decorrência do acidente de trabalho sofrido 2; diminuição injustificada da autonomia a que faria jus; cobranças individuais, diárias e constantes por metas, de modo grosseiro3; ócio forçado4; revista íntima realizada de forma excessiva5; indiferença, silêncio forçado ou recusa de comunicação; imposição de tarefas de difícil ou impossível realização6; atribuição proposital e sistemática de tarefas inferiores à capacidade do assediado7; isolamento decretado pelo empregador8; ameaças ou sugestões de demissão9; dinâmica de grupo que expõe os participantes a situações humilhantes e vexatórias (exposição constante ao ridículo), como por exemplo a realização de “prendas” 10; contestação injustificada das decisões tomadas pela vítima; divulgação pública de doenças ou problemas pessoais cumulada ou não com apelidos de mau gosto11; críticas ao trabalho de forma injusta ou exagerada abalando ou não a credibilidade profissional do 1TRT 14ªRegião, RO 00119.2008.402.14.00-7, Relator: Vulmar de Araújo Coêlho Junior, DJ/AC: 26/12/2008. 2TRT 14ª Região, RO 00008.2007.051.14.00-7, Relator: Elana Cardoso Lopes Leiva de Fraga, DJ/RO: 30/09/2008. 3TRT 2ª Região, RO 02092-2007-018-02-00-4, Relator: Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva, DJ/SP: 16/04/2010. 4TRT 2ª Região, RO 01078-2007-341-02-00-5, Relator: Marcelo Freire Gonçalves, DJ/SP: 16/04/2010. 5TRT 20ª Região, RO 00029-2009-001-20-00-5, Relator: Augusto César Leite de Carvalho, DJ/SE: 04/12/2009. 6TRT 2ª Região, RO 03878-2006-083-02-00-7, Relator: Davi Furtado Meirelles, DJ/SP: 09/10/2009. 7TRT 14ª Região, RO 00138.2009.001.14.01-8, Relator: Socorro Miranda, DJ/RO: 28/09/2009 8TRT 2ª Região, RO 00757-2007-079-02-00-5, Relator: Ricardo Artur Costa e Trigueiros, DJ/SP: 18/12/2009. 9TRT 20ª Região, RO 02309-2008-003-20-00-0, Relator: Augusto César Leite de Carvalho, DJ/SE: 17/09/2009 10TRT 2ª Região, RO 14636-2003-902-02-00-5, Relator: Rosa Maria Zuccaro, DJ/SP: 23/09/2003. 11TRT 20ª Região, RO 00658-2008-005-20-00-0, Relator: Carlos Alberto Pedreira Cardoso, DJ/SE: 24/09/2009. empregado12; privação de acesso aos instrumentos de trabalho 13; tratamento alvitante e preconceituoso por superior hierárquico14; entre outros. Dessa forma, o psicoterror, como muitos assim retratam o fenômeno, se exterioriza por inúmeros gestos e comportamentos obsessivos e inferiorizantes, como visto acima de forma exemplificada, de modo a provocar consequências gravíssimas em torno de suas relações pessoais. Entretanto, é a repetição dessa prática e durante um determinado lapso temporal que configura o fenômeno objeto deste estudo monográfico. O assédio moral caracteriza-se, pois, como cansativamente demonstrado, pela verificação, em conjunto, da natureza psicológica, do caráter reiterado e prolongado da conduta ofensiva, da necessidade de uma “plateia”, da finalidade de exclusão e, principalmente, da presença de grave dano psíquico-emocional como decorrência dessas condutas. 1.2. Assédio moral como um dos efeitos da modernização A necessidade do ser humano em viver em coletividade remonta à época primitiva, tempo em que se priorizava a segurança e melhor proteção dos membros da tribo pertencente, fortalecendo, pois, a ideia de dependência do homem em relação ao grupo. A divisão de grupos, por sua vez, foi responsável pelas grandes e conhecidas disputas históricas, e, ao extinguir povos e destruir culturas, deixava de lado a dignidade e a moral dos mesmos. Exemplo típico que podemos apontar seria a escravidão que perdurou por tanto tempo na humanidade, sendo ela a forma mais primitiva de trabalho vez que os escravos não possuíam qualquer direito, que dirá uma recompensa (DIXON, 2008, p. 8). Transcorrido séculos de lutas pela liberdade e o mínimo de dignidade, do trabalho escravo passou-se ao trabalho autônomo artesão, destacando-se nesse período as corporações de ofício, que na Idade Média proporcionava maior liberdade ao trabalhador, uma vez que existia em cada corporação um estatuto tratando das relações de trabalho. Desenvolveu-se, portanto, as manufaturas monopolistas, eclodindo nesse contexto a Revolução Industrial na Inglaterra em meados do século XVIII e XIX, período em que, diante da precariedade das relações de trabalho, iniciou-se um interesse pela proteção da vida e da saúde do trabalhador. O século XX, por sua vez, dá ensejo à maior proteção contra abusos de ordem social e econômica com o fito de amparo ao trabalhador através de direitos e medidas assecuratórias de emprego e remuneração, assegurando-lhe o mínimo de subsídios capazes de manter uma vida digna (DIXON, 2008, p. 8). Já o século que vivenciamos atualmente nos mostra outro quadro: um novo ambiente de trabalho regido pela globalização, modernização, indústrias, empresas multinacionais, tudo isso ligado à busca incessante pelo lucro, gerando consequências muitas vezes irreversíveis. Tem-se agora um ritmo mais acelerado de trabalho bem como uma maior pressão aos trabalhadores no que se refere, por 12TRT 2ª Região, RO 00424-2004-482-02-00-9, Relator: Paulo Augusto Camara, DJ/SP: 28/04/2009. 20ª Região, RO 02353-2008-003-20-00-0, Relator: Carlos Alberto Pedreira Cardoso, DJ/SE: 24/09/2009 14TRT 14ª Região, RO 01173.2005.091.14.00-3, Relator: Maria do Socorro Costa Miranda, DJ/AC: 19/05/2006. 13TRT exemplo, à responsabilidade excessiva, divisão de tarefas e repetitividade. Isso sem falar da alta percentagem de desemprego que assola o mundo, maior fantasma da modernização e motivo da alta competição no ambiente de trabalho. Nesse meio, encontramos também várias pessoas sem escrúpulos, capazes de qualquer coisa para conseguir o poder tão almejado, gerando conflitos e discriminação no âmbito laboral (MOLON, 2005, p. 1). Esse quadro desencadeia uma busca desenfreada pelo lucro embasada nas leis de mercado pela alta competitividade, busca pelo aperfeiçoamento profissional, normas internas nas empresas objetivando a produtividade e o atingimento de metas. Tudo isso contribui para o afastamento entre pessoas de um mesmo grupo (lembremos que o grupo na era primitiva ao menos se unia para defender seus pares na luta contra outras tribos), para a indiferença com os problemas alheios, bem como para o fortalecimento do individualismo. Encontramo-nos na era do “cada um por si”, mas sempre com o mesmo objetivo desde os primórdios: a produção constante de riquezas. Nada obstante as inovações laborais e a mutabilidade da história do homem, o que se percebe é que as relações de trabalho são naturalmente desequilibradas, numa constante exploração do homem pelo homem, o qual denega a segundo plano a questão social (TEIXEIRA, 2009, p. 3) . O que se quer demonstrar no presente tópico, portanto, é a existência de um paralelismo entre o mobbing e a globalização. O assédio moral existe desde os primórdios da humanidade, em qualquer tipo de relação pessoal, principalmente no âmbito de labor. O que é mais espantoso é a constatação de que, em pleno século XXI, esses tipos de práticas torturantes são perpetrados por empresas nacionais de grande porte e algumas multinacionais. Isso porque diante da atual evolução da organização do trabalho e dos fenômenos como a globalização, vê-se a impotência e inutilidade de um empregado que não consegue se adaptar às novas exigências, as quais clamam por empregados cada vez mais aptos e criativos, além de ter que gozar de plena saúde física e mental. Repita-se, a responsabilidade do trabalhador aumenta ao longo do tempo, elevando paralelamente a exigência sobre o mesmo para fins de preservação de seu emprego. É com essa problemática que o empregado passa a aceitar silenciosamente e de maneira sofrida qualquer conduta desabonadora do empregador, evitando o risco de perder seu lugar no mercado de trabalho. Face à realidade que se enfrenta atualmente no ambiente laboral, a globalização acaba por colocar o ser humano como “meio” e não como “fim” no processo de produção de riquezas. Ou seja, a produção volta-se a atender mais às necessidades do mercado do que às de seus trabalhadores. Por conta dessa inversão de papéis, se desencadeiam as grandes submissões dos empregados para com os seus respectivos empregadores, passando estes a exigir cada vez mais a força e o intelecto daqueles. Desse meio de grandes exigências e desqualificações emerge facilmente o assédio moral, que passa a ser praticado pelos superiores hierárquicos através da manipulação, ameaça, reforço do autoritarismo, submissão, disciplina, constrangimento, entre outros meios sutis de perversidade rompendo o limite do que seria moralmente aceito (TARCITANO e GUIMARÃES, 2004, p. 17/18). Na órbita da relação trabalhista, a globalização apresenta-se como uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo em que moderniza e facilita todos os setores da economia, ela também causa na sociedade uma onda feita de exclusão, de desigualdades e de injustiças, que sustenta, por sua vez, um clima repleto de agressividade inclusive no mundo do trabalho. A atual meta da empresa do século XXI é tentar aniquilar de uma vez por todas qualquer tipo de pressão psicológica contra a sua própria mão de obra. Assim, o trabalho deixa de destinar-se simplesmente à satisfação de necessidades primárias próprias e da família, e torna-se o lugar do empregado para se firmar no mercado de trabalho com um status social desejado por ele. Este, ao vestir a camisa da empresa e defender seu posto de trabalho da concorrência, acaba tornando-se “sócio” da mesma. À primeira vista, isso deveria ser levado como algo motivacional, como um estímulo de reconhecimento no âmbito de labor. Porém, diante de tanta expectativa, de tanto empenho, o que se vê facilmente dentro das organizações empresariais é que o local de trabalho pode se transformar na pior fonte de frustração e insatisfação e se tornar a causa de diversos problemas de ordem psíquica. 1.3. Responsabilidade civil do empregador O instituto da responsabilidade civil reflete grande importância dentro do tema apresentado no presente estudo uma vez que faz parte do direito obrigacional, porquanto a prática de um ato ilícito acarreta para o ofensor a obrigação de reparar o dano à vítima. Por isso mesmo, o art. 186 do Código Civil consagra uma regra universalmente aceita, a de que todo aquele que causa dano a outrem é obrigado a repará-lo: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Tal responsabilidade, entretanto, é subjetiva, ou seja, se baseia na idéia de culpa latu sensu passando esta a ser pressuposto necessário de dano indenizável (SABINO, p. 9). Ao adentrarmos na específica hipótese do dano causado na relação empregatícia, podemos perceber que emerge a responsabilidade civil objetiva em relação ao empregador para com seus empregados, e não subjetiva, com fulcro no art. 933 do diploma civil, sendo a responsabilidade objetiva decorrente sempre de lei em que se exige a reparação do dano independentemente da existência de culpa. (GONÇALVES, 2007, p. 109). Melhor dizendo, no âmbito laboral, o que se analisa em realidade é se efetivamente ocorreu o dano e se houve nexo de causalidade entre o ato ilícito e o dano. Ademais, o Enunciado do STF, verbete 341, deixou assente que “É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto” (grifo nosso). Antes de tudo deve-se ter em vista em qual hipótese se enquadra o assédio moral no caso concreto, se do tipo vertical (ascendente ou descendente) ou horizontal. Nesse diapasão, vale destacar que no caso específico de mobbing vertical ascendente, cujas características já foram detidamente analisadas em tópico próprio, a responsabilidade do empregado enquadra-se na regra geral da responsabilidade civil, qual seja, a subjetiva, tendo em vista a hipossuficiência do obreiro. Como bem lembra Molon, o empregador, ao se deparar com esse tipo de agressão, pode se valer do art. 482 insculpido na norma celetista o qual prevê, dentre as hipóteses de dispensa por justa causa do empregado, aquelas que podem ser interpretadas como assédio moral perpetrado pelo empregado para com o empregador ou preposto seu. Dentre elas o autor cita três casos: o mau procedimento, a indisciplina e o ato lesivo da honra praticado contra o empregador e superiores hierárquicos. O mau procedimento pode ser vislumbrado quando o obreiro tem um comportamento irregular ou uma atitude incorreta dentro da empresa que seja incompatível com as regras que um homem comum deve seguir para viver em sociedade. Exemplo típico de mau procedimento seria o do empregado que utiliza veículo da empresa para fins pessoais quando expressamente vetado por esta. O segundo caso exposto pelo autor, como o próprio nome já diz, ocorre quando o empregado desrespeita as ordens, normas, portarias, circulares e diretrizes gerais da empresa. Já o ato lesivo da honra praticado contra o empregador e superiores hierárquicos é algo bastante subjetivo que deve ser analisado cuidadosamente em cada caso concreto onde o empregado joga contra o empregador/preposto fatos inverídicos e extremamente ofensivos à sua dignidade, sendo irrelevante que tais ofensas tenham sido proferidas fora do ambiente de trabalho. Neste âmbito podemos incluir a calúnia, difamação e injúria previstos no Código Penal nos arts.138, 139 e 140 (MOLON, 2005, p.3). No que pertine às espécies mais comuns de mobbing (vertical descendente) bem como no caso de mobbing horizontal, a responsabilidade aqui, repita-se, é objetiva. Nesta última hipótese (empregado que assedia empregado) deve ser analisado se a vítima buscou uma solução no decorrer do pacto de trabalho, seja pedindo ajuda aos seus superiores hierárquicos, seja através do médico da empresa, por exemplo. Nesse contexto, a empresa pode ou não ajudar o agredido na solução do problema apresentado. Caso não obtenha a atenção e ajuda necessária, o obreiro pode rescindir o contrato de trabalho e pleitear na Justiça do Trabalho a indenização pelo assédio sofrido ficando a cargo do magistrado quantificar o dano. Essa hipótese, portanto, deve ser analisada da seguinte forma: os empregados encontram-se no local de trabalho devido à subordinação do empregador, e, consequentemente, sob a responsabilidade deste, motivo pelo qual deverá reparar o agredido (MOLON, 2005, p.3). Finalmente, na hipótese do corriqueiro assédio moral vertical descendente, conclui-se pela responsabilidade civil objetiva em que o empregado não necessita comprovar dolo ou culpa do empregador, devendo estar presente somente o dano e a relação de causalidade. E quando falamos em empregador, estamos nos referindo também aos prepostos, ou seja, aqueles que tem poder de chefia e representa a empresa através do comando direto de seus patrões. E isso ocorre principalmente em grandes empresas onde há uma divisão em diversos setores de forma a melhor organizar o exercício de cada função (financeira, administrativa, de gestão, etc), possuindo cada setor um chefe maior responsável pela boa organização da empresa. Isso porque, diante da modernização, muitas vezes a figura do patrão se torna cada vez mais anônima em relação ao controle da atividade do preposto (MOLON, 2005, p.3). O assédio moral perpetrado pelos empregadores ou seus prepostos configura espécie de abuso de direito já que aqueles que tem o poder de gestão e fiscalização extrapolam os limites do que seria uma liderança normal e saudável, atingindo os objetivos da empresa esquecendo da saúde dos maiores responsáveis pelo sucesso e lucros emergentes na empresa. Destaque-se que, conforme o art. 932, inciso III, do Código Civil, o que se afigura essencial para a caracterização de tal responsabilidade é que o ato ilícito seja praticado na execução dos serviços que lhe são incumbidos ou em razão deles. Pouco importa que o ato lesivo esteja dentro das funções do preposto, basta que essas funções facilitem a sua prática. Ou seja, deve-se analisar no caso concreto se o dano teria ocorrido se ausente fosse a função do preposto, concluindo-se daí a ligação necessária entre o dano e a função por ele exercida. Imperioso destacar também que na hipótese de ato ilícito praticado por agente público hierarquicamente superior a regra é a mesma: responsabilidade objetiva. Tal regra encontra-se insculpida no art. 43 da Lei 10.406/02, devendo o Estado responder objetivamente frente ao particular lesado, obtendo direito de regresso contra o agente público causador do dano, se demonstrada a culpa em sentido estrito (imprudência, negligência ou imperícia) ou o dolo. Ou seja, a responsabilidade é objetiva no caso da pessoa jurídica (Estado), mas é subjetiva em relação ao agente público (SABINO, p. 9). Outro caso que podemos apontar é a hipótese da responsabilidade de empresa terceirizada no contrato de prestação de serviços. A terceirização, como decorrência também da modernização, descentraliza as atividades da empresa para que suas atividades sejam desempenhadas por diversos centros de prestação de serviços. Por conta disso, o TST elaborou a Súmula 331, IV que impõe a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços em relação às obrigações inadimplidas pelo empregador. Pelo exposto, o que se deve ter em mente sempre é que a obrigação do empregador em reparar o seu empregado pelo sofrimento causado na relação de trabalho é princípio de ordem pública, não possuindo qualquer eficácia a cláusula no contrato em que o empregador anuncia que não se responsabiliza pelos acidentes causados, uma vez que seria declaração unilateral de vontade. Deve ser aferido, como exposto acima, apenas se o ato de agressão foi cometido no exercício da função ou por ocasião dela, caso contrário não haverá caracterização da responsabilidade do empregador. 1.4. O Direito Comparado e a Legislação Brasileira Nada obstante a elaboração de normas não cumpra plenamente o seu objetivo que é o de disciplinar determinadas relações e, algumas vezes, aplicar a sanção cabível para cada caso, a importância que reveste a mesma é indubitável. Em sede de acosso moral, não há dúvida que a lei serve de amparo esclarecendo aos indivíduos que atitudes de agressão psicológica e moral existem e são passíveis de punição, pois punir o agressor é uma maneira de afirmar que o assédio moral é inaceitável. 1.4.1. Legislação Estrangeira Em 1984, o pesquisador Heinz Leymann realizando uma pesquisa científica na Suécia sobre o assédio moral, o qual denominou de mobbing – terminologia esta que ficou conhecida por todo o mundo –, constatou que para caracterização do mobbing era necessário o elemento de frequência, ou seja, práticas reiteradas e não isoladas de perversidade. Diante da repercussão do tema, muitos países passaram a observar com mais atenção o fenômeno, sobretudo na Alemanha, que em 1990, inseriu a matéria como disciplina de estudo de nível universitário na cadeira de Psicologia do Trabalho (RUFINO, 2007, p.67/68). Pioneiramente, na França, foi instituída em 2002 uma lei específica dispondo sobre o assédio moral nas relações de trabalho (Lei n. 2002-73 de 17 de janeiro de 2002 de modernização social), decorrendo dessa lei que, se o empregado for vítima de práticas humilhantes e vexatórias de um superior hierárquico, ou até mesmo de colegas, comprometendo sensivelmente seu bem estar e sua saúde (física e mental) a empresa será responsabilizada pela degradação das condições de trabalho. A lei traz diversos diagnósticos que embasam uma possível solução de ordem pedagógica a quem praticou tal ato (sanção disciplinar – art. L. 122-50), de ordem financeira e penal (pagamento de multa de 15.000 euros e um ano de reclusão – art. 222-33-2), bem como de ordem sindical (art. L. 122-53). Ainda com referência a essa lei, há uma diretriz no sentido de inversão do ônus da prova no sentido de que a vítima se desincumba de provar os danos sofridos, fazendo com que o agressor prove que os fatos alegados não constituem assédio, justificando-se mediante elementos objetivos (art. L. 122-52). Numa tradução livre, imperioso destacar o que seria, efetivamente, o assédio para a legislação francesa (RUFINO, 2007, p. 69): “Art. L. 122-49. – Nenhum assalariado deve sofrer os atos (condutas) repetidos de perseguição moral que têm por objeto ou por efeito uma degradação das condições de trabalho suscetível de prejudicar os seus direitos e a sua dignidade, de alterar a sua saúde física ou mental ou comprometer o seu futuro profissional. Nenhum assalariado pode ser contratado, despedido ou ser objeto de uma medida discriminatória, direta ou indireta, especialmente em matéria de remuneração, aperfeiçoamento profissional, reclassificação, transferência, qualificação, classificação, promoção profissional, mutação ou renovação de contrato por ter sofrido, ou ter recusado sofrer, as condutas definidas no parágrafo precedente ou por ter testemunhado tais atuações ou tê-las relatado. Qualquer ruptura do contrato de trabalho que resultaria, qualquer disposição ou qualquer ato contrário é legalmente nula.” Já quanto à tutela jurídica trazida pela nação portuguesa, é de se revelar tramita ainda hoje o Projeto de Lei n. 252/VIII (junho/2000) que traz consigo a definição do assédio moral no trabalho, identificando suas características e impondo sanções aos agentes causadores do dano físico e psíquico (RUFINO, 2007, p. 70). Recentemente, contudo, já foi consagrado o novo Código do Trabalho através da Lei n. 99/2003, o qual configura nítido mecanismo de defesa dos trabalhadores em que há a inserção de dispositivos prevendo a proibição da discriminação, ou seja, é defeso ao empregador praticar qualquer ato de discriminação, seja direto ou indireto, seja no trabalho ou simplesmente na candidatura ao emprego, etc. Portugal, portanto, consolida as teorias objetivas e subjetivas para responsabilização dos agressores. Esse país, todavia, ainda caminha a passos lentos, uma vez que, não obstante haja tais regramentos, ainda não há uma tutela específica para o mobbing (MOLON, 2004, p. 3). Não muito distante de Portugal, imperioso citar também a legislação italiana, em que pese também não tutelar especificamente o assédio moral e encontra-se em tramitação vários projetos de lei no Congresso sobre a problemática do psicoterror. Sônia Mascaro Nascimento traz em seu artigo (O assédio moral no ambiente de trabalho) o pertinente modelo italiano em que vigora inúmeros artigos de autores os mais diversos, os quais fornecem toda a fundamentação para vedação das práticas reiteradas de humilhação e constrangimento entre empregoempregador, dando, por conseguinte, uma visão mais consciente do assunto aos tribunais (NASCIMENTO, 2004, p.1). A Suécia, por sua vez, editou em setembro de 1993 uma Ordenação do Conselho Nacional Sueco da Saúde e Segurança Ocupacionais, onde consta diversas medidas de prevenção contra o mobbing. Porém, por ser bastante genéricas tais medidas, o Governo Sueco editou, posteriormente, um novo ato. Assim preleciona Sônia M. Nascimento: ”Neste ato regulamentador, estabeleceu-se que ao empregador incumbe "propiciar que cada empregado tenha o maior conhecimento possível sobre suas atividades e seus objetivos; informações regulares e reuniões no local de trabalho ajudarão a alcançar esse objetivo". Acrescenta ainda como obrigação do empregador "fornecer aos gerentes e supervisores treinamento pessoal em assuntos ligados às normas trabalhistas, aos efeitos de diferentes condições de trabalho na experiência de cada empregado, aos riscos decorrentes da interação e dos conflitos em grupos, e às qualificações necessárias para resposta rápida, em casos de stress ou de crise". Por fim, afirma que entrevistas individuais e trabalhos em grupo devem ser estimulados, com conversas francas, abertas e respeitosas (...)” Como já dito anteriormente, o termo bullyng foi utilizado na Inglaterra remetendo-nos ao assédio moral, derivando do verbo inglês to bully que significa intimidar, aterrorizar. Podemos citar como instrumento para o tratamento específico sobre o tema o Protection from Harassment Act (1997) que traz em seu bojo o princípio geral de que nenhum indivíduo pode ser exposto a uma conduta que resulte dano quando do confronto com outro indivíduo, havendo previsão expressa de uma pena de 6 meses e multa, sem prejuízo de uma advertência ao assediador de vedar a conduta perversa, sob pena de ser majorada a condenação (MOLON, 2004, p.3). O que se quer com isso demonstrar é que, progressivamente, os países Europeus e demais continentes preocupam-se com a prática do assédio nas relações empregado-empregador, tentando substituir a lei do silêncio que muitas vezes é imposta à vítima pela formalização de normas que disponham sobre sua configuração, efeitos e sanções. 1.4.2. Legislação Brasileira Até o momento não foi criada uma legislação específica de atuação em território nacional sobre o assédio moral. Porém, com o crescimento dessa perversão juntamente com a grande divulgação sobre o tema, possuímos algumas legislações em âmbito regional, projetos de lei federal, jurisprudências das mais diversas tratando sobre o tema, enfim, tudo isso demonstrando que o problema exposto é passível de punição mesmo não havendo tutela jurídica específica. Concretamente poderíamos apontar alguns dispositivos legais consolidados pela legislação trabalhista que, não obstante seja colocado de forma geral, podemos aplicar em situações caracterizadoras do acosso moral, variando sempre de caso a caso (RUFINO, 2007, p. 73). A despedida indireta por ato faltoso do empregador com conseqüente indenização trabalhista prevista no art. 483 da CLT, por exemplo, pode ser citada como uma forma de o empregado se valer de todas as verbas a que tem direito, sem precisar esperar – no decorrer de todo o processo de tortura – ser demitido. Com efeito, o regramento celetista prevê várias hipóteses de faltas graves tanto do empregado quanto do empregador, as quais podem configurar o assédio moral, a depender do quase em todas ou quase todas as alíneas. Não é demais lembrar que a rescisão indireta, é assim denominada porque o empregador não demite o empregado, mas faz de tudo para tornar insustentável a continuação da prestação de serviços. Além dessa previsão pela despedida indireta que o empregado pode se utilizar, não impede que o mesmo também pleiteie em sede de Justiça do Trabalho a indenização patrimonial e moral cabível, na forma da lei civil (art. 186), conforme tratamos no em tópico sobre responsabilidade civil do empregador. Não podemos esquecer também que o art. 5º, V, trazido pela Carta Magna, que prioriza a questão do dano material, moral ou à imagem, constituindo tal regramento constitucional em cláusula geral (aberta) de reparação de danos. Repita-se, em razão da responsabilidade que cabe ao empregador, diante do conhecimento de ocorrência de mobbing nas dependências de sua empresa contra algum de seus empregados, deve o mesmo tomar todas as providências possíveis para apurá-lo e eliminá-lo. Detalharemos tais providências em tópico mais a frente quando tratarmos das soluções capazes para atenuar o gravíssimo fenômeno em estudo. Como já dito anteriormente, não existe no ordenamento jurídico brasileiro uma diretriz específica para o combate à ocorrência do assédio moral. Todavia, não podemos deixar de citar alguns projetos de lei que tramitam nos âmbitos municipais, estaduais e federais. O projeto de Lei n. 4.742/2001 por iniciativa do Deputado Federal Marcus de Jesus, caso seja aprovado, acrescentaria o art. 136-A ao Código Penal no Capítulo III (Da Periclitação da Vida e da Saúda), inserido no Título I da Parte Especial (Dos Crimes contra a Pessoa), dispondo o seguinte (RUFINO, 2007, p. 73): “Art. 136-A. Depreciar, de qualquer forma e reiteradamente a imagem ou o desempenho de servidor público ou empregado em razão de subordinação hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou tratá-lo com rigor excessivo, colocando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica. Pena – detenção de um a dois anos.” O referido projeto encontra-se junto à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados desde 01 de dezembro de 2003 (NASCIMENTO, 2004, p.2). Em 2001 também foi elaborado o Projeto de Lei Federal n. 5.971/2001 introduzindo o crime de “Coação Moral no Ambiente de Trabalho”, por meio de acréscimo do art. 203-A com a seguinte redação (RUFINO, 2007, p. 73): “Art. 203-A. Coagir moralmente empregado no ambiente de trabalho, através de atos ou expressões que tenham por objeto atingir a dignidade ou criar condições de trabalho humilhantes, abusando da autoridade conferida pela posição hierárquica. Pena – Detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa”. Em âmbito regional, a lei estadual do Rio de Janeiro foi pioneira em tema de assédio moral, Lei n. 3.921/02, de iniciativa do deputado do PSB-RJ Noel de Carvalho. No que se refere à legislação no âmbito municipal, sabe-se que o município não tem competência para legislar sobre direito do trabalho, sendo tal competência privativa da União (art. 22, I da CF/88). Ou seja, as normas que tutelam a proteção ao trabalhador contra os abusos tiranos de seus empregadores, são normas meramente administrativas, e não jurídicas trabalhistas de cunho nacional. Dentre elas podemos citar aquelas trazidas por Rufino (2007, p. 76): Iracemápolis (Lei n. 1.163/00 e Decreto Regulamentador n. 1.134/01), Cascavel (Lei n. 3.243/01), Guarulhos (Lei n. 358/01), Sidrolândia (Lei n. 1.078/01), Jaboticabal (Lei n. 2.982/01), São Paulo (Lei n. 13.288/02), Natal (Lei n. 189/02), Americana (Lei n. 3.671/02), Campinas (Lei n. 11.409/02) e São Gabriel do Oeste (Lei n. 511/03). Como se vê, paulatinamente vem sendo inserido no nosso ordenamento jurídico brasileiro a ideia de combate ao acosso psíquico. Não há dúvida que a lei, por si só, é incapaz de trazer à lume a solução pacífica almejada, porém o que se percebe é que existe a necessidade da ampliação da sanção, além da pecuniária, por ser tal ato ilícito de grave potencial, levando o indivíduo de repercussões psicossomáticas à problemas de origem psíquica como a angústia, depressão, ou até mesmo ao suicídio. 2. Os males à saúde gerados pelo mobbing Como visto, o assédio moral constitui um risco invisível, porém concreto, nas relações e condições de trabalho. Isso porque a humilhação repetitiva e de longa duração interfere diretamente na vida do trabalhador, de forma a comprometer a sua identidade, dignidade, relações afetivas e sociais, bem como a sua saúde física e mental. O mobbing se alastra sensivelmente no meio laboral, incutindo no trabalhador uma grande carga de responsabilidade que, conjugado à necessidade premente de se manter no emprego, acaba por viver no limite de suas forças físicas e psíquicas. Ao exercer seu jus variandi, o empregador esquece que sua equipe é dotada de sentimentos e, ao despedir arbitrária e paulatinamente seus empregados, os que ficam sentem uma grande insegurança, uma vez que temem ser os próximos demitidos (BATISTA, 2010, p. 71). Analisando-se o tema pelo prisma psicológico, “uma luta pelo poder é legítima entre indivíduos rivais quando se trata de uma competição em que cada um tem sua oportunidade. Certas lutas, porém são desiguais. É o que se sucede no caso de um superior hierárquico, ou quando um indivíduo reduz sua vítima a uma posição de impotência para depois agredi-la com total impunidade, sem que ela possa revidar” (RUFINO, 2007, p. 52). E nessa luta o trabalhador sempre perde, não encontrando mais forças capazes de combater esse tipo de violência moral. O assédio, num processo muitas vezes lento, causa um sentimento vexatório ao ofendido, que passa a sentir de forma acentuada diversas emoções negativas, tais como o medo, a angústia, a revolta, a ansiedade, a vergonha, a raiva, passando a maximizar seu complexo de inferioridade. Aos poucos, ele vai nutrindo uma sensação de impotência, desvalorização e fracasso. Mais a frente, observa as consequências de tais condutas refletindo nas relações profissionais e sociais do ofendido, e interferindo amplamente na sua vida comportamental. Vale ressaltar que, apesar dos fatos isolados não parecerem violências, o acúmulo dos pequenos traumas é que gera a agressão objeto do presente estudo. Dessa forma, o cerco contra o obreiro pode ocorrer de forma sutil ou explícita, mas sempre de forma dolosa. O que temos hoje, em realidade, é a intensificação do acosso psíquico e suas diferentes formas de abordagens (LEITE, 2005, p. 117/118). O problema sobe ao nível gravíssimo quando os excluídos iniciam um processo de perda da auto-estima com o passar do tempo e com as constantes rejeições a que são submetidos, o que pode provocar diversos males físicos e doenças psicossomáticas. Nesse sentido, tais males desenvolvem no organismo variados distúrbios em razão da agressão moral. Entre eles, se vê comumente os problemas gástricos, respiratórios, nas articulações, cardíacos, entre outros (RUFINO, 2007, p. 54). Mencionados males, porém, ultrapassam o plano físico e biológico, atingindo também a saúde mental da vítima. As reiteradas humilhações constituem, pois, uma dor invisível, revelando uma violência sutil nas relações organizacionais, onde se predomina o menosprezo e a indiferença pelo sofrimento dos assediados. As vítimas passam a adoecer porque passam a viver uma vida que não desejam, não escolheram e não suportam. Daí a convivência com um cotidiano extremamente sofrido, com constantes sentimentos de fracasso e inutilidade, desencadeando males como a depressão, palpitações, tremores, distúrbios no sono e digestivos, alterações de libido, tentativa de suicídio, etc (BATISTA, 2010, p. 72). Margarida Barreto da PUC de São Paulo, Médica do Trabalho, nos traz a estimativa de que, em pesquisa realizada junto ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, Plásticas, Farmacêuticas e Similares de São Paulo, 42% das pessoas entrevistadas relatam experiências de assédio moral em seu ambiente de labor (BARRETO, 2002). Saliente-se, por oportuno, que tal pesquisa ocorrera no ano de 2000, o que, por certo, nos dias de hoje, com a massificação das relações de emprego, esse percentual sofreu sensível aumento. O quadro de baixa de auto-estima caracteriza-se por distúrbios no sono, hipertensão arterial, ansiedade, irritabilidade, insônia, tremores, palpitações, dores generalizadas, alteração da libido e, perigosamente, tentativa ou consumação de suicídio. Encontrando-se na zona depressiva, a vítima envereda para as consequências somáticas de patologia psíquica, como se verá mais adiante (LOPER, 2004, p. 12/13). O dano psíquico poderá ser permanente ou transitório e deve guardar um nexo de causalidade com o fato danoso, ou seja, com a conduta repetitiva e sistemática do agressor. Esse nexo causal, segundo a Resolução 1488/98 do Conselho Federal de Medicina, deve ser estabelecido segundo critérios de realização de exames clínicos (físico e mental) e exames complementares. Nestes últimos, quando necessários, segundo o art. 2ª da Resolução, o médico elabora um relatório baseado no histórico clínico e ocupacional da vítima, fazendo um estudo detalhado do local de trabalho e sua organização, dados epidemiológicos, ocorrência de precedentes de quadro clínico similar ao que se analisa, depoimento e experiência de trabalhadores, entre outros dados imprescindíveis para qualquer diagnóstico e investigação do nexo (MOLON, 2004, p. 2/3). O fato é que a prática desse terror psicológico nos trabalhadores atinge muito mais que sua auto-estima, leva também a danos à saúde e à mente, muitas vezes irreversíveis. Quando não chega ao extremo – suicídio –, os divãs dos psicanalistas encontram-se lotados, sem falar das pesadas doses de antidepressivos e tranqüilizantes, bem como das demissões “voluntárias” a que são levados a pedir. De uma forma ou de outra, além do aspecto moral, resta maculada a saúde do trabalhador, seja ela física ou psíquica (QUEIROZ, 2004, p. 4/5). Nesse plano envolto pela saúde psíquica, a qual é atingida brutalmente pela violência moral no ambiente de trabalho, destacaremos alguns distúrbios/transtornos pouco conhecidos ou que são tratados pela sociedade com certo desdém, mas que são de crucial importância posto que, maculada a integridade psíquica, restam ao indivíduo tão somente duas saídas: ou procura ajuda (seja médica, familiar, seja da própria justiça) ou se entrega definitivamente ao sentimento de total fracasso. Por oportuno, vale dizer que as patologias aqui destacadas são meramente exemplificativas, havendo, como já nos reportamos acima, outros tipos de males à mente da vítima, tais como a depressão, a irritabilidade, o sentimento de culpabilidade, etc. Vejamos. 2.1. Stress laboral Vale destacar, inicialmente, o que nos diz o advogado Mário Gonçalves Júnior, o qual afirma que se deve tomar muito cuidado para não se presumir a causa pelos seus efeitos. Isso porque o stress é uma consequência possível na vítima de assédio, mas, por outro lado, podem existir inúmeras outras causas não dolosas que são capazes de gerar o stress no empregado. Ou seja, pode uma pessoa assediada apresentar stress, mas nem todo stress é decorrência do assédio moral (GONÇALVES JR, 2004, p. 7/9). Além disso, faz-se mister lembrar também sobre a necessidade de um pouco de stress em qualquer tipo de trabalho. Ou seja, é completamente normal haver certa dosagem de stress a fim de que se obtenham melhores resultados em todo tipo de organização empresarial – o denominado eustress – principalmente quando o assunto é eficácia produtiva e até mesmo a própria realização pessoal (NASSIF, 2006, p. 728/729). O problema hoje não está adstrito mais a encontrar a origem do stress, tampouco na convicção de que este pode gerar consideráveis consequências patológicas. Em verdade, a problemática está centralizada na maneira de administrar o stress individual e coletivo por parte da empresa. Isso porque cada um de nós, biologicamente falando, tem uma condição ideal de relacionar-se com o meio ambiente, e qualquer alteração que ocorra nesse meio faz com que cada indivíduo reaja de uma forma e se adapte da melhor/pior maneira possível. Melhor dizendo, uma mudança drástica no ambiente laboral obriga empregados ou empregadores a uma readaptação que pode gerar um stress além do razoável (NASSIF, 2006, p. 729). O psicoterror é um dos maiores responsáveis por essa mudança repentina no meio laboral e, se o organismo da vítima não estiver preparado, a carga emocional cairá sobre ele de uma maneira que ele não conseguirá se adaptar facilmente. Não há como qualquer indivíduo querer lutar com os limites criados pelo próprio organismo. E ultrapassado esse limite, surge a gravidade do problema: o stress se torna crônico/intenso, encontrando-se o indivíduo agora na zona do risco psicossomático15, uma vez que tais condutas perversas refletirão inúmeras doenças na vítima (FREIRE, 2009, p.6). O processo no organismo gerado pelo stress é explicado pelo Sindicato dos Trabalhadores na Educação Municipal (SINEDUC), vejamos: “(...)um processo do organismo, com componentes físicos psíquicos e comportamentais, que ocorre quando uma pessoa se confronta com algum fator que possa quebrar sua homeostase, (...). A reação do agente estressor se manifesta através de reações neuro-endócrinas. É ativado o sistema nervoso autônomo (vegetativo), que mantém a homeostase imediatamente com a secreção de adrenalina pela medula das suprarrenais e noradrenalina, secretada pelas terminações nervosas. Estes hormônios colocam o organismo em estado de alerta e determinam que o organismo fique preparado para “luta ou fuga”. Até o ponto mais remoto do organismo os hormônios levam oito segundos. Os vasos se contraem, o coração bate mais rápido e com mais força, os brônquios se dilatam e a respiração acelera. Os músculos recebem mais irrigação do sangue, enquanto a circulação periférica diminui: as mãos ficam geladas e a pessoa pálida, por exemplo. O fígado libera mais glicose no organismo que, tendo mais oxigênio pela acentuada ação do coração e pulmões, é queimada mais facilmente no cérebro e músculos para preparar o organismo para lutar ou fugir. (...)” Na zona psicossomática estão incluídos todos os sintomas físicos de origem psíquica: hipertensão arterial, ataques de asma brônquica, úlceras estomacais, enxaqueca, perda de equilíbrio (labirintite), torcicolos, lumbagos, queda de cabelo, dores musculares e/ou articulares, etc. O stress nada mais é, portanto, do que uma autodefesa do organismo a qualquer tipo de hiperestimulação e a tentativa da pessoa adaptar-se para enfrentar a situação, como dito anteriormente. Todavia, além da zona psicossomática, o stress pode levar a vítima do assédio à outra zona, não menos importante, a psicopatológica, incluindo-se nela todos os sintomas de ansiedade, mudanças de humor, irritabilidade e, principalmente, de depressão (FREIRE, 2009). Outrossim, baseado em diversos estudos empíricos sobre o tema, independentemente da vítima do assédio superar quaisquer das conseqüências acima mencionadas que porventura venha a sofrer, ela carregará consigo uma ferida 15 Vale destacar que a autora, acertadamente, diferencia os sintomas psicopatológicos, psicossomáticos e comportamentais. No plano psicopatológico estão incluídos todos os sintomas da ansiedade, depressão, mudanças de humor, irritabilidade, etc. No plano psicossomático encontramos todos os sintomas físicos, mas que tem uma gênese ou origem psíquica (hipertensão arterial, asma brônquica, úlceras estomacais, entre outras). Já na zona comportamental, o indivíduo apresenta reações agressivas, transtornos alimentares, aumento de consumo do álcool, disfunção sexual, isolamento social, etc. psíquica de difícil reparação. Isso porque o trabalhador violentado apresenta uma série de sintomas semelhantes aos da denominada “síndrome de estresse póstraumático”16 ou, mais especificamente, o que os estudiosos preferem chamar de “síndrome do estresse por coação continuada” tendo em vista, como o próprio nome já diz, a submissão a situações repetidas de violência moral pelo ofendido (SOARES, 2006, p. 50). Desta forma, o stress laboral representa um alarme do corpo, que não está satisfeito com o ritmo imposto, sobretudo quando há uma intensa sobrecarga de trabalho. Nosso metabolismo encontra uma maneira de se defender de uma fase de resistência onde queremos incessantemente demonstrar a nós mesmos a nossa capacidade de reagir. A preocupação vem à tona quando há o esgotamento, o limite a que nos reportamos anteriormente, chegando a uma exaustão física e emocional e desencadeando diversos problemas psicopatológicos e psicossomáticos. O que será explanado nos próximos tópicos, portanto, será simplesmente o resultado de um lento processo de stress laboral, que, não recebendo o tratamento adequado, evolui para danos muitas vezes irreversíveis para mente e para o organismo do obreiro. 2.2. Transtorno do Sono Mais um problema físico comum que atinge milhares de pessoas é o Transtorno do Sono. O assediado, diante de todo tipo de pressão psicológica e tendo sua moral incessantemente vilipendiada, acaba se vendo numa situação bastante delicada, perdendo o sono e sua calma, pois as repercussões do psicoterror já vão além do que poderia se imaginar, como se já não bastassem as repercussões no seio familiar, crises conjugais, etc. Interessante destacar aqui uma dissertação de mestrado ao Instituto de Psicologia defendida por Leandro Queiroz Soares, o qual realiza uma série de entrevistas às vítimas de assédio moral, chegando ele a concluir por diversas repercussões nefastas derivadas de atitudes perversas produzidas no ambiente de labor. Dentre elas encontra-se o Transtorno do Sono, problema este tão comum e revestido de tanta gravidade que vem expressamente previsto no Decreto nº 3.048/99 da Previdência Social. Tais transtornos do sono materializam-se pela insônia e/ou por seguidas interrupções espontâneas no decorrer do sono. Diante da pesquisa de campo realizada, o autor demonstra que o problema do sono tem forte ligação com a ansiedade. Outrossim, as vítimas do assédio moral declaram que, em face de um quadro reiterativo de agressões e humilhações, acabam recorrendo a medicamentos para conseguir dormir (SOARES, 2006, p. 145). Esse é apenas um entre tantos outros problemas que podem ser detectados por via de conseqüência do assédio moral. As vítimas são carregadas por um caminho que não desejam e não suportam, todavia, é a forma que elas encontram para esconder o que sentem (por vergonha, medo ou até por achar que 16 O autor ainda esclarece que o estresse pós-traumático é geralmente identificado em vítimas de assalto, catástrofes naturais, acidentes em geral, estupros, entre outros incidentes extremos. pode ser algo temporário) ou para esquecer, ao menos ligeiramente, a sensação de fracasso e de culpa. 2.2. Burnout ou a Síndrome de Estar Queimado A Síndrome do Burnout não muda muito do que foi lido até agora. Sendo ligeiramente classificada hoje como uma questão de ordem pública pela OIT e OMS, tendo em vista seus efeitos amplos e devastadores, o burnout nada mais é do que o ápice de um longo processo de stress ocupacional. Tal síndrome tem sérias implicações para as vítimas do assédio, comprometendo gravemente sua vida profissional, pessoal, social e sua saúde física e mental (SINEDUC, 2008, p. 6). É preciso esclarecer, primeiramente, que o burnout pode vir desassociado do mobbing, ou seja, não é necessariamente uma decorrência do assédio perpetrado no ambiente de trabalho. Porém, diante da apresentação do presente estudo monográfico, nos ateremos tão somente à ocorrência do assédio e o possível efeito psíquico do burnout. É preciso deixar aqui registrado, primeiramente, que a Síndrome do Esgotamento Profissional ou a Síndrome do Burnout, ou simplesmente, a Sensação de Estar Acabado, está inserido entre um dos transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho (Grupo V da CID-10), trazido pelo Decreto 3.048/99, Anexo II, do INSS, tamanha é a sua gravidade, gerando direito à percepção ao auxílio-doença previdenciário. Tal assunto, porém, será visto detalhadamente em tópico posterior, devendo-nos restringir por enquanto apenas ao estudo dessa enfermidade que acomete muitos trabalhadores. Para Elaine Nassif, o burnout seria definido como a resposta a uma gestão inadequada do stress laboral ao qual nos reportamos em tópico anterior. Ou seja, é a ineficácia de um processo de adaptação do organismo ao stress individual excessivo, melhor dizendo, a reação a um ápice de tensão emocional gerada a partir do contato direto, excessivo e estressante com o trabalho. O empregado de certa forma se desinteressa do trabalho num profundo sentimento de fracasso e exaustão causado pelo excessivo desgaste de energia e recursos. Caracteriza-se, pois, pela despersonalização (ou desumanização), perda de idealismo, de energia, de objetivos, de motivação e de qualquer tipo de expectativa profissional. Enfim, é a síndrome da desistência (NASSIF, 2006, p. 730) Seu surgimento é tão lento que o indivíduo muitas vezes não percebe que está acometido de uma síndrome de tamanha gravidade, e geralmente se recusa a acreditar que esteja acontecendo algo com ele. No limite de sua capacidade de adaptação, o cérebro basicamente emite uma ordem de “desligamento” geral, com o objetivo de evitar maiores danos, como o infarto, o colapso, o acidente vascularcerebral, entre outros que podem trazer conseqüências irreversíveis (ZANGRANDO, 2008, p. 1077). A fim de dissipar qualquer tipo de dúvida sobre o assunto, vale sedimentar aqui a diferença entre a Síndrome do Burnout e o stress. Tal esclarecimento é explanado com pela Médica do Trabalho Margarida Barreto numa entrevista realizada pela Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) disponível no site ww1.anamatra.org.br. A referida profissional esclarece que, diferente do que acontece com o burnout, o stress pode ser superado sozinho com o afastamento temporário do ambiente de labor paralelo à alguma atividade relaxante (terapia, ginástica, dança, etc). O burnout seria a pós-fase do stress, sendo frequente o problema com a memória, mal estar generalizado, perda do senso de humor. No caso dessa síndrome é imprescindível a vítima afastar-se e procurar ajuda médica, fazer tratamento e repousar. A médica salienta também que no burnout é bastante comum ter pensamentos repetitivos, a culpa, a fobia, a ansiedade, a depressão, perda do rendimento no trabalho, a responsabilidade, passa a ter atitudes que antes não tinha, enfim, se despersonaliza, como afirmado anteriormente. Essa despersonalização caracteriza-se por tratar os demais colegas de trabalho como objetos, o vínculo afetivo é substituído por um racional, mostrando ao mesmo tempo certa insensibilidade emocional, cinismo, dissimulação afetiva e “coisificação”. Assim, é de se dizer que a Síndrome em epígrafe, não obstante possa surgir por si só, ou seja, sem que ocorra necessariamente algum tipo de assédio moral no ambiente de trabalho, não há como negar a facilidade de seu aparecimento num indivíduo que labora sob a chefia de superiores perversos e inescrupulosos, aumentando ainda mais a tensão emocional e carga de stress. Também não há como negar que esse esgotamento profissional gera danos incontrastáveis para a vítima, levando-a, dentre outras conseqüências, a uma sensação de fracasso e a uma vida que jamais desejou ter. 2.3. Alcoolismo Crônico Aplicando-se o mesmo raciocínio do da Síndrome de Burnout, é de se dizer que o alcoolismo crônico pode eventualmente ser uma das consequências decorrentes da prática perversa no meio laboral. Ou seja, não se quer com isso dizer que a enfermidade em epígrafe só seja gerada pelo mobbing, ao contrário, queremos apenas demonstrar mais uma possível consequência de origem psíquica decorrente do assédio moral perpetrado no ambiente de trabalho. A título de melhor compreensão, reflitamos sobre a seguinte hipótese: um trabalhador, cotidianamente sofrendo com pressões e humilhações repetitivas, produzidas por seu superior hierárquico, vê-se numa situação onde se faz necessário um intenso auto controle emocional. Após decorrido certo tempo, sem poder pedir demissão e não aguentando mais a situação com a qual convive em seu próprio trabalho, se entrega ao álcool como que buscando um meio de anestesiar o sofrimento ligado a uma depressão relacionada à elevada tensão emocional no trabalho: o assédio moral. Veja-se, por oportuno, que o uso exagerado da bebida acaba por agravar ainda mais o sentimento de culpa que é tão comum na vítima de acosso moral, aprofundando o quadro de depressão e levando a vivências as quais farão com que a vítima incremente a procura do álcool. A situação acima descrita é mais comum do que se pode imaginar quando nos reportamos ao assédio moral. A Doutora em Medicina Preventiva, Edith Seligmann-Silva, afirma que o ofendido prefere entregar-se voluntariamente à substâncias químicas a falar com qualquer pessoa (por mais próximo que seja) de seus sofrimentos mais íntimos. Como é cediço, o álcool possui propriedades farmacológicas 17 capazes de proporcionar ao indivíduo mobbizado uma sensação prazerosa de bem estar, muito embora seja de forma temporária (SELIGMANNSILVA, 2003, p. 18/19). Ainda seguindo o caminho trilhado pela autora suso mencionada, o alcoolismo crônico é considerado como uma “síndrome de dependência”, e esta dependência é tanto psicológica quanto física. Psicológica porque a vítima acaba se entregando à bebida por conta de uma situação que jamais desejou viver, ainda mais quando se fala em ambiente de trabalho, de forma a tornar insustentável o dia a dia com seus colegas de trabalho e superiores hierárquicos. E física porque no momento em que o ofendido pára de incorporar a substância surge uma grande sensação de mal estar e outros sintomas que podem vir a surgir, uma vez que o organismo já se adaptou a ter a bebida como alimento diário (SELLIGMANN-SILVA, 2003, p. 19). Dessa forma, percebe-se que o alcoolismo crônico está entre os sintomas comportamentais mais usuais decorrentes da violência perversa praticada no meio laboral. O empregador, sem analisar que a dependência pode ter surgido no contexto de um ambiente de trabalho hostil, tem nas mangas o seu poder diretivo de demitir o empregado por justa causa, agravando ainda mais o quadro de dependência da vítima que, desempregada, vê-se na beira da marginalidade, não encontrando a compreensão que deveria existir no seio familiar e social. 2.4. Bullicídio De tudo o que se viu até agora, pode-se perceber que o mobbing – o verdadeiro mobbing, diga-se de passagem, e não as simples pressões do cotidiano – pode desencadear problemas no indivíduo tanto de ordem física, como corporativa, social, ou psicológica. No que pertine a este último plano, quando o mobbizado não encontra o apoio familiar necessário em seu lar, ou não procura ajuda médica, ou, pior, aceita calado o câncer que vai se incorporando em seu organismo, o nível de stress pode subir a ponto de o mesmo tentar fuzilar sua própria vida. Analisando-se o limite de cada indivíduo, é de se dizer que a pessoa que convive com práticas perversas em seu dia-a-dia no trabalho chega a um ponto em que não encontra mais saída, se sente isolado, afastado de tudo e de todos, se sente culpado e hostilizado, e sua auto-estima nem existe mais. Perdendo todo o sentido para continuar vivendo, diante de tanta humilhação e de tanto descaso do empregador, avista apenas a possibilidade de se ver livre de todos os problemas de uma vez só: dando fim à sua vida. É o que os especialistas denominam de bullicídio. (SINEDUC, 2008, p. 11) Juntamente com os sinais de doença na vítima, surge paralelamente outro sintoma: a ocultação do problema. Por isso, muitos consideram o assédio como um ilícito silencioso, uma vez que vai se instalando na vida do indivíduo paulatinamente, até penetrar em seu organismo e em sua mente. O medo de perder o emprego toma conta da vida do ofendido e, como um modo de defesa e de preservação, não 17 O autor cita propriedades relaxantes, calmantes, anestesiantes, euforizantes, desinibidoras e estimulantes, além do álcool funcionar também como indutor do sono (p. 19) declara sua doença, preferindo sofrer sozinho. Quando a ideia suicida não surge no próprio ambiente de trabalho, pode surgir logo depois de sua demissão, momento em que encara sua inadequação – uma vez que se encontra doente e fragilizado – aos padrões de produção nas organizações empresariais (TARCITANO e GUIMARÃES, 2004, p. 27). Citamos aqui mais uma vez o trabalho de campo realizado por Leandro Queiroz Soares em que este entrevista vítimas do acosso psíquico e, em matéria de bullicídio, vemos que, em face de todos os tipos de repercussões negativas para os acossados, estes já declararam que pensaram ou já tentaram contra a própria vida, e que, inclusive, tiveram algum acesso a casos nos quais um indivíduo cometeu suicídio em decorrência dos atentados do terrorismo psicológico que sofreu. Acrescente-se a isso também a informação que, na Suíça, há uma estimativa de que dos suicídios ocorridos nesse país, 10 a 15% estão relacionados ao assédio moral ocorrido no trabalho (SOARES, 2006, p. 51). O bullicídio, portanto, é o cume das consequências psicológicas geradas pelo assédio moral, quanto mais se prolonga o estado depressivo promovido pelo assédio moral maior será a probabilidade da vítima atentar contra a própria vida. Como será explanado adiante, o bullicídio vem sendo reconhecido também como acidente de trabalho, podendo gerar direito a uma indenização/pensão para os familiares da vítima, a depender o que cada caso concreto ensejar. Desenvolvido no organismo do trabalhador qualquer tipo de enfermidade cuja origem seja dada por ocasião do trabalho, sobretudo em relação à violência moral, resta para o ofendido tão-somente tentar minimizar seus efeitos através dos dispositivos jurídicos cabíveis que o caso apresentar. Nada obstante estejamos diante de uma legislação incompleta em matéria de assédio moral, a vítima pode se valer de normas que, apesar de não tratar especificamente sobre o tema, buscam primeiramente dar aplicabilidade ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 3. Dos efeitos jurídicos gerados pelo mobbing 3.1. Considerações iniciais A par dos efeitos psíquicos gerados pelo assédio moral, resta falar dos efeitos jurídicos que aparecerão de forma a tentar coibir, ou pelo menos diminuir mencionadas práticas no ambiente de labor. Entre eles destacamos os mais conhecidos: punição disciplinar ao empregado que deu causa ao dano, reintegração do empregado, a resilição contratual indireta, e a reparação por danos morais e patrimoniais pelos gravames de ordem econômica e na esfera da honra do ofendido. Como dito em tópico anterior, ainda não existe no Brasil uma lei que trate especificamente sobre a prática do mobbing. O que temos hoje em nosso ordenamento jurídico que possa ser aplicado ao mobber são as conseqüências acima retratadas trazidas pela CLT e pela própria Carta Magna, à exceção da sanção disciplinar que vem geralmente prevista em norma interna da própria organização empresarial. Melhor dizendo, muito embora inexista uma norma específica dispondo e identificando o mobbing, outras normas devem ser aplicadas analogicamente, de forma a impor ao empregador o cumprimento fiel à proteção jurídica de direito dos trabalhadores. As sanções disciplinares situam-se fora da seara laboral, e sua aplicação é justificada diante de qualquer tipo de conduta reprovável no âmbito laboral, nos casos, obviamente, em que o assediador seja o empregado. Tais penas de caráter meramente administrativo e interno podem ser aplicadas mesmos nos casos em que a conduta do assediador não justifique pleito indenizatório, seja porque não apresenta a gravidade compatível, seja por não apresentar os requisitos necessários. Em casos como esses, pode o empregador se valer também do art. 482 da norma celetista em que se justifica a rescisão do ofensor por justa causa, podendo se basear nos atos lesivos da honra ou da boa fama no ambiente de trabalho, bem como na alínea “b” referente à incontinência de conduta ou mau procedimento, ou até da alínea “h” referente ao ato de indisciplina ou insubordinação (PESSANHA, 2009). A despedida indireta nada mais é do que a saída honrosa que o Direito oferece ao mobbizado que não pretende mais permanecer num ambiente de trabalho hostil. Melhor dizendo, é a modalidade de extinção cabível nas hipóteses em que a manutenção no trabalho é insustentável, permitindo que a vítima denuncie o contrato por ato faltoso do empregador, bem com tenha direito às respectivas reparações previstas na CLT para as hipóteses em que o trabalhador é sumária e injustamente despedido. Ademais, a depender de como se processa o mobbing, o comportamento do empregador pode ser enquadrado em quase todas (se não em todas) as hipóteses previstas pelo art. 483 do dispositivo celetista (SIMM, 2008, p. 236/238). Ao contrário, pode a vítima de assédio ter sido levada pelas circunstâncias da violência a pedir demissão. Muito embora seja raro de acontecer, pode o obreiro optar por reaver o seu emprego, sem prejuízo das demais indenizações cabíveis. Nesse caso, deve o juiz analisar detidamente o caso concreto, apurando eventual falta cometida pela empresa e determinando, mediante requerimento do ofendido, a reintegração deste (PESSANHA, 2009). Por fim, a tão conhecida indenização por danos morais vem prevista na própria Constituição Federal em seu art. 5º, incisos V e X, sendo assegurado a qualquer pessoa o respeito à dignidade humana, à cidadania, à imagem e ao patrimônio moral do obreiro, sem prejuízo de indenização por danos morais. Vale lembrar também que o assédio moral é uma afronta ao art. 225 da Carta Magna que resguarda um meio ambiente sadio, inclusive o do trabalho. Comprovada a existência de mobbing na relação de trabalho, há que se falar também em ato ilícito, tão repudiado pelo Código Civil em seu art. 187, fazendo nascer para o ofensor a obrigação de reparar o dano, seja ele moral ou material, e sem a necessidade de análise sobre o elemento subjetivo (dolo ou culpa) uma vez que se trata de abuso de direito. Ademais, pelo art. 933 do Código Civil, pode-se concluir pela responsabilidade objetiva do empregador que responderá pelos atos e omissões das pessoas sob sua responsabilidade, mesmo que não haja culpa. Dessa forma, o exercício de algum direito realizado de forma abusiva merece rechaço da ordem jurídica vigente (COCICOV, 2007, p. 58). Não confundamos, entretanto, o dano psíquico com o famigerado dano moral. Para a configuração deste, não é essencial a ocorrência daquele, e isso a doutrina distingue. Como é por demais cediço, o dano moral refere-se à lesão aos direitos de personalidade e gera conseqüências extrapatrimoniais independente de prova, uma vez que se presume. Já o dano psíquico, mental, se expressa por meio de uma alteração psicopatológica comprovada, geralmente, através de laudo pericial. Assim, o dano moral independe do dano psíquico (PESSANHA, 2009). Vê-se, portanto, que o empregador quando pratica atos de humilhação corriqueiros contra seus empregados, por exemplo, deverá delimitar sua conduta em outras regras de proteção jurídica, que impõem o dever-ser numa relação onde a violação enseja a respectiva sanção. Demais disso, vale destacar aqui o que vem sendo considerado pelo direito internacional e, recentemente, pela jurisprudência brasileira como mais um dos efeitos do assédio moral perpetrado no ambiente de trabalho: o efeito previdenciário inerente aos danos à saúde. Para tanto, diante da importância do assunto e da repercussão atual, analisaremos tal consequência de forma apartada em tópico seguinte. 3.1. Enquadramento do assédio moral como acidente de trabalho: uma solução jurídica possível? É bem verdade que não tem se vislumbrado grandes aplicações práticas nos Tribunais Regionais do Trabalho onde haja o reconhecimento de acidente de trabalho em virtude da prática de assédio moral. Porém, é inegável os danos à saúde do empregado, sejam de natureza física, psíquica ou moral, decorrentes de tal prática. A depender da gravidade que cada caso apresenta, os já mencionados danos são capazes de tornar a vítima impossibilitada de continuar a exercer suas atividades laborativas de forma regular, devendo incidir, pois, consequências de natureza previdenciária, sem prejuízo da indenização cabível (art. 7º, XVIII, da Constituição Federal). Dessa forma, veremos que sim, é possível esse tipo de solução jurídica em matéria de assédio moral. Faz-se mister, primeiramente, esclarecer o que seria efetivamente acidente de trabalho. Segundo o disposto no art. 19 da Lei 8.213/91, “acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária da capacidade para o trabalho”. Podemos incluir aqui também o conceito de acidente de trabalho trazido pela legislação previdenciária da Espanha em seu art. 115, parágrafo primeiro, pela qual dita que “é toda lesão corporal que o trabalhador sofra por motivo ou por consequência do trabalho que execute por conta alheia”. Já a Lei de Tamaulipas (México) definiu em seu art. 18 o acidente de trabalho como sendo “o acontecimento imprevisto e repentino produzido em razão ou no exercício do trabalho, por uma causa exterior de origem e data determinados, que provoca no organismo do trabalhador uma lesão ou uma perturbação funcional permanente ou transitória”. A Argentina, por sua vez, possui a Lei de Riscos do Trabalho e define acidente de trabalho como “todo acontecimento súbito e violento ocorrido pelo feito ou por ocasião do trabalho, ou no trajeto entre o domicílio do trabalhador e o lugar de trabalho, sempre quando o prejudicado não houver interrompido ou alterado o citado trajeto por causas alheias ao trabalho” (art. 6.1). Podemos apontar também a Lei nº 13 de 1977 de Proteção e Higiene do Trabalho de Cuba, através da qual dispõe que “acidente de trabalho é um feito repentino, relacionado casualmente com a atividade trabalhista, que produz lesões ao trabalhador ou sua morte”. Quanto à legislação cubana, esta ainda traz em seu bojo o denominado “incidente” que nada mais é do que acontecimentos anormais ou que se apresentam de forma brusca e imprevista e que interrompem ou dificultam o desenvolvimento normal do trabalho. Desta forma, a legislação deste país leva em consideração não somente o local de trabalho, mas também os fatores externos e os psicológicos, sociais e físicos capazes de criar algum tipo de tensão mental no obreiro (RAMÍREZ, 2003). O Decreto 3.048/99 é hoje o instrumento mais eficiente em matéria de acidente de trabalho decorrente de assédio moral que pode ser utilizado pela vítima. Tal ato normativo regulamenta a Lei dos Planos de Benefícios (Legislação Previdenciária) e traz em seu texto alguns distúrbios originados da violência moral incutida no ambiente de trabalho, especialmente em seu Anexo II. Dentre os transtornos à saúde psíquica do obreiro, encontramos aquelas referidas em tópico anterior, tais como: o stress laboral grave – inclusive o stress pós-traumático -, o Transtorno de Adaptação, a Neurose Profissional, a Síndrome de Burnout (ou Síndrome do Esgotamento Profissional), o Transtorno do Sono, o Alcoolismo Crônico, etc. Atualmente, tramita um projeto de lei na Câmara dos Deputados que objetiva transformar o assédio moral em acidente de trabalho. Caso seja aprovado, o assediado passa a ter direito a receber benefícios da Previdência Social para o tratamento psicológico que se fizer necessário, como qualquer outro tipo de doença desencadeada no ambiente de trabalho18. A mudança não está sendo estudada à toa, pois o Decreto supra mencionado é do ano de 1999, ou seja, a última revisão da lista de doenças classificadas como acidente de trabalho foi nesse ano. Tal direito, entretanto, só teria cabimento nos casos em que a ofensa fosse reproduzida em local de trabalho, ainda que os motivos não tenham relação com assuntos profissionais. Mas essa iniciativa já é um avanço em nossa legislação, as empresas provavelmente se sentirão obrigadas a prestar mais atenção na saúde de seus empregados e a lhes proporcionar um ambiente mais adequado para realizar regularmente suas atividades laborais. Como já se demonstrou, o mobbing pode se expressar pela violência astuciosa, sutil, calada – mas sempre de forma reiterada – que, a princípio, não deixa marcas físicas, mas sim psicológicas, dilacerando o espírito e o caráter, porquanto atua lesionando a dignidade da pessoa humana, a integridade moral e a mentalidade do próprio indivíduo. Ocasiona, pois, danos irreparáveis ao indivíduo mobbizado. O dano pode começar sendo psíquico, passando depois a ser físico, quando a vítima se encontra numa situação de não conseguir mais lutar, sentindo-se 18 Fonte: g1.globo.com. Em entrevista para o Jornal Hoje, a psicóloga Ana Mongólia Mendes, da Universidade de Brasília, explica que o assédio moral é capaz de desenvolver no trabalhador problemas psicológicos sérios: “São pessoas que chegam bastante debilitadas, às vezes com depressão, com síndrome do pânico, com problemas de fobia, pessoas que têm que passar por tratamento psiquiátrico, às vezes tomar medicação, tratamento psicológico, porque ficam completamente destruídas na sua autoimagem, na sua autoestima, se sentindo absolutamente incompetentes, inúteis para o trabalho”. cansado da manipulação perversa, podendo chegar até a morte, como já se viu. Pode, em situação inversa, o dano físico chegar a ocasionar um dano mental a uma pessoa anteriormente equilibrada, mas que, diante de suas limitações físicas resultantes do dano, pode deixar marcas em sua personalidade, uma vez que não se vê mais apta para assumir tarefas e obrigações. O nosso estudo, entretanto, restringe-se ao primeiro caso, posto que o assédio moral é de ordem psíquica, onde o mobber tenta incutir no mobbizado certas intimações e coações morais, fazendo de tudo para desenvolver o medo e forçá-lo a pedir demissão (RAMÍREZ, 2003). Nesse sentido, podemos inferir que, o assédio moral, além de ser um dano pessoal, pode ser interpretado também como acidente de trabalho, uma vez que deriva do exercício do trabalho, e acaba por provocar no ofendido determinada perturbação funcional ou redução da capacidade permanente ou temporária para o labor. Ou seja, as enfermidades decorrentes do assédio moral perpetrado no ambiente de trabalho, dentre as quais estão inseridas aquelas mencionadas em tópico anterior, podem constituir acidente de trabalho e, consequentemente, pode a vítima assediada buscar os benefícios de auxílio-acidente, bem como valer-se da estabilidade de 12 meses auferida após a cessação do benefício (MOLON, 2004, p.2). Igualmente, as conseqüências geradas pelo mobbing, como se pode perceber, abarcam até mesmo o Estado, que deverá prestar os serviços de assistência social e reabilitação profissional, bem como arcar com o respectivo benefício à vítima/segurada em razão de seu afastamento. Isso se vislumbra por diversas maneiras no âmbito da Previdência, seja por auxílio-doença, seja por auxílio-acidente, seja também por aposentadoria por invalidez para o segurado ou por pensão por morte para os dependentes, no caso de morte do ofendido, o que, como vimos no tópico referente às enfermidades, pode tranquilamente concretizarse (RUFINO, 2007, p. 86/87). José Fernando Lousada Arochena em seu artigo intitulado “Riscos Psicossociais e Acidente de Trabalho”, atenta para o fato de que o acidente de trabalho não se refere apenas aos casos de perda da saúde física, mas também da psíquica. Os riscos psicossociais encontram-se, então, no âmbito da saúde mental do trabalhador, deixando mais de lado os danos ao seu organismo físico propriamente dito. Tais riscos do trabalho geram tantos acidentes de trabalho quanto os riscos físicos, e são capazes de provocar no meio laboral novas patologias como o stress, o burnout, a work-addiction19, a síndrome do workaholic, o tecnostress20 e o próprio mobbing. E o mobbing, embora tenha origem na atividade da vítima, não está ligado a qualquer profissão específica, mas às condições relativas ao ambiente de trabalho (AROCHENA, 2008). As patologias decorrentes do assédio psicológico não devem ser catalogadas como doença comum, mas sim como condicionantes do acidente de trabalho em sua acepção mais ampla, vez que são gerados por atos em decorrência do exercício do trabalho ou por motivo de seu desempenho, criando aí um indiscutível nexo causal sem o qual não se poderia falar em acidente de trabalho ou doença profissional. O assédio moral é parte integrante de uma violência no 19 20 Também conhecida pela “gripe do yuppie” ou fadiga crônica. Dificuldade de adaptação a novas tecnologias. trabalho, tomando vítimas ano após ano, mas é uma máscara daquilo que deveria conceituar-se como acidente de trabalho. O que vemos em relação ao mobbing é justamente o contrário, porquanto há uma minimização de suas consequências. Em realidade, nossa legislação não quer assumir a obrigação que significa para a seguridade social, ou seja, não quer reconhecer que o mobbing é uma lesão relacionada diretamente com o trabalho, que atinge mais que a saúde física do trabalhador, atinge também sua saúde mental (RAMÍREZ, 2003). É inegável que, para se entender pela necessidade do dano psíquico, como é cediço, se faz necessária a realização de perícia médica a fim de que se analise a efetiva existência de um dano porventura alegado, bem como o nexo causal. Em matéria de saúde mental, prevalece o entendimento de que vários são os fatores que contribuem para a depressão, sejam eles genéticos, biológicos ou psicossociais, contudo, o trabalho muitas vezes aparece como fator desencadeante e/ou de agravamento. E uma vez comprovado que a vítima de violência moral desenvolveu doença psíquica em razão de fato ligado à sua profissão, resta configurado a ocorrência de acidente de trabalho, devendo conferir ao trabalhador todos os efeitos e garantias decorrentes (PESSANHA, 2009). Além disso, vale chamar a atenção para a dificuldade de provar a existência do nexo causal quando da propositura de reclamações trabalhistas, momento de profunda divergência dos tribunais. Isso porque, não são todas as sentenças que obrigam provar uma causalidade estrita – o que seria, de fato, mais correto. Contudo, outras exigem a prova incontestável da existência do mobbing, partindo da idéia de que, inexistindo o assédio, a doença seria comum. Ocorre que é irrelevante a existência ou não do assédio, devendo-se aplicar uma interpretação menos estrita no caso de pedido de declaração de acidente de trabalho. No caso, por exemplo, de stress laboral – lembrando-se inclusive de sua previsão no Decreto da Previdência –, se esta patologia foi decorrente ou não da prática de violência moral no trabalho, não importa. O que se deve realmente levar em consideração, é se houve o dano e se este foi originado por ocasião do trabalho, ou seja, basta que se prove a causalidade entre a enfermidade e trabalho. Em caso afirmativo, não há que se impedir a qualificação como acidente de trabalho, nos moldes da legislação previdenciária (AROCHENA, 2008). Patrícia Oliveira Lima Pessanha, por outro lado, defende que o mero reconhecimento da existência de assédio moral já é um grande avanço. Enquadrá-lo como acidente de trabalho, ou seja, pretender a um só tempo, também sua caracterização como doença ocupacional já seria “dar um passo maior do que a perna, preferindo-se um caminhar mais comedido” (PESSANHA, 2009). A mesma autora suso mencionada, entretanto, reconhece os estudos realizados acerca da matéria de enquadramento do assédio como acidente de trabalho, e mais, acredita que não há grandes dificuldades em tal enquadramento, sobretudo quando se faz uma leitura mais atenta ao art. 20, I e II da Lei nº 8.213/91, especialmente no §2º que traz a seguinte redação: “Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho”. Outra questão que poderia ser levantada seria a possibilidade de o suicídio poder ser qualificado como acidente de trabalho. Tal como visto no tópico referente ao bullicídio (suicídio decorrente do assédio moral), qualquer dos riscos psicossociais podem resultar no suicídio do ofendido. José Fernando Lousada Arochena contrasta, para tanto, os argumentos contrários de que poderia haver fraude ou que, pela própria natureza do suicídio, haveria uma ruptura do nexo causal em virtude de ser ele um ato de auto lesão – portanto, doloso e excluído do enquadramento como acidente de trabalho. Todavia, cita duas decisões, ambas da Espanha, onde há o reconhecimento da qualificação do suicídio com sendo acidente de trabalho, uma do Tribunal Superior de Catalunha proferida em 30/05/2003 e outra do Tribunal Superior de Galícia, em 04/04/2003. O suicídio não pode ser equiparado a um ato doloso que é sempre voluntário (ou essencialmente voluntário). Em verdade, no suicídio, a vontade – esta sendo a faculdade mental ligada à vida – é muitas submetida a determinismos determinantes de uma intenção suicida, a qual destrói a vida e a própria vontade (AROCHENA, 2008). Em matéria de suicídio, ousamos discordar do autor espanhol, uma vez que a dificuldade em se comprovar o motivo ensejador de tal prática contra a própria vida é ainda maior. Neste caso, o cuidado na análise da ocorrência de bullicídio deve ser mais comedido. Defendemos, então, pela excepcionalidade de uma prova cabal para sua caracterização como acidente de trabalho, a fim de que não paire injustiças e fraudes contra o empregador, o qual arcaria com as despesas – provavelmente através de uma pensão vitalícia à família do suicida – bem como, para o Estado que se veria obrigado a efetuar o benefício previdenciário de pensão por morte aos dependentes do falecido. Por outro lado, havendo prova inequívoca de que o suicídio ocorrera por ocasião da atividade profissional, não haveria motivo para não enquadrar tal consequência – diga-se, a mais gravosa – como doença do trabalho nos moldes da legislação previdenciária. Desta feita, é de se dizer que, em determinadas situações, o meio laboral exerce sobre o homem uma situação específica, cujo impacto é a saúde psíquica, fazendo emergir um sofrimento e, consequentemente, levando o obreiro a estados de enfermidades como a fadiga crônica, distúrbios no sono, alcoolismo, depressão, stress, síndrome de burnout, entre outras. A dificuldade hoje é apenas esclarecer o que é considerado assédio moral e o que não é, sob pena de se cair numa banalização injusta para o empregador e criar para o empregado um enriquecimento ilícito. Afora isso, não vemos razão para não enquadrar o assédio moral como acidente de trabalho, sendo esta penalidade não só para o empregador que não procurou adequar uma ambiente salutar para o obreiro, mas também para o Estado, que se torna co-responsável pela degradação do meio laboral e os riscos dele decorrentes. E a violência moral, como já foi visto, nada mais é do que um risco psicossocial inerente a qualquer tipo de trabalho. Cabe ao empregador, contudo, a seguinte opção: ter um ambiente de trabalho impiedoso, sem nem ter o cuidado de escolher melhor seus prepostos, ou simplesmente adotar medidas que previnam tais práticas perversas. 3.2. Medidas Preventivas no âmbito empresarial Saindo um pouco da esfera da vítima, os efeitos gerados para o empregador atingem níveis muitas vezes absurdos. As perdas para a empresa podem ser resumidas em, por exemplo, queda da produtividade, imagem negativa perante os consumidores e o mercado de trabalho, alteração na qualidade do serviço, acompanhado de baixo índice de criatividade, doenças profissionais, troca constante de empregados paralela à ocorrência de inúmeras rescisões contratuais e constantes seleções e treinamentos de pessoal, e o aumento de reclamações trabalhistas. As mencionadas consequências do assédio moral podem ser amenizadas, ou até mesmo erradicadas, com algumas medidas de prevenção do fenômeno. Trataremos neste capítulo, portanto, de medidas simples – mas que se colocadas em prática podem ser bastante eficazes –, que se voltam mais para a prevenção do que para o combate propriamente dito. Assim, no âmbito individual, é aconselhável desenvolver estratégias de defesa, seja anotando e datando os fatos, seja buscando aliados que, futuramente, poderão servir como testemunhas numa possível reclamação trabalhista. Todavia, a forma mais eficaz de combate da violência moral é a prevenção promovida pelo empregador (GUEDES, 2004, p. 8). Muito mais que o empregado, o empregador é um dos grandes responsáveis pela ocorrência da violência perversa nas dependências da empresa. Os problemas de relacionamento dentro do ambiente de trabalho e os prejuízos daí resultantes são proporcionalmente maiores quanto maior for a desorganização da empresa e maior for o grau de tolerância do empregador no que pertine às práticas de assédio moral. Uma empresa desorganizada nem sempre consegue identificar os problemas entre as pessoas, seja na relação empregado-empregador, seja na relação empregado-empregado, seja no modo em como está sendo apreciada uma “nova gestão” na empresa pelos subordinados. Nesse sentido, acaba ignorando, por vezes, que alguns de seus prepostos agem com a violência moral para com seus subordinados. Sabe ele que os custos de tais práticas equivalem a prejuízos na própria empresa, uma vez que a produtividade da vítima diminui, bem como poderá arcar com uma indenização porventura a ser postulada pelo ofendido. Ou seja, percebe-se que, mesmo que o empregador não dê o seu aval ao comportamento do assédio, ele é quem responderá objetivamente pelos danos causados ao ofendido (RUFINO, 2007, p. 105). Para tanto, em primeiro lugar, é indispensável uma reflexão por parte da empresa sobre a forma de organização do trabalho e seus métodos de gestão de pessoal. Vale lembrar que estamos a falar de pessoas e não de máquinas, como bem lembra Patrícia Oliveira Lima Pessanha. Essa lembrança é importante para que seja garantida a eficácia das medidas preventivas. Nesse sentido, a disponibilidade de profissionais devidamente habilitados no assunto pode ajudar a amenizar os problemas oriundos da violência moral perpetrada no ambiente de trabalho. Uma primeira providência seria a criação de Ouvidoria no âmbito empresarial ou, no caso de pequenas empresas, a designação de um determinado grupo de empregados imbuídos da mesma finalidade. Tal medida, apesar de ser simples, torna viável o conhecimento da empresa sobre as problemáticas interpessoais de cunho lesivo, ao mesmo tempo em que viabiliza as resoluções preventivas antes da ocorrência de uma lesão maior à dignidade do trabalhador. Outros profissionais habilitados que podem ser citados são os conciliadores, os assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras, todos atuando junto ao setor médico da empresa, conforme a necessidade que cada caso apresentar (PESSANHA, 2009). Nesse contexto, seria também interessante o empregador valer-se de mecanismos efetivos de veiculação de queixas, através da adoção de procedimentos formais e informais, com a oitiva dos envolvidos, acompanhada da garantia de confidencialidade, boa comunicação, competente averiguação, celeridade e proibição de represálias. Junte-se a isso o estímulo à denúncia de casos e a solidariedade com os colegas que testemunham o assédio, além do estímulo à mobilização dos trabalhadores para a busca da erradicação do problema (RUFINO, 2007, p. 105; BELMONTE, 2008, p. 1334/1335). Em sua pesquisa de campo, ao entrevistar vítimas do assédio moral, Leandro Queiroz Soares, em tema de medidas preventivas que devem ser tomadas pelo empregador, percebeu entre todos os entrevistados que nenhum deles escolheu por medidas radicais como, por exemplo, uma denúncia a gestores de nível hierárquico mais elevado ou a defesa legal – o que seria aparentemente mais adequado para a situação perversa que geralmente se apresenta – sob a justificativa plausível de que medidas como estas poderiam colocar seus empregos em risco. Optaram, contudo, para medidas mais simples, entre elas podemos citar: a disseminação da temática por diferentes meios (como palestras e informativos impressos ou eletrônicos) a fim de alertar o maior número possível de trabalhadores da organização acerca da necessidade de combate e prevenção do assédio moral no trabalho; o incentivo destinado a todos os trabalhadores da instituição, inclusive os prepostos, que se solidarizem com os assediados e ajam no sentido de impedir a continuidade da violência, transparecendo claramente que desaprovam tais condutas e as denunciando para os órgãos competentes sob a garantia de sigilo e proteção; previsão documental e aplicação efetiva de punições a quaisquer práticas violentas, englobando desde sanções disciplinares até a demissão; maior abertura por parte da organização para atuação do sindicato; entre outras medidas (SOARES, 2006, p. 146/147) . De fato, podemos inferir que os mecanismos de prevenção também podem se originar de uma maior atuação dos sindicatos representativos, da eleição de um grupo de representantes dos trabalhadores e uma maior fiscalização por parte da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA). Os sindicatos têm o papel de defender a classe dos trabalhadores e, por isso, devem colocar entre seus objetivos uma proteção eficaz contra o assédio moral e outros atentados ao trabalhador. Junto aos sindicatos, a sua atuação pode ser reforçada com os representantes dos órgãos públicos como os Auditores Fiscais do Trabalho e do judiciário como os Procuradores do Trabalho, adotando todos eles mecanismos para atenuação do problema do comportamento humilhante que tanto infringe as garantias constitucionais do trabalhador (PESSANHA, 2009; RUFINO, 2007, p. 106). O problema dos sindicatos hoje é a desvirtuação do seu papel de sua real finalidade, qual seja, a de prover a defesa dos direitos dos trabalhadores de classe. Por seu turno, os empregados sindicalizados deveriam cobrar uma maior efetivação dos poderes dos sindicatos na busca de seus reais interesses. Em realidade, a prevenção do assédio moral pelos sindicatos no interior das empresas deveria ser uma verdadeira arma para combater toda e qualquer conduta que vise anular os direitos essenciais dos trabalhadores (MOLON, 2004, p. 4). Não obstante tudo o quanto já mencionado, é inegável que o melhor tipo de prevenção à prática de assédio moral é a atuação participativa, criando sempre canais de comunicação com o empregado, especialmente a criação e oficialização de um espaço de discussão mediado preferencialmente por profissionais contratados para esse fim. Nesse contexto, também os meios de interação e participação dos trabalhadores quanto aos objetivos empresariais são importantes na medida em que se sentem úteis e engajados com o fim social da instituição em que trabalham, aumentado sua auto-estima e tornando-os mais fortes para eventuais perversidades atiradas contra eles (SOARES, 2006, p. 146; RUFINO, 2007, p. 105; BELMONTE, 2008, p. 1334/1335) Podemos citar ainda outra medida preventiva também a ser tomada pelo empregador: alterar a política comportamental da empresa. Isso significa incentivar de várias formas a auto-estima do obreiro, o que certamente aumentará a produtividade, o lucro e o bem-estar dos trabalhadores, e, consequentemente, diminuirá a falta dos funcionários, bem como o número de acidentes de trabalho na instituição. Ou seja, não seria uma medida direcionada diretamente ao combate do assédio moral, tratar-se-iam de mecanismos indiretos capazes de fortalecer a personalidade dos trabalhadores dentro da empresa, engrenando-os em todas as formas de participação no âmbito empresarial, e dificultando, desta feita, a inseminação de transtornos nas mentais nos trabalhadores, o que os tornam mais fortes do ponto de vista da vulnerabilidade (RUFINO, 2007, p. 105). Já que não podemos criar uma forma de completa extinção do problema em todos os âmbitos de trabalho, em todas as organizações empresariais, enfim, em qualquer tipo de relação de trabalho, resta tão somente a tentativa de prevenir o fenômeno. Ao empregador, cabe uma melhor escolha sobre seus prepostos, bem como uma rigorosa vigilância sobre eles. Ao Poder Legislativo um melhor entendimento, pesquisa de campo, estatística, e maior preocupação com a matéria, promovendo uma legislação adequada. Ao Ministério Público, resta maior fiscalização nas grandes e pequenas empresas, sucedida de uma denúncia impiedosa. Ao Poder Judiciário, cabe a aplicação da diminuta lei vigente que, melhorada com os ditames da Carta Magna, pode ser capaz de alcançar a melhor solução para o litígio apresentado (LOPER, 2004, p.15). As soluções, portanto, são imprescindíveis para a modernidade, a fim de impor limites ao capitalismo e à globalização e, por via de consequência, minimizar efetivamente o assédio moral. Mais importante ainda é a necessidade de reeducação de valores éticos e morais no âmbito das organizações, vez que estamos diante de uma profunda mudança cultural em nossa sociedade, bem como do incentivo à prática do diálogo constante, baseado no respeito mútuo e no companheirismo. CONCLUSÃO Tema polêmico em sua essência, o mobbing afeta diretamente a dignidade da pessoa humana através de condutas abusivas reiteradas e prolongadas, desestabilizando o emocional do mobbizado. O primeiro passo foi desmistificar o assédio moral, na medida em que se confunde com freqüência simples pressões e atritos cotidianos com o mencionado fenômeno. A cobrança por melhorias na prestação de serviços, por exemplo, encontra-se dentro dos poderes diretivos do empregador, saindo da órbita do razoável e entrando no mobbing apenas quando são afetados direitos fundamentais do trabalhador, basicamente sua dignidade integridade moral. É preciso realmente tratá-lo de forma cuidadosa, com a precisa identificação de seus elementos caracterizadores, como demonstrado no primeiro capítulo, sob pena de banalização, o que levaria a um descrédito e impossibilitaria a adequada implementação de uma responsabilidade civil sobre o empregador. Apresentadas as principais características, partiu-se para uma das grandes causas do crescimento desse tipo de violência laboral, qual seja, a modernidade. A reflexão nesse aspecto é necessária a fim de que possamos ter um melhor entendimento sobre o assunto, sobretudo sua origem. A vida moderna – ou pós-moderna – nos leva a algum tipo de experiência de assédio moral. Os próprios empregadores são pressionados ora por seus concorrentes, ora pelo próprio poder público com tributos exagerados e serviços ineficientes, ora pelas crises políticas e econômicas que se multiplicam tanto dentro quanto fora do país. Podermos de fato entender o assédio moral como uma síndrome da modernidade, decorrente das pressões psicológicas impostas pelo mundo atual, em face da velocidade extremada em que ocorrem as relações sociais, comerciais e econômicas. No ambiente de trabalho, em razão da existência de níveis de hierarquia, é “permitido” que o empregador transmita suas angústias para seus subordinados, que já vivendo num ambiente de pressões sociais, familiares, econômicas, se torna vítima de um sistema perverso. É inegável, portanto, que o assédio moral constitui ato ilícito, e como todo ato ilícito a consequência é a obrigação de reparar o dano através de uma indenização. Como se viu, a responsabilidade aqui é objetiva, bastando que se prove a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano sofrido pela vítima. A Suécia, Alemanha e Itália, como visto acima, já possuem diversas leis específicas sobre esse assunto. Embora se trate de ocorrência tão antiga quanto o próprio trabalho, no Brasil, o tema surge apreciado ainda de forma tímida, somente agora com alguns projetos de lei, visando a redução e prevenção deste risco trabalhista. As consequências geradas para as vítimas estão diretamente relacionadas com a intensidade e a duração da agressão. Os transtornos apresentados nada mais são do que a autodefesa do organismo a uma hiperestimulação e a tentativa da pessoa adaptar-se para enfrentar a situação. O problema, como visto, nasce quando, ultrapassado o limite criado pelo próprio metabolismo, cria no indivíduo uma patologia crônica muitas vezes irreversíveis. Dos inegáveis custos psicofísicos ao trabalhador, surgem os efeitos jurídicos mencionados, tais como a despedida indireta, a indenização por danos morais, a reintegração, as penas disciplinares, e o acidente de trabalho. Apresentadas as ressalvas de alguns autores nesse assunta, resta apenas declarar que, enquadrar o assédio moral como acidente de trabalho não pode ser recusado se estivermos diante de incontestável dano à saúde do ofendido por ocasião do trabalho. Conforme observamos também, a manutenção de um ambiente de trabalho salutar, abrangendo aí a questão psicológica, não é somente uma obrigação do empregador, mas também é de seu interesse, já que a concorrência de fatores estimulantes e harmoniosos no ambiente laboral implicará, logicamente, no estímulo ao incremento da produtividade. Daí o extrai-se o real sentido das medidas preventivas a serem tomadas sempre como norte para o empregador. Por tudo isso, devemos repensar profundamente o ambiente de trabalho com o fito de se alcançar um meio saudável onde haja a possibilidade de comunicação , de relacionamento, enfim, de convivência sadia, valorizando-se medidas que engrandeçam o trabalhador como ser humano e não como uma máquina que não pensa e não tem sentimentos. A responsabilidade social da empresa deve ser despertada onde ela própria adota a política interna de apoio aos seus subordinados de maneira digna. Nessa responsabilidade social podemos incutir também o legislador que devem sempre buscar criar o melhor remédio legislativo para punir os ofensores, bem como criando leis para incentivar na prevenção do dano. Tais medidas são imprescindíveis para o princípio basilar tão caro ao direito do trabalho: o da dignidade do trabalhador. REFERÊNCIAS AROCHENA, José Fernando Lousada. Acidente de trabalho e riscos psicossociais . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2180, 20 jun. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13019>. Acesso em: 07 de maio de 2010. BARRETO, Margarida. Assédio Moral. Disponível em: <http://ser1.cremesp.org.br/?siteAcao=Revista&id=40>. Acesso em: 20 de julho de 2010. BATISTA, José Carlos. Dor invisível no mundo do trabalho. Suplemento Trabalhista: LTR. São Paulo, 18, p. 71-72, fev. 2010. BELMONTE, Alexandre Agra. O assédio moral nas relações de trabalho: uma tentativa de sistematização. Revista LTR: Legislação do Trabalho. São Paulo, 11, nov. 2008, p. 1329-1337. CARMO, Suzana J. de Oliveira. A inveja como fundamento e motivação do ‘delito’ de assédio moral. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/22926>. Acesso em: 19 de julho de 2010. COCICOV, Giovanny Vitório Baratto. Elementos à responsabilidade civil objetiva em atentados aos direitos de personalidade na seara laboral. Revista IOB Trabalhista e Previdenciária . São Paulo, 222 (dez. 2007), p. 51-65. DA ROSA, Sales V G. Assédio moral no trabalho: conceito, possibilidades e natureza. Disponível em <http://www.sindppd-rs.org.br/files/assediomoral.pdf>. Acesso em 05 de maio de 2010. FERRARI, Irany; MARTINS, Melchíades Rodrigues. Dano moral: múltiplos aspectos nas relações de trabalho. São Paulo: LTR, 2005. FREIRE, Paula Ariane. Assédio moral e saúde mental do trabalhador. Disponível em: <http://www.psicologia.com.pt/artigos/textos/A0473.pdf>. Acesso em: 03 de agosto de 2010. GLÖCKNER, César Luís Pacheco. Assédio moral no trabalho. São Paulo: IOB Thomson, 2004. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Responsabilidade Civil, Editora Saraiva, 2007. Civil Brasileiro. Volume IV GONÇALVES JÚNIOR, Mário. O assédio moral, o estresse e os portadores de DDA. Jornal Trabalhista Consulex, v. 21, n. 1003, p. 7-9, fev. 2004. GUEDES, Márcia Novaes. "Mobbing”: violência psicológica no trabalho. Justiça do Trabalho, v. 21, n. 241, p. 89-94, jan. 2004. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br>. Acesso em: 31 de julho de 2010. JAKUTIS, Paulo. Manual de estudo da discriminação no trabalho: estudo sobre discriminação, assédio sexual, assédio moral e ações afirmativas, por meio de comparações entre o direito do Brasil e dos Estados Unidos. São Paulo: Ltr, 2006. LEITE, José Roberto Dias. Assédio moral: causas, efeitos e implicações jurídicas. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região. Goiânia, dez/2005. LOPER, Arildo. Assédio moral no trabalho: o ilícito silencioso. Jornal Trabalhista Consulex, v. 21, nº 1035, p. 6–9, set. 2004. MOLON, Rodrigo Cristiano. Assédio moral no ambiente do trabalho e a responsabilidade civil: empregado e empregador. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 568, 26 jan. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6173>. Acesso em: 28 de junho de 2010. NASCIMENTO, Sônia A.C. Mascaro. O assédio moral no ambiente do trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 371, 13 jul. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5433>. Acesso em: 08 de julho de 2010. NASSIF, Elaine. Burnout, mobbing e outros males do stress: aspectos jurídicos e psicológicos. Revista LTR: Legislação do Trabalho. São Paulo, n. 6 (jun./2006). PESSANHA, Patrícia Oliveira Lima. Assédio moral: consequências e formas de prevenção no ambiente empresarial. Artigo publicado em 21/11/2009. Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/28476/1/O-ASSEDIO-MORAL-E-SEUSASPECTOS-JURIDICOS-NO-AMBIENTE-DE-TRABALHO/pagina1.html.>. Acesso em 04 de agosto de 2010. QUEIROZ, André Eduardo. O “Assédio moral” decorrente das relações de trabalho: as consequências da perversidade da arrogância de um chefe ranzinza. Jornal Trabalhista Consulex, v. 21, n. 1031, p. 4-5, ago. 2004. RAMÍREZ, Lydia Guevara. Doenças profissionais: assédio moral e estresse são acidentes de trabalho. Revista Consultor Jurídico, maio de 2003. Tradução de Cylene Dantas de Gama. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/22785/2 2348>. Acesso em 18 de agosto de 2010. RUFINO, Regina Célia Pezzuto. Assédio Moral no âmbito da empresa. 2. ed. São Paulo: Ltr, 2007. SABINO, Mauro César Cantareira. Responsabilidade civil no assédio moral. Disponível em: < http://www.facef.br/novo/publicacoes/IIforum/Textos%20IC/Artur%20e%20Mauro.pdf >. Acesso em 28 de junho de 2010. SELIGMANN-SILVA, Edith. contemporâneos. 2003. Psicopatologia no trabalho: aspectos SIMM, Zeno. Acosso psíquico no ambiente de trabalho: manifestações, efeitos, prevenção e reparação. São Paulo: LTr, 2008. SINDICATO DOS TRABALHADORES NA EDUCAÇÃO MUNICIPAL (SINEDUC). Assédio moral & Síndrome de Burnout. Cartilha Saber e Combater. Ribeirão Pires, out. 2008. SOARES, Leandro Queiroz. Assédio moral no trabalho e Interações Socioprofissionais: ou você interage do jeito deles ou vai ser humilhado até não agüentar mais. Dissertação de Mestrado em Psicologia. Brasília, agosto de 2006. Disponível em: <http://repositorio.bce.unb.br/bitstream/10482/3459/1/dissertacao%20Leandro%20Q ueiroz%20Soares.pdf>. Acesso em 15 de agosto de 2010. TADEU, Silney Alves. Assédio psicológico no ambiente do trabalho: apontamento das fases do assédio, segundo estudos de leyman o passo a passo das estratégias do agressor. JTb: Jornal Trabalhista Consulex. Brasília, 1164 (2 abr. 2007), p. 7-9. TARCITANO, João Sérgio de Castro; GUIMARÃES, Cerise Dias, Assédio moral no ambiente de trabalho, Juiz de Fora, 2004, disponível em: < http://www.assediomoral.org/IMG/pdf/assedio_moral_no_trabalho_no_ambiente_de_ trabalho.pdf>. Acesso em 16 de maio de 2010. TEIXEIRA Jr, Celso. Assédio moral: motivo da rescisão indireta do contrato de trabalho. Ano de publicação autorizado pelo autor: 2009. Disponível em: http://www.assediomoral.net/publicacoes/Assedio%20Moral%20%20Motivo%20da%20Rescisao%20Indireta...%20(Celso%20Teixeira%20Junior).pdf >. Acesso em 22 de junho de 2010. TÔRRES, Dixon. Assédio moral no trabalho: aspecto legal e psicológico frente à globalização. JTb: Jornal Trabalhista Consulex. Brasília, 1209 (18 fev. 2008), p. 8. ZANGRANDO, Carlos Henrique da Silva. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2008.