Conferência proferida no Curso de Verão sobre Concorrência, Regulação e Ambiente, Universidade de Coimbra, a 10 de Julho de 2006 Da aplicação do controlo de concentrações em Portugal Abel M. Mateus Presidente da Autoridade da Concorrência O controlo de fusões e aquisições, que configuram uma concentração de empresas, é um dos três domínios fundamentais das leis da concorrência de qualquer país desenvolvido. Os outros dois são o combate aos cartéis e aos abusos de posição dominante. Ao contrário destas duas áreas em que a actuação é ex-post, no caso das concentrações a Autoridade actua ex-ante: é uma actividade preventiva das Autoridades Nacionais e Comunitárias da Concorrência. Preventiva de quê? De que se constituam estruturas de mercado que levem a uma perda de bem-estar social, associadas a uma concentração elevada do poder de mercado, que em termos jurídicos poderá configurar a constituição de uma posição dominante singular ou colectiva. Estas estruturas de mercado com sérios problemas concorrenciais levam à criação de rendas de monopólio, originam uma redução de eficiência das empresas no curto prazo e comprometem o dinamismo e a inovação no longo prazo, pelo que acabam sempre por prejudicar os consumidores. É a ciência económica que nos ensina que uma elevada concentração, que não é compensada pela existência de economias de escala ou de gama, origina essa perda de bem-estar social. E daí que as Autoridades tenham de efectuar um cuidadoso estudo, caso a caso, afim de concluir se, no balanço das probabilidades, uma concentração poderá ou não levar a uma situação que prejudique significativamente uma concorrência efectiva, o que as levará a reprovar, ou aprovar, a concentração proposta. Como veremos, hoje os critérios de análise de concentrações reconduzem-se, lato senso, aos da criação de um poder de mercado que prejudique o bem-estar dos consumidores. Para fazer o teste usa-se o conceito de origem alemã, mais jurídico, da criação ou reforço da posição dominante, ou o conceito americano, mais pragmático e económico, de efeitos significativos na diminuição da concorrência.1 Alguma legislação ainda se encontra eivada de outro critério que é o do “interesse público”, que foi seguido pelo Reino Unido e abandonado em 2002, e ainda faz parte do recurso extraordinário para o Governo, na Alemanha e em Portugal.2 1 Também chamado teste SLC de “Substantial Lessening of Competition”. É interessante referir um caso tratado por este teste no Reino Unido, que envolveu a fusão de bancos. Em 1968, pouco depois de anunciada a fusão dos bancos Westminter e National Provincial que reduzia os “Big Five, existente”, existentes desde 1918, para “Big Four”, era agora anunciada a fusão do Barclays com o Lloyds, resposta dos rivais, e que levaria à constituição dos “Big Three”. Este novo banco teria uma quota de cerca de metade do mercado, e foi saudado pela imprensa como originando elevadas sinergias e “a giant to meet the American chalange”, frase do Times. A recente criada Comissão dos Monopólios decidiu recomendar a rejeição (numa decisão de 6 votos contra 4), enquanto o Bank of England não só o patrocinou como fez campanha a seu favor. O Governo, que era quem tinha a palavra final, decidiu “chumbar” a fusão, o que ainda hoje é reconhecido como tendo sido a decisão certa. Este e outros casos, que levavam a dificuldades na decisão final, eram o resultado de não se saber exactamente qual a importância que tinham as questões de concorrência no critério nebuloso do “interesse público” e acabaram na sua abolição. Este caso pode ser consultado em Kynaston, The City of London: A Club No More, 2001. 2 2 Alguns empresários e até economistas mais liberais têm questionado a bondade desta intervenção no “livre mercado e na estratégia de desenvolvimento das empresas”. Tratase, evidentemente, de uma intervenção no mercado por parte de uma Autoridade Pública, usando uma prerrogativa do Direito Público, e que limita a actuação das partes em nome do bem-estar social. Por se tratar de uma limitação da liberdade empresarial uma decisão de oposição é sempre ponderada com os maiores cuidados, e só quando se esgota a capacidade de definir remédios que permitam resolver os problemas de restrição à concorrência identificados é que as Autoridades “chumbam” uma concentração.3 O controlo de concentrações existe hoje em todos os países desenvolvidos, e na maioria dos casos já por entidades administrativas independentes, estas sujeitas a controlo judicial. Nos EUA foi explicitamente introduzido pelo Clayton Act de 1914, tomando como base o princípio de que “as empresas igualmente eficientes deveriam ter as mesmas oportunidades que concorrer que os seus rivais.”4 Foi reforçada pelo CellerKefauver Act de 1950, que estabeleceu o critério do efeito da fusão enquanto “redutor substancial da concorrência” para todo o tipo de aquisições sejam de títulos ou de activos físicos, e justificada no Congresso pela preocupação quanto às implicações políticas da concentração do poder económico. E finalmente voltou a ser reforçada com o Hart-Scott-Rodino Act de 1976 que lhe deu a sua estrutura actual, sobretudo em termos do processo de notificação. Na União Europeia é uma exigência do acquis communutaire. De facto, embora não esteja directamente previsto no Tratado de Roma (1957), e o primeiro regulamento comunitário só tenha sido introduzido em 19905, este controlo decorre em grande parte dos artigos 81 e 82 daquele,6 consubstanciando o chamado “braço preventivo” da lei da concorrência, na medida em que previne seja a cartelização ou monopolização da economia, ou situações que dêem azo a abusos de posição dominante. É, por isso, que do ponto de vista legal, hoje em todos os países da UE as operações de concentração são nulas, não podendo produzir efeitos em relação a terceiros, caso não sejam autorizadas ou havendo obrigatoriedade de notificação, não o tenham sido. Em Portugal é a Autoridade de Concorrência que tem a responsabilidade de levar a cabo a apreciação das notificações de concentrações, decidindo sobre a sua aprovação, aprovação com remédios ou rejeição. As suas decisões estão sujeitas a controlo de legalidade por parte do Tribunal do Comércio de Lisboa. Existe, porém, um “recurso extraordinário”, para o Ministro de Economia, em caso de rejeição.7 3 Não existem estatísticas fidedignas das oposições a concentrações pelas diferentes Autoridades Europeias e Americanas, embora seja sempre indicado um intervalo entre 1 a 2% das notificações. Um dos problemas destas estatísticas é que existe um número por vezes ainda mais significativo de operações do que as que têm oposição formal, e que não se fazem ou porque as partes têm receio de um “chumbo”, ou porque as Autoridades já informalmente deram um parecer desfavorável. 4 Esta posição sobre a igualdade de oportunidades numa democracia foi defendida por Fox, Eleanor. “The modernization of antitrust: a new equilibrium” Cornell Law Review, vol 66, nº 6, Agosto 1981. 5 Regulamento do Conselho (EEC) No 4064/89 de 21 de Dezembro de 1989. 6 Na numeração antiga 85 e 86. Foi necessário utilizar como base jurídica desta reforma o “artigo das lacunas”, então 235 e na numeração actual dos Tratados 308, para evitar a reabertura do Tratado. 7 Esta figura singular e limitadora da independência de uma autoridade administrativa independente, sem correspondente mesmo nos institutos públicos, é um recurso de natureza tutelar mas não hierárquico 3 Depois de analisarmos as razões económicas para a existência de um controlo de concentrações, como parte integrante do sistema regulatório de um país desenvolvido, vamos ver quais as operações sujeitas a notificação. Seguidamente, estudaremos o critério de avaliação das concentrações pela Autoridade da Concorrência, conhecido como o “critério da dominância”, e que tem duas vertentes fundamentais: a dominância singular ou colectiva. Como veremos, o conceito de dominância é um conceito jurídico que tem que se socorrer da teoria económica do poder de mercado para lhe dar conteúdo. Uma das questões fundamentais que tem até hoje estado no centro do debate é comparar uma interpretação estrita do critério, que apenas olha para a unidade concentrada, enquanto que para o economista o que faz sentido é olhar para o impacto da concentração sobre a estrutura concorrencial do mercado. Veremos que é possível fazer esta equivalência na jurisprudência comunitária, sobretudo através da consideração dos efeitos directos e indirectos na unidade concentrada e na apreciação do ambiente concorrencial em que ela vai actuar – isto é, o próprio mercado e a concorrência efectiva que gera. Sobre este ponto veremos a recente reforma da legislação comunitária. Abordaremos também a questão de quais os mercados relevantes nos casos a notificar. Serão todos os mercados europeus e ou até globais como alguns querem fazer passar? Finalmente abordaremos a questão da “regra dos 2/3” que divide as concentrações que são analisadas pela Comissão e as Autoridades Nacionais e a questão dos remédios a aplicar no caso das concentrações que levantam problemas concorrenciais. 1. As razões económicas do controlo de concentrações Tendo como base constitucional do funcionamento da economia portuguesa a economia de mercado, para que esta funcione têm que se respeitar um conjunto de regras do jogo que estabelecem o “level playing field” da concorrência. Estas regras são ditadas pela economia e o direito da concorrência: as primeiras em termos do funcionamento de uma economia eficiente que maximiza o bem-estar social, as segundas na atribuição das mesmas regras de oportunidade a empresas igualmente eficientes e na definição das bases de uma democracia justa e livre. Olhemos primeiro para a microeconomia. Esta estabelece claramente que o monopólio é a forma mais perniciosa de afectação dos recursos e que mais estiola o crescimento económico, tais como as contribuições recentes do Prémio Nobel Prescott o demonstram. Por outro lado, desde o paradigma ideal da concorrência perfeita ao oligopólio (modelo de Bertrand), que têm uma solução em que o preço iguala o custo marginal, sabemos que uma concorrência efectiva é aquela que maximiza o bem-estar social. Ora, o controlo de concentrações, que faz passar pelo seu crivo todas as fusões ou aquisições a partir de uma certa dimensão, tem como objectivo prevenir que se constituam situações, nos mercados em que as empresas actuam, que sejam monopólios ou oligopólios que não tenham uma concorrência efectiva. Considerado do ponto de vista político pretende-se que a excessiva concentração do poder económico não venha a ameaçar o funcionamento da democracia. Ou, do ponto de vista da União Europeia, que não venha a ameaçar a construção do mercado único, em que as empresas têm iguais oportunidades, qualquer que seja o mercado ou a parte do mercado comunitário em que actuam. 4 Desta análise fica claro que o critério de avaliação final de uma concentração é o impacto sobre a estrutura de mercado – a concorrência efectiva – e o bem-estar dos consumidores, e que a unidade central de análise é o mercado em que a empresa actua – ou seja, o mercado relevante. A teoria de Chicago teve uma contribuição fundamental para a análise de concentrações na distinção entre concentrações horizontais e verticais, sendo as primeiras mais preocupantes do que as segundas. As concentrações horizontais referem-se à fusão ou aquisição de empresas dentro de um mesmo mercado, enquanto que as verticais se referem a concentrações entre empresas dentro de uma dada cadeia de produção. E a razão tem a ver com dois factores económicos. Nas concentrações verticais verificam-se geralmente mais eficiências (reduções de custos) devido à integração de actividades e redução de custos de coordenação, e elimina-se o chamado efeito de “margens duplas”. Este verifica-se porque o “monopólio” optimiza em relação ao lucro conjunto de actividades e não em relação a duas actividades distintas. Na maioria dos casos que se seguem discutiremos o caso das concentrações horizontais, onde a preocupação do economista é o aumento do poder de mercado. 2. Que concentrações estão sujeitas a controlo da Autoridade da Concorrência e Comissão Europeia e porquê? Estão sujeitas a notificação as concentrações, que impliquem uma alteração de controlo da empresa em causa, em que o volume de negócios do perímetro das empresas envolvidas, considerando a totalidade de mercados em que operam em Portugal, seja superior a 150 milhões de euros, no último ano. Para afastar casos sem impacto relevante pelo menos duas têm de ter um volume de negócios superior a 2 milhões. Também são abrangidas as concentrações que impliquem a formação de uma quota de 30% no mercado relevante.8 Têm que ser notificadas à Comissão as concentrações em que o volume de negócios das empresas envolvidas seja de 5 000 milhões de euros a nível mundial, e pelo menos 250 milhões de volume de negócios de duas empresas na Comunidade. Ou se o volume mundial é de 2 500 milhões, ou tem um volume de pelo menos 100 milhões em três países da UE, ou pelo menos duas das empresas têm um volume de 100 milhões em toda a UE, ou estas duas têm 25 milhões em pelo menos três países. Uma importante excepção é a “regra dos dois terços”: o caso de cada empresa ter um volume de negócios superior a 2/3 num mesmo país – neste caso a operação cai sob a alçada nacional. A jurisdição das Autoridades Nacionais e a Comissão foi objecto de acesa discussão aquando da preparação do primeiro regulamento, pois representou uma verdadeira cedência de soberania dos países à Comissão, em nome da construção do mercado único.9 Porém, esta visão só é válida se os Governos nacionais pretenderem intervir nas concentrações, usando critérios diferentes dos consagrados na prática da Comissão e na 8 Esta condição tem sido eliminada na maioria dos países. Primeiro, porque cria uma certa incerteza jurídica pois é necessário definir previamente o mercado relevante. Segundo, é discutível se esta quota tem algum significado. Terceiro, a experiência prática mostra que os casos abrangidos apenas por esta condição não são em geral preocupantes no seu impacto na concorrência. 9 Este regulamento foi de facto aprovado num Conselho dedicado ao Mercado Único. 5 jurisprudência comunitária. Não nos parece de grande importância se a rede europeia for constituída por autoridades independentes que utilizam uma metodologia comum. Como ainda estamos longe desta situação, esta regra continuará a ser fortemente disputada, sobretudo por países que pretendem prosseguir uma política de “campeões nacionais”. 3. O teste de dominância e o impacto sobre a concorrência efectiva de mercado O teste substantivo sobre concentrações na lei portuguesa acompanha o do Regulamento CE Nº 4069/89 do Conselho de 21 de Dezembro 1989, anterior ao que foi introduzido em 2004. O artigo 12º da Lei 18/2003 estabelece a análise que a Autoridade de Concorrência tem que realizar na sua apreciação: “as operações de concentração ...serão apreciadas com o objectivo de determinar os seus efeitos sobre a estrutura da concorrência, tendo em conta a necessidade de preservar e desenvolver, no interesse dos consumidores intermédios e finais, uma concorrência efectiva no mercado nacional. 1. Na apreciação referida no número anterior, serão tidos em conta, designadamente, os seguintes factores: a) A estrutura dos mercados relevantes e a existência ou não de concorrência por parte de empresas estabelecidas nesses mercados ou em mercados distintos; b) A posição das empresas participantes no mercado ou mercados relevantes e o seu poder económico e financeiro, em comparação com os dos seus principais concorrentes; c) A concorrência potencial e a existência, de direito ou de facto, de barreiras à entrada no mercado; d) As possibilidades de escolha de fornecedores e utilizadores; e) O acesso das diferentes empresas às fontes de abastecimento e aos mercados de escoamento; f) A estrutura das redes de distribuição existentes; g) A evolução da oferta e da procura dos produtos e serviços em causa; h) A existência de direitos especiais ou exclusivos conferidos por lei ou resultantes da natureza dos produtos transaccionados ou dos serviços prestados; i) O controlo de infraestruturas essenciais por parte das empresas em causa e as possibilidades de acesso a essas infraestruturas oferecidas às empresas concorrentes; j) A evolução do progresso técnico e económico, desde que a mesma seja vantajosa para os consumidores e não constitua um obstáculo à concorrência; l) O contributo da concentração para a competitividade internacional da economia nacional. “ Seguidamente, vem o critério fundamental de decisão conhecido como o teste da dominância: 2. “Serão autorizadas as operações de concentração que não criem ou não reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado nacional ou numa parte substancial deste. 3. Serão proibidas as operações de concentração que criem ou reforcem uma posição dominante da qual possam resultar entraves significativos à concorrência efectiva no mercado nacional ou numa parte substancial deste.” 6 O que significa a posição dominante? Em grande parte é uma “empty shell”, ou numa nota mais positiva, é um conceito jurídico e não económico, que a jurisprudência comunitária define como a situação em que uma empresa pode actuar independentemente das suas concorrentes e dos consumidores. Mas esta definição só faz sentido em termos relativos, pois mesmo um monopólio está limitado pela curva da procura dos seus produtos para maximizar o lucro. Assim, em termos económicos, está próxima da definição de um significativo poder de mercado que pode prejudicar a concorrência efectiva no mercado relevante. Uma empresa dominante é aquela que tem capacidade para aumentar os preços, de uma forma lucrativa e duradoura, significativamente acima do nível concorrencial. O poder de mercado de uma empresa ou de um conjunto de empresas mede-se pelo diferencial entre o preço e o custo marginal da empresa ou da curva de custos marginais do mercado, que em termos económicos,10 equivale a estudar o grau de concentração do mercado e as elasticidades da procura directa e cruzadas. Por outro lado, tanto a escola de Chicago como a estruturalista de Bain e outros, mostram que a estrutura concorrencial de um mercado é mais fundamentalmente determinada (i) pelas barreiras à entrada e saída do mercado, e (ii) pela probabilidade de colusão no mercado. As primeiras são fundamentais porque a sua existência “fecha o mercado”, dando um enorme poder ao (s) incumbente (s). É este factor que está por trás da chamada teoria da contestabilidade,11 que afirma que não se deve olhar apenas para o número de empresas existentes no mercado, mas também se é ou não fácil entrar no mercado. Esta entrada potencial no mercado actuaria como uma ameaça às empresas e levaria a que os incumbentes tivessem preços próximos dos custos marginais, porque noutro caso imediatamente atrairiam concorrentes que explorariam estas margens elevadas. No fundo, a situação seria próxima do equilíbrio de concorrência perfeita. Tem havido uma grande discussão sobre o que constituem “barreiras à entrada”, embora seja hoje geralmente aceite a sua equivalência a “sunk costs”, custos de entrada ou saída que não são recuperáveis por uma alienação.12 O outro vector fundamental é a facilidade de colusão de mercado, que é fácil de entender, uma vez que a actuação explícita ou tácita das empresas de uma forma coordenada leva à situação de cartel, que está próxima do monopólio. Ora tal situação é, indubitavelmente, prejudicial do bem-estar social e dos consumidores. Passemos agora aos aspectos mais práticos da análise de uma concentração. Como se aprecia a situação de dominância? A simples utilização de um critério quantitativo (30% ou mais) não está de acordo com a lei, como o artigo 12º da Lei da Concorrência estabelece sem qualquer sombra de dúvidas. Vejamos um exemplo 10 Um dos resultados mais importantes da Economia Industrial mostra que num modelo de oligopólio de Cournot o poder de mercado, medido pelo diferencial entre o preço de mercado e o custo marginal, é proporcional ao índice HHI dividido pela elasticidade da procura. IHH é o Índice de HerfindahlHirschman, calculado como a soma dos quadrados das quotas das empresas a operar no mercado relevante, assim traduzindo o grau de concentração nesse mercado, e variando entre 0 e 10 000. 11 Esta teoria inventada por Baumol e seus associados surgiu como reacção ao break-up da ATT pelos tribunais americanos, embora seja discutível se ela levaria a uma posição contrária. 12 Sobre estas questões básicas da microeconomia deve consultar-se um manual sobre mercados de oligopólio. Mais ainda, a teoria endógena dos mercados dá particular relevância ao papel dos sunk costs exógenos como determinantes do nível de concentração do mercado. Veja-se, por exemplo, Mateus e Mateus (2004). 7 simples que nos revela as limitações desta análise, mesmo sem considerar outras dimensões do problema. Será suficiente a análise da situação de uma empresa (a adquirida mais a adquirente)13 ou será necessário analisar a estrutura do mercado?14 De facto, no caso da análise se concentrar apenas na empresa e esquecer a estrutura de mercado podem-se gerar situações claramente prejudiciais não só para a concorrência como para os consumidores. Foi por isso mesmo que tanto os EUA como a Comissão abandonaram o critério da quota individual para o HHI, que é um indicador de estrutura de mercado. Suponhamos uma estrutura de mercado em que existem 4 empresas, em que a maior, A, tem 51%, a segunda, B, tem 27%, a terceira, C, tem 15% e a quarta, D, 7%. O HHI é 3604 indicando um nível de concentração já elevado, pois é superior a 2000.15 Suponhamos que C compra D, passando a terceira empresa a deter 22% do mercado. Utilizando o critério da quota individual deveria ser aprovado, pois não daria origem nem reforçaria a posição dominante da empresa C+D – esta é a ainda a empresa mais pequena do mercado. Em termos de HHI passaríamos a 3842, sendo o delta de 210, o que segundo as “orientações” da Comissão já seria preocupante, levando eventualmente a um “chumbo”. 16 Mas o caso mais caricato seria agora se B comprasse (C+D) constituindo um grupo com 49%, ainda assim inferior aos 51% da primeira, e que se poderia argumentar que deveria ser aprovado, pois a sua quota é ainda inferior ao da primeira. Mais ainda, pode dizer-se que neste caso não podendo actuar independentemente da primeira – estamos claramente num duopólio – pelo que o critério “cegamente” aplicado não daria a constituição ou reforço de posição dominante. Mas já aplicando as “orientações” da Comissão, na medida em que o HHI subiria de 3814 para 5002, um aumento de 1188, esta operação deveria ser rejeitada. Este exemplo, mesmo sem considerar os outros factores acima indicados, mostra a falácia das quotas, que acabaria por deixar como limite dos mercados um duopólio, e que já há muito foi abandonado tanto nos EUA como pela Comissão.17 Será então suficiente a análise da estrutura de mercado, como a alínea a) e b) do artigo 12º estabelece, e que um índice tipo HHI estabeleceria? Claro que não. Para além desta análise, a alínea d), e) e g) do mesmo artigo estabelecem a importância da análise da procura, como o modelo do oligopólio nos ensinam: quanto menores forem as 13 Levanta-se, por vezes, a dúvida sobre se a concentração cria ou alternativamente reforça uma situação de dominância, o que estaria relacionado com a análise a partir da adquirente ou adquirida. Esta situação poderia ser interessante se a adquirente for, por exemplo, um quarto da adquirida. Contudo, não nos parece que mereça qualquer reflexão pois o que interessa é a nova estrutura de mercado em relação à préexistente, como veremos. 14 É interessante a frase de J.Temple Lang de que a dominância é o resultado de quanta concorrência ainda resta, e não da alteração decorrente da fusão. Veja-se o seu artigo ‘Oligopolies and Joint Dominance in Community Antitrust Law’, in Barry Hawk (ed.) Fordham Corporate Law Institute, 2001. 15 Todas as Autoridades Nacionais Europeias seguem de perto as orientações sobre concentrações da Comissão para assegurar coerência no tratamento das empresas no mercado único: Guidelines on the assessment of horizontal mergers on the control of concentrations between undertakings, JOUE 2004/C 31/03. 16 A Comissão explicitamente diz: “Each of these IHH levels, in combination with the relevant deltas, may be used as an initial indicator of the absence of competition concerns. However, they do not give rise to the presumption of either the existence or the absence of such concerns.” . 17 Notem-se as palavras do Economista Chefe da Comissão, que diz que reduzir o teste ao poder de mercado da entidade resultante da fusão, ignorando os efeitos no mercado, na sua totalidade, induz em sérios erros. “Ignoring these equilibrium effects may lead to significant errors.” Página 16 em Röller e de la Mano (2006). 8 elasticidades da procura directa ou cruzadas maior será o poder de mercado da empresa objecto da concentração. A questão das barreiras à entrada das empresas do mercado relevante é não só referida explicitamente em c), como de uma forma especial de tipos de barreiras em e), f), h) e i). Casos especiais são as estruturas de rede, como as infra-estruturas de telecomunicações, transportes e energia, à qual é dada na lei portuguesa um destaque especial na linha das chamadas “essential facilities”.18 Também se pode enquadrar nas alíneas a) e b) a análise da possibilidade de concertação entre empresas, embora seja uma lacuna grave da lei, uma vez que esta pretende ser quase exaustiva. Até agora temos nos referido a efeitos estáticos, mas também é fundamental ter uma visão dinâmica do mercado, o que implica um análise prospectiva. Finalmente temos o problema das eficiências e dos efeitos dinâmicos. As eficiências, ou sinergias, são muitas vezes apontadas como a “raison d´être” das fusões pela banca de investimento que realizam largas comissões com o processo de M&A. Mas para as eficiências serem aceites no âmbito da análise de concentrações não só têm que ser provadas, como devem resultar univocamente desta. Isto é, não poderiam ser alcançadas doutra forma.19 A nossa lei refere-se a elas nas alíneas j) e l). Mas, a redacção destas alíneas é bastante mais progressiva, ao considerar explicitamente os efeitos sobre o progresso técnico. Assim, a análise deverá considerar os efeitos dinâmicos sobre o processo de R&D e inovação. Por exemplo, tomando o exemplo empírico acima referido, a Autoridade poderia rejeitar uma concentração do B com o D, ou mesmo do C com o D, caso viesse a eliminar um concorrente de mercado que oferecesse um produto diferenciado e tivesse um passado indiciador de ser um concorrente altamente inovador e com elevado potencial de crescimento, podendo vir a ser um elemento fundamental na contestabilidade do mercado.20 A contestabilidade é reconhecida na alínea c) ao falar de “concorrência potencial”. Sobre os efeitos para a competitividade, referidos na última alínea do artigo 12º eles reconduzem-se aos efeitos sobre produtividade, ou seja, o crescimento e progresso técnico. Veremos mais à frente, como a falácia dos “campeões nacionais” pode levar a uma visão distorcida deste factor. Para um economista que analisa uma concentração só faz sentido estudar o impacto da fusão sobre a estrutura do mercado. Por isso, uma das batalhas do actual Economista Chefe da Comissão, lugar criado por Monti para responder às críticas do TPI de falta de profundidade nesta análise num conjunto de casos que foram invertidos por este Tribunal, tem sido desenvolver tanto nas concentrações como nos abusos de posição dominante a aplicação da “teoria dos efeitos”. Mas esta já tem acolhimento no artigo 18 Este tratamento tem vantagens e inconvenientes. As primeiras porque dá uma ênfase especial a estes casos, mas como a teoria das “essential facilities” tem um tratamento na jurisprudência comunitária que exige um grau de prova mais elevado que o normal, pode trazer complicações adicionais. 19 Note-se, ainda, que só a redução de custos marginais é que terá impacto sobre o preço de mercado. 20 Foi esta a razão da rejeição pela OFT inglesa da fusão entre o Lloyds e o Abbey National no início dos anos 2000, embora a quota de mercado da fusão fosse apenas de 24%. 9 12º da Lei 18. Daqui o que se conclui é que a Autoridade tem que utilizar todos os critérios, da alínea a) à alínea l), para analisar uma operação notificada. A leitura do artigo 12º-2 e 3 levanta uma questão interessante: existirá um teste de dois níveis? O (i) da dominância e o (ii) do impacto sobre a concorrência? Os tribunais europeus já declararam inequivocamente que os dois não são equivalentes.21 Também estabeleceram que o primeiro é uma condição necessária do segundo. Porém, na última década, a Comissão tem vindo a dar cada vez menos importância às quotas de mercado, e dar cada vez mais ênfase às características do mercado, à dinâmica da concorrência entre as empresas que se concentram e os seus efeitos concorrenciais. Contudo, como afirma o Economista Chefe da Comissão em Roller e de la Mano (2006), “se a dominância for entendida correctamente como poder de mercado significativo, então não há razão para que a liderança do mercado seja necessária para estabelecer a dominância”. Neste caso, a capacidade para fazer subir os preços acima do nível concorrencial depende de factores muito para além das quotas. Por exemplo, em oligopólios com um pequeno número de empresas, a diferenciação do produto ou os switching costs reduzem a intensidade da concorrência e permite às empresas gozar de poder de mercado significativo simultaneamente, mesmo que nenhuma delas se afirme como líder do mercado. Aqui o poder de mercado está intimamente relacionado com o grau de substituibilidade entre as diferentes marcas. As quotas também constituem um indicador pobre quando as empresas – mesmo grandes – confrontam restrições de capacidade significativas (como na electricidade em horas de ponta). Em mercados regulados o líder pode estar sujeito a regras mais restritivas que os seus rivais. Dois casos revelam claramente porque temos que ter uma visão mais alargada dos efeitos no mercado. Apesar de uma fusão levar à criação ou reforço da posição dominante pode ter efeitos positivos sobre o bem-estar dos consumidores ou inovação, devido a ganhos de eficiência estáticos e dinâmicos. Esta situação é coberta pela alínea j) do artigo 12º, que estabelece como que um “balanço económico”, entre redução de custos e aumento de preços por efeito do poder de mercado. Sobre este tema é importante recordar que deve levar a uma predisposição positiva das Autoridades em relação à fusão, quando os concorrentes protestam,22 porque os efeitos sobre os custos podem ser tão fortes que fazem baixar os preços para todas as empresas no mercado. O outro é o caso de uma fusão que cria um poder compensatório em relação a outras empresas num mercado simétrico – por exemplo no fornecimento de um produto ou serviço. 4. Dominância singular ou colectiva? Existem inúmeros casos de concentrações que podem representar uma séria ameaça à concorrência efectiva de um mercado, sem que uma empresa, individualmente considerada, ultrapasse o limiar da dominância. O conceito introduzido pela Comissão e reconhecido pelo TPI é o de dominância colectiva. Se duas ou mais empresas estão economicamente ligadas e actuam no mercado “como se fossem uma”, então diz-se que são colectivamente dominantes. O TPI, no caso Airtours estabeleceu as três condições 21 Casos T-2/93 Air France v. Commission [1994] ECR II-00323, T-290/94 Kaysersberg v. Commission [1997] ECR II-2137, e T-87/05 EDP v. Commission, de 21 de Setembro de 2005. 22 Ver sobre este ponto Mateus, A. (2003). 10 necessárias para a sua existência: (i) transparência – cada empresa deve facilmente monitorar o comportamento das restantes, (ii) poder de mercado – devem poder actuar com certa independência em relação aos concorrentes e consumidores, e (iii) sustentabilidade – a colusão tácita deve ser sustentável, através de mecanismos de retaliação para quem se desvie do comportamento colusivo. É evidente que não é necessário que tenha havido colusão explícita ou que se tenha detectado um cartel para existir dominância colectiva, pois nesse caso haveria um conflito com o Artigo 81 do Tratado, que proíbe os cartéis. Mas a teoria económica estabelece as condições necessárias para a existência de colusão tácita, como se pode ver em Ivaldi et al. (2003), Mateus (2003), ou Motta (2004). Qual é o nível de prova para a probabilidade de colusão futura? O TPI também já estabeleceu doutrina neste aspecto. É necessário que se forme uma convicção em termos do balanço das probabilidades. Veja-se Vesterdorff (2004) que se refere ao assunto. 5. Como se analisa o poder de mercado e a estrutura concorrencial de um mercado? O standard de prova. Numa decisão sobre fusões ou aquisições uma Autoridade da Concorrência tem que se preocupar em não cair em dois tipos de erros em que pode incorrer na sua decisão: as falsas positivas ou falsas negativas. No primeiro aprova uma concentração que deveria ser reprovada pelo seu impacto negativo no bem-estar social, na segunda rejeita uma operação que deveria ter sido aprovada. É para evitar este tipo de erros, que podem causar prejuízos no bem-estar, que as Autoridades fazem análises aprofundadas nos casos em que há indícios sérios de causar problemas concorrenciais, e têm que fazer estudos baseados em teoria sólida para fundamentar a sua decisão.23 A análise de uma concentração envolve sempre a comparação da situação concorrencial pós-concentração em relação à situação antes da concentração, e não em relação a situações hipotéticas não abrangidas pela notificação em causa. Ao fazer a análise do impacto da concentração no mercado, é necessário fazer uma análise sobre a evolução futura do mercado e o impacto da fusão no mercado. Assim, a análise é sempre prospectiva, pois envolve a simulação do mercado pós-concentração com a situação anterior. Qual o horizonte temporal que deve ser considerado? A prática da Comissão mostra que não deve ultrapassar os 2 a 4 anos, dependendo do caso específico a analisar. Um exemplo que nos toca de perto refere-se ao caso EDP v. Comissão, em que a empresa argumentava que não se devia tomar o mercado nacional para analisar a concentração, porque estava em vias de formação o mercado ibérico da electricidade. O que a Comissão contra argumentou foi que embora houvesse um acordo assinado pelos dois governos envolvidos, no prazo de 2 a 4 anos – estávamos em finais de 2004 – não haveria capacidade de interconexão suficiente nos sistemas eléctricos para garantir o funcionamento de um único mercado a nível ibérico. 23 Tanto a Comissão como a Autoridade da Concorrência portuguesa têm duas fases na avaliação de uma notificação, passando à fase II apenas os casos onde é necessário aprofundar a análise. Em termos médios estes representam cerca de 5 a 6% do total de notificações. Os casos reprovados no final representam cerca de 2 a 3%. 11 Na maioria das análises do impacto das concentrações utiliza-se uma análise descritiva, recorrendo a julgamentos de um economista médio informado sobre as teorias do chamado “mainstream” da teoria económica.24 Não é necessário aplicar a teoria económica de fronteira a um caso, mas sim a teoria que é mais comummente aceite a nível internacional. Contudo, nos casos mais complexos é cada vez mais exigido, e tem sido também prática da Autoridade requerê-lo da notificante, estudos económicos que fundamentem as posições das partes no que respeita ao impacto sobre os consumidores da fusão. Estes estudos podem envolver um modelo teórico formalizado, que pode depois ser aplicado ao caso concreto através de metodologias de calibração e simulação, ou seguindo as melhores práticas econométricas. Seguindo esta estratégia, a Autoridade tem promovido a investigação nesta área, tendo já patrocinado a publicação de um livro teórico: Brito e Catalão-Lopes (2006). No caso de existirem estudos de simulação ou econométricos, qual o limiar a partir do qual a concentração levanta problemas de concorrência? As guidelines de várias Autoridades norte-americanas e europeias, que têm já experiência acumulada sobre esta questão indicam que quando a concentração implicar um aumento do preço no mercado de 5 a 10% já começa a levantar preocupações, e sendo superior a 10% então merece um estudo bastante aprofundado. Entre nós, um dos primeiros estudos de simulação, baseado na metodologia do PCAIDS, introduzido pela FTC, foi levado a cabo por técnicos da Autoridade e também por Mark Ivaldi da Universidade de Toulouse, no âmbito da venda da carteira de seguros pelo BCP à Caixa Geral de Depósitos. Estes estudos indicavam que a maior concentração, decorrente do reforço da posição da Caixa como líder de muitos dos mercados relevantes, ocasionaria uma subida de preços da ordem dos 5 a 8%, sem contar com eficiências. Esta operação acabou por ser autorizada com remédios. 6. Mercados europeus, nacionais ou locais? Central a toda a análise de concentrações é a definição dos mercados relevantes que a operação abrange, pois estabelece o perímetro da análise da concentração. Como se define um mercado?25 O mercado define-se pelo produto ou serviço, na dimensão temporal e na dimensão espacial. Como sabemos da microeconomia, o mercado definese por um produto que tem determinadas características com vista à satisfação de uma necessidade dos consumidores (no caso de ser final) ou para a utilização num determinado processo produtivo (bens intermédios), e para o qual se pode definir uma procura e uma oferta, estabelecendo-se assim um equilíbrio no curto e no longo prazo. As Autoridades americanas introduziram um método para a definição do perímetro conhecido como o teste SSNIP26, que hoje é utilizado universalmente, e que parte do 24 Este princípio também é conhecido na jurisprudência americana como o Princípio de Daubert. Repare-se que a definição de mercado por parte de um empresário não corresponde ao da análise de concorrência. Suponhamos o vendedor de fruta que apenas vende maças. Então se este apenas enfrenta concorrência efectiva dos outros vendedores de maças, então o que está em causa é apenas a sua quota no mercado das maças. Não nos interessa saber a sua quota em termos de maças mais laranjas. Contudo, se existir uma elevada substituibilidade entre maças e laranjas, então a sua quota calcula-se em relação à venda destas duas frutas. 26 Significa Small but Significant Non-transitory Increase in Price. 25 12 seguinte exercício. O mercado é definido pelo conjunto de produtos e a região geográfica em que um monopolista poderia subir o preço, de uma forma significativa e sustentada, acima do preço concorrencial, aumentando desta forma o seu lucro. É evidente que a resposta a esta questão envolve desde logo dois tipos de questões. A substituibilidade do lado da procura, o que está relacionado com elasticidades procurapreço cruzadas relativamente elevadas, e substituibilidade da oferta, que está relacionado com a rapidez com que um ou mais concorrentes possam desviar a sua produção de um bem ou serviço para outro em resposta a uma alteração de preços. Do ponto de vista do mercado geográfico não se pode definir o mercado pelas áreas em que uma dada empresa está activa, mas como a Comissão diz “pelas áreas em que as condições de concorrência são relativamente homogéneas”.27 A Comissão também deixa claro que o facto de existir comércio além fronteiras de um dado produto não significa que eles devem fazer parte do mesmo mercado geográfico. O exemplo do mercado de energia entre Portugal e Espanha é paradigmático. É também possível que o mercado geográfico relevante seja diferente conforme o nível do mercado. Por exemplo, o mercado do petróleo e seus derivados é um mercado global a nível de produção e de venda grossista, mas é um mercado nacional a nível de distribuição grossista de refinados e local a nível de retalho. Existem várias técnicas para a definição do mercado relevante, como o estudo da dispersão dos preços, análise de correlação ou estacionaridade das séries de preços, dos mercados de leilões, das elasticidades procura-preço cruzadas, dos custos de transporte,28 entre outros. Como vemos não tem pois sentido dizer-se que todos os mercados são europeus ou globais devido ao processo de integração e globalização. Se é verdade que a maioria dos mercados de bens transaccionáveis têm a nível de produção e distribuição grossista dessas produções uma dimensão europeia e mesmo global, também parece manifesto que os bens não transaccionáveis, pelas suas características de não poderem ser objecto de comércio além fronteiras, têm uma dimensão nacional. Por outro lado, existem uma série de mercados que pela sua relação de proximidade com os consumidores são claramente locais, como os serviços pessoais (por exemplo, restaurantes, hotéis ou barbearias) ou a distribuição a retalho (por exemplo, os supermercados ou lojas de conveniência). Existem produtos para os quais os preços se estabelecem a diversos níveis, como por exemplo, o crédito à habitação. Neste caso, a taxa de juro de referência estabelece-se no mercado do euro, o spread estabelece-se a nível nacional pela concorrência entre bancos e as taxas individuais são negociadas a nível local, devido à relação de proximidade existente entre o banco e o cliente. 27 Notice on Market Definition, publicada no OJC 372 em 9/12/1997. O estudo dos custos de transporte foi utilizado entre nós no estudo dos mercados locais de cimento, definindo regiões concêntricas com base nos portos, fábricas ou centros de distribuição (porPor exemplo, nas aquisições de empresas de betão por parte da Semapa). 28 13 7. A questão dos campeões nacionais numa perspectiva de economia da concorrência 29 Costuma dizer-se que é necessário promover a concentração de empresas em Portugal, para obter dimensão a nível internacional. Em primeiro lugar é necessário clarificar que em qualquer país desenvolvido a maioria esmagadora de empresas é constituída pelas PME’s. Tomando os dados do Eurostat para a indústria, o número de empresas com menos de 100 empregados representa entre 96 e 99% do total das empresas. Já para o total da economia, a dimensão média das empresas, em termos de empregados por empresa, não é baixa em Portugal. No nosso país é de 15 empregados, abaixo da França e EUA, mas bastante acima da Itália, Finlândia, Canadá, Dinamarca e Holanda, que tem apenas 6. Por sectores, Portugal tem grandes empresas, em termos relativos, na Electricidade, Gás e Água e nos Transportes e Comunicações, Banca e Seguros, Construção e Agricultura. É, pois necessário acabar com o mito das grandes e pequenas empresas em Portugal.30 A dimensão óptima de uma empresa, em concorrência perfeita, é ditada pelo mínimo da curva de custos de longo prazo. Como sabemos, esta curva depende da existência de economias de escala ou de gama. Ninguém diria que deveria existir um único restaurante em Lisboa. Já no extremo oposto sabemos que existem monopólios naturais, animal cada vez mais raro, por exemplo em redes de distribuição nacional ou local de electricidade. Deve ser o mercado a ditar a dimensão óptima da empresa. A política industrial de um Estado deve ser neutral quanto a este vector. Assim como uma entidade promotora da concorrência deve velar para que a economia seja eficiente do ponto de vista tecnológico e económico. Nenhuma Autoridade da Concorrência propugna uma política de pulverização de empresas. E não faria sentido que o fizesse, pois qualquer economista sabe que o mínimo da curva de custos de longo prazo de uma indústria pode estar mais ou menos para a esquerda da curva da procura. Mas mais ainda. A Autoridade não intervém quando se constitui uma nova empresa, de raiz, nem tão pouco quando há crescimento orgânico de uma empresa. Por outro lado, não deixa de ser lamentável, que muitas das situações de mercados pouco concorrenciais que se criaram na Europa e América Latina, sejam devidas a privatizações em que os governos só se preocuparam com a maximização do valor accionista, e não se preocuparam com a criação de uma concorrência efectiva. Mas tentemos aprofundar a questão da promoção de fusões para a criação de grandes empresas, do ponto de vista do bem-estar. As empresas expandem-se por crescimento orgânico ou por fusões e aquisições. Num mercado dinâmico pode haver alterações 29 O desenvolvimento económico de um país faz-se pela melhoria das suas instituições e por políticas económicas apropriadas que (i) acumulem factores produtivos, nomeadamente capital humano e físico, (i) melhorem a produtividade deste factores, e (promovam a inovação e o progresso tecnológico. Os vários consensos das instituições internacionais, desde o de Washington ao de Barcelona, o que sublinham é que o Estado deve adoptar as reformas necessárias e estabelecer o enquadramento que incentive os factores acima referidos. Deve pois deixar o mundo empresarial desenvolver-se, baseado numa efectiva economia de mercado. O que o Estado deve fazer é promover a afectação óptima e equitativa de recursos, e não há até hoje nenhuma teoria de desenvolvimento credível assente nos “campeões nacionais”. 30 Ver o estudo de Bertelsman et al. (2003). Comparative analysis of firm demographics and survival, WP 348,OCDE 14 substanciais de quotas de mercado, para além do crescimento do próprio mercado, e que só revela um mercado concorrencial. Quando as empresas crescem por fusão ou aquisição também em mercados que são estruturalmente concorrenciais não há razão para oposição das Autoridades da Concorrência. Evidentemente que só haverá a possibilidade de um impacto negativo duma concentração sobre o bem-estar social se estiverem envolvidas grandes empresas – basta olhar para os critérios de notificação nacionais e comunitários. E aqui a questão básica é se a concentração leva à criação de uma estrutura concorrencial que origina um poder de mercado que reduz o bem-estar do consumidor sem que se criem eficiências que possam contrabalançar aquele efeito potencialmente negativo. Como a base da apreciação são os mercados relevantes é evidente que uma empresa agrícola, industrial ou de serviços, que actua num mercado aberto à concorrência externa não tem restrições à sua expansão. Desde que esteja sujeita a uma concorrência efectiva – e o critério acima referido é bem claro, não pode subir o preço significativamente e sustentadamente sem que imediatamente outra empresa lhe comece a ganhar mercado, ou de outra maneira, que os consumidores comecem a preferir os produtos de outra (s) empresa (s). Um teste simples é geralmente o de o bem ou serviço ser objecto de comércio externo significativo – que seja um bem transaccionável. Quem nos dera que existissem grandes empresas nestas circunstâncias, mesmo em relação ao mercado internacional, o que revelaria um grande sucesso económico dos nossos empresários. Por isso se diz que “quem não sabe concorrer no mercado interno também não sabe concorrer no externo”. Esta é uma das razões porque a abertura ao comércio externo, como Portugal já sentiu no caso da EFTA e da CE, é uma das mais importantes políticas de competitividade que leva ao aumento da produtividade e crescimento. O problema põe-se geralmente no sector dos bens não transaccionáveis, onde por existirem redes para o fornecimento ou distribuição do serviço, ou por causa da relação de proximidade, custos de transporte ou outros factores, que limitam os mercados à dimensão nacional, regional ou mesmo local. Neste caso, a elevada concentração, sendo o mercado relevante de reduzida dimensão à escala internacional, pode levar a limitações à dimensão da empresa por exigência na manutenção de uma concorrência efectiva. Tomemos o caso das telecomunicações, como poderíamos tomar a electricidade ou a banca. Suponhamos que se pretende constituir em Portugal uma única empresa monopolista privada das telecomunicações. Para já note-se que esta poderia cobrir cerca de duas dezenas de mercados relevantes. Os mercados seriam na maioria nacionais porque é necessário ter uma rede com cobertura nacional para poder fornecer os serviços, e não seria possível contratar o serviço de telefonia fixa ou móvel com um operador na Polónia ou na Irlanda, se este não tivesse cá instalada a rede. Agora, sendo esta empresa um monopólio privado vai maximizar o lucro, com todas as consequências nefastas para o bem-estar dos consumidores e social. A questão seguinte que se pode pôr é se existem economias de escala e de rede suficientes que nos digam que a escala de produção óptima é a do mercado nacional. Se respondermos que sim a esta pergunta acabamos de encontrar um monopólio natural,31 que terá que ser submetido a regulação económica de controlo de preços, ou então nacionaliza-se. Se a resposta for não, e que sabemos ser a quase totalidade dos casos, então haverá lugar para o funcionamento eficiente do ponto de vista tecnológico de várias empresas. Só há possibilidade de concorrência teoricamente se tivermos pelo menos um duopólio. Mas o argumento aqui 31 Seria o caso da rede de cobre ou da rede de distribuição de electricidade em alta tensão. 15 é que quanto maior for o número de empresas, sustentadas pelo mercado, melhor será para a eficiência económica e o bem-estar. Poderá haver diferentes empresas a fornecer serviços, poderá haver diferentes empresas a construir e explorar diferentes plataformas ou redes de telecomunicações. Quantas? O mercado é que dita o número, sujeitas ao controle das concentrações que estuda caso a caso quando é que aquela concentração tem efeitos negativos decorrentes do poder de mercado que suplantam as eficiências e assim impor um limite ao nível de concentração desse mercado. Poderemos invocar argumentos de que é necessário que mesmo as empresas nos bens transaccionáveis têm que ser grandes para poderem competir no mercado internacional? Este argumento não tem nenhum suporte económico, pois ser grande ou pequena não só é um conceito relativo como deve tomar sempre como referência a tecnologia específica do sector – ninguém proporia a existência de uma única barbearia ou cadeia de restaurantes no país. Poderia argumentar-se que uma grande empresa é sempre mais eficiente, ou seja tem custos médios mais baixos do que uma de menor dimensão. É necessário estudar a tecnologia e a curva de custos dessa empresa, e a maioria dos estudos mostra que excepto para certas indústrias ou empresas assentes em redes, as economias de escala são sempre uma fracção muito baixa da quantidade efectivamente procurada. Por conseguinte, não se podem fazer generalizações que não são sustentadas tecnicamente. Segundo, permitir um grau elevado de concentração, sem as eficiências acima justificadas, leva a preços elevados que vão onerar os custos de todas as empresas de bens transaccionáveis, prejudicando a competitividade da economia. Temos dito e repetido várias vezes que este é um dos problemas mais graves da economia portuguesa, que causa elevados deficits externos, baixos níveis salariais, desemprego e sobretudo baixo crescimento económico. Terceiro, uma grande empresa portuguesa pode resistir mais facilmente a ser comprada por uma empresa estrangeira. Bem, se for uma empresa da União Europeia a comprar, a directiva da liberdade de capitais opõe-se à utilização de medidas proteccionistas. Se não for comunitária também este argumento não colhe. As empresas portuguesas, mesmo as maiores, raramente representam mais do que 2 a 3% dos activos totais do sector a nível comunitário, pelo que não é a constituição do monopólio que evita a compra. Mas mais ainda, o facto de ter rendas de monopólio torna-a mais apetecível, o que eleva o valor para os accionistas, e atrai a sua compra por estrangeiros. O argumento ainda se pode refinar mais. Para ser válido temos que o testar em termos de igualdade de oportunidades nos países da Comunidade. Ou seja, teríamos que admitir políticas proteccionistas que levassem à existência de uma única grande empresa em cada país da União, por cada sector. Mas então a Alemanha e a França teriam empresas cerca de 15 a 20 vezes maiores que Portugal ou a República Checa. Admitindo como válida a teoria do conglomerado que diz que “maior é melhor” continuaria a haver apetência agora para fusões além fronteiras. Ora, como neste tipo de mercados não há sobreposição geográfica, seria difícil que a Comissão, chamada a pronunciar-se sobre fusões em empresas com efeitos intra-comunitários, não aprovasse esta fusão. Estaríamos claramente em desvantagem, neste caso, pois seria a empresa francesa, espanhola ou alemã a comprar a portuguesa e não vice-versa. Como vemos, este argumento não resiste à lógica económica. 16 Quarto, a política económica faz-se para promover o bem-estar social, em benefício dos consumidores, que são os destinatários da produção de bens e serviços. Não se pode sacrificar o seu bem-estar em nome do aumento de lucros de um conjunto de accionistas, pois não só esta transferência de recursos é geralmente regressiva, como está associada à perda de eficiência da economia. Está em todos os livros de microeconomia. Mas em todo este debate, que não é apenas português,32 é difícil discernir elementos de racionalidade económica. Hoje o capital das grandes empresas encontra-se disperso a nível global. Por exemplo, é difícil classificar a nacionalidade do controle accionista de muitas das grandes empresas com sede na Irlanda, Holanda ou Suécia. Por isso alguns comentadores passaram a chamar-lhe “centros de decisão nacionais”. Mas mais uma vez, a não ser em sectores dos bens não transaccionáveis, torna-se difícil dizer onde está o “centro de decisão” numa multinacional, que tem fábricas e laboratórios de investigação em diversos países. Para terminar, nenhum economista pode contra-argumentar de que o processo de lançamento de OPA’s e compra e venda de empresas faz parte da dinâmica de uma economia de mercado. É essencial que quando uma empresa está a ser mal gerida que a sua administração (os agentes) como o núcleo de controlo accionista (os principais) sejam substituídos, através do mercado, por outros agentes que possam aumentar a eficiência económica.33 Estes processos só devem ser limitados pela regulação das concentrações e dos mercados de capitais, para que o proteccionismo não trave o crescimento económico. 8. A reforma da legislação Comunitária sobre o controlo de concentrações Durante a segunda metade dos anos 1990 e início dos anos 2000 estabeleceu-se um aceso debate sobre o critério de decisão das concentrações a nível comunitário. A discussão surgiu devido à diferença entre a teoria americana baseada no impacto na concorrência, ou teste SLC (“substantial lessening of competition”), e a teoria europeia, baseada na tradição alemã do critério da dominância. O Reino Unido e a Irlanda defendiam a substituição do segundo pelo primeiro, enquanto que a Alemanha resistia a uma alteração do seu teste tradicional. As razões não eram apenas de tradição jurisprudencial, mas mais substantivas, e que tinham a ver com a discussão que fizemos acima do teste da dominância e do impacto sobre a concorrência efectiva. Este debate foi conhecido seja pela “necessidade de clarificação” do teste da dominância, teoria que defendemos neste artigo, ou pela “teoria do gap” que pretendia eliminar possíveis falhas daquele teste reconhecendo a importância das eficiências ou do equilíbrio no poder de negociação. Um dos economistas mais articulados neste debate foi Vickers (2002 e 2004). A solução encontrada é o teste SIEC que “mistura” os dois testes, na medida em que reconhecendo a superioridade teórica do teste SLC, considera que não se pode 32 Veja-se o caso acima citado inglês sobre a “invasão americana”. Recentemente quiseram promover-se fusões de grandes bancos no Canadá também por causa da “invasão americana”. O governo francês tenta evitar a compra por capitalistas estrangeiros de uma empresa produtora de iogurtes. A Espanha tenta resistir à compra pelos alemães de empresas de infraestruturas. 33 E apostam o seu dinheiro neste processo. 17 abandonar toda a jurisprudência acumulada na aplicação do critério de dominância.34 O novo teste é o seguinte, conforme o artigo 2º do Regulamento (CE) 139/2004, conhecido por teste SIEC35: O novo teste permite assim, sem equívocos, fazer uma análise que leve em conta todos os efeitos sobre o equilíbrio do mercado resultantes da concentração. Suponhamos um mercado de oligopólio com um pequeno número de empresas, ou no limite duas empresas. A fusão leva ao deslocamento para cima e para a direita das curvas de reacção, o que leva a uma subida dos preços no mercado. A dimensão desta subida de preços depende nomeadamente do número de empresas no mercado, eficiência relativa e elasticidades da procura. Mas não são apenas os efeitos da fusão sobre as empresas que se juntam que contam. As outras empresas, que não são objecto da fusão, também sobem o preço, o que resulta num novo equilíbrio. Assim, duma forma rigorosa, não são apenas os efeitos directos sobre as empresas objecto da fusão que têm impacto nos consumidores mas também os efeitos indirectos que não só têm impacto sobre a empresa concentrada mas também no equilíbrio final do mercado. 36 É possível construir outras “theories of harm” que têm impacto sobre a concorrência efectiva do mercado, sem que se observe o efeito directo e apenas no perímetro das empresas objecto da concentração, como nos casos seguintes: (i) eliminação de um concorrente potencial, (ii) controle de barreiras à entrada, (iii) fazer subir os custos aos rivais na integração vertical, (iv) controle conjunto de essential facilities. Enquanto que o teste SIEC pretende medir directamente o “delta” que resulta da operação, ou seja, o grau de alteração na dinâmica da concorrência, o teste da dominância, aplicado na forma estrita, e que não se advoga aqui, apenas mede quanta concorrência ainda resta. Tendo entrado em vigor em 2004 ainda é cedo para um veredicto sobre esta alteração de critério. Teria havido casos aceites ou chumbados com o novo critério que teriam tido outra decisão com o critério antigo? Esta questão foi investigada por Röller e De la Mano (2006) que analisaram 23 casos, sendo 5 de dominância colectiva. Uma das conclusões é que a dominância é mais usada na 1ª fase e o SIEC na 2ª fase. Porém, em concentrações horizontais não foi possível identificar nenhum caso que não resultaria na 34 Nem se pode alterar o Tratado sem ser por uma Conferência Inter-governamental. Do inglês “Significantly Impede Efective Competition”. 36 Este tipo de efeitos é muitas vezes designado por efeitos não coordenados. 35 18 mesma decisão qualquer que fosse o teste. Só no caso de uma fusão vertical entre um grossista e retalhista de gás com fortes posições em ambas, a Comissão argumentou que a nova empresa poderia fazer subir o preço a jusante dos retalhistas rivais, o que mesmo assim nos parece um caso de “raising rivals costs”. Assim, embora o novo teste não tenha produzido grandes alterações, levou a Comissão a reforçar a sua análise no sentido de estudar os efeitos efectivos sobre o mercado. Esta experiência mostra que também seria útil uma revisão do teste usado na Lei 18/2003, sobretudo para o harmonizar com a legislação comunitária, reforma já feita por um número cada vez maior de países da UE. 9. A regra dos 2/3 e a sua revisão A regra de 2/3 de volume de negócios, dentro do país, para que a concentração fosse analisada pela Autoridade Nacional está em vigor desde o Regulamento de 1989. E não foi até hoje posta em causa. Contudo, surgiram ultimamente alguns casos que mostram que ela deve ser qualificada nalgumas situações que militam sobretudo a desfavor dos pequenos países. Esta questão já foi levantada por nós em Novembro de 2005.37 Um dos casos mais paradigmáticos foi o da EDP/ENI/GdP comparado com o Endesa/Gás Natural em Espanha. O primeiro foi à Comissão por causa da ENI ter mais de 2/3 do seu negócio fora de Portugal, enquanto o segundo, depois de uma longa luta contabilística sobre a aplicação da regra, acabou por ficar com as Autoridades espanholas, cabendo a decisão ao Governo. O problema surgiu por causa da diferença dos critérios utilizados na análise da decisão. É evidente que a aplicação da regra dos 2/3 prejudica os pequenos países porque para atingirem a mesma dimensão, uma empresa de um pequeno país tem que ter mais volume de negócios além fronteiras. Uma das condições para a avocação do processo à Comissão ocorrer é que afecte directa ou potencialmente o comércio intra-comunitário, sendo uma das principais razões a necessidade de assegurar (i) a coerência da política comunitária e (ii) a sua aplicação em sectores em processo de liberalização. 10. Os remédios no contexto das concentrações No âmbito do controlo de concentrações, encontra-se previsto na Lei n.º 18/2003 a adopção de decisões de não oposição acompanhadas da imposição de condições e obrigações destinadas a garantir o cumprimento de compromissos assumidos pelos autores da notificação com vista a assegurar a manutenção de uma concorrência efectiva (n.º 3 do artigo 35.º e n.º 2 do artigo 37.º da Lei da Concorrência). Assim, sempre que, no contexto da concentração proposta, a Autoridade identificar problemas de concorrência, caberá à empresa notificante apresentar remédios para a sua solução, sempre que esta exista (dado que, em certos casos, a única solução para os problemas concorrenciais levantados por uma operação de concentração será que esta operação não chegue a existir). Será então tarefa da Autoridade analisar os compromissos propostos afim de aferir se estes dão resposta às preocupações 37 A. Mateus (2005). I Conferência de Economia e Direito da Concorrência. Lisboa, disponível no site da AdC. 19 concorrenciais identificadas por esta. Na análise da Autoridade, um dos princípios fundamentais a ter em conta é o de que os remédios têm de ser proporcionais aos problemas identificados e o menos restritivos possível da concorrência. No caso particular da AdC, sempre que esta adopte uma decisão de não oposição que envolva compromissos assumidos pelas partes notificantes, no texto da decisão constarão as condições e obrigações impostas na operação de concentração de modo a garantir o cumprimento daqueles compromissos. Ora, existem dois tipos de compromissos que podem ser assumidos pelas notificantes. Estes podem ser de natureza comportamental (onde as notificantes se comprometem a manter uma actuação específica no mercado) ou estrutural (onde as notificantes se comprometem a vender activos afim de eliminarem a origem do problema concorrencial no mercado). Os remédios de natureza estrutural, tais como a venda de activos, são sempre preferíveis a remédios de natureza comportamental. Estes últimos estão sujeitos a monitorização, que, dados os limitados recursos de uma Autoridade esta poderá ter dificuldade em exercer. Existe também o perigo que os compromissos comportamentais sejam de tal forma extensos que possam adquirir o “peso” de uma regulação – algo que a uma Autoridade de Concorrência deveria evitar a todo o custo, sob a pena de se ver transformada numa Autoridade regulatória. No entanto, quando os problemas concorrenciais identificados são relativamente limitado, é possível desenhar compromissos comportamentais que interfiram o mínimo possível no funcionamento do mercado e que possam ser monitorizados pela Autoridade de forma credível. Nestes casos, a prática decisória da AdC tem sido no sentido de determinar, de forma o mais clara e objectiva possível, aquelas condições e obrigações de forma a permitir uma monitorização e fiscalização simples e eficaz. Quando são de natureza comportamentais, os compromissos, contemplam, regra geral, a identificação dos seguintes aspectos que permitem a sua monitorização: - Obrigatoriedade de envio de determinados documentos à Autoridade, fixação de prazo para o efeito e fixação do período temporal da duração daquela obrigatoriedade; - Envio de relatórios38 de desenvolvimento das acções que dão cumprimento aos compromissos assumidos; Os remédios de natureza estrutural, apesar de preferíveis a remédios de natureza comportamental, podem ser difíceis de implementar no caso de empresas com integração vertical devido à incerteza sobre a evolução tecnológica. No caso de vendas de activos estes podem envolver alienação de marcas, de activos físicos com ou sem pessoal e com ou sem “carving out” de clientes. Estas unidades devem ser perfeitamente identificadas e ter viabilidade de venda. O processo deve ser o 38 Os relatórios deverão ser acompanhados, dos elementos que permitam comprovar que os compromissos estão a ser cumpridos como, por exemplo, contratos celebrados com distribuidores, clientes e/ou fornecedores, facturas/recibos como prova de venda ou de aquisição de produtos, tabelas de preços e respectivas condições de fornecimento, evolução de facturações, etc. 20 mais rápido possível e envolve normalmente a apresentação de um conjunto de possíveis compradores aceitáveis à Autoridade, para que possam constituir uma empresa autónoma que possa continuar a exercer pressão concorrencial. A Autoridade costuma exigir que não haja degradação de activos, pelo que pode exigir a nomeação de um “trustee” ou constituir uma comissão de monitorização. A alienação pode ser feita por leilão com preço de reserva, ou ser simplesmente uma “fire sale”. Assim, quando os compromissos são de desinvestimento, deverá ser enviado comprovativo da venda do “activo” objecto do desinvestimento (p.e. contrato de compra e venda) ou, se aquela transacção estiver sujeita à obrigatoriedade de notificação prévia por preencher qualquer das condições previstas na Lei da Concorrência, o mesmo será apreciado no âmbito da notificação39. 11. Conclusão Como vimos, o conceito de dominância é um conceito jurídico que tem que se socorrer da teoria económica do poder de mercado para lhe dar conteúdo. Uma das questões fundamentais que tem até hoje estado no centro do debate é comparar uma interpretação estrita do critério, que apenas olha para a unidade concentrada, enquanto que para o economista o que faz sentido é olhar para o impacto da concentração sobre a estrutura concorrencial do mercado. Basta uma leitura atenta do artigo 12º da Lei 18/2003 para se detectar esta tensão. A doutrina que propugnamos neste artigo é que é possível estabelecer a equivalência entre os dois testes à luz da jurisprudência comunitária, sobretudo através da consideração dos efeitos directos e indirectos na unidade concentrada e na apreciação do ambiente concorrencial em que ela vai actuar – isto é, o próprio mercado e a concorrência efectiva que gera. E sobre este ponto, a recente reforma da legislação comunitária, ao combinar os dois testes, veio clarificar a situação mas, como muitos economistas e juristas sustentam, o novo teste comunitário apenas misturou os dois testes, dando assim um acolhimento explícito a esta doutrina. 39 No caso da AdC, tal ocorreu apenas uma vez no caso da Concentração Caixa Seguros com a BCP Seguros que resultou na venda do Seguro Directo Gere à AXA Aurora, concentração notificada e aprovada em 9 meses. 21 Referências Ivaldi, Marc et al. (2003). The Economics of Tacit Collusion. Report for DG Competition, disponível no site da Comissão. Ivaldi, Marc e Frank Verboven (2000). Quantifying the Effects from Horizontal Mergers in European Competition Policy (Study of the Volvo Scania merger). EC Commission Ivaldi, Marc The merger of insurance companies in the Portuguese non-life insurance market. AdC Vesterdorf, B. Standard of proof. TPI Röller, Lars-Hendrik e M. de la Mano (2006). The Impact of the New Substantive in European Merger Control. European Competition Journal, vol. 2, nº1, Abril. Brito, Duarte e Margarida Catalão-Lopes (2006). Mergers and Acquisitions: the Industrial Organisation Perspective. Klwer Law International Mateus, A. (2003). A Teoria Económica e as Concentrações na Perspectiva da Política de Concorrência. Lição Inaugural na Faculdade de Direito de Coimbra. Mateus, A. e Margarida Mateus (2004). Microeconomia: Teoria e Aplicações. II Volume, Editorial Verbo Motta, Massimo (2004). Competition Policy, Cambridge University Press Vickers, John (2004). Merger Policy in Europe: Retrospect and Prospect. OFT, disponíve no site. Vickers, John (2002). How to Reform the EC Merger Test? OFT, disponível no site. 22 Anexo Tipologia das Decisões relativas a Operações de Concentração Um indicador comummente utilizado para avaliar a performance das ANCs em matéria de controlo prévio de concentrações é a classificação das decisões em função do seu resultado, i.e., aprovadas sem condições, aprovadas com condições (remédios) e proibidas. É o que se pretende ilustrar no gráfico seguinte, em que se comparam, em termos percentuais, os resultados das decisões tomadas pela Autoridade da Concorrência (AdC) e pela Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia (DG Comp). Dados os volumes anuais muito diferentes de operações de concentração submetidas ao controle prévio da AdC e da DG Comp, optou-se por considerar para a primeira os valores acumulados para o período Março 2003 a Dezembro 2005, enquanto que para a segunda se consideraram os valores de 2004 (OECD Annual Report on Competition Policy Developments in the European Commission, DAF/COMP(2005)32/EC, 16-Sep-2005). Nesses períodos, o número de decisões tomadas pela AdC foi 174, enquanto que o número de decisões tomadas pela DG Comp foi 239 (excluindo três que foram remetidas total, ou parcialmente, a ANCs). Decisões Concentrações 100,00% 80,00% 60,00% 40,00% 20,00% 0,00% Aprovadas Com remédios Proíbidas AdC (03/05) 93,68% 5,17% 1,15% CE (04) 92,89% 6,69% 0,42% A comparação apresentada sugere que os resultados percentuais das decisões de ambas as entidades estão essencialmente alinhados no que toca às aprovações de operações de concentração sem remédios e, complementarmente, naquelas em que foram registadas objecções concorrenciais que conduziram à aplicação de remédios ou mesmo à proibição. A pequena diferença registada nas operações aprovadas com remédios e nas operações proibidas não é considerada significativa, dado no caso da DG Comp os valores se reportarem apenas a 2004, e o número de operações proibidas variar consideravelmente de ano para ano.