CONSTRUÇÕES COM VERBOS DE ALÇAMENTO QUE SELECIONAM UM COMPLEMENTO ORACIONAL: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DO PB E PE FERNANDO PIMENTEL HENRIQUES DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientadora: Professora Doutora Maria Eugênia Lammoglia Duarte Rio de Janeiro Abril de 2013 Construções com verbos de alçamento que selecionam um complemento oracional: uma análise comparativa do PB e PE Fernando Pimentel Henriques Orientadora: Professora Doutora Maria Eugênia Lammoglia Duarte Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Examinada por: _________________________________________________ Presidente, Profª. Doutora Maria Eugênia Lammoglia Duarte _________________________________________________ Profª. Doutora Dinah Maria Isensee Callou – UFRJ _________________________________________________ Prof. Doutor Humberto Soares da Silva – UFRJ _________________________________________________ Profª. Doutora Marina Rosa Ana Augusto – UERJ _________________________________________________ Prof. Doutor Marco Antônio Martins – UFRN _________________________________________________ Suplente: Profª. Doutora Sílvia Regina de Oliveira Cavalcante – UFRJ _________________________________________________ Suplente: Prof. Doutor Eduardo Kenedy Nunes Areas – UFF Defendida a Tese Em ___/___/2013 S SINOPSE Mudança na marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo no PB. Análise comparativa entre o PB e o PE à luz da perspectiva paramétrica e da hipótese de que são gramáticas diferentes. Agradecimentos Em primeiro lugar, agradeço a Ele por me permitir dar um ponto final nesta jornada tão cansativa. Deus sabe quantas noites em claro foram vividas e do que tive que abrir mão para realizar o trabalho. Sem a crença de que tudo daria certo, não teria obtido êxito. Muitas foram as pessoas que tiveram de abdicar da minha companhia ao longo desse processo de elaboração de tese, entre as quais – e muito especialmente – a minha amada mulher, Érika. Que esposa abriria mão, sem pestanejar, da companhia de seu marido nos três primeiros meses de casamento? Ainda que sentisse falta, ainda que me visse agitado, ansioso, nervoso, ela procurava sempre me amparar com palavras de carinho, de incentivo, de amor. E, por conta do trabalho, esses gestos de carinho, muitas vezes, acabavam não sendo recíprocos. Mas ela sempre entendia, afinal, isso é parceria. Em breve, quando Érika estiver em função da tese dela, terei a oportunidade de retribuir. Além dela, preciso agradecer à minha mãe, minha eterna incentivadora, que, mesmo sem entender os meandros do meio acadêmico, sempre faz questão de participar. Agradeço às minhas colegas de trabalho do Colégio Brigadeiro Newton Braga, sempre tão entusiasmadas com o meu Doutorado, em especial, Nubia Mothé, Deisiane dos Santos, Adriana D’Albrieux e Susana Elaine. Agradeço, ainda, à Juliana Espósito Marins, colega de Iniciação Científica, que se tornou parceira também no âmbito da Pós-Graduação. A ela devo, dentre outras coisas, a (mínima) habilidade com formatação de gráficos e tabelas. Agradeço também à professora Dinah Callou, a quem dedico o mais profundo respeito, por sugerir o aumento da amostra durante a defesa da dissertação, em 2008. À professora Ana Maria Martins também dedico meus agradecimentos. Suas contribuições quanto a algumas construções de alçamento que só encontramos na amostra de peças portuguesas foram de fundamental importância para o desenvolvimento da análise dos dados. Por fim, mas não menos importante, agradeço àquela que tem tido muita paciência comigo desde 2004. Minha orientadora de Iniciação Científica, de Mestrado e, por fim, de Doutorado, minha eterna mestra, a professora Maria Eugênia Lammoglia Duarte. HENRIQUES, Fernando Pimentel. Construções com verbos de alçamento que selecionam um complemento oracional: uma análise comparativa do Pb e PE. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa – Curso de Pós-Graduação em Letras Vernáculas. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 2013. xxx p. RESUMO Pesquisas comparativas entre o Português Brasileiro (PB) e o Português Europeu (PE), notadamente no âmbito da representação do sujeito pronominal, revelam comportamento sintático distinto entre as duas variedades. Ao contrário do PE, que se comporta como uma língua [ +sujeito nulo ], o PB apresenta indícios de que estaria passando por um processo de mudança na marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN) (Chomsky 1981), tornando-se, dessa forma, uma língua [ -sujeito nulo ] (cf. entre outros, Duarte 1993, 1995). Se a variedade brasileira estiver, de fato, em processo de mudança paramétrica, é plausível esperar uma mudança na representação do sujeito nas orações impessoais do PB, entre elas o contexto dos verbos de alçamento que selecionam um complemento oracional, – evidenciando um dos efeitos colaterais da remarcação do PSN (cf. Weinreich, Labov e Herzog 2006 [1968]). Haveria, diante desse quadro, indícios de que o Português Brasileiro e o Português Europeu constituem Línguas-I diferentes, hipótese defendida por Galves (1998). Neste trabalho, são investigadas as estratégias de alçamento utilizadas no PE e no PB em sete diferentes sincronias. São considerados oito verbos de alçamento: parecer, acabar, bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar. Espera-se encontrar evidências sintáticas para o estabelecimento de pontos convergentes e divergentes entre o Português Brasileiro e o Português Europeu. Para isso, são utilizados pressupostos teóricos do modelo de estudo da mudança proposto por Weinreich, Labov e Herzog e da Teoria de Princípios e Parâmetros (Chomsky op. cit.). A análise, com base em peças teatrais brasileiras e portuguesas escritas nos séculos XIX e XX, revela que a variedade brasileira tende a preencher Spec de IP através do alçamento do DP sujeito da encaixada, ao passo que, no PE, ainda há muitas ocorrências de construção com expletivo nulo em sentenças com parecer. HENRIQUES, Fernando Pimentel. Construções com verbos de alçamento que selecionam um complemento oracional: uma análise comparativa do Pb e PE. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa – Curso de Pós-Graduação em Letras Vernáculas. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 2013. xxx p. ABSTRACT Comparative studies between Brazilian Portuguese (BP) and European Portuguese (EP) focusing on the representation of the pronominal subject have shown different syntactic behavior between the two varieties. On the one hand, EP seems to be a [+prodrop] language, on the other hand, BP is becoming a [-prodrop] language, a process of change possibly related to the reduction of the inflectional paradigm in the second quarter of the 20 th century (see Duarte 1993, 1995). If the Brazilian language is indeed in a process of parametric change, it is expected to find out some consequences in its grammar (to which Weinreich, Labov and Herzog 1968 refer to as “embedding”), such as a change in the representation of the non-referential pronominal subjects. At the light of this perspective, it would be possible to say that both BP and EP have different grammars (see Galves 1998). The present study investigates the impersonal context of eight raising verbs – including parecer (to seem), the most prototypical in the group – based on plays written by Brazilian and Portuguese authors along the 19 th and 20th centuries in seven different periods of time. The expectation is to point out syntactic evidences that show differences and similarities between BP and EP. For that, we associate the Principle and Parameters framework (Chomsky 1981) and some theoretical assumptions of the variationist approach to language change (see Weinreich, Labov and Herzog 1968). The results of our analysis reveal a significant preference for the phonetic representation of a lexical item in Spec of IP in BP, meanwhile, in European Portuguese, the null non-referential pronominal subject is widely used, especially in sentences with parecer (to seem). HENRIQUES, Fernando Pimentel. Construções com verbos de alçamento que selecionam um complemento oracional: uma análise comparativa do Pb e PE. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa – Curso de Pós-Graduação em Letras Vernáculas. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 2013. xxx p. RÉSUMÉ La recherche comparative entre le Portugais Brésilien (PB) et Portugais Européen (PE), notamment dans le contexte de la représentation du pronom sujet, révèlent un comportement syntaxique distincte entre les deux variétés. Contrairement au PE, qui se comporte comme une langue [+ sujet nul], le PB aprésente des preuves qui seraient passer par un processus de changement du Paramètre du Sujet Nul (PSN) (Chomsky, 1981), en devenant une langue [-sujet nul] (voir Duarte 1993, 1995, et autres). Si la variété brésilienne est dans le processus de modification paramétrique, on peut s'attendre à un changement dans la représentation du sujet impersonnel de las propositions du PB (par example les verbes à montée), c’est un des effets secondaires de la variation Weinreich, Labov et Herzog 2006 [1968]). Ce serait une preuve que le PB et PE sont différentes grammaires, hypothèse soutenue par Galves (1998). Ce travail étudie le contexte de certains verbes à montée en PB et PE dans sept synchronie différentes. Ces sont considérés huit verbes à montée: (parecer) sembler, (acabar) finir, (bastar) suffire, (convir) convenir, (custar) coûter, (demorar) durer, (faltar) manquer, (levar) porter. On espère trouver des preuves syntaxique pour établir des convergences et des divergences entre PE et PB. Le modèle d'étude du changement proposé par Weinreich, Labov et Herzog et de la Théorie des Principes et Paramètres sont utilisés comme base théorique pour ce travail. L'analyse, basée sur les pièces brésiliennes et portugaises écrites dans les XIXe et XXe siècles, révèle que la variété brésilienne préfère la forme pleine en position Spec IP par le mouvement syntaxique du sujet DP intégré. En contrapartie, le PE a plusieurs occurrences de explétif nul avec le verbe (parecer) sembler. iii SUMÁRIO Índice de tabelas e quadros ..........................................………………………. 08 Índice de gráficos e figuras ............................................................................. 10 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 12 1. PONTOS DE PARTIDA ............................................................................. 18 1.1 Estruturas monoargumentais com os verbos de alçamento ......... 18 1.2 As sentenças com verbos de alçamento ...................................... 22 1.2.1 O verbo parecer .............................................................. 22 1.2.2 Os demais verbos de alçamento: acabar, bastar, convir custar, demorar, faltar e levar ................................................. 1.3 Os verbos de alçamento nas gramáticas tradicionais brasileiras .. 25 28 1.4 Gramáticas baseadas em teorias linguísticas: novas perspectivas para os verbos de alçamento .............................................................. 33 1.4.1 Gramática do português culto falado no Brasil (2009) ............... 33 1.4.2 Mateus et alii (2003) ................................................................... 34 2. O SUJEITO PRONOMINAL EM PB E PE: ESTUDOS SINCRÔNICOS E E DIACRÔNICOS ...................................................................................... 38 2.1 Os sujeitos referenciais definidos ................................................. 38 2.2 Os sujeitos de referência arbitrária .............................................. 47 2.3 Outras evidências da mudança em curso .................................... 50 2.3.1 Os sujeitos não referenciais ............................................ 50 3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLOGIA .................................. 60 3.1 Sociolinguística: um modelo de estudo da mudança .................... 62 3.2 Gerativismo: a Teoria de Princípios e Parâmetros (Chomsky 1981) 65 iv 3.2.1 O Parâmetro do Sujeito Nulo sob a ótica minimalista ...... 68 3.3 Refinando os objetivos e hipóteses de trabalho .......................... 71 3.4 Metodologia ................................................................................. 72 3.4.1 A amostra ....................................................................... 72 3.4.2 Os grupos de fatores ...................................................... 75 4 ANÁLISE DOS DADOS ............................................................................ 89 4.1 As construções com parecer ....................................................... 89 4.1.1 As construções sem alçamento ..................................... 96 4.1.1.1 Presença de clítico dativo junto a parecer nas construções sem alçamento ...................................... 97 4.1.1.2 Elementos à esquerda de parecer ................. 99 4.1.2 O alçamento padrão ..................................................... 99 4.1.2.1 As orações em que ocorre o alçamento padrão 100 4.1.3 O alçamento clítico ....................................................... 102 4.1.4 O deslocamento ............................................................ 103 4.1.5 O alçamento de tópico .................................................. 105 4.1.6 A expressão do sujeito .................................................. 106 4.2 Análise com os outros verbos de alçamento .............................. 108 4.2.1 As construções sem alçamento .................................... 115 4.2.1.1 Elementos à esquerda dos outros verbos ....... 117 4.2.2 As construções com alçamento padrão ........................ 118 4.2.2.1 Tempo verbal .................................................. 119 4.2.2.2 Oração infinitiva complemento de preposição 4.2.3 O alçamento clítico ........................................................ 120 4.2.4 A representação do sujeito ............................................ 123 v CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 128 REFERÊNCIAS (peças teatrais brasileiras) .............................................. 137 REFERÊNCIAS (peças teatrais portuguesas) ........................................... 140 REFERÊNCIAS (textos) ............................................................................. 143 ANEXOS ..................................................................................................... 151 vi ÍNDICE DE TABELAS E QUADROS Quadro 2.1: Paradigmas flexionais em PB ..................................................... 39 Tabela 2.1: Sujeito preenchido na fala culta carioca (Duarte 1995) ............... 43 Tabela 2.2: Sujeito referencial definido de 3ª pessoa em entrevistas transcritas em PB e em PE .......................................................................... 44 Tabela 2.3: Sujeito referencial definido de 3ª pessoa na escrita jornalística em PB e em PE ................................................................................ 46 Tabela 2.4: Construções com parecer na fala popular .................................. 53 Tabela 2.5: Construções com os outros verbos de alçamento na fala popular 54 Tabela 2.6: Construções com parecer na fala culta ...................................... 54 Tabela 2.7: Construções com parecer na escrita padrão .............................. 55 Tabela 2.8: Construções com os outros verbos de alçamento na escrita padrão 56 Tabela 2.9: Escrita padrão com parecer no PB e no PE ............................... 57 Tabela 2.10: Escrita padrão com os outros verbos no PB e no PE ............... 58 Quadro 3.1: Peças teatrais brasileiras em sete períodos .............................. 73 Quadro 3.2: Peças teatrais portuguesas em sete períodos ........................... 75 Tabela 4.1: Estruturas com parecer em sete sincronias do PB ...................... 92 Tabela 4.2: Construções com parecer ao longo do tempo no PE .................. 95 Tabela 4.3: Oração em que se localiza parecer na construção de alçamento padrão no PB e no PE ................................................................ 101 Tabela 4.4: Alçamento clítico no PB e no PE ................................................. 103 Tabela 4.5: Sujeito pleno (vs. nulo) nas estruturas com e sem alçamento com parecer no PB .............................................................................. 106 Tabela 4.6: Sujeito pleno (vs. nulo) nas estruturas com e sem alçamento com com parecer no PE ...................................................................... 106 vii Tabela 4.7 Estruturas com os outros verbos de alçamento em sete sincronias do PB ........................................................................................... 111 Tabela 4.8 Estruturas com os outros verbos de alçamento em sete sincronias do PE ........................................................................................... 114 Tabela 4.9: Estrutura do argumento oracional dos demais verbos no PB e no PE nas construções sem alçamento ........................................... 116 Tabela 4.10: Alçamento clítico com os outros verbos no PB e no PE ........... 120 Tabela 4.11: Sujeito pleno (vs. nulo) nas estruturas com e sem alçamento com os demais verbos no PB ............................................................ 123 Tabela 4.12: Sujeito pleno (vs. nulo) nas estruturas com e sem alçamento com os demais verbos no PE ............................................................ 123 Tabela 4.13: DPs pronominais plenos (vs. nulos) nas construções sem alçamento de acordo com o tipo de oração no PB e no PE ................... Tabela I: Construções com parecer ao longo do tempo (Henriques 2008) ..... 125 151 Tabela II: Construções de alçamento com os outros verbos ao longo do tempo (Henriques 2008) ............................................................................. 153 viii ÍNDICE DE GRÁFICOS E FIGURAS Gráfico 2.1: Sujeitos plenos em sete períodos (Duarte 1993) ................... 41 Gráficos 2.2: O preenchimento da 3ª pessoa em sete períodos de tempo .. 42 Gráfico 2.3: Sujeitos referenciais definidos expressos em PB e PE .......... 43 Figura 2.1: Estratégias de indeterminação no PB ...................................... 47 Figura 2.2: Estratégias de indeterminação no PE ...................................... 48 Gráfico 4.1: Construções com parecer no PB ao longo do tempo ............. 92 Gráfico 4.2: Estruturas com parecer em sete sincronias do PE ................. 95 Gráfico 4.3: A construção sem alçamento com parecer no PB e no PE .... 97 Gráfico 4.4: Presença de clítico dativo junto ao verbo parecer nas construções sem alçamento nas duas variedades ............................. Gráfico 4.5: Alçamento padrão com parecer no PB e no PE ..................... 98 100 Gráfico 4.6: DP pronominal pleno (vs. nulo) nas construções com e sem alçamento com parecer no PB e no PE .................................. 107 Figura 4.1: Distribuição geral do dados no Português Brasileiro ............... 109 Figura 4.2: Distribuição geral dos dados no Português Europeu ............... 109 Gráfico 4.7: Construções de alçamento com os outros verbos ao longo do tempo no PB ........................................................................... 112 Gráfico 4.8: Estruturas de alçamento com os outros verbos ao longo do tempo no PE ........................................................................... 115 Gráfico 4.9: A construção sem alçamento com os outros verbos no PB e no PE ..................................................................................... 116 Gráfico 4.10: Alçamento padrão com os outros verbos no PB e no PE ..... 118 Gráfico 4.11: Alçamento clíticos com os outros verbos nas duas variedades 121 Gráfico 4.12: DP pronominal pleno (vs. nulo) nas construções com e sem ix alçamento com os outros verbos no PB e no PE ..................... 125 Gráfico I: Possíveis correlações entre diferentes fenômenos envolvendo a posição do sujeito no PB ................................................................ 132 Gráfico II: Construções com parecer em sete sincronias (Henriques 2008) ... 151 Gráfico III: Construções de alçamento com os demais verbos em sete sincronias (Henriques 2008) .................................................................... 153 95 97 98 100 107 109 109 112 115 116 118 121 78 INTRODUÇÃO Pesquisas comparativas entre o Português Europeu (PE) e o Português Brasileiro (PB) têm sido empreendidas nos últimos anos. As diferenças encontradas entre as duas variedades, nos níveis fonológico, morfológico, lexical e sintático, levaram alguns estudiosos a apontar aspectos conservadores e inovadores do PB em relação à variedade lusitana. No entanto, para além desses aspectos que distinguiriam as duas variedades, notadamente no nível sintático, Galves (1998) discute, a partir da distinção entre Língua-I e Língua-E (cf. Chomsky 1985), a possibilidade de PB e de PE constituírem duas gramáticas distintas e indica que, para considerar duas gramáticas como diferentes, é necessário levar em conta: (a) Enunciados diferentes no PB e no PE, destacando aspectos da sintaxe pronominal na variedade brasileira, relativos à colocação dos clíticos pronominais, à projeção dos constituintes, que permite argumentos internos na posição de sujeito, e à possibilidade de ocorrência do sujeito nulo de referência arbitrária com uma forma verbal na terceira pessoa do singular sem um antecedente referencial; (b) Enunciados possíveis nas duas gramáticas, mas com frequências distintas, entre eles, a preferência, no PB, pelo uso do pronome lexical para evitar o sujeito nulo – ao contrário do que se observa no Português Europeu; (c) Enunciados possíveis nas duas gramáticas, mas com uma extensão diferente em relação às restrições operando sobre eles, em que restrições contextuais indicam estatutos distintos para as categorias gramaticais. Incluem-se, neste grupo, as restrições ao objeto nulo, ao sujeito nulo e à ocorrência de construções de tópico marcado e de foco. Um dos aspectos que interessam particularmente a esta tese é a representação do sujeito pronominal referencial no PB, objeto de análise do estudo diacrônico de Duarte (1993) com base em uma amostra de peças teatrais brasileiras. Nesse trabalho, verificou-se a estreita relação entre a crescente preferência pela forma preenchida do sujeito, especialmente ao longo do século XX, à medida que se 2 reduzia o paradigma pronominal/flexional verbal 1. Dessa forma, o Português Brasileiro apresenta indícios de que estaria passando por um processo de mudança na marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN) (Chomsky 1981), ou seja, estaria deixando de ser uma língua prototipicamente de sujeito nulo para se tornar uma língua de sujeito foneticamente pleno. Com base nos resultados encontrados por Duarte (1993), outros estudos relativos à expressão da posição do sujeito pronominal no PB foram realizados (cf. Duarte 1995, 2000, entre outros). A crescente preferência pela forma plena para os sujeitos referenciais indica que não se pode descartar, especialmente levando-se em consideração a noção de “encaixamento” da mudança proposta por Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]), o fato de que a alteração na marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo (Chomsky 1981) no Português Brasileiro pode afetar o contexto dos sujeitos não referenciais, entre eles o dos verbos de alçamento que selecionam um complemento oracional, posposto ao verbo e com uma posição vazia à sua esquerda. Ao contrário do que observamos na variedade brasileira, alguns trabalhos sobre a representação da posição do sujeito pronominal referencial no Português Europeu indicam que o sujeito nulo é a representação preferencial (cf., entre outros, Duarte 2000). A partir de dados de fala do PB e do PE, a autora aponta diferenças quanto ao preenchimento dos sujeitos referenciais nas três pessoas do discurso. Duarte (op. cit.) conclui que, diferentemente do que vem ocorrendo no PB, o Português Europeu não demonstra estar passando por um processo de mudança paramétrica, ou seja, continua se comportando como uma língua prototípica de sujeito nulo. Portanto, em linhas gerais, os estudos comparativos a respeito da representação da posição do sujeito pronominal revelam comportamento sintático distinto entre o Português Brasileiro e o Português Europeu. Se a variedade brasileira estiver, de fato, em processo de mudança paramétrica, como indicam os estudos de Duarte (1993, 1995), é plausível esperar uma mudança na representação do sujeito nas orações impessoais do PB – evidenciando um dos efeitos colaterais da remarcação do PSN, ou seja, um “encaixamento” da mudança 1 O índice de sujeito nulo encontrado no último período de tempo analisado, 1992, no qual, de um modo geral, a simplificação do quadro de morfemas verbais se resumia a apenas três formas distintivas, é inferior a 30%. 3 nos termos de Weinreich, Labov e Herzog (1986 [2006]). Dessa forma, haveria mais indícios de que o Português Brasileiro e o Português Europeu constituem Línguas-I diferentes, o que reforçaria a hipótese de Galves (1998). Em minha dissertação de mestrado (Henriques 2008), mostrei que o contexto do sujeito não argumental dos verbos de alçamento que selecionam uma oração como argumento interno, ao longo dos séculos XIX e XX, se apresenta mais receptivo ao alçamento do sujeito da oração encaixada para especificador de IP (Spec de IP), na oração matriz. Foi, então, possível mostrar que a remarcação do PSN, em curso no PB, afeta o contexto desse tipo de construção impessoal. Ao contrário do que ocorreu com o francês medieval, que desenvolveu um expletivo lexical il para ocupar a posição de sujeito nas sentenças impessoais, a variedade brasileira estaria evitando um expletivo nulo através do alçamento de um constituinte referencial. Neste trabalho comparativo entre o Português Brasileiro e o Português Europeu, são investigadas as estratégias de alçamento com os verbos parecer, acabar, bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar em sete sincronias distribuídas ao longo dos séculos XIX e XX (1833-1996). Tais verbos selecionam um argumento interno, representado por uma oração, e apresentam, à sua esquerda, um expletivo nulo. Em (1)-(5) há exemplos das cinco possibilidades estruturais com parecer, o verbo de alçamento mais prototípico. Em (1), são encontradas sentenças que ilustram a estrutura sem o alçamento do sujeito da oração encaixada. Esta construção apresenta sujeito expletivo nulo à esquerda de parecer, o que indica que há uma posição não argumental disponível. Como podemos notar, o sujeito da oração encaixada pode aparecer expresso (1a) ou nulo (1b). (1) a. [IP [øexpl] Parece [CP que as pessoas boas amam os seus inimigos]]. b. [IP [øexpl] Parece [CP que [ø] somos os únicos seres racionais na Terra]]. A seguir, em (2), temos o alçamento padrão, uma construção caracterizada pelo movimento do DP sujeito da oração encaixada para Spec de IP, onde ele recebe Caso nominativo da flexão, enquanto o verbo da encaixada apresenta a forma infinitiva. 4 (2) a. [IP [As pessoas boas]i parecem [InfP ti amar os seus inimigos]]. b. [IP [ø]i Parecemos [InfP ti ser os únicos seres racionais na Terra]]. Em (3), encontramos um caso de alçamento clítico, em que o DP sujeito da encaixada é movido para a oração matriz em forma de clítico, cliticizando-se a parecer. Note-se que o verbo da encaixada está na forma infinitiva, à semelhança do que ocorre no alçamento padrão. (3) [ø]i Detesto dizer não às pessoas. [IP [øexpl] Parece-mei [InfP ti fazer mal a elas]]. A estrutura de deslocamento, que exibe o sujeito da oração encaixada movido para uma posição periférica à sentença, é ilustrado em (4). Nesta construção, parecer não entra em relação de concordância com o DP deslocado, que recebe Caso nominativo da flexão de seu predicador, na oração encaixada. Como apontam diversos estudos empíricos, entre eles Duarte (2004, 2007a) e Henriques (2005, 2008), o deslocamento não é uma estrutura recorrente nem na fala nem na escrita do PB. (4) a. [TopP [As pessoas boas]i [IP [øexpl] parece [CP que [IP ti amam seus inimigos]]]]. b. [TopP Nósi [IP [øexpl] parece [CP que [IP ti somos os únicos seres racionais na Terra]]]]. Por fim, nas sentenças em (5), o movimento do tópico da oração encaixada para a posição à esquerda de parecer e a flexão dos dois verbos, o da oração principal e o da oração subordinada, ocorrem ao mesmo tempo. Trata-se da estrutura de alçamento de tópico. (5) a. [IP [As pessoas boas]i parecem [CP que [TopP ti [IP Øi amam seus inimigos]]]]. 5 b. [IP [Ø]i Pareço [CP que [TopP ti [IP Øi sou o único ser racional na Terra]]]]2. Neste estudo, algumas questões são levantadas: (a) como se comportam PE e PB em relação às construções com verbos de alçamento? Quais as estruturas de alçamento mais recorrentes em cada variedade?; (b) há diferenças substanciais nesse comportamento? Em caso afirmativo, em que sincronia o Português Brasileiro e o Português Europeu apresentam consideráveis diferenças no que diz respeito ao (não) preenchimento de Spec de IP?; (c) há diferenças entre as construções com verbos que selecionam como argumento interno uma oração desenvolvida (como parecer) e uma oração reduzida (como custar, demorar e bastar)? No intuito de responder a essas perguntas, são utilizadas peças teatrais brasileiras e portuguesas escritas nos séculos XIX e XX. A análise aqui realizada parte de dois estudos diacrônicos – Duarte (1993) e Henriques (2008) – e de estudos sincrônicos – Duarte (2004, 2007a), Henriques (2005) e Henriques e Duarte (2006), entre outros – e busca investigar como se comportam as estruturas com verbos de alçamento ao longo dos dois últimos séculos com base na amostra de peças utilizadas por Duarte (1993) para a análise de sujeitos referenciais no PB e em peças portuguesas. Obviamente, não se pode tomar os resultados como uma representação fiel da fala de seu tempo, mas, levando em conta que os autores de peças populares procuram se aproximar da fala de seu público e que os resultados para a última sincronia das peças que constituem nossa amostra apresentam resultados muito próximos dos encontrados para a fala espontânea de gravações feitas nos anos 1980, acreditamos que nossos dados podem estar muito próximos da fala de seu tempo. Este trabalho está dividido em 4 capítulos. O primeiro apresenta (a) os verbos de alçamento e suas possibilidades estruturais e (b) o tratamento oferecido a essas construções pelas gramáticas tradicionais brasileiras, pela gramática de Mateus et alii (2003) e pela Gramática do português culto falado do Brasil – estas últimas com base em um teoria linguística formal. No capítulo seguinte, são apresentados os resultados encontrados em estudos anteriores sobre o preenchimento do sujeito pronominal em PB e PE (referencial e não referencial), pontos de partida para esta investigação. No terceiro capítulo, é apresentado o quadro teórico que orienta o 2 Há ocorrências de alçamento de tópico com DP pronominal de 1ª pessoa do singular na amostra de fala popular contemporânea (cf. Duarte 2003, 2007a). 6 estudo é descrito, seguido de um detalhamento das hipóteses levantadas e da metodologia a ser seguida. No quarto capítulo, è apresentada a análise dos resultados obtidos com os oito verbos de alçamento investigados nas amostras de peças teatrais; o verbo parecer, que merece tratamento à parte, por conta das estruturas que exibe, e os demais verbos (acabar, bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar), com possibilidades mais reduzidas. Na parte relativa às considerações finais, diante dos resultados encontrados, vamos discutir se as amostras investigadas permitem estabelecer um contraste entre o comportamento de uma e outra variedade, o que pode constituir uma relevante contribuição para a discussão proposta por Galves (1998), levando em conta aspectos relativos não só à presença de uma estrutura, mas à sua frequência e às restrições à sua ocorrência. Além disso, será possível verificar formas em implementação e formas em extinção na gramática do PB. Dessa forma, poderemos apontar mais evidências sintáticas para o estabelecimento de pontos convergentes e divergentes entre o Português Brasileiro e o Português Europeu. 7 1. PONTOS DE PARTIDA Neste capítulo, são apresentadas, a princípio, as principais características sintáticas de um grupo de verbos inacusativos que selecionam um complemento oracional, conhecidos na literatura gerativista como verbos de alçamento, entre eles, parecer (o mais prototípico, por razões que serão explicitadas), acabar, bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar. Como será mostrado, esse conjunto de verbos recebe tal nome devido à possibilidade de alçamento de um termo da oração encaixada, selecionada pelo verbo de alçamento, para a posição de Spec de IP, usualmente referida como a posição do sujeito. Em seguida, é feita uma descrição da forma como os verbos de alçamento são tratados no âmbito da tradição gramatical do Brasil e em duas gramáticas que seguem teorias linguísticas, uma lusitana e outra brasileira. Em Mateus et alii (2003), gramática portuguesa, partimos dos capítulos de Inês Duarte sobre as construções inacusativas. No caso do PB, tomamos como base a Gramática do português culto falado no Brasil3 (volume 3), mais especificamente os capítulos “Complementação”, de Sônia Cyrino, Jairo Nunes e Emílio Pagotto, e “Predicação”, de Rosane Berlinck, Maria Eugênia Duarte e Marilza de Oliveira. Em ambos os capítulos, as construções de alçamento com parecer são contempladas. 1.1 Estruturas monoargumentais com os verbos de alçamento Em (1) e (2), independentemente da questão semântica, o verbo acabar é monoargumental, selecionando apenas um argumento interno. É possível verificar que a natureza estrutural do argumento, em cada caso, é distinta. Atente-se para as sentenças abaixo: (1) Acabou [DP a luz]. (2) Acabou [CP que o prédio ficou sem luz]. Se por um lado, em (1), o verbo seleciona um argumento representado por um DP, por outro, em (2), uma oração desenvolvida constitui o argumento de acabar. Em ambos os casos, um argumento interno, com traço semântico de tema, é selecionado, o que permite inserir tal verbo no grupo dos inacusativos (cf. 3 As análises feitas em cada capítulo partem de dados extraídos das amostras de fala culta do projeto NURC. 8 Haegeman 1994; Mioto, Lopes e Silva 2005). Todavia, como se observa em (3) e em (4), há uma outra diferença entre as duas construções com acabar. (3) [DP A luz] acabou. (4) *[CP Que o prédio ficou sem luz] acabou. Diferentemente do que ocorre em (3), a sentença (4) é agramatical, pois não é possível mover a oração desenvolvida, projetada como argumento interno, para a posição não argumental disponível à esquerda do verbo4. É possível, dessa forma, afirmar que o DP argumento interno de acabar pode ser movido para a posição à esquerda de V, onde entra em relação de concordância com ele; tal movimento sintático, entretanto, torna-se inviável quando este argumento é uma oração (cf. (4)). Portanto, na sentença (2), temos um predicador verbal que apresenta apenas um argumento, uma oração desenvolvida, de posição pós-verbal fixa. Diante disso, à esquerda de acabar, há uma posição disponível, para a qual um DP (mas não uma oração) pode ser movido, razão pela qual verbos que apresentam semelhante característica são chamados, no quadro da Teoria Gerativa, de “verbos de alçamento”. A representação da estrutura sintática da sentença (2) é apresentada em (5): 4 A impossibilidade do movimento da oração desenvolvida selecionada pelos verbos parecer, bastar e convir, em (ii), à semelhança do que se observa com acabar, torna questionável a proposta das gramáticas tradicionais de que tais orações exercem a função de sujeito em relação à oração principal. (i) a. Parece [CP que João estuda muito]. b. Basta [CP que João estude muito]. c. Convém [CP que João estude muito]. (ii) a. *[CP Que João estuda muito] parece. b. *[CP Que João estude muito] basta. c. *[CP Que João estude muito] convém. 9 (5) IP 2 Spec g 2 [øexpl]/pro5 g I’ I VP acabo-u V’ g 2 V CP acabar 6 [CP que o prédio ficou sem luz] Os verbos de alçamento que selecionam um complemento oracional, entre eles parecer e acabar, nada mais são do que uma extensão dos tradicionais verbos de ligação ou de cópula. Observe as sentenças abaixo, em (6) e (7), em que eles atuam como verbos de ligação: (6) a. Parecer [SC as crianças nervosas]. b. Acabar [SC as crianças nervosas]. (7) a. [As crianças]i parecem ti nervosas. b. [As crianças]i acabaram ti nervosas. Os verbos parecer e acabar, nas sentenças em (6), não selecionam argumento externo e tomam como argumento interno uma estrutura que contém uma predicação, a minioração (Small Clause6) "as crianças nervosas", que apresenta em sua estrutura um DP mais um predicador adjetival; este predicador adjetival, por sua vez, seleciona um argumento externo “as crianças”. Como tais 5 O pronome nulo pro, em contexto de sujeito impessoal, satisfaz o Princípio da Projeção Estendida (cf. Chomsky 1982), ao evidenciar que há uma posição disponível à esquerda do verbo acabar, que pode ser preenchida por um DP. No PB essa posição aceita tópicos argumentais e não argumentais, que entram em relação de concordância com o verbo (cf., entre outros, Pontes 1987; Callou e Avelar 2000; Avelar 2009; Marins 2013). 6 Small Clause é uma predicação que se estabelece entre um constituinte DP e o predicado que o seleciona, mas não pode atribuir Caso a este DP. 10 predicadores adjetivais não são atribuidores de Caso, os DPs selecionados pelos AdjP precisam se mover para a posição disponível à esquerda de parecer e acabar, em Spec de IP, para receber Caso nominativo da flexão, ilustrado em (7). Em (8), há sentenças em que os verbos de alçamento parecer e acabar projetam um argumento interno oracional. Neste caso, os verbos das orações encaixadas atribuem Caso nominativo ao DP argumento externo que selecionam. (8) a. [øexpl] Parece [CP que as pessoas enfrentam problemas]. b. [øexpl] Acaba [CP que as pessoas enfrentam problemas]. Contudo, em (9), observa-se que a ausência da flexão no verbo no interior das orações encaixadas inviabiliza a atribuição de Caso nominativo ao DP argumento externo, o que leva às possibilidades estruturais em (10), em que os DPs argumento externo dos verbos das orações InfP e GerP se movem para a posição não argumental à esquerda dos verbos parecer e acabar, em Spec de IP. (9) a. [øexpl] Parecer [InfP as pessoas enfrentar problemas]. b. [øexpl] Acabar [GerP as pessoas enfrentando problemas]. (10) a. [IP [As pessoas]i parecem [InfP ti enfrentar problemas]]. b. [IP [As pessoas]i acabam [GerP ti enfrentando problemas]]. Verifica-se, em (10) acima, que o elemento alçado para a posição Spec de IP deixa um vestígio, representado por um t de trace, na posição de base em que é gerado e onde recebe papel temático; o Caso nominativo, entretanto, é atribuído pela flexão dos verbos “parecem” e “acabam”. Portanto, em linhas gerais, o DP argumento externo do verbo da oração encaixada pode permanecer na sua posição de base, como ilustrado em (8), ou se move obrigatoriamente para Spec de IP da oração matriz, em (10), se o verbo da encaixada aparecer numa forma não finita. Após a análise atenta das sentenças (1)-(10), é possível chegar a algumas conclusões: (i) embora sejam verbos monoargumentais e de natureza inacusativa, há diferenças entre os verbos inacusativos que selecionam um DP e os que selecionam uma oração; (ii) o termo ‘alçamento’, utilizado dentro do quadro teórico 11 da Sintaxe gerativa, se refere ao fato de que verbos como parecer e acabar, quando selecionam apenas um argumento oracional, permitem o movimento do sujeito da oração encaixada para a posição de especificador de IP; (iii) o DP argumento externo de uma oração encaixada é alçado para IP da sentença matriz apenas quando ele não pode receber Caso nominativo da flexão. Na próxima seção, são apresentados, em detalhes, os verbos de alçamento investigados neste trabalho e as suas diferentes possibilidades estruturais. 1.2 As sentenças com verbos de alçamento Neste trabalho, são analisados os seguintes verbos de alçamento: parecer, acabar, bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar. Todos selecionam um argumento interno sob a forma de complemento oracional e apresentam à sua esquerda um expletivo nulo. Dentre os verbos de alçamento aqui investigados, parecer constituirá um grupo à parte, uma vez que possibilita a ocorrência de quatro estruturas, como atestam estudos sincrônicos e diacrônicos do Português Brasileiro, entre eles Duarte (2004, 2007a), Martins e Nunes (2005, 2010a,b), Henriques (2005, 2008) e Henriques e Duarte (2006). Os demais verbos permitem, em sua quase totalidade, a ocorrência de apenas duas. 1.2.1 O verbo parecer Abaixo, em (11), há exemplos que ilustram cada uma das possibilidades estruturais com parecer, o verbo de alçamento mais prototípico7. (11) a. [IP [øexpl] Parece [CP que [IP as pessoas não sonham]]]. b. [IP As pessoasi parecem [InfP ti não sonhar]]. c. [TopP As pessoasi [IP [øexpl] parece [CP que [IP ti não sonham]]]]. d. [IP As pessoasi parecem [CP que [TopP ti [IP Øi não sonham]]]] 8. e. [IP As pessoasi parecem [CP que [TopP ti [IP elasi não sonham]]]]. 7 Há, ainda, uma outra possibilidade estrutural com parecer: o alçamento clítico, cuja descrição será feita no final do capítulo 2. 8 Como será mostrado em (13a), Duarte (2007a), em sua análise da fala popular carioca, encontrou duas sentenças com acabar, numa clara construção de alçamento de tópico. 12 Em (11a), vemos uma construção sem alçamento, em que parecer é seguido de seu complemento. Em (11b), vemos uma estrutura referida como alçamento padrão, em que a ocorrência do verbo na forma infinitiva exige o movimento do DP para a posição de especificador de parecer, onde o DP recebe Caso nominativo da flexão9. Tal estratégia é encontrada em inglês, por exemplo, não sendo, pois, exclusiva de línguas de sujeito nulo10. No PB contemporâneo, na modalidade oral, a construção de alçamento padrão está em extinção, ficando restrita à fala de indivíduos mais velhos e a encaixadas com os verbos ser e estar (cf., entre outros, Henriques 2005; Henriques e Duarte 2006). A estrutura que aparece em (11c), o deslocamento, mostra o sujeito deslocado à esquerda, ou seja, ele se encontra numa posição periférica da sentença (TopP), o que é comprovado pela ausência de concordância com parecer. Dessa forma, a posição de especificador de IP da matriz apresenta um expletivo nulo - o verbo de alçamento se mantém na 3ª pessoa do singular (forma flexional não marcada) - e o da subordinada, que se encontra flexionado, atribui Caso ao seu sujeito alçado, coindexado com o DP em TopP. O deslocamento, como apontam diversos estudos empíricos (entre eles, Duarte 2004, 2007a; Henriques 2005), não é uma estrutura recorrente nem na fala nem na escrita do PB11. Finalmente, em (11d), observamos, ao mesmo tempo, o alçamento do sujeito da subordinada para a posição de especificador de IP do verbo de alçamento e a flexão dos dois verbos, o da oração matriz e o da oração encaixada. Como se pode 9 No caso de o verbo da encaixada ser um verbo impessoal, naturalmente a possibilidade de alçamento não existe. Foram encontradas, na amostra, as seguintes sentenças: (i) a. Ora, [IP [øexpl] parece [InfP [øexpl] haver em si uma grande energia]]. E, naturalmente, um certo poder de resistência. (peça de 1983) b. Mas, quando lhe beijou a mão, à despedida, [IP não te [øexpl] pareceu [InfP [øexpl] haver no olhar do soberano um brilho muito particular, muito perturbador, com possíveis indícios de volúpia mal disfarçada]]? (peça de 1990) O mesmo se daria com encaixadas com verbos climáticos, como podemos verificar em (ii): (ii) 10 Os exemplos em (iiia) e (iiib) ilustram as duas possibilidades: (iii) 11 a. [IP [øexpl] Parece [InfP [øexpl] chover muito na Região Serrana]]. b. [IP Ontem [øexpl] pareceu [InfP [øexpl] fazer muito frio]]. c. [IP [øexpl] Parece [InfP [øexpl] ser muito tarde]]. a. [IP It seems [CP that John is happy]]. b. [IP Johni seems [InfP ti to be very happy]]. Destaque-se, entretanto, que a maioria dos DPs ocorre no singular, o que torna essa estrutura ambígua entre o deslocamento e a que será tratada em seguida. 13 notar em (11e), o sujeito da encaixada alçado para a posição à esquerda de parecer pode ser retomado por um pronome cópia. Ao longo dos últimos anos, em diversos trabalhos teóricos, a análise das estruturas em (11d) e (11e) vem sendo refinada. Primeiramente, Ferreira (2000) analisa as sentenças em (11d) e (11e) como uma instância de hiperalçamento, uma proposta seguida por Martins e Nunes (2005). Na interpretação dos autores, dentro da abordagem minimalista da Teoria de Princípios e Parâmetros (cf. Chomsky 1992), o enfraquecimento da morfologia verbal no PB permite que uma sentença finita (T finito) atribua Caso “opcionalmente”. Quando T(ense) da encaixada é defectivo, não podendo atribuir Caso nominativo ao seu especificador, este é alçado para a posição de especificador de T da sentença mais alta, onde o Caso é “checado”. Em outras palavras, devido à “falha” na checagem de Caso na oração encaixada, o DP argumento externo é alçado para a posição de Spec TP da matriz. A sentença com pronome expresso só será tratada em estudos subsequentes. Martins e Nunes (2010a,b) defendem que a estrutura com o pronome expresso na encaixada, correferente com o DP alçado, ilustrada em (11e), é uma instância de hiperalçamento aparente, tendo como origem a estrutura de deslocamento à esquerda dentro da oração encaixada, como podemos verificar em (12). (12) [IP Parece [CP que [TopP AS PESSOASi [IP elasi sonham]]]]. È possível observar que o elemento alçado seria, de fato, o tópico. Em outras palavras, o hiperalçamento ilustrado em (11d) corresponderia ao alçamento do sujeito da encaixada, ao passo que na sentença em (11e) teríamos o alçamento de um tópico. Nunes (2008) propõe que, em estruturas com sentenças impessoais, como é o caso de parecer, pode haver uma competição entre T da matriz e da encaixada para atribuição de caso. Em geral, T da encaixada vence, por ser mais local. Se, entretanto, ele recebe Caso inerente do predicado da matriz, o sujeito ou o tópico da encaixada pode se mover para Spec T da matriz, produzindo construções de hiperalçamento de sujeito ou de tópico. Como este trabalho não tem como objetivo levantar discussões de caráter teórico, e, considerando que nas amostras analisadas não ocorreu estrutura com o pronome cópia, não vamos distinguir entre o que Martins e Nunes (2010a,b) chamam hiperalçamento (alçamento de sujeito) e 14 hiperalçamento aparente (alçamento de tópico), ou ainda de hiperalçamento de sujeito e de tópico. Levando em conta, entretanto, (a) o fato de que o Português Brasileiro apresenta tanto a topicalização quanto o deslocamento à esquerda do sujeito e (b) a proposta de Kato (1999), para quem, no PB, a mudança envolvendo o PSN permite a alternância entre um pronome fraco e um pronome nulo em Spec de IP, vamos tratar ambas as construções como alçamento de tópico, ora exibindo um sujeito nulo na encaixada (fruto do alçamento de um sujeito topicalizado, como mostram nossos dados diacrônicos) ora um pronome fraco (fruto de uma construção de DE do sujeito, o que se vê nas nossas análises de língua oral, especialmente nas primeira e segunda pessoas, em que o processo de realização fonética do sujeito já se encontra mais avançado, como mostram as análises de Duarte 1993; 2012), correspondendo, respectivamente às estruturas em (12’): (12’) a. [IP As pessoas parecem [CP que [TopP ti [IP [Ø]i não sonham]]]]. b.[IP As pessoas parecem [CP que [TopP ti [IP elasi não sonham]]]]. 1.2.2 Os demais verbos de alçamento: acabar, bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar O comportamento dos outros verbos de alçamento investigados, acabar, bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar, é diferente, visto que apenas duas estruturas se mostram possíveis: a construção sem alçamento e o alçamento padrão. Ressalte-se que Duarte (2007a) aponta para a ocorrência de dois dados de alçamento de tópico com o verbo acabar nas amostras de fala popular do PB, um deles apresentado em (13a), o que poderia sugerir uma mudança em curso na mesma direção de parecer. Os demais exemplos, retirados da fala e da escrita, reforçam tal ideia: (13) a. Aí, chega: me dá aqueles papeizinhos, me dá aqui, me dá ali, “vote nesse, vote nesse, vote nesse”. [IP E eui acabo [CP que [TopP ti [IP Øi não sei]]]], não sei mesmo. b. Pois é, [IP eui acabei [CP que [TopP ti [IP Øi não te contei]]]]. (novela “Insensato Coração, em 09/08/2011) 15 c. [IP Livros didáticos, palavras necessárias e o conhecimento histórico de nossa línguai acabam [CP que [TopP ti [IP Øi sofrem nas mãos dos que se julgam corretos]]]]. (Redação de aluno do Ensino Médio, em 2012) No entanto, como na análise da autora o alçamento de tópico com acabar não se mostra recorrente e não foram encontrados exemplos na amostra utilizada neste trabalho, optamos por inseri-lo no mesmo grupo dos demais verbos de alçamento. Diante disso, é possível separar os verbos acabar, bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar em três grupos em função da estrutura de seu complemento oracional: uma oração desenvolvida (CP), uma oração com verbo na forma infinitiva ou gerundiva (InfP e GerP, respectivamente) ou uma oração regida por preposição (PP oracional). Abaixo, em (14) e (15), encontram-se exemplos de verbos cujo complemento oracional é um CP e um InfP, respectivamente, nas estruturas sem alçamento: (14) a. [IP [øexpl] Acabou [CP que [IP os meninos vieram]]]. b. [IP [øexpl] Só faltou [CP que [IP os meninos viessem]]]. c. [IP [øexpl] Custou [CP que [IP os meninos viessem]]]. d. [IP [øexpl] Bastava [CP que [IP os meninos viessem]]]. e. [IP [øexpl] Convinha [CP que [IP os meninos viessem]]]. (15) a. [IP [øexpl] (Só) faltou [InfP os meninos chegarem um pouco mais cedo]]. b. [IP [øexpl] Bastava [InfP os meninos chegarem um pouco mais cedo]]. c. [IP [øexpl] Convinha [InfP os meninos chegarem um pouco mais cedo]]. d. [IP [øexpl] Custou [InfP os meninos chegarem um pouco mais cedo]]. Percebe-se que, nas construções sem alçamento, bastar, convir, custar e faltar podem ter como complemento uma oração desenvolvida ou um InfP. Contudo, acabar, neste tipo de estrutura, apresenta como argumento interno um CP12. 12 À semelhança do que ocorre com parecer, o verbo acabar também pode apresentar seu argumento interno em forma não finita, mesmo em uma construção sem alçamento. Atente-se para as sentenças em (i): 16 Nas sentenças em (16), são apresentadas as estruturas com alçamento com os mesmos verbos que aparecem em (14) e (15): (16) a. [IP Os meninosi acabaram [GerP ti vindo]]. (PB) b. [IP Os meninosi acabaram [PP por ti vir]]. (PE) b. [IP Os meninosi (só) faltaram [InfP ti me agredir]]. c. [IP Os meninosi bastavam [InfP ti chegar um pouco mais cedo]]13. d. [IP Os meninosi convinham [InfP ti chegar um pouco mais cedo]]. e. [IP Os meninosi custaram [PP (a/para) ti vir]]. Se por um lado, na estrutura ilustrada acima, bastar, convir e faltar apresentam seu argumento interno sob a forma de InfP, por outro, acabar seleciona um GerP. Destaca-se, ainda, que, na gramática lusitana, o verbo de alçamento em (16b) seleciona um PP, à semelhança do que ocorre com custar no Português Brasileiro e no Português Europeu. Por fim, são apresentados os verbos demorar e levar, que, em ambas as construções, apresentam como complemento oracional um PP. Em (17), encontramse exemplos sem alçamento; em (18), as construções de alçamento padrão: (17) a. [IP [øexpl] Levou uma hora [PP para os meninos terminarem o trabalho]]. b. [IP [øexpl] Demorou (uma hora) [PP para os meninos terminarem o trabalho]]. (18) a. [IP Os meninosi levaram uma hora [PP para ti terminar o trabalho]]. b. [IP Os meninosi demoraram (uma hora) [PP para ti terminar o trabalho]]. Observa-se que o constituinte “uma hora” pode aparecer ou não junto ao (i) a. [IP [øexpl] Acabou [GerP [øexpl] nevando muito nos países europeus]]. b. [IP [øexpl] Acabou [GerP [øexpl] havendo bastante confusão durante a festa]]. c. Pois, minha filha, é a altura de pensares nisso a sério. Se te descuidas, [ IP [øexpl] acaba [PP por [øexpl] ser tarde demais]]. (peça portuguesa de 1954) 13 Embora a estrutura possa parecer estranha, é atestada na fala espontânea, tanto com bastar, quanto com faltar e convir (“vocês bastavam ter me contado” / “vocês faltavam ter dado uma palavra em meu favor” / “vocês convinham chegar bem cedo”). 17 predicador de alçamento demorar, pois não faz parte da estrutura argumental do verbo de alçamento; por outro, em (17a) e (18a), com o verbo levar, tal termo.é selecionado, constituindo o que Rocha Lima (2003) considera um complemento circunstancial e Mateus et alii, um oblíquo nuclear. Este parece ser um dos raros verbos deste grupo que selecionam dois argumentos internos. Até o momento, foi apresentado o conceito de alçamento, enfatizando que o movimento do DP só é possível devido ao fato de esses verbos não selecionarem um argumento externo. Por fim, foi apresentada uma tipologia das estruturas oracionais selecionadas como argumento interno. Na próxima subseção, veremos o tratamento dado pelas gramáticas tradicionais brasileiras aos verbos de alçamento que servem de base para o desenvolvimento do trabalho realizado. 1.3 Os verbos de alçamento nas gramáticas tradicionais brasileiras A tradição gramatical brasileira insere os verbos de alçamento no conjunto de verbos que podem ter como complemento ou uma oração desenvolvida ou uma oração reduzida, iniciada ou não, por uma preposição. O argumento interno oracional do verbo de alçamento é classificado como uma oração subordinada substantiva subjetiva, exercendo a função de sujeito em relação à principal. Em todas as gramáticas analisadas, Bechara (2006 [1977]), Rocha Lima (2003) e Cunha e Cintra (2001), foram encontrados exemplos com apenas 4 dos verbos de alçamento investigados neste trabalho: bastar, convir, custar e parecer – o último, a propósito, aparece em sentenças que ilustram algumas figuras de sintaxe. Os argumentos oracionais em destaque nas sentenças abaixo, selecionados por diferentes verbos de alçamento, são exemplos de orações subordinadas substantivas desenvolvidas, em (19), e reduzidas, em (20). (19) a. Parece [CP que tudo deu certo]. b. Basta [CP que as pessoas mudem a sua mentalidade]. c. Convém [CP que o homem respeite as regras sociais]. d. Custa [CP que as coisas deem certo]. (20) a. Basta [InfP as pessoas mudarem a sua mentalidade]. b. Convém [InfP o homem respeitar as regras sociais]. c. Custa [InfP as coisas darem certo]. 18 Como se pode observar em (19), as orações desenvolvidas são introduzidas por uma conjunção integrante (no caso das subjetivas, obrigatoriamente a conjunção “que”); a única reduzida admitida para o grupo das subjetivas é a de infinitivo (cf. (20)). Destaque-se que, em relação às substantivas, não são feitas referências à (im)possibilidade de movimento das orações subordinadas para a posição à esquerda do verbo de alçamento, na oração matriz. Rocha Lima (2003) afirma que há certa dificuldade no reconhecimento das substantivas subjetivas, por isso, ele aponta o principal esquema de construção em que elas figuram. Segundo o autor, para que uma oração seja identificada como subjetiva, o verbo da oração matriz – para o nosso interesse, um verbo de alçamento – deve estar na 3ª pessoa do singular e ser seguido por uma oração desenvolvida ou por uma reduzida. Ainda na seção referente às subjetivas, Rocha Lima (op. cit.) divide os verbos que podem aparecer na oração principal em diferentes valores semânticos, inserindo parecer no grupo semântico de ‘dúvida’ e convir no grupo de ‘conveniência’. Os verbos parecer e convir também recebem destaque em Cunha e Cintra (2001). Primeiramente, segundo os autores, tais verbos carregam, respectivamente, as ideias de ‘sensação’ e ‘conveniência’. Além disso, são classificados como unipessoais por apresentarem apenas a forma de 3ª pessoa – plural ou singular –, como se pode verificar em (21): (21) a. Convém [InfP sair mais cedo]. b. Pareceu-me [CP que ele chorava]. As sentenças em (21) ilustram apenas o que chamamos de construção sem alçamento. Para a tradição gramatical, conforme já foi dito, as orações entre colchetes exercem a função de sujeito de parecer e convir, ainda que não resultem em construções gramaticais quando antepostas à principal. De um modo geral, a tradição gramatical brasileira não oferece e nem poderia oferecer um quadro mais preciso das construções com verbos de alçamento que selecionam um complemento oracional. Curiosamente, quando são apresentadas sentenças com esse tipo de verbo, elas estão inseridas na seção referente às figuras de sintaxe ou recebem uma nova classificação dentro do quadro das orações substantivas, conforme ficará evidente nos demais parágrafos. 19 Said Ali (1966) e Mendes de Almeida (1969), ao tratar da concordância com sentenças infinitivas com o verbo parecer, apontam que ele pode ser usado de forma impessoal (sem um sujeito) e de forma pessoal (com um sujeito). As duas possibilidades estruturais registradas pelos autores aparecem em (22), em exemplos de Bechara (2009 [1977] p. 563)14, que faz uma análise distinta: (22) a. As estrelas parecem brilhar. b. As estrelas parece brilharem. Observa-se, em (22), que a concordância pode estar tanto no verbo parecer quanto no outro verbo, no caso, brilhar. Segundo Mendes de Almeida (1969), em (22a), temos uma sentença em que parecer é um verbo de ligação e a oração [brilhar] é o seu predicado. Não ocorre aos autores que o verbo no infinitivo é o predicado que seleciona o argumento “as estrelas”. Na estrutura em (22b), ainda de acordo com Mendes de Almeida (op. cit.), parecer é empregado intransitivamente, ou seja, ele tem o seu sentido completo, enquanto a oração [brilharem] é o seu sujeito. Tal sentença, para o autor, é equivalente a duas possibilidades estruturais, ilustradas em (23). Para Bechara (op. cit.), contudo, “parecem brilhar” em (22a) constitui uma locução verbal – uma interpretação bastante estranha, enquanto em (22b) haveria uma estrutura semelhante à encontrada em (23a) abaixo: (23) a. [øexpl] Parece [InfP brilharem as estrelas]. b. [øexpl] Parece [CP que as estrelas brilham]. Com base no quadro teórico atual que guia nossa análise, conclui-se, diante das estruturas apresentadas em (22), que, em (22a), temos uma construção de alçamento padrão, representada em (22a’); em (22b), o sujeito da encaixada está em uma posição de tópico, externa à sentença, como fica evidente na ausência de concordância entre o DP “as estrelas” e parecer. O Caso nominativo é atribuído ao vestígio deixado na oração encaixada pela flexão do verbo na forma infinitiva 14 Registre-se o fato de que, em Bechara (op. cit.), as sentenças em (22) estão inseridas na seção de concordância nas locuções verbais. O autor faz ainda referência à construção “As estrelas parecem brilharem”, em que se observa a flexão de parecer e brilhar, defendendo que se trata de um caso de contaminação sintática das sentenças em (22), o que deveria ser evitado como norma. 20 [brilharem]. Portanto, em (22b), há um exemplo de deslocamento. (cf. 22b’). (22) a’. [IP [As estrelas]i parecem [InfP ti brilhar]]. b’. [TopP [As estrelas]i [IP [øexpl] parece [InfP ti brilharem]]]. Bechara (2009 [1977]) destaca, na parte relativa às observações, que, quando o verbo parecer concorda com outro sujeito que não seja a oração subordinada, esta oração passa a exercer a função de predicativo do sujeito. Ou seja, recebe a classificação de substantiva predicativa. São fornecidos dois exemplos para ilustrar tal classificação, ambos retirados de Bechara (1985 [1977] p. 227) e retomados na edição de 2009 (p. 485). Todavia, destaca-se que, na edição de 1985, o autor, em nota de rodapé, se refere à estrutura em (24b) como um exemplo de pessoalização do verbo parecer. (24) a. [IP Tui pareces [InfP ti ser estrangeiro]]. b. Nunca nosi esquecemos de nós, ainda quando [ IP Øi parecemos [CP que [TopP ti [IP mais Øi nos ocupamos dos outros]]]]. (Marquês de Marica) A análise sintática atribuída às orações selecionadas por parecer é a mesma, – ambas exerceriam a função de predicativo do sujeito em relação à oração principal – embora a sua natureza seja distinta. Se, por um lado, em (24a), o verbo da matriz apresenta uma oração reduzida como complemento, por outro, em (24b), encontrase uma oração desenvolvida. Dessa forma, temos, em (24a) e (24b), respectivamente, uma sentença ilustrativa do alçamento padrão e do alçamento de tópico. No entanto, como se pode observar, não há referências à diferença estrutural, tampouco, discutem-se as motivações para a sua ocorrência. A falta de uma análise que dê conta das diferentes construções com os verbos de alçamento aqui investigados, notadamente com parecer, faz com que sua ocorrência seja justificada na seção referente às figuras de sintaxe, quase sempre constituindo exemplos de sentenças que devem ser evitadas. Note-se as sentenças em (25): 21 (25) a. [TopP Os pastoresi [IP [øexpl] parece [CP que ti vivem no fim do mundo]]]. (Cunha e Cintra 2001 p. 628) b. Nas porteiras ou nos terreiros das fazendas, [ TopP as pessoas que a gente vêi [IP [øexpl] parece [CP que ti brincam de tomar conta da natureza]]]. (Cunha e Cintra op. cit. p. 628) Como é possível verificar em (25), ocorre o alçamento do DP argumento externo do verbo da oração selecionada por parecer para Spec de IP, na oração matriz. Apesar do movimento sintático, os DPs continuam recebendo Caso nominativo da flexão de seu predicador, o que fica evidente pela ausência de concordância entre eles e o verbo de alçamento. Temos, diante disso, dois exemplos de estrutura a que nos referimos como deslocamento. As duas sentenças apresentadas em (25) são descritas como instâncias de uma figura de sintaxe: a antecipação (ou prolepse, segundo Cunha e Cintra 2001, p. 628). As gramáticas tradicionais brasileiras referem-se à antecipação da seguinte forma: (i) “(…) deslocação do termo de uma oração para outra que a preceda, com o que adquire excepcional realce.” (Cunha e Cintra op. cit. p. 628); (ii) “(…) é a colocação de uma expressão fora do lugar que logicamente lhe compete.” (Bechara 2009 [1977] p. 595) Percebe-se que as construções por nós tratadas como instâncias de deslocamento são tratadas como um caso de realce ou de falta de lógica estrutural, o que não surpreende, visto que o objetivo das gramáticas tradicionais não era uma avaliação teórica. São, entretanto, bastante interessantes as intuições que subjazem a algumas análises como a que segue. Tanto Bechara (op. cit.) quanto Cunha e Cintra (op. cit.) fazem referência, ainda, a outra figura de sintaxe com parecer: o anacoluto. Nos exemplos apresentados em ambas as gramáticas para ilustrá-lo, há o pronome “eu”, retomado pelo clítico “me”, conforme atestam as frases em (26): (26) a. Bom! Bom! [TopP Eui [IP [øexpl] parece-mei [CP que ti ainda não ofendi ninguém]]]! (Cunha e Cintra op. cit. p. 631) b. [TopP Eui [IP [øexpl] parece-mei [CP que tudo vai bem]]]. (Bechara op. cit. p. 595) 22 As sentenças acima, embora apresentem elementos deslocados tal como em (25), não são relacionadas a elas pelos autores. As duas são, entretanto, estruturalmente distintas. Em (26a), o elemento deslocado é sujeito da encaixada enquanto em (26b) temos, de fato, um anacoluto. Temos, assim, uma estrutura que se assemelha à descrita em (25): o deslocamento. Pode-se afirmar que, diante da descrição feita por diferentes gramáticas tradicionais brasileiras, as construções de alçamento – especialmente com parecer – não recebem tratamento adequado. Como vimos, muitas vezes diferentes estruturas de alçamento são tratadas como instâncias do mesmo fenômeno linguístico. 1.4 Gramáticas baseadas em teorias linguísticas: novas perspectivas para os verbos de alçamento Nesta seção, encontra-se uma descrição do tratamento atribuído aos verbos de alçamento por uma gramática portuguesa e uma brasileira que desenvolvem suas descrições com base em teorias linguísticas. Diferentemente do que ocorre na tradição gramatical brasileira, a noção de alçamento se faz presente em ambas as obras, o que permite a referência às diferentes possibilidades estruturais com parecer. 1.4.1 Gramática do português culto falado no Brasil (2009) Nesta gramática, há dois capítulos que tratam diretamente das construções de alçamento com base na Teoria Gerativa. O primeiro, “Complementação”, de autoria de Sônia Cyrino, Jairo Nunes e Emílio Pagotto, estabelece as diferenças entre dois tipos de verbos monoargumentais, os inergativos e os inacusativos 15. Ao apresentar esquematicamente a estrutura argumental dos inacusativos, em (27), os autores começam a descrever um tipo desse grupo: os verbos de alçamento. 15 Os verbos inergativos e inacusativos são classificados indiscriminadamente na terminologia gramatical como intransitivos. 23 (27) SV V’ 3 V argumento interno Cyrino, Nunes e Pagotto (2009) destacam que verbos como parecer e acabar podem ser inacusativos, selecionando um argumento interno oracional. À sua esquerda, portanto, há uma posição não argumental disponível que pode ser preenchida por meio do alçamento do DP sujeito do verbo da encaixada, o que justifica a sua classificação como verbos de alçamento. No capítulo seguinte, “Predicação”, de autoria de Rosane Berlinck, Maria Eugênia Duarte e Marilza de Oliveira, as construções de alçamento com verbos que selecionam um complemento oracional são descritas. As autoras apresentam exemplos de estruturas possíveis com parecer no Português Brasileiro, ilustrados em (28). Temos, na ordem, uma construção sem alçamento, o alçamento padrão, o deslocamento e o alçamento de tópico: (28) a. Eu acho… [IP [øexpl] Parece [CP que a gente se sente até mais... assim por fora]]. b. [IP O Brasili parece [InfP ti ter quinze ou dezoito impostos]]. c. [TopP Os alunosi [IP [øexpl] parece [CP que [IP ti tomam conta dos professores]]]], ao menos é o que eu ouço contar, né? d. Eu acho que diminuiu bem o pessoal que vai a cinema, não sei, o que eu noto é que [IP os cinemasi parecem [CP que [TopP ti [IP Øi não estão também como antigamente]]]]. Berlinck, Duarte e Oliveira (2009) mostram que, para evitar o sujeito expletivo nulo nas construções impessoais com verbos de alçamento, o DP sujeito do verbo da encaixada é movido / alçado para a posição de Spec de IP, na oração matriz. As 24 autoras afirmam que a aplicação de tal estratégia para evitar verbo em primeira posição na sentença é justificável devido à orientação parcial para o discurso do PB. 1.4.2 Mateus et alii (2003) Nos capítulos de Inês Duarte sobre construções inacusativas, são encontradas sentenças com apenas 3 dos verbos de alçamento aqui analisados: bastar, convir e parecer. Todos são classificados como inacusativos, pois selecionam um argumento interno oracional; a oração encaixada é classificada como completiva verbal. Entretanto, parecer é considerado um inacusativo superior e é classificado como um verbo de elevação. Para a melhor visualização da análise feita com os 3 verbos, os exemplos em (19a-c) são retomados em (29): (29) a. Parece [CP que tudo deu certo]. b. Basta [CP que as pessoas mudem a sua mentalidade]. c. Convém [CP que o homem respeite as regras sociais]. Ao falar das orações desenvolvidas selecionadas pelos verbos de alçamento, localizados na oração matriz, a autora destaca o modo verbal dos verbos presentes nas orações encaixadas. Como é possível perceber, parecer seleciona verbos, na subordinada, no modo indicativo; bastar e convir, por outro lado, selecionam orações cujos verbos estão no subjuntivo. Ainda que todas as orações em destaque em (29) sejam classificadas como completivas verbais, visto que seu predicador é um verbo, a análise sintática delas é distinta. Segundo Duarte I (2003), bastar e convir selecionam um CP com a função de sujeito, enquanto parecer seleciona uma oração desenvolvida com a função de objeto direto16. Além da função sintática da oração selecionada por parecer, é possível notar outras diferenças no tratamento dado a esse verbo de alçamento em relação aos demais. Primeiramente, o verbo parecer não seleciona um argumento externo e, em certas circunstâncias, permite que o sujeito do verbo da oração encaixada “ocorra como sujeito da frase superior” (p. 613), elevando-se para um nível sintático superior 16 Predicados de elevação como o verbo parecer podem selecionar como objeto direto completivas finitas. (cf. Duarte I. 2003). Destaque-se, ainda, que as completivas verbais podem exercer somente 3 funções sintáticas: sujeito, objeto direto e oblíquo. 25 na sentença. Em outras palavras, a gramática portuguesa faz referência ao alçamento do DP argumento externo da completiva para a posição de Spec de IP de parecer, na oração matriz, o que justifica a sua classificação como verbo de elevação. Diante disso, a gramaticalidade das sentenças em (30), retiradas da obra lusitana, é discutida. Como se pode observar, todas as possibilidades estruturais de alçamento com parecer são analisadas, à semelhança do que vimos em Berlinck, Duarte e Oliveira (2009). (30) a. [IP [øexpl] Parece [CP que [øexpl] vai chover]]. b. [IP Os organizadoresi parecem [InfP ti ter adiado o congresso]]. c. *[IP Os organizadoresi parecem [InfP ti terem adiado o congresso]]. d. [IP Os meninos parece [CP que [-] estão contentes]]. e. *[IP Os meninosi parecem [CP que ti estão contentes]]. Em linhas gerais, nota-se que apenas as sentenças (30a,b,d), que ilustram, respectivamente, a estrutura sem alçamento, o alçamento padrão e o deslocamento, são consideradas gramaticais no Português Europeu. De fato, estudos empíricos sobre o contexto não argumental dos verbos de alçamento, apresentados no próximo capítulo, não evidenciam a ocorrência de alçamento de tópico na gramática lusitana. No entanto, algumas observações a respeito das sentenças em (30) devem ser feitas. Primeiramente, em (30a), verifica-se a impossibilidade de alçamento de um argumento com a função de sujeito do verbo da completiva para a posição não argumental disponível à esquerda de parecer, já que “chover” é um verbo impessoal. Em seguida, encontra-se a única referência à seleção de completivas não finitas (as reduzidas de infinitivo) por um dos verbos de alçamento investigados nesta tese. Segundo Duarte I. (2003), o DP “os organizadores”, alçado para a posição de Spec de IP, estabelece relação gramatical de sujeito de parecer e deixa um vestígio em sua posição de base. Tal construção só é possível, de acordo com a autora, se 26 parecer seleciona uma completiva de infinitivo não flexionado; se houvesse a flexão, inviabilizaria a gramaticalidade da sentença, como vemos em (30c). Em (30d), há a ocorrência da construção de deslocamento. Para a gramática, todavia, trata-se de um caso particular de tópico marcado, pois o DP “os meninos” não estabelece a relação gramatical de sujeito de parecer, mas fixa o referente do sujeito da completiva verbal17. Ressalte-se a ausência de vestígio, segundo notação da autora, diante dessa análise, na posição de base do DP alçado. Finalmente, em (30e), percebe-se que é considerada agramatical a sentença em que o alçamento do DP da completiva para uma posição superior na sentença desencadeia concordância com parecer (necessariamente deve ser selecionada pelo verbo de alçamento uma completiva finita). Considerar o alçamento de tópico uma construção agramatical é justificável, se levamos em consideração o fato de que estudos relativos aos verbos de alçamento, até o momento, não evidenciam a ocorrência de tal estrutura no Português Europeu. São encontradas apenas sentenças ambíguas, que podem ilustrar tanto o deslocamento quanto o alçamento de tópico, já que o DP alçado está sempre na 3ª pessoa do singular, o que não explicita a concordância com parecer. Pode-se, em linhas gerais, afirmar que a descrição da gramática portuguesa a respeito do comportamento sintático dos verbos de alçamento se faz à luz da teoria gerativa, que fornece suporte para um tratamento mais adequado. Em resumo, Duarte I (op. cit.) mostra que, em relação a parecer, classificado como um verbo de alçamento, há 3 estruturas possíveis: a construção sem alçamento, o alçamento padrão e o deslocamento. A autora não trata da possibilidade de alçamento com bastar e convir, o que, como veremos, é mesmo muito raro também no PB. No próximo capítulo, é feita uma revisão de estudos empíricos a respeito do preenchimento da posição do sujeito pronominal no Português Brasileiro e no Português Europeu no intuito de mostrar que as duas gramáticas do português se comportam de forma distinta. A partir dessa comparação, será possível refinar os 17 Aponta-se a agramaticalidade das sentenças em que não há correferencialidade entre o DP em posição de TopP e o sujeito da completiva selecionada por parecer, mas com outro constituinte, no caso o objeto direto, como em (i): (i) * Os meninos parece [que os pais encontraram [-] no cinema]. 27 objetivos do presente trabalho, relacionando as estruturas de alçamento à mudança na representação dos sujeitos pronominais. 28 2. O sujeito pronominal em PB e PE: estudos sincrônicos e diacrônicos A partir do trabalho diacrônico de Duarte (1993) com peças teatrais, diversas análises sobre o sujeito pronominal na variedade brasileira surgiram. A princípio, as investigações atinham-se aos sujeitos referenciais, definidos e arbitrários (Duarte 1995, 2003, entre outros); os sujeitos não referenciais ganharam destaque com a proposta de que PB estaria passando por um processo de mudança paramétrica, deixando de ser uma língua [ + sujeito nulo ] para se tornar uma [ - sujeito nulo ] (cf. Duarte 2003, 2004, 2007a, entre outros). Diante desse quadro, inúmeros estudos comparativos a respeito da representação do sujeito pronominal no Português Brasileiro e no Português Europeu têm sido realizados nos últimos anos. Tais análises mostram que há diferenças quantitativas e qualitativas entre as duas variedades, não só em relação aos sujeitos de referência definida e indeterminada / arbitrária, mas também no que diz respeito ao aparecimento no PB de estruturas incompatíveis com línguas de sujeito nulo do grupo românico, como veremos neste capítulo. As análises do Português Europeu, por outro lado, revelam traços que o aproximam de uma língua prototípica de sujeito nulo (cf. Barbosa, Duarte e Kato 2005; Duarte, 2000, entre outros). Neste capítulo, faz-se uma fotografia dos diversos estudos empíricos acerca da representação da posição do sujeito pronominal no Português Brasileiro e no Português Europeu. Primeiramente, são apresentados os resultados dos trabalhos relativos aos sujeitos referenciais definidos. Em seguida, destacam-se os sujeitos referenciais indeterminados. As investigações sobre os sujeitos não referenciais fecham o capítulo. 2.1 os sujeitos referenciais definidos Resultados de pesquisas linguísticas indicam que o PB tem apresentado um comportamento diferente das línguas de sujeito nulo do grupo românico, o que caracteriza um processo de mudança paramétrica em curso –, ao contrário do que ocorria em estágios anteriores da variedade brasileira (Duarte 1993), e ainda ocorre no Português Europeu (Duarte 2000) e em outras línguas românicas, como o espanhol (Soares da Silva 2006a, 2011) e o italiano (Marins 2009). Em sua análise diacrônica de peças teatrais de caráter popular e em sua tese de doutoramento, Duarte (1993, 1995, respectivamente) associa a remarcação paramétrica por que passa a variedade brasileira a alterações no quadro pronominal 29 do PB e à simplificação dos seus paradigmas flexionais verbais. O quadro 2.1 a seguir, baseado na proposta de Duarte (op. cit.), mostra que a redução do paradigma flexional verbal, no Português Brasileiro, se tornou inevitável, muito mais em função do paradigma pronominal do que por processos fonológicos (cf. Duarte 2000): Pessoa gramatical Pronomes Paradigma 1 Paradigma 2 Paradigma 3 1ª singular Eu fal o fal o fal o 2ª singular Tu fal a s - - Você / Tu fal a fal a fal a 3ª singular Ele / Ela fal a fal a fal a 1ª plural Nós fal a mos fal a mos - Nós / A gente - fal a fal a Vós fal a is - - Vocês fal a m fal a m fal a m Eles / Elas fal a m fal a m fal a m 2ª plural 3ª plural Quadro 2.1: Paradigmas flexionais em PB Como pode ser observado no quadro acima, o paradigma, que antes era constituído por seis formas distintivas (Paradigma 1) e, neste ponto não podemos dizer que se trata de característica do PB18, hoje está reduzido a quatro morfemas diferentes (Paradigma 2) e, na fala dos grupos mais jovens, a apenas três (Paradigma 3). Duarte (1993, 1995) defende que a simplificação se deve, em especial, à perda da distinção entre as formas verbais para a referência à segunda pessoa do singular, levando à neutralização de formas como ‘tu fala – você fala’ e à concorrência entre ‘nós’ e ‘a gente’ para referência à primeira pessoa do plural. As diversas mudanças no quadro pronominal em PB fazem com o paradigma verbal, 18 Nas peças representativas da primeira metade do século XIX analisadas em Duarte (1993), é possível observar o uso de ‘vós’ e desinência correspondente para referência à primeira pessoa do plural e, além disso, para a segunda pessoa do singular. Já se observa, pois, uma certa neutralização entre ‘tu’ e ‘vós’ nas peças de Martins Pena. 30 que em épocas pretéritas era formalmente “rico”, perde, nos termos de Roberts (1993), a riqueza “funcional”, com, pelo menos quatro oposições, que permitiam o licenciamento e a identificação de um sujeito nulo. Uma forma como ‘fala’, por exemplo, pode estar relacionada a diferentes pessoas do discurso: ‘você / tu fala’, ‘a gente fala’ e, se o falante não apresentar a marca concreta da concordância no plural, ‘vocês fala’, ‘eles fala’ e ‘nós fala’. A análise diacrônica de textos teatrais escritos nos séculos XIX e XX, empreendida por Duarte (1993), aponta que há, de fato, uma estreita relação entre a redução nos paradigmas flexionais do PB e a ocorrência do sujeito pronominal expresso. Como dito acima, para Roberts (op. cit.), um paradigma com uma desinência zero e um sincretismo entre duas pessoas gramaticais (o Paradigma 1, no quadro 2.1) seria funcionalmente rico, licenciando e identificando os sujeitos nulos. Haegman (1994) também relaciona o parâmetro prodrop ao quadro flexional das línguas e defende que línguas que apresentam um paradigma rico, frequentemente, licenciam o sujeito nulo. Corroborando tal visão, Duarte (1995) afirma que os elevados índices de sujeitos nulos no espanhol peninsular, no italiano e no Português Europeu podem ser creditados aos seus paradigmas verbais, que exibem desinências distintivas para cada pessoa gramatical 19. Além disso, a autora menciona que, à semelhança do que vem ocorrendo no PB, o francês medieval perdeu a propriedade de língua de sujeito nulo paralelamente à redução de seu quadro flexional verbal. No gráfico 2.1, são apresentados os resultados gerais da análise diacrônica de Duarte (1993). Note-se que, em linhas gerais, a ocorrência de sujeitos preenchidos aumenta progressivamente, à medida que o paradigma flexional em PB sofre um processo de simplificação. 19 A proposta da riqueza flexional verbal atrelada ao licenciamento de sujeito nulo mostra-se pertinente ao inglês, língua [ - sujeito nulo ], que apresenta em seu paradigma uma única forma distintiva: a terceira pessoa do singular no tempo presente (I / you / we / they speak x he / she / it speakS). 31 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 74% 67% 20% 1845 23% 25% 1882 1918 46% 50% 1937 1955 1975 1992 Gráfico 2.1: Sujeitos plenos em sete períodos (Duarte 1993) Como se pode verificar, nos três primeiros períodos de tempo, quando vigorava o Paradigma 1, flexionalmente rico, os índices de ocorrência do sujeito pleno eram tímidos, alcançando seu ápice na peça de 1918, com 25%. Nas peças de 1937 e 1955, em que prevalece o Paradigma 2, com quatro formas distintivas, os índices chegam, respectivamente, a 46% e 50%. A partir dos resultados obtidos para essas duas sincronias, é possível atestar que a expressão do sujeito pronominal passa a envolver uma regra variável 20: a forma nula e a forma preenchida estão em competição. Por fim, em 1975 e 1992, quando coexistem os Paradigmas 2 e 3, a preferência pelo preenchimento da posição do sujeito pronominal torna-se clara. Os resultados evidenciam que a preferência pelo sujeito preenchido acompanha a evolução do quadro de paradigmas flexionais, o que ratifica a hipótese de Duarte (1993). Destaca-se que o percentual encontrado para a peça de 1992 (74%), que aponta a preferência pela expressão do sujeito pronominal, vai ao encontro de diversos outros trabalhos empíricos. Contudo, os efeitos da redução do paradigma 20 Considerando que uma língua de sujeito nulo não pode ter, por razões funcionais, sujeitos categoricamente nulos, podemos afirmar que nos três primeiros períodos não havia um processo de variação tal qual entendido na Teoria da Variação e Mudança. Um sujeito era expresso para ênfase, contraste ou para a reintrodução de um referente, como mostraremos ao ver os resultados de Duarte (1995) para o PE, de Soares da Silva (2006a) para o espanhol e de Marins (2009) para o italiano. 32 não são uniformes para todas as pessoas gramaticais; prova disso é a 3ª pessoa, que se apresenta como o contexto mais resistente ao preenchimento. Duarte (2012) revisita a 3ª pessoa para desvendar a razão de tal resistência. Com base na atuação da hierarquia referencial proposta por Cyrino, Duarte e Kato (2000), percebe-se que os itens [+referenciais] são os primeiros a serem preenchidos; é o caso do sujeito de 1ª e 2ª pessoas. O sujeito de 3ª pessoa pode apresentar os traços [+-humano] e [+- específico], o que atua como fator de resistência ao seu preenchimento. O gráfico 2.2 mostra os resultados encontrados pela autora em seu estudo diacrônico (cf. Duarte 1993). A 3ª pessoa em sete sincronias 100% 90% 80% 70% 60% 48% 50% 41% 40% 30% 20% 31% 28% III IV 45% 22% 7% 10% 0% I II V VI VII Gráfico 2.2: O preenchimento da 3ª pessoa em sete períodos de tempo Em sua análise sobre o sujeito referencial definido na fala culta carioca, Duarte (1995) mostra que os contextos estruturais em que uma língua de sujeito nulo deixaria vazia a posição de sujeito vêm sendo preenchidos por um item lexical. A tabela 2.1, abaixo, explicita os índices de preenchimento do sujeito levando em consideração a pessoa gramatical e o grupo etário21: 21 A amostra utilizada faz parte do acervo do Projeto NURC – RJ, foi gravada em 1992 (Amostra Recontato) e tem como base falantes com ensino superior. Foram utilizados 12 inquéritos. 33 GRUPO 1 GRUPO 2 GRUPO 3 Acima de 46 anos 35 a 46 anos 25 a 35 anos 1ª pessoa 67% 79% 79% 2ª pessoa 80% 94% 92% 3ª pessoa 50% 65% 71% Pessoa gramatical Tabela 2.1: Sujeito preenchido na fala culta carioca (Duarte 1995) Os menores índices de sujeito expresso, para todas as pessoas gramaticais, estão concentrados no grupo dos falantes mais velhos. O traço [+humano, +animado], que engloba, necessariamente, a 1ª e 2ª pessoas, surge como fator relevante para o preenchimento da posição do sujeito pronominal no PB. Em todas as faixas, a 3ª pessoa se configura como o contexto menos receptivo à forma plena, embora no grupo dos falantes mais jovens a diferença entre a 1ª e 3ª pessoa seja pequena e com percentuais gerais robustos, acima de 70%. Em trabalhos comparativos com base em amostras de fala, Duarte (1995; 2000) analisa a expressão do sujeito pronominal de referência definida em PB e PE. Neste estudo, cujos resultados centrais são apresentados no gráfico 2.3, a autora mostra que as duas variedades do português apresentam formas não marcadas distintas para a representação da posição do sujeito pronominal. Ressalte-se o fato de que os índices agrupam os três grupos etários. 100 90% 74% 80 58% 60 PB 40 20 35% 24% 21% PE 0 1ª pessoa 2ª pessoa 3ª pessoa Gráfico 2.3: Sujeitos referenciais definidos expressos em PB e PE PE PB 34 De acordo com o gráfico acima, o preenchimento do sujeito pronominal não é recorrente na variedade lusitana, independentemente da pessoa gramatical, ainda que se perceba que a 1ª pessoa do discurso é o contexto com o maior percentual, com 35%. Como veremos na análise de Soares da Silva (2006a, 2011) e Marins (2009), para o espanhol e o italiano, respectivamente, o preenchimento da primeira pessoa é motivado principalmente pela reintrodução do falante no discurso. Ou seja, a preferência pelo sujeito nulo é a forma não marcada 22 (em termos de frequência) no Português Europeu. Por outro lado, o PB, na 1ª, 2ª e 3ª pessoas, com índices de 74%, 90% e 58%, respectivamente, apresenta-se como uma gramática em que o sujeito preenchido é a forma não marcada. Novamente, à semelhança de observações feitas em estudos anteriores, a 3ª pessoa do discurso mostra-se mais resistente ao preenchimento. Conclui-se, diante disso, que as duas variedades do português se comportam de maneira distinta no que diz respeito à realização da posição do sujeito pronominal. Em busca de maiores evidências qualitativas que atestassem as diferenças em relação ao contexto do sujeito pronominal entre PB e PE, outros trabalhos foram desenvolvidos. A partir de um corpus composto por entrevistas reproduzidas pela imprensa, Barbosa, Duarte e Kato (2005) investigam a distribuição do sujeito nulo de 3ª pessoa no Português Brasileiro e no Português Europeu, tendo em vista diferentes padrões sintáticos. Atente-se para a tabela 2.2: SUJEITO NULO SUJEITO PLENO TOTAL Português Brasileiro 63 (44%) 79 (56%) 142 (100%) Português Europeu 126 (78%) 36 (22%) 162 (100%) Variedade Tabela 2.2: Sujeito referencial definido de 3ª pessoa em entrevistas transcritas em PB e em PE Verifica-se que, no Português Brasileiro, a expressão do sujeito de terceira pessoa concorre com os sujeitos nulos, com 56% de preenchimento, ao contrário do que ocorre no PE, com 22%, o que sugere um comportamento bastante semelhante aos textos das peças brasileiras da primeira metade do século XIX. Qualitativamente, é possível constatar que o contexto sintático em que se encontra a 22 Utilizamos os termos “marcado” e “não marcado” para nos referir à menor ou maior frequência de uma estrutura, respectivamente. 35 maior diferença entre as duas variedades é o que exibe a presença de um material interveniente entre o antecedente e o sujeito (nulo ou preenchido), com 29% de preenchimento no PE. O contexto sintático em que o antecedente exerce função diferente da de sujeito é o mais favorável ao preenchimento do sujeito na variedade europeia, com 33%, acima, portanto, da média geral (cf. Barbosa, Kato e Duarte op. cit.: 543), ou seja, mesmo em contextos “desfavoráveis” à identificação, o comportamento de uma língua de sujeito nulo prototípica, ainda identifica facilmente o referente. No PB, os índices de preenchimento para esses dois contextos são, respectivamente, 75% e 57%. Em (1) e (2), há exemplos retirados da amostra que ilustram os dois padrões referidos, em ambas as variedades: em (1), presença de oração interveniente e, em (2), antecedente com função distinta da de sujeito: (1) a. As pessoasi estavam numa convivência desumana lá. [A padaria já está funcionando], elasi vão produzir o próprio pão. (PB) b. O filmei mostrava toda a sua decadência física e intelectual ao longo do período. [Foi a coisa mais chocante que vi]. øi Revela um estado de lucidez absolutamente genial, não é? (PE) (2) a. Já conversei com alguns atoresi e elesi sempre se mostraram interessados, acessíveis. (PB) b. Fui vê-loi ao Aljube quando øi esteve na tortura do sono. E depois fechado naquelas celas onde as pessoas mal cabiam e não se podiam ter de pé. (PE) Os padrões em que o sujeito expresso exibe os índices mais baixos são aqueles em que há correferência entre os sujeitos (numa relação principal/subordinada) ou entre sujeitos de orações adjacentes. Com tais padrões, os índices de preenchimento no PE chegam a 3% e 11%, respectivamente, enquanto no PB alcançam 22% e 42%. Ou seja, mesmo nesses contextos de conexão “ótima”, o PB já começa a ceder ao preenchimento nas entrevistas transcritas. A representação do sujeito pronominal de 3ª pessoa no PB e no PE também recebe destaque em Duarte (2007b). Para isso, utilizou-se uma amostra de textos jornalísticos (reportagens e matérias assinadas) publicados em jornais cariocas e lisboetas entre 1998 e 2005. A partir dos mesmos padrões sintáticos que serviram 36 de base para a análise realizada por Barbosa, Duarte e Kato (op. cit.), foi possível chegar aos resultados presentes na tabela 2.3: SUJEITO NULO SUJEITO PLENO TOTAL Português Brasileiro 119 (49%) 122 (51%) 241 (100%) Português Europeu 227 (93%) 17 (7%) 244 (100%) Variedade Tabela 2.3: Sujeito referencial definido de 3ª pessoa na escrita jornalística em PB e em PE Note-se que, em relação à escrita, o PB alcança índices semelhantes aos obtidos para as entrevistas transcritas (cf. tabela 2.2 acima), 51%, analisadas por Barbosa, Duarte e Kato (2005), enquanto o PE alcança índices de preenchimento baixíssimos, com apenas 7%. Do ponto de vista qualitativo, Henriques e Santos (op. cit.) e Duarte (2007b) constatam que o Português Brasileiro tende ao uso do sujeito pleno em padrões sintáticos em que há material interveniente entre o antecedente e pronome, ou quando aquele não exerce a função de sujeito no contexto precedente. Em tais contextos, corroborando os resultados encontrados em Barbosa, Duarte e Kato (2005), é possível encontrar as maiores diferenças quantitativas entre as duas variedades. São apresentados, em (3) e (4), exemplos com a forma preenchida do sujeito pronominal nos referidos padrões sintáticos: (3) a. Foi numa delas que Tom e Viníciusi atualizaram a marchinha. [Saçarico fazia a vovozinha]. Elesi traduziram o show do brotinho passando na porta da Colombo para o vem-e-que-passa da Garota de Ipanema. (PB) b. O Expressoi não sabia isso quando me pediu os meus votos para 1999? [Tenho todas as razões para duvidar]. Julgo antes que Øi me quis montar uma ingênua armadilha. (PE) (4) a. A França se prepara para o ataque ao inimigoi. Sabe que elei se aproxima, mas não sabe exatamente quando aparecerá. (PB) b. Uma das grandes alegrias do meu paii era acompanhar o ir-e-vir dos lagartos que moravam no sítio. Elei passava boa parte do dia trabalhando na biblioteca (...) mas fazia questão de ser avisado sempre que algum deles aparecia. (PB) 37 c. Chamavam-lhei assim porque como que por magia Øi tinha sempre “guita” no bolso. (PE) d. Mário Nevesi morreu num tempo de violência e brutalidade que reactualiza o tempo de violência e barbaridade que oi projectou como figura pública. Ao serviço do Diário de Lisboa, Øi foi um dos primeiros jornalistas a testemunhar a visão macabra de Badajoz, quando, durante a guerra Civil de Espanha, caiu nas mãos dos falangistas. (PE) 2.2 Os sujeitos de referência arbitrária Alguns trabalhos relativos à expressão da posição do sujeito pronominal de referência arbitrária no Português Brasileiro e no Português Europeu também foram realizados. Duarte (1995, 2000), com base em uma amostra de fala culta, aponta que em 66% dos dados do PB o sujeito pleno é a forma preferencial de representação, ao passo que, no PE, o preenchimento atinge apenas 20%. A autora investiga, ainda, as estratégias de indeterminação implementadas em ambas as variedades. Nas figuras 2.1 e 2.2, observam-se as estratégias recorrentes em PB e em PE: Estratégias de indeterminação no Português Brasileiro 16% 44% 13% 8% 2% Nós Você 17% Eles A gente SE + 3ª pessoa zero + 3ª pessoa Figura 2.1: Estratégias de indeterminação no PB 38 Estratégias de indeterminação no Português Europeu 20% 38% 22% 14% 6% Nós Você Eles A gente SE + 3ª pessoa Figura 2.2: Estratégias de indeterminação no PE De acordo com as figuras acima, há diferenças no que diz respeito às estratégias de indeterminação entre as duas variedades do português. Se, por um lado, no PB, se faz uso expressivo do pronome “você” para a representação do sujeito de referência arbitrária (44%), por outro, no PE, tal mecanismo é o que apresenta o menor percentual (6%). Outro ponto divergente está relacionado ao uso da estratégia “zero + 3ª pessoa”, com 17% de ocorrência, estrutura ausente no PB 23. Em (5) e (6), respectivamente, é possível encontrar dados do Português Brasileiro e do Português Europeu, oriundos de Duarte (2000): (5) a. Vocêi quando vocêi viaja, vocêi passa a ser turista. Então vocêi passa a fazer coisas que vocêi nunca faria no Brasil. b. Quando elesi querem, elesi fazem. Quando elesi querem, elesi acham dinheiro. c. Antigamente [Øarb] punha a mesa pra tomar lanche. (6) a. Øarb Não falavam em tapeçaria nessa altura; Ø arb só se referem a uns leves trabalhos, Øarb nem sequer dizem a palavra bordado. 23 Kato e Duarte (1996) e Galves (1997, 1998) foram os primeiros autores a chamar a atenção para essa estrutura. Segundo Galves, é justamente a impossibilidade de identificar um sujeito nulo referencial sem um antecedente claro no contexto precedente que nos leva atribuir a essa categoria vazia uma referência arbitrária. 39 b. Se se gostou uma vez de uma coisa, tem que se continuar fiel àquele estilo. c. Mas a gentei pode ter a sua formação política, até séria e consciente. Agora, quando em atividade artística, Øi quer criar e quer erguer problemas humanos com certa profundidade, Øi tem que erguer aqueles que conhece24… De forma curiosa, a análise da indeterminação na escrita jornalística (Duarte 2007b) revela uma “recuperação” expressiva de duas estratégias já quase extintas na fala: o clítico indefinido se e a primeira pessoa do plural com o pronome nós, ora nulo ora expresso. Tal como ocorre com a recuperação de haver nas sentenças existenciais (Callou e Avelar 2000), com implementação lenta do verbo ter em gêneros considerados mais informais, como as crônicas, assim também a entrada das estratégias de indeterminação com pronomes nominativos (‘você’ e ‘a gente’) é tímida e escolhe os mesmos gêneros. Por meio dos estudos realizados acerca da representação da posição do sujeito pronominal referencial no Português Brasileiro e no Português Europeu, foi possível constatar que há substanciais diferenças quantitativas e qualitativas entre as duas variedades. Em função da proposta de Roberts (1993), que associa a riqueza da morfologia verbal das línguas ao licenciamento do sujeito nulo, e do fato de que, no PB, coexistem os Paradigmas 2 e 3 e, no PE, prevalece o Paradigma 225, morfologicamente rico, os resultados encontrados são coerentes. Em linhas gerais, no Português Europeu, o preenchimento do sujeito, independentemente do contexto estrutural e da pessoa do discurso, não parece ser uma opção. Em outras palavras, verifica-se que o sujeito nulo é a forma não marcada, caracterizando o PE como uma variedade do português com o traço [ + sujeito nulo ]. Em contrapartida, o Português Brasileiro, em função da simplificação do quadro flexional, conforme proposta de Duarte (1993, 1995), apresenta o traço [ sujeito nulo ], ou seja, o preenchimento do sujeito é a forma não marcada. 24 Embora, na variedade lusitana, “eles”, “a gente” e “nós” apresentem índices consideráveis (22%, 20% e 14%, nessa ordem), a observação atenta de seu uso revela a quase categórica preferência pela forma nula, excetuando-se a primeira menção, para evitar a ambiguidade, o que fica ilustrado nos exemplos (6a,c). 25 No PE há ainda traços da primeira pessoa do plural vós, no uso de possessivos e pronomes clíticos para referência à segunda pessoa do plural. 40 2.3 Outras evidências da mudança em curso É notória, no PB, a perda do Princípio Evite Pronome (Chomsky 1981), com a expressão de pronomes com a mesma referência em orações encaixadas, sem qualquer ambiguidade que levasse a tal preenchimento numa língua de sujeito nulo do tipo românico (cf. Duarte 1995). Assim, é possível concluir que, de fato, a variedade brasileira está passando por uma mudança na marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo: de língua [ + sujeito nulo ] para [ - sujeito nulo ]. Algumas evidências de que há um processo de mudança em curso são “efeitos colaterais” que se observam no sistema, ou, nos termos de Weinreich, Labov e Herzog (1968), evidências do “encaixamento” da mudança. Em seu estudo da fala culta carioca, Duarte (1995) mostra que o primeiro sinal de “encaixamento” da mudança está na ocorrência de estruturas com o sujeito deslocado à esquerda, em (7), que foram classificadas, a princípio, como construções de duplo sujeito. (7) a. A Clarinhai elai cozinha que é uma maravilha. b. Eu acho que o povo brasileiroi elei tem uma grave doença. c. Qualquer pessoa que vai praticar um esportei elai tem que se preparar. d. Vocêi no Canadá, vocêi pode ser o que você quiser. Construções como as apresentadas em (7), recorrentes no PB, estão ausentes das línguas de sujeito nulo do grupo românico – o PE, o italiano e o espanhol. Na realidade, não seria esperado que um sistema que evita pronomes, a menos que eles sejam necessários para desambiguar o referente ou para ênfase e contraste, exibisse sujeitos em posição de tópico retomados por um pronome, excetuando casos de hesitação. Surgiu, então, a seguinte questão: O contexto dos sujeitos não referenciais também seria afetado pela mudança paramétrica em curso no PB? No intuito de responder a esta pergunta, muitos trabalhos, tanto do ponto de vista sincrônico quanto do diacrônico, foram realizados, conforme será mostrado na próxima subseção. 2.3.1 Os sujeitos não referenciais Os resultados para os sujeitos referenciais, como vimos, apontam para um processo de mudança linguística no Português Brasileiro, que se mostra cada vez 41 mais receptivo à forma preenchida, tanto na fala quanto na escrita padrão. Ao mesmo tempo, constata-se que, no Português Europeu, a omissão do sujeito pronominal é a forma não marcada em ambas as modalidades. Em função da mudança paramétrica em progresso no PB, diversos trabalhos a respeito do sujeito não referencial foram feitos, no intuito de encontrar possíveis “encaixamentos” da mudança no sistema. Outros estudos comparativos entre PB e PE, também destacando o contexto dos sujeitos não referenciais, foram empreendidos. Inicialmente, já em 1996, Duarte chamava a atenção para o crescente uso de “você” e de outras formas nominativas com ter existencial na variedade brasileira, ilustrado em (8), uma sugestão de que o sujeito expletivo nulo estaria sendo evitado no PB oral em consequência das mudanças ocorridas na representação do sujeito referencial: (8) Você não tem mais comércio no centro da cidade. Assim, deu-se início às investigações sobre o contexto de sujeitos não referenciais diante da perspectiva da remarcação do Parâmetro do Sujeito Nulo no Português Brasileiro. Em seguida, Duarte (2003) desenvolve um trabalho a respeito das sentenças existenciais com ter e haver. Outras análises, entre elas as de Callou e Avelar (2000), Avelar (2005), Callou e Duarte (2005), entre várias outras, investigam a realização das sentenças existenciais no PB e seus resultados para a modalidade oral e sugerem que a preferência pelo verbo ter em detrimento de haver teria aberto caminho para as construções pessoais. Destaque-se que, em um estudo diacrônico comparativo sobre a concorrência entre ter, haver e existir em construções existenciais, Marins (2013) sinaliza importantes diferenças entre PB e PE. No intuito de encontrar outros possíveis subprodutos da mudança linguística em curso no Português Brasileiro, foram investigados os verbos inacusativos que selecionam como argumento interno um DP. Como o PB ainda admite, de forma restrita, a ordem V DP, estava ali um outro contexto com uma posição de expletivo nulo a ser investigado. O principal objetivo era observar se haveria uma tendência a aumentar o alçamento desse DP para a posição de sujeito (Spec de IP) ou se essa posição seria preenchida com a inserção de outros elementos, como adjuntos. Duarte (2003) e Santos (2008), em uma perspectiva diacrônica, mostram que a 42 ordem V DP ainda é frequente com os verbos inacusativos; no entanto, os índices apontam que esse contexto também é, de alguma forma, afetado pela remarcação do Parâmetro do Sujeito Nulo26 no Português Brasileiro. Em seu trabalho comparativo entre PB e PE, na escrita jornalística, Santos (2005) mostra que os índices relativos à estrutura V DP são praticamente os mesmos e que os verbos favorecedores de tal ordem constituem um grupo restrito nas duas variedades. Por fim, a posição não argumental dos verbos de alçamento que selecionam um argumento interno oracional – os mesmos analisados neste trabalho – recebeu destaque. As diferentes análises, muitas das quais participou o autor desta tese como bolsista de Iniciação Científica (cf., entre outros, Henriques 2005; Henriques e Duarte 2006), de Mestrado (cf. Henriques 2008), além de recente publicação (Henriques 2012), e Duarte (2007a), apontam para a crescente preferência pela realização fonética da posição argumental disponível à esquerda dos verbos de alçamento no Português Brasileiro. De um modo geral, em tais investigações, observa-se um crescimento na ocorrência das estruturas de alçamento de tópico, na fala, e de alçamento padrão, na escrita, o que já aponta para uma distinção entre as duas modalidades. A partir de duas amostras de fala popular carioca, constituídas pelo Projeto PEUL (Programa de Estudos sobre o Uso da Língua), foi feito um estudo em tempo real de curta duração (cf. Paiva e Duarte 2003) para investigar o comportamento dos verbos de alçamento, em particular o verbo parecer, que, como foi mostrado no capítulo anterior, permite a ocorrência de 4 construções (cf. Henriques 2005 e Henriques; Duarte 2006; 2007a). Na tabela 2.4, são encontrados os resultados relativos ao verbo parecer nos dois períodos de tempos analisados, Anos 80 e Anos 2000: Parecer na fala popular CONSTRUÇÕES Anos 80 Sem alçamento 26 (64%) Alçamento padrão Deslocamento 1 (02%) Alçamento de tópico 14 (34%) Total 41 (100%) Anos 2000 23 (48%) 1 (02%) 3 (06%) 21 (44%) 48 (100%) Tabela 2.4: Construções com parecer na fala popular 26 A sentença em (i) é frequente na fala espontânea, no entanto, não é encontrada nas entrevistas sociolinguísticas (sobre tal construção, cf. Pontes 1987): (i) A rua faltou luz. ([øexpl] Faltou luz na rua) 43 A análise atenta dos resultados com parecer revela a redução na ocorrência de estruturas sem alçamento, passando de 64% para 48%, ao passo que o alçamento de tópico, construção frequente já nos Anos 80, surge com 44% nos Anos 2000. Destaque-se, ainda, a tímida ocorrência do deslocamento e a quase extinção do alçamento padrão na amostra de fala popular, este com apenas 1 dado. Ainda em relação à fala popular, Duarte (2007a) sinaliza para a possibilidade de alçamento de tópico com o verbo acabar, à semelhança de parecer. Foram encontrados apenas 2 dados com tal construção na amostra. Os exemplos em (9) ilustram as estruturas com parecer e com acabar. Como mostram os exemplos, em (9b,d), o sujeito da encaixada aparece expresso em sua posição de base, estrutura que não aparece nos nossos dados diacrônicos: (9) a. [IP Eui pareço [CP que [TopP ti [IP nem Øi sou brasileiro]]]]. (Anos 80) b. [IP Eui pareço [CP que [TopP ti [IP eui vou explodir de raiva]]]]. (Anos 2000) c. Aí, chega: me dá aqueles papeizinhos, me dá aqui, me dá ali, “vote nesse, vote nesse, vote nesse”. [IP E eui acabo [CP que [TopP ti [IP Øi não sei]]]], não sei mesmo. (Anos 80) d. Mas eu não sei, eu acho que [IP a gentei acaba [CP que [TopP ti [IP a gentei adota meio que os amigos do namorado]]]]. (Anos 2000) Rodero (2010), em sua dissertação de Mestrado sobre construções com acabar no Português Brasileiro, sinaliza que tal verbo pode aparecer em todas as construções de alçamento, assemelhando-se ao comportamento de parecer. A ocorrência de alçamento de tópico com acabar, embora mencionada em Henriques (2008), com base em Duarte (2007a), não foi atestada na amostra de peças teatrais brasileiras, o que justifica a sua inserção em um grupo separado de parecer. Em momento oportuno, veremos que também não há indícios de alçamento de tópico com acabar nas peças portuguesas. A análise de fala popular com os demais verbos de alçamento – acabar, bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar – aponta para a supremacia do alçamento padrão, com mais de 80%, nos Anos 80 e 2000, um resultado quase 44 categórico. Dessa forma, é possível supor que, diferentemente do que se observa para parecer, a preferência pelo alçamento com esses verbos tenha se implementado (cf. Duarte 2007a). Abaixo, na tabela 2.5, encontramos os índices encontrados detalhadamente: Outros verbos de alçamento na fala popular CONSTRUÇÕES Anos 80 Anos 2000 Sem alçamento 10 (20%) 10 (19%) Alçamento padrão 39 (80%) 44 (81%) Total 49 (100%) 54 (100%) Tabela 2.5: Construções com os outros verbos de alçamento na fala popular Em seu trabalho sobre a fala culta carioca com base em uma amostra do Projeto NURC (Norma Linguística Urbana Culta), constituída por inquéritos gravados nos Anos 70 e Anos 90, Henriques (2006) investigou as construções de alçamento apenas com o verbo parecer em um estudo em tempo real de curta duração. A distribuição dos dados encontra-se na tabela 2.6, a seguir: Parecer na fala culta CONSTRUÇÕES Anos 70 Sem alçamento 39 (87%) Alçamento padrão 1 (2%) Deslocamento Alçamento de tópico 5 (11%) Total 45 (100%) Anos 90 14 (74%) 1 (5%) 4 (21%) 19 (100%) Tabela 2.6: Construções com parecer na fala culta Notam-se diferenças percentuais significativas entre os resultados encontrados para a fala popular e a fala culta. Nesta, há uma clara preferência pelas estruturas sem alçamento, ainda que, nos Anos 90, tenha caído para 74% - 13 pontos percentuais a menos do que no período anterior; naquela, no segundo momento analisado, a construção sem alçamento e o alçamento de tópico estão em equilíbrio. Além disso, o alçamento de tópico, na fala culta, apresenta índices bem mais modestos do que os da fala popular, mas há igualmente uma tendência de aumento. A quase ausência absoluta do alçamento padrão e do deslocamento é um ponto convergente entre os estudos de Henriques (2005, 2006). 45 Vale destacar que, embora tenham sido encontradas ocorrências de alçamento de tópico tanto nos dados do NURC quanto nos do PEUL, algumas diferenças qualitativas, diretamente relacionadas às pessoas gramaticais, podem ser apontadas. Se, na fala popular, os constituintes alçados para a posição de Spec de IP do verbo parecer pertencem a diferentes pessoas do discurso (3ª pessoa do singular e do plural e 1ª pessoa do singular e do plural), na fala culta, foram movidos apenas sujeitos de terceira pessoa do singular. Ter-se-ia, assim, uma estratégia ambígua entre o deslocamento e o alçamento de tópico. Porém, a incontestável ocorrência de alçamento de tópico em outras amostras (tanto na fala popular quanto na escrita padrão, o que será mostrado adiante), além da raridade de estruturas inequívocas de deslocamento, permite considerar as sentenças aparentemente ambíguas como instâncias de tal estrutura. É possível encontrar, em (10a) e (10b), respectivamente, um exemplo de alçamento de tópico na fala culta e outro na fala popular: (10) a. É interessante isso, [IP Rio de Janeiroi parece [CP que [TopP ti [IP Øi recebeu muita gente de fora]]]], eu não sei explicar como foi. b. [IP Eui pareço [CP que [TopP ti [IP Øi vou explodir de raiva]]]]. Na análise da escrita padrão do Português Brasileiro empreendida por Henriques e Duarte (2006), utilizou-se uma amostra de textos jornalísticos cariocas (opiniões, crônicas, notícias e reportagens) e os resultados para o verbo parecer vão de encontro aos índices obtidos para a fala popular. Abaixo, na tabela 2.7, constatamos a ampla preferência pelo alçamento padrão, estrutura quase extinta na fala. Observe: Parecer na escrita Sem alçamento Alçamento padrão Deslocamento Hiperalçamento Total 20 (17%) 89 (75%) 9 (8%) 118 (100%) Tabela 2.7: Construções com parecer na escrita padrão 46 Os resultados apontam que, na escrita, o alçamento padrão é a construção preferida, com 75%, ficando as construções sem alçamento com 17%. Note-se, ainda, que o alçamento de tópico, mesmo representando apenas 8% dos dados, surge como uma estrutura em processo de inserção nessa modalidade. O caráter mais conservador da escrita fica evidente se levamos em consideração que as construções de alçamento com parecer mais recorrentes são aquelas descritas pela tradição gramatical brasileira (sem alçamento e alçamento padrão), tal como ocorre com a já referida recuperação de formas de indeterminação e do verbo haver existencial em extinção na fala. E da mesma forma que nos referimos à implementação tímida de formas de indeterminação e de ter existencial da fala na escrita, assim também se observa em relação à implementação da estrutura com alçamento de tópico: todos os seus dados foram encontrados no gênero crônica, provavelmente, como já dissemos, devido ao seu caráter mais informal, o que o aproxima da fala. Em (11), há um exemplo de alçamento de tópico retirado da amostra de jornais cariocas: (11) Recebo cartas e sugestões de amigos e leitoresi. [IP Øi Parecem [CP que [TopP ti [IP Øi esperam de mim uma crônica]]]]. (Crônica - 2003) Os índices para os outros verbos de alçamento estão na tabela 2.8. Em consonância com os resultados obtidos para a fala popular, o alçamento padrão é a estrutura preferencial, com 90%. Isso se dá, provavelmente, em função da ausência de restrição por parte das gramáticas, favorecendo a sua ampla ocorrência nas três pessoas do discurso, tal como ocorre com o verbo parecer. Outros verbos de alçamento na escrita Sem alçamento 14 (10%) Alçamento padrão 126 (90%) Total 140 (100%) Tabela 2.8: Construções com os outros verbos de alçamento na escrita padrão Uma análise comparativa do contexto não referencial dos verbos de alçamento foi realizada por Henriques (2006) com base em uma amostra de textos jornalísticos cariocas e lisboetas. A tabela abaixo, que destaca os resultados encontrados para parecer, revela diferenças entre PB e PE: 47 Parecer em PB e PE CONSTRUÇÕES Português Brasileiro Sem alçamento 24 (19%) Alçamento padrão 94 (72%) Deslocamento Alçamento de tópico 12 (9%) Total 130 (100%) Português Europeu 17 (27%) 47 (73%) 64 (100%) Tabela 2.9: Escrita padrão com parecer no PB e no PE Como se pode observar, o alçamento padrão apresenta índices semelhantes tanto no PB quanto no PE (com 72% e 73%), o que confirma ser o alçamento padrão uma construção consolidada na escrita. A não ocorrência de alçamento de tópico no Português Europeu é coerente com o fato de tal variedade apresentar estabilidade em seu comportamento de língua de sujeito nulo. Fica ainda evidente que o alçamento padrão com parecer não constitui uma estrutura relacionada à mudança por que passa o PB, o que aliás já tinha sido mencionado ao descrevermos essa estratégia, igualmente frequente no inglês. A seguir, em (12) e (13), alguns dados com parecer, ilustrativos do alçamento padrão e do alçamento de tópico, respectivamente, são apresentados: (12) a. Acabamos de entrar em 2004 e [IP algumas pessoasi parecem [InfP ainda ti viver na Idade Média]]. (PB) b. [IP Maniche e Costinhai parecem [InfP ti estar com a cabeça noutro lado]] – e quando há jogadores que não se importam de trocar Lisboa ou Porto (no caso vertente) por Moscovo, algo não pode estar bem... (PE) (13) a. [IP Ninguémi parece [CP que [TopP ti [IP Øi vai estar retornando tão cedo]]]]. (PB) b. Com os anos [IP as idéiasi parecem [CP que [TopP ti [IP Øi vão ficando cada vez mais longe]]]], enquanto o seu poder de convocá-las diminui. (PB) A tabela 2.10 apresenta os resultados para os demais verbos de alçamento: 48 Outros verbos de alçamento em PB e em PE CONSTRUÇÕES Português Português Brasileiro Europeu Sem alçamento 15 (9%) 9 (24%) Alçamento padrão 144 (91%) 28 (76%) Total 159 (100%) 37 (100%) Tabela 2.10: Escrita padrão com os outros verbos no PB e no PE Embora os índices de alçamento predominem nas duas variedades, chama a atenção o fato de haver 24% de ocorrências de estruturas sem alçamento contra apenas 9% no PB escrito. Como veremos adiante, o PB contemporâneo rejeita a construção sem alçamento com esses verbos. Os estudos sincrônicos brevemente descritos sobre as construções de alçamento motivaram um estudo diacrônico do fenômeno, resultando na dissertação de Mestrado, pelo autor deste trabalho (cf. Henriques 2008). Para a investigação proposta, foram utilizadas 13 peças teatrais brasileiras escritas em diferentes sincronias – incluindo as que serviram de base para o estudo de Duarte (1993). Em linhas gerais, no que diz respeito ao verbo parecer, o alçamento de tópico começa a ganhar espaço a partir da peça de 1918 e surge como construção única no último período de tempo, com 100%. O alçamento padrão não se mostra recorrente, corroborando os resultados sobre a fala culta e a popular. Quanto aos demais verbos – acabar, bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar – tal estrutura é a preferencial, já a partir do Período I. A análise dos dados revelou a ocorrência, nas primeiras sincronias, de uma construção de alçamento singular, em que o sujeito da encaixada é alçado, não para a posição de Spec de IP, mas como um clítico, cliticizando-se a parecer. Trata-se do alçamento clítico, estrutura contemplada na análise aqui proposta. Em (14), há exemplos com tal estrutura, que ocorre com outros verbos de alçamento, além de parecer. (14) a. Que voz! [IP [øexpl] Pareceu-mei [InfP ti ouvir o sino grande de São Francisco de Paula dando horas]]. (Período I) b. A tal fingida já lhe disse tudo. Não é tanto assim, Senhor Doutor Carlos: a sociedade não está tão corrompida como julga e [IP [øexpl] custa-mei [PP ti a crer que ainda tão jovem]], já esteja tão descrente. (Período I) 49 c. [IP [øexpl] Não tei convém [InfP ti ficar aqui]]. (Período III) Em função de sugestões feitas pela banca avaliadora da dissertação – entre elas o aumento da amostra analisada – e da proposta deste trabalho de comparar o contexto dos verbos de alçamento que selecionam argumento oracional interno no PB e no PE, utilizando como base peças teatrais de caráter popular, maiores detalhes sobre a investigação iniciada em Henriques (2008) serão dados em momento oportuno. Diante disso, pode-se afirmar que todos os trabalhos sobre o Português Brasileiro apresentados nesta seção parecem estar relacionados à mudança na marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo (Chomsky 1981) e a seus “encaixamentos” da mudança. Além disso, algumas análises a respeito da representação da posição do sujeito pronominal no PB e no PE foram realizadas. Tais investigações apontam que o Português Europeu continua alinhado às línguas românicas [ + sujeito nulo ], como o italiano e o espanhol. Como vimos neste resumo de trabalhos que acompanham a hierarquia referencial proposta por Cyrino, Duarte e Kato (2000), o PB não desenvolveu um expletivo lexical, o que parece ser compatível com línguas orientadas para o discurso, que não apresentam elementos sem conteúdo semântico foneticamente realizados (cf. Li e Thompson, 1976). Assim, ao contrário do que ocorreu com o francês no passado e ocorre no espanhol da República Dominicana, em que um expletivo lexical se desenvolveu como consequência do preenchimento dos sujeitos referenciais27 (cf. Toribio 1996), o PB exibe uma variedade de estratégias para evitar um expletivo nulo, movendo ou inserindo elementos argumentais ou não argumentais para Spec IP. 27 O desenvolvimento do expletivo ello, em uma variedade do espanhol dominicano, segundo Toríbio (1996) leva à ocorrência de sentenças como: (i) Ello hay muchos mangos este año. (ii) Ello parece que va llover. (iii) Ello llegan turistas de todo tipo. (exemplo coletado pela Professora Maria Eugênia Lammoglia Duarte) 50 3. Pressupostos teóricos e metodologia Nos capítulos anteriores, além de uma breve descrição das construções de alçamento com oito verbos que selecionam um complemento oracional, foram apresentados resultados de diferentes estudos empíricos a respeito da representação da posição do sujeito pronominal em ambas as gramáticas. Com base na hierarquia referencial proposta por Cyrino, Duarte e Kato (2000), tais estudos partiram dos sujeitos referenciais - definidos e indeterminados - chegando ao ponto mais baixo da hierarquia: o contexto dos sujeitos não referenciais. A seguir, são apresentados os principais objetivos deste capítulo: (a) descrever a perspectiva teórica que embasa o presente trabalho: no caso, a associação do modelo de mudança da sociolinguística Variacionista à teoria linguística gerativa; (b) mostrar o tratamento que as línguas de sujeito nulo vêm recebendo à luz dos desenvolvimentos recentes da teoria gerativa, permitindo rever os feixes de propriedades relacionados ao Parâmetro do Sujeito Nulo, tal como proposto em Chomsky (1981), o que leva a uma nova descrição sobre o comportamento das línguas em relação a esse princípio da Gramática Universal – longe da proposta inicial de [+/-sujeito nulo], pois as pesquisas revelam um quadro bem mais complexo; (c) apresentar os procedimentos metodológicos utilizados no levantamento, codificação e processamento dos dados em que se sustenta a análise. Em linhas gerais, esta investigação parte da associação do modelo de estudo da mudança proposto por Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]) com pressupostos da Sintaxe Gerativa, mais especificamente da proposta da Teoria de Princípios e Parâmetros, dentro do modelo de Regência e Ligação, formalizada em Chomsky (1981), mas sem descartar o tratamento que tal teoria tem recebido dentro da perspectiva minimalista. O modelo de mudança sociolinguista, nos moldes de Weinreich, Labov e Herzog (op. cit.), estabelece as questões que devem ser respondidas por quem deseja investigar a mudança em curso, entre elas os fatores estruturais e sociais que favorecem ou inibem a entrada de uma nova forma variante no sistema e como um novo traço se encaixa no sistema linguístico e social. Como destacam os próprios 51 autores, a Sociolinguística não é uma teoria linguística, mas uma teoria de estudo da mudança. Para que se possa, por exemplo, levantar os fatores estruturais envolvidos num processo de mudança, faz-se necessária uma teoria da linguagem. Diversos estudos foram desenvolvidos à luz da associação do modelo de mudança proposto por W, L&H a diferentes teorias linguísticas. Os primeiros trabalhos de Labov, por exemplo, sempre associaram ao modelo variacionista proposto distintas teorias fonológicas. Em relação à mudança sintática, igualmente, não causou qualquer problema a associação com a teoria linguística funcionalista. Aliás, essa necessidade de usar uma teoria linguística sempre foi tão óbvia que passou despercebida. Sem uma descrição gramatical, ainda que baseada na tradição gramatical, uma pesquisa variacionista não começa. Como levantar hipóteses sobre a mudança? Como elencar os grupos de fatores linguísticos? A associação da Sociolinguística a teorias linguísticas não é novidade. Paiva e Duarte (2006) fazem referência, por exemplo, a diversos estudos sóciofuncionalistas, entre eles os de Paredes da Silva (1988, 2003), sobre a forma de realização do sujeito no PB, e os de Lopes (1993, 1999), a respeito da concorrência entre ‘nós’ e ‘a gente’ na gramática brasileira. Além disso, o autor desta tese desenvolveu diferentes trabalhos de final de curso, de caráter sócio-funcionalista, no Mestrado e no Doutorado, investigando se o verbo parecer estaria passando por um processo de gramaticalização ou lexicalização / discursivização (cf. Henriques 2006, 2009). A associação com a teoria gerativa gerou críticas severas, prova disso foram as primeiras reações ao artigo-manifesto de Tarallo (1987) e à proposta de Tarallo e Kato (1989) de casamento teórico entre a Sociolinguística e o Gerativismo. Afinal, empreender uma análise empírica associada a uma corrente que não se mostrava interessada no uso “poderia parecer uma heresia” (Duarte 2012 p. 14). Apesar de todos os questionamentos, ao longo dos últimos anos, a adoção de uma “perspectiva paramétrica” na investigação de mudanças linguísticas em curso vem ganhando espaço e contribuindo para uma apurada descrição da sintaxe do PB. Como destaca Soares da Silva (2006b), o diálogo entre a Sociolinguística e a Teoria de Princípios e Parâmetros permite distinguir uma mudança na gramática da língua de uma variação superficial. Os questionamentos relativos a tal casamento teórico baseavam-se no fato de que a teoria gerativa se preocupa primordialmente com a competência do falante 52 (Língua-I), enquanto o modelo sociolinguista dá especial destaque à língua em uso (Língua-E), ou seja, ao desempenho linguístico, e não poderia ser diferente, já que se preocupa com a mudança linguística. De fato, a concepção de gramática de um e de outro modelo é distinta, mas é inegável que, ao se voltar para o estudo da aquisição da linguagem e da mudança linguística, os gerativistas tiveram de enfrentar os dados reais, a Língua-E, para deles extrair princípios que caracterizam a Língua-I. Por sua vez, conforme já foi dito, não se estudam variação e mudança sem uma teoria linguística. Como será mostrado a seguir, a proposta de Tarallo (1987) de fazer uma leitura “paramétrica” de fenômenos variáveis rendeu – e tem rendido – muitos frutos ao longo dos últimos anos no que diz respeito a aspectos sintáticos do Português Brasileiro, em especial na constatação das mudanças relacionadas ao Parâmetro do Sujeito Nulo, com claras evidências de “encaixamentos” da mudança no sistema (cf., entre outros, Duarte 1993, 1995, 2007a, 2012; Henriques 2005, 2008, 2012)28. Sem a teoria de Princípios e Parâmetros, dificilmente poderíamos dar um encadeamento coerente e consistente ao estudo dessa mudança em curso no PB. Em outras palavras, conforme destaca Duarte (1998, 2012, 2013), os modelos gerativista e sociolinguista são empregados numa colaboração amistosa na análise da variação e da mudança linguística no Português Brasileiro. Há de se destacar, ainda, a importância do casamento teórico entre a Sociolinguística e a teoria Gerativa em diversos estudos comparativos entre o PB, o PE e outras línguas românicas, como o espanhol e o italiano (cf., entre outros, Soares da Silva 2006a, 2011; Marins 2009, 2013). Nas próximas seções são apresentadas as principais características da Sociolinguística e do Gerativismo e como tais correntes linguísticas se complementam no estudo da mudança em curso. 3.1 Sociolinguística: um modelo de estudo da mudança A Sociolinguística Variacionista (Labov 1972, 1994), ao defender o caráter heterogêneo e plural de todas as línguas naturais, assume como verdade a possibilidade de existência de variedades linguísticas em uma mesma comunidade 28 Outros estudos com a mesma perspectiva teórica foram realizados no Português Brasileiro nos últimos anos, entre os quais Berlinck (1989), Moino (1989), Duarte (1989), Nunes (1992), Duarte (1995), Cavalcante (1999), Santos (2008) e Vargas (2010). 53 de fala. Tal perspectiva, a princípio, pode dar a falsa impressão de caos linguístico; entretanto, a visão sociolinguista deixa evidente o fato de que a variação não é aleatória. Se fosse, a mútua inteligibilidade entre indivíduos de uma comunidade de fala ficaria comprometida durante um processo de mudança. Nesse caso, diferentemente do que defendia o estruturalismo, o processo de variação apresenta um caráter sistemático, visto que é condicionado por fatores internos (linguísticos) e externos (extralinguísticos) à língua. Além disso, a Sociolinguística defende a ideia de que a competição de duas ou mais formas variantes, nos termos de Labov (1994), é o pressuposto fundamental para a mudança linguística, que chega à sua conclusão quando se observa a preferência categórica por uma dessas formas variantes29. O linguista, no intuito de investigar esse processo, necessita de um aparato teórico capaz de identificar de forma satisfatória as condições que determinam o início, a velocidade, a direção e o término de cada mudança (cf. Duarte 1998). Assim, a investigação de um processo de mudança linguística em progresso, de acordo com Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]), considera: (a) a maneira como as inovações ganham espaço no sistema; (b) os fatores linguísticos e extralinguísticos envolvidos no processo30; (c) os estágios por que passam as formas variantes até o predomínio de uma das formas, ou seja, o período de transição; (d) o modo como a mudança se implementa e os consequentes encaixamentos que surgem no sistema em função do processo de mudança; (f) a avaliação de tal processo pelos falantes. A noção de “encaixamento” evidencia o fato de que um processo de mudança linguística não é apenas consequência de outro como também produz “efeitos colaterais” no sistema, ocasionando outros processos de mudança e é de crucial importância para esta investigação. Atentando-se para a hierarquia de referencialidade proposta em Cyrino, Duarte e Kato (2000), representada abaixo, diversos estudos empíricos relativos à representação do sujeito pronominal no PB mostram que a mudança em direção aos sujeitos foneticamente realizados, decorrente, segundo Duarte (1993), da mudança no nosso quadro pronominal com a consequente simplificação do paradigma 29 Kroch (1989) interpreta tais formas variantes como reflexos de gramáticas em competição, visão defendida em diversos outros trabalhos, entre eles Avelar (2005) e Cavalcante (2006). 30 Segundo Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968] p. 126), “fatores linguísticos e sociais estão intimamente inter-relacionados no desenvolvimento da mudança linguística”. 54 flexional, começa a se implementar a partir dos itens [ + referenciais ] – a primeira e segunda pessoas e os indeterminados, inerentemente [ + humanos ]. (1) A 3ª pessoa, que pode exibir uma combinação de traços [ +/- humano ], [+/específico], estaria num ponto mais baixo dessa hierarquia; em seguida vêm os sujeitos proposicionais, isto é, aqueles que retomam uma porção maior do discurso, podendo ser nulos ou retomados por um demonstrativo neutro, o que os coloca num ponto ainda mais baixo. Finalmente, os sujeitos [ - referenciais ] localizam-se no extremo oposto da hierarquia referencial. Nas línguas que passaram por esse processo de mudança, como o francês, no passado, e uma variedade do espanhol dominicano, no presente, este sujeito foi o último a se tornar foneticamente pleno (il pleut, ello llueve). O PB, como foi apontado no capítulo anterior, não desenvolveu um expletivo lexical. Entretanto, diversos trabalhos revelam que há desdobramentos da mudança em curso: a posição do sujeito nas sentenças impessoais é afetada de alguma maneira através de distintos mecanismos linguísticos, entre eles o alçamento de constituintes, evitando-se, aparentemente, um sujeito expletivo nulo. Henriques (2008) mostra que o contexto impessoal dos verbos de alçamento que selecionam um complemento oracional, também objeto de análise deste trabalho, sofre alterações no Português Brasileiro. Como explicar tal fato? A questão do “encaixamento”, proposta por Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]) – que outras mudanças estão associadas a determinadas mudanças de um modo que não pode ser atribuído ao acaso? – sugere que a mudança linguística no contexto não referencial dos verbos de alçamento (e em distintos contextos não referenciais31) é decorrente de outro processo de mudança; no caso, a crescente preferência pelo preenchimento da posição do sujeito pronominal referencial. 31 Além de Henriques (2008), outros trabalhos sobre o contexto de sujeitos não referenciais no PB têm sido realizados sob a orientação da Professora Maria Eugênia Lammoglia Duarte. Por exemplo, Santos (2008) analisa o contexto dos verbos inacusativos que selecionam um DP e Marins (2013) investiga o contexto impessoal dos verbos ter / haver existenciais. 55 O tratamento estatístico dos dados coletados – o que leva alguns estudiosos a rotularem o modelo de análise linguística proposto por Labov de “Sociolinguística Quantitativa” (cf. Tarallo 2002) –, objetiva, conforme apontado anteriormente, investigar as causas, as etapas e as consequências de uma mudança linguística no sistema. Embora, a Sociolinguística disponha de aparato teórico – as questões que devem guisar um estudo de mudança em curso – e metodológico para desenvolver suas análises empíricas – o que veremos na seção que trata da metodologia -, fazse necessária a sua associação com uma teoria da linguagem32, que permita levantar os contextos estruturais favorecedores ou inibidores à entrada de uma nova forma no sistema, interpretar o caminho percorrido pela mudança e sua relação com outros fenômenos aparentemente independentes e observar os diferentes estágios do processo. Neste trabalho, o modelo de Princípios e Parâmetros (Chomsky 1981) da Sintaxe Gerativa é a teoria da linguagem utilizada, à semelhança de outros estudos empíricos (cf., entre outros, Duarte 1993, 1995, 2007a; Henriques 2005, 2008, 2012; Santos 2008; Vargas 2010). A seguir, são destacadas as principais características da Teoria de Princípios e Parâmetros (Chomsky 1981) e suas contribuições para a investigação aqui proposta. Por fim, mostra-se brevemente como a perspectiva minimalista, inserida no quadro gerativista, revisita a proposta chomskyana do Parâmetro do Sujeito Nulo. 3.2 Gerativismo: a Teoria de Princípios e Parâmetros (Chomsky 1981) Segundo a teoria gerativa, todo ser humano é dotado de um conhecimento linguístico no período zero, chamado de Gramática Universal (GU), que faz parte da sua herança genética. Por isso, a partir da exposição a dados linguísticos durante o processo de aquisição da linguagem, o falante é capaz de adquirir uma língua complexa, rica e bem articulada. Inicialmente, a descrição do desenvolvimento da faculdade da linguagem pode parecer bastante homogênea; no entanto, a própria teoria gerativa reconhece o seu caráter plural, devido à complexa interação com outros modelos mentais igualmente autônomos (cf. Raposo 1992). Não se pode associar a visão inatista da faculdade da linguagem à ideia de que todas as línguas naturais apresentam as mesmas características. Ao propor, 32 Como aponta Duarte (2013), Weinreich, Labov e Herzog, em seu “Empirical Foundations for a Theory of Language Change”, apresentam um modelo de estudo da mudança e não uma nova teoria linguística. 56 dentro do modelo de Regência e Ligação, a Teoria de Princípios e Parâmetros, Chomsky (1981) procurou dar conta justamente da variação interlinguística. Segundo a sua proposta, a GU seria constituída por “princípios”, caracterizados como princípios linguísticos rígidos, invariáveis e universais, e por “parâmetros”, responsáveis pela variação entre as línguas naturais (cf. Raposo 1992; Mioto, Silva e Lopes 2005). Os parâmetros admitiriam uma escolha binária de valores [+] ou [-], decorrente da experiência linguística do falante durante o processo de aquisição da linguagem. O Princípio da Projeção Estendida (Chomsky 1982) defende que todas as línguas naturais projetam a posição do sujeito, podendo ela ser foneticamente representada ou nula. Temos, assim, o Parâmetro do Sujeito Nulo. Se uma língua for positivamente marcada em relação ao parâmetro, ela apresenta o traço [ + sujeito nulo ], como o italiano e o espanhol. Em contrapartida, se o valor fixado é negativo, trata-se de uma língua [ - sujeito nulo ], como o inglês e o francês. Portanto, nesses moldes, a proposta chomskyana pressupõe que todas as línguas naturais se comportam prototipicamente como línguas de sujeito nulo ou línguas de sujeito preenchido. Tal proposta parece não dar conta das línguas que exibem características de ambos os lados, entre elas o PB e o PE. O caso do Português Brasileiro merece, de fato, atenção. Em seu estudo diacrônico, Duarte (1993) mostra que, até meados do século XX, ele se comportava como uma língua prototipicamente de sujeito nulo – pelo menos se se leva em conta o texto escrito de peças de caráter popular; a análise de sincronias mais recentes, em diferentes contextos estruturais, revela que a gramática brasileira está passando por um processo de remarcação do Parâmetro do Sujeito Nulo, preferindo a forma preenchida. Todavia, ainda podemos encontrar sujeitos referenciais nulos, sujeitos a restrições cada vez maiores e, portanto, de natureza diversa dos sujeitos nulos de sincronias passadas. Além disso, em alguns contextos sintáticos, em particular o dos sujeitos não referenciais, o expletivo nulo ainda se mostra frequente, indo de encontro a línguas como o inglês e o francês, sistemas prototípicos de sujeito preenchido, que representam foneticamente o sujeito expletivo. Diante disso, no PB, verificamos a seguinte situação: o sujeito nulo referencial ainda convive com a forma preenchida e os expletivos nulos convivem com elementos (argumentais e não argumentais) alçados ou inseridos em Spec de IP (entrando, pois, em relação de concordância 57 com o verbo). As sentenças em (2b-c), retiradas do estudo de Marins (2013) sobre ter e haver existenciais, ilustram o movimento de constituintes para Spec de IP. Em (2d-e), verifica-se a inserção de um elemento à esquerda do verbo. (2) a. [øexpl] Tem leite na porta da geladeira. b. A porta da geladeira tem leite. (movimento de um constituinte argumental) c. A geladeira tem leite na porta. (movimento de um genitivo) d. Isso tem muitos anos. e. Você não tem mais comércio na cidade. Embora o Português Europeu preserve características de língua de sujeito nulo, é possível encontrar nela traços pertinentes a uma língua [ - sujeito nulo ]. Um deles é a ocorrência do expletivo ‘ele’ em variedades não-padrão (cf. Carrilho 2009), como se verifica nos dados apresentados pela autora, em (3a,b): (3) a. É a estrela da manhã (…) e há a estrela… Bom, ele há várias estrelas, não é? (p. 14) b. Ah, se chover era melhor, mas ele não chove amanhã. (p. 14) c. Silena: E para que haveria eu de gastar palavras, se vós mesmas, muito espontaneamente, acabaríeis por enumerar e descrever todas essas peripécias e maravilhas, no intuito apenas de me causar inveja? Obsidiana: Ah, ele é isso? Pois da minha boca, pelo menos, não ouvirá palavra de referência ao suntuoso baile que nos foi oferecido por Sua Alteza Real! (peça teatral de 1990) Em todos os exemplos acima, incluindo (3c), oriundo da amostra de peças portuguesas utilizada nesta análise, o pronome ‘ele’ acompanha verbos impessoais e é desprovido de valor semântico. Tais características sugerem uma semelhança com os sujeitos expletivos de línguas [ - sujeito nulo ], como os pronomes it e Il, respectivamente do inglês e do francês. Entretanto, Carrilho (op. cit.), ao discutir o estatuto sintático do expletivo ‘ele’, mostra que, diferentemente do que ocorre em línguas como o inglês e o francês, seu uso não é obrigatório e tem motivações discursivas, já que apresenta um valor expressivo adicional. 58 Diante do quadro descrito sobre o comportamento do Português Brasileiro e do Português Europeu em relação ao Parâmetro do Sujeito Nulo, pode-se levantar o seguinte questionamento: a Teoria de Princípios e Parâmetros, nos moldes desenvolvidos por Chomsky, com base no modelo de Regência e Ligação, leva em consideração as peculiaridades sintáticas das línguas naturais? Na próxima subseção, é apresentada uma nova proposta que acomoda as diferentes línguas em relação ao Parâmetro do Sujeito Nulo, com base em estudos recentes realizados dentro da abordagem minimalista da teoria Gerativa, acomodando as línguas que não são prototipicamente [ + sujeito nulo ] ou [ - sujeito nulo ]. 3.2.1 O Parâmetro do Sujeito Nulo sob a ótica minimalista A proposta original da teoria de Princípios e Parâmetros, mais especificamente do Parâmetro do Sujeito Nulo (Chomsky 1981), trabalha com a fixação dos valores [ + ] ou [ - ]. Portanto, as línguas são classificadas como ‘línguas de sujeito nulo’ ou ‘línguas de sujeito preenchido’ prototípicas; não há classificação intermediária. Já em 1989, Tarallo e Kato (1989) afirmaram que a linguística das propriedades paramétricas parece agir no sentido do tudo ou nada. Ao retomar o exemplo do Português Brasileiro, encontramos uma língua receptiva ao preenchimento da posição do sujeito pronominal, mas que ainda exibe em determinados contextos a forma nula. Não é possível, no caso do PB, inseri-lo no grupo de comportamentos prototípicos. Atento a essa questão, Soares da Silva (2006a, 2011) propõe um continuum, ao longo do qual as línguas podem ser localizadas, de acordo com a frequência do preenchimento do sujeito. Observe o item em (4): (4) [– sujeito nulo] |—————–––———————–———–––———| [+ sujeito nulo] Na escala acima, encontramos dois polos (‘línguas de sujeito nulo’ x ‘línguas de sujeito preenchido’), que representam os comportamentos mais prototípicos que uma língua pode apresentar. As línguas que não se comportam idealmente em relação ao parâmetro estão localizadas entre os extremos. Em seus estudos, Soares da Silva (op. cit.) mostra que as diversas variedades do espanhol (o europeu, o argentino, o porto-riquenho) não se comportam da mesma forma em relação ao 59 Parâmetro do Sujeito Nulo. O espanhol europeu, por exemplo, é a variedade que exibe o comportamento mais próximo ao das línguas prototipicamente [ + sujeito nulo ]; o espanhol porto-riquenho, por outro lado, assemelha-se ao comportamento do Português Brasileiro, mais próximo às línguas [ - sujeito nulo ]. Roberts e Holmberg (2010) também defendem a inviabilidade de considerar que todas as línguas apresentam traços prototípicos. Os autores reúnem as línguas de sujeito nulo em quatro grupos, cujas características são apresentadas a seguir: (a) Línguas de sujeito nulo consistente (Consistent null-subject languages): Inserem-se, neste grupo, o italiano, o grego, o turco e o Português Europeu. Todas essas línguas, devido ao seu sistema flexional verbal rico, permitem a omissão do sujeito referencial em qualquer combinação pessoa-número em qualquer tempo; (b) Línguas de sujeito nulo expletivo (Expletive null subjects): Nas línguas inseridas neste grupo, apenas o expletivo pode ser nulo – o sujeito referencial deve vir, portanto, expresso. Os autores apresentam o alemão como uma língua que exibe tal característica; (c) Discourse pro-drop / Radical pro-drop: Trata-se de línguas de sujeito nulo licenciado e identificado por um tópico discursivo. O chinês e o japonês, principais representantes do grupo, não exibem marcas de concordância no verbo. Além disso, há a possibilidade geral de não expressão de argumentos nominais que desempenham variadas funções, além da de sujeito; pode-se apagar, ao mesmo tempo, o sujeito e o objeto. (d) Línguas de sujeito nulo parcial (Partial null-subject languages”)33: Inseridos neste grupo estão o russo e o Português Brasileiro. Segundo a proposta, as línguas de sujeito nulo parcial permitem a omissão do sujeito de 1ª e 2ª pessoas; o sujeito 33 Os autores afirmam que distinguir uma língua de sujeito nulo consistente de uma de sujeito nulo parcial requer a análise da sintaxe das construções impessoais, como o contexto dos verbos de alçamento que selecionam um complemento oracional, objeto de investigação deste trabalho. 60 de 3ª pessoa, especialmente a do singular, só não precisa ser preenchido se o antecedente for facilmente acessível34. Roberts e Holmberg (op. cit.), quando propõem a identificação de quatro tipos de língua de sujeito nulo, evidenciam que há línguas situadas em escala intermediária, ou seja, entre o comportamento de línguas consideradas prototipicamente [ + sujeito nulo ] ou [ - sujeito nulo ]. Assim, é possível contemplar particularidades linguísticas, como as observadas nas variedades do espanhol (cf. Soares da Silva op. cit.) e nas gramáticas do português. A escala abaixo, proposta pelos autores, localiza as línguas do menor para o maior grau de características prototipicamente de sujeito nulo (da esquerda para a direita): (5) Expletive null subjects Partial null subjects Consistent null subjects (Português Brasileiro) (Português Europeu) Discourse pro-drop O PB, à semelhança do que propõem Cyrino, Duarte e Kato (2000), é classificado como uma língua de sujeito nulo parcial, ou seja, encontra-se em uma posição intermediária. No entanto, quando se observam os dados do PB, vemos que o termo língua de sujeito nulo parcial inclui também o expletivo nulo. Segundo Kato e Duarte (2003) e Duarte e Kato (2008), o Português Brasileiro seria ainda uma língua com orientação para o discurso (portanto, é uma língua de proeminência de tópico) e para o sujeito, o que, a um só tempo, explicaria os expletivos nulos – já que línguas com tal orientação não exibem itens sem conteúdo semântico foneticamente realizados; além disso, o PB teria desenvolvido um padrão prosódico que tende a deixar o verbo em segunda posição, sendo a primeira ocupada pelo sujeito ou, na sua ausência, por algum outro constituinte35. O Português Europeu também está 34 Em sua análise do Português Brasileiro, Duarte (1993, 1995, 2012) mostra que, de fato, o contexto de 3ª pessoa se apresenta como o mais resistente à forma plena, especialmente se o traço do entecedente é [-h] e [-esp] . 35 Pontes (1987) já defendia a ideia de que o PB é uma língua com proeminência de tópico, em função de dados linguísticos como os ilustrados, em que não se observa verbo em 1ª posição; pelo contrário, evita-se o expletivo nulo com o alçamento de um genitivo e de um adjunto: (i) a. O Jorge Luís cresceu o nariz. (dado de fala) b. Essas janelas ventam muito. (dado de fala) 61 inserido em uma posição intermediária, no entanto, mostra-se mais próximo das línguas consideradas prototipicamente [ + sujeito nulo ]. Neste trabalho, à semelhança do que propõem Soares da Silva (2006a, 2011) e Roberts e Holmberg (2010), defende-se que deve haver uma escala intermediária entre os grupos de línguas que exibem o comportamento prototipicamente [ + sujeito nulo] ou [ - sujeito nulo ]. Assim, é possível contemplar as especificidades das línguas aqui investigadas: o Português Brasileiro e o Português Europeu. 3.3 Refinando os objetivos e hipóteses de trabalho Conforme vimos nas seções anteriores, adoto, neste trabalho, a associação da Sociolinguística Variacionista e da Teoria Gerativa. Do modelo gerativista, a principal contribuição teórica, além da descrição sintática, são os pressupostos da teoria de Princípios e Parâmetros (Chomsky 1981). Em contrapartida, é utilizado o modelo de estudo da mudança sociolinguístico, já descrito, além do aparato metodológico para a realização de análises empíricas, nos moldes de Labov (1972, 1994). Com base no que foi exposto, o presente trabalho tem por objetivo fazer uma análise comparativa dos verbos de alçamento que selecionam um complemento oracional em peças portuguesas e brasileiras, investigando de modo especial a posição do sujeito expletivo tendo em mente as seguintes hipóteses de trabalho: 1. O PB e o PE apresentam comportamentos distintos no que se refere à posição do sujeito, tendendo o primeiro a exibir maior tendência ao alçamento de constituintes, particularmente ao que aqui chamamos de alçamento de tópico e Martins e Nunes (2005) nomeiam “hiperalçamento”; 2. O alçamento padrão com parecer, tende a se tornar mais raro no PB, sendo, entretanto, preferido ao não alçamento com os demais verbos aqui analisados, que não permitem o alçamento de tópico. Esse comportamento é consequência da mudança na representação dos sujeitos referenciais na gramática brasileira, o que não ocorreu no PE; 62 3. Além de evidenciar o “encaixamento” dessa mudança, será possível comparar os diferentes estágios na linha do tempo (transição), através da comparação com os resultados de Duarte (1993; 2012); 4. O alçamento com clítico dativo deve aparecer nas duas gramátcas, mas, em função do rico sistema de clíticos do PE, tal estrutura deve ocorrer em todas as sincronias. Por outro lado, no Português Brasileiro, a sua ocorrência deve ficar limitada aos períodos em que o uso dos clíticos se mostra mais produtivo, extinguindo-se nas sincronias mais recentes; 5. PB e PE correspondem a duas Linguas-I distintas, ou seja, a duas gramáticas diferentes (Galves 1998)36. 3.4 Metodologia 3.4.1 A amostra Para investigar o contexto não referencial dos verbos de alçamento que selecionam um complemento oracional no Português Brasileiro e no Português Europeu, é feito estudo em tempo real de longa duração, utilizando uma amostra que abarca sete diferentes sincronias dos séculos XIX e XX. Nas próximas seções, são explicitadas as bases metodológicas deste trabalho. A amostra do Português Brasileiro tem como ponto de partida as peças teatrais utilizadas no trabalho diacrônico de Duarte (1993) sobre a representação da posição do sujeito pronominal referencial. Ressalte-se, entretanto, que, no estudo diacrônico de Henriques (2008), devido à dificuldade na obtenção de dados, foi necessário acrescentar outras peças à amostra originalmente utilizada pela autora, buscando manter os sete períodos de tempo. Para este trabalho, mediante sugestão da Professora Dinah Callou37, foram incorporadas outras peças à análise. A amostra brasileira é composta por peças teatrais escritas no Rio de Janeiro por diferentes autores entre 1833 e 1992; quanto ao Português Europeu, também foram utilizadas peças escritas por distintos autores em sete sincronias. Em ambos os casos, temos, em grande parte, textos leves, de caráter humorístico, que “Duas Línguas-I serão consideradas diferentes se contêm na sua parametrização pelo menos um parâmetro fixado diferentemente” (Galves 1998 p. 80). Em relação ao Parâmetro do Sujeito Nulo, como vimos, PB e PE comportam-se de maneira distinta. 37 A sugestão, a qual agradeço profundamente, foi feita durante a minha defesa da Dissertação. 36 63 procuravam retratar as principais características de sua época. Dessa forma, foram evitadas peças dramáticas a fim de manter certa homogeneidade de estilo. Ainda que não se tomem os resultados como absolutos, já que se trata de textos escritos que procuram reproduzir a fala de um determinado período de tempo, é possível tomá-los como tendências de uso de uma determinada época, dado o seu caráter popular. No Quadro 3.1, são apresentadas as peças que servem de base para a análise do PB. Na tentativa de aumentar o número de dados, foram investigados diversos textos de um mesmo autor ou foram lidas peças escritas por diferentes autores numa mesma época. Os textos acrescidos à amostra originalmente utilizada por Duarte (1993) e depois por Henriques (2008) estão sinalizados com um asterisco (*). Ano Peça / Autor O juiz de paz na roça (1833) Os irmãos das almas (1844) O Judas em sábado de Aleluia (1844) Período I (1833-1862) O noviço (1845) Os dois ou o inglês maquinista* (1845) Quem casa quer casa* (1845) (Martins Pena) Luxo & vaidade* (1860) (Joaquim Manuel de Macedo) 38 Tipos da atualidade (1862) (França Júnior) Direito por linhas tortas (1870) Período II (1870-1889) O defeito de família* (1870) Como se fazia um deputado (1882) Caiu o ministério (1883) As doutoras (1889) (França Júnior) O simpático Jeremias (1918) Período III (1918-1922) A inquilina de Botafogo* (1920) Onde canta o sabiá* (1920) (Gastão Tojeiro) A flor dos maridos* (1922) (Armando Gonzaga) Período IV (1933-1938) O troféu* (1933) O hóspede do quarto nº. 2 (1937) (Armando Gonzaga) A peça “Tipos da atualidade”, escrita por França Júnior em 1862, no estudo diacrônico de Henriques (op. cit.) estava inserida no Período II. Entretanto, neste trabalho, está situada na primeira sincronia. A mudança ocorre por motivações metodológicas. 38 64 A vida tem três andares (1938) (Humberto Cunha) A garçonnière do meu marido (1949) (Silveira Sampaio) Pedro Mico (1954) (Antônio Callado) Do tamanho de um defunto* (1955) A gaivota* (1955) Período V (1949-1963) Bonito como um deus* (1955) Um elefante no caos (1955) Uma mulher em três atos* (1955) Flávia, cabeça, tronco e membros* (1963) (Millôr Fernandes) O santo milagroso* (1963) (Lauro César Muniz) Rasga coração (1974) (Oduvaldo Viana) A mulher integral (1975) Período VI (1974-1986) Confidências de um espermatozoide careca (1986) (Carlos Novaes) O último carro ou as 14 estações (1976) (João das Neves) Os órfãos de Jânio (1979) (Millôr Fernandes) Sereias da Zona sul* (1988) Período VII A Partilha* (1990) (1988-1992) Como encher um biquíni selvagem* (1992) No coração do Brasil (1992) (Miguel Falabella) Quadro 3.1 Peças teatrais brasileiras em sete períodos No total, trinta e oito peças compõem a amostra brasileira. Como se pode verificar, houve acréscimo de textos em quase todas as sincronias no intuito de refinar, quantitativa e qualitativamente, a análise feita em Henriques (op. cit.). Para o século XIX, como podemos observar, temos apenas duas sincronias, seja pelo fato de termos poucos autores, seja pela semelhança encontrada nos resultados de Duarte (1993), quando os paradigmas pronominal e flexional se apresentam inalterados. O século XX, por outro lado, contempla cinco sincronias, relacionadas a mudanças nos paradigmas. No Quadro 3.2, são apresentadas as trinta e seis peças teatrais portuguesas que compõem a amostra. A organização dos textos do Português Europeu segue a mesma proposta dos sete períodos de tempo que serviram de base para os estudos diacrônicos de Duarte (1993) e Henriques (2008). À semelhança do que ocorre com a amostra brasileira, em cada sincronia foram utilizados textos escritos por diferentes autores. Por motivações metodológicas, procurou-se, ao máximo, equilibrar o número de peças em casa sincronia nas duas gramáticas. 65 Ano Peça / Autor Uma cena de nossos dias (1843) (Paulo Midosi) Casar ou meter freira (1848) (Antônio Pedro Lopes de Mendonça) Nem tudo o que é luz é ouro (1849) (João de Andrade Corvo) Período I (1843-1869) A domadora de feras (1857) (Luís Augusto Palmeirim) Similia Similibus (1858) (Júlio Dinis) Inter duo litigantes (1863) (Eduardo Garrido) J.R. (1865) (Luís de Araújo) Guerra aos Nunes (1869) (Matos Moreira) À hora do comboio (1870) (Salvador Marques) A liberdade eleitoral (1870) (Teixeira de Vasconcelos) Clero, nobreza e povo (1871) (César de Lacerda) O dente da baronesa (1871) (Teixeira de Vasconcelos) Período II (1870-1896) Quem desdenha... (1874) (Pinheiro Chagas) Paris em Lisboa (1879) (Carlos de Moura Cabral) O festim de Baltasar (1894) (Gervásio Lobato) A toutinegra real (1895) (D. João da Câmara) O ganha-perde (1896) (D. João da Câmara) Antes de começar (1919) (Almada Negreiros) Período III (1919-1925) Penélope (1919) (Abreu e Sousa) O doido e a morte (1923) (Raul Brandão) Viva da costa! (1925) (Vasco Mendonça Alves) Período IV (1934-1945) A prima Tança (1934) (Alice Ogando) Período V (1954-1962) Alguém terá de morrer (1954) Balada de outono (1945) (Carlos Selvagem) Felizmente há luar (1961) (Luís de Sttau Monteiro) É urgente o amor (1957) A visita de sua excelência (1962) (Luiz Francisco Rebello) Período VI (1970-1985) A menina feia (1970) (Manuel Frederico Pressler) Viagem a Damasco (1980) Florânia ou a perfeita felicidade (1983) Dom João no jardim das delícias (1985) (Norberto Ávila) Período VII (1988-1996) O marido ausente (1988) A donzela das cinzas (1990) Uma nuvem sobre a cama (1990) (Norberto Ávila) A vingança de Antero (1995) Um filho (1996) (Luísa Costa Gomes) Quadro 3.2 Peças teatrais portuguesas em sete períodos 66 A coleta de dados mostrou-se uma etapa trabalhosa, visto que a construção investigada não é recorrente, o que implicou a busca de novas peças a fim de possibilitar uma análise quantitativa e qualitativa do fenômeno estudado. Todas as referências das peças analisadas se encontram no final desta Tese, antes das referências bibliográficas. Na próxima seção, os grupos de fatores levantados para a análise dos dados são descritos. Ainda que o período de tempo seja o fator extralinguístico fundamental na interpretação dos resultados, os fatores linguísticos são predominantes. Parte-se do pressuposto de que muitos deles são importantes condicionadores para o alçamento do DP sujeito da encaixada para Spec de IP, na oração matriz. 3.4.2 Os grupos de fatores O verbo parecer constitui um grupo separado dos demais verbos, pois, como mostramos, é o único, na amostra investigada, que exibe a ocorrência de alçamento de tópico39. Neste caso, trabalhamos com oito grupos de fatores. Por outro lado, em relação aos demais verbos de alçamento – acabar, bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar – são levantados 9 grupos de fatores. Na utilização do programa VARBRUL, cada tipo de estrutura foi tomada como variável dependente, mas a apresentação dos resultados é feita a partir do cruzamento com o período de tempo, já que o objetivo é observar se há uma mudança em curso. 1. O tipo de estrutura: (a) Verbo parecer (i) construção sem alçamento (expletivo nulo à esquerda de parecer) (6) a. Ai, ai, [IP [øexpl] Parece-me [CP que [øarb] estão me arrancando os miolos]]. (PB – Período II) b. [IP [øexpl] Parece [CP que ainda a [ø] estou a ouvir]]. (PE – Período V) 39 Embora Duarte (2007a) tenha apresentado dados indicando que acabar, à semelhança de parecer, já exibe o alçamento de tópico, não foram encontradas tais ocorrências nos textos examinados. 67 (ii) alçamento padrão (o DP sujeito da encaixada é alçado para Spec de IP) (7) a. Tem gente que luta com a vida. [IP Vocêi realmente parece [InfP ti ser um que luta pela vida]]. (PB – Período VI) b. Sabes, por vezes, [IP eu mesmo pareço [InfP ti estar enamorado de mim]]. (PE – Período VI) (iii) alçamento clítico (o DP sujeito da encaixada aparece junto ao verbo de alçamento sob a forma de clítico) (8) a. Que voz! [IP [øexpl] Pareceu-mei [InfP ti ouvir o sino grande de São Francisco de Paula dando horas]]. (PB - Período I) b. Ora esperem! [IP [øexpl] Ainda agora pareceu-mei [InfP ti ouvir acolá a sua voz]]… Perguntei a Tomás e o velhaco respondeu-me. (PE – Período I) (iv) deslocamento (o DP aparece em posição periférica à sentença matriz) (9) a . [TopP Eui [IP [øexpl] parece [CP que ti estou enganado]]]. (PB – Período IV) b. Eu não tenho quatro mãos, e [TopP as suas de vocêi [IP [øexpl] parece-me [CP que ti não servem para muito]]]. (PE – Período I) (v) alçamento de tópico40 (10) [IP Vocêsi parecem [CP que [TopP ti [ Øi não pensam na vida]]]]. (PB – Período VII) 40 Em Henriques (2008), a estrutura ilustrada em (10) era classificada como hiperalçamento (Martins e Nunes 2005, 2010a,b). Para esta análise, após diversos trabalhos teóricos sobre tal construção, optamos por considerá-la uma instância de alçamento de tópico que pode ou não ter o pronome expresso. Adiantamos que, na amostra do PB, todos os casos exibem o pronome fraco em Spec de IP da encaixada nulo. 68 Como será mostrado no próximo capítulo, não foram encontradas na amostra das peças teatrais lusitanas evidências da ocorrência de alçamento de tópico; apenas construções ambíguas entre tal estrutura e o deslocamento. (b) Acabar, bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar (i) construção sem alçamento em que o complemento oracional aparece em forma de um CP (11) a. Maria Hortênsia, é simples o segredo da felicidade: quando por acaso nos sentirmos entristecer por não poder gozar os prazeres que gozam os que são mais ricos do que nósi, [IP [øexpl] basta [CP que, olhando para baixo, [ø]i contemplemos aqueles que ainda podem menos do que nós]]. (PB – Período I) b. Muita bem, Mr. James. [IP [øexpl] Falta agora [CP que o senhor confirme o que acaba de dizer casando-se com uma brasileira]]. (PB – Período II) c. Conselheiro, quer arruinar o comércio, acabar as finanças, destruir o equilíbrio governamental, engordar esse funcionalismo que nos devora, abater a agiotagem – a verdadeira âncora do estado! – [IP [øexpl] basta [CP que uma mulher nos sorria com meiguice]]… (PE – Período I) d. Tudo está excelente. [IP [øexpl] Falta agora [CP que meu filho queira fazer alguma grande rapaziada]]. (PE – Período II) (ii) construção sem alçamento em que o complemento oracional apresenta um verbo não finito (uma oração reduzida de infinitivo – InfP) (12) a. Por isso mesmo [IP [øexpl] não convém [InfP você voltar aqui]]. (PB – Período III) b. Não! [IP [øexpl] Até convém [InfP [ø] estares comigo]]… Ela sabe que me fizeste muita companhia. (PE – Período IV) 69 (iii) construção sem alçamento em que o complemento oracional é regido por uma preposição (um PP) (13) a. Daria um doce à senhora, se me dissesse onde está a minha cabeça. [IP [øexpl] Muito custa [PP [øarb] a levar-se esta vida honradamente]]. (PB – Período II) b. Não tenho ambição de reinar em tempos tão revoltos. Anda agora sujeita a muitos azares a realeza. [IP [øexpl] Até já custa [PP a entender quem aceite semelhante dignidade]]. (PE – Período II) (iv) alçamento padrão (14) a. [IP Eui não demorei tanto tempo [PP pra ti buscar auxílio médico]]. (PB – Período VII) b. Olha, Laurindo, [IP eui ainda acabo [GerP ti fazendo a nossa desgraça]]! (PB – Período III) c. É certo que [IP [ø]i demorei [PP ti a descascar as minhasi, mais 37 segundos e 2 décimos que o meu colega]]. (PE – Período VI) d. E com o tempo [IP essas coisasi acabam sempre [PP ti por passar]]. (PE – Período V) (v) alçamento clítico (15) a. A tal fingida já lhe disse tudo. Não é tanto assim, Senhor Doutor Carlos: a sociedade não está tão corrompida como julga e [IP [øexpl] custa-mei [PP ti a crer que ainda tão jovem]], já esteja tão descrente. (PB – Período I) b. [IP [øexpl] Não tei convém [InfP ti ficar aqui]]. (PB – Período III) 70 c. [IP [øexpl] Custa-mei [PP ti a acreditar que seja unicamente por causa de umas valsas de que eu gosto]], com que ele se aflige, e que tem vergonha de me proibir. (PE – Período II) d. Não importa. [IP [øexpl] Convinha-mei [InfP ti reconhecer bem o campo desta batalha amorosa]]. (PE – Período VI) 2. A realização do sujeito na encaixada e em Spec de IP: Nas sentenças sem alçamento, o objeto de análise é o sujeito da encaixada em sua posição de base. Se há alçamento padrão e alçamento de tópico, observa-se a expressão do sujeito alçado em Spec de IP. Os casos de deslocamento e alçamento clítico não são considerados. (i) nulo dêitico (1ª e 2ª pessoas) (16) a. [IP [øexpl] Parece-mei [CP que [ø]i não faço outra coisa nesta casa]], desde que ela nasceu! (PB – Período II)41 b. [ø]i Estás doente? [IP [øexpl] Parece [CP que [ø]i tens febre]]. (PE – Período II) (ii) pleno dêitico (1ª e 2ª pessoas) (17) a. Eu também estou me sentindo mal… [IP [øexpl] Parece [CP que eu tô anestesiada]]. (PB – Período VII) b. [IP [øexpl] Parece-mei [CP que eui devo ir por Sevilha]]. (PE – Período VI) (iii) nulo de 3ª pessoa (18) a. Mas o meu barcoi não anda, Neiva! [IP [øexpl] Parece [CP que [ø]i tá encalhado]] faz tempo. (PB – Período VII) 41 Neste caso, consideramos o clítico (‘parece-me’) não argumental. 71 b. Oiça, menina Gilberta: Por que não casa com aquele rapaz, o Vidal i? [IP [ø]i Parece [InfP ti gostar de si]] e ter boas qualidades. (PE – Período VI) (iv) DP pleno pronominal de 3ª pessoa (19) a. [IP [øexpl] Parece-me [CP que ela já recebeu a intimação]]. (PB – Período III) b. Nada, [IP [øexpl] mas parece-me, tenho cá minhas desconfianças, [CP que ele anda a contar tonilhos a teu pai a respeito de Carlos]]. (PE – Período I) (v) DP lexical (20) a. [IP [øexpl] Parece-me [CP que o comendador é meio republicano]]. (PB – Período II) b. Mas afinal a Sr.ª Luísa Maria sustenta a sua palavra ou quer dar a água ao José de Maria Rosa? [IP A sua vinda a esta casai parece [InfP ti indicar novidade]]. (PE – Período II) (vi) sujeito indeterminado (21) a. Ai, ai, ai; [IP [øexpl] Parece-me [CP que [øarb] estão me arrancando os miolos]]. (PB – Período II) b. [IP [øexpl] Parece [CP que não [øarb] lhes dão muito tempo]] para pensar. É tudo rápido e sem dor. (PE – Período VII) 3. Traço semântico e referência do sujeito de 3ª pessoa: Este grupo tem como ponto de partida a hierarquia referencial proposta por Cyrino, Duarte e Kato (2000). O objetivo é verificar os traços semânticos mais favoráveis ao preenchimento do DP sujeito da encaixada (DPs pronominais) nas construções sem alçamento, no alçamento padrão e no alçamento de tópico. O sujeito de 1ª e 2ª pessoas e os indeterminados, por apresentarem inerentemente o traço [+humano], e os DPs lexicais, necessariamente plenos, são excluídos. 72 (i) [+hum/+esp] (22) a. [IP [øexpl] Parece-me [CP que o comendador é meio republicano]]. (PB – Período II) b. [IP [øexpl] Parece [CP que o rapaz atormentado de zelos exigira da noiva uma prova de amor]]. (PE – Período II) (ii) [+hum/-esp] (23) a. Comigo você reclamava se eu a apertava mais um pouco e, no entanto, [IP [øexpl] parece [CP que outros têm melhor sorte]]. (PB – Período V) b. [IP [ø expl] Parece [CP que os homens, até de fazermos relatórios e de andar o nosso nome impresso na lista das sócias, têm sua invejasita]]. (PE – Período II) (iii) [-hum/+esp] (24) a. Quando te vejo, ostentando as galas da elegância, [IP [øexpl] parece-me [CP que teus olhos brilham com mais fulgor]], que teus lábios purpurinos se abrem como dois botões de rosas aljofrados pelo orvalho da manhã, que tens sobre a fronte um diadema de luz e que pisas a criação com o pezinho mimoso e feiticeiro que o sapatinho oprime. (PB – Período II) b. Mas afinal a Sr.ª Luísa Maria sustenta a sua palavra ou quer dar a água ao José de Maria Rosa? [IP A sua vinda a esta casai parece [InfP ti indicar novidade]]. (PE – Período II) (iv) [-hum/-esp] (25) a. Andei nas ruas um tempo enorme. [IP [øexpl] Parecia [CP que nada tinha acontecido]]. (PB – Período V) 73 b. [IP E com o tempo essas coisasi acabam sempre [PP por ti passar]]. (PE – Período V) 4. Tipo de oração em que se encontra o verbo de alçamento: Pretende-se verificar se o movimento do DP sujeito da encaixada para Spec de IP ocorre mais frequentemente em algum tipo específico de oração. (i) oração matriz (incluem-se, neste caso, as orações coordenadas e a 1ª oração do período) (26) a. Mas o meu barcoi não anda, Neiva! [IP [øexpl] Parece [CP que [ø]i tá encalhado]] faz tempo. (PB – Período VII) b. [IP [øexpl] Parece [CP que o rapaz atormentado de zelos exigira da noiva uma prova de amor]]. (PE – Período II) (ii) oração completiva (27) a. O pior é que [IP o rapazi parece [InfP ti não ter jeito]] para arranjar noiva. (PB – Período IV) b. Creia que [IP [øexpl] muito mei custa [InfP ti ter de incomodá-la]]. (PE – Período V) (iii) oração relativa (28) a. Já não frequentas a nossa casa como antes, e hoje tenho notado que já não procuras aquelai [IP quei parecia [InfP ti ser o único objeto de teus pensamentos]]! (PB – Período I) b. Passam-se dias que eu não te vejo, diasi [IP quei parecem [InfP ti não ter fim]], e depois, quando estamos outra vez juntos, é só por um momento. (PE – Período V) 74 (iv) oração adverbial (29) a. Outro dia, choveu tanto que [IP [øexpl] parecia [CP que a lagoa ia subir o morro]], pensei que a chuva ia derreter o chão aqui embaixo e jogar este barraco feito uma caixa de fósforos lá no mato do fundo. (PB – Período V) b. Tenho por tão delicada a sensibilidade da mulheri que [IP [ø]i me parece [InfP ti esquivar-se à nossa apreciação]]. (PE – Período II) 5. Presença / Ausência de clítico dativo junto ao verbo na construção sem alçamento: Verificar a presença de clítico, sob a hipótese de que, com a redução no quadro de clíticos do PB, haveria diminuição em sua ocorrência aqui, mas não no PE. (i) presença de clítico e correferente com o sujeito da oração encaixada (30) a. Conheceram-me logo, amam-me ainda, não se esqueceram do velho rabugento, mas [IP [øexpl] parece-mei [CP que [ø]i estou chorando]]. Isto é uma vergonha na minha idade. (PB – Período I) b. Ó senhor, [IP [øexpl] parece-mei [CP que [ø]i não fiz nada]]… (PE – Período I) (ii) presença de clítico sem correferência com o sujeito da encaixada (31) a. Ai, que corrida! Já não posso! Oh, [IP [øexpl] parece-me [CP que por cá ainda dura o medo]]. (PB – Período I) b. [IP [øexpl] Parece-me [CP que o Sr. Conde já saiu]]... (PE – Período I) (iii) ausência de clítico (32) a. Mas o meu barco não anda, Neiva! [IP [øexpl] Parece [CP que [ø]i tá encalhado]] faz tempo. (PB – Período VII) 75 b. [IP [ø expl] Parece [CP que os homens, até de fazermos relatórios e de andar o nosso nome impresso na lista das sócias, têm sua invejasita]]. (PE – Período II) 6. Oração encaixada regida por preposição: Na amostra, foram encontrados dados com quatro preposições regendo o complemento oracional de alguns verbos de alçamento, “para” (“pra”), “a”, “em” e “por”. O objetivo é verificar se em complementos oracionais regidos por preposição o alçamento é uma estratégia obrigatória. (33) a. Pronto! [IP [ø] Custei [PP ti a achar a faca]]! (PB – Período V) b. Não são? Xi! Se eu lhe contar não há de crer. Ontem, todo santo dia [IP a Mônicai levou [PP ti a ensaboar quatro camisas do João]]. (PB – Período I) c. [IP [ø expl] Custa-mei [PP ti a acreditar que seja unicamente por causa de umas valsas de que eu gosto]], com que ele se aflige, e que tem vergonha de me proibir. (PE – Período II) d. Uma e outra coisa. A princípio ainda confessava aos que mei viam passar as tardes com a sacola vazia que era falta de jeito. Mas com tantos anos de longadas através de glestais, [IP [ø]i acabei [PP ti por adquirir a prática de todo o bom caçador]]. (PE – Período III) 7. Verbo da encaixada: O objetivo é verificar se os verbos ser e estar favorecem a ocorrência de alçamento padrão, tal como se observa no PB escrito contemporâneo e nas sentenças a seguir. (34) a. Já não frequentas a nossa casa como antes, e hoje tenho notado que já não procuras aquelai [IP quei parecia [infP ti ser o único objeto de teus pensamentos]]! (PB – Período I) b. Sabes, por vezes, [IP eui mesmo pareço [InfP ti estar enamorado de mim]]. (PE – Período VI) 76 8. Tempo verbal do verbo de alçamento: O intuito é verificar se a conjugação dos verbos de alçamento em um determinado tempo verbal favorece a ocorrência de alguma construção. (35) a. Um dia, quem sabe, [ø]i terei acesso aos Anais de Akasha e lá, para minha surpresa, [IP [ø]i vou acabar [GerP ti sabendo que Nilson terminou o supletivo]]. (PB – Período VII) b. Quer dizer que eu não sou, não é? Eu sabia que [IP vocêi ia acabar [GerP ti me jogando na cara]]. (PB – Período VI) c. Então, se eui também ceder [IP [ø]i acabarei [PP ti por ficar igual a ti]], igual ao que tu és hoje. (PE – Período V) d. [IP [ø]i Acabei [PP ti por nem sequer ter nojo deles]]. Tive dó! (PE – Período V) 9. Presença de elementos à esquerda do verbo de alçamento na construção sem alçamento: Pretende-se verificar se, mesmo nas sentenças com o expletivo nulo, há a presença de algum elemento à esquerda dos verbos de alçamento. Os resultados podem ser interessantes, se levamos em consideração a proposta de que o Português Brasileiro tenderia a evitar V1 (cf. Duarte e Kato 2003). (i) verbo em 1ª posição (36) a. [IP [ø expl] Parece [CP que todo tostãozinho que ele arranja é para comprar pipocas]]. (PB – Período IV) b. Ali vai um exemplar das nossas mulheres. [IP [øexpl] Parece [CP que todas metem os pés para dentro]]. (PE – Período II) (ii) presença de negação, advérbios aspectuais, SPs adverbiais e clíticos (37) a. [IP [ø]i Não parece [infP ti ser mau rapaz]]. (PB – Período III) 77 b. É coisa singular. Gostava dos bailes por se dançar neles. [IP Agora [øexpl] parece [CP que [ø] já não gosta de dançar]]. (PE – Período II) c. Bem, [IP [øexpl] me parecia [CP que aquela tristeza tua não era só por causa do sabiá]]. (PB – Período III) (iii) elemento focalizador (38) a. Isso que o companheiro Luís Carlosi está apresentando aqui na reunião para mim não é um plano de luta, é uma proposta de turismo pela cidade, correto? Pra mim, pra mim, isso aí não é briga, é excursão pelo Rio de Janeiro, [IP [øexpl] só faltou [InfP [ø]i incluir visita ao Museu do Índio]]. (PB – Período VI) b. Na parte que me toca, [IP [ø]i só me parece [InfP ti pecar por excessivo]]. (PE – Período IV) (iv) vocativo e interjeição (39) a. Dona Rosinha, [IP [øexpl] parece-me [CP que meu tio não é tão tirano] como eu pensava, por haver ajustado este casamento, sem consultar a nossa vontade. (PB – Período II) b. Ó senhor, [IP [øexpl] parece-mei [CP que [ø]i não fiz nada]]… (PE – Período I) (v) outros elementos (entre eles conjunções e marcadores discursivos) (40) [IP [Mas também [øexpl] não parece [CP que [ø] o seja para essa cara de enterro]]! Sim! Não vai julgar que me levanta assim o ânimo! (PE – Período IV) 10. Tipologia verbal (aplicada apenas ao grupo com sete verbos de alçamento): Compõem o grupo os verbos acabar, bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar. 78 Neste capítulo, os aspectos teóricos e metodológicos que orientam a investigação foram apresentados. Os dados encontrados nas amostras brasileira e portuguesa foram codificados e analisados utilizando o pacote de programas Varbrul (Pintzuk 1988). A análise dos resultados, empreendida no próximo capítulo, parte do princípio de que o Português Brasileiro, língua de sujeito nulo parcial, se mostra receptivo ao movimento do DP sujeito da encaixada para a posição não argumental disponível à esquerda dos verbos de alçamento. Em contrapartida, o Português Europeu, uma língua de sujeito nulo consistente (cf. Roberts e Holmberg 2010), deve ser favorável à manutenção do expletivo nulo em Spec de IP. A leitura dos dados evidenciará que a conjugação dos modelos gerativista e variacionista é eficaz no estabelecimento das diferenças sintáticas entre o PB e o PE. 79 4. Análise dos dados Este capítulo apresenta a análise dos 568 dados encontrados nas amostras de peças teatrais. A seção 4.1 é dedicada à análise das construções com o verbo parecer e a 4.2, aos demais verbos de alçamento: acabar, bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar. A investigação diacrônica proposta neste trabalho, como vimos no capítulo anterior, privilegia fatores linguísticos, que são observados em função da única variável extralinguística, os períodos de tempo. Após a análise quantitativa e qualitativa dos dados, pretendia-se verificar o peso dos fatores em cada sincronia tomando os períodos de tempo como a variável dependente. Todavia, fazer uma análise de regra variável mostrou-se inviável devido a diversos knockouts causados (a) pela separação entre as construções com parecer e os demais verbos de alçamento, por razões metodológicas, e (b) pelo reduzido número de dados com alguns verbos em ambas as gramáticas, entre eles demorar, faltar e levar. Como se verá na primeira seção, a observação atenta dos resultados relativos às construções de alçamento com parecer no Português Brasileiro e no Português Europeu revela diferenças quantitativas e qualitativas substanciais entre as duas gramáticas, particularmente no que diz respeito à ocorrência de alçamento de tópico, de deslocamento e de alçamento clítico. Em relação aos demais verbos, ainda que não tenhamos conseguido um elevado número de dados, os resultados são consistentes e revelam, de maneira mais clara, um dos subprodutos da mudança paramétrica em progresso no PB. 4.1 As construções com parecer Nas sentenças em (1), são encontrados dados ilustrativos da estrutura sem alçamento no Português Brasileiro. Note-se que o sujeito da encaixada pode vir nulo ou expresso. (1) a. Eui nunca imaginei que o povo brasileiro gostasse tanto assim de clássicos! E eles são calorosos! Nossa, [ø]i tô sentindo uma coisa tão estranha! [ IP [øexpl] Parece [CP que [ø]i conheço essa gente]]. [IP [øexpl] Parece até [IP que eui sou íntima deles]]. (PB, Miguel Falabella, 1992, Período VII) 80 b. Eu nunca arranjei noivos para ninguém. Não sou agência de casamentos. E quanto a Corinai, [IP [øexpl] Parece [CP que elai ainda não pensa nisso]]. (PB, Armando Gonzaga, 1933, Período IV) Em (2), apresentamos alguns exemplos de alçamento padrão, estrutura em que o DP sujeito da encaixada deixa um vestígio em sua posição de base e recebe Caso nominativo da flexão de parecer, na oração matriz. (2) a. [Este inglês]i possui uma fortuna de mais de quinhentos contos, [ IP [ø]i Parece [InfP ti gostar de Beatriz]]... (PB, França Júnior, 1883, Período II) b. Eu é que sei o quanto me custa dar conta de tudo. [ IP [O senhor seu pai]i parece [InfP não ti reconhecer]]. (PB, Gastão Tojeiro, 1920, Período III) Em (3), são apresentadas ocorrências de uma construção de alçamento não contemplada na análise de Henriques (2008): o alçamento clítico. Neste caso, o sujeito da encaixada é alçado, mas aparece sob a forma de clítico. (3) a. Que voz! [IP [øexpl] Pareceu-mei [InfP ti ouvir o sino grande de São Francisco de Paula dando horas]]. (PB, Joaquim Manuel de Macedo, 1860, Período I) b. Quem sabe? O que apenas sei é que ao vê-la pela primeira vez [IP [øexpl] pareceu-mei [InfP ti ver vivificada a adorável figurinha criada na minha imaginação]]. (PB, Gastão Tojeiro, 1918, Período III) A seguir, em (4), temos dois dados de deslocamento, uma construção que se caracteriza pelo movimento DP sujeito da encaixada para uma posição periférica à sentença (TopP): (4) a. [TopP Eui [IP [øexpl] parece [CP que [IP ti já falei com muita clareza]]]]. (PB, Armando Gonzaga, 1933, Período IV) 81 b. [TopP [Até as coisas inanimadas]i [IP [øexpl] parece [CP que [IP ti têm medo de violência]]]]. Tudo obedece ao medo. Mundo podre! (PB, Millôr Fernandes, 1955, Período V) Finalmente, vemos em (5) as construções a que vamos nos referir como de alçamento de tópico. Os exemplos em (5a, b), com o DP sujeito alçado, na segunda pessoa e na 3ª pessoa do singular, respectivamente, a princípio, poderiam ser considerados casos de deslocamento, uma vez que o verbo aparece com a desinência zero que se combina com os dois DPs. No entanto, com base na sentença em (5c), que exibe um DP lexical no plural com a respectiva marca de concordância no verbo parecer, e com base nos dados de língua oral obtidos em análises descritas no Capítulo 2, em que a concordância com o DP alçado pode ocorrer em todas as pessoas gramaticais, temos evidências para considerar tais casos entre as instâncias de alçamento de tópico. (5) a. [IP Vocêi parece [CP que [TopP ti [IP [ø]i não tem confiança em mim]]]]. (PB, Silveira Sampaio, 1949, Período IV) b. [IP Margarethi parece [CP que [TopP ti [IP [ø]i tem bicho carpinteiro]]]]! (PB, Miguel Falabella, 1992, Período VII) c. [IP Vocêsi parecem [CP que [TopP ti [IP [øi] não pensam na vida]]]]. (PB, Miguel Falabella, 1992, Período VII) A distribuição dos 149 dados levantados com parecer ao longo de sete sincronias consideradas na nossa análise do Português Brasileiro, com base no tipo de estrutura de alçamento, encontra-se na tabela 4.1, abaixo. Apesar dos esforços, é possível ver que há desequilíbrio no número de ocorrências, especialmente nos períodos IV e VI: 82 Sem alçamento Alçamento padrão Alçamento clítico I II III IV V VI VII Total 12 (66%) 25 (86%) 27 (56%) 6 (46%) 13 (81%) 7 (78%) 9 (56%) 99 3 (17%) 4 (14%) 12 (25%) 3 (24%) - 1 (11%) - 3 (17%) - 2 (4%) - - - - 5 - - - 2 (15%) 1 (6%) - - 3 - - 7 (15%) 2 (15%) 2 (13%) 1 (11%) 7 (44%) 19 18 29 48 13 16 9 16 149 Deslocamento Alçamento de tópico Total (100%) 23 Tabela 4.1 Estruturas com parecer em sete sincronias do PB Como podemos observar, não foram encontrados dados ilustrativos de todas as estruturas nas sete sincronias analisadas neste trabalho. Além disso, do ponto de vista quantitativo, vemos que há poucas ocorrências de sentenças com o verbo de alçamento parecer em alguns períodos, em particular o Período VI. O Gráfico 4.1, que distribui os dados da tabela 4.1, permitirá visualizar melhor a evolução das construções ao longo dos séculos XIX e XX: 100% 86% 90% 81% 80% 70% 78% 66% 56% 60% 56% 50% 46% 44% 40% 25% 30% 20% 17% 24% 14% 10% 13% 15% 15% III IV 11% 0% I II Sem alçamento V VI VII Alçamento padrão Alçamento de tópico Gráfico 4.1 Construções com parecer no PB ao longo do tempo A leitura da tabela e do gráfico indica que a construção sem alçamento é a mais recorrente em todas as sincronias, inclusive nos Períodos V, VI e VII, em que o 83 preenchimento da posição do sujeito pronominal referencial já era a forma preferencial (cf. Duarte 1993). O menor percentual desta estratégia é de 46%, no Período IV, quando a construção com o alçamento padrão e o sujeito deslocado concorrem com ela. No entanto, é apenas no Período VII que se verifica a forte concorrência entre duas construções: a estrutura sem alçamento e o alçamento de tópico (com 56% e 44%, respectivamente). Esta última começa a surgir na gramática do Português Brasileiro já nas peças do Período III, a primeira sincronia do século XX, em torno dos anos 1920. O alçamento padrão, presente em quase todos os períodos, não exibe índices elevados, atingindo o seu ápice no Período III, com 25%. A ocorrência de apenas 3 dados de deslocamento, restritos aos Períodos IV e V, sugere que se trata de uma construção rara na gramática brasileira, assim como o alçamento clítico com parecer, com apenas 5 dados concentrados na primeira metade do século XIX e na primeira sincronia do século XX, correspondente aos anos 20. Isso não surpreende, uma vez que o quadro de clíticos vem se reduzindo no PB: o clítico de primeira pessoa, ‘me’, por exemplo, se restringe hoje às funções acusativa e dativa, sendo um clítico argumental. Os dativos de posse, de interesse, por exemplo, se encontram praticamente em extinção (Berlinck 1996). Henriques (2008), em um trabalho diacrônico, também sinaliza a ampla preferência pela construção sem alçamento no século XIX e nos Períodos V e VI. Ainda que outras peças tenham sido acrescidas à amostra e, consequentemente, outros dados à análise (passamos de 84 dados para 149), a preferência por essa estrutura se mantém nas peças escritas nesses períodos de tempo. O autor apontou também a baixa frequência do alçamento padrão e a concorrência entre a estrutura sem alçamento e o alçamento de tópico42 na última sincronia; entretanto, os índices são distintos, como podemos observar no gráfico e na tabela presentes no Anexo 1. O refinamento da análise aproxima os resultados do Período VII aos encontrados em estudos empíricos anteriores sobre a fala e a escrita no Português Brasileiro (cf. capítulo 2). Após a observação dos resultados gerais com todas as construções de alçamento com o verbo parecer no Português Brasileiro, apresentamos o panorama geral no Português Europeu, começando com a apresentação de alguns dados das construções sem alçamento em (6), Em (6a), vemos a presença do clítico dativo ‘me’ 42 Henriques (2008), com base na proposta de Ferreira (2000) e Martins e Nunes (2005), considerava o alçamento de tópico uma instância de “hiperalçamento”. 84 junto a parecer, que, no presente caso, não tem estatuto argumental, sendo considerado um dativo ético ou de interesse, estrutura recorrente em todas as sincronias, como mostraremos adiante. (6) a. [IP [ø expl] Parece-me [CP que o Sr. Conde já saiu]]... (PE, João de Andrade Corvo, 1849, Período I) b. [IP [øexpl] Parece [CP que [ø]i tenho cinquenta martelos a fazerem bigorna da minha cabeça]]!!! (PE, Luís de Araújo, 1865, Período I) Nas sentenças em (7) são apresentados dados que ilustram o alçamento padrão na amostra de peças portuguesas: (7) a. Sabes, por vezes, [IP eui mesmo pareço [InfP ti estar enamorado de mim]]. (PE, Norberto Ávila, 1985, Período VI) b. Passam-se dias que eu não te vejo, diasi [IP quei parecem [InfP ti não ter fim]], e depois, quando estamos outra vez juntos, é só por um momento. (PE, Luiz Francisco Rebello, 1957, Período V) O alçamento clítico e o deslocamento no Português Europeu estão ilustrados, respectivamente, em (8) e (9). Destaque-se que. em (9), temos um prototípico dado de deslocamento, em que encontramos uma vírgula separando o elemento movido para TopP do restante da oração. (8) a. Ora esperem! [IP Ainda agora [øexpl] pareceu-mei [infP ti ouvir acolá a sua voz]]… Perguntei a Tomás e o velhaco respondeu-me. (PE, Luís de Araújo, 1865, Período I) b. [IP [øexpl] Pareceu-mei [InfP ti ouvir-lhe dizer]], quando saiu, que ia a um chácanasta em casa das Pimentéis. (PE, Luiz Francisco Rebello, 1954, Período V) 85 (9) a. Nunca fiando! [IP Isso de sogras, [øexpl] parece [CP que [IP ti é o diabo]]]! (PE, Manuel Frederico Pressler, 1970, Período VI) b. Há coisas que são importantes e coisas que não são importantes e ponto final. E [TopP tui [IP [øexpl] parece (é) [CP que ti não consegues distinguir]]]. (PE, Luísa Costa Gomes, 1996, Período VII) Na tabela e gráfico, abaixo, vemos a distribuição dos 176 dados com parecer, ao longo do tempo, segundo a estrutura. Mais uma vez, destacamos o baixo número de ocorrências em dois períodos, o III e o IV. I II III IV V VI VII Total Sem alçamento 12 (71%) 54 (84%) 7 (100%) 3 (75%) 12 (63%) 17 (63%) 27 (73%) 132 Alçamento padrão Alçamento clítico Deslocamento 1 (6%) 8 (13%) - 1 (25%) 5 (27%) 7 (26%) 6 (16%) 28 1 (6%) - - - 1 (5%) 3 (17%) 2 (3%) - - 1 (5%) 1 (4%) 2 (7%) 1 (3%) 3 (8%) 17 64 7 4 19 27 37 Total (100%) Tabela 4.2 Construções com parecer ao longo do tempo no PE 100% 84% 90% 80% 70% 71% 75% 63% 63% 27% 26% 5% 7% V VI 73% 60% 50% 40% 25% 30% 20% 10% 0% 17% 16% 13% 6% 8% 3% I II Sem alçamento III IV Alçamento padrão VII Deslocamento . Gráfico 4.2 Estruturas com parecer em sete sincronias do PE 4 11 170 86 A construção sem alçamento apresenta elevados índices de ocorrência em todas as sincronias no Português Europeu – o seu menor percentual é de 63%, nos Períodos V e VI. O resultado é esperado, levando-se em consideração o fato de que PE é uma língua que apresenta o traço [ + sujeito nulo ], diferentemente do que se verifica no PB. Igualmente, a ausência de alçamento de tópico – aqui considerado um subproduto da mudança paramétrica em curso na gramática brasileira – é justificável. Entretanto, é preciso assinalar que foram encontrados alguns dados de interpretação ambígua entre o deslocamento e o alçamento de tópico, pois em todos eles o DP sujeito alçado aparece na 3ª pessoa do singular; não se pode afirmar, pois, que este DP se encontre deslocado ou em Spec de IP. Na ausência de qualquer caso de um pronome de primeira pessoa ou de DP lexical no plural em relação de concordância com parecer e levando em conta o fato de que houve claras evidências de deslocamento (isto é, DPs diferentes de terceira pessoa do singular e parecer com desinência zero), decidimos tratar esses casos como instâncias de deslocamento. Tal construção ocorre nas duas primeiras sincronias e nas três últimas, chegando a 17% no Período I. Obviamente, a maior incidência de deslocamento na gramática lusitana está relacionada à existência de sentenças ambíguas, como apontado. A tabela e o gráfico também revelam que o alçamento padrão se mostra ligeiramente mais consistente no sistema lusitano do que no Português Brasileiro, chegando a 16% no último período de tempo. E o alçamento clítico, a despeito da sua baixa frequência – foram encontrados apenas 4 dados – está presente em quatro sincronias, incluindo as mais recentes. Note-se, ainda, que, no Período IV, há apenas 4 ocorrências de construção de alçamento com parecer, uma quantidade muito pequena, o que não permite considerações mais conclusivas. 4.1.1 As construções sem alçamento Para melhor comparar as duas gramáticas, vejamos o gráfico 4.3, a seguir, que apresenta as duas linhas com as construções sem alçamento no Português Brasileiro e no Português Europeu: 87 100% 100% 86% 90% 80% 71% 70% 60% 81% 75% 84% 73% 66% 50% 78% 56% 40% 63% 63% V VI 56% 46% 30% 20% 10% 0% I II III Português Brasileiro IV VII Português Europeu Gráfico 4.3 A construção sem alçamento com parecer no PB e no PE A estrutura sem alçamento é a mais recorrente tanto no PB quanto no PE em todas as sincronias analisadas. Os índices são elevados, em particular na gramática lusitana – o menor percentual é 63%, nos Período V e VI. No Português Brasileiro, os índices são menores do que os encontrados para o PE, mas ainda indicam a preferência pela manutenção do expletivo nulo em Spec de IP. Dentre os diversos fatores linguísticos considerados na codificação dos dados, alguns interessam de perto à análise das sentenças sem alçamento, dentre eles a presença/ausência de clítico dativo junto a parecer e a presença/ausência de elementos à esquerda do verbo de alçamento. Vejamos os resultados obtidos. 4.1.1.1 Presença de clítico dativo junto a parecer nas construções sem alçamento Nas sentenças sem alçamento, o clítico pode ou não ser correferente com o sujeito da encaixada. Os exemplos em (10) ilustram o uso de clíticos no PB e no PE em estruturas sem alçamento: (10) a. Ontem estava dizendo à mãe que queria cortar aquelas duas barriguinhas do queixo [IP porque [øexpl] parecia-lhei [CP que o senhori implicava com elas]]. (PB, França Júnior, 1870, Período II) 88 b. [IP Bem, [øexpl] me parecia [CP que aquela tristeza tua não era só por causa do sabiá]]. (PB, Gastão Tojeiro, 1920, Período III) c. Entregaram-me o menino. Foi o nosso amparo. [IP [øexpl] Parecia-nosi à gentei [CP que a mãe continuava a viver no menino ou tinha tornado a nascer]]. (PE, Vasco Mendonça Alves, 1925, Período III) d. [IP Pois [øexpl] não tei parece, marido impacientei, [CP que muito melhor [ø] apreciarei os teus favores]] sabendo que eles me são oferecidos não por um simples mortal, mas por um herói! (PE, Norberto Ávila, 1990, Período VII) No gráfico abaixo, é possível verificar que a presença do clítico dativo junto ao verbo parecer na construção sem alçamento é recorrente no Português Europeu, nas sete sincronias analisadas. Em contrapartida, no PB, não há ocorrências de estruturas com clítico dativo, como “parece-me/lhe que”, a partir do Período V. 100% 86% 90% 80% 75% 65% 70% 58% 60% 50% 47% 63% 40% 56% 33% 40% 30% 20% 26% 10% 17% 0% I II III Português Brasileiro IV V VI VII Português Europeu Gráfico 4.4 Presença de clítico dativo junto ao verbo parecer nas construções sem alçamento nas duas gramáticas Se, na primeira sincronia, em 75% das ocorrências da construção sem alçamento, o clítico dativo se encontra junto ao verbo parecer, no Período IV, temos apenas 17% na gramática brasileira. A simplificação do quadro de clíticos no PB, em especial o dos dativos não argumentais (em todas as pessoas), justifica a diminuição 89 de estruturas como “parece-me que” ao longo do tempo, chegando ao seu desaparecimento em nossa amostra a partir do Período V. Ao contrário do que se observa no PB, no Português Europeu, o clítico dativo ocorre em todas as sincronias, o que é esperado num sistema em que o clítico é produtivo em todas as funções (cf. Freire 2000, 2005). O menor percentual encontrado na amostra portuguesa é 33% (Período IV, com apenas 3 dados de sentenças sem alçamento); no Período VII, vemos 40% de ocorrências. 4.1.1.2 Elementos à esquerda de parecer Tanto no PB quanto no PE, o verbo de alçamento parecer em primeira posição na sentença é a construção mais comum, correspondendo a uma média de 78% das ocorrências na gramática brasileira e a 69% na gramática portuguesa. Os índices para o PB vão de encontro ao que se esperava a princípio. Independentemente do resultado geral, percebemos que, dentre as possibilidades de se evitar V1, a presença de um elemento de negação à esquerda de parecer é a mais recorrente. Em (11), além da negação, encontramos dados em que clíticos aparecem em próclise provocada pela presença da negação. (11) a. É substituí-loi por outro. Mesmo porque, [IP [øexpl] não me parece [CP que elei esteja muito satisfeito com o emprego]]. (PB, Gastão Tojeiro, 1920, Período III) b. Ouviu-a, doutori? [IP [øexpl] Não lhei parece [CP que esta rapariga está doida]]? (PE, Júlio Dinis, 1858, Período I) 4.1.2 O Alçamento padrão Uma comparação entre as ocorrências de alçamento padrão no Português Brasileiro e no Português Europeu pode ser vista no gráfico a seguir: 90 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 25% 30% 20% 10% 0% 17% 25% 27% 26% 16% 14% 11% 24% 13% 6% I II III Português Brasileiro IV V VI VII Português Europeu Gráfico 4.5 Alçamento padrão com parecer no PB e no PE Em ambas as gramáticas, o alçamento padrão não se apresenta como uma estrutura muito frequente. No Português Europeu, por exemplo, sua maior ocorrência é no Período V, correspondendo a 27% dos dados; entretanto, é possível dizer que sua ocorrência é estável ao longo do tempo, com exceção do Período III. Na gramática brasileira, não se nota estabilidade: os maiores índices percentuais estão nos Períodos III e IV, mas a partir de então, o que se vê é a tendência ao decréscimo. Enquanto na última sincronia ainda temos 16% de ocorrências com tal construção, no PE, ela já não aparece mais no PB, o que corrobora os resultados encontrados em estudos sobre a fala popular contemporânea (cf., entre outros, Duarte 2004, 2007a; Henriques 2005). 4.1.2.1 As orações em que ocorre o alçamento padrão O alçamento padrão, à semelhança do que se observa nas demais construções com parecer, ocorre preferencialmente quando o verbo de alçamento está localizado em uma oração matriz ou na primeira oração de um período. Porém, a análise atenta dos dados, na tabela abaixo, revela que o alçamento padrão pode ocorrer, de maneira consistente, em outro tipo de oração. 91 Português Brasileiro Português Europeu 16 (70%) 14 (50%) Oração completiva 2 (9%) 3 (11%) Oração relativa 5 (22%) 8 (28%) Oração matriz ou 1ª oração 3 (11%) 23 28 Tabela 4.3 Oração em que se localiza parecer na construção de alçamento padrão no PB e PE Oração adverbial Total (100%) O que chama a atenção na tabela acima, tanto em relação ao PB quanto ao PE, são os índices referentes às orações relativas (22% e 28%, respectivamente). Ainda que os percentuais sejam modestos, eles indicam que pode haver uma estreita relação entre alçamento padrão e esse tipo de oração. Encontram-se, a seguir, exemplos de alçamento padrão em que parecer se localiza em uma oração relativa43. (12) a. Já não frequentas a nossa casa como antes, e hoje tenho notado que já não procuras aquelai [IP quei parecia [infP ti ser o único objeto de teus pensamentos]]! (PB, França Júnior, 1862, Período I) b. Olhosi [IP quei me pareciam [InfP ti ler cá dentro]] e me diziam: Mãe, tu fazes mal! (PE, D. João da Câmara, 1895, Período II) Além do tipo de oração em que ocorre o alçamento padrão, outro fator se mostra relevante neste tipo de construção no Português Brasileiro: a presença do verbo ser na oração encaixada, que é, aliás, o contexto de resistência de tal construção na escrita brasileira. Das 23 ocorrências de alçamento padrão, em 9 tal verbo se encontra na oração encaixada em sua forma infinitiva, correspondendo a 39% dos dados. No Português Europeu, contudo, há apenas duas ocorrências de alçamento padrão com o verbo ser na encaixada, o que representa apenas 7% dos 28 dados levantados. Observamos, ainda, que o verbo ser ocorre nas sentenças com alçamento padrão no PB, preferencialmente, quando parecer está localizado em uma oração 43 No Anexo 2, encontram-se dados de alçamento padrão em que parecer se localiza em outros tipos de oração. 92 relativa, como vemos em (13). Das 9 ocorrências com o verbo ser em construções de alçamento padrão, em 5 parecer está em uma oração relativa, corroborando resultados levantados por Henriques (2008) em seu trabalho diacrônico. (13) a. Já não frequentas a nossa casa como antes, e hoje tenho notado que já não procuras aquelai [IP quei parecia [infP ti ser o único objeto de teus pensamentos]]! (PB, França Júnior, 1862, Período I) b. Acabe com essa tarefai, [IP quei não parece [InfP ti ser das mais espinhosas]. (PB, Gastão Tojeiro, 1918, Período III) 4.1.3 O Alçamento clítico O clítico dativo que acompanha parecer na construção de alçamento clítico, exemplificado em (14), necessariamente é argumental, já que corresponde a um argumento do verbo da oração encaixada, que se cliticiza ao verbo de alçamento, na oração matriz. (14) a. Quem sabe? O que apenas sei é que ao vê-la pela primeira vez [IP [øexpl] pareceu-mei [InfP ti ver vivificada a adorável figurinha criada na minha imaginação]]. (PB, Gastão Tojeiro, 1918, Período III) b. [IP [øexpl] Pareceu-mei [InfP ti reconhecer aquela voz]]. Mas enfim, não pensei mais nisso. Nenhum de nós referiu o próprio nome, o que pode parecer estranho. (PE, Norberto Ávila, 1983, Período VI) Tal construção, como vemos na tabela a seguir, não se mostra recorrente nas amostras investigadas, ainda que o Português Europeu apresente um sistema de clíticos funcionalmente produtivo (os percentuais correspondem à ocorrência da estrutura dentro do conjunto de cada sincronia). Não há ocorrências de alçamento clítico nos Períodos II e IV, por isso tais sincronias não aparecem na tabela. 93 I PB III PE PB V PE PB VI PE PB PE VII PB 3 1 2 1 Alçamento 1 (17%) (5%) (4%) (5%) (4%) clítico Tabela 4.4 Alçamento clítico no PB e no PE PE 1 (3%) Total PB PE 5 4 Uma diferença qualitativa entre as duas gramáticas reside no fato de que há ocorrências de alçamento clítico nas sincronias mais recentes (Períodos V, VI e VII) do Português Europeu, ao passo que, no PB, os dados encontrados se restringem aos Períodos I e II. E nem poderia ser diferente em função da pouca familiaridade dos falantes com os clíticos dativos na gramática brasileira. É importante destacar que quase todas as ocorrências de alçamento clítico ocorrem com o dativo ‘me’, obviamente correferente com o sujeito da oração encaixada. Destaque-se que, no Português Brasileiro, em 3 das 5 ocorrências de alçamento clítico, o verbo parecer está flexionado no pretérito perfeito do indicativo; em relação à gramática lusitana, a flexão do verbo de alçamento no pretérito perfeito ocorre em 3 dos 4 dados encontrados. 4.1.4 O deslocamento Diversos estudos a respeito do verbo de alçamento parecer indicam que o deslocamento é uma construção rara no sistema do Português Brasileiro, o que é confirmado nos resultados apontados neste trabalho, na tabela 4.1. Em contrapartida, tal estrutura ocorre com maior frequência na gramática portuguesa e em diferentes períodos de tempo (são 11 dados distribuídos em 5 sincronias; no PB, são 3 distribuídos em 2 períodos). As sentenças abaixo, em (15), podem ser consideradas ambíguas entre o deslocamento e o alçamento de tópico – discutido na próxima seção – devido ao alçamento de DP lexical e de DP pronominal de 3ª pessoa do singular, inviabilizando concluir se parecer passa a ser o responsável pela atribuição de Caso ao termo alçado. Como não há evidências empíricas atestando a ocorrência de alçamento de tópico no Português Europeu, diferentemente da gramática brasileira, as sentenças ambíguas foram consideradas instâncias de deslocamento. (15) a. Pouco?! [TopP [Catorze mil réis por hora]i [IP [øexpl] não me parece [CP que ti seja um ganho diminuto]]]! (PE, Eduardo Garrido, 1863, Período I) 94 b. Muito agradecido. [TopP Elei (o guarda) [IP [øexpl] também parece [CP que ti gostou]]]. Ora bem… (PE, Luísa Costa Gomes, 1996, Período VII) É importante destacar que há na amostra do PE dados que ilustram de forma clara o deslocamento: há 1 ocorrência com o sujeito da encaixada na 3ª pessoa do plural (16a) e outro na 2ª pessoa do singular (16b), com o pronome ‘tu’, como podemos observar. (16) a. Eu não tenho quatro mãos, e [ TopP [as suas de você]i [IP [øexpl] parece-me [CP que ti não servem para muito]]]. (PE, Matos Moreira, 1869, Período I) b. Há coisas que são importantes e coisas que não são importantes e ponto final. E [TopP tui [IP [øexpl] parece (é) [CP que ti não consegues distinguir]]]. (PE, Luísa Costa Gomes, 1996, Período VII) No Português Brasileiro, os 3 dados de deslocamento ocorrem com sujeito da encaixada na 1ª pessoa do singular e da 3ª pessoa do plural. Os dados estão em (17): (17) a. [TopP Eui [IP [ø expl] parece [CP que ti já falei com muita clareza]]]. (PB, Armando Gonzaga, 1933, Período IV) b. [TopP Eui [IP [øexpl] parece [CP que ti estou enganado]]]… (PB, Armando Gonzaga, 1937, Período IV) c. [TopP Até [as coisas inanimadas]i [IP [øexpl] parece [CP que ti têm medo de violência]]]. Tudo obedece ao medo. Mundo podre! (PB, Millôr Fernandes, 1955, Período V) 4.1.5 O Alçamento de tópico As sentenças em (18), dados da amostra de peças teatrais, são ilustrativos de alçamento de tópico no Português Brasileiro. Como já vimos, trata-se de uma estrutura que surgiu como um efeito colateral da remarcação do Parâmetro do 95 Sujeito Nulo na gramática brasileira (cf., entre outros, Duarte 2004, 2007a; Henriques 2008, 2012). Ressalte-se, porém, que, diferentemente do que se observa na fala popular contemporânea, não foram encontradas ocorrências de alçamento de tópico com pronome de 1ª pessoa neste trabalho. No entanto, a flexão do verbo parecer na 3ª pessoa do plural, em (18b), confirma a existência dessa construção na gramática do PB. (18) a. [IP Vocêi parece [CP que [TopP ti [IP Øi não tem confiança em mim]]]]. (PB, Silveira Sampaio, 1949, Período IV) b. [IP Vocêsi parecem [CP que [TopP ti [IP Øi não pensam na vida]]]]. (PB, Miguel Falabella, 1992, Período VII) Diferentemente do que foi apontado em estudos empíricos anteriores sobre o PB, não foram encontradas, no Português Europeu, ocorrências com DPs lexicais ou pronominais no plural alçados para Spec de IP de parecer. Conforme vimos, há apenas construções ambíguas entre o deslocamento e o alçamento de tópico, em que o verbo da matriz e o verbo da encaixada estão flexionados na 3ª pessoa do singular. Abaixo, em (19), há dados da amostra de peças brasileiras com o sujeito em Spec de IP nulo e preenchido. A sentença em (19a) é interessante, pois a ausência da marca de flexão da 2ª pessoa do singular atesta a simplificação do quadro flexional verbal no PB ao longo do século XX, como aponta Duarte (1993). Em (19e), encontra-se o único caso de alçamento de tópico em que o sujeito da encaixada é de referência indeterminada. (19) a. Não adiante te falar, né, Neiva? [IP Tui parece [CP que [TopP ti [IP Øi gosta]]]]. (PB, Miguel Falabella, 1992, Período VII) b. [IP Elei parece [CP que [TopP ti [IP Øi gosta muito da sua filha]]]]. Dará um bom marido… e um bom genro… (PB, Armando Gonzaga, 1937, Período IV) c. [IP Mas [a Magda]i, minha irmã, essai parece [CP que [TopP ti [IP Øi tem bicho de carpinteiro]]]]. (PB, Miguel Falabella, 1992, Período VII) 96 d. Tem que aprender a mexer com aqueles ferrinhos, [ IP mas [o salário]i parece [CP que [TopP ti [IP Øi compensa]]]]. (PB, Miguel Falabella, 1992, Período VII) e. [IP Pelo jeito, [Øarb]i parecem [CP que [TopP ti [IP [Øarb]i já levam a sua conta]]]]. (PB, Gastão Tojeiro, 1918, Período III) 4.1.6 A expressão do sujeito Na tabela a seguir, encontramos os resultados relativos à expressão (se nulo ou pleno) do sujeito nas construções sem alçamento – na oração encaixada – e com alçamento (alçamento padrão e alçamento de tópico) – em Spec de IP. A tabela revela os índices para os DPs pronominais (1ª, 2ª e 3ª pessoas), DPs lexicais (necessariamente plenos) e sujeitos de referência arbitrária. I II III IV Pronomes 1ª e 2ª pessoas 0/6 (0%) 1/6 (17%) 1/9 (11%) 2/3 (67%) Referência arbitrária 0/1 (0%) 0/2 (0%) 0/2 (0%) - - - 0/1 (0%) 3/3 2/8 Pronomes 3ª (100%) (25%) pessoa 6/12 (50%) 2/3 (67%) 0/2 (0%) 0/3 (0%) 2/4 (50%) DPs lexicais V VI VII 2/5 3/3 5/6 (40%) (100%) (83%) 10/10 13/13 18/18 5/5 8/8 3/3 5/5 (100%) (100%) (100%) (100%) (100%) (100%) (100%) Tabela 4.5 Sujeito pleno (vs. nulo) nas estruturas com e sem alçamento com parecer no PB I II III IV V VI VII 0/4 (0%) 0/19 (0%) 1/3 (33%) 0/1 (0%) 0/8 (0%) 2/9 (22%) 0/12 (0%) - 0/1 (0%) - - 0/1 (0%) 0/1 (0%) 0/2 (0%) Pronomes 3ª pessoa 1/5 (25%) 6/20 (30%) 1/3 (33%) 0/3 (0%) 1/1 3/11 (100%) (27%) 1/7 (14%) DPs lexicais 8/8 18/18 1/1 (100%) (100%) (100%) Pronomes 1ª e 2ª pessoas Referência arbitrária - 7/7 3/3 12/12 (100%) (100%) (100%) Tabela 4.6 Sujeito pleno (vs. nulo) nas construções com e sem alçamento com parecer no PE Excluindo os DPs lexicais e os sujeitos de referência arbitrária, podemos observar que o comportamento dos sujeitos de 1ª e 2ª pessoas é bem diferente nas duas gramáticas: enquanto no PB há um claro movimento em direção ao 97 preenchimento, de zero a 17% nas três primeiras sincronias, chegamos a uma média de 90% nas duas últimas. No PE, por outro lado, o sujeito é categoricamente nulo em cinco sincronias, incluindo a última. Estamos diante de um sistema bem estável em relação ao sujeito de 1ª e 2ª pessoas. Quanto à 3ª pessoa, é possível perceber que, no PB, há maior preferência pelo preenchimento do que na 1ª e 2ª pessoas, exceto nos Períodos V, VI e VII. Isso contraria a atuação da hierarquia referencial, cujo efeito é constatado em Duarte (1993, 2012). Contudo, em ambas as gramáticas, notamos que o DP pronominal de 3ª pessoa ocorre preferencialmente pleno se exibir os traços [+humano, +específico] (60% de preenchimento, no PB - 9 dos 15 dados -, e 46%, no PE - 6 das 13 ocorrências). Devido ao pequeno numero de sujeitos pronominais por sincronia, reunimos as três pessoas. O gráfico a seguir exibe duas linhas que representam o Português Brasileiro e o Português Europeu ao longo do tempo em relação à expressão dos DPs pronominais de 1ª, 2ª e 3ª pessoas nas construções com e sem alçamento (pronomes expressos versus nulos). 100% 90% 80% 70% 67% 70% 60% 50% 50% 40% 33% 30% 20% 29% 25% 33% 21% 11% 11% 5% 10% 15% 0% I II III Português Brasileiro IV V VI VII Português Europeu Gráfico 4.6 DP pronominal pleno (vs nulo) nas construções com e sem alçamento com parecer no PB e no PE Os índices de preenchimento são bem baixos e bem equilibrados no PE e no PB nas três primeiras sincronias, o que está de acordo com a análise de Duarte (1993) sobre a gramática brasileira. No Português Europeu, a preferência por 98 pronomes nulos continua a prevalecer, chegando a um índice categórico no Período IV. Nos Períodos V, VI e VII, os percentuais são modestos (11%, 25% e 5%, respectivamente). O Português Brasileiro, ao contrário, oscila entre sujeitos expressos (67% no Período IV) e nulos (apenas 29% de preenchimento no Período V), mas, nas duas últimas sincronias, em particular no Período VII, com 70%, sinaliza para um crescimento dos pronomes expressos. Em relação às construções com parecer, os resultados nos permitem concluir que: (a) em ambas as gramáticas a estrutura sem alçamento é a mais recorrente em todos os períodos de tempo e o alçamento padrão apresenta índices bem mais modestos, chegando a desaparecer na última sincronia com peças brasileiras; (b) o alçamento de tópico, um dos “encaixamentos” da mudança paramétrica em progresso no PB, surge na primeira sincronia do século XX, enquanto não foram encontrados dados que comprovam a sua ocorrência no Português Europeu; (c) em função de sentenças ambíguas entre o deslocamento e o alçamento de tópico na gramática lusitana – consideradas como instâncias de deslocamento –, PE apresenta maiores índices desta construção; e (d) o alçamento clítico, e mesmo a presença de clíticos com parecer em construções sem alçamento, se revelam produtivos no PE, certamente uma evidência da riqueza do quadro de clíticos dativos no Português Europeu, diferentemente do que ocorre no PB, em que ambos os tipos de clíticos – argumentais e não argumentais – estão ausentes na segunda metade do século XX. Passemos à segunda parte do capítulo. Nas próximas seções, as construções com os verbos acabar, bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar são analisadas. 4.2. Análise com os outros verbos de alçamento Nesta seção é feita a análise das sentenças com os verbos acabar, bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar, que serão chamados de “outros verbos de alçamento” ou “demais verbos de alçamento”. Como já foi dito, a separação entre esse grupo de verbos e parecer se faz necessária por se tratar de verbos com um comportamento diferente de parecer. Abaixo, nas figuras 4.1 e 4.2, é possível verificar o número de dados encontrados nas peças brasileiras e portuguesas com cada um dos verbos analisados nesta seção em todos os sete períodos de tempo. 99 Nas 38 peças que compõem a amostra do Português Brasileiro, foram encontrados 136 dados com os “outros verbos de alçamento”. A figura abaixo revela que grande parte das ocorrências está concentrada nos verbos acabar, bastar e custar, que, juntos, correspondem a 99 dados: Distribuição dos dados por verbo no PB 21 59 10 19 13 Acabar Demorar 7 7 Bastar Faltar Convir Levar Custar Figura 4.1: Distribuição geral dos dados no Português Brasileiro Ainda que a amostra portuguesa seja composta por 36 peças teatrais, foram coletados apenas 113 dados. Consequentemente, há um verbos com apenas 1 ocorrência – demorar e levar – e outro com 3 – faltar –, o que dificulta as análises quantitativa e qualitativa. À semelhança do que observamos no PB, acabar, bastar e custar são os verbos de alçamento mais recorrentes na amostra. Distribuição dos dados por verbo no PE 31 13 28 36 1 3 1 Acabar Demorar Bastar Faltar Convir Levar Custar Figura 4.2: Distribuição geral dos dados no Português Europeu Nas sentenças em (20), encontramos dados da amostra que ilustram a construção sem alçamento no PB com bastar e faltar, ora com o complemento sob a 100 forma de oração desenvolvida (um CP) ora reduzida (um InfP), possibilidades estruturais já destacadas no capítulo 1. (20) a. Vossa Excelência pode usar de outros termos: [IP [øexpl] basta [CP que eles exprimam o que o seu coração sente]]. (PB, França Júnior, 1862, Período I) b. Agora, [IP [øexpl] basta [InfP você esquecer de bajular a máfia de Gutemberg]]... (PB, Millôr Fernandes, 1979, Período VI) c. Muita bem, Mr. James. [IP [øexpl] Falta agora [CP que o senhor confirme o que acaba de dizer]] casando-se com uma brasileira. (PB, França Júnior, 1883, Período II) d. Vocêi só fala em emprego de malandro. É agência de automóveis, é corretagem de imóveis… [IP [øexpl] Só falta [InfP [ø]i querer ser jogador de futebol. (PB, Millôr Fernandes, 1955, Período V) Há, em (21), dois dados ilustrativos do alçamento padrão. Neles, verificamos o movimento do DP sujeito da oração encaixada para Spec de IP da oração em que se encontram os verbos levar e custar: (21) a. [IP Oito dias e oito noites [ø]i levei [PP a ti passar pela tua porta]], e tu não me aparecias; até que tomei a resolução de vestir esta opa para poder entrar aqui sem causar desconfiança. (PB, Martins Pena, 1844, Período I) b. Demorei-me um pouco, [IP porque [ø]i custei [PP a ti encontrar a condução]]. (PB, Armando Gonzaga, 1933, Período IV) Por fim, nas sentenças em (22), encontramos duas ocorrências de alçamento clítico com custar, o verbo mais receptivo a tal construção: (22) a. Pois depressa, que me não quero esquecer da passagem [IP que [øexpl] tanto mei custou [PP a ti estudar]]. (PB, Martins Pena, 1845, Período I) 101 b. A tal fingida já lhe disse tudo. Não é tanto assim, Senhor Doutor Carlos: a sociedade não está tão corrompida como julga e [IP [øexpl] custa-mei [PP a ti crer que, ainda tão jovem, já esteja tão descrente]]. (PB, França Júnior, 1862, Período I) A tabela abaixo apresenta a distribuição dos dados com os demais verbos de alçamento segundo o tipo de estrutura ao longo dos séculos XIX e XX no PB: I II III IV V VI VII Total Sem alçamento Alçamento padrão Alçamento clítico 12 (48%) 4 (57%) 10 (36%) 5 (33%) 7 (37%) 4 (36%) 2 (6%) 44 8 (32%) 2 (29%) 15 (53%) 10 (67%) 12 (63%) 7 (64%) 29 (94%) 83 5 (20%) 1 (14%) 3 (11%) - - - - 9 Total (100%) 25 7 28 15 19 11 31 136 Tabela 4.7 Estruturas com os outros verbos de alçamento em sete sincronias do PB Diferentemente do que encontramos em relação a parecer, os demais verbos de alçamento favorecem claramente o alçamento, já a partir do Período III – a mesma sincronia em que o alçamento de tópico (com parecer, obviamente) aparece pela primeira vez na amostra e o mesmo período em que se inicia o preenchimento dos sujeitos pronominais na amostra de Duarte (1993). No gráfico a seguir, representamos os percentuais presentes na tabela: 100% 94% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 57% 48% 29% 32% 67% 63% 64% 33% 37% 36% 53% 36% 20% 10% 0% 20% I 14% II 6% 11% III Sem alçamento IV V VI VII Alçamento padrão Alçamento clítico Gráfico 4.7 Construções de alçamento com os outros verbos ao longo do tempo no PB 102 Embora a construção sem alçamento esteja presente em todos os períodos de tempo, a sua pouca produtividade na última sincronia fica clara – foram encontrados apenas 2 dados, o que representa apenas 6% das ocorrências nas peças mais recentes. Em contrapartida, o alçamento padrão ganha força na gramática do PB a partir do Período III, com 53%, tornando-se uma estrutura quase categórica na última sincronia, com 94%. Quanto ao alçamento clítico, este se mantém até o Período III, representando 11% das ocorrências; nos demais períodos de tempo, provavelmente em função da simplificação do quadro de clíticos no Português Brasileiro, não há mais dados com tal estrutura. Os resultados acima vão ao encontro dos apresentados em outros trabalhos empíricos sobre o Português Brasileiro. Conforme vimos no capítulo 2, o alçamento padrão com os demais verbos atinge índices superiores a 80% na fala popular tanto nos anos 80 quanto nos anos 2000 (cf. Duarte 2004, 2007a) e se mostra como uma preferência quase categórica na escrita, representando 90% das ocorrências (cf. Henriques 2005; Henriques e Duarte 2006). No estudo diacrônico de Henriques (2008) sobre este conjunto de verbos de alçamento, os resultados também são convergentes, conforme podemos observar no gráfico e na tabela que se encontram no Anexo 3. Passando aos resultados gerais para o PE, apresentamos em (23) sentenças sem alçamento da amostra portuguesa em que os verbos de alçamento selecionam estruturas distintas: um CP e um InfP. Destaque-se (23a), em que se observa a flexão do verbo usar, na oração encaixada, na 2ª pessoa do plural, no Período VI, revelando a riqueza flexional que ainda resiste, aparentemente, no paradigma verbal no Português Europeu. (23) a. [IP [ø expl] Já basta [CP que ø useis comigo todo o poder e fascínio das vossas palavras]]. (PE, Norberto Ávila, 1985, Período VI) b. Tens sido um chefe de família exemplar, não há dúvida! [IP [øexpl] Basta [InfP [øarb] ver a linda situação para que nos atiraste! (PE, Luiz Francisco Rebello, 1954, Período V) 103 c. Vá! Vamos embora. [IP [øexpl] Não convém [CP que o Sr. Governador tenha de esperar por quem serve com tanta dedicação]]. (PE, Luís de Sttau Monteiro, 1961, Período V) d. [IP Decididamente, [øexpl] convém [InfP [ø arb] fechar a porta]]; vem ar demais! (PE, Eduardo Garrido, 1863, Período I) Os dados a seguir ilustram a ocorrência de alçamento padrão no PE. Novamente é possível comprovar que, na gramática portuguesa, o paradigma verbal é “rico”: a flexão de acabar na 2ª pessoa do singular, em (24b), não seria esperada no Português Brasileiro, em particular na última sincronia44. (24) a. [IP [As verdades]i custam sempre [InfP a ouvir ti]]. (PE, Luiz Francisco Rebello, 1954, Período V) b. A verdade é esta: [øi] Pretendias ser figura de primeiro plano desta comédia? [IP [ø]i Acabaste [PP por ti falar muito menos do que eu]]! (PE, Norberto Ávila, 1990, Período VII) Dados ilustrativos do alçamento clítico na gramática lusitana estão em (25). Ambas as ocorrências são das sincronias mais recentes. (25) a. Senhor, indiferente a qualquer comentário que a minha resolução possa merecer da parte de quem quer que seja, [IP [øexpl] basta-mei [InfP ti ouvir invocar o amor de Hamduna e a amizade de Abdala e Zuleika]]. Declaro-vos, portanto, estar pronto a aceitar essa proposta. (PE, Norberto Ávila, 1980, Período VI) b. [IP [øexpl] Mas custa-mei [InfP ti colaborar]], recuso-me. (PE, Luísa Costa Gomes, 1996, Período VII) 44 O dado em (i), retirado de uma peça teatral do mesmo período de tempo e apresentado em (22a), comprova que PB e PE têm paradigmas verbais distintos: (i) Não adiante te falar, né, Neiva? [IP Tui parece [CP que [TopP ti [IP Øi gosta]]]]. (PB, Miguel Falabella, 1992, Período VII) 104 A tabela abaixo apresenta uma fotografia, em números, das ocorrências das possibilidades estruturais com os demais verbos de alçamento nas sete sincronias analisadas e o gráfico permite visualizar essa trajetória: I II III IV V VI VII Total Sem alçamento Alçamento padrão Alçamento clítico 7 (54%) 8 (61%) 3 (50%) 5 (100%) 14 (29%) 4 (22%) 2 (20%) 43 1 (8%) 2 (15%) 2 (33%) - 24 (50%) 7 (39%) 7 (70%) 43 5 (38%) 3 (24%) 1 (17%) - 10 (21%) 7 (39%) 1 (10%) 27 Total (100%) 13 13 6 5 48 18 10 113 Tabela 4.8 Estruturas com os outros verbos de alçamento em sete sincronias do PE 100% 100% 90% 80% 70% 70% 60% 61% 54% 50% 50% 50% 39% 40% 38% 30% 20% 10% 33% 29% 24% 20% 8% 0% I 15% 17% II III Sem alçamento IV Alçamento padrão 21% 22% V VI 10% VII Alçamento clítico Gráfico 4.8 Estruturas de alçamento com os outros verbos ao longo do tempo no PE Não é possível perceber uma clara tendência em favor de uma ou outra estrutura, ao contrário do que se viu para o Português Brasileiro. Excetuando o Período IV, todas as formas estão em competição, havendo nas três últimas sincronias uma tendência de aumento do alçamento padrão e uma redução do não alçamento. A construção sem alçamento, preferida até o Período IV, exibe significativo declínio nas três últimas sincronias, enquanto o alçamento padrão inicia curva ascendente. O alçamento clítico, ao contrário do que verificamos no sistema do PB, se mostra presente em quase todos os períodos de tempo e com percentuais 105 consistentes, em particular nos Períodos I, II, V e VI. É interessante notar, ainda, a sua presença na amostra no Período VII, o que é coerente se levamos em consideração a familiaridade dos falantes com os clíticos dativos na gramática lusitana. 4.2.1 As construções sem alçamento No gráfico 4.9, abaixo, é possível contrastar a trajetória da construção sem alçamento com os outros verbos ao longo do tempo no Português Brasileiro e no Português Europeu. 100% 90% 80% 70% 60% 61% 54% 50% 40% 50% 57% 37% 48% 30% 36% 20% 33% 36% 20% 29% 22% 10% 6% 0% I II III Português Brasileiro IV V VI VII Português Europeu Gráfico 4.9 A construção sem alçamento com os outros verbos no PB e no PE Mais uma vez, notamos a semelhança no comportamento das duas gramáticas nas três primeiras sincronias. Enquanto o PB prossegue numa curva descendente até chegar apenas 6%, o PB, após o uso categórico do não alçamento no Período V, se mantém entre 29% e 20% em cinco décadas. No capítulo 1, na seção referente à descrição das construções de alçamento, vimos que alguns dos outros verbos podem selecionar complementos oracionais estruturalmente distintos nas sentenças com o expletivo nulo em Spec de IP. Ilustramos algumas dessas possibilidades em ambos os sistemas em (20) e (23), acima. A tabela 4.9 revela qual é o tipo de complemento oracional mais recorrente com os verbos bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar nas construções sem 106 alçamento. As células em preto indicam que o verbo não pode apresentar a referida estrutura oracional como argumento interno. InfP CP PP Total PB PE PB PE PB PE PB PE BASTAR CONVIR 10 17 11 10 21 27 4 6 4 2 8 8 CUSTAR 5 4 - - 2 2 7 6 - - 2 - 2 - 2 1 6 1 DEMORAR FALTAR 4 - LEVAR Total (100%) 23 27 17 13 - 1 - 1 4 3 44 43 Tabela 4.9 Estrutura do argumento oracional dos demais verbos no PB e no PE nas construções sem alçamento A leitura da tabela indica a convergência entre o Português Brasileiro e o Português Europeu. Podemos observar que, nas sentenças sem alçamento, a maior parte dos verbos apresenta como argumento interno uma oração reduzida (InfP). Os verbos bastar e convir são os únicos em que se nota a concorrência entre complementos oracionais distintos: InfP e CP (oração desenvolvida). Como apenas 3 dos 7 verbos analisados nesta seção podem apresentar como argumento interno uma oração regida de preposição (custar, demorar e levar) os poucos dados com PP são justificáveis. É possível fazer ainda uma outra leitura da tabela 4.9. Primeiramente, não há dados ilustrativos da estrutura sem alçamento com acabar. Em sentido contrário, todas as 21 ocorrências com bastar na amostra de peças brasileiras são de construção sem alçamento. O quadro não é muito diferente no PE: dos 31 dados com tal verbo 27 ilustram construções sem alçamento. Além disso, a preferência pelo não alçamento com faltar, na gramática lusitana, também é quase categórica (2 dos 3 dados encontrados na amostra). Destaque-se, ainda, que o único dado com levar no PE ilustra a construção sem alçamento e o único dado com demorar na mesma amostra é ilustrativo do alçamento padrão. Por fim, em relação ao verbo convir, nas duas gramáticas, a preferência é pela manutenção do expletivo nulo em Spec de IP. 107 4.2.1.1 Elementos à esquerda dos outros verbos Nas orações sem alçamento, é possível perceber que os verbos bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar aparecem, preferencialmente, em primeira posição na sentença. No Português Europeu, os verbos de alçamento estão em V1 em todas as sincronias; o menor percentual é 62%, no Período II. Dentre as possibilidades de elementos à esquerda de V, a presença do advérbio ‘não’ em algumas sentenças merece destaque. Quanto ao Português Brasileiro, não temos apenas V1 nos Períodos III e V. No Período III, observamos que a presença de negação e de advérbios aspectuais à esquerda dos verbos de alçamento concorre com o verbo de alçamento em primeira posição – cada um representando 50% das ocorrências. Encontramos, em (26), dados ilustrativos em que elementos aparecem à esquerda de V, no PB e no PE: (26) a. [IP [øexpl] Não convém [CP que vocês fiquem aqui]]. Vão lá para dentro. (PB, Gastão Tojeiro, 1920, Período III) b. [IP E [øexpl] não custa por isso [InfP ø admitir que tivessem procurado rebaixála, diminuí-la aos olhos de Vossa Excelência, com ou sem fundamento]]. (PE, Luiz Francisco Rebello, 1957, Período V) Em relação às orações sem alçamento, destaca-se, ainda, que na amostra brasileira não foram encontrados dados com a presença de clítico dativo junto aos demais verbos de alçamento. Por outro lado, no Português Europeu, foi encontrada apenas 1 única ocorrência, no Período V, com clítico, em (27). (27) [IP [øexpl] Convinha-te [CP que eu me calasse]], não era? As verdades custam sempre a ouvir… (PE, Luiz Francisco Rebello, 1954, Período V) 4.2.2 As construções com alçamento padrão Em linhas gerais, o gráfico 4.10 mostra que o alçamento padrão com os outros verbos é uma estrutura presente nas duas gramáticas desde a primeira sincronia do século XIX. 108 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 94% 67% 53% 32% 29% 63% 70% 64% 50% 39% 33% 15% 8% I II III Português Brasileiro IV V VI VII Português Europeu Gráfico 4.10 Alçamento padrão com os outros verbos no PB e no PE Os índices encontrados apresentam linhas ascendentes, mas colocam o PB sempre mais adiantado e regular em relação ao alçamento. A curva ascendente no Português Brasileiro ao longo das sincronias atinge o seu ápice no Período VII, quando o alçamento padrão se torna uma estrutura quase categórica, com 94%. É possível afirmar, diante desse resultado, que a preferência pelo movimento de um argumento do verbo da encaixada para Spec de IP se consolidou no PB, enquanto, no PE, os percentuais são mais oscilantes, e só na última sincronia se pode verificar o predomínio do alçamento, com 70%. Destaque-se, ainda, que a maior parte das ocorrências de alçamento padrão nas duas gramáticas é com acabar (59/83, correspondendo a 71% do total de dados, no PB; e 36/43, o equivalente a 84% das ocorrências). O estudo comparativo de Henriques (2006) com base em amostras de textos jornalísticos cariocas e lisboetas revela a preferência, tanto no PB quanto no PE, pelo alçamento padrão. Os índices são muito próximos aos apresentados nas tabelas 4.7 e 4.8: 91% no Português Brasileiro vs 76% no Português Europeu. Em outras palavras, o alçamento do DP sujeito da encaixada para Spec de IP é recorrente em ambas as gramáticas, embora, no PB, a preferência já seja quase categórica (cf. capítulo 2). 109 4.2.2.1 Tempo verbal Dentre os diversos grupos de fatores, 2 se mostram relevantes na análise das sentenças com alçamento padrão com os outros verbos: (1) o tipo de estrutura oracional que se apresenta como argumento interno dos verbos de alçamento e (2) o tempo verbal em que tais verbos aparecem flexionados. Em relação aos tempos verbais, é perceptível que acabar é o verbo de alçamento que exibe, nas amostras, a maior variedade de conjugações – ele aparece flexionado em diferentes tempos –, constituindo, em alguns casos, locuções. Observe as sentenças em (28): (28) a. A verdade é que eu me lembro que você i dizia que ia às passeatas, [IP porque [ø]i acabava [GerP ti correndo da polícia]] e emagrecia. (PB, Miguel Falabella, 1990, Período VII) b. Alguém sempre chora quando a gente morre. Faça um esforço [ IP que vocêi vai acabar [GerP ti se lembrando de alguém]]. Sua mãe, por exemplo… (PB, Miguel Falabella, 1992, Período VII) c. [IP Mais tarde ou mais cedo, [ø]i acabarás [PP por ti ceder]]. Como eu, como todos. (PE, Luiz Francisco Rebello, 1957, Período V) d. [IP E [ø]i acabei [PP por ti consentir no casamento, que será muito em breve]]. (PB, Norberto Ávila, 1990, Período VII) 4.2.2.2 Oração infinitiva complemento de preposição Em relação às ocorrências com custar – verbo que, no alçamento padrão, pode apresentar como complemento oracional um InfP ou um PP –, temos um ponto convergente entre o Português Brasileiro e o Português Europeu. Com base nos dados levantados, observamos que, quando o argumento interno de custar é uma oração infinitiva complemento de preposição (um PP), o movimento de um argumento da encaixada para Spec de IP se mostra categórico. Foram encontrados 5 dados ilustrativos de tal construção, no PB, e 3 dados, no PE. Alguns desses dados se encontram em (29): 110 (29) a. Pronto! [IP [ø]i Custei [PP a ti achar a faca]]! (PB, Lauro César Muniz, 1963, Período V) b. Há porém coisasi [IP quei mek custam [PP a [ø]k acreditar ti]]. (PE, Teixeira e Vasconcelos, 1871, Período II)45 4.2.3 O alçamento clítico A tabela a seguir revela, em números, a trajetória do alçamento clítico no PB e no PE ao longo dos séculos XIX e XX. I Alçamento clítico II III PB PE PB 5 5 (38%) 1 3 3 1 (14%) (24%) (11%) (17%) (20%) PE PB IV PE PB V PE PB VI PE 10 - - - (21%) PB - VII PE PB 7 (39%) - Total PE 1 (10%) PB PE 9 Tabela 4.10 Alçamento clítico com os outros verbos no PB e no PE No Português Brasileiro, temos 9 dados distribuídos em três sincronias, ao passo que, no Português Europeu, temos 27 ao longo de seis períodos de tempo. 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 39% 38% 24% 30% 20% 10% 21% 17% 10% 20% 0% I 14% II 11% III Português Brasileiro IV V VI VII Português Europeu Gráfico 4.11 Alçamento clítico com os outros verbos nas duas gramáticas 45 Como podemos observar, o elemento movido para Spec de IP é argumento interno do verbo da encaixada. Tal construção será discutida em momento oportuno, na seção 4.2.4. 27 111 O gráfico a seguir revela que o alçamento clítico, à semelhança do que vimos com o verbo parecer, está restrito às três primeiras sincronias no PB – os índices diminuem progressivamente (de 20%, no Período I, chegamos a apenas 11%, no Período III). No Português Europeu, os percentuais revelam uma variação estável, com exceção do Período IV. Até o último Período a construção é atestada, com 10% de ocorrências. Em (30), encontramos outros dados que ilustram a ocorrência de alçamento clítico nas amostras brasileira e portuguesa. (30) a. Eu é que sei o [IP quanto [øexpl] mei custa [InfP ti dar conta de tudo]]. (PB, Gastão Tojeiro, 1920, Período III) b. [IP [øexpl] Não tei convém [InfP ti ficar aqui]]. (PB, Gastão Tojeiro, 1918, Período III) c. A luta para ti já acabou. Compreendo [ IP que [øexpl] tei custe [InfP ti aceitar a derrota]]. Mas é assim mesmo. (PE, Luiz Francisco Rebello, 1954, Período V) d. Por amor de Deus não me obrigues a recordar tudo aquilo [ IP que tanto [øexpl] mei custou [PP a ti esquecer]]! (PE, Luiz Francisco Rebello, 1957, Período V) A observação cuidadosa dos dados encontrados aponta uma diferença qualitativa entre as duas gramáticas. Por um lado, no PE, há dados de alçamento clítico com diferentes pronomes, ‘me’: ‘lhe’, ‘nos’, ‘te’, ‘vos’; por outro, no PB, apenas duas ocorrências não são com o dativo ‘me’: uma com ‘lhe’ e outra com ‘te’, ambas no Período II. No Português Brasileiro, 7 dos 9 dados com alçamento clítico são com o verbo custar. As outras duas ocorrências são com convir e faltar. No sistema do PE, vemos também que custar é o que mais favorece o alçamento clítico, representando 70% do total das ocorrências (19 dos 27 dados). Há, ainda, dados com bastar (4 dados), convir (3 dados) e faltar (2 dados). A elevada frequência de alçamento clítico com custar, tanto no PB quanto no PE, talvez se justifique pelos dois tipos possíveis de estrutura com “custar + clítico 112 dativo”. A professora Ana Maria Martins, da Universidade de Lisboa, em comunicação pessoal, sinaliza que são permitidos dois tipos de construção com “custar + clítico dativo”, a depender da estrutura do complemento oracional do verbo de alçamento (se um InfP ou um PP). Atente-se para os exemplos fornecidos por ela: (31) a. [IP [øexpl] Custou-me(i) [InfP ti reprovar / ø reprovarmos o aluno]]. (“Fiquei triste por reprovar / reprovarmos o aluno”) b. [IP [øexpl] Custou-mei [PP a ti reprovar o aluno]]. (“Foi difícil conseguir reprovar o aluno”) Na primeira sentença, o infinitivo pode vir ou não flexionado. Se não houver flexão, podemos interpretar que o clítico ‘me’ corresponde a um argumento do verbo da encaixada, no caso, ao seu argumento externo, ilustrando o alçamento clítico. Note-se que, neste caso, custar exibe como complemento oracional um InfP. Em (31b), em função da presença da preposição ‘a’ introduzindo o argumento interno de custar, o infinitivo não é flexionado. Vemos também que o clítico ‘me’ corresponde ao argumento externo do verbo da encaixada – o que caracteriza o alçamento clítico. Entre parênteses, encontramos as interpretações atribuídas a casa frase no Português Europeu, segundo Ana Maria Martins. Os dados levantados nas peças revelam que o alçamento clítico com custar não ocorre somente quando o seu argumento interno é uma oração infinitiva complemento de preposição (um PP); há alçamento clítico também quando o argumento interno de custar é um InfP. Destaque-se que, no Português Europeu, dos 19 dados de alçamento clítico com tal verbo, em apenas 6 a oração encaixada é um PP – o que corresponde a 32% dos dados. Na gramática brasileira, o índice é ainda menor: 29% (2 dos 7 dados encontrados). 4.2.4 A representação do sujeito As tabelas 4.11 e 4.12, que reúnem os DPs pronominais de 1ª, 2ª e 3ª pessoas, os DPs lexicais e os sujeitos de referência indeterminada, apresentam os resultados relativos ao preenchimento da posição do sujeito do verbo da oração encaixada (plenos versus nulos). 113 I II III IV Pronomes 1ª 1/10 e 2ª pessoas (10%) 0/1 (0%) 6/15 (40%) 1/5 (20%) 3/7 4/4 9/19 (43%) (100%) (47%) 0/1 (0%) 1/5 (20%) 0/3 (0%) 0/2 (0%) 1/3 (33%) 0/1 (0%) 0/3 (0%) 0/3 (0%) - 0/2 (0%) 0/2 (0%) I II III IV V VI VII 0/3 (0%) 0/4 (0%) 0/2 (0%) 0/2 (0%) 4/19 (21%) 0/3 (0%) 1/4 (25%) 0/3 (0%) 0/3 (0%) 0/3 (0%) 0/3 (0%) 0/3 (0%) 0/2 (0%) 0/2 (0%) - 1/2 (50%) - - 2/7 (29%) 1/4 (25%) 0/2 (0%) 2/2 1/1 (100%) (100%) - Referência arbitrária Pronomes 3ª pessoa DPS lexicais V VI VII 4/4 (100%) 1/2 1/6 (50%) (17%) 4/4 2/2 6/6 5/5 8/8 2/2 2/2 (100%) (100%) (100%) (100%) (100%) (100%) (100%) Tabela 4.11 Sujeito pleno (vs. nulo) nas estruturas com e sem alçamento com os demais verbos no PB Pronomes 1ª e 2ª pessoas Referência arbitrária Pronomes de 3ª pessoa 9/9 (100%) 2/2 1/1 (100%) (100%) Tabela 4.12 Sujeito pleno (vs. nulo) nas estruturas com e sem alçamento com os demais verbos no PE DPs lexicais - Os resultados acima revelam um comportamento diferenciado entre as duas gramáticas: os índices de pronomes de 1ª e 2ª pessoas são significativamente mais altos no PB. Os sujeitos de referência arbitrária, em geral nulos, apresentam um comportamento que merece destaque na última sincronia do PB: os 4 dados com sujeito de referência indeterminada – todos em construção de alçamento padrão e com o verbo acabar – exibem o sujeito expresso46: (32) a. Pode até parecer mentira, [IP mas a gentei acaba [GerP ti acostumando]]. (PB, Miguel Falabella, 1992, Período VII) b. Seu problema, mãe, é que você fica muito sozinha. Não dá pra ficar sozinho. [IP A gentei acaba [GerP ti pensando besteira]]. (PB, Miguel Falabella, 1992, Período VII) 46 O preenchimento se dá por meio de estratégias contempladas em estudos anteriores sobre os sujeitos referenciais indeterminados: os pronomes ‘a gente’ e ‘você’. Note-se, em (32c), além do sujeito indeterminado preenchido, a realização fonética de todos os sujeitos pronominais na sentença por meio do pronome ‘você’. 114 c. Se vocêi não se importar, [IP vocêi acaba [GerP ti dormindo]]. Mas vocêi precisa não se importar de verdade. (PB, Miguel Falabella, 1992, Período VII) Quanto aos pronomes de 3ª pessoa, devemos mencionar a distribuição muito irregular dos dados do PE, mas é possível notar uma tendência ao maior preenchimento no PB. O gráfico 4.12 representa reunidos os índices de preenchimento dos DPs pronominais de 1ª, 2ª e 3ª pessoas no Português Brasileiro e no Português Europeu ao longo do tempo, nas construções com e sem alçamento (pronomes plenos versus pronomes nulos). 100% 90% 83% 80% 70% 60% 50% 35% 40% 30% 20% 40% 30% 25% 13% 17% 23% 10% 0% I II III Português Brasileiro IV V 14% 17% VI VII Português Europeu Gráfico 4.12 DP pronominal pleno (vs. nulo) nas construções com e sem alçamento com os outros verbos no PB e no PE As duas linhas representativas das duas gramáticas sinalizam que, à exceção do Período VI, o DPs pronominais aparecem preferencialmente nulos na amostra brasileira, com índices que oscilam entre 13%, numa extremidade, e 40%, na outra, o que não é uma diferença a ser desconsiderada. No Português Europeu, tal preferência se dá em todas as sincronias e se mostra categórica nos Períodos I, III e IV – o maior índice encontrado para o sujeito pleno aparece no Período V, com 23%, ou seja, estamos diante de um sistema que privilegia o sujeito nulo. Em função do reduzido número de dados de preenchimento com DPs pronominais de 3ª pessoa – apenas 4 tanto no PB quanto no PE –, não é possível 115 testar a atuação da hierarquia referencial proposta por Cyrino, Duarte e Kato (2000). Em relação ao verbo parecer, como vimos, os traços [+humano, + específico] aparecem como os mais favoráveis ao preenchimento dos pronomes de 3ª pessoa. Com base apenas nas sentenças que ilustram a construção sem alçamento, a tabela a seguir revela que, independentemente da estrutura do argumento interno oracional dos outros verbos de alçamento, os DPs pronominais (1ª, 2ª e 3ª pessoas) do verbo da encaixada aparecem preferencialmente nulos, tanto no PB quanto no PE. InfP Português Brasileiro Português Europeu CP PP Total 3/15 2/9 0/2 5/26 (25%) (22%) (0%) (19%) 0/12 2/9 0/1 2/22 (0%) (22%) (0%) (9%) Tabela 4.13 DPs pronominais plenos (vs. nulos) nas construções sem alçamento de acordo com o tipo de oração no PB e PE Como podemos notar, nas orações introduzidas por preposição, o sujeito da encaixada aparece sempre nulo em ambas as gramáticas47. No Português Europeu, o mesmo ocorre nas orações infinitivas, diferentemente do que observamos no Português Brasileiro, em que 25% das ocorrências são de sujeito pleno. PB e PE também apresentam comportamento semelhante quando o complemento oracional do verbo de alçamento é um CP: os sujeitos nulos são a forma preferencial, correspondendo a 78% dos dados. Nas sentenças em (33), temos o alçamento padrão com custar. Diferentemente dos dados de alçamento padrão com todos os outros verbos analisados neste trabalho, percebemos que os elementos movidos para Spec de IP 47 A depender da preposição que rege o PP oracional, o sujeito nulo na encaixada é a única opção. Como vemos em (i), este parece ser o caso da preposição ‘a’: (i) a. [IP [øexpl] Demorou muito [PP a ø fazer]]. b. *Demorou muito a ele fazer. c. [IP [øexpl] Levou meses [PP a ø fazer]]. d. *Levou muito a ele fazer. Por outro lado, se a preposição ‘para’ introduzir o PP, pode haver variação entre as formas nula e plena, ainda que Martins (comunicação pessoal) considere que o preenchimento em (iia) tornaria, a seu ver, a frase “muito marginal”, no PE. Além disso, a autora considera que a preposição ‘para’ regendo o complemento oracional é característico do Português Brasileiro. Observe: (ii) a. [IP [øexpl] Demorou muito [PP para ø/ele fazer]]. b. [IP [øexpl] Levou meses [PP para ø/ele fazer]]. 116 de custar não são argumento externo do verbo da oração encaixada; eles são argumentos internos. Observe: (33) a. [IP [As verdades]i custam sempre [PP a [øarb] ouvir ti]]… (PE, Luiz Francisco Rebello, 1954, Período V) b. Isso. Falai, Leonor. [IP [As mágoas]i, compartilhadas, custam menos [PP a [øarb] sofrer ti]]. (PE, Dom João no jardim das delícias, 1985, Período VI) c. Há porém coisasi [IP quei mek custam [PP a [ø]k acreditar ti]]. (PE, Teixeira e Vasconcelos, 1871, Período II) Embora a posição de base dos DPs movidos não seja a de argumento externo, é inquestionável a ocorrência de alçamento se levamos em conta a flexão do verbo custar, nos três casos. Assim, os DPs alçados recebem Caso nominativo – função diferente daquela que exerciam em sua posição de origem. Temos, diante desse quadro, uma questão: podemos considerar as três sentenças em (33) como instâncias de alçamento padrão se os DPs movidos não são argumento externo do verbo da encaixada? A professora Ana Maria Martins, em comunicação pessoal, defende que em tais dados há alçamento e justifica com dois argumentos: (1) o alçamento de argumento interno com verbo na forma não finita é possível e (2) custar é um verbo que pode ter sujeito nominativo, como fica atestado nos exemplos fornecidos pela própria professora, em (34). (34) a. [IP Eui custei [PP a ti comer essas batatas cozinhadas em água salgada]]. b. Tomei vários medicamentos e [as dores de cabeça]i não passavam. [ IP [ø]i Custaram imenso [PP a ti passar]]. c. [IP Elesi custaram [PP a ti resolver os problemas de matemática]]. Martins ainda sinaliza que em algumas sentenças com alçamento padrão o clítico dativo pode vir junto ao verbo de alçamento, como em "Os problemas de 117 matemática custaram-me a resolver". Temos em (33c), um dado que ilustra tal possibilidade. Os resultados encontrados para os demais verbos de alçamento revelam que (a) embora o PB e o PE apresentem ampla preferência pelo alçamento padrão, na gramática brasileira, tal preferência é quase categórica; (b) alguns verbos se mostram amplamente favoráveis ao movimento do DP sujeito da encaixada para Spec de IP, mas acabar é o único cujos dados exibem categoricamente o alçamento padrão, em ambas os sistemas; (c) o alçamento clítico é mais frequente no Português Europeu devido ao seu produtivo sistema de clíticos, ao passo que, no PB, ele fica restrito aos Períodos I, II e III. 118 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta seção, procuraremos retomar os pontos levantados nesta Tese e as respostas a que conseguimos chegar. A análise dos resultados para os oito verbos de alçamento investigados neste trabalho, com base em duas amostras de peças de teatro brasileiras e portuguesas, escritas ao longo dos séculos XIX e XX, revela que, embora o Português Brasileiro e o Português Europeu apresentem pontos convergentes, há imensas diferenças entre eles, o que fornece mais indícios para a hipótese de que as duas gramáticas constituem Línguas-I distintas, conforme Galves (1998). As diferenças, como (re)veremos brevemente a seguir, estão estreitamente ligadas à produtividade do sistema de clíticos no PE, à representação (se nulo ou pleno) da posição do sujeito pronominal na oração encaixada, se temos uma sentença sem alçamento, ou em Spec de IP, nas construções com alçamento, e à ocorrência de alçamento de tópico, uma clara evidência do “encaixamento” da mudança paramétrica em curso no Português Brasileiro. A análise foi dividida em duas partes: a primeira leva em conta apenas os dados com o verbo parecer – o único nas amostras de peças teatrais que exibe a ocorrência das cinco possibilidades estruturais de alçamento investigadas (a construção sem alçamento, o alçamento padrão, o alçamento clítico, o deslocamento e o alçamento de tópico) – e a segunda abarca as sentenças com os demais verbos de alçamento (acabar, bastar, convir, custar, demorar, faltar e levar), que apresentam um menor número de possibilidades. Em linhas gerais, quanto à construção de alçamento preferencial, parecer e os demais verbos divergem tanto no PB quanto no PE. Contudo, quando observamos a presença de clíticos (argumentais e não argumentais) na gramática brasileira, vemos que todos os verbos se distanciam dos dados encontrados no Português Europeu. Em relação ao verbo parecer, observamos que nas duas gramáticas a construção sem alçamento é a preferencial em todos os períodos de tempo. Na última sincronia (Período VII, década de 90 do século XX), vemos 56% de ocorrências de tal estrutura, no PB, ao passo que, no PE, o percentual atinge 73% uma diferença significativa. Ressalte-se que as sentenças sem alçamento, no sistema brasileiro, concorrem com o alçamento de tópico, que alcança 44% no Período VII. Como se trata de uma construção que surgiu na gramática do PB (já a partir do primeiro quartel do século XX, com 15%) e tem sua ocorrência 119 implementada como possível reflexo da remarcação do Parâmetro do Sujeito Nulo, a sua não ocorrência no Português Europeu é justificável. Devido às sentenças ambíguas, os índices relativos ao deslocamento são maiores no Português Europeu (no PB, há apenas 3 dados nos Períodos IV e V). As ocorrências de alçamento clítico, estrutura em que o DP sujeito da encaixada é alçado em forma de clítico, que se cliticiza ao verbo parecer, na oração matriz, são restritas em ambas as gramáticas. No PE, as únicas 4 ocorrências ilustrativas desta construção se encontram distribuídas ao longo dos Períodos I, V, VI e VII (representando, respectivamente, 6%, 5%, 4% e 3% do total de dados em cada sincronia). Por outro lado, no Português Brasileiro, foram encontrados 5 dados, que se restringem aos Períodos I e III (respectivamente, 17% e 4% do total de ocorrências em cada sincronia), portanto, às peças escritas no século XIX e nos anos 1920. A redução do quadro de clíticos no PB reflete tanto na diminuição do seu uso nas construções sem alçamento (parece-me que ele me enganou) quanto nas construções de alçamento clítico (parece-me ter sido enganado), em que o sujeito da encaixada se cliticiza ao verbo parecer. Tanto no primeiro caso quanto no segundo, atestamos o desparecimento desses clíticos no PB – os primeiros desaparecem a partir dos anos 1950, enquanto os segundos só são atestados em apenas duas sincronias, primeira metade do século XIX e anos 1920. Em contrapartida, na gramática lusitana, encontramos, na última sincronia, 40% dos dados sem alçamento com a presença do clítico dativo – um resultado que se opõe claramente ao observado no PB. Isso acontece porque, no Português Europeu, temos um sistema de clíticos mais produtivo. Um outro ponto divergente entre o PB e o PE quanto aos resultados com parecer está relacionado à expressão dos DPs pronominais de 1ª, 2ª e 3ª pessoas. No Português Brasileiro, vemos que o sujeito pleno aparece em 70% das dados na última sincronia – seja na oração encaixada ou em Spec de IP –, percentual que corrobora os resultados do estudo diacrônico de Duarte (1993), que aponta a preferência pelo preenchimento da posição do sujeito pronominal referencial no Período VII. Ao contrário do observado no PB, a gramática lusitana prefere o sujeito nulo – basta atentarmos para o índice de preenchimento nas peças do último período de tempo, apenas 5%. 120 Os outros verbos de alçamento, que só exibem nas amostras 3 possibilidades estruturais (sem alçamento, alçamento padrão e alçamento clítico), apresentam, aparentemente, o mesmo comportamento no PB e no PE. Em ambas as gramáticas, observamos que o alçamento padrão é a estrutura mais recorrente na última sincronia. Note-se, porém, que os percentuais e a sua trajetória ao longo do tempo são distintos. Se, por um lado, no Português Brasileiro, temos 94% de ocorrências de alçamento padrão – uma preferência quase categórica –, por outro, no Português Europeu, encontramos um índice relativamente menor, 70%. Além disso, ainda que o alçamento padrão com os demais verbos se apresente como uma construção presente na gramática do PB e do PE desde a primeira sincronia, ela se torna a estrutura mais recorrente na gramática brasileira já a partir do Período III, ao passo que, na gramática lusitana, só observamos o seu predomínio no Período VII. Destaque-se que, tanto no Português Brasileiro quanto no Português Europeu, todos os dados com o verbo acabar são representativos do alçamento padrão. É preciso ressaltar que o alçamento padrão, que, como vimos, está praticamente ausente no PB com o verbo parecer, mas é a estratégia preferencial com os outros verbos, não é exclusivo de línguas de sujeito nulo. Como partimos da hipótese de que o PB preferiria realizar a posição de sujeito com alçamento, verificamos que o alçamento padrão com parecer foi substituído pelo alçamento de tópico, enquanto com os demais verbos a única alternativa foi o alçamento padrão. A produtividade dos clíticos dativos no PE também reflete nas estruturas de alçamento com os outros verbos. Em relação à construção sem alçamento, verificamos que não foram encontrados dados com clíticos dativos, no PB, e há apenas 1 dado com o verbo convir, no Português Europeu. No entanto, as diferenças quanto às ocorrências de alçamento clítico nas duas gramáticas são imensas. À exceção do Período IV, há dados ilustrativos de tal construção em todas as sincronias no PE; no Português Brasileiro, as ocorrências de alçamento clítico ficam restritas aos Períodos I, II e III, resultado semelhante ao encontrado para parecer na gramática brasileira. Notamos, ainda, divergências entre o PB e o PE no que diz respeito à expressão dos DPs pronominais de 1ª, 2ª e 3ª pessoas nas estruturas sem alçamento e de alçamento padrão com os demais verbos. No Português Brasileiro, temos 40% de dados com sujeito pleno no Período VII – índice inferior ao encontrado para parecer e que vai de encontro aos resultados encontrados por 121 Duarte (1993). O preenchimento é ainda menor no Português Europeu, 17%, mas está de acordo com o seu traço [ + sujeito nulo ]. Com base na leitura dos resultados levantados para o Português Brasileiro, em processo de remarcação do Parâmetro do Sujeito Nulo, podemos apontar, na escala a seguir, os verbos que mais favorecem o preenchimento de Spec de IP através do alçamento do DP sujeito do verbo da encaixada. 0% 26% 28% 71% 100% (1) bastar, custar convir e demorar acabar e levar faltar parecer Mesmo parecer sendo o único verbo que pode figurar nas cinco construções de alçamento contempladas nesta análise, percebemos que em apenas 28% do seu total de dados ocorre alçamento (42 de 149 ocorrências), seja o alçamento padrão ou o alçamento de tópico. Por outro lado, acabar e levar se mostram os mais favoráveis ao preenchimento de Spec de IP por meio do movimento do DP sujeito da encaixada – ambos com 100%. Em relação ao verbo acabar, o resultado é ainda mais relevante, pois, na amostra brasileira, foram encontrados 59 dados; com levar, apenas 13. Ao contrário, não há ocorrências de alçamento padrão, na amostra analisada, com bastar, convir e faltar (embora dados de fala e escrita contemporâneas apresentem ocorrências). Diante dos resultados brevemente revistos, é possível concluir que: (a) de fato, o alçamento de tópico parece surgir no Português Brasileiro como um subproduto da mudança paramétrica em curso; (b) conforme o esperado, o alçamento padrão com parecer não se apresenta como uma construção muito produtiva em nenhuma das gramáticas, mas, enquanto está em distribuição regular no PE, está em extinção na nossa amostra, corroborando dados de fala e escrita atuais; (c) o alçamento clítico com todos os oito verbos de alçamento se mostra mais recorrente e mais bem distribuído ao longo do tempo no Português Europeu, confirmando a expectativa inicial de que tal construção ficaria restrita, no PB, às primeiras sincronias; (d) a presença de clítico dativo junto a parecer nas sentenças sem alçamento desaparece da gramática brasileira a partir do Período V, enquanto 122 se mantém presente nas últimas sincronias do PE, confirmando as expectativas; (e) ao contrário do esperado, o índice relativo ao preenchimento dos DPs pronominais nos dados com os demais verbos, no Português Brasileiro, giram em torno dos 40% no Período VII, distanciando-se dos resultados levantados por Duarte (1993) para a mesma sincronia. Portanto, há estruturas que se encontram ausentes em um dos sistemas – é o caso do alçamento de tópico, no PE, e do alçamento clítico, no PB (a escassez de clíticos dativos, como vimos, também afeta as sentenças sem alçamento com parecer) – e estruturas possíveis no PB e no PE, mas que ocorrem com frequências distintas – é o caso da preferência, no Português Brasileiro, pelo uso do pronome lexical para evitar o sujeito nulo nas construções com parecer, ao contrário do que se observa no Português Europeu. Diante desse quadro, podemos afirmar que este trabalho fornece subsídios para defender a hipótese de Galves (1998) de que PB e PE constituem Línguas-I diferentes. O gráfico a seguir compara os resultados levantados para o Português Brasileiro, com base em amostras de peças de teatro, sobre o alçamento de tópico (obviamente com parecer) e o alçamento padrão (com os outros verbos) – reflexos da mudança paramétrica em curso – com os obtidos para o crescimento de ter existencial versus haver (cf. Marins 2013) – outra evidência do “encaixamento” da mudança na gramática do PB e a representação plena versus nula dos sujeitos referenciais definidos revelados no estudo de Duarte (1993): 100% 94% 90% 80% 81% 67% 70% 60% 53% 32% 20% 30% 20% 0% 72% 65% 64% 44% 48% 40% 10% 50% 46% 50% 63% 67% 29% 25% 23% 15% 15% 13% 11% V VI 8% 3% I 9% II III Ter existencial Sujeitos plenos (Duarte 1993) 2% IV VII Alçamento de tópico Alçamento padrão Gráfico I Possível correlação entre diferentes fenômenos envolvendo a posição do sujeito no PB 123 Em linhas gerais, podemos perceber que a curva é ascendente para os quatro fenômenos, particularmente a partir da segunda metade do século XX (Período V). Os resultados são consistentes. À medida que o Português Brasileiro caminha em direção ao preenchimento do sujeito referencial, o contexto das construções impessoais sofre alterações: o expletivo nulo tende a ser evitado por meio da inserção de elementos referenciais (o que é permitido por ter existencial, como em você não tem mais comércio no centro da cidade) ou do movimento de constituintes para Spec de IP (como vimos nas construções de alçamento investigadas nesse trabalho). O gráfico acima deixa muito mais evidente que o Português Brasileiro está passando por um profundo processo de mudança que afeta diferentes contextos estruturais. O preenchimento de Spec de IP convive com o expletivo nulo, nas construções impessoais. Por sua vez, o sujeito nulo referencial, ainda que em menor frequência, convive com o sujeito pleno referencial. Em outras palavras, o caso do Português Brasileiro evidencia que o Parâmetro do Sujeito Nulo não é mais uma questão restrita à marcação positiva versus negativa. Como vimos no terceiro capítulo, a proposta de Roberts e Holmberg (2010), dentro da versão minimalista de Princípios e Parâmetros, sinaliza para a (co)existência de 4 tipos de línguas de sujeito nulo, o que parece dar conta, no momento, das peculiaridades das duas gramáticas aqui investigadas. Nessa proposta, com base nos resultados levantados na nossa análise, o PB estaria inserido no conjunto das línguas de sujeito nulo parcial, que permite sujeitos referenciais nulos sob certas condições, como a presença de um antecedente na mesma função (cf. Barbosa, Duarte e Kato, 2005), enquanto o Português Europeu pertenceria ao grupo das línguas de sujeito nulo consistente. Há, entretanto, características das sentenças existenciais que não estão contempladas em tal proposta, o que instiga a continuação das pesquisas envolvendo estas estruturas. 124 Referências das peças brasileiras CALLADO, Antônio. “Pedro Mico”. SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais). 1954. 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São Paulo: Parábola Editorial, 2006. 139 ANEXO 1 Sem alçamento Alçamento padrão Deslocamento Hiperalçamento Total Período I Período II Período III Período IV Período V Período VI Período VII Total 5 (100%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 5 (100%) 26 (81%) 6 (19%) 0 (0%) 0 (0%) 32 (100%) 8 (57%) 4 (29%) 0 (0%) 2 (14%) 14 (100%) 4 (40%) 3 (30%) 1 (10%) 2 (20%) 10 (100%) 6 (75%) 0 (0%) 0 (0%) 2 (25%) 8 (100%) 4 (50%) 3 (38%) 0 (0%) 1 (12%) 8 (100%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 7 (100%) 7 (100%) 53 Tabela I: Construções com parecer ao longo do tempo (Henriques 2008) 100% Sem alçamento 100% 90% Alçamento padrão Hiperalçamento 81% 80% 100% 75% 70% 57% 60% 50% 50% 40% 40% 29% 30% 38% 30% 25% 19% 20% 20% 14% 12% 10% 0% 0% Período I II III IV V VI VII Gráfico II: Construções com parecer em sete sincronias (Henriques 2008) 16 1 14 84 140 ANEXO 2 Em (1), (2) e (3), encontramos dados que ilustram o alçamento padrão com parecer, localizado, respectivamente, em 1ª oração, oração completiva e oração adverbial: (1) a. [IP O senhor secretárioi parece [InfP ti estar sofrendo de sentimentalismo agudo]]. (PB, Gastão Tojeiro, 1920, Período III) b. Mas afinal a Sr.ª Luísa Maria sustenta a sua palavra ou quer dar a água ao José de Maria Rosa? [IP A sua vinda a esta casai parece [infP ti indicar novidade]]. (PE, Teixeira de Vasconcelos, 1870, Período II) (2) a. O pior é que [IP o rapazi parece [InfP ti não ter jeito]] para arranjar noiva. (PB, Humberto Cunha, 1938, Período IV) b. Senhor, com grande contentamento vos digo que [IP tudoi parece [InfP ti correr a vosso e a nosso favor]]. (PE, Norberto Ávila, 1980, Período VI) (3) É falso, falsíssimo. Tenho por tão delicada a sensibilidade da mulheri que [IP [ø]i me parece esquivar-se à nossa apreciação]]. (PE, Teixeira e Vasconcelos, 1871, Período II) 141 ANEXO 3 Período Período Período Período Período Período Período Total I II III IV V VI VII 3 6 0 4 6 0 2 21 (43%) (55%) (0%) (40%) (60%) (0%) (14%) (31%) 4 5 4 6 4 11 12 46 (57%) (45%) (100%) (60%) (40%) (100%) (86%) (69%) 7 11 4 10 10 11 14 67 (100%) (100%) (100%) (100%) (100%) (100%) (100%) (100%) Sem alçamento Alçamento Total Tabela II: Construções de alçamento com os outros verbos ao longo do tempo (Henriques 2008) 100% 100% 100% 90% Sem alçamento 80% Alçamento 86% 70% 60% 57% 50% 43% 60% 55% 45% 40% 40% 40% 60% 30% 20% 14% 10% 0% Período I II III IV V VI VII Gráfico III: Construções de alçamento com os demais verbos em sete sincronias (Henriques 2008)