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LITERATURA
Professor (a): Cristhéfany
3º Ano – Matutino
1° Bimestre
Aluno (a):
O que é amor platônico?
Filosofia e medicina; Platão e Freud – há aproximações?(1) Quem é que não busca “coisas sobre o amor”
para ler? E quem é que não conversa sobre o amor e
sexo com seu médico? Freud, o médico, leu Platão, o
filósofo. Penso que Platão, homossexual em uma cultura pagã, adoraria ler Freud, heterossexual em uma
cultura judaico-cristã.
Freud inventou a Psicanálise (com P) – a medicina
tentou ser filosofia. Platão inventou a Filosofia (com
F)(2) – uma espécie de medicina da alma. Ambos fizeram avaliações a respeito dos frutos mais sofisticados
de nossa cultura ocidental. E o belo, para eles, esteve
sempre em alta nessa avaliação. Também quiseram
explicar como era a gênese dessa sofisticação cultural.
Suas explicações apontaram para um mesmo elemento. Na cultura em que Platão viveu esse elemento não
era pertencente ao indivíduo. Era algo exterior, do
mundo. Para uma boa parte, tratava-se de uma divindade. Seu nome era Eros, o amor.(3) No âmbito da
civilização moderna e romântica em que Freud viveu o
amor já havia caído para o “interior”, tinha se tornado
força psíquica. Freud lhe chamou de libido, de energia
sexual.
Freud e Platão colocaram o amor e, portanto, o desejo,
como aquilo que está na base da força que nos impulsiona para a criação cultural. Mas há diferenças. Platão
não responsabiliza o amor por toda e qualquer criação
cultural, mas somente as mais sofisticadas. Freud preferiu ser mais democrático, e deu à libido a responsabilidade de toda e qualquer criação que pudesse ser
chamada de elemento da civilização. As transformações da energia sexual, que Freud chamou de sublimação – uma espécie de elaborado auto-recalque –,
estariam na gênese dessa fantástica criação humana
que é a civilização. Platão apontou para algo semelhante. Todavia, tratava-se de algo mais parecido com
uma escada, e não um caminho qualquer. Uma escada
que daria, a cada degrau, não uma etapa a mais na
elaboração do auto-recalque, mas uma escada que
faria o desejo sair do âmbito do inicialmente particular e
ir para o mais geral – do mais relativo para o que beira
o absoluto.
Para Freud esse caminho poderia ser percorrido pelo
homem com algum êxito. Caso tudo desse certo, a
Psicanálise seria a forma de descrição desse caminho;
ela não teria que ter um apêndice denominado terapia
psicanalítica. Seria uma medicina descritiva, acadêmica. Sua função seria apenas a de mostrar o funcionamento de todos nós. Para Platão a escada não havia
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Data: 14 / 02 / 2014
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sido feita para todos e, portanto, não haveria perigo de
qualquer tropeço em algum degrau. Cada escolhido
para subir logo sentiria, já no primeiro degrau, suas
potencialidades e, então, teria condições de decidir
continuar ou não. Eros lhe diria claramente isso. E este
é o ponto em que as semelhanças entre Freud e Platão
diminuem.
No processo de descrição do caminho de produção da
civilização, Freud detectou algo que ele denominou de
“mal estar”. Muitos não agüentariam o necessário para
passar do recalque ao auto-recalque e deste para a
situação sublimada. Adoeceriam. Então, a Psicanálise
teria sempre de ser uma medicina, uma atividade de
prescrição de receitas e administração de remédios.
Enfim, Freud jamais pressentiu qualquer ameaça ao
seu emprego de médico. Ao contrário, ele até chegou a
dizer que, no futuro, a medicina tradicional, com remédios químicos, voltaria a predominar no âmbito dos
problemas psíquicos – e isso seria o correto. Por conta
de drogas medicinais alguns de nós, apesar dos problemas adquiridos no esforço civilizatório, poderiam ser
felizes.
Diferentemente, Platão não viu a subida da escada
como produzindo qualquer tipo de mal-estar. Nenhuma
doença adviria por conta de se querer encontrar as
Formas, o mais Real e, por causa disso e nesse processo, exercer plenamente a filosofia. Quem sobe as
escadas começa tal empreendimento de maneira sadia
e termina de maneira sadia. Ao final, tocando as Formas, o mais Real, tem tudo para ser feliz. Eis que o
projeto de eudaimonia se faz possível. Essa escada
platônica é aquilo que está contado em seu livro O
Banquete.
O Banquete tem como cenário uma festa. A festa é na
casa de Agatão, um jovem poeta. E o motivo da festa é
a comemoração do prêmio recebido pelo anfitrião, uns
dias antes, em um concurso de poesia. Durante a festa, em determinado momento, há a proposta de se falar
sobre o amor – Eros. Todos tecem suas considerações, tentando expor o que entendem como sendo o
amor. Agatão é o penúltimo. Sócrates, o último.
Sócrates diz que não vai fazer um grande discurso,
mas apenas contar o que uma mulher da Mantinéia, a
sábia Diotima, lhe havia ensinado sobre o amor. Teria
sido ela a responsável pela iniciação de Sócrates no
que denominou de “os mistérios do amor”.
No relato de Diotima o Amor é concebido no dia de
nascimento de Afrodite, por um “golpe” de Penúria
sobre Recurso. Recurso adormece e Penúria deita-se a
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seu lado. Enfim, consegue engravidar. O Amor, filho de
ambos, ganha características do pai e da mãe: sempre
oscilando entre dois pólos. Um pólo, o das completudes, como o pai, e outro pólo o das carências, como a
mãe. O Amor não é um deus, mas um gênio, um tipo
de espírito. É um gênio que está sempre entre dois
extremos. Assim, estando a meio caminho, tem consciência do que é a carência e do que é a completude, e
busca a primeira. Por isso o Amor é busca. A natureza
do Amor é a de buscar o belo, em um sentido amplo da
palavra, que engloba também o bem. O que é belo é o
que é digno de ser amado, e o Amor assim faz. Age de
modo a ter a posse do que é desejado; e conseguindo
isso, atinge a satisfação e tem tudo para ficar feliz. E
podemos admitir que todos querem ser felizes. Todavia, se assim é, qual a razão de nem todos estarem enamorados, uma vez que isso seria, no limite, querer
ser feliz?
uma coisa, como em um animal ou na terra ou nos céu
ou em algum outro lugar, mas ela própria por ela mesma e com ela mesma, é sempre uma em forma; e todas as outras coisas belas exercem um compartilhamento nisso, de tal modo que quando outras coisas
emergem ou perecem, ela não se torna nem um pouco
maior ou menor nem sofre qualquer mudança. Assim,
quando alguém aparece subindo por esses estágios,
através do correto amor de garotos, e começa a ver
esta beleza, já quase agarrou seu objetivo. Isto é o que
é ir corretamente, ou ser conduzido por outro, no mistério do Amor: ele vai sempre mais acima por razão desta Beleza, começando das coisas belas e utilizando-as
como degraus de subida: de um corpo para dois e de
dois para todos os corpos belos, então, dos corpos
belos para os belos costumes, dos costumes para o
aprendizado das coisas belas, e dessas lições ele chega no fim nesta lição, em que há o aprendizado dessa
completa Beleza, assim, no final ele acaba por saber
exatamente o que é ser belo(4).
A resposta de Diotima para esta pergunta, que ela
mesma faz, é de que nem todo tipo de busca é denominada por nós de amor. O que os apontamos que
estão enamorados querem é o que há de melhor, o
bem; e querem o bem para os seus, os de sua casa e
relações. E o querem para sempre. Então, notamos
que o amor é querer o belo e o bem eternamente. Mas
como conseguir isso? Ora, o amor quer não a beleza,
ele quer a geração e a reprodução da belo – eis aí
como ele pode se aproximar da eternidade. Assim, é
dando à luz coisas físicas ou espirituais belas e boas
que se pode garantir a imortalidade. E para tal o amante deve procurar o que é belo e bom, para poder gerar
o que é belo e bom.
Não é difícil ver que isso não é uma “pedagogia de
sala de aula”. Nem é uma “filosofia de escola”. É um
caminho de uma vida toda. Não é algo que pode ser
aprendido nos livros. É a continuidade de experiências
vitais, que envolve inicialmente parceria amorosa e
sexual, e que continua em formas de parcerias amorosas envolvendo vivências cada vez mais complexas.
Não é um processo mental de abstração (ou seja, não
se trata da abstração de Aristóteles), mas é um processo de acúmulo e enriquecimento de experiências
que preenchem uma vida. A filosofia de Platão, neste
caso, abandona todo e qualquer parentesco com a
atividade de ler e escrever a partir exclusivamente da
reflexão, e se mostra curiosamente mais próxima de
uma práxis, como as filosofias pós-aristotélicas. Não é
uma terapia, como ocorrerá em várias das propostas
do helenismo tardio. Mas, sem dúvida, é um percurso
vital, algo digno da atividade socrática como ela foi
entendida – contra o platonismo – por vários dos filósofos não-escritores pós-aristotélicos.
Diotima continua, e passa ao final de seus ensinamentos falando da imagem da escada. Esta escada é a
própria atividade da Filosofia (isto é, a filosofia de Platão). Trata-se da busca das Formas. Na juventude o
amante inicia seu percurso buscando corpos belos.
Corpos belos no seu todo. Passa então para almas
belas. Em ambos os casos, percebe que os corpos
belos e a almas belas são diferentes entre si e, então,
vê que o que os faz belos é o compartilhar de algo que
é a beleza. Mas este que filosofa não pára, pois é do
amor o impulso, o desejo, o querer ir adiante. Indo adiante, aplica-se a mais coisas, adquirindo mais vivências. A cada elemento que encontra e a cada situação
vivida, percebe que não é no exemplar que deve permanecer; sente que é no que é comum entre os exemplares que deve dirigir sua atenção. É o que o exemplar compartilha com outros exemplares, no sentido de
ser belo, que está o tesouro procurado. E assim, para
cada coisa, alcança o seu belo não na própria coisa,
mas vê que o belo é algo mais acima, que cede sua
condição aos exemplares. E eis que o que sobe as
escadas, o filósofo, chega ao resultado de seus esforços: alcança o que é belo em sua própria natureza.
Diotima enuncia o que, por outras obras platônicas,
inferimos como sendo o caminho para o Mundo das
Formas, sendo que, no caso, trata-se da Forma Belo –
a Beleza. Como é isso? Diotima explica:
Aprendemos por essa passagem de Diotima, então,
que a Filosofia tem por base o amor, o movimento do
amor. Muitos que lêem este trecho o tomam como uma
maneira de ver os passos de uma dialética ascendente,
que leva o homem de percepções e crenças para conceitos e princípios, tendo em mente o modelo posto na
Alegoria da Caverna e na Teoria da Linha Dividida, que
estão em A República. Esta visão a respeito do que
Platão fez não é um erro. Mas faz-se necessário tomar
tal dialética como um processo da práxis vital de quem
se dedica a viver na filosofia e pela filosofia.
Há, também, uma questão que está nesse parágrafo
da citação que nos leva a notar outras coisas. Surge
aqui o que aludíamos no início, que é o ponto de contato com Freud(5).
Comentando O Banquete, Gregory Vlastos vê Platão
como “o primeiro homem no Ocidente a perceber quão
intenso e apaixonado podia ser nossa articulação a
objetos tão abstratos quanto são as reformas sociais, a
poesia, a arte, as ciências e a filosofia – uma articula-
Ela [a Beleza] não lhe aparece como uma idéia ou um
tipo de conhecimento. Não está em algum lugar em
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ção que tem mais da fixação erótica do que alguém
teria suspeitado em uma visão de homem préfreudiana”.(6)
© 2008 Paulo Ghiraldelli Jr.
PENSANDO DENTRO DE UMA PERSPECTIVA CONTEMPORÂNEA:
Vlastos se põe admirado ao ver que Platão percebe
que podemos ficar loucos de paixão, como em qualquer paixão por um garoto (ou garota), também por
elementos abstratos, por conta de vermos beleza neles, beleza em uma equação ou em um projeto social e
político. Todavia, diferentemente de Freud, essa vivência da beleza (e do bem) em diversos aspectos e objetos, não faz Platão tomar a direção do processo de
sublimação que, ao final nos dá a cultura ou civilização.
Platão toma o caminho da “fome para criar”. O que a
beleza desperta nos faz subir a escada, indo na sua
busca, e aplacando momentaneamente o desejo por
meio da criação de coisas belas, às vezes coisas que
aparecem a alguns como objetos não estéticos, puramente intelectuais
E o que é que ela vê nele? Nossos amigos se interrogam sobre nossas escolhas, e nós fazemos o mesmo
em relação às escolhas deles. O que é, caramba, que
aquele Fulano tem de especial? E qual será o encanto
secreto
da
Beltrana?
Vou contar o que ela vê nele: ela vê tudo o que não
conseguiu ver no próprio pai, ela vê uma serenidade
rara e isso é mais importante do que o Porsche que ele
não tem, ela vê que ele se emociona com pequenos
gestos e se revolta com injustiças, ela vê uma pinta no
ombro esquerdo que estranhamente ninguém repara,
ela vê que ele faz tudo para que ela fique contente, ela
vê que os olhos dele franzem na hora de ler um livro e
mesmo assim o teimoso não procura um oftalmologista, ela vê que ele erra, mas quando acerta, acerta em
cheio, que ele parece um lorde numa mesa de restaurante mas é desajeitado pra se vestir, ela vê que ele
não dá a mínima para comportamentos padrões, ela vê
que ele é um sonhador incorrigível, ela o vê chorando,
ela o vê nu, ela o vê no que ele tem de invisível para
todos
os
outros.
É preciso dizer mais? Talvez algumas palavrinhas sobre “amor platônico”.
Há autores que cometem o erro de ver esse caminho
da energia erótica, que parece se dessexualizar ao
final, como o que seria o amor platônico; então tomam
a expressão “amor platônico” como o correto para descrever o processo. O erro aí é que o “amor platônico” é
tomado no âmbito do senso comum – que inclusive
pode estar nos dicionários – como o amor por algo
idealizado e, então, irreal, enganoso. Ora, nada há de
menos enganoso do que as Formas, o ponto de chegada do impulso erótico. Pois elas são, para Platão, o
que há de mais real, são a base ontológica de tudo. E
quem faz esse percurso, anda por uma pedagogia que
é, ela própria, o caminho da Filosofia. Não pode chegar
ao fim e ao cabo e estar em engano. Ao final não se
está com um saber exclusivamente intelectual nas
mãos, não se está de posse da “Ciência”, e sim de
posse de uma realização, uma vida completada. Não à
toa esse trajeto, para Platão, faz parte do processo
para a realização da eudaimonia.
Agora vou contar o que ele vê nela: ele vê, sim, que o
corpo dela não é nem de longe parecido com o da Daniella Cicarelli, mas vê que ela tem uma coxa roliça e
uma boca que sorri mais para um lado do que para o
outro, e vê que ela, do jeito que é, preenche todas as
suas carências do passado, e vê que ela precisa dele e
isso o faz sentir importante, e vê que ela até hoje não
aprendeu a fazer um rabo-de-cavalo decente, mas faz
um cafuné que deveria ser patenteado, e vê que ela
boceja só de pensar na palavra bocejo e que faz parecer que é sempre primavera, de tanto que gosta de
flores em casa, e ele vê que ela é tão insegura quanto
ele e é humana como todos, vê que ela é livre e poderia estar com qualquer outra pessoa, mas é ao seu lado
que está, e vê que ela se preocupa quando ele chega
tarde e não se preocupa se ele não diz que a ama de
10 em 10 minutos, e por isso ele a ama mesmo que
ninguém entenda.
O amor platônico correto não é o amor romântico. Não
é o amor dessexualizado que pode se dirigir a um objeto de desejo que nada tem de real e, enfim, é produto
da imaginação. No amor romântico pode haver a construção do objeto como o que não só não é real, mas
uma vez confrontado com o real que o inspirou, é o
oposto deste. O homem romântico precisa abaular sua
“vida interior” com fantasias (caso contrário, não seria
romântico). O amor platônico que vai para as Formas
não caminha pela imaginação; muito menos é um “exercício”, ele é o caminho vivido e que faz com que
possamos nos regozijar por diminuir nossos erros, nossa cegueira. Subir a escada e chegar ao topo permite
tocar as entidades ontológicas reais. Eis então que
tudo que se quer produzir deixa de ser complicado,
pois se está em contato direto com os paradigmas máximos de todas as coisas. O amante platônico é o que
não erra, se errasse, toda a Filosofia(7) seria um erro.
E o projeto de eudaimonia associado a isso seria um
pré-determinado fracasso.
Martha Medeiros
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