HEGEMONIA AUDIOVISUAL? MARTINS, Ana Paula¹;, RIBEIRO, Alexandre Simões² 1 2 Mestre em Educação Cultura e Organizações Sociais (FUNEDI/UEMG) Professor Doutor em Filosofia (FUNEDI/UEMG) 1. INTRODUÇÃO A contemporaneidade caracteriza-se por ser uma era em que a produção de bens culturais, a circularidade da informação, ocupa um papel de destaque na formação moral, psicológica e cognitiva do homem. Trata-se de uma nova ordem social regulada por um universo cultural amplo e diversificado. As novas tecnologias impuseram o novo desenvolvimento da sociedade mundial, onde os grupos sociais não são mais marcados por fronteiras geográficas, mas sim, agrupados por esferas cognitivas e epistemológicas. Os impactos causados pelo surgimento das novas tecnologias e as conseqüências de sua evolução são irreversíveis. A importância da comunicação, hoje, como objeto de estudo é inquestionável. A presença e a penetração da mídia na sociedade, a dinâmica da informação propiciada pelas novas tecnologias, o valor das estratégias comunicativas em todas as esferas das nossas intervenções sociais constituem não apenas um fenômeno distintivo do mundo contemporâneo, mas um fenômeno que suscita e requer a atenção do conjunto das disciplinas que compõem as ciências humanas e sociais. Não há como negligenciar esse novo objeto, pois ele diz respeito ao funcionamento da economia, à constituição dos grupos e identidades coletivas, à conformação dos sistemas de referências e comportamentos individuais, à configuração das linguagens que povoam e organizam nosso dia-a-dia, ocupando cada vez mais lugares estratégicos dentro de uma sociedade. Desde a época das pinturas pré-históricas nas cavernas até a cena contemporânea, as imagens têm sido ferramentas importantes no processo de comunicação entre as pessoas e instrumento de intercessão entre o homem e o mundo. Entretanto nem sempre as imagens foram abordadas pela sociedade de forma harmoniosa. Ao contrario, representaram para a sociedade, salvo em pequenos intervalos de trégua, atividades marginais e de menor importância. Os meios de comunicação de massa e seus produtos eram tratados como alheios à cultura, ou pior, como prejudiciais a ela, sendo combatidos tanto pelos que defendiam a sobrevivência da cultura popular, quanto pelos que defendiam a distinção da cultura culta, ambos em seus redutos sentindo ameaçados pela dissolução massiva. Dessa forma, consideramos que um dos desafios para se pensar a comunicação na atualidade diz respeito à rigorosa compreensão do lugar ocupado pelos meios de comunicação, especialmente em sua versão midiática. Lembrando que tal proposta de abordagem não se restringe a confirmar ou não tal hegemonia, mas sim provocar uma discussão teórica que ultrapasse os discursos simplistas e iconoclastas. 2. OBJETIVOS Discutir a legitimidade da hegemonia audiovisual na contemporaneidade, a fim de suscitar um debate teórico que ultrapasse os discursos simplistas e iconoclastas. 3. METODOLOGIA A metodologia adotada na pesquisa privilegiou a pesquisa bibliográfica, pelo fato desta possibilitar o aprofundamento teórico capaz de explicitar de forma consistente os inúmeros debates que abordam as faces distintas dos meios de comunicação. Foram abordadas teorias que divergiam sobre o tema, a fim de explicitar as diversas correntes teóricas existentes sobre o assunto. Por fim, a partir da descrição de conceitos e reflexões a respeito da importância da comunicação na sociedade contemporânea, foi possível um trabalho que abrangesse um tema polêmico como os meios de comunicação. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO Observou-se que um número expressivo de estudiosos das mais diversas áreas, consideram os meios de comunicação audiovisuais, em especial a televisão, como suportes ideológicos e alienantes. Dessa forma legitimam a passividade dos telespectadores e ignoram a interlocução feita entre meios de comunicação e receptores, ou melhor, desconsideram o canal de mediação, conforme cita Martín-Barbero (2001). A partir da constatação da importância em explorar consistentemente os meios de comunicação audiovisuais, consideramos relevante uma discussão em torno da legitimidade ou não de uma suposta hegemonia audiovisual na cena contemporânea. Assim o presente estudo priorizou uma reflexão que ultrapasse a ótica essencialista1 e disciplinar, a fim de questionar alguns discursos que já se instalaram como dignos de confiabilidade. Discursos estes que tendem a nos conduzir a conclusões superficiais acerca de objetos tão complexos como os meios de comunicação, principalmente os audiovisuais, meios tão expressivos em nossa sociedade. Ultrapassar discursos tão impregnados de malefícios em relação às imagens requer certamente um esforço por parte dos pesquisadores, pois as imagens ao longo da história da humanidade, salvo em pequenos intervalos de trégua, sempre estiveram associadas às atividades marginais, ou seja, de menor importância. Para compreensão da trajetória da imagem foi feito um esboço, ainda que de forma sucinta, do panorama ao longo da história. Para tanto foi utilizado o texto “O 4º iconoclasmo” 2 de Machado (2000) que perpassa os ciclos iconoclastas3. Este autor traz em seu texto contribuições significativas para compreendermos que a repulsa em relação às imagens não é especifica da sociedade contemporânea e sim da história da humanidade. Na América Latina, especificamente, interpretações iconoclastas estão sendo questionadas por pensadores latino-americanos – Martín-Barbero, Canclini - que fazem discussões perspicazes em torno dos meios de comunicação na contemporaneidade, desconsiderando os bipolarismos bom/ruim, aliena/não aliena, que tanto contribuem para a deficiência e credibilidade teórica. Dessa forma, iniciam o rompimento com estas tendências iconoclastas e apontam o equívoco destas visões, cada qual de sua perspectiva, mas partindo do conceito gramsciano de hegemonia 4 e de um entendimento mais amplo de cultura, ou seja, como uma relação entre produção, circulação e consumo do conjunto de bens simbólicos concebidos por uma determinada sociedade. Diante do posicionamento destes autores a massificação cultural atribuída somente aos meios de comunicação é contestada, frente a outros processos como urbanização, industrialização, escolarização, evangelização etc, que também contribuíram para tal massificação. Dessa forma o papel cultural dos meios de comunicação de massa é legitimado ao colocá-los no mesmo patamar com as demais manifestações, resultado da internacionalização da economia, transnacionalização da tecnologia, do turismo e das migrações internas e externas. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Posicionamentos teóricos como os de Martin-Barbero (2001, 2003) e Canclini (2000) recolocam a relação entre cultura e comunicação, rompem com visões totalizadoras desses campos, redimensionam o papel do receptor como sujeito ativo no processo de recepção, redescobrem a natureza negociada da comunicação e abrem o debate sobre comunicação de massa e identidade cultural. Posto isto, é necessário pensar os meios de comunicação não somente a partir da emissão, mas também da recepção, aquela que se dá no âmbito do cotidiano, com suas matrizes culturais, lugar, na verdade, onde se constroem os significados daquilo que é visto, ouvido ou lido, compondo o campo da 1 Referimos à ótica essencialista aqueles discursos bipolares, que abordam as imagens a partir de parâmetros extremistas (positivo/negativo). 2 Arlindo Machado denomina a nova investida contra as imagens de o quarto iconoclasmo. Mais precisamente o autor especifica que o iconoclasmo do século XXI refere-se especialmente à população reunida em frente ao televisor. 3 Machado (2000) descreve 04 ciclos iconoclastas. Iconoclastas, assim como descreve MACHADO (2000) acreditam que a verdade está nos escritos e a imagem é a epiderme das coisas. Por isso os iconoclastas tendem para a destruição das imagens. 4 O conceito gramsciano de hegemonia se contrapõe à idéia de "dominação". Somente numa fase tosca e primitiva é que se pode pensar numa nova formação econômica e social como dominação de uma parte da sociedade sobre outra. Na realidade, o que estabelece uma hegemonia é um complexo sistema de relações e de mediações, ou seja, uma completa capacidade de direção GRUPPI (1978). comunicação. Ou seja, a sociedade precisa abordar os meios a partir das mediações, essa relação de interdependência, de trocas, de percursos cotidianos. 6. REFERÊNCIAS CANCLINI, N.G. As culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 3ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000, 416p. GRUPPI, L. O conceito de hegemonia em Gramsci. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1978, 144p. MACHADO, A. A Televisão levada a Sério. São Paulo: Senac, 2000, 244p. MARTÍN-BARBERO, J. Os exercícios do ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva. São Paulo, SENAC, 2001, 182p. ____________________. Dos Meios às Mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003, 369p.