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MESA
REDONDA
J A N E I R O / F E V E R E I R O
O MARKETING DOS
PRODUTOS DE LUXO
REVISTA DA ESPM – VOLUME 12 – ANO 11– EDIÇÃO No 1 – JANEIRO/FEVEREIRO 2005 – PREÇO R$ 26,00
CASE-STUDY:
MERCADO DE LUXO
NO MUNDO E NO BRASIL E
INSS – 1676-1316
“VOCÊ SE DÁ AO LUXO DE...?”
M ÁRIO E. RENÉ S CHWERINER
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CHRISTIAN DIOR
O NEGÓCIO DO LUXO NO RIO DE JANEIRO
–
V O L U M E
ALEXANDRE M ATHIAS E C ARLOS F ERREIRINHA
A COMPRA POR IMPULSO DE UM
APARTAMENTO DE COBERTURA
ENTREVISTA COM
ERNESTO M ICHELANGELO G IGLIO
MARKETING NÃO EXISTE
R E V I S T A
D A
E S P M
ROBERTO M ENNA BARRETO
CONSUMO DE ACESSO
M ARISTELA GUIMARÃES ANDRÉ
O MERCADO DE LUXO NO BRASIL
MARIA LÚCIA CUCCI
A CRISE DO MARKETING
AVELAR V ASCONCELOS
GILLES LIPOVETSKY
ACIMA DE TUDO NÃO DEVEMOS
TER UMA VISÃO PARANÓICA
DO
LUXO
Editorial
EXPEDIENTE
CONSELHO EDITORIAL
Francisco Gracioso – Presidente
Alex Periscinoto
Alexandre Gracioso
Aylza Munhoz
Jacques Marcovitch
J. Roberto Whitaker Penteado
EDITOR
J. Roberto Whitaker Penteado
MTB no 178/01/93
e-mail: [email protected]
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Lúcia Maria de Souza
PROJETO GRÁFICO E ILUSTRAÇÃO DA CAPA
Miriam Duenhas
FOTOS
Júnior de Oliveira
REVISÃO
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Antonio Carlos Moreira
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REVISTA DA ESPM – uma publicação bimestral da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Os conceitos
emitidos em artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores.
Professores, pesquisadores, consultores e executivos
são convidados a apresentarem matérias sobre suas
especialidades, que venham a contribuir para o aperfeiçoamento da teoria e da prática nos campos da administração em geral, do marketing e das comunicações. Informações sobre as formas e condições, favor
entrar em contato com a coordenadora editorial.
HEMINGWAY TINHA RAZÃO
E
m um diálogo, histórico, travado entre dois dos maiores
autores de ficção modernos – Ernest Hemingway e
Scott-Fitzgerald – este último perguntou a Hemingway:
“Não é verdade, Ernest, que os ricos não são seres como
nós?” O velho Hemingway, muito mais realista do que
seu amigo inglês, respondeu: “Você está enganado,
Scotty. Na verdade, os ricos são seres iguais a nós.
Apenas têm mais dinheiro do que nós”. Essa passagem
biográfica desses dois grandes conhecedores da alma
humana, me veio à mente, ao participar da preparação desta edição da
nossa Revista. Nas entrevistas com especialistas do assunto, discussões
na mesa-redonda e artigos que abordam o tema do luxo sob os mais
variados aspectos, ficou evidente aquilo que Ernest Hemingway já havia
notado. Os ricos são seres humanos iguais aos outros e talvez sejam até
mais humanos do que os outros, pois têm dinheiro suficiente para satisfazer
a quase todas as suas fraquezas e emoções. A única coisa que eles não
podem comprar parece ser, mesmo, um amor sincero. Os mercados do
luxo apelam às mesmas emoções básicas que os vendedores de outros
produtos. O que varia são, apenas, as circunstâncias.
Mas, ainda nesta edição, tratamos de um outro tema atualíssimo. Dois
profissionais com longa experiência em marketing – Avelar Vasconcelos
e Roberto Menna Barreto – escrevem dois artigos que abordam, na essência,
a mesma tese: o que chamamos de marketing está passando por muitas
mudanças conceituais e estruturais que nos obrigam, por exemplo, a uma
atualização urgente dos currículos de marketing ensinados nas universidades.
Cada vez mais, as funções de marketing se confundem com a gestão do
próprio negócio. E, cada vez mais, outras áreas da empresa respondem
pelas antigas funções do gerente de produtos, ou de marketing.
As causas dessas mudanças são muitas, mas o resultado é um só: é bem
provável que o cargo de gerente de marketing, assim como o conhecemos
hoje, terá deixado de existir dentro de poucos anos.
FRANCISCO GRACIOSO
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Índice
Entrevista
GILLES LIPOVETSKY
“Você se dá ao luxo de...?”
MÁRIO E. RENÉ SCHWERINER
10
22
O que é luxo para os consumidores e para os fabricantes. Luxo como algo caro, raro, original e de “grife”. Alguns perfis do
consumidor de luxo. Os riscos da ostentação.
O negócio do luxo no Rio de Janeiro
ALEXANDRE MATHIAS E CARLOS FERREIRINHA
32
Neste artigo, os autores mapeiam o cenário do luxo no Rio de Janeiro, tendo, como mote, o evento que marcou o lançamento do
Fórum ESPM. Estiveram presentes representantes das principais marcas deste segmento no país, apontando um mercado em
crescimento e ainda cheio de oportunidades.
A compra por impulso de um apartamento de cobertura
ERNESTO MICHELANGELO GIGLIO
40
Através dos dados de uma entrevista, explica-se a aquisição de um imóvel de luxo utilizando o modelo em etapas e chega-se a um
conceito diferente das explicações tradicionais de compra por impulso. Nesta, a compra por impulso surge a partir de processos
atípicos nas etapas de experiências, expectativas e levantamento de alternativas.
Consumo de acesso
MARISTELA GUIMARÃES ANDRÉ
56
Consumo de acesso, não é uma nova categoria de análise teórica, mas um modo de se olhar para um dos processos mais
significativos de expressão da subjetividade: o consumo. O consumo se reveste de um sentido de posse que transcende a condição
de circulação e troca de bens para estabelecer as virtudes e vicissitudes de novos tipos de vínculos e limites para as relações
humanas, para o bem e para o mal dependendo do jogo de forças do mercado.
O mercado de luxo no Brasil
MARIA LÚCIA CUCCI
A crise do marketing
AVELAR VASCONCELOS
68
72
O autor analisa a origem da crise do marketing, que sucedeu à crise da propaganda e com ela segue em paralelo. Discute o papel
das Faculdades de Comunicação e Marketing nesse processo e propõe novos caminhos para superar a crise, de modo a devolver ao
marketing a função que deve lhe caber em qualquer empresa, ou seja, o marketing não é parte do negócio, ele é, e deve ser,
O Negócio.
Em termos de solução de problemas,
MARKETING NÃO EXISTE!
(mas Criatividade, sim)
ROBERTO MENNA BARRETO
80
Nesse artigo, o autor defende a posição de que utilizar a linha de raciocínio de que o marketing não exista é, paradoxalmente, a
melhor forma de se entender o que seja o próprio marketing.
Entrevista
VIVIANE POLZIM
Mesa-Redonda
MARKETING DOS PRODUTOS E SERVIÇOS DE LUXO
Case-Study
CHRISTIAN DIOR
Leitura Recomendada
Sumário Executivo
English Abstracts
Ponto de Vista
JOSÉ LUIZ TEJON MEGIDO
90
96
110
122
126
128
130
“EXISTE, NA RELAÇÃO COM O LUXO, ALGO
QUE SEMPRE COMPORTA SENSUALIDADE.”
10
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Fotos: Arquivo
EntreVista
Gilles
Lipovetsky
ENTREVISTA COM GILLES LIPOVETSKY
“ACIMA DE TUDO, NÃO DEVEMOS TER
UMA VISÃO PARANÓICA DO LUXO”
G
illes Lipovetsky é,
possivelmente, o
intelectual mais
conhecido e respeitado em todo o
mundo quando se
trata de falar seriamente sobre bens e
serviços de luxo e
sobre moda. O filósofo e professor
francês leciona na Universidade de
Grenoble – cidade onde reside – e
é professor-visitante na Universidade de Nova York. Embora seja
autor de diversos livros, sua única
obra publicada no Brasil é O
Império do Efêmero (Cia. das Letras); mas duas outras estão em
processo de adaptação do português
de Portugal, onde foram publicadas,
para o brasileiro: A Era do Vazio e
O Crepúsculo do Dever. Seu maior
sucesso – O Luxo Eterno – será brevemente editado, também pela Cia.
das Letras. O professor já visitou, por
diversas vezes o nosso país, convidado por universidades brasileiras,
e também apareceu com destaque
nas páginas amarelas da revista
Veja, em 25/12/2002. Foi, principalmente, com base nessa entrevista, que conversamos com Gilles
Lipovetsky, pelo telefone, para trazer a sua colaboração à edição da
Revista da ESPM, sobre o tema do
marketing do luxo.
JRWP
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
11
EntreVista
JR – Gostaria de iniciar pedindolhe que falasse sobre a valorização
excessiva das aparências. O Sr. acredita que isso poderia produzir
resultados?
tirania da moda, do consumo, mas
também a tirania das marcas entre
os adolescentes, uma outra face
atual da demonstração das aparências através do conformismo.
GILLES – Certamente. A condenação das aparências é uma tradição da filosofia, do pensamento
ocidental. Podemos encontrá-la
claramente formulada por Platão,
como também pelo resto das escolas grega, fenícias, nas obras dos
pensadores epicuristas e – em
seguida – pela igreja.
JR – Na sua entrevista, para a Veja,
o Sr. disse que o conformismo é,
sobretudo, uma característica dos
adolescentes. Por quê?
GILLES – Você tem razão de perguntar. E ia mesmo esclarecer este
aspecto. Naturalmente, o conformismo – e mesmo o conformismo
do luxo – continua a existir. Mais
especificamente, em países que
chegam ao mundo do consumo,
como a China, a Rússia, e mesmo
o Brasil, observam-se segmentos inteiros da sociedade obcecados pelo
luxo, pelo consumo e pelas marcas,
participando de um conformismo
total. E a satisfação, o prazer são
atribuídos às aparências – uma
maneira de valorizar-se e de ser
valorizado pelos outros. Mas, nas
nações européias – em parte também na americana e em uma determinada classe média dos países
emergentes – há uma outra relação
com as aparências, que não mais
se identifica com o conformismo,
mas exige – sobretudo – uma busca
sensual. É o contrário da cultura tirânica, uma vez que o importante é
encontrar sensações, ter uma espécie de festa privada, pessoal, por
intermédio dos objetos, das mais
belas coisas que produziram os
homens. Ao falar sobre isso, na
JR – Portanto é uma questão antiga.
GILLES – Ela perdura como o pensamento racional e adquiriu uma
nova ênfase no início do século
XVIII. Jean-Jacques Rousseau foi o
grande defensor dos novos argumentos, que consistiam em afirmar
que, a obsessão pela aparência e
pelo luxo arruína as nações, destrói
a coragem dos indivíduos e as
virtudes morais...
JR – Uma linha puritana.
GILLES – Exatamente! Trata-se de
uma das correntes do pensamento
moderno, e não somente do antigo.
Nos tempos atuais, há uma continuidade para denunciar as armadilhas, a tirania das aparências.
As coisas perduram com novos
conceitos, por exemplo, ocasionando vítimas – que é uma nova
maneira de abordar a questão – a
“A CONDENAÇÃO DAS APARÊNCIAS É UMA TRADIÇÃO
DA FILOSOFIA, DO PENSAMENTO OCIDENTAL.”
12
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Gilles
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
Lipovetsky
2005–REVISTA DA ESPM
13
EntreVista
entrevista, não quis dizer que o
conformismo existe apenas entre os
adolescentes, mas que, entre os
adolescentes, é particularmente
forte. Em outras regiões do mundo,
o conformismo é tradicional, e ainda irá continuar por gerações e
gerações. Existe, agora, uma nova
relação com as aparências, uma
nova relação com o luxo, que não
se identifica com o conformismo,
mas que se identifica muito mais
com uma busca por uma satisfação
intensa, uma espécie de erotismo
dos objetos. É sinal de uma nova
individualização da relação com as
aparências.
JR – Como é que o Sr. vê a questão
do luxo que se transforma em um
tipo de simplicidade, em direção
ao que os americanos chamam de
“clean”?
GILLES – Também em relação a
isso, não se trata de uma novidade
absoluta. Uma tendência do luxo
no século XIX era a simplificação.
Jean-Jacques já falava de um luxo
de simplicidade. Isso acompanha
a era democrática. Porque a democracia constitui um obstáculo a esse
tipo de particularização; renegar os
outros para recriar uma desigualdade entre as pessoas. Assim, uma
tendência ao luxo – a partir do
século XIX – é a de reduzir os sinais
de ostentação da riqueza.
JR – Refiro-me, também, ao design
clean...
GILLES – Isso data dos anos 20,
com as diretrizes estéticas da Bauhaus. Inicialmente, a Bauhaus propunha um design que se dizia
14
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
“EXISTE, AGORA, UMA NOVA RELAÇÃO COM AS
APARÊNCIAS, UMA NOVA RELAÇÃO COM O LUXO.”
DE
2005
Gilles
democrático e não luxuoso. Hoje,
a novidade é que – por influência
da questão ecológica e de outros
fenômenos, o americano critica o
esnobismo europeu – ou francês –
e propõe um luxo clean, como você
observou. Mas é preciso distinguir
entre o discurso e o real, pois, ao
olhar para os Estados Unidos vemos
aqueles carros enormes, com 10 a
15 metros de comprimento. Não se
trata de um luxo de simplicidade –
as limusines. Ou quando se vai a
Bervely Hills ou aos bairros suburbanos, com as casas de campo... É
preciso cuidado com o discurso
americano, fundamentado no seu
puritanismo e a prática...
JR – Essa tendência ao clean, à
simplicidade, não é uma coisa
mundial?
GILLES – Esse fenômeno, que me
parece profundo, desde o século XIX
encontra-se inscrito na cultura ocidental, democrática. Parece evidente que esta lógica irá continuar.
No entanto, o menos clean não traz
qualquer problema, já que existe,
na relação com o luxo, algo que
sempre comporta sensualidade.
Acredito que o que se prenuncia,
doravante, não é o luxo externo, mas
– diria – um luxo mais sensorial,
sem ostentação.
JR – Compreendo.
GILLES – Por exemplo, você conhece bem o que é chamado de
“soft touch” – todos os materiais
muito sensuais, que se conhecem
na atualidade. Agradáveis ao
toque, ao olhar. Por outro lado, há
o design. O design é bem menos
funcional, hoje, em comparação à
época da Bauhaus, de 1920 e 1930.
Hoje, há uma infinidade de designs
direcionados ao conforto, com
cores; por exemplo, joviais e
alegres, que não são necessariamente clean. O clean tem um lado
puritano. Outro exemplo: o transporte, os carros... ou a “primeira
classe” nos aviões, vemos em todas
as partes que a tendência se
direciona para o bem-estar, não
para o clean. Em última instância,
o clean sugere higiene, saúde; mas
o luxo não se desenvolve muito nessa dimensão. É preciso que haja
também uma dimensão de prazer,
de sensualidade, uma dimensão de
bem-estar, e um novo bem-estar –
centrado principalmente nas
sensações e cada vez menos nas
aparências.
JR – No que se refere à moda e ao
luxo relacionados à saúde, ao corpo, pergunto: isso pode ter relação
com a nova longevidade humana,
como demonstram as estatísticas
internacionais?
GILLES – Sim. As pessoas, principalmente das classes economicamente privilegiadas, se cuidariam
mais, porque sabem que podem
viver mais. Concretamente, o
impacto sobre o luxo irá ocorrer em
que segmento? Em minha opinião,
é simples. Doravante, o luxo irá
investir muito menos nas aparências
e mais nas qualidades sensíveis e
na qualidade sanitária. Temos, assim, os SPA’s, as terapias, as clínicas de tratamento, a alimentação
sadia, biológica, todos esses elementos. Penso que a obsessão pela
saúde – nos tempos atuais – irá ter
JANEIRO
Lipovetsky
um impacto sobre o luxo, com produtos de maior qualidade. Evidentemente, não poderá ser um luxo
inacessível; mas uma nova categoria de luxo vai-se desenvolver no
futuro. A questão da saúde vem-se
tornando meio obsessiva. Todo
mundo é um pouco hipocondríaco.
Conseqüentemente, as pessoas irão
querer consumir produtos de qualidade, com culturas biológicas,
que não sejam tóxicos. Acredito em
um meio ambiente que não seja
poluído e que – no futuro – o
mercado do luxo vai ser influenciado por investimentos na dimensão da saúde. Carros com air bag,
por exemplo, não se trata de saúde,
mas de segurança. E os veículos de
luxo evidentemente foram os primeiros a usar argumentos pertinentes à segurança dos passageiros.
No Brasil, penso que irá ocorrer um
grande desenvolvimento nesse
setor; por exemplo, os sistemas de
alarme para travar as portas em decorrência da violência urbana.
Hoje há uma nova dupla: saúde e
segurança tornaram-se problemáticas do luxo.
JR – Como o Sr. vê o excesso de
materiais utilizados nas embalagens, sobretudo dos artigos de luxo?
GILLES – Não acho que o luxo desperdiça mais que os outros produtos. Não vejo dessa forma. Existe
sim o problema do consumo como
um todo. Mas devemos estar atentos para não perder a dimensão dos
problemas. Acho que a produção
de belíssimas embalagens é, incontestavelmente, uma forma de desperdício, mas, ao mesmo tempo, é,
também, uma dimensão de um
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
15
EntreVista
presente, pois um presente não é
algo utilitário, é algo dado com liberalidade, que também não deixa
de ser uma espécie de desperdício.
Portanto, não me parece adequado
que, em nome da caça ao desperdício, se faça a caça aos demais
elementos que representam a
felicidade da existência.
pouco, mesmo assim, não muito.
Com o luxo ocorre o mesmo: não é
porque as pessoas possuem belos
carros ou viajam de avião que
existem pobres no mundo.
JR – O Sr. acredita que a industrialização e a globalização estão
levando à homogeneidade crescente dos gostos e dos produtos que
a moda oferece?
JR – Como o Sr. sabe, nosso presidente é do Partido dos Trabalhadores. Portanto, é politicamente
correto identificar o luxo com o
supérfluo. O que o Sr. acha?
GILLES – Isso é inegável. Basta ir
à Cingapura, Hong Kong, Nova Iorque ou São Paulo para observar –
em todas as partes – a presença das
grandes marcas de luxo da moda.
Visto por este ângulo, realmente há
uma globalização das marcas que
está bem visível, o planeta está se
tornando homogêneo. Mas, também há, por um lado, modas bem
diversificadas, como a moda dos
jovens; por outro, há uma fragmentação dos critérios e dos estilos de
moda. Ou seja, se uma mulher
compra um vestido Miyake, não é
o mesmo look ou mesmo estilo que
Chanel ou Jean-Paul Gaultier.
Embora haja uma globalização das
marcas, o universo da moda
continua sendo extremamente
diversificado. E essa diversificação
possibilita uma individualização da
moda atual – em todo caso na
Europa, em todo o continente
europeu, no Brasil talvez menos. A
tendência é de escolhas mais
pessoais em relação à oferta do
mercado; isto é, a mulher pode optar
por determinado vestido, fabricante
de camisas ou calças compridas em
função de sua anatomia, idade e
gosto pessoal. De fato, são duas
tendências contrárias que se
GILLES – Rousseau falaria mais ou
menos dessa forma. Sabe, o supérfluo existe, sim, e essa é uma questão muito antiga. Só que definir o
supérfluo é extremamente difícil.
Por exemplo, para um cidadão
primitivo, o chuveiro no banheiro
seria supérfluo, assim como o
telefone. Portanto, onde podemos
parar o supérfluo? Não se pode
deter o progresso humano, no que
manifesta de supérfluo. O que é
condenável é que existam indivíduos que não têm acesso ao elementar. Isso sim, é inaceitável!
Mas não é porque as pessoas compram perfumes Chanel que existem
pobres. A crítica política das injustiças é necessária, mas é bem mais
fácil denunciar o luxo, como também é mais fácil responsabilizar a
televisão ou a própria sociedade de
consumo por uma série de coisas.
Por exemplo, se há crimes, dizem
que é por causa da televisão, isso
não tem fundamento. Se existem
crimes é porque há injustiça e
miséria; não é a televisão que faz
o crime. Pode ser que contribua um
16
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
manifestam: a globalização do gosto e, simultaneamente, a individualização do gosto. Ambas!
JR – O Sr. não acha que se caminha
para valorizar principalmente as
diferenças de comportamento das
pessoas, mais do que o uso dos
produtos ou dos artigos de luxo da
moda?
GILLES – As duas se desenvolvem.
Cada marca hoje – você sabe bem
– deve construir a sua personalidade de marca. É necessário, em
se tratando do nicho do luxo,
estabelecer a diferença com os
complementos, caso contrário
destrói-se o mercado. Assistindo a
uma exigência de personalização.
Por exemplo, em São Paulo – a sua
cidade – há bares, restaurantes,
night clubs, todos esses espaços são
decorados com cuidado, para que
haja uma personalização bem
definida. Você pode escolher ir a
um determinado restaurante porque
tem um look, um estilo particular
que lhe agrada e, na semana
seguinte, ir a outro restaurante que
possui um ambiente ou uma
decoração diferente.
JR – Bem ao contrário dos fast
foods.
GILLES – Exatamente. É preciso
entender que o mundo hiper-moderno caminha em direção ao paradoxo. Sempre tendências contrárias. De um lado, a presença dos
fast foods, algo muito homogêneo
e, de outro, o desenvolvimento de
conceitos, decorações e objetos
mais individualizados. Tratando
Gilles
Lipovetsky
especificamente do luxo: as pessoas não querem pagar caro para
ter objetos banalizados. Assim, é
preciso ter em mente que a sociedade hiper-moderna desenvolve
tendências contrárias.
JR – A democratização dos artigos
de luxo não poderia resultar em
uma visão patética; de uma massa
que consome os clones de artigos
utilizados pelos nobres? As coisas
que são naturais para um segmento,
para o outro seriam objetos kitsch,
para ser mais exato.
“A BAUHAUS PROPUNHA UM DESIGN QUE
SE DIZIA DEMOCRÁTICO E NÃO LUXUOSO.”
JANEIRO
GILLES – Compreendo. O kitsch
também é uma invenção do século
XIX, não é algo novo ! O kitsch
apareceu nas grandes lojas de
departamentos, e essas surgiram
aproximadamente na metade do
século XIX... Printemps, Macys, a
Harrods na França, nos Estados
Unidos e na Inglaterra... As lojas
de departamentos permitiram à
classe média o acesso a produtos
que eram cópias, imitações. Hoje
temos uma marca de moda que se
insere bem neste contexto, é Zara.
Zara possibilita que as adolescentes
adquiram roupas da moda bem
baratas, semelhantes às mais caras
e, ao mesmo tempo, bem acessíveis. Quanto à questão dos clones,
penso que não. A meu ver, isso é
uma deturpação da democratização do consumo. Não se deve
confundir o consumo e a pessoa. A
pessoa é uma coisa e os objetos são
outra coisa. O importante não são
os objetos, mas a relação que as
pessoas mantêm com os objetos, os
produtos ou as marcas. Quando nos
encontramos em uma relação que
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
17
EntreVista
“EM PAÍSES QUE CHEGAM AO MUNDO DO
CONSUMO, OBSERVAM-SE SEGMENTOS INTEIROS
DA SOCIEDADE OBCECADOS PELO LUXO.”
ocasiona vítimas, estamos numa
relação de conformismo ou de
mimetismo; neste caso, há sim algo
patético, entende? Se, por exemplo,
você quer oferecer à sua noiva, pessoa que você ama, dez dias na Ilha
Bela, em um hotel maravilhoso,
para ter uma recordação de amor,
isso é esplêndido. É um momento
de exceção, não é patético, é, primeiramente, uma festa. Em segundo lugar, os consumidores, nos dias
atuais, tornaram-se mais irônicos.
Eles conhecem todos os códigos de
consumo e brincam com eles. A
adolescente que compra, para si
mesma, isso ou aquilo, brinca com
o vestuário, com as marcas. Acredito que há diversas abordagens
possíveis para o problema. A dimensão patética surge quando nos
tornamos uma figura compulsiva do
consumo ou – ainda – uma figura
extremamente conformista. Nesse
caso, realmente, há uma verdadeira
alienação, uma vez que o indivíduo
18
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
se torna escravo, e entre ele e o
escravo não há nenhuma distância.
Porém, nem toda relação com o
consumo reduz-se a essa dimensão.
Quanto mais os objetos se banalizam, maior também é a democratização das coisas, e mais os indivíduos têm capacidade de optar,
escolher e misturar. Acredito, portanto, que não é preciso fazer uma
crítica sistemática ao luxo, denunciando todos os luxos. Não é necessário denunciar todos os modos de
luxo. Pode-se denunciar determinadas formas de luxo ou de moda,
porém não a sua totalidade.
JR – Como vê as relações entre os
artigos e os serviços de luxo e a
tecnologia?
GILLES – Também se trata de uma
dimensão que vai receber cada vez
mais ênfase, daqui em diante. Temos inúmeros exemplos; o setor automobilístico recorre à alta tecno-
DE
2005
logia, pois existem o sistema de radar,
o sistema de pilotagem automática, o
sistema de controle; podemos imaginar
que não há limites. Vamos tomar outro
exemplo: o som; uma marca de luxo
bem conhecida como Bang & Olufsen.
Neste caso, temos uma alta tecnologia
com muito refinamento e, ao mesmo
tempo, um design muito puro, clean
como acabamos de mencionar. Há
uma dimensão – como posso dizer –
clean e, ao mesmo tempo não é estéril.
Não se trata de um som magnífico com
toda a parafernália tecnológica
automatizada. Acho que o consumidor,
nos dias de hoje, quer menos aparência
e sim qualidade. E a tecnologia atual
permite uma qualidade excepcional
de som, por exemplo.
JR – Mas será que, para isso, o
consumidor está disposto a ler um
manual de instruções com 300
páginas?
GILLES – Se estivermos nos referindo
a Bang & Olufsen, é tudo muito
simples. A alta tecnologia não significa necessariamente complexidade – penso na qualidade. A alta tecnologia possibilitará qualidade. Mas
Gilles
Lipovetsky
você tem razão que, sendo muito
complicado, torna-se, por vezes,
insuportável. Temos também outros
exemplos bem interessantes em se
tratando do luxo e da alta tecnologia.
É o que está fazendo, neste momento, o Grupo Virgin. Eles querem
realizar, agora, viagens à estratosfera, permitindo às pessoas ricas viajarem em uma espécie de foguete,
talvez por um dia ou algumas horas,
para sentirem a ausência de
gravidade. É um novo mercado de
luxo, e o limite é o infinito. Richard
Branson investiu nesta dimensão.
Eles têm o capital necessário e irão
tentar permitir a uma classe
privilegiada, financeiramente, ter
acesso, conhecer, graças a mais alta
tecnologia, algo realmente luxuoso,
pois custa muito caro; porém, essas
pessoas terão a possibilidade de ter
sensações e emoções que,
evidentemente, não teriam ao ir ao
hipermercado...
GILLES – Não me parece que as
mulheres tenham criado um novo
modelo de comportamento. É mais
profundo. É verdade que os homens –
sobretudo os mais jovens – estão se
preocupando mais com a própria
aparência, fazem regime, corridas, não
querem ficar gordos. No Brasil, fazem
cirurgia estética, sim, tudo isso é real.
Mas não acredito que estejam imitando
as mulheres. Refiro-me às causas
profundas, aos novos códigos da
sociedade, que são a valorização –
como você mencionou – da aparência,
da beleza, mas também o culto da saúde e do corpo, o que vale tanto para os
homens quanto para as mulheres, o
narcisismo; o fato de cuidar de si
mesmo, hoje, não ser considerado
como um mal, um pecado...
deixavam crescer a barba para
parecerem mais velhos, pois assim
eram mais respeitados. Atualmente, eles fazem cirurgia estética, por exemplo, lifting, porque
não querem parecer velhos.
JR – Mas o Sr. não acha que a mulher chegou a isso antes? Para os
homens é novidade, mas a mulher
faz isso há anos!
JR – Mas como o Sr. disse, uma
não é a causa ou o efeito da outra.
JR – Na sua entrevista à Veja, parece que o Sr. afirma que o homem
é, segundo sua visão, mais racional
quando se trata de moda do que a
mulher.
GILLES – Não considero que
estejam imitando as mulheres.
Penso que as causas são mais
profundas, que o problema esteja
relacionado – em nossa sociedade,
em particular aos homens – a algo
novo, que é a recusa de envelhecer.
Como você mesmo mencionou – e
com razão – as mulheres, há muito
tempo, usam maquiagem para esconder a idade. Mas não creio que
os homens tenham mudado seu
comportamento porque as mulheres
executivas se preocupam com elas
próprias, fazem ginástica etc. Acredito que seja o novo modelo da
mídia de forma geral, o culto da
juventude, o culto da forma que
leva os homens a se preocuparem
muito mais com eles próprios.
Houve tempo em que os homens
GILLES – Não, “racional” não foi
a palavra que empreguei. Eu disse
que eles têm menos motivações.
JR – Mas a pergunta que lhe quero
fazer é sobre homens e mulheres. Há
mulheres executivas, profissionais,
bem-sucedidas na Europa, nos Estados
Unidos e no Brasil, e essa nova mulher
é capaz, elegante e tem grandes
cuidados consigo mesma. Em que
medida esse sucesso feminino teria
influenciado a preocupação que os
homens parecem estar tendo com a
própria aparência e a moda?
JANEIRO
JR – Gostaria de acrescentar algo
à entrevista?
GILLES – O assunto é amplo. Eu
acredito – como mencionei há pouco – que é preciso estar atento para
não se ter uma visão paranóica do
luxo, porque – como já disse desde
o início da entrevista – o luxo é
uma questão delicada. Não devemos fazer o louvor ao luxo, seria
obsceno! Não é admissível quando
há, ainda, pessoas pobres, favelas...
GILLES – Portanto, não é possível
fazer um louvor ao luxo e, ao mesmo tempo, denunciar o luxo como
algo censurável. Acredito que não
devemos viver unicamente para
sobreviver. Há no luxo um ideal
subjacente, que é a beleza, a sensualidade, a qualidade, inspirações
profundamente humanas. E essas
inspirações, não devemos matá-las.
Seria preciso, apenas, que elas pudessem ser mais abrangentes. Mas,
não será dizer que é preciso destruir
o luxo dos outros para que todo
mundo viva melhor.
JR – É preciso estimulá-lo.
GILLES – Sim, é preciso trabalhar
para que a miséria possa diminuir
e o luxo crescer, considerando a
diversidade – e ganhe maiores camadas da população. ESPM
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
19
Marketing de Luxo
Marketing de Luxo
“VOCÊ SE DÁ
22
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Mário E. René Schweriner
Mário E. René Schweriner
AO LUXO DE...?”
Imagem:Corbis/Stockphotos
1
3
SITUAÇÃO
SITUAÇÃO
Um sujeito, caminhando pelo centro de Manhattan, N.Y., com uma
irreprimível vontade de urinar, adentra o primeiro estabelecimento
que aparenta possuir um agradável
WC: o Plaza. Um lobby suntuoso,
um banheiro com paredes de mármore, toalhas de papel sedoso para
secar as mãos, com um logotipo
dourado: The Plaza. Tal sujeito,
encantado com o ambiente refinado, decide levar uma dessas toalhas
como “souvenir”. Até hoje está
guardada com ele, em sua casa. Por
que será?
“VIPs... esperam quatro meses para
comprar uma bolsa de R$ 47 mil,
um mês e meio para adquirir um
par de brincos de R$ 25 mil e até
um ano para ter um relógio estimado em US$ 70 mil” (“A Fila dos
Elegantes” – Isto É Dinheiro, 6/10/
2004).
SITUAÇÃO
2
Presenciei recentemente um concerto da Orquestra Sinfônica do
Estado de São Paulo (OSESP), na
Sala São Paulo, um dos orgulhos
arquitetônico-culturais da cidade.
Acústica perfeita, amplo estacionamento... Coisa de “primeiro mundo”, como se costuma dizer... Às
voltas com esse artigo, passei a
prestar uma atenção redobrada ao
ambiente. Que adjetivo melhor a
caracteriza? Funcional? Exuberante? Chique? Luxuosa?
E poder assistir àquele concerto é
o quê? Um luxo? Um privilégio?
Qual a diferença?
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
23
Marketing de
Luxo
O QUE HÁ DE
COMUM ENTRE
ESTES TRÊS
CENÁRIOS?
Quando perguntamos às pessoas o
que elas entendem por luxo, e qual
o seu significado para elas, encontramos respostas as mais díspares
(amostra limitada às classes A/B):
❖ “CONFORTO, GRANDIOSIDADE, O
EXACERBADO” (ALUNO
COMUNICAÇÃO SOCIAL ESPM, 20
ANOS);
❖ “CONFORTO, MORDOMIA, COISA
BOA” (SECRETÁRIA, 34 ANOS);
❖ “ALGO BEM ACABADO”
(PROFESSOR, 35 ANOS, ESPM);
❖ “EXTRAVAGÂNCIA”! (SECRETÁRIA,
28 ANOS);
❖ “PODER COMPRAR COISAS BOAS”
(ARQUITETA, 22 ANOS);
❖ “TUDO QUE É ALÉM DO QUE A
GENTE PRECISA...” (PESQUISADORA
DE MERCADO, 35 ANOS);
❖ “SOFISTICAÇÃO, PODER
AQUISITIVO, STATUS... NÃO
NECESSARIAMENTE BOM GOSTO”
(PROFESSORA ESPM, 48 ANOS);
❖ “UMA BANHEIRA COM PÉTALAS DE
ROSA” (ALUNA COMUNICAÇÃO SOCIAL
❖ “TER TEMPO LIVRE PARA MIM”
ESPM, 20 ANOS);
(ARTESÃ, 45 ANOS);
❖ “O LUXO TAMBÉM TEM DE VIR DE
❖ “SUPÉRFLUO” (DONA-DE-CASA, 79
DENTRO. ÀS VEZES, UMA MULHER
ESTÁ SAINDO DO BANHO, E AQUILO LÁ ANOS, CLASSE A);
É UMA COISA LUXUOSA”... (ALUNA
❖ “SUPÉRFLUO” (PROFESSOR DE
COMUNICAÇÃO SOCIAL ESPM, 21
FILOSOFIA, 44 ANOS);
ANOS);
❖ “IMPONÊNCIA” (ASSISTENTE DE
GERENTE DE PRODUTO, 27 ANOS);
❖ “SUPÉRFLUO” (PROFESSORA DE
PSICOLOGIA, 41 ANOS).
Fausto. Privilégio. Tempo livre. Supérfluo. Qualidade. Conforto.
Extravagância... Tudo em um mesmo balaio – digo, em uma mesma
caixinha de jóias. Tudo com o
significado de... luxo.
No fundo, no fundo, parece haver
uma convergência para duas colunas distintas.
Uma batizando um produto melhor,
superior, mais duradouro, mais bem
acabado, mais bonito....
Outra remetendo a conotações negativas, como supérfluo, exagero,
ostentação, pessoas exibidas.
Assim:
(+)
( -)
refinado, requinte, privilégio, raro, belo, chique, elite, exclusivo,
classe, nobre, prestígio, aristocrata, elegância, riqueza, estilo.
exagero, esnobe, metido, efêmero, supérfluo, exibição, ostentação.
O QUE É LUXO,
AFINAL DE CONTAS?
DE QUE LUXO
ESTAMOS FALANDO?
É fácil afirmar que uma jóia da Tiffany é um luxo: é cara, é original,
é para poucos, e é da... Tiffany (a
“Bonequinha de Luxo” Audrey
Hepburn que o diga). Eis aí as grandes pistas do que é luxo. O luxo é
sempre caro e raro, original, na me-
24
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Mário E. René Schweriner
denomina benefício núcleo a função básica). Para ele, além desta
dimensão, os produtos apresentam
mais quatro: produto genérico,
esperado, ampliado e potencial. Assim, o celular continua sua trajetória de se posicionar como luxo,
ao se diferenciar no produto ampliado (câmera fotográfica, de
vídeo, games, acesso à Internet,
acabamento...).
Também até meados dos anos 90,
o salmão era um prato para ocasiões especialíssimas, restrito a
poucos. Era raro e caro. Já hoje,
está presente nos restaurantes a
quilo.
Os bens que vão deixando de ser
luxo para esses estratos superiores
ainda podem significar luxo para
os demais. Provavelmente, o salmão ainda constitua um luxo para
a classe C, como também seria um
aparelho de DVD, ou um celular
(simples) com games.
fácil afirmar que uma jóia da Tiffany é um luxo: é cara, é original,
✦ Éé para
poucos, e é da... Tiffany.
dida do possível, e vinculado a
uma grife. Se muita gente tiver, deixa de ser luxo, e se não for chancelado por uma marca de prestígio
e glamour, deixa as pessoas órfãs
quanto à, digamos assim, origem
da peça.
O luxo varia significativamente
com a passagem do tempo. O que
era luxo há dez anos pode não sê-
lo hoje. O celular é um excelente
exemplo. Possuir um celular era um
luxo para poucos no início dos anos
90, no Brasil. Custava muito (caro),
era acessível a poucos (raro) e configurava um produto diferenciado
(original). Já hoje, o celular em si
é um bem acessível a todas as
classes sociais. Quer dizer, sua função básica de telefonia móvel
tornou-se uma commodity. (Kotler
JANEIRO
Por conseguinte, as assim chamadas
camadas privilegiadas da sociedade buscam outras alternativas para
usufruir e se diferenciar. No lugar
do salmão, trufas importadas pelo
Fasano e Emiliano. No espaço antes
ocupado por um “simples” aparelho
celular, uma... jóia.
Enfim... as pessoas buscam o Conforto, o Belo, a Gratificação Sensorial e, por que não, a Sinalização desde “os tempos em que os animais
falavam...” O que só pode ser possível pela engenhosidade humana,
em transformar tosca matéria-prima
em produtos que atendem às necessidades e realizam os infinitos desejos humanos.
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
25
Marketing de
Luxo
Mas... será que o luxo comercializado pelos fabricantes corresponde às expectativas e conotação
de luxo dos consumidores?
rabiles” de viagens e/ou de relações
afetivas.
3) SINALIZAÇÃO:
OS PRODUTOS:
O PARA QUÊ
Roupas, adornos e o automóvel são
exemplos inequívocos de atribuição
de identidade por meio dos objetos.
Há três formas básicas de sinalizar:
Os produtos de quaisquer natureza
são comprados e consumidos para
preencher várias finalidades, não
importa se é um pastel, um livro,
uma obra de arte, uma garrafa de
vinho, um par de tênis, uma viagem. E dentre essas finalidades – o
para quê da compra – destaco as
seguintes sete essenciais:
A)
identidade)
C)
Em que o objetivo é excitar, positivamente, qualquer dos órgãos dos
sentidos. Perfumes, música (concertos, CDs, aparelhos de som),
obras de arte, cenários de viagem,
cremes para a pele, banhos de espuma, e... alimentos e bebidas.
Nesta dimensão, entram em cena
itens de valoração racional, como
performance, durabilidade ou
1
rendimento e praticidade .
5) RARIDADE:
2) SENTIMENTAL:
A condição de ser um artefato único
(como os de museu) dá uma sensação diferenciada de...
Geralmente heranças, ou “memo-
Privilégio – ser um dos poucos que
podem ter acesso a tais bens. Sou
um “ungido”.
Exteriorizar personalidade
4)
GRATIFICAÇÃO
SENSORIAL:
(Dimensão funcional – benefício
núcleo, conforme Kotler): Um
medicamento é o melhor exemplo.
Ele é adquirido unicamente para
cumprir uma função clara, de cura
de alguma moléstia.
Orgulho – pessoas que, em virtude do seu esforço, do seu trabalho
árduo, conseguiram deixar a condição de pobreza, e determinados
bens podem ser sinalizadores dessa
conquista. Ex.: Aparelhos de TV,
CDs , geladeiras...
Exibir/ostentar/sobressair
B) Pertencer ao grupo (estender
1) UTILIDADE
6)
GRATIFICAÇÃO
PSICOLÓGICA
Compensação – (para estresse/
frustração). Pode ocorrer em indivíduos, digamos assim, normais, ou
com o comportamento neurótico.
No caso do indivíduo ajustado,
pauta uma conduta eventual: autoindulgência. É saudável. Já para o
neurótico, o eventual se torna permanente. É o material preenchendo lacunas/vazio interior.
7)
RESERVA DE
VALOR:
Uma obra de arte ou uma jóia
podem preencher a finalidade de
investimento $$$, além de qualquer outra das anteriores.
1. Hoje, até a restrita utilidade de um medicamento pode ser ampliada para sinalização. Tomar algumas drogas
chega a dar “status”: algumas marcas de tranqüilizantes e, talvez, o próprio Viagra...
26
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Mário E. René Schweriner
PRODUTOS:
O POR QUÊ
Um mesmo bem pode ser adquirido
com ênfase diferente em cada um
desses fatores, dependendo do perfil
do consumidor.
Um consumidor predominantemente racional vai adquirir um
automóvel focando a utilidade: sua
performance, durabilidade... Outro, voltado para a aparência, vai
adquirir um modelo exuberante na
sinalização. Um terceiro pode priorizar os sentidos: banco de couro
(cheiro/maciez), ar condicionado,
DVD (audição).
E os bens de luxo... o que propiciam de fato? Quantos deles “funcionam” melhor que os demais “nãode-luxo”? Quantos nos remetem a
uma imensa gratificação sensorial,
que melhora a qualidade de vida?
Ou então “simplesmente” elevam
seus consumidores ao Olimpo do
glamour ?
des-Benz ML tem um desempenho
melhor que carros de uma faixa...
É mais veloz, mais seguro, (quase)
não quebra (tudo isso é funcional).
É mais confortável e silencioso, e
do seu rádio/DVD Blaupunkt emana um som perfeito (gratificação
sensorial). Sentir-se dono de um
Mercedes dá uma sensação de
privilégio – afinal de contas, o sujeito é um dos poucos que pode
possuir tal veículo. O que é isso?
Gratificação psicológica. Seu elevado preço e imagem de marca
(clássica/glamour/....), sem dúvida
confere status a quem o possui
(Sinalização). E, finalmente, se o
seu preço de revenda não se
desvalorizar muito ao longo do
tempo, configura uma reserva de
valor.
Um relógio suíço Patek Philippe pode
durar décadas sem apresentar defeito
e marca o tempo com precisão
absoluta (tudo funcional). Admirar sua
beleza provoca uma gratificação
sensorial e, sendo notado pelos outros,
sinalização. Foram produzidos pouco
mais de 600 mil relógios em 158 anos
de existência da marca, e, sabedor
dessa exclusividade, também remete a uma sensação de privilégio (gratificação psicológica).
O que é essencial perceber é que
dono de um Mercedes dá uma
✦ Sentir-se
sensação de privilégio.
Sabe-se que os bens de luxo não
costumam priorizar inovação funcional. Está certo que vários deles
duram décadas e décadas, e sua performance é irrepreensível. Mas...
seu grande diferencial remete à gratificação sensorial e psicológica,
raridade, reserva de valor e, está
claro, sinalização.
E uma boa indagação é: como será
que os indivíduos que adquirem
luxo se diferenciam quanto à importância que atribuem a cada um dos
fatores simbólicos?
Sem dúvida, um automóvel Merce-
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
27
Marketing de
Luxo
A OPORTUNIDADE
inexiste “um consumidor de bens
de luxo” mas alguns grupamentos
homogêneos, consoante seus principais porquês de compra. Poderíamos apontar quatro:
A humanidade vem perseguindo o
bem-bom há milênios. Se conforto
e gratificação sensorial é luxo, é
isso que os seres humanos vêm
procurando. E creio que muitas empresas estão simplesmente despreparadas para entender esses anseios. Até recentemente, o câmbio
automático só vinha em um pacote
completo nos carros top de linha:
os carros de luxo. Era praticamente
impossível adquirir um modelo
mais simples com esse atributo (os
vendedores diziam que era parte
integrante de um pacote de luxo,
junto com couro, CD especial etc.).
Hoje, já podemos encontrá-lo em
carros menos sofisticados como o
Honda Fit, e até no Corsa. Nos EUA,
95% dos modelos vêm equipados, de
fábrica, com câmbio automático,
que em metrópoles congestionadas
como São Paulo, é um inequívoco
item de praticidade e conforto. Por
que, então, os fabricantes do luxo não
focam seu R&D em pesquisas que
resultem em aperfeiçoamentos que,
de fato, facilitem a vida dos consumidores-alvo? Será porque uma substancial parcela dos consumidores se
satisfaz tão somente em exibir?
OS “UTILITÁRIOS”: minoria, adquire
algum bem de luxo pela sua performance, porque dura mais, tem
mais qualidade. Alguns automóveis
são adquiridos sob essa premissa.
OS “EXIBIDOS”: a maioria dos
consumidores do luxo costuma
adquiri-lo pela capacidade de
irradiar uma aura de riqueza e
sucesso, como também por significar o passaporte para a entrada
no fechado círculo “privê” dos
abençoados pelo glamour.
OS “DESFRUTADORES”: são os que
pretendem premiar seus sentidos,
presenteando a si mesmos com
música, perfumes, alimentos e
bebidas. São “gourmets”, mas
focados no prazer que eles próprios
podem auferir. Ao contrário dos
exibidos, podem até curtir sozinhos
uma refeição caprichada acompanhada de um bom vinho. Viajam
muito, e procuram usufruir o
máximo dos lugares, no que
possam premiar seus sentidos.
OS “AUTO-INDULGENTES”: a gratificação dos bens de luxo se traduz
muito mais por uma premiação
psicológica. Algo assim como um
executivo que se hospeda por conta
da empresa em um luxuoso hotel de
cinco estrelas, e sente-se um
privilegiado “apenas por ter ficado
num lugar como esse”. Quer dizer,
mesmo que tal hotel não apresente
um diferencial tangível nos serviços,
mas apenas nos “mármores da
aparência”, o tal hóspede percebese psicologicamente recompensado.
28
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
RISCOS
I.“O VETOR”
Entre o consumidor e o produto
sempre existe um vetor de uso, ou
vínculo. Tal ligação pode assumir
vários matizes, desde uma relação
de dependência (sem o bem em
questão o consumidor sente-se despersonalizado), até uma relação
DE
2005
utilitarista (o produto existe para
facilitar a vida do indivíduo, e pode
ser facilmente substituído por outros). O grande problema dos bens
de luxo é que existe uma considerável parcela dos consumidores
que “compõem sua personalidade”
ancorada nos bens de luxo. São as
pessoas exibicionistas – o luxo exigido e exibido – que permitem ou
até incentivam transformar o vetor
em vínculo (apego): o sujeito precisar do bem de luxo para (re)compor
sua auto-estima ou para se sentir
aceito pelo grupo social. Mesmo
que seja um bem que não contribua
em nada para sua gratificação utilitária ou mesmo sensorial, no que as
bolsas e os demais adereços femininos são um mostruário exemplar.
II. “O FOSSO”
Em um país como o Brasil, em que
a desigualdade de renda é marcante, sendo um dos primeiros
fatores a despertar a atenção dos
turistas estrangeiros que nos visitam,
choca o contraponto entre o “luxodo-luxo” e os miseráveis. Claro está
que me refiro a uma visão sociológica do processo, mas que tal abismo é acintoso, não há dúvida. E
isto é realçado pelo consumo exibicionista, que vai da ostentação de
grifes caríssimas em bolsas e roupas, até a utilização de esquadrilhas de helicópteros para comparecer a casamentos suntuosos ou
churrascos de fim de semana.
III.
“SUPERLUXO,
MEGALUXO, O LUXODO-LUXO”
Nos anos 60, nos primórdios da indústria automobilística brasileira, o
Volkswagen Sedan era “Standard”.
Mário E. René Schweriner
não prefere viajar na primeira classe, em vez de se empoleirar na
✦ Quem
econômica? (Fidel Castro viaja na primeira classe.)
Houve depois modelos L e LX,
designando Luxo e Superluxo, respectivamente. O mesmo era válido
para a maioria das demais marcas
do mercado, como o DKW, o Renault Dauphine (depois Gordini), o
Aero-Willys, e o Simca-Chambord,
dentre outros. Agora, qualquer
modelo “básico” já vem com a denominação L ou GL (Luxo e Granluxo), quando não GLS (Gran-luxo
Super). Em outras palavras, está se
perdendo a referência do “básico”
em relação ao superior luxuoso,
fazendo com que se criem bens e
denominações absolutamente metafísicas: hoje, o luxo do luxo, ou
o super-luxo do luxo, ou quem sabe
o luxo galáctico (a exemplo dos
astros do time de futebol espanhol
do Real Madrid). Uma bolsa de R$
7.800,00 era tida como uma
extravagância abilolada em artigos
de jornal, há questão de uns dois
anos. Se retomarmos o início do
artigo, a fila de espera é para uma
bolsa de R$ 47 mil. Que obviamente, como bolsa, não acrescenta tanto assim em relação àquela
de sete mil e tanto, que já não
acrescia lá muito em relação às
do milhar de reais. O que oferece
a pista para a indagação: onde fica
o “bom-senso”? Ou esse segmento
não conhece o termo?
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Os produtos de luxo são aqueles que
mais se aproximam da “ideação da
perfeição”, quer dizer, do que as pessoas imaginam ser o “produto
perfeito” (produto potencial, segundo Kotler): se é um frasco de
JANEIRO
perfume, o ideal é que seja de cristal. Se é um banco de carro, deveria
ser de couro. O painel, de madeira
(cedro? jacarandá?), um relógio, de
ouro, porque não? Jóias de ouro
branco ou platina, cravejadas de
diamantes, rubis e esmeraldas. Um
banheiro deveria ter um piso de
mármore, preferencialmente de
Carrara.
Talvez, se no paraíso, além de anjos existissem outros produtos além
de harpas, estes seriam vários dos
bens de luxo. Os felizardos habitantes desseValhala imaginário,
caso não andassem por lá nus como
os anjos, trajariam linho e seda.
Qual a mulher de seus 40 e poucos
anos que não sonha com cosméticos especiais, exclusivos e carríssimos, que atenuam (ou até
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
29
Marketing de
Luxo
prometem acabar com!) as rugas?
Que acenam à pele do rosto uma
viagem no tempo, para “algum lugar do passado”, de volta à sua...
adolescência?
BIBLIOGRAFIA
Quem não prefere viajar na primeira classe, em vez de se empoleirar na econômica? (Fidel Castro
viaja na primeira classe.)
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de
consumo. Lisboa. Edições 70.
KOTLER, Philip. Administração de marketing: a
edição do novo milênio. São Paulo: Prentice
Hall, 2000.
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Zahar, 1977.
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Janeiro: Zahar, 1974.
GALBRAITH, John Kenneth. A sociedade da
abundância. São Paulo: Pioneira.
HEILBRONER, R. L. Introdução à história
das idéias econômicas. Rio de Janeiro:
Zahar, 1965.
Não é exatamente em choupanas
que vivem os cardeais da Igreja
Católica, que prega a pobreza como via para o paraíso: “É mais
fácil um camelo atravessar o buraco de uma agulha do que o rico
ingressar no reino dos céus”. A
pompa e o fausto que acompanham as cerimônias sem dúvida é
um dos cenários mais impressionantes do luxo.
HIRSCHMAN, Alberto. De consumidor a
cidadão. São Paulo: Brasiliense, 1983.
KASSER, Tim & ALLEN D. KANNER.
Psychology and Consumer
Culture: The struggle for a good life in a
materialistic world.
A busca pelo raro, pela diferenciação, pela exclusividade, por
ser único, parece estar enraizada
no DNA da espécie humana. Mas
não deixemos que esta meta seja
ofuscada pela perseguição pura e
simples da exibição e da ostentação a qualquer preço, o que tornará
a vida de tais pessoas mais vazias,
e só provocará a inveja e o ressentimento da multidão que jamais terá
acesso a esses símbolos. ESPM
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
KIRKPATRICK, Jerry. Em defesa da
propaganda. São Paulo: Geração Editorial,
1997.
BETTING, Joelmir. Supérfluo? Para quem?
O Estado de S. Paulo. 14/8/1998.
Lembremos que a elite soviética,
no auge do regime comunista que
abominava o “luxo da burguesia
decadente”, vivia no esplendor,
comia e bebia do bom e do melhor,
e se esbaldava em suas dachas nos
finais de semana e nas férias (isso
quando não viajavam a Paris, Londres, Nova Iorque – está claro, na
primeira classe.)
30
ALLÉRÈS, Danielle. Luxo... Estratégias.
Marketing. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2000.
LIPOVETSKI, Gilles. O império do efêmero.
LONGINOTTI-BUITONI, Gian Luigi.
Vendendo sonhos- Como tornar qualquer
produto irresistível. São Paulo: Negócio
Editora, 2000.
NEEDLEMAN, Jacob. O dinheiro e o
significado da vida. São Paulo: Best Seller,
1991.
SHETH, Jagdish N. Comportamento do cliente:
indo além do comportamento do consumidor.
São Paulo: Atlas, 2001.
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Revista Exame. 3/12/1997, p. 95-99.
SLATER, Don. Cultura do Consumo &
Modernidade. São Paulo: Nobel, 2002.
SUNG, Jung Mo. Desejo, mercado e religião.
Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
VEBLEN, Thorstein. A teoria da classe ociosa.
AUTOR
MÁRIO RENÉ SCHWERINER
Doutorando em Ciências da Religião
pela Universidade Metodista, Mestre
em Psicologia pela USP. Professor de
Psicologia Aplicada e Chefe do
Departamento de Humanas da ESPM.
Trabalhou como executivo em empresas
DE
2005
do porte da Singer, Walita,
Johnson&Johnson, Young&Rubicam
e Grupo Accor.
Especialista em Comportamento do
Consumidor, e autor de vídeos e artigos
sobre o tema.
E-mail: [email protected]
Luxo no Rio de Janeiro
Foto: Corbis/Stockphotos
Negócio do
32
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Alexandre Mathias e Carlos Ferreirinha
O
NO
NEGÓCIO DO LUXO
RIO DE JANEIRO
E
m dia típico de verão carioca, num salão do Hotel
Caesar Park, a paisagem de Ipanema serviu de pano
de fundo para se discutir um tema tão sedutor quanto
o cenário: o negócio do luxo no Rio de Janeiro. No
primeiro seminário do Fórum ESPM Rio, parceria com
a MCF Consultoria, os 200 participantes deixaram de
lado os superlativos e clichês para enxergar o que
acontece, de fato, nesse segmento do mercado mundial – orçado em US$ 200 bilhões e, com projeção
de chegar a US$ 1 trilhão até 2010.
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
33
Negócio do
Luxo no Rio de Janeiro
CENÁRIO
PROMISSOR
Paulo. No Brasil, foram emplacadas,
no ano passado, 20 Ferraris, que
custam entre US$ 330 e US$ 480
mil dólares.
O Rio de Janeiro está na pauta dos
investimentos de luxo, mercado que
cresceu 19% em 2003 em todo o
mundo, segundo pesquisa da
Interbrand. No Brasil, o crescimento
médio anual gira em torno de 33%.
Embora não haja nenhum boom no
segmento, sujeito às oscilações da
economia, como qualquer outro,
nem cifras de destaque de vendas
no mundo, há uma série de
indicadores positivos que podem
ser somados a esse percentual,
como o número de compradores
potenciais. Existem hoje no país
cerca de 300 a 500 mil
consumidores regulares de luxo, o
que corresponde a apenas 0,17% a
0,28% da população.
Para pensar o mercado de luxo, é
preciso usar como referência alguns
parâmetros dos Estados Unidos,
detentor de 36% dessa fatia de
mercado. Vivem nos EUA 47 milhões
de famílias, com renda superior a
US$ 50 mil, identificados como
consumidores do novo luxo. Neste
perfil se enquadram moradores de
casas tradicionais, nas quais a mulher é quem mais gasta com produtos pessoais. É o típico comprador que
procura “impacto emocional”, cujo
objetivo é aumentar sua satisfação
pessoal. Levantamento realizado
pelo BCG, com empresas que atendem a esse público em 23 categorias,
indica uma expansão anual, média,
de 15% para os próximos anos.
O mercado brasileiro se abriu recentemente às importações e, para as
grandes marcas internacionais esse
fato é novo e promissor. O movimento do consumo do luxo no Brasil
é da ordem R$ 2 bilhões ao ano, e o
crescimento das marcas em 2003 foi
muito expressivo. A Cartier cresceu
49% e a Piaget, 45%, enquanto a
Montblanc registrou 32% e a Ferrari,
12,5%. Das 40 lojas da joalheria
Tiffany’s, duas estão situadas em São
49%
Fotos: Corbis/Stockphotos
CARTIER
34
De acordo com o Atlas da Riqueza
no Brasil, estudo do economista
Marcio Pochmann, realizado a
partir de dados do Censo 2000 e da
Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, o
Entre 2002 e 2003, o Brasil ganhou 5
mil novos milionários, o que corresponde ao aumento de 6%. Esse
número maior de abastados ganhou
dinheiro com a valorização das
ações e do real. Cabe observar, porém, que esse percentual de crescimento ainda está abaixo da média, se comparado à taxa mundial
de 7,7%. Eram 75 mil milionários
brasileiros em 2002 e 80 mil em 2003
contra 90 mil identificados em 2001.
Em outros países, esse público
consumidor é muito maior. São 2,27
milhões nos Estados Unidos, 383 mil
na Inglaterra, 236 mil na China e
cerca de 200 mil no Canadá.
Se o Brasil conseguir reverter o processo de queda do poder aquisitivo
da classe média, teremos uma pró-
FERRARI
PIAGET
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
número de ricos no Brasil dobrou
em 20 anos. Em 2000 havia 1,162
milhão de famílias ricas, contra 507
mil em 1980. Os mais ricos, que
correspondem a 2,4% da população, têm renda familiar mensal de
R$ 22.487, que detêm 74% do PIB
brasileiro. No Rio de Janeiro, 101.513
famílias estão nesse patamar.
DE
2005
45%
12,5%
Foto: Arquivo
Alexandre Mathias e Carlos Ferreirinha
xima década de expressivo crescimento do mercado e do segmento
do luxo. Mesmo com o desempenho
precário da economia, o número
total de famílias ricas nos estados
do Sudeste aumentou. Se em 1980
representavam 67,3% em São Paulo,
Rio de Janeiro, Minas Gerais e
Espírito Santo, em 2000 o percentual aumentou para 73,5%. A maior
concentração está em São Paulo,
que tinha 191.851 famílias ricas há
20 anos e hoje abriga 674.455.
O MERCADO
CARIOCA
Foi no Rio que se aprendeu o
comportamento de elegância no
Brasil. Na cidade referência do
turismo internacional, palco da
Bossa Nova e de monumentos de
prestígio como o hotel Copacabana
Palace, o luxo deixou de ser apenas
comportamento para ser negócio.
Uma das primeiras marcas a
investir fortemente no Brasil, a
Louis Vuitton, abriu fábricas no Rio.
Hoje, a força do segmento do luxo
se mostra na expansão do São
Conrado Fashion Mall e na aposta
do Espaço Lundgren, que abriu as
portas da nova maison na Avenida
Vieira Souto, de frente para o mar.
TIFFANY’S
MONTBLANC
32%
2 LOJAS
O dia de debates mostrou um panorama positivo de novos investimentos na cidade. A diretora comercial
da grife italiana de jeans Diesel,
Márcia Fonseca, informou que a marca procura espaço para abrir sua
segunda loja no Rio no prazo máximo de um ano e meio. Os investimentos no país vêm impulsionados
pelos surpreendentes resultados da
loja de 82 metros quadrados no
Shopping Iguatemi, em São Paulo,
JANEIRO
primeiríssima colocada na relação
venda por área ocupada. É a campeã mundial da marca, chegando a
vender quatro vezes mais que a loja
de Nova Iorque.
Rio e São Paulo serão as próximas
cidades de destino das edições
mensais limitadas de calças da grife, de 50 peças, vendidas a mil dólares nos tradicionais mercados de
Tóquio, Nova Iorque, Milão e Lon-
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
35
Luxo no Rio de Janeiro
Fotos: Corbis/Stockphotos
Negócio do
marca caiu no
★Agosto
de celebridades como
Angelina Jolie,
Catherine Zeta
Jones ou Elizabeth
Taylor.
Stern. Para a grife, genuinamente
brasileira e carioca, o sucesso do
design das jóias está no trabalho de
equipe. As criações têm a cara da
marca, que dispensa nomes famosos. Sem fórmulas prontas, Stern
mostrou algumas linhas de ação seguidas pela joalheria, que valoriza
o novo sem esquecer o passado e
investindo pesado em campanhas
publicitárias inovadoras.
dres. Já há filas de espera para a
coleção da quinta maior marca da
moda no mundo. As vendas no Rio
superaram as expectativas da Diesel,
disposta a diversificar as operações
no país. Em 2005, a empresa vai abrir
o hotel da marca, Pelican, em São
Paulo. Será o segundo da rede; que
mantém seu único empreendimento
semelhante em Miami.
Outros investimentos estão próximos de se concretizar. Representante da líder mundial em cosméticos, Isabel Branco, diretora superintendente da L’Oréal, Divisão de
Produtos de Luxo, anunciou que a
marca procura um local no Rio para
abrir uma de suas “catedrais”. A
joalheria Tiffany’s e a Christian Dior
também planejam a abertura de
lojas. Os novos negócios são motivados pelo perfil do consumidor
brasileiro – um entusiasta nas compras, muito exigente quanto ao
atendimento. Além dos anúncios
de expansão, os representantes das
grifes de luxo discutiram o valor e
os caminhos traçados na busca do
fortalecimento das marcas.
A marca caiu no gosto de celebridades como Angelina Jolie, Catherine Zeta Jones ou Elizabeth Taylor. As atrizes procuraram a grife
sem que houvesse negociação ou
plano de divulgação previamente
traçado. De acordo com Stern, há
uma troca de interesses quando uma
musa do cinema procura uma jóia
para ir à cerimônia do Oscar. Suas
fotos com colares, brincos, anéis e
pulseiras são tão difundidas, que
elas não voltam a usá-los em outras
ocasiões. Responsável pela renovação e mudança de imagem da
marca criada por seu pai, Roberto
Stern acredita que, bom gosto se
aprende e que, a renovação permanente é a única forma de uma marca não morrer com o cliente.
Única marca nacional incluída no
guia oficial do luxo na França, a
joalheria H. Stern, foi representada
pelo seu diretor de criação, Roberto
36
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
A máxima de buscar inspiração no
Brasil sem criar caricatura, sem fa-
DE
2005
zer produtos folclóricos, é seguida
à risca pela empresa. Projetos
especiais com os irmãos Campana,
designers de móveis, internacionalmente reconhecidos, que criam
a partir de materiais não nobres,
são alguns exemplos de ousadia da
H. Stern. A grife desenvolveu linhas em parceria com o músico
Carlinhos Brown e com a especialista em moda Costanza Pascolato,
e está sempre presente em feiras e
exposições internacionais. Segundo Roberto Stern, o Brasil está na
moda, mas é preciso transcendêla para sobreviver.
MAPEAR O
DESCONHECIDO
Em um mercado novo, o foco principal está em conhecer quem é o
consumidor e como ele se comporta. Diferente da maioria dos países, em que o turista internacional
movimenta as vendas, o negócio
do luxo no Brasil é quase totalmente voltado para a clientela local. Há cerca de oito anos, a queda abrupta das vendas provocada
pela crise da moeda do Japão,
origem dos turistas responsáveis por
70% do movimento das grifes de
luxo mundiais até então, não foi
Alexandre Mathias e Carlos Ferreirinha
As marcas que investem por aqui há
mais tempo tiveram de se adaptar
às características dos brasileiros.
Comprar a prazo, por exemplo. A
cultura do pagamento em prestações, herança dos anos de inflação, nem sempre é compreendida
pelo investidor e pode interferir,
decisivamente, no sucesso dos negócios. Rosângela Lyra, diretora
geral no Brasil da Christian Dior, primeira marca estrangeira a negociar
no Brasil, lembra do trabalho de
convencimento para que a matriz
abrisse exceção e aceitasse o pagamento parcelado. A mudança foi um
acerto na estratégia de venda.
Se o comprador do luxo no Brasil
tem características próprias, o do
Rio revela um comportamento ainda
mais diferenciado. Em poucas
cidades do mundo alguém sai da
praia com roupa de banho, passa
numa loja de departamentos, como
as Lojas Americanas, para comprar
produtos de higiene pessoal e vai a
uma joalheria, antes de voltar para
casa. Ou ainda paga em cash, o
preço que for, por um relógio
Cartier ou um acessório de luxo.
O consumidor brasileiro é
extremamente exigente: quer
atenção, exclusividade e a
comodidade de ser atendido em
casa. E o carioca, além disso,
apresenta um toque de
informalidade.
Seguindo a máxima de pensar globalmente e agir localmente, os executivos se mostraram cada vez
mais atentos às particularidades do
público consumidor. André Brett,
master representante da Zegna,
Fotos: Corbis/Stockphotos
nem percebida no Brasil. O turista
estrangeiro não compra produtos de
luxo no país, sem preços competitivos para o segmento. A exceção
fica por conta das jóias brasileiras.
Atenta ao perfil desses
compradores, a diretora de
operações no Brasil das marcas
Armani e Dolce&Gabbana, Patricia
Gaia, destacou a importância de
criar diferenciais a cada dia. De
acordo com ela, a consumidora do
luxo considera mais chique a venda
personalizada, quando não só
recebe o vendedor, como se torna a
anfitriã em um pequeno happening
promovido para as amigas. As
vendas do grupo estão crescendo
acima da média no Rio, motivo pelo
qual a cidade será o próximo porto
da marca D&G, em 2005. O
faturamento anual do grupo chega
a US$ 4 bilhões e, em São Paulo,
onde está desde 1997, também
cresce a cada ano.
LOUIS VUITTON
6,71 BI
US$
GUCCI
US$
5,1 BI
CHANEL
US$
4,32 BI
JANEIRO
marca associada ao clássico, mas
recente no mercado carioca, ainda
está mapeando seu público-alvo e
tem algumas dicas, como a localização. A Barra da Tijuca concentra 30% dos consumidores da grife
e o cliente médio é o executivo de
30 anos, que trabalha durante todo
o dia e gosta do conforto de ser
atendido em casa. O serviço da
loja em domicílio já é visto como
um filão importante na cidade.
Enquanto isso, o Espaço Lundgren
oferece bolo de rolo, uma iguaria
tipicamente nordestina, em sua
sofisticada maison, numa
combinação única de ícones do luxo
internacional com brasilidade; a
Cartier promove festas em sua loja
de Ipanema para convidados vips. A
gerente da marca no Rio, Elisabeth
dos Reis, contou a experiência dos
encontros temáticos. O Dia dos Pais
e o Carnaval foram motivos das
festas e da decoração da loja,
freqüentada por socialites, grandes
empresários, atores e atrizes. O
francês Laurent Boidevezi, diretor
geral da Moët Hennessy, destacou a
importância de dar visibilidade ao
produto com a promoção de
eventos em lugares sofisticados.
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
37
Negócio do
Luxo no Rio de Janeiro
PRESTÍGIO
PARA AS MASSAS
ciso prestar atenção no atendimento, na arquitetura das lojas,
no treinamento.
Se antes o luxo estava associado
ao aristocrático, com a mudança
de mãos do dinheiro a palavra se
revestiu de outros sentidos. O topo
da pirâmide procura se afastar cada
vez mais da base, que por sua vez
busca ascender socialmente e se
aproximar do topo. O que entra em
jogo são os valores, os conceitos,
os símbolos de prestígio. E é nesse
espaço de subjetividade onde nascem os objetos de desejo, que se
consolidam nas grifes. Como definiu Coco Chanel: “O luxo é estritamente supérfluo, mas extremamente necessário”.
Para trabalhar com esse
consumidor, é preciso entender
também o conceito do novo luxo,
um segmento que amplia o mercado
de artigos exclusivos das grifes
reconhecidas. Além da criação de
produtos segmentados por marcas
tradicionais, o conceito passa pela
“venda de prestígio” para as
massas – como oferecer um café
nos Estados Unidos a US$ 3,50,
quando o produto é vendido em
qualquer cafeteria por US$ 0,50. É o
mastígio, junção das palavras
massa e prestígio, que significa
massificar um produto com algum
prestígio. Em outras palavras,
democratizar o luxo.
Nesse universo de conceitos e valores subjetivos, as marcas lapidam
identidades e traçam seus caminhos. As definições são várias, sempre subjetivas. Para o diretor comercial da Paul Nathan – especializada em impressos com relevo francês –, Marcelo Nogueira, o segmento lida com valores subjetivos,
como tradição, requinte, beleza,
autenticidade. Roberto Stern ressalta a importância do olhar diferenciado: além do produto, é pre-
O novo conceito já traz em si uma
contradição: como massificar um
produto de luxo sem transformá-lo
em banal, ou seja, sem fazê-lo
perder o valor? De acordo com o
ranking publicado pela Business
Week, em 2003, o valor da marca
Louis Vuitton era de US$ 6,71 bilhões. O da Gucci, US$ 5,1 bilhões
e da Chanel, US$ 4,32 bi. Ao entender o conceito de novo luxo,
percebemos que enxergar apenas
o rico como público-alvo é uma
visão míope. É a classe média que
movimenta a economia no mundo,
embalada na sensação de possibilidade, de ser e ter algo mais. A
base faz mover a pirâmide.
Depois de um dia inteiro de debates no Caesar Park, com a possibilidade de ouvir as experiências dos
tomadores de decisão de tantas
marcas, pudemos ter uma visão melhor do futuro do que a que tínhamos até então. Deixamos o encontro
com alguns desafios: como rejuvenescer os consumidores, criar
novos canais de distribuição, desenvolver sempre e mais a estrutura de
serviços? E algumas certezas: num
mercado em expansão e altamente
competitivo, terão mais chances os
que conhecerem melhor seu público
e, principalmente, investirem com
empenho em atendimento.
Foi um encontro desafiante, como
esperamos que sejam os próximos.
Promover eventos de grande porte
no Rio, debatendo as tendências de
marketing e comunicação nas várias áreas de negócios, é a proposta
da ESPM. Estaremos assim cumprindo a nossa obrigação de fomentar
o desenvolvimento e fazer a cidade
melhor do que ela é hoje. ESPM
AUTOR
ALEXANDRE MATHIAS
Stern ressalta a importância do olhar diferenciado:
★ Roberto
além do produto, é preciso prestar atenção no atendimento, na
arquitetura das lojas, no treinamento.
38
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Diretor geral da ESPM Rio
[email protected]
CARLOS FERREIRINHA
Diretor geral da MCF Consultoria
e-mail: [email protected]
Compra por Impulso
O
Uma primeira abordagem, agrupando vários autores, diz ser, a
compra impulsiva como uma compra não planejada. Entre o planejamento dos itens a serem adquiridos e a compra há uma diferença
que pode ser medida. As causas da
compra impulsiva são o meio ambiente (por exemplo, fatores climáticos, disponibilidade do produto, estimulação nos pontos-devenda) e, os fatores culturais (como
a compra de um perfume, numa
roda de amigas em que todas as
outras também compraram).
objetivo deste artigo é apresentar o
processo de decisão de compra de
um imóvel de cobertura e discutir a
afirmativa de que
tal compra de um
bem de luxo (para
aquele sujeito) pode ser caracterizada como compra impulsiva,
quando utilizamos o modelo em
etapas de compreensão do consumo. O processo todo da aquisição deste bem de alto valor apresentou características diferentes de
um certo padrão de procura e
compra de imóvel, por isso merece
uma reflexão. Nossa afirmativa é
que os modelos explicativos do
comportamento do consumidor que
utilizam a expressão “compra por
impulso” pressupõem uma compra
de baixo valor e alta taxa de recompra, o que limita o campo de abrangência dos fatos e das hipóteses
envolvidas.
Um pressuposto nesta abordagem
é que a compra por impulso ocorre
por artigos que tenham preço baixo
e pouca mudança na vida da pessoa. Em nosso trabalho e pesquisas,
porém, vimos compras por impulso
de itens de alto valor financeiro e
CONCEITOS
DE COMPRA POR
IMPULSO
Foto: Corbis/Stockphotos
A expressão “compra por
impulso” aparece nos artigos,
como, por exemplo em GADE
(1980:179), como um processo
decisório rápido e não planejado,
guiado por estimulação
momentânea, que pode ser
interna, ou externa ao sujeito.
Uma revisão do conceito realizada
por ALMEIDA (1993) mostrou que
não há simplicidade, nem acordo
na definição. A autora classificou
as abordagens em três grandes
grupos:
40
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
emocional, tais como imóveis e carros. Um corretor nos relatou que
uma compradora que buscava um
imóvel usado foi visitar um, desceu
do carro, olhou a casa por fora, entrou no carro e disse que compraria,
isto depois de ter visto outros imóveis, detalhadamente. Não havia
nenhuma estimulação especial
nesse caso.
Uma segunda abordagem considera
o aspecto comportamental, no sentido de emoção e prazer dominando
o comportamento no momento de
Ernesto Michelangelo Giglio
“SEM DÚVIDA, SEMPRE A GENTE SONHA COM ALGUMA
COISA A MAIS DO QUE AS NOSSAS POSSIBILIDADES”
FRASE DITA PELO ENTREVISTADO, EXPLICANDO POR QUE
COMPROU UM IMÓVEL TÃO FORA DE SUAS CONDIÇÕES
FINANCEIRAS E DE SUAS NECESSIDADES DE ESPAÇO.
O
S
L
U
P
A
M
I
R
U
R
T
R
PO
OBE
C
A
E
R
D
P
O
T
M
N
E
O
M
C
A
A
APART
DE UM
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
41
Compra por Impulso
tendência
❉ Esta
implica em as pessoas
deixarem certos
controles de lado, tais
como dieta ou exercícios,
e dar-se o direito de
alguns consumos
extravagantes.
Uma terceira abordagem destaca o
impulso no sentido de doença relativa à compulsão para a compra.
O sujeito é acometido de um desejo
incontrolável para comprar, o qual
só reduz a sua pressão com o ato
compra. Apesar do uso da palavra
comportamento, os autores, desta
abordagem, referem-se aos afetos,
às emoções como origem do comportamento. Neste caso, não importa se a compra havia sido planejada,
ou não, mas sim o prazer do momento e o prazer antecipado do uso
futuro. Gerentes de lojas de roupas,
ou acessórios para autos, ou cabeleireiros reportam sobre compradores
que expressam um grande prazer em
comprar e o fazem sem muita negociação. POPCORN (1997) parece
ter captado bem este aspecto, que
ela chamou de pequenas indulgências, em que o consumo ocorre
por um prazer momentâneo, sem
culpa, sem plano. Esta tendência
implica em as pessoas deixarem
certos controles de lado, tais como
dieta ou exercícios, e dar-se o direito de alguns consumos extravagantes. Essas compras emocionais,
associadas ao “eu mereço”, poderiam ser classificadas como impulsivas, conforme o conceito acima.
42
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
da compra. Aqui a estimulação
ambiental parece não ter importância, já que a pressão é interna. Um
sinal forte de compra compulsiva
seria o excesso de itens (pessoas
que têm dezenas de pares de sapatos, que nunca são utilizados) e a
culpa associada após a compra. A
compulsão ao vício, como jogos,
também seria bem explicada por
esta abordagem.
A primeira abordagem, portanto,
classifica a compra impulsiva como falta de planejamento e, as suas
causas estariam no meio ambiente.
As duas outras abordagens atribuem
a causas internas, tais como emoções e desejos incontroláveis, como
causas da compra impulsiva, ora
resultando em prazer, ora em culpa.
Partindo de observações e reflexões, afirmamos que esses modelos
sinal forte de compra compulsiva seria o excesso de itens
❉ Um
(pessoas que têm dezenas de pares de sapatos, que nunca utilizam)
Fotos: Corbis/Stockphotos
e a culpa associada após a compra.
DE
2005
Ernesto Michelangelo Giglio
primeira abordagem, portanto, classifica a compra
❉ Aimpulsiva
como falta de planejamento e, as suas causas estariam no meio ambiente.
iluminam uma parte do comportamento do consumidor e são adaptáveis a alguns negócios, tal como
o varejo de baixo valor, mas é possível raciocinar numa outra linha.
O modelo de compra em etapas que
estamos estudando e aperfeiçoando
há algum tempo (GIGLIO, 1988,
2002), que é muito utilizado em
processos de longa duração e alto
valor, pode ser aplicado, também,
às compras por impulso, tal como
exemplificaremos neste artigo.
Nesta linha, o consumo pode ser
planejado; pode ser racional e
emocional em distintos momentos
e não dá sinais de compulsão. O
impulso seria caracterizado pela
conjunção das experiências passadas do sujeito e os processos nas
etapas das expectativas e da escolha de alternativas.
Como veremos no caso adiante, o
conjunto das experiências de falta
de um espaço privado, na sua residência, durante a vida, gerou no sujeito a expectativa de ter um imenso espaço só seu e, um processo
especial de escolha de alternativas
eliminou as mais racionais e valorizou as mais difíceis. O resultado foi
uma compra por impulso de um bem
de luxo: uma cobertura no bairro de
JANEIRO
Alto de Pinheiros, em São Paulo,
local de imóveis de classe A.
ALGUNS
PRESSUPOSTOS
DE UM CONCEITO
ALTERNATIVO DE
COMPRA POR
IMPULSO
O chamado modelo de consumo
em etapas, do qual ENGEL (1995)
é um dos autores mais conhecidos,
demonstra certos padrões de processos nas várias etapas de uma
busca, aquisição e uso de produtos.
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
43
Foto: Corbis/Stockphotos
Compra por Impulso
A última etapa é a de avaliação, em que o sujeito
❉ compara
o futuro que havia planejado com o presente que está vivendo.
financeiro para a aquisição. Tendo
escolhido o produto, a próxima etapa
é a da compra, com seus processos
de negociação. A penúltima etapa é
a de uso do produto e, os resultados
dependem da complexidade do produto e do treinamento do consumidor na sua utilização. A última etapa
é a de avaliação, em que o sujeito
compara o futuro que havia planejado com o presente que está
vivendo.1
Os padrões se referem aos processos
mentais e sociais pelos quais o sujeito passa. Assim, uma primeira
etapa seria constituída das experiências de vida, que formam o pano
de fundo do consumo. Conforme o
sujeito valoriza algumas de suas
experiências de vida, vai criando
as condições para a segunda etapa.
A segunda etapa consiste no nascimento das expectativas, as quais
se referem à vida futura que a pessoa quer alcançar. Uma terceira etapa refere-se à escolha de alternativas de produtos que possam
levar o sujeito à realização de suas
expectativas. Para decidir sobre o
produto escolhido, o sujeito leva em
consideração seus conhecimentos
sobre os produtos, o relato de outros
sobre os produtos e, o uso de alguns
critérios de corte, tais como um teto
Cada etapa tem as suas características e padrões próprios. Na etapa
de alternativas, por exemplo, o sujeito deve realizar um processo
comparativo entre dois ou mais produtos. Ao criar um processo psicológico e/ou social distinto, ou
seja, fora dos padrões que a Psicologia e a Sociologia indicam co-
mo característicos do ser humano,
afirmamos que tal fenômeno (o
processo) é a causa de uma compra
por impulso.2 O pano de fundo das
experiências de uma pessoa é o primeiro indicador de uma possível
distorção dos processos. O nosso entrevistado passou boa parte de sua
vida dividindo seu quarto com mais
três irmãs, não tendo nenhuma privacidade, e suas lembranças sobre
esta situação são muito fortes e negativas. Essas experiências foram
muito sofridas para ele e construíram um pano de fundo para sua compra de um apartamento de cobertura.
Com um pano de fundo que pode
supervalorizar algumas experiências, o processo de construção das
expectativas pode sofrer um desvio. Expectativas podem estar além
1. Vale lembrar que o modelo em etapas é extremamente complexo, tanto nas suas propostas gerais, quanto nas características de cada etapa e
aqui apenas indicamos o que seria o núcleo de cada etapa. O leitor interessado poderá ter uma explanação um pouco mais longa em Giglio (2002)
e em Engel, Blackwell e Miniard (1995).
2. Na verdade, seria muito mais adequado utilizar o termo compra consumista, mas como estamos discutindo os conceitos de compra por
impulso, utilizaremos a mesma expressão. Vale lembrar, porém, que a palavra impulso tem conotações psicológicas de falta de controle nos
meios não acadêmicos.
44
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Ernesto Michelangelo Giglio
das condições de vida do sujeito
(financeiras e sociais atuais e projetadas, por exemplo), o que poderia levar à compra por impulso. A
vida pobre de nosso sujeito criou a
expectativa de ser rico (até aqui não
há problema algum) e viver como
os ricos, ou seja, com posses de
luxo. Só que o caminho escolhido
para ser rico (ter uma pequena
gráfica em Alphaville), tornava a
expectativa impossível de se realizar no prazo planejado (ou seja, de
2 a 3 anos). As compras de itens fora
de seu alcance financeiro (como o
aluguel de um escritório de alto
padrão em Alphaville), já apontavam para compras por impulso. As
expectativas, portanto, podem ser
consideradas como causas de uma
compra por impulso, mesmo que a
aquisição seja planejada e tenha um
tempo longo.
O terceiro momento que levaria à
compra por impulso corresponde
aos fatores de decisão de escolha
de produtos. Como vimos nos parágrafos anteriores, há um processo
padrão comparativo na decisão
sobre as alternativas. Nosso sujeito
nunca tinha morado num imóvel de
luxo, portanto não tinha esse
conhecimento; não falou com ninguém que morasse numa cobertura
e lhe trouxesse informações (por
exemplo, de que é comum que o
dono da cobertura seja uma pessoa
discriminada dos outros condôminos) e não levou em consideração
seus critérios de corte financeiros (ele
não tinha um fluxo de caixa que
garantisse os pagamentos futuros).
Além disso, havia um julgamento
negativo em curso: a família de sua
esposa o considerava um perdedor, um
homem sem futuro e esta representação
social negativa motivou-o a provar o
contrário. Seu processo de escolha foi,
portanto, diferente do padrão que seria
considerado característico para esta
etapa. Juntando os fatos dos três
momentos de consumo, concluímos
que houve uma compra por impulso.3
Itens de alto valor, portanto, podem ser
adquiridos por uma seqüência de processos, cujas características especiais
nos levariam a qualificar como compra por impulso. Os modelos tradicionais, resumidos anteriormente, não
têm premissas que alcancem estes
fenômenos. Veja abaixo três exemplos
de compra de imóvel que, no modelo
EXEMPLOS
ETAPAS
A)
“Se o meu irmão comprou,
então eu confio” (dono de
uma padaria que acredita
ser o imóvel o melhor
investimento)
ETAPA DE
AVALIAÇÃO DAS
ALTERNATIVAS
B)
“A planta do apartamento
coincidiu com a planta
esperada por nós”(casal
de idade, se aposentando
e saindo de uma casa
enorme, porém querendo
um apartamento que
tivesse 2 quartos de
hóspedes, para ficarem
com os netos)
ETAPA DAS
EXPECTATIVAS
C)
“Minha compra se explica
pelo fato de existir um
prédio que estava na rua
certa e no bairro certo
e pessoas simpáticas
atendendo” (senhor de
idade viúvo, advogado,
carente, com dinheiro,
que se encantou com as
vendedoras e atendentes)
ETAPA DE
AVALIAÇÃO DE
ALTERNATIVAS E
ETAPA DE COMPRA
Figura 1: Três exemplos de compra de imóvel caracterizados como compra por impulso, pela
quebra de padrão psicológico e social nas etapas.4
3. Preferimos adiantar algumas das conclusões sobre o material da entrevista, para dar suporte às afirmativas. Em seguida, porém, o leitor poderá criar
suas próprias conclusões, lendo parte do discurso do sujeito.
4. As frases foram retiradas das entrevistas realizadas pelo autor com estas pessoas.
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
45
Compra por Impulso
supérflua. Um carro que não é utilizado para transporte mas para exibição seria um exemplo de supérfluo. Veblen (apud SOLOMON,
1999), referindo-se ao consumo da
classe ociosa, comentava sobre o
consumo de luxo como forma de
destaque social. Veblen deixava
claro que a posse de produto era uma
forma de competição, que separava
os melhores dos outros. A riqueza dos
bens elevava o sujeito a uma posição superior perante os outros. Os
palácios eram uma das formas dessa
competição.
em etapas, podem ser caracterizados
como compra por impulso.
Tendo elucidado a base conceitual do
modelo, em etapas, e nossa afirmativa do que seria a compra por impulso, podemos discutir, brevemente, sobre o conceito de bem de luxo.
OS BENS DE LUXO
Textos antigos, remontando aos primeiros sociólogos, já afirmavam
que, a identidade do homem se afirma pela sua propriedade privada.
Seus bens são seu modo de existência pessoal e, em conseqüência, sua vida essencial.
(2000) coloca que
❉ ALLÉRÈS
a disposição ao consumo do
luxo vem desde a Idade Média,
passando para a burguesia
em ascensão e daí para os
moradores das grandes cidades
capitalistas. O conceito de luxo
para estes autores significa
possuir em quantidade
excessiva às necessidades
de uso, ou possuir algo que
transcende sua utilidade
de forma supérflua.
A vida no modo “ter” foi amplamente analisada por FROMM (1987).
Na busca de uma orientação e
participação num grupo, como
forma de diminuir as angústias da
existência, as pessoas seguem as
regras sociais dos grupos, que participam, ou gostariam de participar.
Na sociedade ocidental capitalista,
uma das regras mais básicas para
“ser alguém” e participar de determinados grupos consiste no comportamento de aquisição e exibição
de bens tangíveis, o que inclui o
imóvel. O valor de uso é substituído
pelo valor de posse e exibição.
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
Fotos: Corbis/Stockphotos
ALLÉRÈS (2000) diz que a disposição ao consumo do luxo vem desde
a Idade Média, passando para a
burguesia em ascensão e daí para
os moradores das grandes cidades
capitalistas. O conceito de luxo para estes autores significa possuir em
quantidade excessiva às necessidades de uso, ou possuir algo que
transcenda sua utilidade de forma
46
Unindo estas afirmativas sobre bens
de luxo e as afirmativas anteriores
sobre compra por impulso, o consumo de luxo pode ocorrer nas sociedades industriais contemporâneas
quando o senso de critérios adequados
à situação do sujeito e mesmo à ética
se confunde com as regras e normas
de grupos sociais. Em outras palavras,
o sujeito deixa de considerar aquilo
que é importante conforme sua vida
e suas experiências e adota outro código de interpretação da realidade,
baseado nos preceitos sociais. Dessa maneira surgem necessidades
humanas artificialmente produzidas
e produtos para satisfazê-las. Legitimadas pelo social e pelo sujeito,
estas necessidades se transformam
em “necessidades da vida presente”.
DE
2005
No caso do nosso sujeito, a compra
de uma cobertura não estava amparada em necessidades da vida
cotidiana, mas em signos sociais
sobre o que significa a posse de uma
“cobertura”. Entre outros sinais
sociais, uma cobertura significa
sucesso profissional e pessoal, diferença em relação aos outros moradores do mesmo prédio e privacidade.
Ernesto Michelangelo Giglio
Sinais que o sujeito adotou como
muito importantes na sua vida.
Com estas breves observações sobre o
modelo em etapas e sobre o conceito
de luxo podemos apresentar os dados
da entrevista.
DADOS DA PESQUISA
Os dados desta entrevista fazem
parte de um trabalho mais amplo do
autor, sobre as estratégias e decisões
no ramo imobiliário, tanto dos gerentes, quanto dos consumidores.
Temos estudado esta área há alguns
anos, considerando que ela tem
características que facilitam a compreensão dos processos descritos no
modelo, em etapas.
A entrevista foi aberta, em profundidade, tendo o entrevistador um
roteiro sobre o modelo em etapas e os
processos em cada uma delas.
Apresentamos abaixo alguns trechos
da entrevista gravada.5 Conforme regras de pesquisa, os dados são apresentados sem nenhuma correção de
português. As frases entre parênteses
são intervenções do pesquisador. Os
três pontos indicam pausas, ou corte
do discurso.
(O GRAVADOR FOI LIGADO ENQUANTO
SE DAVA O ENQUADRE DA
ENTREVISTA)
(ENTÃO, A PESQUISA É JUSTAMENTE
ESTA: CONVERSAR COM AS PESSOAS
COMO ELAS FIZERAM PARA DECIDIR
A COMPRA DO IMÓVEL, O QUE
ELAS LEVARAM EM CONSIDERAÇÃO;
ENTÃO ESTA É A PERGUNTA BÁSICA
E A GENTE VAI CONVERSANDO.
CONFORME VOCÊ FOR FALANDO,
COMO É QUE FOI PARA VOCÊ,
COMO VOCÊ DECIDIU PELA
COMPRA DO IMÓVEL, O QUE VOCÊ
LEVOU EM CONSIDERAÇÃO?)
O meu caso eu acho que foi meio atípico, porque... foi assim de estalo,
obviamente é um sonho de quase
todo mundo ter o seu imóvel próprio,
é uma coisa que a gente tava querendo, é lógico, a gente mora de
aluguel, eu sou casado faz... 2 anos
e meio e, sempre, é uma coisa que
você quer é um imóvel próprio, parar
de pagar aluguel, porque é um
dinheiro de certa forma jogado fora,
você não está investindo em nada
que seja seu futuramente; então o
que aconteceu foi o seguinte: a gente
tava querendo, mas dinheiro a gente
não tinha, foi um negócio também
relativamente novo, montei um
negócio faz uns 3 anos, tá indo muito
bem, mas também ainda não está
estabilizado como para poder ter
dinheiro para comprar um imóvel
próprio, não tem; esse negócio de
entradas altas não tenho condições,
então o que aconteceu,... um dia
assim de besteira fui fazer uma endoscopia e fiquei à tarde na casa da
minha sogra, aí a minha esposa viu
que tava tendo um lançamento ali
perto de onde a gente mora, ali em
Pinheiros e ela falou: “vamos dar
uma olhada à tarde”, aí passamos
lá, entramos, vimos a planta, achamos muito legal, mas muito caro, aí
por coincidência minha sogra falou
“pô, mas isso daí é do cunhado, do
ex- cunhado do marido dela, daí ela
falou “vamos lá falar com ele”, não
sei o que, eu fui no embalo, tudo bem,
chegamos lá ele : “pô, que legal, vocês estão interessados”, daí nesse
embalo, eu disse “tô, mas não tenho
condições”, daí ele disse que era
tudo em família e que daria um desconto legal, “vou calcular o máximo
de desconto que eu posso dar”. Aí
foi isso, ele me passou um fax no dia
seguinte, eu montei uma proposta
assim bem ridícula, só posso pagar
tanto por mês, eu senti que era meio
absurda, que ele não iria aceitar,
mas passei pra ele, ele disse que tava
muito baixa, nós discutimos o valor,
eu falei que pago aluguel e tal, então
não posso aumentar o valor das
prestações, se você acha que está
pouco, aumenta o número de prestações, mas não aumenta o valor,
porque o valor não posso pagar; daí
ele conseguiu fazer e comprei, foi
assim, então, quer dizer, é um negócio meio atípico assim, eu não tava
buscando... (pausa)
Não estava buscando, gostaria de
comprar mas não fazia idéia. E outra,
se eu fosse comprar um apartamento, quando a gente procurava imóvel
para comprar, tal, mas numa superutopia mesmo, a gente não tinha
condições, pensava em comprar um
apartamento pela metade do valor
deste, a gente nunca imaginou comprar um apartamento de um valor
tão alto, mas como ele aceitou a proposta que eu fiz, então tudo bem,
acabamos comprando, mas não
tava procurando, no momento não
passava na nossa cabeça comprar
um apartamento tão cedo.
5. A transcrição completa da entrevista preenche 7 páginas e selecionamos alguns trechos mais indicativos do nosso tema.
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
47
Compra por Impulso
bertura. Eu morei minha vida inteira
num apto. de 60 metros quadrados
com 6 pessoas, então a gente morava minha vida inteira praticamente, acho que eu saí de lá faz um
7 anos, então, quer dizer, a vida inteira morei, nasci naquele apto. a
gente morava num apto do, BNH ali
mesmo em Pinheiros. Era eu, 3 irmãs, meu pai, minha mãe e o cachorro. Então era muita gente para um
apartamento muito pequeno, então
qual era o sonho? O sonho era poder
ter alguma coisa maior possível
porque eu não agüentava mais aquela neurose de apartamento pequeno apertado, fechado, falta privacidade, porque num apartamento deste tamanho você não pode ter privacidade, tinha que dividir, não tinha
jeito, apesar de que tinha 3 quartos,
o que era um absurdo um apto. deste tamanho com 3 quartos, agora
você imagina o tamanho dos cômodos era tudo muito pequeno mas....
(QUER DIZER, O FATO DE VOCÊS NÃO
TEREM RECURSOS NA ÉPOCA NÃO
DEIXAVA VOCÊ SONHAR DEMAIS)
Não, não deixava, era um negócio
totalmente fora, a gente falava, não,
lá pelo final deste ano a gente tenta
juntar uma poupança e vamos deixar
ver como é que fica, porque guardar
dinheiro é um negócio complicado,
principalmente porque eu tenho esse
meu negócio novo. Então eu nunca
sei quando vou precisar e quando
não vou precisar de dinheiro, eu não
tenho fluxo de caixa que me dê essa
folga de falar, não, esse dinheiro eu
posso separar, vamos guardar numa
poupança pra dar de entrada num
apartamento, não, obviamente, que
as mensais são razoavelmente
amenas, bem tranqüilas, mas as semestrais são fortes, mas eu não
posso guardar para a semestral
também, eu tô calculando que na
semestral eu vou ter, porque eu dou
um jeito, tiro daqui, tiro dali, agora
guardar todo mês aquela poupancinha pra pagar a semestral não dá.
Eu nem penso nisso, eu deixo acontecer, bem assim, vamo comprar
e vamos ver no que vai dar.
(VOCÊ CRESCEU PENSANDO NUM
ESPAÇO MAIOR PARA VIVER)
mite mesmo, entendeu, só que a gente
acaba conhecendo gente, escuta
caso aqui, caso ali, fica naquela
neurose, então, não, é melhor desistir, não vamos ver, inclusive
viemos aqui, quando eu resolvi montar este escritório aqui (em Alphaville), faz pouco tempo, estou
aqui há 6 meses, a gente chegou a
ver algumas casas aqui, só que é
aquele lance mesmo, lance utópico,
a gente foi lá viu, a gente viu uma
casa maravilhosa, só que não tinha
a menor condição de comprar, a
gente falava “desencana”, a gente
chegou a pensar vamos tentar alugar a casa depois com o tempo a
gente vai debitando, vai fazendo um
rolo, só que só o aluguel da casa era
mais caro que a prestação que eu
pago hoje, então não dá, nem para
alugar, então desisti...
(ENTÃO VOCÊ TINHA UM SONHO E
ESSE APARTAMENTO QUE VOCÊ
COMPROU É ATÉ PRÓXIMO DESSE
SONHO MAS NÃO É DO JEITO QUE
VOCÊ QUERIA...)
Lógico eu falei não, eu quero ter um
conforto que eu não tive, quero buscar isso, então a idéia do apartamento era sempre essa, primeiro eu
pensei em casa, mas a violência em
São Paulo não permite, eu ficaria
meio neurótico numa casa.
(APESAR DISSO, VOCÊ DEVIA TER UM
SONHO, DE QUAL ERA O IMÓVEL QUE
VOCÊ GOSTARIA DE TER)
(MAS VOCÊ PREFERIRIA UMA CASA?)
Sem dúvida, uma casa eu acho bem
melhor, porque... por isso o porquê
da cobertura, você tem um espaço
livre, você pode sair e sentir um ar,
um quintal, umas flores, alguma
coisa mais...que não tenha aquela
noção... aquela falta de ar puro que
a gente tem no apartamento, é muito
apertado, tudo fechado, você tá numa caixa, então isso, realmente eu
preferia uma casa, como minha esposa também, porque ela morou a
vida inteira em casa, então... mas não
dá, então a gente falou vamos tentar
uma cobertura” porque você tem
aquele espaço fora seu, então esta
era a idéia, a gente fala casa, casa
não dá porque a violência não per-
Sem dúvida, sempre a gente sonha
alguma coisa a mais do que as nossas possibilidades, não, sempre quis
isto mesmo, tanto que a gente comprou uma cobertura...porque na
brincadeira até, já que tava lá, já que
você vai me dar um desconto legal
então eu quero a cobertura, nem me
passa o preço do apto. tipo (o apartamento padrão) que eu não quero
nem ver, então é isso, é uma co-
48
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Não é, só que aí já é meio mega,
porque esse apartamento tá muito
bom, ele é bem confortável, aí eu já
tô exagerando um pouco, mas é
óbvio que você sempre quer mais,
mas eu não sei, sem dúvida você olha
pra planta e fala “podia mudar isto
aqui, podia ser um pouco maior, isto
aqui podia ser um pouquinho menor”, mas não é como casa, que você
monta do jeito que quer, apartamento você tem que entrar no esquema da construção
(O FATO DE COMPRAR UM IMÓVEL
MUDA O SEU PLANO DE VIDA?
COISAS QUE VOCÊ ESTAVA
Ernesto Michelangelo Giglio
PENSANDO TEM QUE REFORMULAR;
COISAS QUE NÃO ESTAVA PENSANDO
COMEÇAM A APARECER?)
pra mim até, eu acho legal comprar,
mas não acho assim essencial, mas
pra ela é uma coisa essencial.
Bom, dá uma segurança melhor
quando você tem um patrimônio, é
um patrimônio, mal ou bem você tem,
amanhã apertou você pode vender,
você tem alguma coisa, a gente não
tem patrimônio, sabe, é uma segurança, se precisar amanhã vender e
comprar um menor, tudo bem, é seu,
você não tem que pagar aluguel, não
corre o risco de um dia alguém te
pôr pra fora dali.
(É UMA COISA MUITO IMPORTANTE
PARA VOCÊ ESTA DIFERENÇA DE NÃO
PAGAR ALUGUEL)
Super, porque este negócio de aluguel eu acho muito complicado,
você depende de outra pessoa, é um
negócio que quebra, você tem que
ligar pro dono do apartamento e
falar, “pô o negócio quebrou, como
é que a gente vai fazer, eu mando
arrumar, mas... sei lá, um cano que
estourou, vou ter que trocar o cano,
é pro seu apartamento, você vai pagar, não vai pagar, eu vou ter que
pagar, desconto do aluguel, então
estas coisas são desagradabilíssimas...”
(BASICAMENTE ENTÃO É A QUESTÃO
DO DINHEIRO, DE VOCÊ TER UM ...
COMO VOCÊ DISSE, UM PATRIMÔNIO
NO FUTURO, CASO ACONTEÇA
ALGUMA COISA)
É isso e ter um negócio seu que você
mexe a hora que quiser, quiser
derrubar uma parede eu derrubo e
não tenho que dar satisfação pra
ninguém e isto é uma coisa que pesa
muito, do jeito que você quiser, você
fazer no imóvel o que você quiser...
(pausa)
eu sou casado há pouco tempo,
como eu te falei, meu negócio tem
pouco tempo, minha esposa é muito
nova, hoje ela tem 24 anos, sem
dúvida o fato de ter um imóvel pra
ela é muito mais segurança do que
É um negócio engraçado isto. Varia,
eu acho que é de pessoa para pessoa, porque se for colocar na ponta
de um lápis não vale a pena você ter
um imóvel, numa economia estável,
ou também numa instável, porque se
você aplica um dinheiro do valor do
imóvel, com a sua rentabilidade eu
vou pagar um aluguel e ainda sobra
às vezes, é muito relativo esse negócio de comprar ou não um imóvel,
mas é legal, acho que é uma segurança interessante.
(COMO FOI A ESCOLHA DO LOCAL?)
Eu assumi esta idéia de ter que ser
lá (no bairro Alto de Pinheiros) obviamente a gente não ia querer um
bom apartamento num bairro ruim,
só que bairro ruim pra mim é diferente, City Lapa, por exemplo, pra
mim é muito longe (o bairro City Lapa, em São Paulo, é para classe A)
longe de onde eu trabalho e da minha família...
(O FATO DE SER COBERTURA, ALÉM DO
ESPAÇO, TEM ALGUM OUTRO SIGNIFICADO?)
Não, pra mim é isso, obviamente
vem junto, uma coisa vem junto com
a outra, se você tem uma cobertura
tem esse diferencial de melhor apresentação pra receber, tudo, mas
não é o que mais pesou, o que mais
pesou foi o espaço livre mesmo, o
espaço de um ar.
(ENTRE VOCÊ E SUA ESPOSA TEVE ALGUMA DISCUSSÃO, DIFERENÇA DE OPINIÃO PRA PODER REALMENTE DECIDIR,
OU FOI UMA DECISÃO TRANQÜILA?)
Olha, engraçado, não me lembro
muito bem como foi isso, obviamente, no começo ela devia estar meio
contra, não lembro se ela se manifestou, ou ela confiou em mim, porque ela sempre acha que eu sou meio
viajante, que nem quando eu vim ver
casa aqui (em Alphaville) e ela fala
“sê tá louco, a gente não tem dinheiro nem para pagar o aluguel do
mês que vem e você vai ver uma casa
de R$ 500 mil, não existe isto”, então
ela sempre sabia, quando eu cheguei
lá e falei já que “você vai me dar o
desconto da cobertura”, isso tudo
pra ela é um negócio meio utópico,
comprar um apartamento na hora,
quanto mais na cobertura, então
com certeza ela não acreditou muito
que eu fosse fechar o negócio, mas
aí quando eu fechei ela acreditou
nisso, ela achou que se eu fechei é
porque dava pra fechar.
(APÓS MAIS ALGUNS COMENTÁRIOS
SOBRE A PLANTA O ENTREVISTADOR
DESLIGOU O GRAVADOR E ENCERROU
A ENTREVISTA)6
COMENTÁRIOS
SOBRE O CONTEÚDO
Conforme o exposto anteriormente,
sobre a compra por impulso, de bens
de luxo, no modelo em etapas, vamos ressaltar os pontos do discurso do
sujeito que sustentam a afirmativa.
Realizando uma análise de conteúdo temático, conforme BARDIN
(1977) que, aplicando o modelo em
etapas, foi possível construir categorias (idéias centrais do discurso)
6. O apartamento de cobertura foi adquirido por um preço em torno de R$ 420 mil reais, com um bom desconto dado pela construtora.
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
49
Compra por Impulso
Fotos: Corbis/Stockphotos
sobre as três etapas que influenciam
a compra por impulso.
As experiências de espaço, vividas
pelo sujeito criaram fortes lembranças
de sensações de aperto, de percepções, de falta de privacidade, de
idéias relativas à pobreza e à riqueza representadas pelo espaço
dos imóveis. A valorização dessas
experiências (isto é, suas fortes lembranças) somada a uma vida financeira de privação e a uma característica de personalidade de não se
ater aos limites (no sentido de ser
empreendedor, ou viajante, como
se definiu o sujeito), constituem o
pano de fundo do qual brota a
compra por impulso.
Neste pano de fundo emergiram as
expectativas sobre o modo de morar
no futuro e o lugar (espaço) que sua
família atual ocuparia. O discurso
do sujeito é bastante claro sobre o
conteúdo dessa expectativa. Tinha
de ser um espaço amplo, aberto,
só seu, onde a liberdade de mudança fosse completa. Ocasionalmente
o sujeito visitava imóveis que
atendiam a alguns desses parâmetros, mas não havia se aventurado.
A expectativa, criada por oposição
à vida passada e presente do sujeito, contém elementos que levam
à compra por impulso. O processo
padrão implicaria, conforme dissemos, numa certa congruência
com o quadro passado e atual, com
mudança progressiva do sujeito.
Em outras palavras, o padrão esperado para esse casal jovem, sem
filhos, sem renda fixa, seria com-
do condomínio, ruído dos elevadores, problemas de infiltração
❉ Odapreço
piscina, etc.) e não foi atrás, o que deve ocorrer no processo padrão.
prar um imóvel simples, de 1 dormitório, depois tentar passar para
um de dois dormitórios e assim por
diante, coerente com o passado e
presente da vida, incluindo a parte
financeira e os riscos de não se poder pagar prestações de imóveis.7
Com as expectativas sobre o modo
de morar no futuro, o sujeito realizou o processo de alternativas de
uma maneira não padronizada. Em
primeiro lugar, seu tempo de maturação foi curto, pois entre a visita
e a assinatura do contrato passaramse apenas três dias. Normalmente,
no ramo imobiliário, a procura demora meses e a negociação demo-
7. Lembrando que são os pressupostos do modelo explicativo que definem a noção de padrão, ou normalidade, não havendo, pois, juízo de valor sobre
as pessoas “terem de ser conformistas”. Estamos apenas no plano teórico dos processos decisórios. Se uma pessoa decide por uma compra sem ter
base de informação e sem ter base financeira, indica uma quebra do padrão. Os contratos imobiliários são claros: se a pessoa deixar de pagar as
prestações perde o imóvel e tudo o que foi pago. Uma vez assinado esse contrato...
50
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Ernesto Michelangelo Giglio
ra vários dias, incluindo longas
discussões sobre o atraso das prestações. Em segundo lugar, não houve processo comparativo, o que é
absolutamente necessário nessa
etapa. Que outros imóveis do mesmo padrão ele viu? Nenhum. Em
terceiro lugar, o sujeito não tinha
nenhum conhecimento sobre morar
em cobertura (preço do condomínio, ruído dos elevadores, problemas de infiltração da piscina,
etc.) e, não foi atrás, o que deve
ocorrer no processo padrão. Em
quarto lugar, o sujeito não buscou
informações com pessoas (por
exemplo, o próprio construtor) sobre
morar em cobertura. Em quinto e
último lugar, o sujeito não elegeu
critérios de corte realistas com sua
condição financeira e necessidades
atuais, não tendo nem o dinheiro
das semestrais (cujo valor ele mesmo estabeleceu) e nem a necessidade de um espaço tão amplo
(320 metros de área útil) para um
jovem casal sem filhos.
Unindo os comentários sobre as três
etapas, chega-se à conclusão de
que estamos diante de uma compra
por impulso, conforme o modelo em
etapas. Comparada às outras definições de compra impulsiva,
vimos que a compra foi planejada,
já que o casal buscava uma solução
de moradia, olhava classificados e
visitava imóveis. A compra foi
racional, já que o sujeito fez contas
na ponta do lápis e ele mesmo estabeleceu as condições de pagamento. A compra foi negociada, já
que houve troca de informações
entre o vendedor e o comprador, até
se chegar a um contrato firmado
pelas partes. Não é, portanto, compra impulsiva por falta de planejamento; nem por prazer momentâneo; nem por desejo incontrolável. Só que os processos decisórios não seguiram os padrões esperados em cada etapa. Sobre as experiências havia um estreitamento da
realidade da vida passada na supervalorização das experiências espaciais no antigo apartamento (em
detrimento de todas as outras
experiências, tais como a união da
família). Sobre a expectativa de
um espaço de moradia, ela transcendia os fatos do passado e do
presente, quebrando a lógica da
construção destas mesmas expectativas, ou seja, que o sujeito busca
o novo, mas numa continuidade do
presente.8 Sobre o processo de escolha havia uma tomada de decisão marcada pela falta de lógica
(não buscar informações, não realizar comparações, assumir dívida
acima dos rendimentos atuais).
Permeando os processos das três etapas (experiências, expectativas e
alternativas), encontramos no discurso do sujeito indícios de regras
sociais de identidade e qualidade
de vida a partir das posses e não das
realizações. Apesar de o sujeito, em
foi racional, já que o sujeito fez contas na ponta
❉ Adocompra
lápis e ele mesmo estabeleceu as condições de pagamento.
8. Em teoria das representações sociais, existe o termo ancoragem para designar esta progressiva mudança dos ideais de vida e acomodação dos fatos
novos. Maiores detalhes você encontra no texto de Moscovici(1988). Também existem referencias a dois princípios de busca do ser humano, que seriam
a ordenação e a superação, numa coexistência dialética constante. Maiores detalhes você encontra em Fromm Erich (1979), capítulo 3.
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
51
Compra por Impulso
mais das nossas possibilidades” e “se
você tem uma cobertura tem esse diferencial de apresentação”, parecem
indicar a representação do sucesso e
liberdade através das posses.
determinado ponto do discurso falar
que talvez nem valesse a pena
comprar imóvel, não deixa de sonhar com um espaço seu, amplo,
onde a liberdade parece existir. Algumas de suas frases, tais como “a
gente sempre sonha alguma coisa a
Por outro lado, este sujeito não pa-
discurso do sujeito, não temos elementos para levantar hipóteses
❉ Pelo
que indiquem se esta característica vem de sua história pessoal, ou se
é uma influência social, bem brasileira, do “vamos ver no que vai dar”.
rece completamente influenciado
pelas regras sociais de posse, já que
realiza algumas reflexões a partir
de seus referenciais pessoais. Assim, um bairro bom é muito mais
aquele que lhe traz facilidade de
trabalho do que aquele que tem
fama. Uma cobertura traz muito
mais a liberdade quanto ao espaço
particular do que como um objeto
de exibição. Um imóvel comprado
traz segurança, mas fazendo contas, talvez se conclua que não é
um bom investimento.
Um outro ponto de reflexão referese ao seu comportamento de empreendedor que arrisca. Pelo
discurso do sujeito, não temos elementos para levantar hipóteses que
indiquem se esta característica vem
de sua história pessoal, ou se é uma
influência social, bem brasileira, do
“vamos ver no que vai dar”. Seja
qual for sua origem, influenciou o
processo não padronizado da compra do imóvel.
No conjunto das características de
personalidade (aventureiro), mais as
influências sociais, mais os processos decisórios atípicos temos como
resultado a compra por impulso de
um bem de luxo. Por impulso porque se caracteriza por existirem
processos fora do padrão do modelo
em etapas. De luxo porque transcende o valor utilitário do produto,
já que um casal jovem, sem filhos,
não precisa de 5 dormitórios e 3
salas no seu imóvel.
CONCLUSÕES
Através dos dados de uma entrevista
em profundidade, procuramos le-
52
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Ernesto Michelangelo Giglio
vantar, neste artigo, algumas considerações sobre uma outra linha de
conceito de compra por impulso,
aplicada aos bens de luxo.
e mesmo de situações momentâneas.
Talvez seja mais adequado afirmar
que existem compras por impulso e
não compras por impulsivos.
querendo comprar a cobertura, poderia não lhe dar crédito, por padronizálo como “curioso que veio matar o
tempo”.
Um sujeito pobre, empreendedor do
ramo gráfico, iniciando sua vida
profissional, decidiu comprar um imóvel de cobertura num dos bairros
mais sofisticados de São Paulo, o
bairro do Alto de Pinheiros. Como
explicar essa aquisição?
Esta pequena diferença de palavras
causa uma enorme diferença entre a
teoria e a prática. Na teoria, leva os
pesquisadores a adotarem o princípio
da flexibilidade do ser humano, tão
necessário para uma conformidade
com a observação atual do comportamento das pessoas, mas tão criticado
por visões positivistas. Na prática,
leva os gerentes e pessoal de linha
de frente a adotarem uma atitude de
atenção e construção e interpretação
para cada consumidor atendido, sem
padronizar a partir de alguns poucos
elementos. Um corretor daquele
prédio, que atendesse a esse rapaz
simples, com roupa esportiva, passando
mal por causa de um exame e
Quando, porém, utilizamos o modelo em etapas, que descreve (não
prescreve) padrões decisórios e
colocamos o conteúdo do discurso
do sujeito dentro das premissas desse
modelo, podemos ter uma nova visão
da expressão: “compra por impulso”
bastante distante do senso comum de
compra por pessoa alterada. Na
verdade, nós podemos realizar uma
compra por impulso a qualquer
momento de nossa vida, bastando
realizar um processo decisório atípico
em uma das etapas iniciais (expectativas, alternativas e compra). Quantos de vocês já alugaram um imóvel
para o carnaval sem fazer uma visita
a ele? É um processo decisório atípico
Afirmamos e colocamos em discussão que não há vantagem teórica, ou
prática em se utilizar o conceito de
consumidor impulsivo, como alguém
que não pensa, ou é dominado por
forças exteriores e interiores. Tradicionalmente a Psicologia do Consumidor tem sido ensinada como a
Psicologia dos tipos, enquadrando
pessoas em padrões de conduta.
Assim, existiriam os racionais, os
tímidos, os impulsivos. Assim a observação do comportamento humano
coloca em xeque a metodologia que
leva a estas classificações. As pessoas
na sua vida apresentam flexibilidade
de papéis e de comportamentos,
conforme configurações da vida atual
interessante linha de reflexão, decorrente destas afirmativas,
❉ Uma
seria analisar o papel do corretor, quando se utiliza o modelo em etapas.
Fotos: Corbis/Stockphotos
Os conceitos tradicionais de compra
por impulso, voltados para produtos
de baixo valor e alta taxa de recompra, não têm parâmetros suficientes
para explicar esse comportamento.
Não se trata de falta de planejamento,
nem de prazer momentâneo, nem de
desejo incontrolável, que são as três
linhas básicas de modelos explicativos. Mesmo um modelo mais voltado para a estimulação de Marketing
não conseguiria explicar este caso,
pois o casal não foi influenciado diretamente por nenhuma ferramenta de
comunicação.
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
53
Compra por Impulso
modelo, podemos afirmar tratar-se de
uma compra por impulso.
e caracteriza uma compra por impulso, conforme os conceitos aqui
apresentados.
No ramo imobiliário, que temos estudado há alguns anos, existem gerentes que orientam seus vendedores
a fazerem pressão para que os consumidores assinem rapidamente o
contrato de compra do imóvel, pois
“se eles pensarem, irão cancelar”.
Para eles, a compra por impulso é
uma pressão, buscando eliminar o
raciocínio. Para a linha explicativa,
aqui colocada, a compra por impulso
tem uma história e mecanismos
psicológicos que não são determinados por aqueles poucos minutos
de pressão do corretor. No caso do
sujeito em questão, havia uma história de experiência de moradia com
falta de privacidade, havia uma
característica de personalidade de
“aventureiro”, havia uma imagem
negativa da família da esposa a ser
combatida, havia uma expectativa
de um lugar só seu, com ar, e havia
uma maneira especial de lidar com
dívidas, assumindo muito mais do
que seu bolso permitia. Isto o levou
à compra por impulso, e não o trabalho do corretor.
Alguns leitores podem questionar o
pressuposto implícito de padrão. Vale
esclarecer que o conceito de padrão
refere-se aos processos e não ao
comportamento. Estes padrões
psicológicos, nos processos decisórios
são amplamente estudados na Economia, na Psicologia, na Sociologia,
mas sem o intuito de impor normas.
Seu objetivo é a descrição do comportamento humano, mas, no
acúmulo de observações, surgem
convergências. Assim, na etapa de
levantamento de alternativas encontra-se o processo lógico e racional
de se estabelecer critérios de corte,
tais como um preço máximo a ser
pago. Assumir dívidas das quais não
se tem renda é uma decisão freqüente para os brasileiros; confiantes
no lema “deixa rolar”; mas não é um
padrão decisório típico para a Psicologia Econômica. Este exemplo deixa
claro que o normal estatístico dos
brasileiros pode ser a decisão de
assumir crédito sem provisão, mas não
é o normal como processo decisório.
Uma interessante linha de reflexão,
decorrente destas afirmativas, seria
analisar o papel do corretor, quando
se utiliza o modelo em etapas. ESPM
Os modelos tradicionais de compra
impulsiva são limitados a certas condições, tais como negócios de baixo
valor e pouco impacto na vida das
pessoas. Quando tratamos de bens
de luxo e de alto valor, esses modelos têm pouca capacidade explanativa. Como alternativa, indicamos
que, nestes casos, pode-se utilizar o
modelo de consumo em etapas e
analisar, através de entrevistas em
profundidade, a qualidade dos processos decisórios das pessoas. Ao
encontrarmos processos atípicos,
conforme esclarecidos dentro do
54
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
AUTOR
ERNESTO
MICHELANGELO GIGLIO
Professor da ESPM e da UNIP,
pesquisador do ramo imobiliário e autor
do livro O comportamento do
consumidor
DE
2005
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dezembro/1999, D6.
Consumo
de Acesso
DE
ACESSO
CONSUMO
Foto: Arquivo
“CULTURA É O QUE TODO
MUNDO SABE
SEM SABER QUE SABE.”
TERRY EAGLETON
C
onsumo de acesso não é uma nova categoria de
análise teórica,
mas um modo de
se olhar para um
dos processos
mais significativos de expressão da subjetividade: o consumo.
Quanto mais se expande o mercado
consumidor na diversificação de
bens e serviços, mais desafiadora
torna-se a questão da proeminência
da chamada “cultura” de consumo
(Mike Featherstone).
Nesse início de século XXI, atravessado pelas contradições finalizadoras do modo capitalista de
produção econômica, o consumo
não é mais um jogo de soma zero
entre a satisfação das necessidades
e o reconhecimento do
status social por meio da exibição
e conservação das diferenças
representadas pela manipulação
ativa dos signos, como dizia o
filósofo francês Jean Baudrillard.
Fotos: Corbis/Stockphotos
O consumo se reveste de um sentido de posse que transcende a
condição de circulação e troca de
bens para estabelecer as virtudes e
56
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Maristela Guimarães André
Jeremy Rifkin (A Era do Acesso) já
anunciava a substituição das relações baseadas na propriedade, pela
noção das redes e do acesso, como
indício de profundas transformações
no modo de vida moderno. O
desafio agora é identificar seu efeito na efervescência das ações, dos
conhecimentos tácitos, das implicações não verbais, que invadem
Foto: Arquivo
vicissitudes de novos tipos de vínculos e limites para as relações
humanas, para o bem e para o mal,
dependendo do jogo de forças do
mercado.
MIKE FEATHERSTONE
JEAN BAUDRILLARD
JANEIRO
/FEVEREIRO
JEREMY RIFKIN
DE
2005–REVISTA DA ESPM
57
Consumo
de Acesso
o cotidiano, que se comportam como legendas de pertencimento
ainda não codificadas, mas que
estão presentes em cada uma das
atividades humanas.
Hoje mais do nunca, estilo e forma
penetraram no mundo individual
estabelecendo padrões de sobrevivência para além dos mecanismos
de troca de bens e mercadorias. A
desregulamentação da vida social,
em função de relações variáveis e
menos estruturadas por normas estáveis, suscitou o surgimento de um
fluxo infinito de composições e justaposições de comportamentos
desde o bizarro até o absolutamente extraordinário, a partir de uma larga escala de escolhas, como se
fosse um cardápio de diversas tipologias de conduta a serem combinadas e re-combinadas, como se diz,
de acordo com o “gosto do freguês”.
Aos poucos aquilo que, no passado,
se revelava como uma transição
meramente simbólica das mercadorias, da condição de utilidade
para o efeito do fetiche, sofre migrações sucessivas para um estado
quase surreal de expressão, num
duplo sentido de alienação: liberação e submissão.
Foto: Corbis/Stockphotos
processo costurado pelas
✣ Esse
trajetórias de consumo, estrutura
58
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
e desestrutura a identidade dos
indivíduos nas grandes
metrópoles; de um lado porque,
diante das múltiplas
possibilidades oferecidas pela
sociedade de mercado e sedimentado nas relações de troca
(simbólicas ou não), estabelece
um senso de direção para as
pequenas escolhas diárias...
Maristela Guimarães André
Foto: Arquivo
fundo do superficial, ou dito de outra forma, considerando que o profundo é superficial, e que o superficial é profundo, abandonando, portanto a noção de que estruturas
profundas e permanentes condicionam toda a vida, enquanto as
mercadorias representariam reflexos no dia-a-dia, sem maiores
conseqüências.
mundo moderno, com a expansão dos diferentes níveis de
✣ Osignificação
da produção individual e coletiva, principalmente
através do consumo, não cessa de acelerar seu modo efêmero
de invadir novas esferas... (Gilles Lipovetsky).
A idéia de alienação nos fala da
relação “alter” (outro) como condição primeira do ser social. O ser
dos indivíduos é o seu processo de
vida real, na produção imediata dos
seus meios de vida, no seu habitat,
em decorrência de sua própria
organização corporal. Mas para
viver, antes de tudo, é preciso beber, comer, morar, vestir-se e outras
coisas mais. Satisfeitas essas necessidades associadas aos meios
desenvolvidos para tal, decorrem
outras e novas necessidades, lembrando que os indivíduos renovam
a sua própria vida, gerando e reproduzindo outros seres semelhantes a
eles, e o fazem de um determinado
modo, estabelecendo entre si relações de cooperação, embasadas em
pensamentos, idéias, concepções,
que compõem seus modos de re-
presentação da produção material da
vida. A consciência desse processo
revela os conteúdos gerados pelas
contradições e tensões percebidas e
vividos nessas várias dimensões. É
extrato da vida material da relação
de cada indivíduo com o outro:
mundo, seres, elementos naturais,
objetos, história etc.
No entanto, o mundo moderno com
a expansão dos diferentes níveis de
significação da produção individual e coletiva, principalmente
através do consumo, não cessa de
acelerar seu modo efêmero (Gilles
Lipovetsky), de invadir novas esferas, de capturar em sua órbita
todas as camadas sociais, todos os
grupos etários e étnicos em tendências voláteis, como, por exemplo,
a moda, não distinguindo o pro-
JANEIRO
Esse processo costurado pelas trajetórias de consumo, estrutura e
desestrutura a identidade dos indivíduos nas grandes metrópoles; de
um lado porque, diante das múltiplas possibilidades oferecidas
pela sociedade de mercado e sedimentado nas relações de troca
(simbólicas ou não), estabelece um
senso de direção para as pequenas
escolhas diárias, principalmente
por intermédio dos meios de
comunicação de massa, e de outro
lado porque cultiva a superficialidade dessas escolhas, através da
renovação descartável dos produtos
e da moral do oportunismo.
Quando se tem clareza e discernimento sobre o que se tomar como
profundo ou estrutural, tem-se como
pressuposta a existência de relações e condições necessárias para
a ocorrência de determinado evento, e o contingente, isto é, aquilo
que pode ou não acontecer, é
tomado como secundário ou inexplicável. A vida moderna, nas grandes metrópoles, inverte essa relação
fazendo com que o contingente
ocupe o lugar do necessário. Em sua
raiz, as tendências são contingentes, podem ou não vingar, podem ou não se tornar dominantes.
Sua permanência encontra-se
indeterminada e sua influência é
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
59
Consumo
de Acesso
também contingente.
cia alinhava possibilidades objetivas,
articulando necessidades e
contingências, alcançando seu
ponto de máxima influência e de
declínio quando a penetração dessa
combinação atingisse certos limites, sem que, no entanto, se pudesse
demarcar, de antemão, quando se
fecharia o seu ciclo, e nada impedindo que determinada tendência
retornasse ou então sofresse graduais transformações.
Considerar as tendências como
categoria básica é perceber o mundo e as coisas como podendo ter
representações diversas, o que não
significa, necessariamente, a preponderância do arbitrário e que
qualquer coisa é possível, independentemente de condições objetivas,
mas que é amplo o campo de possibilidades para a ocorrência de
múltiplas combinações de valores
e princípios. Na vida moderna, o
que determina que uma tendência
vigore são fatores contingentes.
Ao experimentar o pensamento, o
sentimento e a realidade objetiva
como tendências efêmeras que
tomam sociedades inteiras e outras
que ficam restritas a pequenos setores ou grupos, tacitamente aceitam-
De um ponto de vista histórico, em
seu desenvolvimento, uma tendên-
se a superficialidade das idéias e das
ações. Em sentido amplo, podemos
considerar que isso abarca tanto
sistemas econômicos quanto correntes religiosas, o que mostra que
a concepção que se tem hoje das
tendências não é apenas dilatada,
mas adquire um sentido de generalização. A vida moderna realiza essa generalização, porque a vida
moderna, considerada na sua pluralidade, impõe um fluxo de indefinições e incertezas, em que o consumo constitui-se em importante
estratégia de sobrevivência, como
num jogo com regras variáveis onde
os modelos de agir e de ser não estão,
para sempre, estabelecidos.
das pequenas e grandes coisas da vida, permite-se desejar os produtos (bens e serviços) que mais o
✣ Diante
atraem; daí a substituição do “sonho da casa própria”, paradigmático de um certo grupo social, pelo “sonho
de consumo” dos artigos de luxo ou de grifes.
60
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Foto: Corbis/Stockphotos
Maristela Guimarães André
Quando o desejo é deslocado do
seu centro, toda e qualquer atividade que afaste a sensação de dor
é, por essa mesma razão, um caminho franqueado para o prazer. O
consumo, como diz a canção, converte-se na longa e esvoaçante
estrada que leva os indivíduos até
a porta da felicidade (the long and
winding road that leads me to your
1
door ). No ato de consumir, identificado entre os extremos do excesso e da carência (de bens e serviços), transcende a racionalidade
mundana; cada indivíduo encontra
um nexo aplicável à sua condição
de carência ou privilégio na sociedade de mercado, simplesmente
porque, por intermédio do consumo
tem acesso a uma forma de interlocução social.
1973, Ilan Specht, uma jovem redatora da agência McCann✣ Em
Erikson, ganhou projeção ao propor um comercial para a L´Oréal
com o slogan: “porque eu mereço”.
Acontece que essa dinâmica, provocada pelas tensões entre as marchas
e contramarchas das tendências,
acaba por anular os diferentes graus
de satisfação das necessidades
humanas, porque dissolve os conteúdos reais (prazerosos ou não),
que se ligam, mais intimamente, às
experiências de vida dos indivíduos. Ou seja, quando fatores contingentes são aceitos como a principal
força-motriz das tendências e, conseqüentemente, os indivíduos se
deixam levar pela natureza efêmera
delas, a identificação dos vetores
fundamentais na dinâmica da vida
diária fica comprometida e, desse
modo, a percepção das contradições
reais também fica afetada, tornando
mais difícil a compreensão dos fatos imediatos e, assim, o acesso ao
desejo e, portanto, à subjetividade.
No consumo, cada indivíduo, liberto
das obrigações percebe que pode
estabelecer para si as regras que
acreditava herdadas de outras gerações. Diante das pequenas e grandes
coisas da vida, permite-se desejar os
produtos (bens e serviços) que mais
o atraem; daí a substituição do “sonho da casa própria”, paradigmático
de um certo grupo social, pelo “sonho de consumo” dos artigos de luxo
ou de grifes.
Esse desejo, que está presente em
todos os lugares, nos relacionamentos,
no trabalho, nos clubes e associações,
nos ambientes de lazer, e, expresso
nas artimanhas do jogo do consumo,
torna-se uma forma simulada, passível
de percepção, dependendo dos
modos de assimilação e compreensão dos contornos de sua verossimilhança com a individualidade.
1. The long and winding road – Lennon & McCartney – 1970)
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
61
de Acesso
Foto: Corbis/Stockphotos
Consumo
✣
Os aspectos da feminilidade e masculinidade, dissolvidos na constante troca das características
identitárias em função de combinações provocadas pelas imagens projetadas pela cultura das mídias.
McCann-Erickson, ganhou projeção
ao propor um comercial para a
L´Oréal com o slogan: “porque eu
mereço”. Por detrás do sucesso da
campanha estava a mensagem
relativamente autêntica e com forte
apelo emocional de alguém que se
reconhecia no consumo das mercadorias daquela marca.
Não se trata de um jogo de vida e
morte, mas, como dissimula as tensões que estimulam as necessidades
do desejo, entre elas o medo da
solidão, do desamparo e, nos dias
de hoje, do não-reconhecimento,
tanto pode iludir como fascinar.
O jogo do consumo é um complemento da solidão. Como um
“eterno companheiro”, substitui o
vazio por inúmeras atividades, pelo
contato com a multidão, ou por
pequenas recompensas diárias de
“merecimento”. Em 1973, Ilan Specht, uma jovem redatora da agência
62
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
Assim, à questão do consumo, no
tocante à identidade dos indivíduos,
não deriva, inequivocamente, do
desenvolvimento da produção de bens
e serviços, mas da evolução e expansão dos vários níveis simbólicos
de acesso da sociedade de mercado.
DE
2005
O processo de construção da identidade traduz-se numa recombinação, no sentido da rejeição ou
afastamento de determinados conteúdos simbólicos e a adesão a
novos modelos de representação
que passam a gerenciar os intercâmbios sociais. Por exemplo, o desamparo acentuado pelos crescentes índices de violência urbana
enseja a multiplicação dos relacionamentos interpessoais, presentes
nas diversas formas de ser pai, mãe,
marido, esposa, amigo, amante,
com suas variantes e combinações,
indicando a disposição dos indiví-
Maristela Guimarães André
duos de explorarem tentativas
variadas em relação às regras originalmente estruturadas de organização social.
Esse modo indistinto de estabelecer
elos afetivos, anula as diferenças
emocionais estabelecendo uma
espécie de compensação entre as
várias dimensões do existir humano; significando, por exemplo,
a perda de parte da infância pelas
crianças e jovens que “amadurecerem” no mercado de consumo,
porque são reconhecidos, na medida em que correspondem a um
“segmento” ou “público-alvo”, de
um determinado setor de mercado.
A isso se estendem os aspectos da
feminilidade e masculinidade, dissolvidos na constante troca das
características identitárias em função de combinações provocadas
pelas imagens projetadas pela cultura das mídias.
No entanto, para reencontrar a
compreensão de que viver é explorar as manifestações do vivido, em
um sentido mais extenso, é preciso
reconhecer, também, no jogo do
consumo, uma experiência sem
finalidade e sem qualquer busca de
realização ou transcendência,
apenas como um jogo, em que o
tempo é vivido na sua não-linearidade, sem grandes respostas, porém
pleno da possibilidade de aventura
contido nas surpresas e descontinuidades dos vários planos da vida.
indivíduos, como formas circunstanciais ou contingenciais de estilos
de vida, comportamentos performáticos, e até elos afetivos que, de
algum modo, se acomodaram no
vaivém dos vários deslocamentos
das grandes metrópoles.
Distribuídos em três conjuntos de
acessibilidade distintos, em função
da programação, duração e intensidade do tempo investido para a
assimilação e processamento das
informações, necessários para a
prática, conservação e manutenção
cotidianas das atividades que
garantem a dinâmica desse jogo,
os indivíduos estabelecem padrões
de julgamentos discriminadores
que identificam suas referências
sociais, tornando-os passíveis de
serem referidos pelos demais.
Num plano ideológico, a lógica hegemônica da produção, segundo a
qual alguns serão levados a investir
mais tempo para definir novos patamares de diferenciação, dá determinado direcionamento aos conteúdos das redes de intercâmbio,
estruturando os relacionamentos
humanos em padrões de aproximação e/ou distanciamento de bens
e serviços. No entanto, as condições sociais e culturais diversas,
retroagem sobre esses modos
diferenciados, ensejando outros
conteúdos, estabelecendo assim
outros critérios de acesso.
Nas grandes metrópoles, o espectro
urbano se disseminou num ritmo
mais veloz do que a expansão dos
serviços e bens culturais públicos,
grandes metrópoles, o espectro urbano se disseminou num ritmo
✣ Nas
mais veloz do que a expansão dos serviços e bens culturais públicos.
Nesse cenário, desenhado pelas
atividades de consumo, o acesso a
bens e serviços dissolve-se em freqüências mínimas, máximas e
médias de relacionamento entre os
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
63
Consumo
de Acesso
às nacionalidades distintas dos vários
indivíduos, definem o que cada grupo
social tenderia a assumir como um
modo particular de ser, porém nesse
início de século XXI, aquelas representações relacionadas aos problemas básicos de sobrevivência
individual e social dos séculos anteriores, particularmente nas grandes
metrópoles, deixam de ser decorrentes do trabalho, do emprego, das
ocupações funcionais, para serem,
tão-somente, expressão da escolha
do indivíduo-consumidor. Em São
Paulo, por exemplo, vivem cerca de
dois milhões de nordestinos e outros
tantos imigrantes, procedentes dos
demais Estados, além de todas as
gerando uma certa atomização das
práticas simbólicas, com o conseqüente distanciamento da organização coletiva. Os indivíduos tanto
nas suas demandas políticas, quanto
na articulação dos eventos artísticos, de lazer, ou mesmo das atividades de consumo, se voltam para
os conteúdos de maneira local, embora com pretensões de universalidade. Assim, se são agrupados, o
são de modo fragmentário e tornase difícil coordenar ou hierarquizar
as demandas de cada um, segundo
uma perspectiva mais global.
A conservação e administração dos
patrimônios socioculturais, relativos
grandes metrópoles, ser um “morador de rua”, por exemplo,
✣ Nas
além de significar uma condição de vida, é a garantia de acesso a
Foto: Corbis/Stockphotos
um reconhecimento, mesmo que “anônimo”, da lógica da produção,
redefinindo o sentido social de sua existência concreta.
outras nacionalidades, como as de
origem asiática e européia, integradas a um tecido social que, cada vez
mais, ganha as tonalidades, as formas, as composições e os códigos
culturais da mestiçagem.
O lugar mestiço é a principal referência simbólica do consumidor
moderno. Como mestiço, entre outros
modos de interlocução e de acesso,
constitui-se num vetor delicado e
ambíguo, quando não há uma adesão
completa aos bens e serviços que
consome, ou mesmo quando se está
completamente envolvido pelo
contexto. Portador, por exemplo, de
valores bons ou maus, como agente
ativo ou passivo de uma ação econômica, esse consumidor se aproveita, às vezes, imensamente, de
uma situação de vida qualquer e a
inverte, podendo, então, ver-se impiedosamente escorraçado, excluído
como um parasita. Os desempregados, os meninos e moradores de rua,
os dependentes químicos, os obesos,
os workaholics, são exemplos dessa
categoria. Como um ponto indefinível no universo simbólico das
representações sociais, sua variedade social, sem espessura nem
dimensão e, contudo, com a totalidade do volume que representa na
rede das interligações do ambiente,
não cessa de vibrar, oscilante, por
exemplo, entre as ofertas disponíveis na sociedade de mercado e o
desprezo, a indiferença e o interesse, a informação e desinformação,
a morte e a vida.
A rede de troca e relacionamentos
cria padrões de uniformidade, reorganiza os hábitos estabelecidos, e
promove novos modos de trabalhar,
de se vestir e de se distrair; além
64
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
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2005
Maristela Guimarães André
tras palavras, bagunçando o coreto.
PIRÂMIDE DE MASLOW
Essa presença paradoxal do consumo, no modo de ser moderno, nivela a escassez e o excesso da sociedade de mercado, dilui as regras
e convenções sociais que durante
décadas ajudaram os indivíduos a
estabelecer e manter sua noção de
identidade, e provoca um distanciamento de aspectos-chave da
auto-imagem, deslocando o sentido
de individualidade que orienta os
objetivos na vida.
REALIZAÇÃO
PRESTÍGIO
RESPEITO
AMOR
ACEITAÇÃO
CERTEZA
TRANQÜILIDADE
SAÚDE, REPOUSO,
FOME, SEDE
disso, viver numa grande cidade
significa, para a maioria dos indivíduos, não importa de onde vieram,
a aspiração de ter um lugar para
morar e acesso aos bens e serviços
que lhes permitam sustentar a vida
nesse lugar.
Nas grandes metrópoles, ser um
“morador de rua”, por exemplo, embora tenha todas as conotações e
implicações socioeconômicas,
além de significar uma condição
de vida, é a garantia de acesso a
um reconhecimento, mesmo que
“anônimo”, da lógica da produção,
redefinindo o sentido social de sua
existência concreta. Atualmente,
boa parte da “matéria-prima” da
indústria da reciclagem depende da
informalidade dessa mão-de-obra.
A mestiçagem simbólica torna sem
efeito as fronteiras e os contornos
das necessidades escalonadas na
pirâmide de Maslow, porque o emaranhado das redes engendradas nas
rotinas de vida reúne e expande a
miscigenação dos gostos, dos estilos, das qualidades dos produtos, dos
modos e maneiras de ser, tornando
mais complexa a objetividade sobre
os processos de identificação dos
indivíduos, tomados como “público-alvo” ou consumidores.
Seu efeito acomoda as diferenças
de padrões e estilos de vida, porém
sem anular as pressões sobre a formação e a deformação da conduta
dos indivíduos, criando ordens e
desordens culturais que afetam a
todos, indistintamente, alterando a
consciência de status, as dimensões
da fantasia e do desejo, o controle
e o descontrole emocionais, os
processos funcionais, aspectos para
a recusa das transgressões e necessários para o reconhecimento de
uma identidade consistente. Em ou-
JANEIRO
Assim, o acesso, como condição de
ingresso ou de passagem nos vários
trânsitos de relacionamento numa
sociedade, desde o econômico até
os níveis mais simbólicos de sua
cultura, se confunde com a noção
de impulso, de ímpeto, encontrando no consumo um dos modos privilegiados de expressão e representação dos ataques súbitos que
desconstroem e constroem a identidade individual e coletiva.
Essa é a civilizada insanidade que
nos surpreende a todo instante
quando nos deparamos com os
fragmentos de desordem que transitam nos vários meios de comunicação de massa, tornando todos
personalidades de fácil acesso.
ESPM
AUTORA
MARISTELA GUIMARÃES ANDRÉ
Mestre em Filosofia e Ciências
Humanas
Doutora em Ciências Sociais
Professora da PUC-SP
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
65
O Mercado de
Luxo
O MERCADO DE
LUXO
NO BRASIL
M
68
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
aria Lúcia Cucci dirige o setor de mídia da
Publicis Salles Norton e foi a principal responsável pelo estudo que mereceu ser um dos finalistas do prêmio de mídia de O Estado de S.
Paulo sobre o tema luxo.
A idéia surgiu de um convite recebido da
Câmara Americana para uma palestra, em 2003,
sobre o tema. Pela primeira vez, realizava-se,
Maria Lúcia Cucci
RETRATO DAS FAMÍLIAS RICAS DO BRASIL
❖ 2000 – 1.162.164 famílias com renda média mensal de R$ 10.982 (set/03)
2,4% DO TOTAL
❖ 1980 – 507.600 famílias
1,8% DO TOTAL
❖ para os 1% mais ricos, a renda mensal é de R$ 23.388, contra R$ 1.608 da
média da população
❖ 10 cidades mais abastadas concentram 60% e, as 100 cidades com mais
ricos 84%
❖ 5.000 famílias “muito ricas” – 0,001% do total do país = 40% do PIB
(patrimônio)
❖ 4 cidades concentram 50% das famílias mais ricas
SÃO PAULO
RIO DE JANEIRO
BRASÍLIA
BELO HORIZONTE
Há, entretanto, um aspecto sobre o
qual Maria Lúcia não se recusa a
falar, mas que é de difícil constatação: a faixa populacional de rendimento superior, no Brasil, é discreta
a respeito do assunto. “Pode-se
considerar que o número de famílias
que não declaram IR, mas têm alto
rendimento mensal, pode ser até
50% maior do que os números da
pesquisa...”
As regiões Norte e Nordeste apresentam concentração de riqueza
nas capitais – 66,8% e 68,5%. Nas demais regiões, o percentual é,
significativamente, mais baixo – Sudeste, 53,5%; Sul, 38,3% e
Centro-Oeste, 46,6%.
PERFIL DOS RICOS
2/3
no Brasil, um estudo com informações concretas, dando a demografia
do mercado e acrescentando dados
qualitativos. O trabalho está servindo como referência para alunos
e professores de cursos especializados. O grupo Publicis, a que
pertence a agência, atende a
diversos clientes do setor, como Armani e L´Oreal. “O estudo que fizemos”, diz Maria Lucia, “mostra, em
2000, 1,162 milhão de famílias com
renda média de R$ 10 mil – 2,4%
do total de famílias brasileiras. Em
vinte anos subiu de 1,8 para 2,4%.
Se formos trabalhar com 1% mais
rico dessa faixa, a média mensal é
R$ 23 mil contra R$ 1,6 mil da
população. A concentração é
grande”.
40%
60%
POSSUEM CURSO
SUPERIOR COMPLETO
ALTOS DIRIGENTES
DO SETOR PRIVADO
SÃO HOMENS
18%
12,8% 28,5%
PROFISSIONAIS
LIBERAIS
ALTOS DIRIGENTES
DO SETOR PÚBLICO
EMPREGADORES
JANEIRO
No que se refere à definição do
conceito, usou-se, na pesquisa uma
divisão básica em luxo intangível
– “que, no Brasil, não existe. É o
luxo que dificilmente se consegue
alcançar – o exclusivo, o histórico,
iate, objetos de arte. Depois, o luxo
‘intermediário’ que é o da Porsche,
Ferrari, Armani que – para uma
camada maior da população – surge como objeto de desejo”. Finalmente, conclui ML, “há o luxo acessível que é a porta de entrada para o
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
69
O Mercado de
Luxo
SÃO PAULO
❖ Das 100 cidades mais ricas – S. Paulo (Estado) tem 47. Destaque
para S. Bernardo (5o), S. André (8o) e Guarulhos (9o)
❖ 443.462 famílias ricas que correspondem a 75,7% do Estado
e 38% do país. Em 1980, a participação era de 23%.
❖ 76.738 famílias têm renda média superior a R$ 36.600
❖ 10 distritos concentram 51,1% das famílias que movimentam
mensalmente R$ 1,5 bilhão
JARDIM PAULISTA – 5.813 (2º metro quadrado + caro do país)
MOEMA – 5.757
V. MARIANA – 4.652
CONSOLAÇÃO – 2.945
ITAIM BIBI – 4.472
ALTO DE PINHEIROS – 2.694
PERDIZES – 4.296
MORUMBI – 2.594
PINHEIROS – 3.484
S. AMARO – 2.472
mercado do luxo – artigos de couro,
perfumes, camisetas – luxos
menores”.
Quanto à distribuição geográfica,
a maior concentração é mesmo em
São Paulo e Rio de Janeiro. Brasília
é um grande pólo. Porto Alegre tem
sua importância. “O resto do Brasil
vem comprar em São Paulo. Campo
Grande, por exemplo, tem um crescimento grande no número de ricos
pelo agribusiness. Há outros lugares
que estão despontando com essa
característica”, afirma Maria Lúcia.
Para a vice-presidente de mídia da
Publicis Salles Norton, o mercado
brasileiro vai conhecer, ainda, uma
grande expansão, a começar pelo
mercado joalheiro, com empresas
como a H. Stern. Mas trata-se ainda
de um mercado em que prevalecem as marcas internacionais.
Diz Maria Lúcia: “Luxo é referência. Há serviços de luxo, no Brasil,
que são brasileiros – hotéis, restaurantes de luxo. Mas precisa de
muito tempo e dinheiro investido”.
Foto: Corbis/Stockphotos
Maria Lúcia critica, também, o
atendimento. “Falta, no Brasil,
atendimento personalizado, um
CRM bem feito para que as marcas
se aproximem do consumidor e
transformem essa experiência de
comprar em algo diferente. Nas
lojas mais modernas, nem lhe dão
atenção, se você não estiver dentro
do que julgam ser o seu consumidor-padrão. Quando, lá fora, recebe-se um tratamento de rei. O
mercado brasileiro ainda tem
muitas dificuldades de atendimento. O pós-venda, simplesmente não
existe.” ESPM
70
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Maria Lúcia Cucci
SEUS GASTOS
AUMENTO DO ATIVO
Habitação
Impostos
Alimentação
Manutenção do Lar
Vestuário
Transporte
Higiene/Cuidados Pessoais
Saúde
Educação
Recreação
Cabeleireiros
Outros
23,1%
17,8 %
15,0 %
10,3 %
3,8 %
3,9 %
8,9 %
0,9 %
5,8 %
3,9 %
2,7 %
1,1 %
3,1 %
(56% veículos / 4% imóvel)
(imposto + contribuição trabalhista)
(36,2% fora do domicílio)
(46% eletroeletrônicos)
(31% roupas femininas / 8% jóias)
(combustível e manutenção)
(32% seg. saúde / 17% remédios)
NOVO CONSUMIDOR DO LUXO
São segmentos da população que buscam produtos de qualidade, que traduzam status e estilo de vida.
Compram como forma de gratificação. Acima do luxo, eles querem experiências únicas, capazes de reproduzir
estilos de vida sonhados. Na maioria das vezes compram esse sonho a prazo.
MULHERES SOLTEIRAS
QUE TRABALHAM
Executivas com 25 a 35 anos, que moram
com os pais. Salário é destinado a compras
de produtos pessoais, lazer e viagens.
Compram produtos de qualidade que
reforcem a posição profissional (bolsas,
pastas, óculos, perfumes e maquiagem)
DIVORCIADO SEM FILHOS
Homens e mulheres de 35 à 49 anos, sem filhos.
As mulheres tendem a consumir jóias, produtos
de cuidados pessoais e sapatos. Os homens
consomem relógios, produtos para cozinha e
eletrônicos. Ambos guardam uma parte para a
compra de carro novo e uma casa maior.
HOMENS SOLTEIROS
Executivos de 29 a 39
anos, que moram com os
pais. Salário é destinado a
restaurantes, roupas e
entretenimento.
CASAIS QUE TRABALHAM,
COM FILHOS ADULTOS
Entre 45 e 65 anos, a soma dos
rendimentos os colocam em boa
situação financeira, mas consomem
os produtos de qualidade com
cuidado. Investem em viagens,
produtos tecnológicos, carros
e na casa.
CASAIS QUE
TRABALHAM, SEM FILHOS
E ntre 30 e 40 anos. Consomem produtos para casa,
principalmente para a cozinha e entretenimento.
Viagens e restaurantes também são prioridades.
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
71
A Crise do
Marketing
A CRISE DO
MARKETING
O início de Tudo
U
ltimamente temse falado e escrito
bastante sobre a
crise da propaganda. Na realidade, ainda que
tenha a sua própria história, caminhos e causas, a crise da propaganda é resultante da crise pouco
comentada do marketing, ou pelo
menos é por ela acentuada.
Fotos: Corbis/Stockphotos
Com efeito, o marketing vem em
crise há muitos anos, para não dizer
que esse processo já começou há
mais de dez anos. E quando falo
de marketing, não estou falando de
suas ferramentas. Estou me referindo sobretudo à sua maneira de
existir, às suas estruturas.
72
No início de tudo houve a troca,
que se transformou em vendas, que
exigia que alguém vendesse, que
divulgasse, que propagasse a mer-
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Avelar
cadoria que era vendida (naquela
época ainda não havia produto...).
Assim, a propaganda nasceu junto
com a venda. Quase não se pode
distinguir qual é o ovo e qual é a
galinha. Só que a propaganda, que
nasceu atrelada, intimamente, à
venda, terminou por suplantá-la,
por ir além. Ela passou a existir independentemente de haver algo concreto para ser vendido, naquele instante, naquele lugar. E quem sabe,
aí, nesse momento, ela começou a
plantar a semente do que viria muito tempo depois contribuir para as
dificuldades que ela enfrenta hoje.
Porque, quando ela passou a existir
sem concomitância com o produto
vendido, quando ela passou a ter
vida própria, ela caiu na tentação,
que perdura até hoje, de se considerar como fim em si própria, de
ser mais arte que comunicação, de
ser mais arte que venda. E como
esse processo levou, naturalmente,
à criação dos prêmios, prêmios que
premiam “a” peça publicitária e
não os resultados que eventualmente ela poderia provocar, ou seja, a
venda do produto ou serviço, nada
mais natural que esse processo
tenha levado à crise que se estabeleceu nos últimos anos. Porque
o anunciante precisa que a propaganda realmente venda, que volte
às suas origens. Mas a dinâmica da
evolução das duas profissões, que
se separaram lá no início, fez com
que fossem tomados caminhos independentes e paralelos, que agora
urge que voltem a se encontrar.
Mas esse não é o tema deste trabalho e vamos parar por aqui. O que
importa nesse momento é analisar
a crise que se implantou, de manei-
Vasconcelos
a propaganda nasceu junto com a venda.
✱ Assim,
Quase não se pode distinguir qual é o ovo e qual é a galinha.
ra menos visível, no epicentro
mesmo do negócio, ou seja, no
marketing.
Aliás, por falarmos em negócio,
tocamos, quase de maneira involuntária, na essência mesma da
crise do marketing. Porque, da
mesma maneira que a propaganda
fugiu da sua missão precípua,
vender, o marketing deu, igualmente, as costas à sua essência, ou seja,
curiosamente, também, vender.
Marketing não é técnica. Marketing
é “O” negócio. E foi assim que, juntos, a propaganda e o marketing
foram parceiros no abandono da sua
razão de ser. Transformaram-se em
fim, cada um à sua maneira. A
propaganda tem prêmios? O marketing inventou os cases.
Mas, como tudo aconteceu? Porque
o marketing deixou de ser negócio
para se transformar em técnica?
JANEIRO
SURGE O “PRODUCT
MANAGER”
No início tudo começou bem.
Grandes multinacionais inventaram a função de “gerente de produto”. Foi uma criação lógica e
útil. Os produtos começaram a se
multiplicar nas empresas. Um diretor comercial ou de marketing já
não dava conta de gerir tantos
produtos sozinho. O gerente de produto nasceu como um pequeno
diretor. Ele era o coordenador geral
de todo o processo em torno do seu
produto: desde a concepção do produto, preço, fabricação, embalagem, rótulo, lançamento, distribuição, propaganda, promoção,
pesquisas, share, resultado das vendas e rentabilidade. E o sistema funcionou no início, porque os primeiros gerentes de produto eram pessoas maduras, escoladas, na maioria das vezes provenientes da área
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
73
Marketing
Foto: Corbis/Stockphotos
A Crise do
da realidade (...) para irmos até à
crise que vamos viver cada dia
mais intensamente, até que se
encontre um novo formato, que eu,
pretensiosamente, tentarei propor
mais adiante.
Afinal, o que aconteceu? Eu mesmo, nos textos acima, me traí,
utilizando cada vez mais a palavra
“gerir” em vez de vender. Porque
vender já não cabia no contexto. E
não há nada mal em gerir. Faz,
também, parte do negócio. Negócio é para ser gerido. Mas terminamos por, involuntariamente,
praticarmos o que eu costumo
chamar de “escorregão semântico”.
Por que?
marca passou a ser fundamental, a ser cantada em verso e
✱ Aprosa
como maior “Patrimônio da Empresa”.
te da indiferenciação dos produtos,
foi reforçado o papel da Marca, que
mais tarde, no processo de sofisticação às vezes desnecessária, viria a
se transformar em “Branding”.
de vendas, tinham visão do todo.
Talvez tivessem menos bagagem
teórica, mas tinham muita prática,
vivência e terminavam como um
profissional completo. Que se tornavam mais tarde diretores de marketing ou diretores comerciais.
A FASE DO
“BRAND MANAGER”
E assim funcionou bem durante
muitos anos. Mas os negócios se
tornaram cada dia mais complexos,
cada vez mais produtos se lançavam aos borbotões no mercado. Os
produtos cada vez mais se pareciam uns com os outros. Se no início
a palavra mágica dos primeiros
gerentes de produto era “USP” (Unique Selling Proposition), agora já
era necessário fazer apelo a novos
conceitos tais como segmentação,
posicionamento. E sobretudo, dian-
74
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
Foi nesse momento que se evoluiu
da noção de “Product Manager” para “Brand Manager”. Porque gerir
produtos já não era suficiente. A
marca passou a ser fundamental, a
ser cantada em verso e prosa como
o maior “Patrimônio da Empresa”,
o que de fato ela é. Mas, acredito
que, nesse momento, paradoxalmente, começamos a fazer a decolagem do real, a nos desgarrarmos
DE
2005
Vamos voltar um pouco mais atrás.
Logo em seguida à “redescoberta”
da marca (que também foi fundamental nos primórdios, já que ela
“marcava” os produtos, atestandolhes a qualidade garantida pelo
fabricante), surgiu por decorrência
lógica a necessidade (mais tarde
transformada em paranóia) de se fazer “Brand Stretching”, extensão de
marca. E daí nasceu um conflito
nas estruturas de marketing das empresas, conflito esse que perdura até
hoje. Ou seja, antes o “gerente de
marca” geria uma marca que em
geral correspondia a um produto ou
no máximo a uma categoria de
produto. Mas, o que fazer quando
a marca, em seu processo de espichamento, abrange várias categorias de produtos como sabão em
pó, desodorante e sabonete? Ou
chocolate, sorvete e cereais? Quem
cuida desses produtos que passam
a ter a mesma marca? O gerente
de marca? Mas o negócio não é
Avelar
feito de produto? Cada produto não
necessita de uma expertise própria;
cada produto não tem as suas indiossincrasias? Tudo bem, dirão,
faremos um “Comitê de Marcas”.
Mas, nesse processo, cada vez mais
vamos indo na direção do “escorregão semântico”, erigindo o marketing em técnica cada vez mais
refinada e nos afastando da sua
razão mesma de ser, que é vender.
AS FACULDADES
DE COMUNICAÇÃO
ENTRAM EM CENA
Claro, dirão, que é possível conciliar tudo isso em uma mesma pessoa. E de fato é. Mas...
E aí vem um outro paradoxo. A
complexidade cada vez maior do
mercado, como já mencionado
acima, que trouxe consigo um
grande número de produtos e
marcas, gerou por sua vez a necessidade de se ter mais “gestores” de
produto ou marcas. As Universidades, por sua vez, também perceberam a existência desse novo
“mercado” e lançaram toneladas
de Faculdades de Comunicação
pelo Brasil afora e no mundo
também, com a qualidade nem
sempre à altura das reais necessidades. E então começaram a
ensinar as “técnicas” de marketing
aos seus alunos, técnicas essas que
fazem parte do recheio das
inúmeras escolas de comunicação.
Aparentemente até aqui, tudo bem.
Mas acontece que, mais uma vez,
involuntariamente, caímos de novo
no meu famoso “escorregão semântico”. Ou seja, o marketing torna-
se, assim, parte de um todo maior,
a comunicação (quando o inverso
deveria ocorrer), apresentando
uma visão muito mais técnica e
qualitativa e muito pouco de negócio e quantitativa. Conseqüência disso? Nas minhas andanças
pelo país fazendo palestras, quando
explico aos estudantes o que é
verdadeiramente o marketing, vejo
os olhos esbugalhados de surpresa,
quando descobrem o lado menos
charmoso do marketing, quando
percebem o seu lado mais hard, do
qual nem desconfiavam. Mesmo se,
de alguma maneira os professores
“deram” essa matéria, como manda
o figurino. Mas a “percepção seletiva” de cada um optou pela parte mais “interessante” do marketing,
evitando “misturar-se” com essas
coisas mais terrenas e “triviais” do
marketing; o que gerará, mais adiante, um marketing incompleto e
ineficaz.
E o que vai acontecer no mercado
com esse pessoal? Vai transformar o
marketing no seu bezerro de ouro. Vai
transformar o marketing como um fim
em si mesmo (lembram-se das agências?), vai preparar orçamentos de
marketing de maneira bem “científica”, vai alocar os recursos de marketing (para que mesmo?) para o ano
seguinte, de maneira bem simétrica,
mês a mês, e isso 15 meses antes de
o ano em causa terminar (como se a
realidade obedecesse a esses “planejamentos estratégicos”). Tudo isso
pode parecer exagerado ou caricatura. Infelizmente é a realidade que
se vê hoje. Não é de estranhar, portanto, que se comece a perceber que
não é só a propaganda que está em
crise. O marketing também.
Vasconcelos
O MARKETING
É LOTEADO
Infelizmente, o problema não se resume a isso. O marketing, transformado em meio, que não alcança
os resultados esperados pelos acionistas (sim, eles existem, o marketing não vive sozinho), passa a ser
loteado nas empresas. A função de
gerente de produto, que no início
era um pequeno diretor, passa a ser
cada vez mais encurralada, reduzida, o que, num terrível círculo vicioso, contribui ainda mais para a
sua ineficácia, para agravar a sua
crise. Restam poucas atribuições ao
sobrevivente e valente gerente de
produto.
Philip Kotler, sintomaticamente,
acabou de lançar um livro no Brasil1
sobre os Dez pecados mortais do
marketing, em que, em um certo
trecho, resume muito bem esse
esquartejamento das funções do
marketing:
“Ocorre que hoje é cada vez mais
comum o marketing não ser responsável por todo esse processo, que é
conduzido por uma mistura de
profissionais de marketing, estrategistas, representantes da área financeira e da operação. De alguma
forma, quando um novo produto ou
serviço é criado cabe ao marketing
exercer a sua verdadeira missão aos
olhos de outros órgãos da empresa:
promoção e vendas. Ou seja, em
vez de quatro, a maior parte da atividade fica reduzida a um único P
(promoção). Como a empresa acaba desenvolvendo um produto que
não vende, a tarefa principal do
marketing passa a ser a de limpar
1. KOTLER, Philip. “Dez pecados mortais do marketing” – Editora Campus, 2004.
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
75
A Crise do
Marketing
a sujeira com promoções de varejo
(hard sell) e propaganda.”
Mas então, o que fazer?
E logo a seguir, com uma fina ironia, ele conta o seguinte caso:
PROPOSTA DE UM
NOVO CAMINHO
“Eis um exemplo de marketing de
um único P. Perguntei ao vicepresidente de marketing de uma
grande empresa aérea se ele
estabelecia tarifas”:
Na minha opinião, deveremos repensar os seguintes pontos:
A sua opinião é ouvida quando se
estabelecem os critérios de seleção
do pessoal de bordo?
1. PEOPLE
2. MARKETING STRUCTURE
3. MARKETING MANAGEMENT
4. PRODUCT
5. BRANDS
6. COMMUNICATION
–“Não, fica tudo por conta dos
recursos humanos.”
PEOPLE
– “A área financeira faz isso.”
Você tem alguma influência no
cardápio de bordo?
–“Não, isto é tarefa do catering.”
E a limpeza das aeronaves?
A primeira coisa a ser revista é o
perfil do “Novo Homem de Marketing”. Não é suficiente ter um diploma de Comunicação, nem
mesmo de Marketing, para que uma
pessoa possa ser um bom homem
de negócio (porque, repetimos,
marketing é negócio). É necessário
mais. Alguns talentos e aptidões
específicos são necessários. Eu diria
quase que a pessoa deveria ter uma
certa “vocação” para o marketing.
Espírito empreendedor, iniciativa, visão do todo e estratégica;
foco nos resultados são as principais características necessárias às
pessoas que promoverão o desenvolvimento e crescimento seguro e
continuado de uma empresa nos
próximos anos.
–“Trabalho da área de
manutenção.”
E você faz o quê?
–“Gerencio a propaganda e as
vendas.”
Não é de admirar, portanto, que o
marketing esteja em crise, que ele
não venha sendo tão eficaz quanto
poderia e deveria ser. E daí, os
negócios param? Não. Os negócios
não podem parar. Alguém assume
o vácuo; infelizmente para os profissionais e em detrimento do pessoal de marketing. E o pior é que
tudo isso acontece não por culpa
dos executivos de marketing, mas
por causa da “cama”, da estrutura,
que montaram para ele. E essa
estrutura é arcaica, não responde
mais às necessidades de hoje.
76
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
E a primeira tarefa caberá às unidades de recursos humanos e aos
diretores de marketing em seguida:
DE
2005
redefinir o sistema de seleção e
recrutamento de candidatos adequados ao perfil. Os testes atuais,
mesmo com o simulacro dos diversos métodos projetivos, ainda
privilegiam muito a inteligência,
sem nenhuma dúvida, muito importante. Por isso, já vi excelentes executivos de marketing, às vezes
MBA de Harvard, mas péssimos homens de negócio.
No Marketing, deve-se privilegiar
algumas características em particular: dinamismo, orientação para a
ação (mas com capacidade de
reflexão), senso de risco. Em outras
palavras: as condições intelectuais
devem ser uma condição básica.
Mas o perfil psicológico específico
deve ser um passo a mais, indispensável para se ter as pessoas mais
adequadas às empresas nos tempos
que virão.
MARKETING
STRUCTURE
A função de gerente de produto, ou
de marca, como se queira chamar,
deveria ser extinta, pelo menos nos
moldes do que existe hoje.
Teremos de voltar ao passado, mas
enriquecidos com as experiências
das últimas décadas. O marketing
deveria ser exercido de maneira
mais centralizada por Unidades de
Negócio, e exercido integralmente
por uma pessoa madura e experiente, um Senior Vice-President. Essa
pessoa terá a visão do todo e administra o conjunto do Orçamento de
Marketing. Os produtos englobados
pela marca ou marcas que ele gere
passam a ser meio e não fim. Eles
Avelar
cio, que é necessário se ter a visão
do todo, e que a atitude de teamwork é condição sine qua non.
estão lá e são lançados para se atingir metas de vendas, share e rentabilidade global do grupo que ele
dirige. Cada um, por outro lado,
contribui cumulativa e sinergicamente para fortalecer a imagem da
marca principal.
Nessas condições de trabalho, durante o tempo em que o jovem dá
suporte ao Senior Vice-President,
ele vai se aperfeiçoando nas diversas ferramentas do marketing, tendo
sempre a visão do negócio e do
todo, vai adquirindo experiência e
maturidade para um dia, se comprovados os seus méritos e sua
inclinação para os negócios, se
torne diretor de marketing.
Os atuais gerentes de produto lhe
darão suporte em diversas atividades
de marketing, mas não serão divididos por marcas, nem produto, nem,
logicamente, terão um orçamento
próprio de marketing. Ocupar-se-ão,
mediante delegação do Vice-President, de diversas tarefas ligadas ao
marketing mix dos produtos e marcas
sob a direção da Chefia.
Outra vertente desse processo será
a visão regional, em particular no
Brasil, onde os costumes e hábitos
de consumo diferem bastante por
região. Basta verificar o caso do
Nordeste, por exemplo, que em si
é um país, com a sua “língua”, religião, cozinha, música próprias e
com consumo privilegiado e diferenciado de algumas categorias de
produtos.
Em todos os casos, dá para se perceber que o foco de todos é o negó-
Coerentemente com as propostas até
aqui feitas, o controle da performance econômica das marcas deveria,
igualmente, ser modificado.
Em outras palavras: hoje muitas
empresas fazem a conta de Lucros
& Perdas por produto. Essa maneira
de agir faz com que se atomizem
os investimentos marketing. Ou
ainda pior: atribuem-se “verbas”
marketing em %, em função das
vendas. Para vendas pequenas, “investimentos” pequenos. Investimentos pequenos não são investimentos. São despesas. E com isso
não há nenhum retorno, porque de
fato não houve investimento. Só se
jogou dinheiro fora.
Portanto, o que se propõe é que se
faça uma conta de Lucros & Perdas
por Marcas Estratégicas ou agrupadas, de modo a permitir reais investimentos com retornos concretos para as marcas e para os ne-
Foto: Corbis/Stockphotos
Muitas vezes poderão exercer funções ligadas a canais de vendas,
área ainda muito distante do marketing, mas fundamental para o
negócio hoje. Pode-se imaginar
alguém mirando, com olhar de marketing e negócio, especificamente
para o que acontece no atacado,
procurando aí encontrar melhores
oportunidades para o negócio do seu
grupo. O mesmo poderá ser feito
para os grandes hipermercados, pequeno varejo e canais alternativos.
MARKETING
MANAGEMENT
Vasconcelos
O que se propõe é que se faça uma conta de Lucros & Perdas por Marcas
✱ Estratégicas ou agrupadas, de modo a permitir reais investimentos com
retornos concretos para as marcas
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
77
A Crise do
Marketing
a somatória simples do ótimo das
Divisões ou Negócios.
gócios da empresa.
O mesmo se deve aplicar no caso de
lançamento de produtos. Um produto é
um meio para construir uma marca e
promover aumento de vendas e share,
com os resultados econômicos conseqüentes. Um novo produto, portanto,
deveria ter um orçamento de marketing
e comunicação “ideal”, independentemente de taxas (históricas ou não) e
resultado operacional específico. O
importante é o resultado agregado, que,
esse sim, deve ser analisado com
cuidado, mas ainda assim à luz de uma
verdadeira política de investimento
com retorno esperado.
Na prática, alguns princípios deveriam ser estabelecidos, que passariam
a nortear o lançamento de um novo
produto:
❖ TODO NOVO PRODUTO DEVE TER
POTENCIAL REAL DE FAZER UM
VOLUME IMPORTANTE PARA A
EMPRESA (EXCEÇÃO PARA ALGUNS
POUCOS CASOS EM QUE UM NOVO
PRODUTO TEM POR OBJETIVO
PRINCIPAL MELHORAR A IMAGEM DE
UMA MARCA, AGREGANDO VALORES
ESPECIAIS) E MELHORAR AS MARGENS.
❖ TODO NOVO PRODUTO TEM DE TER
UM DESEMPENHO SUPERIOR AOS
SIMILARES DO MERCADO, OU SEJA,
ELE DEVE TER UMA ACEITAÇÃO
ELEVADA NOS TESTES DE PRODUTO.
PRODUCT
Novos produtos, já dissemos mais
acima, não são um fim em si. São
meios. Meios de manter o negócio
vivo, evoluindo. São o combustível
de crescimento das empresas. A bicicleta tem de ser pedalada sempre.
❖ TODO NOVO PRODUTO DEVE TER
UM PREÇO POR QUILO (DEPENDENDO
DO TIPO DE PRODUTO) E UMA
MARGEM DE CONTRIBUIÇÃO
RAZOAVELMENTE SUPERIOR AOS
DEMAIS DA SUA CATEGORIA (O SEU
VALOR AGREGADO, O SEU DIFERENCIAL E O SEU BENEFÍCIO DEVERÃO
SER PERCEBIDOS PELO CONSUMIDOR
PARA QUE ELE POSSA SE DISPOR A
Se os novos produtos são tão importantes e vitais para a empresa, uma
outra abordagem deveria ser dada
aos lançamentos de novos produtos.
O ótimo da empresa nem sempre é
78
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
❖ TODO NOVO PRODUTO, PORTANTO,
DEVERIA JUSTIFICAR-SE DE TAL
MANEIRA QUE POSSA MERECER UMA
CAMPANHA DE LANÇAMENTO. UM
PRODUTO LANÇADO E NÃO
COMUNICADO NÃO EXISTE PARA O
CONSUMIDOR. (EXCEÇÃO, TALVEZ,
PARA OS PRODUTOS QUE AGREGUEM
VOLUME, NATURALMENTE POR
PORTAREM EXTENSÕES DE MARCAS
FORTES.)
Esses são alguns princípios (entre
outros) que poderiam ajudar a melhor selecionar os novos produtos a
serem lançados.
BRANDS
É necessário aqui, igualmente, selecionar rigorosamente as marcas estratégicas prioritárias sobre as quais
recairão os maiores esforços de
vendas e comunicação.
Uma certa concentração se faz necessária. Ninguém, no Brasil de hoje,
com os atuais preços da mídia,
consegue apoiar adequadamente
✱ Sem comunicação não existe produto para o consumidor.
Foto: Corbis/Stockphotos
Embora eles devam corresponder às
necessidades específicas de cada
negócio, uma abordagem top-down
complementar deveria ser acentuada. Cada projeto de lançamento
de um produto novo deveria ser examinado pelo presidente da empresa
com objetivo de examinar o que
aquele produto específico tem, de
fato, condições de aportar à empresa
como um todo. É necessário substituir
quantidade por qualidade.
PAGAR UM PREÇO SUPERIOR).
DE
2005
Avelar
muitas marcas em um mesmo ano.
COMUNICAÇÃO DAQUELE PÚBLICO,
UTILIZANDO-SE AQUELAS LINGUAGENS.
Mais uma vez, se faz necessária aqui,
também, a implantação mais intensiva
da dialética bottom-up <> top-down,
como comentado acerca da seleção
de produtos a serem lançados.
❖ ADEQUAR A LINGUAGEM À VERBA
EFETIVAMENTE DISPONÍVEL, PROCURANDO A MELHOR RELAÇÃO CUSTOBENEFÍCIO.
COMMUNICATION
Foi daqui que partimos. A comunicação é vital na vida de qualquer
empresa. Sem comunicação não
existe produto para o consumidor.
Mesmo que eventualmente ela já o
tenha conhecido ou mesmo experimentado. Porque a concorrência é
muito grande, os apelos publicitários
das outras diversas marcas são
permanentes, a probabilidade de
“esquecimento” e abandono de
marca é muito grande.
Como já comentado acima, a comunicação deveria concentrar-se em um
número reduzido de marcas estratégicas. O processo mesmo da comunicação deveria inverter-se totalmente. Para fins de comunicação, não
deveria haver na agência a separação
entre criação e mídia. O briefing de
comunicação deveria ser passado às
duas áreas em conjunto. O trabalho
criativo deveria seguir mais ou menos
os seguintes passos:
❖ DEFINIR E DESCREVER O PÚBLICOALVO, COM TODAS AS SUAS CARACTERÍSTICAS.
❖ DEFINIR E DETERMINAR OS MEIOS
CONSUMIDOS PELO PÚBLICO-ALVO.
❖ DEFINIR AS LINGUAGENS MAIS
ADEQUADAS PARA ATINGIR AQUELE
PÚBLICO.
❖ DEFINIR O INVESTIMENTO IDEAL
PARA ALCANÇAR OS OBJETIVOS DE
❖ CRIAR AS PEÇAS DE COMUNICAÇÃO
EM FUNÇÃO DOS MEIOS E LINGUAGENS
SELECIONADOS E DA VERBA
DISPONÍVEL.
Por outro lado, uma outra questão é
a distribuição da comunicação ao
longo do ano. Quaisquer que sejam
as teorias, como já dito antes, os
consumidores são submetidos a um
constante bombardeio de estímulos
e mensagens, das quais muitas são
dos concorrentes. Para que possa
construir marcas e provocar vendas,
é importante que a marca esteja
presente ao longo do ano. Portanto,
o meio a ser utilizado deverá ser selecionado de tal maneira que permita
a presença da marca durante todo o
ano. Em parte, é o que reza a teoria
do Recency.
O uso da dita mídia alternativa deveria ser mais judicioso. Não devem
existir dogmas quanto ao uso ou não
desse tipo de mídia. Só deve haver
um tipo de mídia: a que alcança de
maneira mais eficaz o maior número
de consumidores. Assim sendo, a
utilização da mídia alternativa, em
muitos casos, é contraproducente e
ineficaz; porque atinge pouca gente,
a um custo elevado, com uma linguagem inadequada.
Vasconcelos
com as tecnologias modernas e
transmitidas pelas Faculdades de
Comunicação e Marketing.
A definição mais precisa do perfil psicológico dos candidatos a trabalhar
em marketing contribuirá para que
exerçam essa profissão somente
aqueles que se identificam claramente com o marketing como negócio.
A gestão das marcas de maneira
integrada, com um único orçamento,
com um único Lucros & Perdas,
evitará a atomização atual dos
esforços, direcionando todas as energias para a obtenção do resultado do
negócio gerido, passando a ser, os
produtos e marcas, meios para atingir
o resultado global da unidade de
negócio ou da empresa. O consumidor deixa de ser genérico e passa a
ser mais concreto, sendo visto e
encontrado através dos diversos filtros,
pelos quais ele será percebido; ou
seja, o consumidor tem perfis diferentes segundo os canais de vendas que
ele mais utiliza ou dependendo das
regiões onde ele habita. O genérico
demográfico, classe social, já não é
mais suficiente.
A comunicação é tarefa primordial
do Senior Vice-President, definindo
metas e dosando os esforços ao longo do ano em função da dinâmica
do mercado, e não em função de um
orçamento rígido. ESPM
AUTOR
CONCLUSÃO
AVELAR VASCONCELOS
O surgimento do Senior Vice-President, assistido por gerentes de
marketing, reconcilia a razão de ser
permanente do marketing; o negócio,
JANEIRO
Membro do Conselho Superior e
Deliberativo da ESPM
Ex-Diretor de Marketing da Nestlé
Consultor e Conferencista
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
79
Marketing
Marketing
Não Existe
Não Existe
80
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Roberto
Menna Barreto
EM TERMOS DE SOLUÇÃO DE
PROBLEMAS, MARKETING NÃO EXISTE!
(MAS
, SIM))
firmar – como
linha inicial de
raciocínio –
que marketing
não existe é, a
meu ver, paradoxalmente, a
melhor e mais
produtiva forma de se entender o que se pretende por marketing.
A
Isso não quer dizer que não possamos aprender infinidade de coisas
sem uso prático imediato, todas
interessantes e abstratas (e igualmente verdadeiras, como abstrações), tais como o gúgol em matemática, o tempo nulo em física, os
arquétipos em Jung, ou a razão pura
em Kant.
Contudo, imagino que quem quer
Fotos: Corbis/Stockphotos
Penso que a maneira de se entender
algo produtivo é estabelecer uma
conceituação que possa se traduzir
em ação, em prática, em administração eficaz – quase diria imediata, pragmática – da realidade.
Os arquétipos em JUNG
A razão pura em KANT
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
O número GÚGOL
2005–REVISTA DA ESPM
81
Marketing
Não Existe
que esteja envolvido com este
altissonante termo americano –
marketing – está interessado em
dominar processos e eventos que o
cercam na vida profissional, e obter
resultados comerciais aferíveis –
muito mais que discursar sobre
abstrações, ainda que verdadeiras.
Nesse sentido, estou convicto de
que é sempre melhor partir do pressuposto de que marketing não
existe.
Vejamos, primeiramente, sua definição. Qual a tradução desse celebrado anglicismo (com alguma
própria especificidade de cada uma dessas áreas –
✲ Aextremamente
complexas e que exigem profissionais altamente
qualificados – nos leva à conclusão de que nem mesmo um
gênio renascentista poderia abrigá-las todas.
perda semântica, como ocorre com
qualquer tradução)? Comercialização. Como a prestigiosa Associação Americana de Marketing define
marketing? “Execução das atividades que conduzem o fluxo de mercadorias e serviços do produtor aos
consumidores finais, industriais e
comerciais”. O que significa isso
em bom português? Comercialização! Quantas pessoas, hoje, estão
interessadas em leitura, cursos e
seminários de marketing? Multidões. Quantas estariam se o assunto
fosse simplesmente “comercialização”? Responda você.
Vai daí que já paira, muitas vezes,
sobre o que seja marketing, um véu
de pompa e solenidade que pode,
eventualmente, enobrecer alguns
cartões de visita – porém que, em
minha opinião, nada tem a ver com
a “administração prática da realidade”, com resultados concretos,
vale dizer, com lucros finais em qualquer segmento da comercialização.
Foto: Corbis/Stockphotos
Agora vejamos: seja pelo próprio
significado da palavra comercialização – e por tudo o que ela implica – seja por outras definições de
marketing; ou mesmo pelas áreas
fundamentais que o termo genérico
marketing implica (pesquisa no
mercado; planejamento do produto;
determinação de preços; propaganda; promoção de vendas, distribuição etc.), chegamos à conclusão, muito cândida, de que esse
termo, na prática, desaba pelo próprio peso de suas diversificadas
atribuições.
82
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
Não estou dizendo, por favor, que
todas essas atividades não possam
e devam hoje, mais do que nunca,
DE
2005
Roberto
estarem integradas (falo disso
adiante). Contudo, a própria especificidade de cada uma dessas áreas
– extremamente complexas e que
exigem profissionais altamente
qualificados – nos leva à conclusão
de que nem mesmo um gênio renascentista poderia abrigá-las todas, a ponto de poder, com justiça,
merecer o nome de “profissional de
marketing”.
Em 20 anos em que estive ligado,
muito intimamente, ao campo do
marketing (como titular de agência
de propaganda que chegou a responder pela conta de algumas
prestigiosas organizações nacionais
e internacionais), posso dizer que
presenciei inumeráveis sucessos
em marketing – mas nunca algo
que pudesse ser corretamente chamado de sucesso de marketing.
Dizendo isso, não estou desmerecendo que alguém eventualmente
se intitule profissional ou gerente
ou diretor de marketing. Apenas
creio que posso colaborar tentando
dar uma visão mais prática, mais
rés-do-chão sobre o assunto.
Essa distinção não é mero preciosismo lingüístico. Comecei minha
vida publicitária numa época em que
uma empresa no ramo de cosméticos,
por exemplo, a Gessy-Lever, garantia
sucesso para seu sabonete devido ao
uso de testemunhais com estrelas
Menna Barreto
de H o l l y w o o d ( o q u e , a l i á s ,
mantém até hoje , salvo engano,
atendendo, obviamente, à psicologia de seus consumidores); enquanto isso, outra firma, também
do mesmo ramo, a Bozzano, garantia outro sucesso notável por ter
sido a primeira a oferecer seus produtos, aos revendedores, em consignação. Sejamos realistas: que
competência as pessoas, os cérebros, os publicitários, principais
autores do sucesso da Lever, teriam
para promover também uma
decisão como a da Bozzano?
Ambos foram sucessos em marketing – mas criados em áreas distantes, por profissionais de formação, talento e responsabilidades
totalmente diferentes entre si.
Foto: Arquivo
Isso me leva, muito diretamente, à
opinião (que já expressei em livro)
de que, em última análise, apenas
quem esteja no centro nevrálgico
da empresa – em muitos casos,
apenas o dono da empresa – pode
pretender uma visão operativa,
realmente abrangente e decisória
(com todos os riscos que isso
implica), sobre o extenso e completo processo de comercialização,
isto é, de marketing. Estou pronto
a conceder que, somente tais donos
de empresa seriam, na prática,
homens de marketing.
Uma agência de propaganda –
mesmo as que, com as melhores das
intenções, oferecem “marketing” a
seus diferentes clientes – será uma
agência de grande capacidade
profissional se puder se manter
atualizada, e responder com talento
aos múltiplos aspectos de cada um
dos diferentes mercados a que se
Gessy-Lever garantia sucesso
✲ Apara
seu sabonete devido
ao uso de testemunhais com
estrelas de Hollywood (o
que, aliás, mantém até hoje,
salvo engano, atendendo,
obviamente, à psicologia
de seus consumidores).
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
83
Marketing
Não Existe
dirige, com vista à sua persuasão
publicitária. Mas que competência
realmente profissional (não falo de
meras sugestões periféricas) tem ela
para definir uma composição de
preços, aconselhar um desconto bancário inédito, ou mesmo, sequer,
atuar no planejamento de um
produto? E que capacidade, realmente profissional, pode se exigir de
um talento, altamente criativo no
planejamento de um produto, de
criar uma argumentação realmente
eficaz para vendê-lo, e saber quais
os veículos ideais para veicular as
mensagens? Que competência,
realmente profissional, tem uma
excelente empresa de pesquisa de
mercado para determinar uma nova
e decisiva mudança no campo do
financiamento de produtos ainda na
prancheta de seu cliente?
só existem duas formas de operar qualquer dessas fases:
a rotineira, ainda que funcional, tecnocrática, experiente
(o que, em muitos casos pode ser a
mais adequada, diga-se de passagem) e a criativa, inédita, inovadora;
2
tudo o que se celebra, em Congressos de Marketing, como
sucesso de marketing pode
ser visto, muito simplesmente, como expressão da criatividade (e não da rotina) em alguma
(ou, raramente, em mais de uma) das
várias fases que constituem o longo
e multifacetado processo da comercialização;
3
como corolário, parece-me
mais produtivo, na prática,
a ênfase na criatividade (que
pode eclodir em qualquer
campo da atividade humana e, no
caso das empresas, tanto no treinamento como na administração,
tanto na captação de recursos como
na comercialização) do que a ênfase num cômputo de atividades
que, na prática, indivíduo algum
pode isoladamente gerir, a ponto de
tornar-se, legitimamente (ao contrário de outras profissões), em expert.
4
Evidentemente, então, há a necessidade de um indivíduo centralizador e coordenador de todas essas
atividades. Ele irá supervisionar um
processo altamente complexo, de
fases interdependentes – mas cujo
sucesso, creio que na totalidade dos
casos, vai ser gerado por profissionais especializados em áreas de
marketing – mas não por profissionais de marketing (por que, isso na
prática concreta, não existe).
Fotos: Corbis/Stockphotos
Tudo isso, penso eu, pode ser colocado
de forma diferente – e mais estimulante
– pelos seguintes pressupostos:
capacidade, real✲ Que
mente profissional, pode
se exigir de um talento,
altamente criativo no
planejamento de um
produto, de criar uma
argumentação realmente
eficaz para vendê-lo, e
saber quais os veículos
ideais para veicular as
mensagens?
a comercialização moderna,
que vai desde a hipótese de
um produto até a sua venda
final, engloba inúmeras fases,
cada qual dependendo de uma
expertise específica, complexa e
profunda;
1
Acho muito válido, a propósito, o paralelo freqüente entre marketing e
guerra. A comparação mais próxima
para o chamado “homem de marketing” seria a do estrategista. Mas um
estrategista não é um “Senhor de
Guerra” (War Lord), pois tal título (e
cargo) é impensável na Era Moderna
(últimos remanescentes liqüidados
na China, na década de 20).
Se você, amigo leitor, fosse respon-
84
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Roberto
Menna Barreto
(tema sobre o qual ministro, eventualmente, seminários).
E, nesses seminários, uma das dificuldades que às vezes encontro é
a de deixar claro, para alguns participantes, o que é pensamento
concreto (“sincrético”, Piaget), e o
que é pensamento abstrato (“hipotético-dedutivo”, idem).
Muitos imaginam, sugestionados
certamente pela nomenclatura,
que, “pensamento abstrato” refirase a fantasias, lances irrealistas de
imaginação, devaneios. Já o pensamento técnico, lógico, cartesiano,
2+2=4, pão-pão-queijo-queijo –
este, sim, seria, de fato, o pensamento concreto.
sável por um país envolvido numa
guerra moderna, você não se cercaria de “Senhores da Guerra”, porque, na prática, hoje, isso tampouco existe. Você procuraria se cercar primeiramente de estrategistas.
Não de quaisquer estrategistas,
mas sim estrategistas que conhecessem a fundo os aspectos técnicos da estratégia, e que fossem,
além disso, imprescindivelmente,
criativos – face ao desafio, único
e sempre inédito, do conflito real.
E, igualmente, de toda uma
plêiade de executores das diferentes campanhas – no ar, em terra,
no mar, ou no campo eletrônico –
diferentes e altamente especializados entre si, que dispusessem
também, cada qual em seus
campos de luta, particularmente
definidos e diferentes entre si, de
boa dose de “pensamento con-
comparação mais
✲ Apróxima
para o chamado
“homem de marketing”
seria a do estrategista.
Mas um estrategista não
é um “Senhor de Guerra”
(War Lord), pois tal título
(e cargo) é impensável na
Era Moderna.
creto”, criativo.
Então, na prática, o conceito mais
compensador não seria mais o de
“guerra” – mais sim o de “criatividade”, abalizada por um impecável
conhecimento técnico.
Para ser franco, esse assunto me interessa hoje menos por sua conotação com marketing, e mais por
sua conotação com criatividade
JANEIRO
Nada disso é exatamente o contrário: a lógica, a técnica, a matemática, todos os processos mentais
de conceituação, análise, raciocínio, pertencem ao mundo do
pensamento abstrato. Marketing é
ótimo exemplo de uma conquista
do pensamento abstrato.
Criatividade – extremo oposto –
pertence ao mundo do pensamento
concreto.
Pensamento abstrato, e perdoemme por repetir, não implica em
arroubos surrealistas: implica, isso
sim, em construtos racionais,
conceituais, operativos, da mente.
Sua existência é discutivelmente
real... porque abstrata.
Exemplo simplório: os meridianos
da Terra existem ou não existem?
Antes da navegação por satélite,
seria impossível a um avião cruzar
o Atlântico (como dezenas o fa-
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
85
Marketing
Não Existe
ziam diariamente) sem contar com
o balizamento oferecido, em sua
rota, por meridianos e paralelos.
Pode alguém dizer que eles sejam
uma fantasia, uma licença poética?
Claro que não. Agora, acaso alguém já tropeçou num meridiano?
Claro também que não. E então:
eles existem ou não existem?
é, indivíduo exclusivamente técnico, lógico, analítico, cartesiano,
também apresenta deficiência
psíquica, já psiquiatricamente
rotulada de “fixação funcional”.
Quem é esse indivíduo no dia-adia, na profissão, na vida pessoal?
É aquele que todo mundo conhece
como “indivíduo quadrado”. Criatividade nula.
Fotos: Corbis/Stockphotos
Somente o homem, entre todos os
seres vivos, possui o pensamento
abstrato, racional (que o fez, inclusive, se auto-nomear, muito modestamente, homo sapiens sapiens). Já os animais (e as crianças,
até os 4/5 anos) funcionam somente no pensamento concreto.
Note-se, porém, que é impossível
operação simultânea de ambos os
pensamentos. Vale dizer: raciocínio e intuição; análise e insight;
cálculo e ovo de Colombo; processamentos lógicos e Eureka; técnica
consagrada e criatividade. (Eu
disse simultânea, e não sucessiva
e complementar.)
Indivíduo que, por acaso perca, definitivamente, seu pensamento
abstrato, enlouqueceu, virou esquizofrênico. Contudo – atenção! – indivíduo que, por outro lado, funcione apenas e exclusivamente,
com esse mesmo pensamento – isto
da navegação por satélite,
✲ Antes
seria impossível a um avião
cruzar o Atlântico (como
dezenas o faziam diariamente)
sem contar com o balizamento
oferecido, em sua rota, por
meridianos e paralelos. Pode
alguém dizer que eles sejam uma
fantasia, uma licença poética?
86
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Já indivíduo que funcione, digamos, com 10% ou mais de pensamento concreto não será absolutamente um gênio de criatividade,
como se poderia apressadamente
supor – mas alguém de perfil próximo do maníaco. Poderia ter, freqüentemente, milhões de abordagens inéditas sobre qualquer
coisa, sem levar qualquer delas
avante, ao campo das avaliações
objetivas, racionais, realistas.
Criatividade não deve ser vista
como um amplo cenário de lances
de imaginação, nem de sonho. Ao
contrário, trata-se de um lampejo
– uma faísca, um flash. Mas que
milhões perderam, em sua vida, a
faculdade de ativar, fazer acontecer, em contato com seus desafios
e problemas.
INDIVÍDUO QUE CONSEGUIR OPERAR –
EM MARKETING OU EM QUALQUER
PROFISSÃO – COM 99% DE PENSAMENTO ABSTRATO (TÉCNICO) E 1%
DE PENSAMENTO CONCRETO
(INTUITIVO E CRIATIVO) REALMENTE
ALCANÇOU O QUE CHAMO DE
OTIMIZAÇÃO DO PENSAMENTO.
Note que, praticamente, todos os
casos de sucessos em marketing
que o leitor conheceu até hoje
foram produtos autênticos de criatividade. O que vale dizer: foram
Roberto
Menna Barreto
certa vez, há um bom tempo, numa
palestra para mais de 500 pessoas,
a respeito de um aparte que me foi
oferecido.
Nunca aceite (se acaso posso dar
um conselho) ter um “problema de
marketing”, porque, nesses termos,
marketing não existe!
Você iria, meramente, patinar em
elucubrações e platitudes analíticas ou teóricas (como se nota, às
vezes, em tantas reuniões de trabalho, em certas empresas).
Ao contrário, fixe-se bem no problema – único, concreto, individualizado – sempre munido de uma
carga substancial de bom-humor,
entusiasmo e irreverência – até que,
de repente, você receba a solução!
(Isso mesmo, o processo é passivo.)
Aí então – e só aí – confira se acaso
esse problema (liquidado) pertencia
à longa e complexa cadeia de comercialização de sua empresa.
das dificuldades que
✲ Uma
às vezes encontro é a de
deixar claro, junto a alguns
participantes, o que é pensamento concreto (“sincrético”,
Piaget) e o que é pensamento
abstrato (“hipotético
dedutivo”, idem).
produtos oriundos do pensamento
concreto. O que implica em reconhecer: foram vitórias de indivíduos
que, no momento de sua idéia, não
pensavam absolutamente, de forma
alguma, em termos de marketing,
envolvidos que estavam na alegre
e persistente motivação de resolver
uma questão específica, particularizada, concreta.
Permita-me repetir o que eu disse,
JANEIRO
Se acaso pertencia, leitor, você dispõe, como mais um prêmio, de um
novo case para apresentar no próximo Congresso de Marketing.
Marketing é uma palavra interessante para aparecer... depois que o
problema real, na cadeia da comercialização, foi resolvido!
Kant provou, através de uma série
de argumentos lógicos impecáveis,
a não-existência de Deus, apresentando, logo a seguir, argumentos
igualmente convincentes sobre Sua
existência.
Nenhuma pretensão de comparar-
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
87
Marketing
Não Existe
me a Kant. Apenas, após essa refutação, creio que legítima, da existência do Marketing, confesso-me
feliz por saber que ele existe...
produtivos e verdadeiros) o processo contínuo e integrado de como produtos podem ser vitoriosamente planejados e vendidos (por
quem quer que esteja interessado
nisso).
Continuo insistindo, de fato, que,
em minha opinião, não há, na prática, “especialistas em marketing”,
“serviços extensíveis de marketing”, ou “assessores de marketing”,
que mereçam, legitimamente, essa
designação.
Se tal conceito, como conceito (vale dizer, abstratamente), acaso não
existisse, todas as diferentes fases
desse processo poderiam ser vistas
como estanques e suficientes. Não
o são. Participam, cada um, do metabolismo vital de cada empresa no
que ela existe como produtora de
bens ou serviços.
No entanto, o conceito de marketing – seu ensino, sua discussão,
seus cases – tudo isso é importantíssimo para se pensar (em termos
abstratos, mas nem por isso menos
88
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
Espero que este meu artigo tenha
DE
2005
sido útil ao leitor, não para persuadi-lo de nada, mas pelo que possa
lhe oferecer em termos de alguma
eventual mudança de ponto de vista
sobre o assunto.
Ou, então, pela oportunidade de rever e consolidar suas próprias convicções. ESPM
AUTOR
ROBERTO MENNA BARRETO
Instrutor em Seminários de
Criatividade, autor de 13 livros e
professor visitante da ESPM – Rio.
EntreVista
90
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Viviane
Polzim
ENTREVISTA COM VIVIANE POLZIM
“VENDEMOS UM SONHO”
Q
uem cuida do
marketing dos
carros da marca
Ferrari, no Brasil,
é uma mulher:
Viviane Polzim.
Formada pela FAAP de S. Paulo, ela
admite que o domínio do idioma italiano lhe proporcionou uma vantagem
competitiva na disputa pelo cargo.
Além disso, foi decisiva a sua experiência prévia com a Gradiente e o
Grupo Regino Import, que, importava
BMW, Ferrari, Rolls Royce e Bentley
para o Brasil. Na Via Europa ela é a diretora de marketing e reporta-se diretamente ao presidente Francisco Longo.
Leia sobre as atividades dessa jovem
profissional, cuja função inclui desde
a venda de bonés de R$ 40 até
verdadeiras jóias mecânicas que
custam quase $ 2 milhões – e que
conhece pelo nome cada um dos
seus 300 clientes no Brasil.
“O SHARED DRIVE CONSISTE EM LEVAR OS PROPRIETÁRIOS
DE FERRARI PARA UMAS VOLTAS NO AUTÓDROMO...”
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
91
EntreVista
92
JR – Como você começou na Via
Europa?
os proprietários de Ferrari para umas
voltas no autódromo...
VIVIANE – Em 1997, o Sr. Piero
Gancia – que foi o primeiro importador Ferrari, no Brasil – apresentou
Francisco Longo à empresa da Itália, e a partir de março de 97 a Ferrari oficializou Francisco Longo
como importador. Quando fui chamada, estava na Gradiente. Ele estava procurando alguém que tivesse
uma identificação com a marca, o
que fazia, quem eram as pessoas...
Inicialmente, coordenei dois eventos:
a abertura da loja e o GP. O GP é
uma máquina, anda sozinha, mas é
preciso lidar com as pessoas...
JR – Isso é feito todo ano?
VIVIANE – Sim, e é uma coisa inédita em GPs.
JR – Como é ser gerente de marketing de produtos de alto luxo?
VIVIANE – Gosto muito do que faço. E trabalhar com a marca Ferrari
é trabalhar com o mito, o sonho. Isso
é uma política que vem da fábrica:
não vendemos só um produto;
vendemos uma tendência, um sonho.
nome da importadora. Nós nos
denominamos Ferrari, Maserati do
Brasil, e cuidamos, desde a importação do produto, até a comunicação e, o cliente final que é o consumidor. É um nicho, de mercado,
pequeno – temos em torno de 300
clientes cadastrados.
JR – O que vocês chamam de clientes? Quem já comprou ou quem pode
comprar?
VIVIANE – Quem já comprou. A
maioria é cliente desde 1997. Às
vezes era o pai, em 97 e, agora, também o filho.
JR – O que a Ferrari faz no GP Brasil?
JR – Qual é exatamente o negócio
da Via Europa no Brasil?
JR – Você tem um arquivo de
prospects?
VIVIANE – O GP é organizado pela
International Promotion. Mas nós
fazemos o camarote da Ferrari, o
shared drive, que consiste em levar
VIVIANE – A Via Europa é a importadora oficial da Ferrari para o
Brasil, e vende e distribui para todo
o território brasileiro. Via Europa é o
VIVIANE – Temos algumas informações sobre pessoas que poderiam
comprar. Mas, como disse, o mercado
é muito pequeno – todos se
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Viviane
conhecem. Promovemos encontros
com “ferraristas” e admiradores, e os
próprios clientes acabam trazendo
novas pessoas, porque são do
relacionamento deles.
JR – Com esse perfil, você foi uma
forte candidata para ocupar esse
cargo.
VIVIANE – Trabalhei no grupo Regino
Import – de 1993 até 1995. Eles
importavam Ferrari, Rolls Royce,
BMW... Lá, tive a oportunidade de
levar o primeiro grupo de brasileiros
para um curso de pilotos que existe
na Ferrari. Visitei a fábrica, levei um
grupo de pilotos e suas esposas, e havia
toda uma programação de eventos de
luxo. Tive contato com a fábrica em
Maranello e conheci pessoas que
estão lá até hoje, gerentes de produto,
o assessor do presidente... Isso me
aproximou bastante da Fábrica.
JR – A Ferrari faz parte da Fiat?
VIVIANE – A Fiat é a proprietária.
JR – E vocês têm ligações com a Fiat
no Brasil?
VIVIANE – Só pessoais; são administrações diferentes.
JR – Como se faz marketing de
Ferrari?
VIVIANE – Trabalhamos com uma
marca que é absolutamente conhecida, adorada até, desde a classe D
até A, desde o garoto de cinco anos
até o senhor de setenta. Se pensarmos
marketing simplesmente: o produto é
desenvolvido, com tecnologia,
design. Falando em custo-benefício,
o cliente hoje é prioridade. Como
Polzim
“NÃO VENDEMOS SÓ UM PRODUTO;
VENDEMOS UMA TENDÊNCIA, UM SONHO.”
manter e fidelizar esse cliente é a
grande ferramenta. Então, ter
tratamento personalizado, eventos,
site especializado – um tratamento
pessoal. Na realidade, 300 clientes
quase que se administra como se
fosse uma família, porque todos se
conhecem. Tentamos trazer o máximo de conforto, facilidade – estender o tapete vermelho.
JR – Vocês comunicam-se periodicamente com os clientes?
Não sei se eu tinha cara de cliente
potencial, mas ele deixou-me entrar.
VIVIANE – A porta fechada é parte
da apresentação. Mas a loja está
aberta ao público. Quando o cliente
chega, ele sabe tanto ou mais do que
a gente sobre o carro. É uma venda
emocional.
JR – É possível comprar o carro mais
barato – por exemplo, fazendo uma
importação direta?
VIVIANE – Sim e estamos trabalhando para melhorar, transformar isso
em um serviço realmente dedicado,
pois temos clientes em todo o Brasil.
Aproveitamos também as sugestões
dos vendedores cuja relação com os
clientes também é personalizada.
Vamos amadurecer e profissionalizar
isso ainda mais. Mas tem que ser algo
bem diferente de telemarketing –
tudo para esse tipo de cliente tem
de ser diferente, inédito e tratado
com carinho, presteza. Temos, entre
os clientes, pessoas realmente fantásticas. Não são apenas pessoas, que
têm dinheiro, mas foi um sonho que
ele realizou – trabalhou, ganhou para
isso.
VIVIANE – Pode, mas é complicado
e acaba não sendo uma economia significativa. E há a questão da garantia.
JR – Vocês tomam a iniciativa do
contato com novos clientes?
JR – Qual é a produção anual da
fábrica na Itália?
VIVIANE – Às vezes. Mas, geralmente, são as pessoas que nos procuram. Muitas vezes, entram na loja
até com certa timidez...
VIVIANE – 4.800 unidades por ano.
JR – De fato, a porta estava fechada
e havia um segurança na entrada.
VIVIANE – Um pouco medo de
ostentação, ou mesmo as condições
JANEIRO
JR – Qual é a garantia de uma
Ferrari?
VIVIANE – Dois anos. Mas tenho um
carro de 1998 para vender que andou
400 km. O pessoal compra para
adorar. Tem gente que coloca o carro
na sala...
JR – Quantas Ferraris existem no
Brasil?
VIVIANE – Cerca de 300. O Brasil é
considerado um bom mercado.
JR – Por que não se vêem Ferraris
nas ruas?
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
93
EntreVista
das ruas e estradas. Mas nós promovemos eventos fechados, no
circuito internacional. No caso de
Interlagos, tem-se a oportunidade
de ver quase todos reunidos.
JR – Mas a sua distribuição é muito
exclusiva. Além daqui, na Via Europa, onde mais se encontram esses
produtos?
VIVIANE – Temos alguns pontosde-venda, em aeroportos, por exemplo. Loja não, porque uma loja não
se sustentaria.
JR – O pessoal da revista Caras já
foi fazer reportagem disso?
VIVIANE – Já. Mas temos de
“segurar” um pouco, porque nosso
cliente dificilmente é encontrado
numa revista desse perfil. Ele não
quer aparecer. Nossa política é de
não divulgar nomes, e os clientes
agradecem.
JR – Se uma loja estabelecida,
como a Daslu, quiser vender produtos Ferrari?
VIVIANE – Não é proibido. Temos
permissão de distribuir.
JR – E quem compra um boné da
Ferrari? Vi na boutique uma camisa
Pollo da Ferrari que custa R$ 85,00
– está ao alcance de qualquer
pessoa. Mas não é qualquer pessoa
que vem à boutique da Ferrari.
JR – Trata-se de parte do negócio
ou apoio promocional para a atividade principal de vender carros?
VIVIANE – Não é o carro-chefe, mas
responde por cerca de 10% do faturamento. O que pesa bastante no
merchandising em Ferrari são as
atividades que temos no salão do
automóvel. Colocamos a loja próxima ao stand e uma outra para dar
apoio. E todos os anos, no grande
prêmio, onde temos seis pontos-devenda.
VIVIANE – É o que chamamos de
tifoso – o doente pela marca. O merchandising da Ferrari só começou
em 98. Antes, tudo era falso. A fábrica fazia vista grossa. Mas aí descobriram o nicho de mercado, e
começou um processo de licensing
no mundo inteiro. Em 1999, oficializamos e começamos a vender
no Brasil. Havia um agente/distribuidor no Brasil, mas achamos
que isso tinha de fazer parte da empresa, pelo tratamento diferente.
Entre 1999 e 2001, insistimos para
ter o negócio no Brasil, mas tivemos
que provar que seria rentável, com
documentos, pesquisa de mercado.
JR – Como vocês vêem este tipo
de cliente? Deve haver muita gente
assim no Brasil.
VIVIANE – São pessoas apaixonadas pela marca, e é justamente o que
você falou: não tem o carro mas quer o
boné. É uma grife. Temos ainda muitas
oportunidades para expandir, no Brasil.
“PARA TRABALHAR COM MARKETING,
NESSE SEGMENTO, HÁ QUE TER PACIÊNCIA.”
Hoje, temos essa loja no showroom, as
atividades de mercado de campo –
salão do automóvel e GP –, alguns pontos-de-venda no Rio de janeiro e
Salvador, e temos a loja virtual, que
vai muito bem, que é a Ferrari Store,
www.ferraristore.com.br. Melhor do
que investir num ponto-de-venda fixo.
Se eu abrir um ponto-de-venda Ferrari,
não posso, seis meses depois, fechálo. Isso não pode acontecer. A matriz
também é cautelosa. Eles têm uma
loja no aeroporto de Bolonha, uma
no aeroporto de Milão, outra em
Roma e Nova Iorque.
JR – Você usa a propaganda convencional?
VIVIANE – De jeito nenhum, em lugar
nenhum do mundo. Trabalhamos com
o marketing de relacionamento.
JR – Qual é a importância do Michael e do Rubinho para vocês?
VIVIANE – É a identificação, o sucesso. O Michael representa o homem bem-sucedido, o piloto vencedor. É aquele que teve sucesso –
é bem o perfil da marca. O Rubinho
é a simpatia, aquele que está buscando, que quer vencer.
JR – Há diferenças nessas imagens,
na Itália, Alemanha e no Brasil?
Michael é alemão...
VIVIANE – Na Itália, houve alguma reserva – mas quando começou
a ganhar as corridas, passou a ser
adorado.
JR – Vocês sabem se aumentaram
as vendas da Ferrari na Alemanha?
VIVIANE – É o segundo mercado
94
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Viviane
para a Ferrari; os Estados Unidos são
o primeiro. São 4.800 carros por ano
– esse ano foi o que mais produziu.
JR – O que você recomendaria a
um jovem profissional que queira
trabalhar nessa área – produtos de
alto luxo?
VIVIANE – Uma formação acadêmica, obviamente, muito boa, conhecimento geral – visão do belo,
do subjetivo. E que tenha curiosidade, vontade de aprender, dinâmica, consiga trabalhar em grupo. Isso
é muito importante porque, fora a
máquina, trabalhamos com a alma
daquele cliente. Tem de conhecer
um pouco de psicologia.
JR – O contato direto com o cliente
Polzim
é muito maior do que alguém que
vai ser gerente de marketing de uma
Nestlé ou Unilever. A quem você
responde?
em verdadeiros pilotos profissionais.
VIVIANE – Ao Francisco Longo e ele
cobra tudo. Ele é uma pessoa jovem,
dinâmica – temos um relacionamento
direto. Foi ele quem deu esse dinamismo para a marca Ferrari no Brasil.
O Brasil hoje tem uma posição interessante. Veja, por exemplo, o campeonato Maserati que trouxemos
com a cara e a coragem.
VIVIANE – Só existe. Estamos
trabalhando nisso desde 97.
JR – O que é o campeonato Maserati?
VIVIANE – É um campeonato só
de Maserati, monomarca, e os pilotos são executivos que gostam de correr. Transformamos esses executivos
JANEIRO
JR – Existe algum projeto de relançar a marca Maserati?
JR – Qual é o nicho da Maserati?
Os carros dela custam menos do
que os da Ferrari?
VIVIANE – Em termos de concorrência, está paralela à Jaguar, Porsche e alguns modelos da Mercedes.
Na minha opinião, atingimos o
objetivo, porque isso deve ser trabalhado devagar. Para trabalhar
com marketing, nesse segmento, há
de ter paciência e saber esperar –
os investimentos são de longo prazo.
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
ESPM
95
Mesa-Redonda
O MARKETING DOS
PRODUTOS E
PARTICIPANTES
CARLOS FERREIRINHA
Diretor Geral da MCF
Consultoria em Luxo
FRANCISCO GRACIOSO
Presidente da ESPM
ISMAEL ROCHA
Coordenador do Curso de
Marketing Premium da ESPM
LIVIA BARBOSA
Doutora em
Antropologia Social
MAURO PRETI
Diretor Comercial
da Pernod Ricard
J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO
Moderador
FRANCISCO
GRACIOSO
Presidente da ESPM
LIVIA BARBOSA
Doutora em
Antropologia Social
96
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
J. ROBERTO
WHITAKER PENTEADO
Moderador
SERVIÇOS DE LUXO
Fotos: Júnior de Oliveira
alar dos ricos, e
das coisas que
eles usam ou consomem, é um exercício estimulante. No fundo,
os ricos são seres
humanos como
nós, reagindo aos
mesmos apelos e
estímulos. A diferença está nas
proporções e este é o enigma que
desafia os profissionais que
trabalham no setor. Na discussão
aqui transcrita, comprovamos o
grande avanço do setor do luxo
em nosso país, seja no volume de
negócios, seja na sofisticação do
marketing. Aqui reside uma
curiosa contradição: como se
explica que as vendas de produtos e serviços de luxo sejam
tão importantes, num país que os
nossos próprios governantes
insistem em chamar de miserável?
Na leitura dos debates, o leitor
certamente encontrará respostas
para estas e outras questões.
F
CARLOS
FERREIRINHA
Diretor Geral da MCF
Consultoria em Luxo
ISMAEL ROCHA
MAURO PRETI
Diretor Comercial
da Pernod Ricard
Coordenador do Curso de
Marketing Premium da
ESPM
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
97
Mesa-Redonda
“HOJE, TEMOS UMA VISÃO UM POUCO MAIS DEMOCRÁTICA.”
JR – Seria bom iniciarmos o debate com uma definição do que seja
um produto, um serviço de luxo.
luxo passou a não mais designar
algo específico, mas é, digamos,
um conforto. Numa edição da
revista Vogue-Brasil, dez personalidades foram chamadas para
falar sobre luxo – Sig Bergamin,
Gisele Bündchen, entre outros –, e
o que eles enfatizaram foi exatamente essa qualidade da experiência. A possibilidade de você,
depois de um dia tumultuado, terminar o seu dia vendo o pôr-do-sol
na praia do Arpoador. Pode até
levar uma pequena garrafa de
champagne – seria perfeito. Mas o
luxo estaria na qualidade da experiência e não no produto.
MAURO – Houve uma evolução
na definição de luxo. Vi uma reportagem com um psicanalista chamado Jorge Forbes que diz que o luxo
sempre esteve junto à humanidade.
Só que o objetivo do luxo, no
início, era tentar aproximar-se do
metafísico, era algo divino – uma
aproximação dos deuses. Depois,
passou por uma transformação até
chegar no iluminismo – um ponto
de ruptura, porque aí se falou da
razão, da lógica. Então desviou-se
o caminho original do luxo que
beirava a religiosidade, para um
papel paralelo à sociedade – uma
coisa superficial.
JR – Será que não haveria uma
definição um pouco mais simples?
FG – Gostei da definição da Danielle, essa referência que ela faz
a promessas. Acho isso importante
para explicar o que leva as pessoas
a comprar produtos e serviços de
luxo. É a promessa de auto-estima
aumentada, emulação de um ídolo. Enfim, coisas que, de uma forma ou outra, estão ligadas à
marca. Isso explica a importância
da marca, da grife nos produtos e
serviços de luxo.
LIVIA – Atualmente, o conceito se
ampliou. O produto de luxo é uma
categoria, do ponto de vista do
business. Ele é uma qualidade da
experiência. Por isso talvez, que
ela fale desse envolvimento com
sonhos, essa dimensão projetiva. O
serviço de luxo é caracterizado por
uma experiência excepcional. O
que se observa é justamente a
ampliação do que é, genericamente, chamado luxo. Só que, no
Brasil, há ainda um outro dado:
ISMAEL – Há uma definição do
presidente da Federação Francesa
de Costura que é bastante interessante. Ele diz que o luxo tem alma,
que se trata um pouco de sair do
lugar comum. Esse conceito de alma, da experiência, da grife, acaba constituindo essa percepção do
luxo – é uma somatória de tudo isso. Se você conseguir perceber exatamente o que as pessoas compram:
algo que as faz diferentes no grupo
de referência, através de uma ex-
FERREIRINHA – Esse trabalho do
Jorge Forbes é feito em cima do
trabalho do Gilles Lipovetsky, na
verdade, o primeiro filósofo contemporâneo a escrever sobre o luxo. A
grande mudança em relação ao
luxo é justamente essa: deixou de
ser comportamental, a busca pelo
efêmero – pelo que era endeusado –
e hoje é uma atividade de negócios.
E como atividade de negócios, esse
universo foi ampliado. E os conceitos estão meio confusos porque se diz
que se pode consumir luxo barato;
mas não pode. Luxo tem de ser caro.
Ele pode ter classificação por acessibilidade, mesmo assim é caro.
MAURO – Há muitas definições,
e gosto do que diz a Danielle Allérès, diretora do Departamento de
Gestão de Luxo e Arte da Universidade de Marne-la-Vallée, numa
definição bastante abrangente:
“Produto de luxo é toda criação fora
do comum ou trivial, extraordinária, sinônimo de beleza, estética e
refinamento, produto mágico, com
as marcas da sedução, lúdico,
evocativo de sonho, prazer e
principalmente uma promessa de
felicidade. É qualificado como
prestigioso, de alta classe de luxo”.
Essa definição é em termos de
produto. Quer dizer, além das
características inerentes do produto, tem-se uma parte de promessa que o produto pode dar à pessoa
que vai usar uma imagem projetiva interessante do produto de luxo
de quem o usa.
98
periência com o produto que realmente traga essa percepção.
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
JR – Mas e aquilo que se chama
no Brasil, de “luxo de pobre”?
MAURO – Essa padronização de
luxo – formatar-se, rotular-se dentro
de uma marca – não é a tendência
do luxo atual. Tudo envolve a
busca de uma identidade pessoal.
O luxo está também nessa via.
FERREIRINHA – Mas, muito no
luxo comportamento, Mauro. Já o
luxo como atividade de negócios
tem por como princípio produtos
com matéria-prima de excelente
qualidade e mão-de-obra altamente qualificada; o que faz dele um
produto caro.
MAURO – Não nessa visão de
business, quando digo: luxo, para
mim, é participar. Para o pobre, luxo
é participar de uma festa no terraço
da casa dele. Isso é comportamento;
não é negócios.
FG – De qualquer forma, aquilo que
você definiu como mercado de luxo
não se destina aos pobres.
MAURO – Diria que, dentro desse
luxo sobre o qual estamos falando,
existe uma segmentação que é
aceitável. Por exemplo, você tem
uma sensibilidade de escolher um
relógio que não é de uma marca
extremamente cara, do tipo um
Patek Philippe, mas você vai em
uma loja de design do Philip Stark
e escolhe um relógio com uma
pulseira que você mesmo corta e
coloca na medida do seu pulso.
Quer dizer, essa noção de identidade pessoal que o luxo atual traz,
essa nova versão de luxo é que
diferencia a relação. Antes, luxo
eram as marcas superpremium que
estão lá em cima – beirando o
inacessível. E hoje, temos uma
visão um pouco mais democrática.
Não significa que os pobres façam
parte disso. Mas o luxo possibilitou
uma segmentação em vários grupos.
LIVIA – Existe o luxo do luxo, pro-
dutos quase que únicos, sob medida.
Bolsas de US$ 40 mil – a Gucci fabrica
uma. O luxo teve também um processo de democratização. No Brasil,
muito grande, a facilidade de crédito
permite. E um outro dado: no Brasil,
luxo não é formal, em termos de
vestuário; é casual. No Rio, anda-se
de sandálias Havainas, entra-se numa
loja Louis Vuitton, com uma bolsa
Prada, vestindo uma calça jeans e
camiseta, tudo está absolutamente de
acordo, com charme e elegância.
MAURO – Com a globalização, a
busca pela identidade pessoal fez
com que, muitas vezes, marcas que
se tornaram ícones de luxo deixaram
de ter esse rótulo. O bonito é ter o
seu próprio estilo. Não basta ser
reconhecido por estar com uma bolsa
Louis Vuitton, como todos os que estão viajando. As pessoas mais “antenadas” procuram marcas que não
sejam luxo banalizado: é o luxo que
você surfa na tendência – personalizado. Em muitas lojas do tipo
Chocolate, na Oscar Freire, que é
uma loja de multimarcas e fala-se
de grade – em lojas de vestuário, é
importante. Mas, no verdadeiro luxo
é cada vez menos importante.
FERREIRINHA – Mas esses ainda
são exercícios, tendências. No caso
de uma Chocolate, é o seu estilo de
comportamento de negócios, trabalhar dessa forma. Já nas grandes cadeias mundiais, não se consegue fazer isso. O cliente mudou; as marcas tiveram de se ajustar.
JR – Onde está a fronteira entre luxo
e arte?
FG – O comprador de arte compra
algo que é exclusivo. Eu estava len-
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
99
Mesa-Redonda
tempos. Hoje, o novo consumidor,
ávido por consumir, não é mais
quem tinha nome e sobrenome. A
pergunta do J. Roberto sobre luxo e
arte. A arte no quesito luxo não, mas
a arte é design. Não se pode dissociar, porque luxo vem da palavra
latina lux que vem do belo, da luz,
daquilo que enaltece. Então isso é
design. Não há produto de luxo que
se olhe e diga: isso é um horror. Vou
me hospedar nesse hotel que tem
um serviço de luxo maravilhoso,
mas o hotel está caindo aos pedaços. Não faz sentido. A arte, no que
se refere ao design, é intrinsecamente ligada.
do uma nota sobre uma cidade de
Mato Grosso, chamada Sorriso;
uma dessas cidades que se tornaram
milionárias, por causa da soja. A
dona de uma butique dizia que
tem, na cidade, 15 freguesas para
os novos modelos, e que a sua
preocupação era comprar 15 variações diferentes de roupa, porque
essas 15 mulheres se encontram a
todo momento, no clube, no shopping. E afirmava: “Se uma delas
estiver usando um vestido igual ao
de outra, estou perdida. Preciso
vender um artigo exclusivo para
cada uma”.
MAURO – Que é um pouco dessa
tendência que estamos comentando.
JR – Conheci a Danielle Allérès
num encontro da AIMAC, há uns
10 anos. Fui eu quem trouxe o livro
dela para o Brasil – fiz o prefácio.
O livro foi publicado pela FGV, que
foi a única editora interessada. Ninguém mais mostrou interesse. Por
que é assim tão recente o interesse, no Brasil, por esse segmento do
mercado?
ISMAEL – Mas ainda existe um
mercado muito grande para as
grandes grifes.
FERREIRINHA – Tanto assim que
o grupo Chocolate tem êxito
naquilo que a gente vê; não do que
verdadeiramente gera.
FERREIRINHA – Muito recente.
Tanto que o livro da Danielle é, até
hoje, o único disponível.
MAURO – Veja a Colette, em
Paris – uma loja que já existe há
algum tempo. Depois dela, vieram
outras, do mesmo estilo, que
exploram um pouco esse universo,
onde o consumidor...
LIVIA – Também temos o do José
Carlos Duran, da própria FGV.
FERREIRINHA – O livro da Danielle é especial. Há outros livros
que abordam o luxo, mas – tecnicamente – Luxo... Estratégias de Marketing é uma obra-prima. De fato,
no Brasil, luxo é bem recente. Só
FERREIRINHA – Você tem a Jeffreys em Nova Iorque, Corso em
Milão... O dinheiro não está mais
na aristocracia tradicional. As marcas tiveram de se ajustar aos novos
“PRODUTO DE LUXO É TODA CRIAÇÃO FORA DO
COMUM OU TRIVIAL, EXTRAORDINÁRIA, SINÔNIMO
DE BELEZA, ESTÉTICA E REFINAMENTO.”
100
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
agora começamos a ver o luxo como
negócio. E isso está associado a uma
abertura recente do mercado; o
Brasil era muito restritivo.
JR – Você fala da importação física
de coisas?
FERREIRINHA – Sim, porque as
grandes marcas internacionais são
os atores globais. Há uma série de
outros atores na Globo, mas só
existe uma Renata Sorrah, um Tarcisio Meira. Esses atores globais abrem oportunidades para outros. No
segmento do luxo são Louis Vuitton,
Chanel, que, chegando ao Brasil,
criaram novas possibilidades para
todos. Se há agora o grupo Chocolate, Regina Lunchi, é porque surgiu uma possibilidade nova, no
país, que não havia antes.
MAURO – Há de se tomar cuidado
ao trazer essas grifes para cá. São
marcas que têm visibilidade no
mundo inteiro, a consumidora viaja
muito e não compra no Brasil. A
grande dificuldade é ter capital,
para esperar um pouco pelo retorno
do business.
FERREIRINHA – Luxo é um investimento de longo prazo. Como
no Brasil o comportamento de negócios é imediatista, essa equação,
às vezes não fecha. Qualquer planejamento que se faça para o luxo,
em termos de negócios, precisa de
5 anos no mínimo. Por que se abre
uma loja na Venezuela, no início
do governo Chavez? Porque ninguém está esperando o resultado
em 6 meses; mas em 5 ou 10 anos.
Mas, mesmo assim, o Brasil tem
produzido resultados acima da
média. Só não temos mais expres-
“DEIXOU DE SER COMPORTAMENTAL A BUSCA PELO
EFÊMERO E HOJE É UMA ATIVIDADE DE NEGÓCIOS.”
são internacional em função das
nossas limitações de dispêndio
econômico per capita.
JR – Vocês citaram Rolls Royce e
Louis Vuitton. Só que o produto mais
barato da Rolls Royce custa uns US$
150 mil e o produto mais barato da
Louis Vuitton custa US$ 50. Como
é que lidamos com isso? Afinal, US$
50, até uma pessoa pobre pode
gastar, mas US$ 150 mil é só para
determinadas pessoas.
FG – Permitam-me, os especialistas, provocá-los. Alguns tipos de
produtos de luxo – naturalmente os
que permitem a produção barata –
estão quase apelando para o mercado de massa. Há canetas Montblanc, segundo ouvi dizer, que se
vendem por R$ 200. Pouco a pouco
isso vai massificando a marca.
MAURO – Deve-se tomar muito
cuidado com as estratégias em
relação ao luxo. Um gerente ou
diretor novo de uma empresa como
a Montblanc pode achar que está
tendo uma grande idéia: “Estou
nesse segmento. Por que não atrair
o segmento logo abaixo? Olha que
volume de pessoas poderia ter acesso à minha marca”. Este é um caminho perigoso porque, no mesmo tempo em que se aproxima do segmento abaixo, acaba-se distanciando do
segmento para o qual foi criado.
Quando surgiu, a Montblanc não era
para vender canetas por 100 dólares.
FERREIRINHA – Mas, você não
acha que, para sobreviver nesse
JANEIRO
mundo atual, a Montblanc precisa
encontrar outros patamares de
consumo para os seus produtos?
Porque essas são grandes empresas
multinacionais com pressões por
resultados, precisam ser rentáveis,
têm ações negociadas na bolsa...
MAURO – Pois eu critico essa visão do curto prazo. O acionista quer
receber retorno rápido, mas é preciso uma visão de construção da marca a longo prazo.
FERREIRINHA – Mas, a longo
prazo, a aristocracia deixou de
existir. Essa clientela, que antes
sustentava as Montblanc da vida,
não as sustenta mais.
JR – Mas uma coisa é você ter um
produto que pode custar 50 ou 500
dólares. E quando estamos lidando,
por exemplo, com automóveis –
Rolls Royce ou Ferrari? Quanto custa
a Ferrari mais barata?
FERREIRINHA – US$ 400, 500 mil.
FG – Acho que o Mauro tem razão.
A Montblanc, realmente, corre
riscos, ao vender uma caneta por
US$ 100, porque ela não faz outra
coisa a não ser caneta.
MAURO – Faz sim. Já estão diversificando, e acho que esse é um
caminho interessante.
FG – Com certeza. A H. Stern tem
jóias de US$ 50 mil e de US$ 50. E
não é por isso que perdem a imagem ou a reputação.
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
101
Mesa-Redonda
FERREIRINHA – Há um questionamento; hoje, no segmento de luxo,
isso é real. Nas conferências internacionais questiona-se, o tempo todo –
até onde vai e o quanto mais é permitido? Porque a massificação é real.
Quanto à pergunta do J. Roberto
sobre a diferença entre a Rolls Royce
e uma Vuitton, em termos de marca,
nenhuma, porque a Vuitton é, de
fato, mais poderosa que a Rolls
Royce em termos de marca. Agora,
por que ela tem produtos de US$ 50?
Porque deixou de ser uma marca
inacessível; passou a ser uma marca
intermediária, e gera acessibilidade
porque tem ativo de marca suficiente para isso.
“SE UMA DELAS ESTIVER USANDO UM
VESTIDO IGUAL AO DE OUTRA, ESTOU PERDIDA.”
lippe etc. – poderiam ter produtos
aqui em baixo, mas vice-versa não.
MAURO – Esse que é o risco. Não
sei se dá certo.
FERREIRINHA – Concordo que é
um risco, mas necessário.
ISMAEL – Caso contrário essas empresas não sobrevivem. Elas estão
encontrando aqui no Brasil um mercado importante.
JR – A Ferrari, aqui em São Paulo,
vende um boné por R$ 40. Evidentemente que não é um boné marca
Ferrari, mas é um produto comercializado sob licença da Ferrari.
MAURO – Acho que se deve buscar um direcionamento estratégico
mais inteligente do que fazer um
downgrade da marca, fazendo
bonés... O caso da Armani. Acho
que ele foi um maestro na construção da sua marca. Em vez de fazer
um Giorgio Armani mais acessível,
para quem não podia comprar, criou
duas marcas: Empório Armani e
Armani Exchange, que não são necessariamente degradações da
marca Armani; mas três marcas que
hoje convivem.
MAURO – Mas quem dirige uma
Ferrari não vai querer usar um boné
Ferrari.
JR – Não. Quem usa são os torcedores que ficam na arquibancada,
durante o grande prêmio...
ISMAEL – Mas essas pessoas compram esses produtos exatamente
porque existe uma Ferrari que custa
US$ 400 mil. Isso é que cria estilos.
Se a Louis Vuitton tem uma bolsa
de US$ 50 mil é porque há grupos
de consumidores de 50, 100, 200
dólares. Esses produtos são bandeiras, referências... É isso que gera
todo esse consumo e dá sustentação
para essas empresas.
FERREIRINHA – São outras marcas
do próprio criador para atingir um
outro consumidor.
MAURO – Esse é o pulo do gato. E
é diferente de se fazer um boné, um
cintinho mais barato de Armani.
FERREIRINHA – Mas a Ferrari não
faz cintinho; ela faz boné porque
vive disso, de torcida. O boné faz
parte do imaginário coletivo de
Ferrari, de Fórmula 1. O boné é um
JR – Então os que estão lá em cima
– Rolls Royce, Ferrari, Patek Phi-
102
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
exemplo real que a Ferrari precisa ter.
Vamos falar de duas marcas que são
o topo do consumo da chamada
“inacessibilidade”: Hermès e Chanel. Chanel, o seu criador Karl Lagerfeld, fez uma criação para a H&H
que vendeu em vinte minutos o que
a H&H não tinha vendido em seis
meses.
JR – O que é H&H?
FERREIRINHA – A concorrente
mundial da Zara – ela é duas vezes
maior do que a Zara. A Zara tem a
supremacia da marca e H&H, o
volume.
MAURO – Mas isso não é o movimento special edition?
FERREIRINHA – O Karl Lagerfeld
– que estimula a inacessibilidade
da Chanel – para sobreviver, faz
uma coleção para a H&H dirigida
ao consumidor de menor poder
aquisitivo.
MAURO – Mas não com a marca
Chanel.
FERREIRINHA – Vamos chegar lá.
Essa é a pergunta de Suzy Menkes,
a papisa da moda mundial. Qual a
diferença da Chanel fazer bracelete
de US$ 60 para o Karl Lagerfeld?
Nenhuma. Há um novo consumidor,
querendo consumir bracelete.
Hermès – o topo da inacessibilidade,
que ninguém mexia – acabou de
contratar Jean Paul Gaultier, que é
um dos estilistas mais “vanguardas”
e grunche que há com o Marc Jacobs. Por que a Hermès fez isso? Porque precisa refrescar a marca, caso
contrário morre. Daqui a dez anos
vão dizer: “A Hermès foi uma marca
muito bacana”.
JR – Livia, você está falando pouco. Como vê, nesse nosso país de
contradições, que tem um segmento importante, dos chamados “despossuídos”, essa questão de artigos
de luxo...?
FG – Mais do que o lado ético,
parece-me existir uma contradição.
LIVIA – O luxo dentro de uma discussão do ponto de vista ético,
moral, sempre foi um problema,
para o europeu. No pensamento social europeu, há essa discussão e
um “apavoramento” da aristocracia
com a verticalização do consumo.
O luxo era visto como trazendo a
lassidão moral, a degenerescência
dos costumes. Quem deveria consumir o luxo era a aristocracia; os outros não. O fato é que ocorreu uma
revolução do consumo e ele se verticalizou para outras camadas sociais. O luxo não estava mais na
posse de bens de luxo, mas, fundamentalmente, em saber usá-los. Por
isso, o estilo e o design se tornaram
elementos, sinais diacríticos de
pessoas ligadas ao luxo e ao próprio
luxo. No Brasil, não há uma discussão sobre luxo; mas sim sobre
desigualdade social. Concordo que
o Brasil é um mercado potencial.
Nos trabalhos que faço, por exemplo, sobre organização de orçamento doméstico, simplesmente
não existe o item poupança, independentemente da classe. Se há uma
sobra, é sempre alocada ao lazer ou
JANEIRO
ao consumo. Neste país – absolutamente instável, do ponto de vista
econômico – a racionalidade
econômica seria economizar. Mas
não. Canaliza-se tudo para o consumo. O que afeta o consumo do
brasileiro não é o juro, mas salário
e desemprego. Se ele tiver dinheiro
no bolso, vai gastar. É impressionante analisar os orçamentos de
verdade: na maior crise, a pessoa
não tem nenhuma intenção de mudar seu padrão de gastos diante de
uma situação econômica desfavorável.
FG – Estava lendo, ontem, que a
massa salarial, neste fim de ano,
subiu 8% em relação ao ano passado e a produção industrial 8% –
exatamente a mesma coisa.
LIVIA – Acho que o imoral está na
desigualdade. Se todos tivessem
muito, o luxo não seria um problema. Lembro-me do Ronaldinho,
quando comprou uma Ferrari. De
que o acusaram? De ostentação,
num país pobre, de pessoas desiguais. O problema não era uma
preocupação moral européia ou
puritana: “Como a pessoa pode ter
ou viver para além do conforto, da
mera frugalidade. Como isso afeta
sua alma, seu espírito, sua dimensão
moral?” No Brasil é uma questão
de desigualdade. Então, o debate
vai existir enquanto houver desigualdade. Quando essa desigualdade diminuir, provavelmente teremos novos mercados para produtos
e serviços de luxo.
JR – Você deu-nos uma pequena
aula e colocou essa questão de
forma clara – mas fez-me lembrar
do nosso filósofo popular, o
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
103
Mesa-Redonda
Joãozinho Trinta. Quando alguém
criticou o luxo da Beija Flor, ele
disse: “Quem gosta de pobreza é
intelectual; pobre gosta de luxo”.
Acho que a expressão “pobre gosta
de luxo” possivelmente nunca foi
pronunciada na Europa. Isso é uma
coisa nossa, como dizia Noel Rosa
– como o samba, a prontidão e
outras bossas.
vende sonho, possibilidade, desejo
de ascensão.
MAURO – Essa dicotomia entre o
pobre e o rico, essa desigualdade,
acho que o luxo até se serve disso.
O fato de ser aspiração é porque
alguém não tem – é um despossuído
que aspira aquilo. Num universo
perfeito, totalmente democrático,
acho que não existiria luxo – porque ele é aspiração, vive disso: da
diferença.
FERREIRINHA – Acabo de voltar de
uma viagem que incluiu Tailândia,
Indonésia e Índia. Eles convivem
com a pobreza – são brasis.
LIVIA – Só que nunca existiria um
universo social em que predominasse a igualdade; nem onde não existisse aspiração.
LIVIA – A Índia é o maior consumidor de ouro do mundo.
JR – Mas será que existe lá a mesma restrição ética à desigualdade?
MAURO – Por exemplo, desde a
antigüidade – o Egito – aqueles
cultos aos mortos, a suntuosidade
daquilo. Havia despossuídos do
mesmo jeito, mas a pompa se
legitimava como divina. Esse problema ético não é novo, nem próprio
do Brasil, mas vem atravessando as
eras.
LIVIA – Na índia certamente. A Tailândia, conheço turisticamente.
JR – Nesses países também a desigualdade é algo que não é aceito.
FERREIRINHA – Minha resposta
a esse tipo de crítica é sempre a de
que o segmento de luxo emprega,
gera divisas. Não há nada de amoral nisso. É uma atividade econômica; não é uma contravenção; é
um segmento de negócios que gera
divisas. Pobre gosta de pobreza?
Claro que não. Quem faz um
trabalho brilhante, hoje, no Brasil –
talvez o exercício prático da fala
do Joãozinho Trinta – chama-se
Casas Bahia. A Casas Bahia é pouco
diferente do Ponto Frio Bonzão. A
geladeira Cônsul que ela vende é a
mesma do Ponto Frio. Só que a Casas Bahia é três vezes maior do que
todas as outras somadas, porque ela
não vende eletrodomésticos; ela
104
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
LIVIA – A condenação moral ao luxo, especificamente, e às conseqüências que ele pode trazer moralmente, é diferente de uma discussão
da desigualdade sob suas dimensões política e econômica. Que é
o caso brasileiro, em que não se
discute moral; o que é amoral é a
desigualdade, a má distribuição da
renda, não o fato de existir o luxo.
ISMAEL – No Brasil, as pessoas
gostam de ver os seus ídolos se apresentando bem. Lembram quando o
Roberto Carlos comprou um iate –
o famoso “Lady Laura” – e todos
diziam: “Mas ele tem de ter mesmo. Ele é nosso rei”.
DE
2005
LIVIA – Faz tempo que a Hebe Camargo fascina a sua platéia, com
um estilo de vestir, jóias caras...
FG – Acho que o único problema
real – principalmente para quem
vende produtos de luxo – é que a
desigualdade provoca desajustes,
violência. As pessoas têm medo de
ostentar luxo na rua.
JR – Uma pessoa ligada à Ferrari
disse-me que não se vê Ferrari, por
medida de segurança.
FERREIRINHA – A violência talvez
o iniba de trafegar com mais freqüência, mas não de adquirir o carro.
ISMAEL – São duas coisas diferentes: segurança e ostentação. Se
vejo um jogador de futebol do meu
time com um carro qualquer, digo:
“Ah! Está mal”. Quero ver meu artilheiro com um carro de luxo.
JR – Livia, quando você fala da
questão européia, desse enfoque
moral do luxo, da ostentação. Isso
ocorre desde quando?
LIVIA – Começou nos Séculos
XVII, XVIII e a discussão estendese até hoje.
JR – Por quê?
LIVIA – A origem está numa revolução comercial. Nós aprendemos, na
historiografia oficial, que a Revolução Industrial precedeu a revolução
de consumo, mas, na verdade, não
foi isso o que ocorreu. Historicamente, ocorreu uma revolução do consumo comercial, precedendo as medidas para aumentar a produção.
Mas, moralmente, sempre valoriza-
“A VUITTON É MAIS PODEROSA QUE
A ROLLS ROYCE EM TERMOS DE MARCA.”
mos tanto o trabalho, que ficou quase impossível admitir-se a valorização do consumo antes do trabalho. E é dessa época essa discussão. Foi quando começou a
verticalização do consumo do que
hoje se chama, culturalmente, de
supérfluo – eram fitas, veludos,
cintos, rendas, objetos para casa,
louças, talheres.
JR – A própria busca pelas especiarias.
LIVIA – Exatamente. Foi essa primeira globalização, trazida pela
descoberta da América e caminho
das Índias; o mundo entra em contato com uma série de produtos.
Não falamos aqui, mas há outra
coisa relacionada ao luxo, muito
importante, que é a raridade e o
exótico. Essa dimensão é muito
forte, no mercado de luxo.
FG – Li, outro dia, que uma manga
no Japão vale US$ 30 dólares.
LIVIA – Quando morei lá, Prof., vi
um melão por US$ 100.
JR – Há um outro item da pauta,
que é a questão da durabilidade das
marcas de luxo. O que é feito – se é
que existe alguma ação deliberada
– para manter as marcas de ponta
no mercado de luxo em evidência,
permanentemente desejáveis?
FG – Posso acrescentar, como alguém que trabalhou com produtos de
consumo, que, historicamente, as
marcas tiveram o apoio da propa-
JANEIRO
ganda. Mas a propaganda foi perdendo força, pouco a pouco, e hoje,
talvez o mais importante para manter
uma grande marca de produtos de
consumo viva e competitiva no mercado seja a inovação. Como se faria
isso nesse mercado esotérico dos
produtos de luxo?
JR – E eu acrescentaria: existe alguma marca de luxo que foi deliberadamente criada em tempos
recentes?
MAURO – A Thierry Mugler é uma
marca relativamente recente.
FERREIRINHA – Recente, hoje é
só perfume, porque, como vestuário é quase inexistente. Mas no Brasil temos um case, uma marca que
está se transformando em luxo, que
é a H. Stern. A H. Stern não era
uma marca de luxo, mas vem
fazendo seus deveres de casa para
se tornar uma marca longeva e
uma marca de luxo. Temos outro
case no Brasil que é Trousseau,
uma marca deliberadamente criada para ser luxo. Ela não é apenas
uma continuidade da Trussardi.
Não vejo o segmento de luxo
como inovador e acho que não
poderia ser. Senão seria um paradoxo, porque uma das características mais fortes da segmentação
do luxo é a tradição, a história. De
que forma se mantém viva a tradição, a história de determinado
produto? Aí você faz deliberadamente, com supremacia e técnica, todas as correlações, as histórias, os personagens, os reis etc.
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
105
Mesa-Redonda
Uma Montblanc não está no mercado para inovar pela competência
técnica da sua caneta, mas para dar
sustentação à sua história. E essa história tem a ver com a fantasia, com
o imaginário de saber que é uma caneta Montblanc porque tem a estrelinha em cima – isso é maravilhoso.
“O SEGMENTO DE LUXO EMPREGA,
GERA DIVISAS. NÃO HÁ NADA DE AMORAL NISSO.”
da, surgem outras 50 marcas no
mesmo segmento, explorando a
mesma idéia criativa. É mais um
mercado de benchmarking, e isso
é um pouco dessa sustentabilidade.
No business do luxo, há essa voracidade da inovação. Há várias empresas de marketing de luxo que
têm uma enormidade de lançamentos por mês. O consumidor nem
bem incorporou a última inovação,
já está chegando outra, e assim por
diante. Até no segmento eletrônico.
FG – Tradição significa exclusividade.
MAURO – Há cases em que a tecnologia é importante. Por exemplo,
a Lancôme, uma marca de luxo,
mas que perdeu um pouco as suas
raízes por falta de inovação.
FERREIRINHA – Mas precisa ter
a tradição associada.
JR – Você fala de moda, tecnologia, mas trabalha na indústria de
bebidas. Como é que a indústria de
bebidas funciona nessa questão do
luxo e do popular?
MAURO – Concordo que não é
predominantemente a inovação.
Mas há segmentos, como cosméticos, por exemplo, produtos que
foram tão segmentados, que, hoje,
tem produto para a ruga do nariz,
do dedo, em qualquer marca. Segmentou-se o rosto da pessoa e surgiram produtos específicos para
cada área do rosto. Uma empresa
descobre um produto para as primeiras rugas dos olhos. Em segui-
106
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
FG – Trabalhei com cerveja durante
anos e o que mais temíamos mexer
era no rótulo. O rótulo tem de parecer
velho, de 200 anos pelo menos.
JR – Mas cerveja é um produto
barato. Uma cachaça Havana que
custa R$ 300, vocês acham que um
produto como esse tem chance
DE
2005
internacionalmente?
FERREIRINHA – Não acho que a
cachaça possa ser um produto brasileiro de luxo; é o mesmo caso da
Havaianas. O brasileiro confunde
essas coisas, porque somos um país
jovem, temos pouca referência das
raízes culturais.
JR – Sim, mas parece que existe
Havaianas de US$ 500.
FERREIRINHA – Trata-se de
Havaianas vendidas numa única
loja do Japão, feita especialmente
para essa loja. Acho que a cachaça
brasileira tem condições de tornarse um produto de exportação.
Tomara a Deus. Mas isso não é luxo.
Luxo tem um berço cultural, e aí
está associado à Europa, à França
principalmente.
JR – E o que fazem as empresas
para perenizar-se, tornarem-se
cada vez mais desejáveis?
LIVIA – O Ferreirinha disse que a
H. Stern e a Trousseau estão fazendo seu dever de casa. Qual é o “dever de casa” para se tornar uma
marca de luxo?
FERREIRINHA – No caso da Trousseau, ela nasceu como uma marca
de luxo. Chega hoje, mesmo, a
desafiar grandes marcas internacionais. Ela trabalha com o topo da
matéria-prima, no material dela, e
tem um posicionamento de mercado, com imagem, produto, preço,
ponto-de-venda que realmente bebe
da fonte do luxo, em todos os sentidos. Luxo tem de ser caro e a
Trousseau faz isso bem. Quanto à H.
Stern, ela tem hoje, de market share,
no Brasil, 83%, e o segundo colocado tem menos de 10%. Eles são a
única marca do Brasil, na história,
que foi considerada uma marca de
luxo na França, e participa do Guia
Oficial do Luxo.
JR – Eles faturam mais no exterior
ou no Brasil?
FERREIRINHA – Mais no exterior
porque têm um varejo mais forte. O
dever de casa que eles vêm fazendo... Foi a primeira empresa a associar design a jóias, no Brasil, a
primeira a trabalhar com identidade
de marca. Quer dizer, a ousadia da
inovação da H. Stern, associada à
tradição – aquilo que o Sr. Hans tem
até hoje como supremacia, de que
a jóia vem da pedra, mas chamou
Costanza Pascolato, Carlinhos
Brown. Mexeu com os aspectos culturais brasileiros e, cada vez mais
vem-se distanciando na construção
de design, peças, elementos nobres.
E agora chegou ao cúmulo de inventar um novo corte de lapidação
de diamante. O mundo se ajoelhou
diante da H. Stern.
JR – Mas isso é tecnologia.
MAURO – Tecnologia e sensibilidade, porque houve uma tropicalização dos produtos da H. Stern.
Hoje, ela não trabalha só com as
pedras top, mas trabalha com
pedras brasileiras. E a grande
inovação foi o trabalho com designers, as coleções que lançaram.
FERREIRINHA – A H. Stern é uma
empresa 100% de luxo? Não é, mas
é uma empresa que vem fazendo um
excelente trabalho e já tem liderança
total na lembrança do que são jóias,
no Brasil. É objeto de desejo.
FG – O exemplo da H. Stern é uma
boa resposta à pergunta que o J.
Roberto fez sobre como perenizar
uma marca de produtos de luxo. Eu
lembraria também um exemplo
negativo – que talvez vocês queiram
comentar – que foi o da Christian Dior,
que parece estar – agora – tentando
recuperar a imagem, mas perdeu, de
fato, sua posição.
MAURO – Há um outro exemplo:
Calvin Klein – um case de como
não se fazer o marketing do luxo.
E acho que a Dior conseguiu resgatar um pouco; sofre menos.
“NO BRASIL, AS PESSOAS GOSTAM DE
VER OS SEUS ÍDOLOS SE APRESENTANDO BEM.”
FERREIRINHA – A Christian Dior,
hoje, é uma outra marca; o cliente
tradicional de Dior já não a reconhece mais. Mas a empresa
estava num beco sem saída. Era
deficitária e só não fechou as portas
porque o Bernard Arnault tem, na
Dior, a sua menina dos olhos; foi a
empresa que iniciou a LVMH. A
Dior perdeu dinheiro durante 16
anos ininterruptos. Era a marca mais
deficitária do grupo LVMH. Daí,
aquele passo bem inicial: como
manter perene uma marca. Se a
Dior não tivesse feito um esforço
de mudança radical, desapareceria, viraria uma Calvin Klein, que
se perdeu nas licenças, um Yves
Saint Laurrent, que faz um discurso,
dizendo: “Tom Ford roubou a minha
marca”. Não roubou. A marca era
dele, vendeu porque quis. A Dior
precisava fazer uma mudança.
Hoje está entre as três de maior
sucesso do mundo – uma delas é a
Louis Vuitton, a outra a Dior e outra
a Burberry e são marcas que
ultrapassaram cerca de 45% de
crescimento em vendas em um
ano. É inacreditável. Difícil concluir que a Dior esteja “equivocada”, pois saiu de 16 anos de
déficit para 3 anos de ascensão
financeira. Mas ainda está com
problemas de identidade. Só que
ela precisava correr riscos para
encontrar um novo caminho. Até o
mailing: os clientes estavam morrendo. Não havia renovação.
JR – Vamos falar um pouco sobre a
questão da pirataria. Isso realmente
causa prejuízos ou ajuda a divulgar
a marca? Qual é a verdadeira
história?
FERREIRINHA – A Maria Helena
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
107
Mesa-Redonda
falsificados ou pirateados tendem a
ser mais clássicos. O processo de
inovação ajuda. Mas não se consegue controlar. Hoje, há até exportadores de produtos piratas.
Castilho – uma das primeiras
jornalistas de moda no Brasil e que
fundou o Work Fashion – costumava
dizer: “Ferreirinha, depois de muitos
anos, cheguei à conclusão de que,
quem mantém a indústria da falsificação são as próprias marcas de
luxo”. Quando falamos de pirataria
de CD, ou de relógio, que no Brasil
é muito forte, na verdade, em termos
de luxo, no Brasil, é quase nada. Em
lugares como Tailândia, China, Índia,
Nova Iorque, Itália é uma loucura.
Acabo de comparecer a uma conferência internacional do luxo que
aconteceu na China – já está no
quarto ano. Aliás, ela foi realizada
na China devido a um problema
específico: Hong Kong cresceu esse
ano 82% no consumo direto de luxo,
só que, ao mesmo tempo, trata-se do
maior produtor mundial de falsificação. As empresas não perdem
cliente para pirataria, pois cliente de
luxo não compra produto pirata. O
grande prejuízo é em relação à
imagem – arranha a marca. Hoje é
o segundo orçamento de todas as
empresas, depois de marketing,
inovação e tecnologia; a briga é pelo
combate à pirataria. É tão dispendioso, que faz com que grupos
concorrentes se juntem. Chanel
trabalha com Hermès e Louis
Vuitton, compartilhando custos, porque o combate à pirataria é caro. Isso
também tem a ver com a necessidade de se lançar produtos no
mercado que custam US$ 50 mil...
FERREIRINHA – Na China, vi ruas
e ruas só de falsificação. Nossa 25
de Março é coisa de amador. Vi uns
stands que não continham produto.
Só catálogos e fotos na parede. Um
indivíduo sentado à mesa; a pessoa
chega, escolhe o produto e ele, pelo
rádio, passa o pedido para alguém.
São os agentes e representantes da
falsificação – é uma indústria.
JR – Vamos falar um pouco do futuro
desse mercado no Brasil, tanto do
ponto de vista de mercado consumidor
quanto de mercado de trabalho?
LIVIA – Embora não seja especialista nessa área, pela minha experiência com a cultura brasileira e o
comportamento do consumidor,
acho que se trata de um mercado
em expansão. E a tendência será
ainda – por alguns anos – de crescer.
MAURO – Vejo dois cenários,
para o luxo brasileiro. O luxo de que
se fala – Ferrari, Jaguar, Mercedes –,
conforme aumentam a distribuição
e a disponibilidade das marcas, ele
tende a aumentar, não em volume,
mas em valor do que se adquire.
Quer dizer, o mesmo universo de
consumidores vai consumir mais
quantidade, mas o produto não vai
aumentar a sua penetração. O mercado existe há muito tempo e o
MAURO – A inovação tem papel
importante, porque os modelos
“OUTRA COISA RELACIONADA AO LUXO, MUITO
IMPORTANTE, É A RARIDADE E O EXÓTICO.”
108
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
crescimento é vegetativo. A relação
cambial vem sendo cada vez melhor; vamos torcer para que o euro
não dispare. Grande parte das empresas que trabalham com produtos
de luxo leva em conta o fator risco,
as importações, essa questão da
banda cambial. Enquanto o dólar
cai, as empresas que se alavancaram vão trabalhar com preços
médios. Mas a percepção do consumidor é: “O dólar está caindo.
Então, vou comprar o produto mais
barato”. Mas não é bem assim.
FG – A verdade é que os preços dos
produtos importados não estão caindo.
MAURO – Não estão, mas a expectativa é a de que a relação cambial
se estabilize, para que esse luxo
“intermediário” continue acessível
para que uma pessoa que toma uísque
possa migrar para um Scotch 12
anos. A renda per capita tem de
aumentar para que o segmento cresça
em volume. O luxo inacessível vai
continuar assim. Tivemos um boom
de consumo no Brasil, em 97, quando
a taxa estava um para um.
FERREIRINHA – Acho que vai
haver uma grande expansão. A curto
prazo é um mercado em expansão,
crescimento e empregabilidade.
Claro que podemos crescer ainda
mais, quando retomarmos o crescimento econômico. Mas também se
vê, no futuro, o chamado “novo
luxo”, que é o que os norte-americanos vêm criando com cases como
Starbucks. Aqui, fazemos café Suplicy, Santo Grão etc. – elevando o
patamar de consumo, não necessariamente ao luxo inacessível, mas o de
poder consumir serviços e produtos
melhores. O perfil que o jovem
profissional vai ter é o de negócios.
No segmento de luxo buscam-se
profissionais. Uma LVMH contrata
executivos de Procter & Gamble,
Unilever. O novo presidente da Gucci vem de uma divisão de sorvetes
do grupo Unilever. Hoje, o segmento
de luxo é um segmento profissional
que precisa de profissionais que entendam de business. Tenho a expectativa de que esse segmento dobrará
de tamanho nos próximos seis anos.
ISMAEL – O mercado vai crescer
e as empresas, cada vez mais, precisam fazer sua lição de casa. Foi
o que discutimos aqui. E fazer lição
de casa é, realmente, entender que
é um business, que precisa ser
trabalhado mercadologicamente.
Daí a necessidade de bons profissionais. O segmento tem importado
profissionais de outras áreas porque
ainda não temos escolas que
formem profissionais especializados nesse tema. Vamos ter mais e
mais empresas contratando profissionais voltados ao segmento do
luxo, porque ele realmente vai
crescer e profissionalizar-se. As
marcas, principalmente no Brasil,
precisam ter consciência de sua
perenidade. Esse é um mercado
muito novo e tenho certeza que
vamos ter aí algo bastante interessante, tanto profissionalmente
quanto mercadologicamente, academicamente.
JR – Vocês acentuam o conhecimento de negócios, de business.
Mas não há negócio, nem business
que não dependa de uma coisa
chamada ser humano. Na sua visão, Livia, qual a importância do
conhecimento do ser humano para
esse negócio?
LIVIA – Em termos sociológicos e
culturais – onde me sinto mais à vontade – há duas coisas que chamam a
atenção. Primeiro, o perfil das novas
fortunas do mundo. Quem são essas
pessoas? Elas não têm perfil
aristocrático, e parecem voltadas
para outros interesses além do
consumo. Veja o Bill Gates e os novos
milionários. Além disso, entre as
maiores fortunas, sete são fortunas de
jovens. Não sei como isso pode
afetar alguma coisa, a longo prazo.
Pensaria nisso, inclusive no Brasil:
pessoas que podem comprar
praticamente qualquer coisa que
desejam, mas o interesse delas não
está mais nisso. Veria essa tendência
com cuidado.
MAURO – Concordo com a Livia. Talvez, 70, 80% seja business, mas acho
que há pelo menos 30% de
sensibilidade: um olho para o luxo.
Vim do mercado de massa e tive
dificuldade para me adaptar aos
conceitos do luxo. Enquanto um
produto de massa busca a distribuição,
o luxo busca a seletividade, busca, de
fato, diminuir a distribuição. Se a
pessoa aplicar os mesmos conceitos
de massa dentro do luxo, vai se dar
mal. Por isso, acho que o business
só, não faz um bom profissional de
luxo; ele precisa de algo mais.
FG – Sensibilidade, informação e
coragem para ser diferente. Estava
vendo outro dia uma revista chamada Plug – é o resultado de um
curso de jornalismo oferecido pela
Editora Abril aos melhores alunos das
faculdades de jornalismo do Brasil,
e entre eles são escolhidos os que a
Abril vai contratar. Como produto
final desse curso, fazem uma revista
muito bem impressa pela própria
JANEIRO
Abril. Folheando esta revista, percebi
como é estereotipada a cabeça dos
jovens brasileiros, em alguns
aspectos. Das 28 ilustrações principais da revista, 26 são mulheres em
variados estágios de nudez. A
matéria da página central da revista
faria corar de inveja os redatores da
Playboy e tem como anexo, um curso
avançado sobre sexo. Realmente, é
preciso ser diferente da maioria – ter
sensibilidade, informação, cultura,
caso contrário, não se vai entender
o que é esse mercado. Acho que
vocês cobriram o assunto de muitas
maneiras. Lembraria apenas um
aspecto que não foi registrado. Acho
que o mercado do luxo teve essa
expansão no Brasil – principalmente
nos últimos dez anos – como reflexo,
também, da abertura do Brasil ao
mundo exterior, em todos os
aspectos. Não só em termos de
importação, exportação, mas também em idéias, viagens, exposição
à mídia estrangeira. As elites brasileiras estão mais bem informadas
sobre tudo o que ocorre lá fora – e o
luxo vem, acima de tudo, do exterior. Não é aqui que se produzem os
ícones do luxo. Acho que isso vai
aumentar ainda mais e, por si só, é
quase uma garantia de que esse
mercado vai continuar crescendo no
Brasil. É claro que o fator limitativo
é aquele que a Livia lembrou: nós,
brasileiros, temos mais vontade de
gastar do que dinheiro no bolso.
JR – Falou-se muito da França e há
uma frase em francês que acho que
ajuda a sintetizar o nosso tema, que
é “Vive la difference”. Agradeço a
presença de todos e espero, mais
uma vez, que esse debate seja útil
nas nossas aulas e, em geral, para
os leitores da Revista da ESPM. ESPM
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
109
Case-Study
MERCADO DE LUXO
NO MUNDO E NO BRASIL
E
REPOSICIONAMENTO DE MARCA
NO SETOR DE LUXO
Foto: Corbis/Stockphotos
Este caso descreve as principais
características do mercado de luxo
brasileiro e como a Christian Dior
conseguiu se reposicionar no
segmento de alto luxo, após um
período de hibernação da marca.
110
ESTE CASE FOI ELABORADO POR
ELAINE MICHELY FURTADO CAROZZI,
COM BASE EM PUBLICAÇÕES
EDITADAS NO PERÍODO DE FEVEREIRO
DE 2001 A DEZEMBRO DE 2004.
ORIENTAÇÃO E REVISÃO FINAL DO
PROFESSOR IVAN PINTO.
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Christian
1. O MERCADO
DO LUXO
INTRODUÇÃO
O luxo está na moda. As marcas,
também. E o mercado de luxo é o
paraíso das marcas. Os consumidores desse privilegiado segmento,
mais do que leais, tendem a ser adoradores das marcas pelas quais
se dispõem a pagar preços premium, em troca dos valores que
percebem nelas, como satisfação
da auto-estima e a expressão de um
alto status socioeconômico, real ou
aspirado. Esses valores podem ultrapassar, sem ignorá-los, outros
componentes da proposta de valor
daquelas marcas, como qualidade
do desempenho, design, estilo. Para
conquistar esse reconhecimento, as
marcas de luxo são lapidadas por
anos de um consistente trabalho de
posicionamento, pelo uso criativo
e elaborado do composto de ferramentas de marketing e pela corajosa decisão das empresas, suas
proprietárias, de renová-las continuamente, sem contradizer, sua
essência. Hesitações na tarefa de
rejuvenescimento podem abalar o
valor das marcas. Este estudo de
case descreve, justamente, como
a empresa proprietária da marca
Christian Dior conseguiu recolocála na posição de um dos maiores
ícones do mercado de luxo, após
um período de perda de vitalidade
da imagem.
Como sumarizado no livro Lê Luxe
Éternel, de Gilles Lipovetsky e Elyette
Roux, “Com o aumento do consumo,
o luxo adquiriu novas proporções nas
nossas sociedades. Não é mais um
SUBSETORES:
Dior
fenômeno marginal limitado a uma
pequena elite. Tornou-se um setor
significativo da economia. Por meio
das marcas, está onipresente no
universo da comunicação”.
O chamado setor de luxo é usualmente entendido como composto
por 35 subsetores.
18. Cristais
1. Acessórios de moda
19. Ourivesaria
2. Bagagem/Artigos de couro
20. Porcelana e Faiança
3. Calçados
21. Mobiliário
4. Cosmética
22. Outros têxteis da casa
5. Pele
23. Luminárias
6. Vestuário
24. Têxteis de mobiliário
7. Relojoaria
25. Distribuição alimentar
8. Joalheria
26. Hotelaria
9. Lingerie
27. Restauração
10. Perfumaria
28. Instrumentos de música
11. Automóveis
29. Foto, som e vídeo
12. Aviões particulares
30. Artigos de papelaria
13. Iates
31. Edição
14. Motocicletas
32. Impressão
15. Champagne
33. Tabacaria
16. Destilados
34. Horicultura
17. Vinhos
35. Cuidados corporais
Segundo a Interbrand, o mercado
mundial do luxo cresceu 19% em
2003 para atingir um valor estimado em US$ 200 bilhões. Com o
impacto da tendência chamada de
“novo luxo”, previa-se que esse valor dobraria em 2005. Ainda segun-
JANEIRO
do a Interbrand, 15 das 100 mais
valiosas marcas do mundo em 2004
eram de luxo. O Boston Consulting
Group estima que, o mercado de
luxo girará em torno de US$ 1 trilhão por volta de 2010 (excluindo
os subsetores de vinho e destilados).
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
111
Case-Study
GRUPOS DO SETOR LUXO
CONGLOMERADO/EMPRESA
FATURAMENTO 2003
(BILHÕES APROX.)
Grupo LVMH
Louis Vuitton
Christian Dior Couture
Grupo LVMH + Dior
C $ 12,0
2,6
C$
C $ 0,523
C $ 12,523
Grupo Pinault-Printemps-Redoute*
Grupo Gucci
Marca Gucci
C $ 24,36
C $ 2,54
C$
1,5
C $ 3,95
US $ 1,89
C $ 1,30
US $ 1,58
£ $ 1,90
C $ 0,759
Grupo Richemont
Tiffany
Hermès
Grupo Armani
Burberry
Bulgari
* O Grupo Pinault não atua apenas no segmento de luxo.
Em 2001, o grupo teve um faturamento de C$ 2,5 milhões no segmento luxo.
2. O MERCADO DO
LUXO NO BRASIL
tenham arrefecido em 2004.
Christian Dior e muitas outras marcas mundiais de luxo, famosas e
bem-sucedidas, disputam com vigor
o mercado brasileiro, que foi, por
exemplo, o primeiro da América do
Sul a ter lojas da joalheria Tiffany
& Co. Baccarat e Christofle estão
aqui desde o Império. Uma das
lojas brasileiras da Louis Vuitton
está entre as mais produtivas do
mundo. A Armani, diz-se, teria vendido no ano 2000 mais no Brasil do
que em New York. As lojas Montblanc de São Paulo também estariam entre as mais bem-sucedidas
da rede no mundo. A marca venderia, aqui, mais canetas do que
em qualquer outro país, exceto os
EUA, França, Itália e Espanha; e
só perderia na venda de relógios
para os EUA e a Itália. O responsá-
Segundo a Câmara Americana de
Comércio, a Amcham Brasil, o mercado do luxo no país alcançou um
valor entre US$ 1,8 e US$ 2,2 bilhões, ou cerca de 1% do mercado
de luxo mundial. A porcentagem da
população que consumia produtos
de luxo em 2004 era pequena,
comparada à de países desenvolvidos. Mas, cruzando o valor do
mercado de luxo com as várias
estimativas de números de consumidores do setor, deduz-se que o
consumidor médio de produtos de
luxo no Brasil despendeu, talvez,
de três a cinco vezes mais do que
o consumidor médio mundial.
Mais: os produtos cresciam em
cerca de um terço ao ano, embora
as vendas de algumas marcas
112
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
vel pela concessionária da Ferrari
revelou, numa entrevista que, em
2002, vendia 40 unidades dos seus
carros por ano, a preços entre US$
180 e US$ 550 mil. Em São Paulo,
basta andar no shopping center
Iguatemi, visitar a loja Daslu ou
passear no “quadrilátero dos Jardins” para encontrar nomes identificados com as ruas mais exclusivas de New York, Paris ou Milano.
Como explicar o interesse de tantas
marcas importantes por um país
emergente, com apenas a 61ª posição mundial na renda per capita?
A confidencialidade e a imprecisão
das informações num mercado
novo e disputado é natural. Mas
alguns fatores ajudam a explicar o
seu surto impressionante.
1.
Com 182 milhões de habitantes em 2004, o Brasil era
o 5º mais populoso do mundo. Qualquer porcentagem desse
número é significativa, em comparação com países com menos
habitantes ainda que mais ricos per
capita. A dura competição no plano
global estimula a presença num
mercado assim, que se tornaria,
depois, custoso de penetrar.
2.
3.
A economia se recupera e alcançou a posição de 9º maior
PIB do mundo em 2004.
Restrições ideológicas à entrada do país na economia
mundial foram eliminadas e,
a partir de 1990 nós abrimos para a
importação de produtos de todos os
tipos. Foi em 1989, antecipando
aquela decisão, que, a Louis Vuitton – com 150 anos de vida, uma
das maiores do mundo, com vendas
anuais de US$ 4 bilhões – decidiu
apostar no Brasil.
4.
Eliminaram-se, também, restrições fiscais e burocráticas
que limitavam viagens freqüentes ao exterior a poucos privilegiados. Mas, exceto por um minúsculo grupo de viajantes habituais, os turistas são compradores
ocasionais, anônimos, sem o atendimento personalizado que faz
parte do encantamento do mercado
de luxo.
constrições econômicas e culturais
que a limitavam a uma consumidora
dependente, hoje gera renda e
consumo, justamente em categorias de
produtos, como os de luxo, que apelam
para as emoções culturalmente
associadas à feminilidade.
9.
Iniciava-se outra liberação,
a do homem, que torna aceitável preocupar-se com a
aparência, antes vista como coisa
pouco masculina. Vitória para os
produtos de luxo.
5.
3. O CONSUMIDOR
6.
O consumidor de luxo não costuma
ser explícito sobre os motivos que
resultam em despesas não compreendidas e aceitas por muitas
pessoas. Compreender as atitudes
que afetam seu comportamento de
compra e levam a preferir determinada marca é um desafio que
exige pesquisa qualitativa contínua
e complexa.
A valorização do dólar atraiu
para as lojas locais muitos
que viam nas viagens uma
oportunidade de comprar. Isso cria
um círculo virtuoso para as empresas que, por outros fatores, visam
aqui se instalar.
Nosso sistema de crédito, desenhado para uma baixa ren
da per capita, facilita o acesso da classe média ao luxo, com
pagamentos parcelados. Mesmo
cartões de crédito restritos aceitam
parcelamento em ocasiões especiais, em lojas de luxo.
7.
Não há constrangimentos de
ordem religiosa e cultural
que inibam, como em alguns
países, o acesso de mulheres a
produtos de moda e satisfazedores
da auto-estima. Nossa cultura até
valoriza a extroversão e inclui uma
predisposição ao consumo e à percepção crescente de um valor emocional forte nos artigos de luxo.
8.
Vivemos uma bem-vinda evolução da mulher na sociedade. Liberada de antiquadas
Dior
Foto: Corbis/Stockphotos
Christian
DO LUXO
Mas algumas generalizações são
possíveis. Um estudo de 2003 do
Boston Consulting Group mostra
que a valorização pessoal do diaa-dia e a necessidade de quebra de
rotina são os principais fatores que
levam à compra de artigos de luxo.
As pessoas gastam cada vez mais
para satisfazer sua auto-estima,
com produtos de beleza, esporte,
lazer e cultura. A satisfação da
auto-estima é ainda mais forte no
setor da moda.
Danielle Allérès divide o mercado
1
de luxo em três níveis :
as atitudes que afetam
★ Compreender
seu comportamento de compra e levam
a preferir determinada marca é um
desafio que exige pesquisa contínua.
1. Allérès, Danielle. Luxo...Estratégias de Marketing. São Paulo: Editora FGV. 2000.
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
113
Case-Study
❖ PESSOAS PERTENCENTES À
CLASSE MAIS ALTA DE CONSUMO.
MUITAS SÃO DE FAMÍLIAS
TRADICIONAIS, ARISTOCRÁTICAS, QUE
BUSCAM NO LUXO A SUPERIORIDADE
EM RELAÇÃO ÀS OUTRAS CLASSES
SOCIAIS.
criadora original.
Criar uma identidade de marca a
ponto de transformá-la em luxo
exige uma forte diferenciação construída por anos e anos de ações
assertivas e consistentes, que busquem uma imagem imaculada e
ligada a valores como conquista,
distinção social e poder.
❖ PESSOAS DE ALTO PODER
AQUISITIVO E BASTANTE
CONSUMISTAS. SÃO OS CHAMADOS
“NOVOS RICOS” QUE BUSCAM NO
LUXO O MESMO STATUS E
SOFISTICAÇÃO DAQUELES
PERTENCENTES À PRIMEIRA
CAMADA.
A segmentação é crítica. Com um
mercado consumidor ainda restrito,
é básico identificar e conhecer bem
o consumidor, para encantá-lo,
oferecendo-lhe personalização,
ambientação e sofisticação. E é
vital comunicar a identidade decidida no uso integrado de todos os
instrumentos do composto de
marketing.
❖ PESSOAS DA CLASSE MÉDIA QUE
SEGUEM AS TENDÊNCIAS DITADAS
PELAS GRIFES DE LUXO E BUSCAM
COPIAR AS CLASSES DE MAIOR
PODER AQUISITIVO E OS FORMADORES
DE OPINIÃO, COMO CELEBRIDADES E
PESSOAS SOCIALMENTE
CONHECIDAS.
4. A ESTRATÉGIA
DAS MARCAS
DE LUXO
Os canais de venda são seletivos.
As lojas próprias, freqüentemente,
o principal canal. No Brasil, grande
parte das lojas de luxo se concentra
na região Sudeste. O shopping
center Iguatemi e o “quadrilátero
dos Jardins”, ambos em São Paulo,
são os principais centros dessas
marcas, com um dos maiores desempenhos de vendas por metro
quadrado do mundo. O Iguatemi
faturou, em 2003, R$ 1 bilhão. Foi
avaliado, em 2001, como o 15º ponto comercial mais valioso do mundo pela consultoria imobiliária
americana Cushman & Wakefield.
Outro canal de vendas são as chamadas lojas de luxo multimarca,
como a paulistana Daslu.
A marca tornou-se um ativo básico
da empresa e um recurso estratégico fundamental. A estratégia
das marcas de luxo, por definição,
se baseia em produtos de alto desempenho e preço premium. Não
competindo por preço, as empresas
proprietárias das marcas se concentram no gerenciamento dos
outros fatores da identidade das
suas marcas. Esses fatores incluem
elementos mais tangíveis, como
design, estilo, sabor e odor refinados; a origem e a tradição da marca; a imagem do usuário visado; e
fatores mais intangíveis, ligados à
personalidade da marca que, muitas vezes, está permeada pela
personalidade do seu criador ou
114
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
Muitas vezes, a loja vai à casa do
cliente mostrar produtos e promover
desfiles exclusivos para pequenos
DE
2005
grupos. Esse atendimento vip ajuda
a fidelizar o cliente. A proposta é
atraí-lo e atraí-la não somente com
o produto, mas também com tudo
que o cerca e que passa a fazer,
por isso, parte da marca.
A Internet é utilizada com sábia
cautela pelas marcas de luxo, cujos
consumidores valorizam o atendimento personalizado e o ambiente
luxuoso de lojas e boutiques. Na
web, o cliente não é “mimado”,
como nas lojas físicas. Para muitos,
a própria presença na loja de outras
pessoas do mesmo status é parte
do encanto esperado. Por outro
lado, a impressão causada por um
site pode ser um importante elemento de comunicação da idéia de
luxo, bom gosto e exclusividade.
Basta ver sites como os da Dior,
Louis Vuitton, Montblanc, Cartier,
Moët Chandon, Hennessy, Tiffany
& Co., Givenchy, Rolls-Royce e
Rolex: verdadeiras vitrines, elaboradíssimas, que ajudam a confirmar
a imagem de exclusividade das
marcas. A joalheria Tiffany & Co.
foi pioneira ao ingressar, em 1999,
no comércio eletrônico nos EUA. O
grupo hoje, proprietário da Dior tem,
entre suas unidades de “comércio
seletivo”, uma “loja” via web, a
“eLuxury” (ver adiante, Grupo
LVMH).
No setor de moda e vestuário, onde
reinam as mais conhecidas marcas
de alto luxo, os ciclos de vida do
produto são cada vez mais curtos,
devido às constantes mudanças e
à demanda por novos modelos e
criações. Com isso, é necessário
que as empresas estejam em sinto-
Christian
nia com as tendências e expectativas do mercado, através de pesquisas de mercado e um sistema de
inteligência de marketing eficiente
que permita uma reação rápida e
objetiva às mudanças culturais que
impactam a moda e às iniciativas
da concorrência.
5. VALORIZANDO
A MARCA DE LUXO
Duas estratégias vêm sendo usadas
com sucesso na valorização das
marcas de luxo.
EXTENSÕES
DE MARCA
A extensão da marca para outras
categorias de produto que não
conflitem com a percepção da
marca aumenta o vínculo do
cliente com a marca e o ticket
médio desse cliente. A taxa de
sucesso das extensões de marca no
setor de luxo é muito alta. A razão
é que a percepção das marcas de
luxo depende mais de fatores
intangíveis, de personalidade, do
que de associações com tipos de
desempenho que limitam a exten-
Dior
são dos produtos de compra freqüente (Creme Dental OMO? Sabonete Doritos?). Por exemplo,
Tiffany, Armani e H. Stern foram
estendidas para linhas de decoração: Linha Tiffany Baby, Armani
Casa e H.Stern Home. Historicamente, as marcas de luxo utilizam
as extensões com bastante propriedade. Montblanc nomeia hoje
relógios, óculos, artigos de couro,
perfumes. Dior dá seu nome não
apenas às roupas com que Christian Dior lançou a marca e a algumas extensões mais usuais entre
as marcas de luxo, como bolsas e
perfumes, mas também a uma
longa lista de produtos que inclui
até artigos esportivos como pranchas de surf e skis.
INTERNACIONALIZAÇÃO
O sentido especial que a globalização deu às marcas de luxo exige que as empresas, suas proprietárias, padronizem a comunicação
da identidade das suas marcas em
todos os mercados. Uma marca de
luxo está associada a uma origem
continental ou nacional – Europa
ou Itália ou Japão – ou local – Paris
ou New York. Esse fator acentua o
caráter universal do luxo como
diferenciador e relega a um segundo plano a influência da cultura
local do consumidor. Quando seu
mind set está ligado no luxo, o consumidor é “cidadão do mundo”.
Emoções à parte, o consumidor e a
consumidora de marcas de luxo são
pessoas viajadas e bem informadas.
A universalidade de uma marca de
luxo é intrínseca à sua identidade.
Dior lançou a
★Christian
marca e algumas
Foto: Arquivo
extensões mais usuais
entre as marcas de luxo,
como bolsas e perfumes.
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
115
Case-Study
1.
EMPREENDEDORISMO
E ARTE NA ALTA COSTURA
Foto: Corbis/Stockphotos
REPOSICIONAMENTO DE MARCA NO SETOR DE LUXO
tornou-se uma referência da alta costura e a empresa,
★ Dior
diretamente ou sob licenças, passou a atuar nos mais importantes
mercados do mundo.
116
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Christian Dior, como muitos empreendedores, amargou dificuldades
no caminho que o levaria à posição
de grande ícone da alta costura. Não
conseguiu concretizar sua paixão
pela arquitetura; e depois de pósgraduar-se em Ciências Políticas, a
galeria de arte que abriu e em que
chegou a exibir pintores de fama foi
arrasada pela crise financeira de
1929. Esse criativo e determinado
francês, da Normandia, passou a
desenhar moda para casas de costura
parisienses. Reconhecido, tornou-se
designer dos renomados Robert
Piguet e Lucien Lelong. Em 1946, o
milionário da indústria textil Marcel
Boussac percebeu o potencial de
Dior e financiou a instalação da
maison Dior num endereço que
ficaria famoso e abriga a empresa
até hoje, a Avenue Montaigne, 30,
em Paris. O clima em seguida à 2ª
Guerra Mundial era propício para
suas inovações. A economia, a cultura e os sentimentos se reconstruíam depois de uma guerra sangrenta
em que, pela primeira vez, cidades
inteiras foram alvo de bombardeios
de ambas as partes. Em 12 de
fevereiro de 1947, Christian Dior
apresentou sua primeira coleção.
Carmel Snow, editora da revista Harper´s Bazaar, ao vê-la, exclamou
“It´s a new look!”. Ao contrário da
moda prática da igualmente icônica
Coco Channel, o New Look de Dior
valorizava a feminilidade e o glamour, num momento em que o mundo ansiava por alegrias e emoções.
O “tailleur Bar”, o mais famoso da
coleção, sugeria a extravagância
luxuosa que caracterizou a marca
Christian
e que, hoje, voltou à Dior como
traço da sua personalidade. Casaquinho de seda bege ombros naturais, saia ampla quase até o tornozelo, cintura estreita e bem marcada.
Estava lançado o padrão estético da
moda de luxo dos anos 50.
Rapidamente, Dior tornou-se uma
referência da alta costura e a empresa, diretamente ou sob licenças,
passou a atuar nos mais importantes
mercados do mundo.
Após a morte do fundador, em 1957,
quem assumiu a posição de estilista
da maison Dior foi seu assistente,
Yves Saint-Laurent. Jovem e irriquieto, chegou a provocar polêmica, com
a criação de peças vistas por alguns
como contrárias às tradições da
marca. Em 1960, Saint-Laurent foi
convocado para servir na guerra da
Argélia e, depois, em 1962, abriu sua
própria casa. Marc Bohan, um renomado estilista, ocupou seu lugar. Em
seguida a ele, o italiano Gianfranco
Ferrè. Mas nenhum desses três nomes
conseguiu perpetuar com a mesma
intensidade o brilho característico do
fundador. A mais reverenciada marca
da moda, Dior tornou-se uma Bela
Adormecida.
2. EXPANSÃO EMPRESARIAL:
BERNARD ARNAULT, DIOR E
O GRUPO LVMH
A explosiva renovação de uma marca
tradicional e conceituada do mercado de luxo, como aconteceu nos
últimos anos com a Dior, não se dá
sem uma visão aguçada de empreendedorismo e gestão. Em 1985, o
empresário Bernard Arnault adquiriu
a Christian Dior. Como bom francês,
Bernard tinha consciência do que o
Dior
prietário da eLuxury, um comércio
seletivo de marcas de luxo pela
Internet (www.eluxury.com).
nome Christian Dior representara e
poderia voltar a representar. No mundo impiedosamente competitivo de
hoje, adquirir empresas proprietárias
de marcas fortes, por mais caro que
possa parecer, é uma opção muitas
vezes mais rentável do que entrar em
mercados, enormes e caros e demorados para conquistar por marcas
novas.
Em 1995, Sidney Toledano assume o
cargo de diretor do departamento de
couro e cria a bolsa “Lady Dior”, cuja
característica principal era o “cannage” – desenho de cana da Índia,
das cadeiras de palhinha, com letras
Dior soltas na alça. Foi um sucesso
imediato. O nome Lady Dior era uma
homenagem à princesa Diane,
embaixadora mundial da marca e
amiga pessoal de Bernard Arnault,
presidente do Conselho e principal
executivo do grupo LVMH. A linha
de bolsas tornou-se uma campeã da
marca e a cada coleção tem novos
modelos, cores e texturas. Exemplos
são a “Saddle” e a “Street Chic”. Para
a coleção primavera/verão de 2005,
há novos lançamentos, como a Logo
Flowers, Military Babe, Janis e
Helmut.
Dior foi a primeira marca adquirida
por Bernard Arnault. A partir dela, e
num esquema empresarial complexo, cujos detalhes não cabe discutir
aqui, foi criado o grupo LVMH e a
Christian Dior Couture. O Grupo
LVMH engloba inúmeras empresas
e marcas como Louis Vuitton, Moët
& Chandon e Hennessy (donde a
sigla LVMH), além de Parfums
Christian Dior, Kenzo, Parfums
Kenzo, Christian Lacroix, Chaumet,
Loewe, Le Bon Marché, Givenchy,
Donna Karan, Tag Heuer e tantas
outras (ver o site www.lvhm.com). O
grupo está entre os líderes do mercado de luxo mundial. Com uma rara
visão de conciliação entre a necessidade de manter tradição e acompanhar os tempos, o grupo é pro-
A marca Dior, que começara a se
estender sob o próprio Christian Dior
com o perfume Miss Dior, já em 1947,
e passara a nomear relógios e bolsas,
foi agressivamente estendida e co-
DIVISÕES DA MARCA CHRISTIAN DIOR
PRÊT-À-PORTER – roupas masculinas
e femininas
ÓCULOS
MARROQUINERIE – bolsas, sapatos,
cintos e carteiras
LENTES DE CONTATO
ACCESSOIRES – maillots, foulards,
bonés, bijuterias, guarda-chuvas
LINHA SURF – pranchas de surf e
linha vestuário, bolsas, sandálias,
chapéus e viseiras, óculos
ART DE LA TABLE – artigos para casa
PERFUMES E COSMÉTICOS
LINGE DE MAISON – roupas de mesa,
cama e banho
LINHA SKI – skis (marca DINASTY),
snowboards e linha vestuário,
botas de ski, bolsas e óculos
BABY DIOR – linha infantil
HAUTE JOAILLERIE DIOR – jóias
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
117
Case-Study
bre, hoje, uma dúzia de categorias.
Seu primeiro vestido para a Dior foi
usado por Diane, Princesa de Gales,
na abertura da exibição comemorativa dos 50 anos da Dior, no Museu
Metropolitano de New York. De lá
para cá, Galliano como que rejuveneceu as idéias do fundador, com
desenhos inspirados em fontes tão
díspares quanto o próprio “new
look” de Christian Dior, a moda Edwardiana, os nativos americanos,
os rappers e a Ópera de Pequim.
Sintomaticamente, o site da Dior,
junto à figura de Galliano, usa a
palavra extravagance.
3. O PAPEL DE JOHN
GALLIANO
O grande revigoramento da marca
Dior aconteceu quando o inglês
John Galliano passou a ser o diretor
de design da empresa. Galliano,
nascido em Gibraltar, estudou moda na prestigiosa Saint Martin´s
School, em Londres, onde ganhou
o prêmio de melhor aluno com uma
coleção inspirada na Revoluçao
Francesa. Foi, por três vezes, o British Designer of the Year. Mudouse para Paris e foi reconhecido pelo
grupo LVMH com um convite para
dirigir a criação tanto da alta costura quanto do prêt-à-porter da Givenchi, parte do grupo. Dois anos
depois, assumiu seu papel na Dior.
Fotos: Corbis/Stockphotos
Em 1999, Galliano tornou-se o
diretor artístico das outras extensões
da marca Dior – como bolsas,
sa_patos, artigos de praia, lingerie
– e assumiu a responsabilidade,
também, pelos dispalys e pela
publicidade da marca. Logo, a pro-
nascido em Gibraltar, estudou moda na prestigiosa
★ Galliano,
Saint Martin´s School, em Londres, onde ganhou o prêmio de melhor
aluno com uma coleção inspirada na Revolução Francesa.
118
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
paganda dos perfumes da Dior –
Addict e Dune – passou para sua
responsabilidade.
A volta da feminilidade à imagem
da marca explica a conquista de
usuárias como Madonna, Celine
Dion, Gwyneth Paltrow.
4. DIOR NO BRASIL
A Dior está no Brasil desde 1958 e,
como em todo o mundo, tornou-se
logo uma marca de alto prestígio.
Mas essa imagem veio a sofrer,
como em toda parte e, aqui, talvez
mais ainda, por causa dos problemas de licenciamento da marca que
foi o sistema utilizado pela Dior para
entrar no mercado brasileiro.
Sistemas de licenciamento e franquias tendem a reduzir os custos
fixos da licenciadora, como mãode-obra e aluguel do ponto-devenda. Além disso, permitem uma
expansão territorial mais rápida. Por
outro lado, exigem de ambas as
partes um acordo que leve em conta
não apenas os interesses de curto
prazo, mas também o horizonte futuro. Não é fácil. No setor de luxo,
a falta dessa relação de parceria
entre licenciadora e licenciada pode ser fatal. Se um licenciado vende o produto a um preço mais baixo, reduz a sua qualidade, utiliza um
lugar inadequado e vende, no mesmo
lugar, produtos de qualidade inferior,
a imagem da marca se desgasta. Um
exemplo foi a Pierre Cardin, cujas
operações de licenciamento proliferaram tanto que, nos anos 1980, teve
seu nome, antes exclusivo, em cerca de 800 produtos.
Nos anos 90, a Vila Romana detinha
Christian
o licenciamento da linha masculina
da marca Dior no Brasil. A empresa
tornou-se uma potência em função
de todos os licenciamentos que
conseguiu. Chegou a abastecer três
mil lojas, no Brasil e nos Estados
Unidos. Em 1987, faturou US$ 67
milhões. Três anos depois, US$ 120
milhões. Com a implantação do
Plano Collor e a conseqüente queda
no consumo brasileiro, as vendas
caíram drasticamente enquanto
crescia a inadimplência dos clientes. Em 1992, com dívidas de US$
10 milhões, a Vila Romana foi
vendida para um grupo holandês.
Em meio a essa crise, a empresa
não dispensou a atenção necessária
para administrar suas marcas de
luxo, entre elas a Christian Dior.
Apesar de a marca continuar reconhecida como uma das mais respeitadas da alta costura, o gerenciamento inconsistente, sem visão
do longo prazo, dificultava a manutenção de uma imagem sólida e
positiva pelos consumidores. A
decisão de um reposicionamento
drástico tornou-se vital para garantir
um futuro competitivo para a
empresa no país.
Dior
Dior está no Brasil desde 1958 e, como em todo o mundo,
★ Atornou-se
logo uma marca de alto prestígio.
Em 1990, abriram-se as importações. Coincidentemente, iniciou-se
a reestruturação da empresa, com
a entrada em cena da LVMH. Uma
decisão estratégica importante foi
a centralização da fabricação dos
produtos no país de origem, para
garantir uma qualidade que havia
se tornado inconstante com o licenciamento. Os produtos Dior no Brasil passaram, então, a ser importados.
Em 1994, expirou o contrato de
licenciamento da marca Dior para
o Brasil. A matriz decidiu não reno-
JANEIRO
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
119
Case-Study
vá-lo e assumiu o controle da marca. Iniciou um elaborado processo
de reposicionamento, com o
objetivo de torná-la, novamente,
símbolo de luxo e sofisticação do
setor de moda. No lado positivo,
havia o surto do “novo luxo” e
sinais de melhoria na economia.
delo tradicionalista de “ciclo de
vida do produto”. Mesmo uma Dior,
com todo seu encanto, pagou o
preço em desgaste e é admirável
que esteja num acelerado processo
de revitalização, ao que tudo indica, de sucesso. Rejuvenescer é uma
atitude permanente. Quando este
case foi compilado, a empresa estava, ativamente, empenhada em
uma série de atividades que visavam, exatamente, restaurar e manter a imagem da marca.
A primeira medida da empresa foi
interromper a venda dos produtos
Dior no Brasil, até que todos os produtos em poder dos licenciados se
esgotassem. Esse período de “hibernação da marca” foi muito importante para que, em 1999, a grife retornasse, revigorada e com uma estratégia estruturada. Naquele ano, inaugurou-se a loja Dior, em São Paulo,
no “quadrilátero dos Jardins”, o novo
centro de marcas de alto luxo do país.
As principais ações em vigor, em
dezembro de 2004, eram:
❖ Telemarketing – para fidelização
dos clientes;
❖ Dior Delivery – envio de
mercadoria aos domicílios;
❖ Trunk Show – para vendas fora
de São Paulo;
Atualmente, a Dior Couture ainda
tem linhas de óculos de sol, joalheria,
lingerie e roupa interior fabricadas
sob licença. Mas cerca de outras
300 licenças foram retiradas.
❖ Formação de vendedoras –
produzido um CD-Rom, “Formation
Boutiques”, detalhando cada
coleção (inspiração, nomes,
expressões, tecidos, cortes e
formas);
Com um faturamento global de 12
bilhões de Euros em 2003, o grupo
LVMH ainda tem uma presença
tímida no Brasil. Mas o crescimento
da receita líquida da empresa foi
significativo, de R$ 10 milhões em
2000 para R$ 24 milhões, estimados, para 2004.
❖ Embaixadora – escolha, a cada
ano, de uma personalidade que
representará a marca;
❖ Eventos – na loja, por ocasião
dos lançamentos de coleção.
CONCLUSÃO
O setor de luxo no Brasil está cada
vez mais competitivo. Os consumidores buscam produtos diferenciados e atendimento personalizado. Posicionar a marca, em
segmentos bem definidos, conhecer
a consumidora e o consumidor e,
em função disso, gerenciar a identidade da marca, é crítico. Assim
como é garantir que todos os instrumentos de marketing e comunicação comuniquem, integradamente, a identidade decidida e,
num mundo globalizado, que ela
seja consistente em toda parte.
O consumidor de luxo é o principal
divulgador da marca. Uma vez que
a comunicação é seletiva, essas
marcas precisam estar em constante sintonia com o público-alvo,
através de ações de fidelização.
A proposta de valor da marca Dior
baseia-se na entrega de produtos de
alta qualidade através de canais
seletivos, uma promessa de satisfação dos aspectos mais emocionais
da auto-estima e um sinalizador de
auto-expressão que une a valorização da tradição da marca com sua
excitante modernidade. ESPM
marcas não é uma tarefa que se faça de tempos em
★ Rejuvenescer
tempos, quando o crescimento satura e começa um período de declínio
5. PRINCIPAIS AÇÕES
Foto: Corbis/Stockphotos
DE MARKETING DA
DIOR NO BRASIL
Rejuvenescer marcas não é uma
tarefa que se faça de tempos em
tempos, quando o crescimento
satura e começa um período de
declínio, como implícito no mo-
120
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
DE
2005
Christian
Dior
EXISTEM TRÊS
TIPOS DE
ESTRATÉGIAS DE
2
REPOSICIONAMENTO :
O quadro abaixo resume as formas
de reposicionamento que uma
empresa pode adotar frente a um
novo ambiente competitivo:
2.
REATIVO:
Quando mudanças ambientais
forçam as empresas à adoção dessa
estratégia;
Considerando o quadro abaixo e o
ambiente competitivo em que a
Christian Dior estava inserida, que
tipo de reposicionamento a empresa adotou e quais fatores levaram a tal?
3.
CORRETIVO:
Quando os resultados obtidos com
um determinado posicionamento
não foram os esperados pela
empresa;
4.
QUESTÕES PARA
DISCUSSÃO
1.
De acordo com os dados sobre o
mercado consumidor de alto luxo,
quais os fatores críticos de sucesso do setor?
De acordo com as estratégias
genéricas de Michael Porter, como
você classificaria a atuação da Christian Dior?
Na sua opinião, qual a principal vantagem
competitiva da empresa?
Mudanças no comportamento do
consumidor, novos concorrentes e
oportunidades de explorar novos mercados são
algumas das razões que levam uma empresa a
optar pelo reposicionamento de sua marca. O
grande desafio do reposicionamento é
modificar as percepções do consumidor em
relação ao posicionamento atual, buscando o
posicionamento adequado para garantir a
competitividade da empresa.
PROPOSITIVO:
Quando a empresa decide explorar
um posicionamento mais rentável
ou inovador.
Consulte os sites das empresas do
grupo. Note a variedade de marcas e
categorias de produto. Que outras categorias
você considera viáveis para a marca Dior?
BIBLIOGRAFIA
ALLÉRÈS, Danielle. Luxo...Estratégias de
Marketing. São Paulo, Editora FGV, 2000.
REPOSICIONAMENTO PERCEPÇÕES DO GESTÃO
POSICIONAMENTO DE MARCA
DE MARCA
ATUAL
Reativo
Propositivo
Corretivo
DECISÃO
DE MARCA
LIPOVETSKY, Gilles e ROUX. Elyette: Lê
Luxe Éternel. Gallimard, 2003.
Pouca
Importância
Escolha de um novo
posicionamento para
sobrevivência
Transição com
riscos inevitáveis
Muita
Importância
A oportunidade
compensa o risco
de alterar as
percepções?
Construção de
novo paradigma
Noticiário sobre mercado de luxo e suas
empresas e marcas, em diversas
publicações.
Pouca
Importância
Seleção de novos
atributos para o
posicionamento
Revisão da estrutura
do posicionamento
Consultar, também, os compêndios sobre
gestão empresarial, gestão de marcas,
administração de marketing e
comunicação de marketing.
2. Renato Telles e Marcus Savoi Bortolan: O desafio de Reposicionamento das Marcas; Revista
da ESPM; set. / out. de 2003. Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso “O desafio do
Reposicionamento de Marcas”, apresentado em 2002 a ESPM.
JANEIRO
TELLES, Renato e BORTOLAN, Marcus
Savoi: O Desafio de Reposicionamento das
Marcas; Revista da ESPM; set. / out. de
2003.
ACESSE OS SITES:
www.dior.com
www.lvmh.com
www.portalexame.com.br
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
121
Leit
ura
RECOMENDADA
KEVIN ROBERTS
Lovemarks – o futuro
além das marcas
FRANCISCO ALBERTO MADIA
DE SOUZA
Editora M. Books
São Paulo, 2004
224 p. – R$ 85,00
TOMÁS MANUEL BAÑEGIL
PALÁCIOS/JOSÉ MANUEL
MEIRELES DE SOUSA
Para sobreviver, as grandes marcas precisam
criar nos consumidores uma “lealdade além da
razão”. Esta é a única forma de se distinguir de
milhões de outras marcas. O segredo é usar
mistério, sensualidade e intimidade, paradigma
que faz parte da construção de Lovemarks,
conceito criado por Kevin Roberts, CEO mundial
da Saatchi & Saatchi. Roberts quer provar, em
“Lovemarks – o futuro além das marcas”, lançamento da editora M.Books em parceria com a
F/Nazca Saatchi & Saatchi, ser possível construir
um compromisso apaixonado entre cliente e
marca, por meio daqueles três conceitos.
Estratégias de
marketing internacional
Editora Atlas
São Paulo, 2004
256 p. – R$ 41,00
O livro trata da comercialização de produtos e
serviços em mercados exteriores e da influência
do marketing internacional na estabilidade e
crescimento empresarial. Sua forma de abordagem permite às empresas encarar a nova
economia, no que respeita à globalização de
mercados, possibilitando o controle cada vez
maior dos circuitos de comercialização, e dessa
forma estabilizar seu crescimento de forma sustentável. Ou seja, aborda a questão colocada a
muitas empresas brasileiras que pretendam
integrar-se no mercado internacional, pela venda
de seus produtos.
O amor é o caminho para as empresas, e transforma produtos em marcas registradas, estas
em marcas e, mais tarde, em Lovemarks. No
livro, Roberts afirma que as marcas perderam a
atratividade, mas aponta a solução: criar produtos
e experiências com poder de estabelecerem conexões emocionais duradouras com os consumidores.
A obra está dividida em seis capítulos. No final
de cada um, é feito um resumo, seguido de
questões diretas e para discussão, e casos, permitindo ao leitor aferir o grau de compreensão
dos temas abordados.
Este livro propõe aos profissionais de marketing
novas formas de pensar sobre como fixar a marca.
Roberts proporciona insights práticos sobre as
formas de alavancar o poder da emoção e afirma:
O que vem depois das marcas: Lovemarks.
Kevin Roberts é CEO mundial da Saatchi & Saatchi,
empresa que está presente em 82 países. Roberts
também faz parte do Judge Institute of Management da Universidade de Cambridge e é
professor da Universidade de Waikato, Nova
Zelândia.
122
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
Tomás Manuel Bañegil Palacios é doutor pela
Universidad Autónoma de Madrid e pela Sussex
University (Inglaterra). É consultor de empresas
e autor de diversos livros e artigos.
José Manuel Meireles de Sousa é engenheiro de
produção, doutor em Administração e Comércio
Exterior, professor e consultor.
DE
2005
Marketing trends 2005
Editora M. Books
São Paulo, 2004
300 p. – R$ 45,00
A obra é resultado da análise de cases e da discussão entre o autor e alunos do curso de MBA
em Marketing da Madia Marketing School, sobre
as velhas técnicas empregadas na atividade.
As ferramentas de marketing são milenares.
Porém, somente na primeira metade do século
passado começaram a ser organizadas dentro
das empresas. Mas as técnicas continuaram
sendo atualizadas e melhoradas.
Marketing Trends 2005 é resultado de um estudo
que analisa a evolução dessa atividade e sua
aplicação nas organizações, com a finalidade de
indicar os próximos passos deste segmento. O
livro procura mapear e identificar as tendências
nacionais e internacionais do setor, com a
finalidade de manter atualizados e preparados os
profissionais da área.
Principais tópicos:
❖ Novos conceitos e posturas;
❖ Reposicionamento;
❖ Marketing legal;
❖ Guerras de marketing;
❖ Balanço de categorias;
❖ Pesquisa e estudos de mercado.
Francisco Alberto Madia foi executivo de grandes
empresas brasileiras e é presidente do
MADIAMUNDOMARKETING – e também autor de
vários livros sobre marketing.
SETH GODIN
Brinde grátis! Aproveite!
A sua próxima grande
idéia de marketing
Editora Campus/Elsevier
Rio de Janeiro, 2004
216 p. – R$ 49,00
NIRMALYA KU MAR
Marketing como estratégia
Uma orientação inovadora
e comprovadora para o
crescimento e a inovação
Editora Campus/Elsevier
Rio de Janeiro, 2004
288 p. – R$ 62,00
Todo crescimento exige transformação. Mas, no
mundo empresarial, é fundamental que ela seja
bem planejada e bem executada. Assim, para
assumirem um papel decisivo nesse processo,
profissionais de marketing dos mais diversos
setores têm reavaliado os seus conceitos e as
suas ações.
O futuro desses profissionais depende da valorização dos especialistas da área, que devem
buscar ações estratégicas multidisciplinares e
com foco no cliente. Baseado em sua experiência
na área como pesquisador, professor e consultor,
o autor analisa sete ações corporativas para
reconduzir o marketing a um lugar de destaque
na alta administração das empresas.
Com prefácio de Philip Kotler e exemplos,
Marketing como Estratégia mostra como o foco
nos “três Vs” – o cliente de valor, a proposição
de valor e o network de valor – pode ser uma
atitude decisiva para a criação de diferenciais
mercadológicos. Desse modo, o autor mergulha
em várias questões, como a exploração de canais
adequados para a geração de crescimento, a
provisão de soluções para o cliente e os caminhos
para o desenvolvimento de uma mentalidade
global, orientada para clientes e relacionamentos.
Nirmalya Kumar é professor de marketing, diretor
do Centre for Marketing e co-diretor do Adtya V.
Birla Índia Centre, da London Business School.
MARISTELA MAFEI
Assessoria de imprensa
Como se relacionar com a mídia
Editora Contexto
São Paulo, 2004
128 p. – R$ 24,90
Assessoria de imprensa ou relações públicas?
Ainda pouco difundido no mercado brasileiro, e,
por vezes, malvisto pelas redações dos grandes
veículos de comunicação, o trabalho da assessoria de imprensa tem demonstrado ser importante não apenas para artistas e personalidades, mas também para grandes empresas
do setor privado e do público. Com experiência
na área, a autora desvenda os bastidores das
grandes crises, o papel essencial desempenhado
pelo assessor de imprensa, as particularidades
que distinguem, e por vezes aproximam o trabalho
de assessoria do de relações públicas, dentre
outras informações importantes.
Em dez capítulos, são apresentadas dicas aos
novos profissionais sobre as exigências de um
mercado de trabalho cada vez mais competitivo.
O moderno modelo de comunicação que emerge
em nossa sociedade se impõe a jornalistas e
relações públicas, obrigados que são a acompanhar o ritmo de produção e circulação de notícias.
O livro pretende também situar o jovem profissional neste segmento da comunicação, chamando sua atenção para o necessário exercício
de honestidade no dia-a-dia.
Maristela Mafei é sócia-diretora do grupo
Máquina.
JANEIRO
A proposta do autor, em Brinde Grátis! Aproveite! é
explicar como, hoje, o verdadeiro marketing é
encontrado no produto em si e não nos anúncios
de televisão ou outdoors. Para ele, as “velhas
práticas do marketing” já não funcionam. Godin
ensina como atrair a atenção do consumidor
através da inovação, seja registrando um personagem, mudando uma embalagem ou oferecendo
um brinde, que pode ser criado de maneira rápida
e barata. “Gigantescos retornos são obtidos por
empresas que criam inovações notáveis independentemente do seu custo ou proveniência”, explica.
Hoje, o caminho entre a idéia, o produto final e o
cliente está mais curto, as ferramentas para o
marketing mais afiadas, e os consumidores mais
exigentes e conscientes, acirrando a competição.
Um brinde não é um truque, mas sim, um recurso
que transforma a maneira como as pessoas vêem
o produto ou serviço. O autor explica como essa
prática, com bom-senso, criatividade, iniciativa e
curiosidade é a melhor solução no mundo da
promoção.“É preciso criar algo que seja cobiçado.
Algo charmoso, divertido, surpreendente, encantador ou triste. É como criar um ketchup roxo”, exemplifica. Com exemplos reais, como os
dos CDs da AOL e novos movimentos nos bonecos GI Joe, o livro traz as táticas para a apresentação das idéias sobre brindes ao resto da empresa.
Seth Godin foi vice-presidente de marketing direto
da Yahoo!. Editor da revista Fast Company, é formado em filosofia e ciência da computação na
Universidade Tufts, com mestrado em marketing.
É autor dos livros Marketing de Permissão, Marketing IdéiaVírus, Sobreviver Não é o Bastante e A
Vaca Roxa.
/FEVEREIRO
DE
2005–REVISTA DA ESPM
123
Leit
ura
RECOMENDADA
A conclusão, contudo, é otimista: o mundo de
2015 será mais globalizado e interligado pelas
comunicações e pela informação. O Brasil será
completamente coberto por redes de fibra
óptica, mais de 80% da população terá acesso
ao celular e 60% dos habitantes serão usuários
de Internet gratuita.
O mundo do entretenimento ganhará DVDs de
alta definição. As tecnologias digitais de áudio
e vídeo estarão cada vez mais integradas,
consolidando a fusão entre Web, TV e Cinema.
Os novos home theaters, mais diferenciados
e potentes, chegarão à classe C. A escola se
tornará presencial ou virtual, acessível em
todos os lugares. Educação e entretenimento
vão convergir sempre e cada dia mais, tornando
a aprendizagem mais criativa e interessante.
ETHEVALDO SIQUEIRA
2015 – Como viveremos
O futuro, na visão de 50 famosos
cientistas e futurologistas
do Brasil e do mundo
Editora Saraiva
São Paulo, 2004
336 p. – R$ 69,00
Ethevaldo Siqueira é jornalista especializado
de O Estado de S. Paulo e comentarista da
Rádio Eldorado de São Paulo. Escreveu seis
livros na área de telecomunicações.
Mais do que um livro, trata-se de projeto editorial descrevendo uma visão das transformações da vida humana na próxima década,
em conseqüência do impacto das tecnologias
da infocomunicação, através de 350 entrevistas, 52 viagens e 400 mil quilômetros
percorridos em cinco anos.
Iniciado em 1999, o livro envolveu entrevistas
com mais de 50 cientistas, escritores,
pesquisadores e futurólogos, entre os quais o
próprio Clarke, Alvin Toffler, Don Tapscott,
Nicholas Negroponte e João Antonio Zufo (da
Universidade de São Paulo); Jean-Paul Jacob
(IBM), Horst Stömer (Prêmio Nobel de Física
em 1998), Michio Kaku, Bill Gates (Microsoft),
Scott McNeal (Sun Microsistems), John
Chambers (da Cisco), Carly Fiorina (HP) e Craig
Barrett (Intel).
CARLOS ALBERTO MIRA
Logística
O último rincão do marketing
Editora Lettera.doc
São Paulo, 2004
120 p. – R$ 25,90
Para todos os consultados, a tecnologia continuará a mudar profundamente tudo: a casa,
a escola, o trabalho, a comunicação, o entretenimento, o escritório, a indústria, o governo e
a sociedade, com a possível inclusão de multidões no país e no mundo, mas também sob o
risco de exclusão de outros milhões.
124
REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO
Estamos na “Era da Conveniência”, na qual o
consumidor sempre prefere o produto ou serviço
que esteja disponível na hora desejada e com o
menor esforço possível. Por isso, o fiel da
DE
2005
balança para o sucesso no mercado passa a
ser a logística, e o marketing da empresa só é
eficaz se assumir sua gestão estratégica. Essa
é a tese central de Logística – O Último Rincão
do Marketing, obra de estréia de Carlos Alberto
Mira.
Com linguagem sintética, aliada a uma proposta
inovadora, a obra é útil tanto para quem ainda
conhece pouco de Logística e Marketing, como
para profissionais experientes. “A intenção é
demonstrar que a logística é mais do que mera
ferramenta de marketing, tornando-se o grande
diferencial que empresas de todos os
segmentos podem proporcionar ao mercado”,
afirma o autor.
O livro começa com uma visão panorâmica da
evolução da logística no Brasil e a conceituação
de Logística e Marketing, apontando que ambas
as áreas possuem metas semelhantes. A
seguir, mostra a importância adquirida pela
logística empresarial na atualidade, principalmente após a estabilização econômica e o
processo de globalização, com impactos na
cadeia de suprimentos, nos canais de distribuição, no varejo e na tecnologia de informação.
Por conta dessa evolução, Mira demonstra que,
dos quatro “Ps” clássicos do Marketing –
Produto, Preço, Propaganda e Logística (Place)
os três primeiros perderam importância. “A
época em que se confundia marketing com
mera propaganda já passou. A variável Place
– que nada mais é do que a Logística – é agora
a mais importante para garantir rentabilidade e
participação de mercado.”
O autor critica as teses do consagrado Philip
Kotler. “Para Kotler, quanto mais eficiente for
a logística, maiores serão os custos da empresa. A realidade tem demonstrado que, no
médio e longo prazos, acontece o oposto”,
conclui.
Carlos Alberto Mira é economista pela FAAP e
pós-graduado pela ESPM. É Sócio-Diretor das
empresas MIRA Transportes e TARGET Logistics
e professor dos cursos de MBA da FIA-USP e
de Pós-Graduação da FAAP. ESPM
Sumário
EXECUTIVO
O negócio do luxo no
Rio de Janeiro
ALEXANDRE MATHIAS
CARLOS FERREIRINHA
“Você se dá
ao luxo de...?”
pág. 32
MÁRIO E. RENÉ SCHWERINER
O Rio de Janeiro e o Brasil estão na
pauta dos investimentos de luxo,
com um crescimento médio, anual,
de 33% no segmento.
pág. 22
Parece que o luxo é a “bola da
vez”. Está difícil deixar de ler alguma matéria sobre o luxo em veículos
de circulação nacional.
Empresas como Diesel, Louis Vuitton, Espaço Lundgren, L’Oréal,
Christian Dior, Cartier, H. Stern,
Zegna, Dolce&Gabbana, e Moët
Hennessy, entre outras, falaram sobre as suas ações de gerenciamento
de marcas, relacionamento com os
clientes, investimentos e lançamentos.
É o Shopping Iguatemi que inaugura
uma ala só para grifes de luxo, um
MBA sobre o luxo tem centenas de
inscritos para umas poucas dezenas
de vagas, e o Brasil sendo considerado um dos grandes mercados
mundiais para o segmento de luxo.
Muito bem. Mas o que significa luxo
de fato?
Na pauta da discussão, as peculiaridades da capital carioca, com seu
jeito próprio e despojado de consumir luxo e a discussão de conceitos como o mastígio, junção das
palavras massa e prestígio que significa massificar um produto com
algum prestígio, tornando o luxo
mais acessível. Entre os palestrantes
do evento “O Negócio do Luxo no
Rio de Janeiro”, realizado em novembro, no Caesar Park, parece ser
ponto pacífico a importância de
conhecer bem o público e investir em
atendimento. Ficaram claros, também, os desafios que ainda precisam
Mais qualidade? Requinte? Privilégio? Preço alto? Sofisticação...
Ostentação? Consumidores sabem
quando um produto é... de luxo? E
as empresas sabem como distinguir
os diversos perfis de consumidores,
conforme suas expectativas quanto
aos bens de luxo? Este artigo oferece
algumas pistas que ajudam a esclarecer essas questões.
126
R E VV I ISSTTAA D DA AE SE PSMP –MJ A– NJ EUI LR HO /O F/EAV GE RO ESI RT O
DDEE
22000 05 4
ser superados: como rejuvenescer os
consumidores, criar novos canais de
distribuição e desenvolver sempre e
mais a estrutura de serviços.
A compra por impulso
de um apartamento de
cobertura
ERNESTO MICHELANGELO GIGLIO
pág. 40
Através dos dados de uma entrevista, descrevendo a aquisição de
um imóvel de cobertura num bairro
de classe A da cidade de São Paulo,
são apresentadas considerações
sobre uma outra linha de conceito
de compra por impulso, fundamentada num modelo de consumo em
etapas. Na literatura, o conceito de
compra por impulso é apresentado
de três formas: como compra não
planejada, ou como compra determinada pela emoção e prazer, ou como
compulsão, no sentido de falta de
controle.
O caso apresentado possui características distintas, por não se encaixar
em nenhuma dessas classificações.
O sujeito apresentava uma história
de experiência de moradia com falta de privacidade, havia uma expectativa de um lugar só seu, com arte,
e havia um processo especial de
escolher produtos, sempre além das
Orivaldo
suas capacidades financeiras. Esses
processos, característicos das etapas
de experiências, expectativas e levantamento de alternativas, criaram
as condições da compra por impulso.
Os dados e as reflexões nos permitem apontar que pode ser teórica e
praticamente vantajoso utilizar-se a
expressão compras por impulso, em
vez de compradores impulsivos.
Consumo de acesso
MARISTELA GUIMARÃES ANDRÉ
pág. 56
Consumo de acesso não é uma nova
categoria de análise teórica, mas
um modo de se olhar para um dos
processos mais significativos de expressão da subjetividade: o consumo.
Quanto mais se expande o mercado
consumidor na diversificação de
bens e serviços, mais desafiadora
torna-se a questão da proeminência
da chamada “cultura” de consumo
(Mike Featherstone).
Neste início de século XXI, atravessado pelas contradições finalizadoras
do modo capitalista de produção
econômica, o consumo não é mais
um jogo de soma zero entre a
satisfação das necessidades e o reconhecimento do status social por meio
da exibição e conservação das
diferenças representadas pela manipulação ativa dos signos, como dizia
o filósofo francês Jean Baudrillard.
O consumo se reveste de um sentido
de posse que transcende a condição
de circulação e troca de bens para
estabelecer as virtudes e vicissitudes
de novos tipos de vínculos e limites
para as relações humanas, para o
bem e para o mal, dependendo do
jogo de forças do mercado.
O. Gallasso
nalmente, a comunicação.
Em termos de solução
de problemas,
marketing não existe!
(mas criatividade, sim)
A crise do marketing
ROBERTO MENNA BARRETO
AVELAR VASCONCELOS
pág. 80
pág. 72
O autor defende a posição de que
utilizar a linha de raciocínio de que
o marketing não exista é, paradoxalmente, a melhor e mais produtiva
forma de se entender o que seja o
próprio marketing.
A crise do marketing sucedeu à crise
da propaganda e com ela permanece nos dias de hoje, em paralelo.
Ela passa pelo desvirtuamento da
principal finalidade do marketing e
se reflete nas estruturas existentes
hoje em dia. A função do “Product
Manager” ou “Brand Manager” foi
submergida, por um lado, pela complexidade crescente do mercado em
permanente mutação e, por outro
lado, foi acelerada pela defasagem
entre o que as Universidades ensinam
e o que o mercado, de fato, exige.
No entanto, apesar das debilidades
que vem apontando ao longo dos últimos anos, que o tem levado, em
muitas Empresas, a uma função acessória, o marketing continua, em essência, fundamental para o desenvolvimento dos negócios em
qualquer área econômica. O marketing não é parte do negócio, o marketing é, e tem de ser, O Negócio.
Mas, para tanto, é necessário repensar alguns conceitos importantes, tais
como “People” e seus perfis, estrutura de marketing nas empresas, o
“Marketing Management”, a função
exata do produto, das marcas e, fi-
A própria especificidade de cada
uma das complexas áreas de conhecimento, relacionadas com a atividade, leva à conclusão de que,
nem mesmo um gênio renascentista
poderia abrigá-las a todas e merecer
o nome de “profissional de marketing”. A comparação mais próxima
para ele seria a do estrategista, que
conhece a fundo os aspectos técnicos da estratégia, e que seja, além
disso, imprescindivelmente, criativo. Um indivíduo que consiga
operar – em marketing ou qualquer
profissão – com 99% de pensamento
abstrato (técnico) e 1% de pensamento concreto (intuitivo e criativo)
realmente alcançou o que chama
de otimização do pensamento. Mas
não há, na prática, “especialistas”
ou “serviços” de marketing que mereçam, legitimamente, essa designação. No entanto, o conceito de
marketing – e o seu ensino – são
importantíssimos para se pensar o
processo contínuo e integrado de,
como produtos podem ser, vitoriosamente, planejados e vendidos. ESPM
J JUA LNHE O
I R/OA/ GF EO VSE TR OE I RDOE D2
E
020040–5 R– R
EE
V VI SI STTAA DD AA E SS PPMM
127
ENGLISH
Abstracts
The luxury business in
Rio de Janeiro
“Do you treat
yourself?”
ALEXANDRE MATHIAS
CARLOS FERREIRINHA
ERNESTO MICHELANGELO GIGLIO
pagE 32
pagE 40
The city of Rio de Janeiro, as well as
Brazil as a whole is in the receiving
end of investments in luxury, with an
average growth of 33% yearly. In a
recent meeting, there, companies
such as Diesel, Louis Vuitton, Espaço
Lundgren, L’Oréal, Christian Dior,
Cartier, H. Stern, Zegna, Dolce&Gabbana, and Moët Hennessy,
among others, sent representatives to
talk about brand management,
customer relationship and product
launches. Permeating the debate were
the peculiarities of the carioca capital,
with its own ways of consuming
luxury items and the discussion of new
concepts such as “masstige” – the
junction of the words mass and
prestige, meaning luxury products that
become more available to the mass
market. The participants in this event,
held in November at the Cesar Park
Hotel – “The luxury business in Rio
de Janeiro”, agreed as to the importance of knowing your target well and
investing in personalized care. As to
the challenges: how to create new
customers, new distribution channels
and ever improve the service structure.
With data obtained in an interview
– about the purchase of a penthouse
apartment in a fashionable living
area of the city of São Paulo – the
author presents his considerations on
another conceptual line on impulsebuying, based on a model of consumption-by-stages. In specialized
litterature, the concept of impulsebuying is presented in three ways:
as non-planned buying, as an act
determined by emotion and pleasure, or motivated by compulsion,
in the sense of lack of control. The
case under study has distinctive
characteristics, which do not fit any
of these classifications.
MÁRIO E. RENÉ SCHWERINER
pagE 22
It looks like luxury is a theme that
is here to stay. Almost every type of
media brings some new information
about it.
Sometimes it is a fashionable Mall
that inaugurates an alley dedicated to fancy shops; or a new
MBA course in a first-rate school;
or the item that Brazil is becoming
an important market for luxury
goods and services. But what is
luxury – in fact?
More quality? Refinement? Privilege? High price? Sophistication? Do
customers know what really is a
luxury product? And do companies
know how to distinguish amidst
several customer profiles, in relation to their expectations about
luxury goods? The articles offers
some clues which may help clarify
such questions.
128
R E VV I ISSTTAA DDA AE S
E PS M
P –MJ –A NMEAI RR OÇ /OF /E AV EB RR EI ILR OD
Impulse buying of a
Penthouse apartment
ED E 2 2
0 00045
The subject presented a personal
story of experience with living
quarters devoid of privacy, he had
an expectation about a place of his
own, and had his own special
process of selecting products that
were always beyond his immediate
means.
These processes – which characterize
the stages of experiences, expec-
Orivaldo
tations and search of alternatives –
have created the conditions for
impulse-buying. As a result of the
study, the author proposes the use of
the expression purchases by impulse
instead of impulse-buyers.
and limits to human relations, for evil
or for good, depending on the
interplay of market forces.
The marketing crisis
O. Gallasso
products, brands, and – last but not
least – communication.
As a problem-solving
method
marketing does not exist
(but creativity does)
AVELAR VASCONCELOS
Access consumption
MARISTELA GUIMARÃES ANDRÉ
ROBERTO MENNA BARRETO
pagE 56
Access consumption is not a new
cathegory in theoretical analysis, but,
instead, a way of looking towards one
of the most significant processes of
expressing subjectivity: consumption.
The more the consumer market
expands in the diversification of
goods and services, more challenging becomes the preeminence of
the so-called consumption “culture”
(Mike Featherstone).
In this beginning of the 21st Century
– marked by the finalizing contradictions of the capitalist way of economic production – consumption is
no longer a zero-sum game between
need satisfaction and social status
recognition by means of the exhibition
and conservation of differences represented by the active manipulation of
signs, as pointed out by the French
philosopher Jean Baudrillard.
Consumption acquires a sense of
possession, which transcends the
conditions of circulation and exchange of goods to establish virtues
and vicissitudes of new types of links
pagE 80
pagE 72
After the advertising crisis came the
marketing crisis and it still lingers
on. Its cause is the mistaken focus
on the main purposes of marketing
and is reflected in the existing
structures. The jobs of the “Product
Manager” or “Brand Manager” were
overwhelmed, on one side, by the
growing complexities of a market
in permanent mutation, and, on the
other by the gap between what is
taught at the universities and what
the market really demands.
Nevertheless, in spite of the fragilities verified in recent years, which
have relegated it to a secondary
position – in many companies – marketing is still fundamental for the
development of businesses in all
economic areas. Marketing is not
part of the business; marketing is –
or must be – the business.
However, in order for this to become
true, it is important to think again
about some important concepts,
such as “people” and their profiles,
the marketing structure, its management and the precise function of
The position of the author is to state
– paradoxically – that saying that
marketing does not exist is the best
and most productive way to understand what marketing really is.
The speciousness of each one of the
complex areas of knowledge related
to the activity of marketing suggests
that not even a renaissance genius
could master all of them in order to
deserve the title of “marketing specialist”. The closest comparable
activity is that of the strategist, who
knows well the technical aspects of
strategy, and yet, is able to be absolutely creative. Any individual who
is able to perform – in marketing or
in any other profession – with 99%
abstract (technical) thought and 1%
of concrete (intuitive and creative)
thought, has really reached what is
called the optimization of thought.
In practice, however, there are no
marketing specialists or specialities
deserving of this description. Nevertheless, the marketing concept – and
its teaching – are extremely important
as a way of thinking about the integrated and continuous process of
successfully planning and selling
goods and services. ESPM
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Ponto de Vista
O QUE É UM “MARKETEIRO”?
JOSÉ LUIZ TEJON MEGIDO
isturar “jogadas de
marketing” com administração e usar a
palavra “marqueteiros” como sinônimo de profissionais abusados, espertos e picaretas na
arte de “enrolar” é
uma generalização danosa para os
interesses do país.
M
O que é marketing, em síntese e fácil
português? É gestão das percepções
humanas. Isso significa a distância que
separa o que podemos considerar
realidade versus o imaginado, o sentido, a vontade, o desejo, a angústia,
o conceito e o preconceito. Se o campo pode ser nebuloso, é porque a vida
humana sobre a Terra poderia, também, ser considerada nebulosa. O
comunismo não prosperou por ignorar
as vontades, desejos e angústias humanas pela obtenção das coisas, pelo
“fetiche das mercadorias”.
A vacinação infantil, o combate à
Aids, o sucesso da APAE, do Hospital
do câncer, da AMA (amigos dos autistas), do IPQ (Instituto Pró-Queimados),
do meio ambiente e da sustentabilidade do planeta são assuntos de
marketing! Salvar vidas, dar dignidade
às minorias, distribuir alimentos, isso
é assunto de profissionais de administração especializados em marketing.
Os seres humanos são tão parecidos
mas tão absurdamente diferentes.
Ninguém deseja ser mais um, na multidão, abelha operária na colméia,
soldado anônimo no formigueiro. Até
o “não consumo”, a não “marca” é
130
uma forma de dizer eu sou “eu”. Desejamos, queremos, nos apaixonamos,
sonhamos. E esse sonho, essa imaginação, sempre antecede e cria a realidade futura. Quando marketing era
somente coisa de “maquiagem”, assunto da comunicação, da embalagem, da astúcia de vendas, da propaganda, talvez fosse mais fácil rotular
essa profissão de “marqueteiros” como “bruxos” alquimistas. Mas, e agora, quando o diferencial dos produtos,
dos serviços, já nasce embutido na tecnologia? Já vem na ciência dos MIT’s
e das “Embrapa’s” da vida. E quando
o engenheiro vira “marqueteiro”, o
geneticista fica “marqueteiro”, o médico descobre estar “marqueteiro”...?
Conteúdo e forma são uma coisa só.
O corpo do produto é dependente da
sua alma . O caráter do homem público é ingrediente legítimo das entranhas do seu “marketing” (ou deveria!). É impossível separar marketing
das demais funções da gestão.
Os cientistas que buscavam um produto farmacêutico para uso cardíaco,
e descobrem o Viagra, são o quê? Os
geneticistas que “jogam dados” com
os genes e criam uma planta resistente
a uma praga, o que fazem? O “niilista”, ativista, que tudo nega e se planta
na porta da reunião da Organização
Mundial do Comércio, está a serviço
de qual marketing ? O frango e o porco que consumimos hoje, preparado
para ser processado, desenvolvido para
ter partes mais nobres de carne, programado para ser separado e desmontado no frigorífico. Quando nasceu o
seu “marketing”? É truque de apresentação, ou a arte marqueteira já nasce
inserida no seu código genético?
Os melhores pesquisadores, engenheiros, geneticistas e profissionais das
ciências exatas, humanas ou biológicas que conheci na minha vida,
sempre revelaram dentro de si esse
talento para a mente e os corações
humanos, a Sociologia, Antropologia,
a educação , os símbolos, o design e
a arte , com ou sem fins lucrativos.
Hoje temos dois grandes males para
o valor estimativo do profissional de
administração com especialização no
mercado e nas pessoas. Um deles é o
marketing político e o outro é o marketing do medo. O primeiro, carente
e necessitado de um belo código de
ética, auto-regulamentação e um CONAR dedicado. E a razão é simples:
não se trata de marketing. É propaganda manipulativa onde a exceção
só justifica a regra. O outro é espetacularmente terrível e assustador, repetição dramática e alucinante da
pior de todas as trevas da humanidade:
o novo espetáculo, ao vivo, de torres
que caem, de execuções sumárias,
seqüestros, crimes banais, acertos de
contas, bombardeios, fanatismos. No
marketing do medo, “também morre
quem atira”, ou não reza como o outro
cara quer que você reze. Seja no âmbito global ou com a nossa bandidagem tropical. Marketing do medo é
marketing: tem produto, canal de distribuição, forças de vendas, logística,
tecnologia, engenharia financeira,
muita motivação para atrair novos entrantes. E tem, também, propaganda.
Antigamente, o presente era resultado
do passado. Hoje, o presente é resultado do futuro. Existe alguém que não
esteja “marqueteiro”? ESPM
José Luiz Tejon Megido – Prof.
MBA da ESPM – Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie – Presidente da ABMR&A
M A R Ç O / A B R I L D E 2 0 0 4
REVISTA DA ESPM–
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