2 0 0 5 O m e r c a d o R e v d e i l u x o s t a n o d B r a s i l M A R I A L Ú C I A C U C C I a D E MESA REDONDA J A N E I R O / F E V E R E I R O O MARKETING DOS PRODUTOS DE LUXO REVISTA DA ESPM – VOLUME 12 – ANO 11– EDIÇÃO No 1 – JANEIRO/FEVEREIRO 2005 – PREÇO R$ 26,00 CASE-STUDY: MERCADO DE LUXO NO MUNDO E NO BRASIL E INSS – 1676-1316 “VOCÊ SE DÁ AO LUXO DE...?” M ÁRIO E. RENÉ S CHWERINER 1 2 – A N O 1 1 – E D I Ç Ã O N O 1 CHRISTIAN DIOR O NEGÓCIO DO LUXO NO RIO DE JANEIRO – V O L U M E ALEXANDRE M ATHIAS E C ARLOS F ERREIRINHA A COMPRA POR IMPULSO DE UM APARTAMENTO DE COBERTURA ENTREVISTA COM ERNESTO M ICHELANGELO G IGLIO MARKETING NÃO EXISTE R E V I S T A D A E S P M ROBERTO M ENNA BARRETO CONSUMO DE ACESSO M ARISTELA GUIMARÃES ANDRÉ O MERCADO DE LUXO NO BRASIL MARIA LÚCIA CUCCI A CRISE DO MARKETING AVELAR V ASCONCELOS GILLES LIPOVETSKY ACIMA DE TUDO NÃO DEVEMOS TER UMA VISÃO PARANÓICA DO LUXO Editorial EXPEDIENTE CONSELHO EDITORIAL Francisco Gracioso – Presidente Alex Periscinoto Alexandre Gracioso Aylza Munhoz Jacques Marcovitch J. Roberto Whitaker Penteado EDITOR J. Roberto Whitaker Penteado MTB no 178/01/93 e-mail: [email protected] COORDENAÇÃO EDITORIAL Lúcia Maria de Souza PROJETO GRÁFICO E ILUSTRAÇÃO DA CAPA Miriam Duenhas FOTOS Júnior de Oliveira REVISÃO Anselmo Teixeira de Vasconcelos Antonio Carlos Moreira PUBLICIDADE Paulo Tamanaha e-mail: [email protected] IMPRESSÃO Editora Referência Rua François Coty, 228 – CEP 01524-030 Tel.: (11) 6165-0766 – Fax: (11) 272-6921 e-mail: [email protected] REDAÇÃO Rua Dr. Álvaro Alvim, 123 São Paulo – SP – CEP 04018-010 Tel.: (11) 5085-4508 – Fax: (11) 5085-4646 e-mail: [email protected] DISTRIBUIDOR EXCLUSIVO Fernando Chinaglia Distribuidora S/A REVISTA DA ESPM – uma publicação bimestral da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Os conceitos emitidos em artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores. Professores, pesquisadores, consultores e executivos são convidados a apresentarem matérias sobre suas especialidades, que venham a contribuir para o aperfeiçoamento da teoria e da prática nos campos da administração em geral, do marketing e das comunicações. Informações sobre as formas e condições, favor entrar em contato com a coordenadora editorial. HEMINGWAY TINHA RAZÃO E m um diálogo, histórico, travado entre dois dos maiores autores de ficção modernos – Ernest Hemingway e Scott-Fitzgerald – este último perguntou a Hemingway: “Não é verdade, Ernest, que os ricos não são seres como nós?” O velho Hemingway, muito mais realista do que seu amigo inglês, respondeu: “Você está enganado, Scotty. Na verdade, os ricos são seres iguais a nós. Apenas têm mais dinheiro do que nós”. Essa passagem biográfica desses dois grandes conhecedores da alma humana, me veio à mente, ao participar da preparação desta edição da nossa Revista. Nas entrevistas com especialistas do assunto, discussões na mesa-redonda e artigos que abordam o tema do luxo sob os mais variados aspectos, ficou evidente aquilo que Ernest Hemingway já havia notado. Os ricos são seres humanos iguais aos outros e talvez sejam até mais humanos do que os outros, pois têm dinheiro suficiente para satisfazer a quase todas as suas fraquezas e emoções. A única coisa que eles não podem comprar parece ser, mesmo, um amor sincero. Os mercados do luxo apelam às mesmas emoções básicas que os vendedores de outros produtos. O que varia são, apenas, as circunstâncias. Mas, ainda nesta edição, tratamos de um outro tema atualíssimo. Dois profissionais com longa experiência em marketing – Avelar Vasconcelos e Roberto Menna Barreto – escrevem dois artigos que abordam, na essência, a mesma tese: o que chamamos de marketing está passando por muitas mudanças conceituais e estruturais que nos obrigam, por exemplo, a uma atualização urgente dos currículos de marketing ensinados nas universidades. Cada vez mais, as funções de marketing se confundem com a gestão do próprio negócio. E, cada vez mais, outras áreas da empresa respondem pelas antigas funções do gerente de produtos, ou de marketing. As causas dessas mudanças são muitas, mas o resultado é um só: é bem provável que o cargo de gerente de marketing, assim como o conhecemos hoje, terá deixado de existir dentro de poucos anos. FRANCISCO GRACIOSO PARA ASSINAR, LIGUE: (0XX11) 5085-4508 OU MANDE UM FAX PARA: (0XX11) 5085-4646 SE PREFERIR, ACESSE O SITE: WWW.ESPM.BR 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 12345678901 Índice Entrevista GILLES LIPOVETSKY “Você se dá ao luxo de...?” MÁRIO E. RENÉ SCHWERINER 10 22 O que é luxo para os consumidores e para os fabricantes. Luxo como algo caro, raro, original e de “grife”. Alguns perfis do consumidor de luxo. Os riscos da ostentação. O negócio do luxo no Rio de Janeiro ALEXANDRE MATHIAS E CARLOS FERREIRINHA 32 Neste artigo, os autores mapeiam o cenário do luxo no Rio de Janeiro, tendo, como mote, o evento que marcou o lançamento do Fórum ESPM. Estiveram presentes representantes das principais marcas deste segmento no país, apontando um mercado em crescimento e ainda cheio de oportunidades. A compra por impulso de um apartamento de cobertura ERNESTO MICHELANGELO GIGLIO 40 Através dos dados de uma entrevista, explica-se a aquisição de um imóvel de luxo utilizando o modelo em etapas e chega-se a um conceito diferente das explicações tradicionais de compra por impulso. Nesta, a compra por impulso surge a partir de processos atípicos nas etapas de experiências, expectativas e levantamento de alternativas. Consumo de acesso MARISTELA GUIMARÃES ANDRÉ 56 Consumo de acesso, não é uma nova categoria de análise teórica, mas um modo de se olhar para um dos processos mais significativos de expressão da subjetividade: o consumo. O consumo se reveste de um sentido de posse que transcende a condição de circulação e troca de bens para estabelecer as virtudes e vicissitudes de novos tipos de vínculos e limites para as relações humanas, para o bem e para o mal dependendo do jogo de forças do mercado. O mercado de luxo no Brasil MARIA LÚCIA CUCCI A crise do marketing AVELAR VASCONCELOS 68 72 O autor analisa a origem da crise do marketing, que sucedeu à crise da propaganda e com ela segue em paralelo. Discute o papel das Faculdades de Comunicação e Marketing nesse processo e propõe novos caminhos para superar a crise, de modo a devolver ao marketing a função que deve lhe caber em qualquer empresa, ou seja, o marketing não é parte do negócio, ele é, e deve ser, O Negócio. Em termos de solução de problemas, MARKETING NÃO EXISTE! (mas Criatividade, sim) ROBERTO MENNA BARRETO 80 Nesse artigo, o autor defende a posição de que utilizar a linha de raciocínio de que o marketing não exista é, paradoxalmente, a melhor forma de se entender o que seja o próprio marketing. Entrevista VIVIANE POLZIM Mesa-Redonda MARKETING DOS PRODUTOS E SERVIÇOS DE LUXO Case-Study CHRISTIAN DIOR Leitura Recomendada Sumário Executivo English Abstracts Ponto de Vista JOSÉ LUIZ TEJON MEGIDO 90 96 110 122 126 128 130 “EXISTE, NA RELAÇÃO COM O LUXO, ALGO QUE SEMPRE COMPORTA SENSUALIDADE.” 10 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Fotos: Arquivo EntreVista Gilles Lipovetsky ENTREVISTA COM GILLES LIPOVETSKY “ACIMA DE TUDO, NÃO DEVEMOS TER UMA VISÃO PARANÓICA DO LUXO” G illes Lipovetsky é, possivelmente, o intelectual mais conhecido e respeitado em todo o mundo quando se trata de falar seriamente sobre bens e serviços de luxo e sobre moda. O filósofo e professor francês leciona na Universidade de Grenoble – cidade onde reside – e é professor-visitante na Universidade de Nova York. Embora seja autor de diversos livros, sua única obra publicada no Brasil é O Império do Efêmero (Cia. das Letras); mas duas outras estão em processo de adaptação do português de Portugal, onde foram publicadas, para o brasileiro: A Era do Vazio e O Crepúsculo do Dever. Seu maior sucesso – O Luxo Eterno – será brevemente editado, também pela Cia. das Letras. O professor já visitou, por diversas vezes o nosso país, convidado por universidades brasileiras, e também apareceu com destaque nas páginas amarelas da revista Veja, em 25/12/2002. Foi, principalmente, com base nessa entrevista, que conversamos com Gilles Lipovetsky, pelo telefone, para trazer a sua colaboração à edição da Revista da ESPM, sobre o tema do marketing do luxo. JRWP JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 11 EntreVista JR – Gostaria de iniciar pedindolhe que falasse sobre a valorização excessiva das aparências. O Sr. acredita que isso poderia produzir resultados? tirania da moda, do consumo, mas também a tirania das marcas entre os adolescentes, uma outra face atual da demonstração das aparências através do conformismo. GILLES – Certamente. A condenação das aparências é uma tradição da filosofia, do pensamento ocidental. Podemos encontrá-la claramente formulada por Platão, como também pelo resto das escolas grega, fenícias, nas obras dos pensadores epicuristas e – em seguida – pela igreja. JR – Na sua entrevista, para a Veja, o Sr. disse que o conformismo é, sobretudo, uma característica dos adolescentes. Por quê? GILLES – Você tem razão de perguntar. E ia mesmo esclarecer este aspecto. Naturalmente, o conformismo – e mesmo o conformismo do luxo – continua a existir. Mais especificamente, em países que chegam ao mundo do consumo, como a China, a Rússia, e mesmo o Brasil, observam-se segmentos inteiros da sociedade obcecados pelo luxo, pelo consumo e pelas marcas, participando de um conformismo total. E a satisfação, o prazer são atribuídos às aparências – uma maneira de valorizar-se e de ser valorizado pelos outros. Mas, nas nações européias – em parte também na americana e em uma determinada classe média dos países emergentes – há uma outra relação com as aparências, que não mais se identifica com o conformismo, mas exige – sobretudo – uma busca sensual. É o contrário da cultura tirânica, uma vez que o importante é encontrar sensações, ter uma espécie de festa privada, pessoal, por intermédio dos objetos, das mais belas coisas que produziram os homens. Ao falar sobre isso, na JR – Portanto é uma questão antiga. GILLES – Ela perdura como o pensamento racional e adquiriu uma nova ênfase no início do século XVIII. Jean-Jacques Rousseau foi o grande defensor dos novos argumentos, que consistiam em afirmar que, a obsessão pela aparência e pelo luxo arruína as nações, destrói a coragem dos indivíduos e as virtudes morais... JR – Uma linha puritana. GILLES – Exatamente! Trata-se de uma das correntes do pensamento moderno, e não somente do antigo. Nos tempos atuais, há uma continuidade para denunciar as armadilhas, a tirania das aparências. As coisas perduram com novos conceitos, por exemplo, ocasionando vítimas – que é uma nova maneira de abordar a questão – a “A CONDENAÇÃO DAS APARÊNCIAS É UMA TRADIÇÃO DA FILOSOFIA, DO PENSAMENTO OCIDENTAL.” 12 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Gilles JANEIRO /FEVEREIRO DE Lipovetsky 2005–REVISTA DA ESPM 13 EntreVista entrevista, não quis dizer que o conformismo existe apenas entre os adolescentes, mas que, entre os adolescentes, é particularmente forte. Em outras regiões do mundo, o conformismo é tradicional, e ainda irá continuar por gerações e gerações. Existe, agora, uma nova relação com as aparências, uma nova relação com o luxo, que não se identifica com o conformismo, mas que se identifica muito mais com uma busca por uma satisfação intensa, uma espécie de erotismo dos objetos. É sinal de uma nova individualização da relação com as aparências. JR – Como é que o Sr. vê a questão do luxo que se transforma em um tipo de simplicidade, em direção ao que os americanos chamam de “clean”? GILLES – Também em relação a isso, não se trata de uma novidade absoluta. Uma tendência do luxo no século XIX era a simplificação. Jean-Jacques já falava de um luxo de simplicidade. Isso acompanha a era democrática. Porque a democracia constitui um obstáculo a esse tipo de particularização; renegar os outros para recriar uma desigualdade entre as pessoas. Assim, uma tendência ao luxo – a partir do século XIX – é a de reduzir os sinais de ostentação da riqueza. JR – Refiro-me, também, ao design clean... GILLES – Isso data dos anos 20, com as diretrizes estéticas da Bauhaus. Inicialmente, a Bauhaus propunha um design que se dizia 14 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO “EXISTE, AGORA, UMA NOVA RELAÇÃO COM AS APARÊNCIAS, UMA NOVA RELAÇÃO COM O LUXO.” DE 2005 Gilles democrático e não luxuoso. Hoje, a novidade é que – por influência da questão ecológica e de outros fenômenos, o americano critica o esnobismo europeu – ou francês – e propõe um luxo clean, como você observou. Mas é preciso distinguir entre o discurso e o real, pois, ao olhar para os Estados Unidos vemos aqueles carros enormes, com 10 a 15 metros de comprimento. Não se trata de um luxo de simplicidade – as limusines. Ou quando se vai a Bervely Hills ou aos bairros suburbanos, com as casas de campo... É preciso cuidado com o discurso americano, fundamentado no seu puritanismo e a prática... JR – Essa tendência ao clean, à simplicidade, não é uma coisa mundial? GILLES – Esse fenômeno, que me parece profundo, desde o século XIX encontra-se inscrito na cultura ocidental, democrática. Parece evidente que esta lógica irá continuar. No entanto, o menos clean não traz qualquer problema, já que existe, na relação com o luxo, algo que sempre comporta sensualidade. Acredito que o que se prenuncia, doravante, não é o luxo externo, mas – diria – um luxo mais sensorial, sem ostentação. JR – Compreendo. GILLES – Por exemplo, você conhece bem o que é chamado de “soft touch” – todos os materiais muito sensuais, que se conhecem na atualidade. Agradáveis ao toque, ao olhar. Por outro lado, há o design. O design é bem menos funcional, hoje, em comparação à época da Bauhaus, de 1920 e 1930. Hoje, há uma infinidade de designs direcionados ao conforto, com cores; por exemplo, joviais e alegres, que não são necessariamente clean. O clean tem um lado puritano. Outro exemplo: o transporte, os carros... ou a “primeira classe” nos aviões, vemos em todas as partes que a tendência se direciona para o bem-estar, não para o clean. Em última instância, o clean sugere higiene, saúde; mas o luxo não se desenvolve muito nessa dimensão. É preciso que haja também uma dimensão de prazer, de sensualidade, uma dimensão de bem-estar, e um novo bem-estar – centrado principalmente nas sensações e cada vez menos nas aparências. JR – No que se refere à moda e ao luxo relacionados à saúde, ao corpo, pergunto: isso pode ter relação com a nova longevidade humana, como demonstram as estatísticas internacionais? GILLES – Sim. As pessoas, principalmente das classes economicamente privilegiadas, se cuidariam mais, porque sabem que podem viver mais. Concretamente, o impacto sobre o luxo irá ocorrer em que segmento? Em minha opinião, é simples. Doravante, o luxo irá investir muito menos nas aparências e mais nas qualidades sensíveis e na qualidade sanitária. Temos, assim, os SPA’s, as terapias, as clínicas de tratamento, a alimentação sadia, biológica, todos esses elementos. Penso que a obsessão pela saúde – nos tempos atuais – irá ter JANEIRO Lipovetsky um impacto sobre o luxo, com produtos de maior qualidade. Evidentemente, não poderá ser um luxo inacessível; mas uma nova categoria de luxo vai-se desenvolver no futuro. A questão da saúde vem-se tornando meio obsessiva. Todo mundo é um pouco hipocondríaco. Conseqüentemente, as pessoas irão querer consumir produtos de qualidade, com culturas biológicas, que não sejam tóxicos. Acredito em um meio ambiente que não seja poluído e que – no futuro – o mercado do luxo vai ser influenciado por investimentos na dimensão da saúde. Carros com air bag, por exemplo, não se trata de saúde, mas de segurança. E os veículos de luxo evidentemente foram os primeiros a usar argumentos pertinentes à segurança dos passageiros. No Brasil, penso que irá ocorrer um grande desenvolvimento nesse setor; por exemplo, os sistemas de alarme para travar as portas em decorrência da violência urbana. Hoje há uma nova dupla: saúde e segurança tornaram-se problemáticas do luxo. JR – Como o Sr. vê o excesso de materiais utilizados nas embalagens, sobretudo dos artigos de luxo? GILLES – Não acho que o luxo desperdiça mais que os outros produtos. Não vejo dessa forma. Existe sim o problema do consumo como um todo. Mas devemos estar atentos para não perder a dimensão dos problemas. Acho que a produção de belíssimas embalagens é, incontestavelmente, uma forma de desperdício, mas, ao mesmo tempo, é, também, uma dimensão de um /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 15 EntreVista presente, pois um presente não é algo utilitário, é algo dado com liberalidade, que também não deixa de ser uma espécie de desperdício. Portanto, não me parece adequado que, em nome da caça ao desperdício, se faça a caça aos demais elementos que representam a felicidade da existência. pouco, mesmo assim, não muito. Com o luxo ocorre o mesmo: não é porque as pessoas possuem belos carros ou viajam de avião que existem pobres no mundo. JR – O Sr. acredita que a industrialização e a globalização estão levando à homogeneidade crescente dos gostos e dos produtos que a moda oferece? JR – Como o Sr. sabe, nosso presidente é do Partido dos Trabalhadores. Portanto, é politicamente correto identificar o luxo com o supérfluo. O que o Sr. acha? GILLES – Isso é inegável. Basta ir à Cingapura, Hong Kong, Nova Iorque ou São Paulo para observar – em todas as partes – a presença das grandes marcas de luxo da moda. Visto por este ângulo, realmente há uma globalização das marcas que está bem visível, o planeta está se tornando homogêneo. Mas, também há, por um lado, modas bem diversificadas, como a moda dos jovens; por outro, há uma fragmentação dos critérios e dos estilos de moda. Ou seja, se uma mulher compra um vestido Miyake, não é o mesmo look ou mesmo estilo que Chanel ou Jean-Paul Gaultier. Embora haja uma globalização das marcas, o universo da moda continua sendo extremamente diversificado. E essa diversificação possibilita uma individualização da moda atual – em todo caso na Europa, em todo o continente europeu, no Brasil talvez menos. A tendência é de escolhas mais pessoais em relação à oferta do mercado; isto é, a mulher pode optar por determinado vestido, fabricante de camisas ou calças compridas em função de sua anatomia, idade e gosto pessoal. De fato, são duas tendências contrárias que se GILLES – Rousseau falaria mais ou menos dessa forma. Sabe, o supérfluo existe, sim, e essa é uma questão muito antiga. Só que definir o supérfluo é extremamente difícil. Por exemplo, para um cidadão primitivo, o chuveiro no banheiro seria supérfluo, assim como o telefone. Portanto, onde podemos parar o supérfluo? Não se pode deter o progresso humano, no que manifesta de supérfluo. O que é condenável é que existam indivíduos que não têm acesso ao elementar. Isso sim, é inaceitável! Mas não é porque as pessoas compram perfumes Chanel que existem pobres. A crítica política das injustiças é necessária, mas é bem mais fácil denunciar o luxo, como também é mais fácil responsabilizar a televisão ou a própria sociedade de consumo por uma série de coisas. Por exemplo, se há crimes, dizem que é por causa da televisão, isso não tem fundamento. Se existem crimes é porque há injustiça e miséria; não é a televisão que faz o crime. Pode ser que contribua um 16 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 manifestam: a globalização do gosto e, simultaneamente, a individualização do gosto. Ambas! JR – O Sr. não acha que se caminha para valorizar principalmente as diferenças de comportamento das pessoas, mais do que o uso dos produtos ou dos artigos de luxo da moda? GILLES – As duas se desenvolvem. Cada marca hoje – você sabe bem – deve construir a sua personalidade de marca. É necessário, em se tratando do nicho do luxo, estabelecer a diferença com os complementos, caso contrário destrói-se o mercado. Assistindo a uma exigência de personalização. Por exemplo, em São Paulo – a sua cidade – há bares, restaurantes, night clubs, todos esses espaços são decorados com cuidado, para que haja uma personalização bem definida. Você pode escolher ir a um determinado restaurante porque tem um look, um estilo particular que lhe agrada e, na semana seguinte, ir a outro restaurante que possui um ambiente ou uma decoração diferente. JR – Bem ao contrário dos fast foods. GILLES – Exatamente. É preciso entender que o mundo hiper-moderno caminha em direção ao paradoxo. Sempre tendências contrárias. De um lado, a presença dos fast foods, algo muito homogêneo e, de outro, o desenvolvimento de conceitos, decorações e objetos mais individualizados. Tratando Gilles Lipovetsky especificamente do luxo: as pessoas não querem pagar caro para ter objetos banalizados. Assim, é preciso ter em mente que a sociedade hiper-moderna desenvolve tendências contrárias. JR – A democratização dos artigos de luxo não poderia resultar em uma visão patética; de uma massa que consome os clones de artigos utilizados pelos nobres? As coisas que são naturais para um segmento, para o outro seriam objetos kitsch, para ser mais exato. “A BAUHAUS PROPUNHA UM DESIGN QUE SE DIZIA DEMOCRÁTICO E NÃO LUXUOSO.” JANEIRO GILLES – Compreendo. O kitsch também é uma invenção do século XIX, não é algo novo ! O kitsch apareceu nas grandes lojas de departamentos, e essas surgiram aproximadamente na metade do século XIX... Printemps, Macys, a Harrods na França, nos Estados Unidos e na Inglaterra... As lojas de departamentos permitiram à classe média o acesso a produtos que eram cópias, imitações. Hoje temos uma marca de moda que se insere bem neste contexto, é Zara. Zara possibilita que as adolescentes adquiram roupas da moda bem baratas, semelhantes às mais caras e, ao mesmo tempo, bem acessíveis. Quanto à questão dos clones, penso que não. A meu ver, isso é uma deturpação da democratização do consumo. Não se deve confundir o consumo e a pessoa. A pessoa é uma coisa e os objetos são outra coisa. O importante não são os objetos, mas a relação que as pessoas mantêm com os objetos, os produtos ou as marcas. Quando nos encontramos em uma relação que /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 17 EntreVista “EM PAÍSES QUE CHEGAM AO MUNDO DO CONSUMO, OBSERVAM-SE SEGMENTOS INTEIROS DA SOCIEDADE OBCECADOS PELO LUXO.” ocasiona vítimas, estamos numa relação de conformismo ou de mimetismo; neste caso, há sim algo patético, entende? Se, por exemplo, você quer oferecer à sua noiva, pessoa que você ama, dez dias na Ilha Bela, em um hotel maravilhoso, para ter uma recordação de amor, isso é esplêndido. É um momento de exceção, não é patético, é, primeiramente, uma festa. Em segundo lugar, os consumidores, nos dias atuais, tornaram-se mais irônicos. Eles conhecem todos os códigos de consumo e brincam com eles. A adolescente que compra, para si mesma, isso ou aquilo, brinca com o vestuário, com as marcas. Acredito que há diversas abordagens possíveis para o problema. A dimensão patética surge quando nos tornamos uma figura compulsiva do consumo ou – ainda – uma figura extremamente conformista. Nesse caso, realmente, há uma verdadeira alienação, uma vez que o indivíduo 18 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO se torna escravo, e entre ele e o escravo não há nenhuma distância. Porém, nem toda relação com o consumo reduz-se a essa dimensão. Quanto mais os objetos se banalizam, maior também é a democratização das coisas, e mais os indivíduos têm capacidade de optar, escolher e misturar. Acredito, portanto, que não é preciso fazer uma crítica sistemática ao luxo, denunciando todos os luxos. Não é necessário denunciar todos os modos de luxo. Pode-se denunciar determinadas formas de luxo ou de moda, porém não a sua totalidade. JR – Como vê as relações entre os artigos e os serviços de luxo e a tecnologia? GILLES – Também se trata de uma dimensão que vai receber cada vez mais ênfase, daqui em diante. Temos inúmeros exemplos; o setor automobilístico recorre à alta tecno- DE 2005 logia, pois existem o sistema de radar, o sistema de pilotagem automática, o sistema de controle; podemos imaginar que não há limites. Vamos tomar outro exemplo: o som; uma marca de luxo bem conhecida como Bang & Olufsen. Neste caso, temos uma alta tecnologia com muito refinamento e, ao mesmo tempo, um design muito puro, clean como acabamos de mencionar. Há uma dimensão – como posso dizer – clean e, ao mesmo tempo não é estéril. Não se trata de um som magnífico com toda a parafernália tecnológica automatizada. Acho que o consumidor, nos dias de hoje, quer menos aparência e sim qualidade. E a tecnologia atual permite uma qualidade excepcional de som, por exemplo. JR – Mas será que, para isso, o consumidor está disposto a ler um manual de instruções com 300 páginas? GILLES – Se estivermos nos referindo a Bang & Olufsen, é tudo muito simples. A alta tecnologia não significa necessariamente complexidade – penso na qualidade. A alta tecnologia possibilitará qualidade. Mas Gilles Lipovetsky você tem razão que, sendo muito complicado, torna-se, por vezes, insuportável. Temos também outros exemplos bem interessantes em se tratando do luxo e da alta tecnologia. É o que está fazendo, neste momento, o Grupo Virgin. Eles querem realizar, agora, viagens à estratosfera, permitindo às pessoas ricas viajarem em uma espécie de foguete, talvez por um dia ou algumas horas, para sentirem a ausência de gravidade. É um novo mercado de luxo, e o limite é o infinito. Richard Branson investiu nesta dimensão. Eles têm o capital necessário e irão tentar permitir a uma classe privilegiada, financeiramente, ter acesso, conhecer, graças a mais alta tecnologia, algo realmente luxuoso, pois custa muito caro; porém, essas pessoas terão a possibilidade de ter sensações e emoções que, evidentemente, não teriam ao ir ao hipermercado... GILLES – Não me parece que as mulheres tenham criado um novo modelo de comportamento. É mais profundo. É verdade que os homens – sobretudo os mais jovens – estão se preocupando mais com a própria aparência, fazem regime, corridas, não querem ficar gordos. No Brasil, fazem cirurgia estética, sim, tudo isso é real. Mas não acredito que estejam imitando as mulheres. Refiro-me às causas profundas, aos novos códigos da sociedade, que são a valorização – como você mencionou – da aparência, da beleza, mas também o culto da saúde e do corpo, o que vale tanto para os homens quanto para as mulheres, o narcisismo; o fato de cuidar de si mesmo, hoje, não ser considerado como um mal, um pecado... deixavam crescer a barba para parecerem mais velhos, pois assim eram mais respeitados. Atualmente, eles fazem cirurgia estética, por exemplo, lifting, porque não querem parecer velhos. JR – Mas o Sr. não acha que a mulher chegou a isso antes? Para os homens é novidade, mas a mulher faz isso há anos! JR – Mas como o Sr. disse, uma não é a causa ou o efeito da outra. JR – Na sua entrevista à Veja, parece que o Sr. afirma que o homem é, segundo sua visão, mais racional quando se trata de moda do que a mulher. GILLES – Não considero que estejam imitando as mulheres. Penso que as causas são mais profundas, que o problema esteja relacionado – em nossa sociedade, em particular aos homens – a algo novo, que é a recusa de envelhecer. Como você mesmo mencionou – e com razão – as mulheres, há muito tempo, usam maquiagem para esconder a idade. Mas não creio que os homens tenham mudado seu comportamento porque as mulheres executivas se preocupam com elas próprias, fazem ginástica etc. Acredito que seja o novo modelo da mídia de forma geral, o culto da juventude, o culto da forma que leva os homens a se preocuparem muito mais com eles próprios. Houve tempo em que os homens GILLES – Não, “racional” não foi a palavra que empreguei. Eu disse que eles têm menos motivações. JR – Mas a pergunta que lhe quero fazer é sobre homens e mulheres. Há mulheres executivas, profissionais, bem-sucedidas na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil, e essa nova mulher é capaz, elegante e tem grandes cuidados consigo mesma. Em que medida esse sucesso feminino teria influenciado a preocupação que os homens parecem estar tendo com a própria aparência e a moda? JANEIRO JR – Gostaria de acrescentar algo à entrevista? GILLES – O assunto é amplo. Eu acredito – como mencionei há pouco – que é preciso estar atento para não se ter uma visão paranóica do luxo, porque – como já disse desde o início da entrevista – o luxo é uma questão delicada. Não devemos fazer o louvor ao luxo, seria obsceno! Não é admissível quando há, ainda, pessoas pobres, favelas... GILLES – Portanto, não é possível fazer um louvor ao luxo e, ao mesmo tempo, denunciar o luxo como algo censurável. Acredito que não devemos viver unicamente para sobreviver. Há no luxo um ideal subjacente, que é a beleza, a sensualidade, a qualidade, inspirações profundamente humanas. E essas inspirações, não devemos matá-las. Seria preciso, apenas, que elas pudessem ser mais abrangentes. Mas, não será dizer que é preciso destruir o luxo dos outros para que todo mundo viva melhor. JR – É preciso estimulá-lo. GILLES – Sim, é preciso trabalhar para que a miséria possa diminuir e o luxo crescer, considerando a diversidade – e ganhe maiores camadas da população. ESPM /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 19 Marketing de Luxo Marketing de Luxo “VOCÊ SE DÁ 22 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Mário E. René Schweriner Mário E. René Schweriner AO LUXO DE...?” Imagem:Corbis/Stockphotos 1 3 SITUAÇÃO SITUAÇÃO Um sujeito, caminhando pelo centro de Manhattan, N.Y., com uma irreprimível vontade de urinar, adentra o primeiro estabelecimento que aparenta possuir um agradável WC: o Plaza. Um lobby suntuoso, um banheiro com paredes de mármore, toalhas de papel sedoso para secar as mãos, com um logotipo dourado: The Plaza. Tal sujeito, encantado com o ambiente refinado, decide levar uma dessas toalhas como “souvenir”. Até hoje está guardada com ele, em sua casa. Por que será? “VIPs... esperam quatro meses para comprar uma bolsa de R$ 47 mil, um mês e meio para adquirir um par de brincos de R$ 25 mil e até um ano para ter um relógio estimado em US$ 70 mil” (“A Fila dos Elegantes” – Isto É Dinheiro, 6/10/ 2004). SITUAÇÃO 2 Presenciei recentemente um concerto da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP), na Sala São Paulo, um dos orgulhos arquitetônico-culturais da cidade. Acústica perfeita, amplo estacionamento... Coisa de “primeiro mundo”, como se costuma dizer... Às voltas com esse artigo, passei a prestar uma atenção redobrada ao ambiente. Que adjetivo melhor a caracteriza? Funcional? Exuberante? Chique? Luxuosa? E poder assistir àquele concerto é o quê? Um luxo? Um privilégio? Qual a diferença? JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 23 Marketing de Luxo O QUE HÁ DE COMUM ENTRE ESTES TRÊS CENÁRIOS? Quando perguntamos às pessoas o que elas entendem por luxo, e qual o seu significado para elas, encontramos respostas as mais díspares (amostra limitada às classes A/B): ❖ “CONFORTO, GRANDIOSIDADE, O EXACERBADO” (ALUNO COMUNICAÇÃO SOCIAL ESPM, 20 ANOS); ❖ “CONFORTO, MORDOMIA, COISA BOA” (SECRETÁRIA, 34 ANOS); ❖ “ALGO BEM ACABADO” (PROFESSOR, 35 ANOS, ESPM); ❖ “EXTRAVAGÂNCIA”! (SECRETÁRIA, 28 ANOS); ❖ “PODER COMPRAR COISAS BOAS” (ARQUITETA, 22 ANOS); ❖ “TUDO QUE É ALÉM DO QUE A GENTE PRECISA...” (PESQUISADORA DE MERCADO, 35 ANOS); ❖ “SOFISTICAÇÃO, PODER AQUISITIVO, STATUS... NÃO NECESSARIAMENTE BOM GOSTO” (PROFESSORA ESPM, 48 ANOS); ❖ “UMA BANHEIRA COM PÉTALAS DE ROSA” (ALUNA COMUNICAÇÃO SOCIAL ❖ “TER TEMPO LIVRE PARA MIM” ESPM, 20 ANOS); (ARTESÃ, 45 ANOS); ❖ “O LUXO TAMBÉM TEM DE VIR DE ❖ “SUPÉRFLUO” (DONA-DE-CASA, 79 DENTRO. ÀS VEZES, UMA MULHER ESTÁ SAINDO DO BANHO, E AQUILO LÁ ANOS, CLASSE A); É UMA COISA LUXUOSA”... (ALUNA ❖ “SUPÉRFLUO” (PROFESSOR DE COMUNICAÇÃO SOCIAL ESPM, 21 FILOSOFIA, 44 ANOS); ANOS); ❖ “IMPONÊNCIA” (ASSISTENTE DE GERENTE DE PRODUTO, 27 ANOS); ❖ “SUPÉRFLUO” (PROFESSORA DE PSICOLOGIA, 41 ANOS). Fausto. Privilégio. Tempo livre. Supérfluo. Qualidade. Conforto. Extravagância... Tudo em um mesmo balaio – digo, em uma mesma caixinha de jóias. Tudo com o significado de... luxo. No fundo, no fundo, parece haver uma convergência para duas colunas distintas. Uma batizando um produto melhor, superior, mais duradouro, mais bem acabado, mais bonito.... Outra remetendo a conotações negativas, como supérfluo, exagero, ostentação, pessoas exibidas. Assim: (+) ( -) refinado, requinte, privilégio, raro, belo, chique, elite, exclusivo, classe, nobre, prestígio, aristocrata, elegância, riqueza, estilo. exagero, esnobe, metido, efêmero, supérfluo, exibição, ostentação. O QUE É LUXO, AFINAL DE CONTAS? DE QUE LUXO ESTAMOS FALANDO? É fácil afirmar que uma jóia da Tiffany é um luxo: é cara, é original, é para poucos, e é da... Tiffany (a “Bonequinha de Luxo” Audrey Hepburn que o diga). Eis aí as grandes pistas do que é luxo. O luxo é sempre caro e raro, original, na me- 24 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Mário E. René Schweriner denomina benefício núcleo a função básica). Para ele, além desta dimensão, os produtos apresentam mais quatro: produto genérico, esperado, ampliado e potencial. Assim, o celular continua sua trajetória de se posicionar como luxo, ao se diferenciar no produto ampliado (câmera fotográfica, de vídeo, games, acesso à Internet, acabamento...). Também até meados dos anos 90, o salmão era um prato para ocasiões especialíssimas, restrito a poucos. Era raro e caro. Já hoje, está presente nos restaurantes a quilo. Os bens que vão deixando de ser luxo para esses estratos superiores ainda podem significar luxo para os demais. Provavelmente, o salmão ainda constitua um luxo para a classe C, como também seria um aparelho de DVD, ou um celular (simples) com games. fácil afirmar que uma jóia da Tiffany é um luxo: é cara, é original, ✦ Éé para poucos, e é da... Tiffany. dida do possível, e vinculado a uma grife. Se muita gente tiver, deixa de ser luxo, e se não for chancelado por uma marca de prestígio e glamour, deixa as pessoas órfãs quanto à, digamos assim, origem da peça. O luxo varia significativamente com a passagem do tempo. O que era luxo há dez anos pode não sê- lo hoje. O celular é um excelente exemplo. Possuir um celular era um luxo para poucos no início dos anos 90, no Brasil. Custava muito (caro), era acessível a poucos (raro) e configurava um produto diferenciado (original). Já hoje, o celular em si é um bem acessível a todas as classes sociais. Quer dizer, sua função básica de telefonia móvel tornou-se uma commodity. (Kotler JANEIRO Por conseguinte, as assim chamadas camadas privilegiadas da sociedade buscam outras alternativas para usufruir e se diferenciar. No lugar do salmão, trufas importadas pelo Fasano e Emiliano. No espaço antes ocupado por um “simples” aparelho celular, uma... jóia. Enfim... as pessoas buscam o Conforto, o Belo, a Gratificação Sensorial e, por que não, a Sinalização desde “os tempos em que os animais falavam...” O que só pode ser possível pela engenhosidade humana, em transformar tosca matéria-prima em produtos que atendem às necessidades e realizam os infinitos desejos humanos. /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 25 Marketing de Luxo Mas... será que o luxo comercializado pelos fabricantes corresponde às expectativas e conotação de luxo dos consumidores? rabiles” de viagens e/ou de relações afetivas. 3) SINALIZAÇÃO: OS PRODUTOS: O PARA QUÊ Roupas, adornos e o automóvel são exemplos inequívocos de atribuição de identidade por meio dos objetos. Há três formas básicas de sinalizar: Os produtos de quaisquer natureza são comprados e consumidos para preencher várias finalidades, não importa se é um pastel, um livro, uma obra de arte, uma garrafa de vinho, um par de tênis, uma viagem. E dentre essas finalidades – o para quê da compra – destaco as seguintes sete essenciais: A) identidade) C) Em que o objetivo é excitar, positivamente, qualquer dos órgãos dos sentidos. Perfumes, música (concertos, CDs, aparelhos de som), obras de arte, cenários de viagem, cremes para a pele, banhos de espuma, e... alimentos e bebidas. Nesta dimensão, entram em cena itens de valoração racional, como performance, durabilidade ou 1 rendimento e praticidade . 5) RARIDADE: 2) SENTIMENTAL: A condição de ser um artefato único (como os de museu) dá uma sensação diferenciada de... Geralmente heranças, ou “memo- Privilégio – ser um dos poucos que podem ter acesso a tais bens. Sou um “ungido”. Exteriorizar personalidade 4) GRATIFICAÇÃO SENSORIAL: (Dimensão funcional – benefício núcleo, conforme Kotler): Um medicamento é o melhor exemplo. Ele é adquirido unicamente para cumprir uma função clara, de cura de alguma moléstia. Orgulho – pessoas que, em virtude do seu esforço, do seu trabalho árduo, conseguiram deixar a condição de pobreza, e determinados bens podem ser sinalizadores dessa conquista. Ex.: Aparelhos de TV, CDs , geladeiras... Exibir/ostentar/sobressair B) Pertencer ao grupo (estender 1) UTILIDADE 6) GRATIFICAÇÃO PSICOLÓGICA Compensação – (para estresse/ frustração). Pode ocorrer em indivíduos, digamos assim, normais, ou com o comportamento neurótico. No caso do indivíduo ajustado, pauta uma conduta eventual: autoindulgência. É saudável. Já para o neurótico, o eventual se torna permanente. É o material preenchendo lacunas/vazio interior. 7) RESERVA DE VALOR: Uma obra de arte ou uma jóia podem preencher a finalidade de investimento $$$, além de qualquer outra das anteriores. 1. Hoje, até a restrita utilidade de um medicamento pode ser ampliada para sinalização. Tomar algumas drogas chega a dar “status”: algumas marcas de tranqüilizantes e, talvez, o próprio Viagra... 26 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Mário E. René Schweriner PRODUTOS: O POR QUÊ Um mesmo bem pode ser adquirido com ênfase diferente em cada um desses fatores, dependendo do perfil do consumidor. Um consumidor predominantemente racional vai adquirir um automóvel focando a utilidade: sua performance, durabilidade... Outro, voltado para a aparência, vai adquirir um modelo exuberante na sinalização. Um terceiro pode priorizar os sentidos: banco de couro (cheiro/maciez), ar condicionado, DVD (audição). E os bens de luxo... o que propiciam de fato? Quantos deles “funcionam” melhor que os demais “nãode-luxo”? Quantos nos remetem a uma imensa gratificação sensorial, que melhora a qualidade de vida? Ou então “simplesmente” elevam seus consumidores ao Olimpo do glamour ? des-Benz ML tem um desempenho melhor que carros de uma faixa... É mais veloz, mais seguro, (quase) não quebra (tudo isso é funcional). É mais confortável e silencioso, e do seu rádio/DVD Blaupunkt emana um som perfeito (gratificação sensorial). Sentir-se dono de um Mercedes dá uma sensação de privilégio – afinal de contas, o sujeito é um dos poucos que pode possuir tal veículo. O que é isso? Gratificação psicológica. Seu elevado preço e imagem de marca (clássica/glamour/....), sem dúvida confere status a quem o possui (Sinalização). E, finalmente, se o seu preço de revenda não se desvalorizar muito ao longo do tempo, configura uma reserva de valor. Um relógio suíço Patek Philippe pode durar décadas sem apresentar defeito e marca o tempo com precisão absoluta (tudo funcional). Admirar sua beleza provoca uma gratificação sensorial e, sendo notado pelos outros, sinalização. Foram produzidos pouco mais de 600 mil relógios em 158 anos de existência da marca, e, sabedor dessa exclusividade, também remete a uma sensação de privilégio (gratificação psicológica). O que é essencial perceber é que dono de um Mercedes dá uma ✦ Sentir-se sensação de privilégio. Sabe-se que os bens de luxo não costumam priorizar inovação funcional. Está certo que vários deles duram décadas e décadas, e sua performance é irrepreensível. Mas... seu grande diferencial remete à gratificação sensorial e psicológica, raridade, reserva de valor e, está claro, sinalização. E uma boa indagação é: como será que os indivíduos que adquirem luxo se diferenciam quanto à importância que atribuem a cada um dos fatores simbólicos? Sem dúvida, um automóvel Merce- JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 27 Marketing de Luxo A OPORTUNIDADE inexiste “um consumidor de bens de luxo” mas alguns grupamentos homogêneos, consoante seus principais porquês de compra. Poderíamos apontar quatro: A humanidade vem perseguindo o bem-bom há milênios. Se conforto e gratificação sensorial é luxo, é isso que os seres humanos vêm procurando. E creio que muitas empresas estão simplesmente despreparadas para entender esses anseios. Até recentemente, o câmbio automático só vinha em um pacote completo nos carros top de linha: os carros de luxo. Era praticamente impossível adquirir um modelo mais simples com esse atributo (os vendedores diziam que era parte integrante de um pacote de luxo, junto com couro, CD especial etc.). Hoje, já podemos encontrá-lo em carros menos sofisticados como o Honda Fit, e até no Corsa. Nos EUA, 95% dos modelos vêm equipados, de fábrica, com câmbio automático, que em metrópoles congestionadas como São Paulo, é um inequívoco item de praticidade e conforto. Por que, então, os fabricantes do luxo não focam seu R&D em pesquisas que resultem em aperfeiçoamentos que, de fato, facilitem a vida dos consumidores-alvo? Será porque uma substancial parcela dos consumidores se satisfaz tão somente em exibir? OS “UTILITÁRIOS”: minoria, adquire algum bem de luxo pela sua performance, porque dura mais, tem mais qualidade. Alguns automóveis são adquiridos sob essa premissa. OS “EXIBIDOS”: a maioria dos consumidores do luxo costuma adquiri-lo pela capacidade de irradiar uma aura de riqueza e sucesso, como também por significar o passaporte para a entrada no fechado círculo “privê” dos abençoados pelo glamour. OS “DESFRUTADORES”: são os que pretendem premiar seus sentidos, presenteando a si mesmos com música, perfumes, alimentos e bebidas. São “gourmets”, mas focados no prazer que eles próprios podem auferir. Ao contrário dos exibidos, podem até curtir sozinhos uma refeição caprichada acompanhada de um bom vinho. Viajam muito, e procuram usufruir o máximo dos lugares, no que possam premiar seus sentidos. OS “AUTO-INDULGENTES”: a gratificação dos bens de luxo se traduz muito mais por uma premiação psicológica. Algo assim como um executivo que se hospeda por conta da empresa em um luxuoso hotel de cinco estrelas, e sente-se um privilegiado “apenas por ter ficado num lugar como esse”. Quer dizer, mesmo que tal hotel não apresente um diferencial tangível nos serviços, mas apenas nos “mármores da aparência”, o tal hóspede percebese psicologicamente recompensado. 28 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO RISCOS I.“O VETOR” Entre o consumidor e o produto sempre existe um vetor de uso, ou vínculo. Tal ligação pode assumir vários matizes, desde uma relação de dependência (sem o bem em questão o consumidor sente-se despersonalizado), até uma relação DE 2005 utilitarista (o produto existe para facilitar a vida do indivíduo, e pode ser facilmente substituído por outros). O grande problema dos bens de luxo é que existe uma considerável parcela dos consumidores que “compõem sua personalidade” ancorada nos bens de luxo. São as pessoas exibicionistas – o luxo exigido e exibido – que permitem ou até incentivam transformar o vetor em vínculo (apego): o sujeito precisar do bem de luxo para (re)compor sua auto-estima ou para se sentir aceito pelo grupo social. Mesmo que seja um bem que não contribua em nada para sua gratificação utilitária ou mesmo sensorial, no que as bolsas e os demais adereços femininos são um mostruário exemplar. II. “O FOSSO” Em um país como o Brasil, em que a desigualdade de renda é marcante, sendo um dos primeiros fatores a despertar a atenção dos turistas estrangeiros que nos visitam, choca o contraponto entre o “luxodo-luxo” e os miseráveis. Claro está que me refiro a uma visão sociológica do processo, mas que tal abismo é acintoso, não há dúvida. E isto é realçado pelo consumo exibicionista, que vai da ostentação de grifes caríssimas em bolsas e roupas, até a utilização de esquadrilhas de helicópteros para comparecer a casamentos suntuosos ou churrascos de fim de semana. III. “SUPERLUXO, MEGALUXO, O LUXODO-LUXO” Nos anos 60, nos primórdios da indústria automobilística brasileira, o Volkswagen Sedan era “Standard”. Mário E. René Schweriner não prefere viajar na primeira classe, em vez de se empoleirar na ✦ Quem econômica? (Fidel Castro viaja na primeira classe.) Houve depois modelos L e LX, designando Luxo e Superluxo, respectivamente. O mesmo era válido para a maioria das demais marcas do mercado, como o DKW, o Renault Dauphine (depois Gordini), o Aero-Willys, e o Simca-Chambord, dentre outros. Agora, qualquer modelo “básico” já vem com a denominação L ou GL (Luxo e Granluxo), quando não GLS (Gran-luxo Super). Em outras palavras, está se perdendo a referência do “básico” em relação ao superior luxuoso, fazendo com que se criem bens e denominações absolutamente metafísicas: hoje, o luxo do luxo, ou o super-luxo do luxo, ou quem sabe o luxo galáctico (a exemplo dos astros do time de futebol espanhol do Real Madrid). Uma bolsa de R$ 7.800,00 era tida como uma extravagância abilolada em artigos de jornal, há questão de uns dois anos. Se retomarmos o início do artigo, a fila de espera é para uma bolsa de R$ 47 mil. Que obviamente, como bolsa, não acrescenta tanto assim em relação àquela de sete mil e tanto, que já não acrescia lá muito em relação às do milhar de reais. O que oferece a pista para a indagação: onde fica o “bom-senso”? Ou esse segmento não conhece o termo? CONSIDERAÇÕES FINAIS Os produtos de luxo são aqueles que mais se aproximam da “ideação da perfeição”, quer dizer, do que as pessoas imaginam ser o “produto perfeito” (produto potencial, segundo Kotler): se é um frasco de JANEIRO perfume, o ideal é que seja de cristal. Se é um banco de carro, deveria ser de couro. O painel, de madeira (cedro? jacarandá?), um relógio, de ouro, porque não? Jóias de ouro branco ou platina, cravejadas de diamantes, rubis e esmeraldas. Um banheiro deveria ter um piso de mármore, preferencialmente de Carrara. Talvez, se no paraíso, além de anjos existissem outros produtos além de harpas, estes seriam vários dos bens de luxo. Os felizardos habitantes desseValhala imaginário, caso não andassem por lá nus como os anjos, trajariam linho e seda. Qual a mulher de seus 40 e poucos anos que não sonha com cosméticos especiais, exclusivos e carríssimos, que atenuam (ou até /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 29 Marketing de Luxo prometem acabar com!) as rugas? Que acenam à pele do rosto uma viagem no tempo, para “algum lugar do passado”, de volta à sua... adolescência? BIBLIOGRAFIA Quem não prefere viajar na primeira classe, em vez de se empoleirar na econômica? (Fidel Castro viaja na primeira classe.) BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa. Edições 70. KOTLER, Philip. Administração de marketing: a edição do novo milênio. São Paulo: Prentice Hall, 2000. BETTO, Frei. A Religião do Consumo. O Estado de S. Paulo. Abril de 2001. FROMM, Erich. Ter ou ser. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. FROMM, Erich. Análise do homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. GALBRAITH, John Kenneth. A sociedade da abundância. São Paulo: Pioneira. HEILBRONER, R. L. Introdução à história das idéias econômicas. Rio de Janeiro: Zahar, 1965. Não é exatamente em choupanas que vivem os cardeais da Igreja Católica, que prega a pobreza como via para o paraíso: “É mais fácil um camelo atravessar o buraco de uma agulha do que o rico ingressar no reino dos céus”. A pompa e o fausto que acompanham as cerimônias sem dúvida é um dos cenários mais impressionantes do luxo. HIRSCHMAN, Alberto. De consumidor a cidadão. São Paulo: Brasiliense, 1983. KASSER, Tim & ALLEN D. KANNER. Psychology and Consumer Culture: The struggle for a good life in a materialistic world. A busca pelo raro, pela diferenciação, pela exclusividade, por ser único, parece estar enraizada no DNA da espécie humana. Mas não deixemos que esta meta seja ofuscada pela perseguição pura e simples da exibição e da ostentação a qualquer preço, o que tornará a vida de tais pessoas mais vazias, e só provocará a inveja e o ressentimento da multidão que jamais terá acesso a esses símbolos. ESPM REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO KIRKPATRICK, Jerry. Em defesa da propaganda. São Paulo: Geração Editorial, 1997. BETTING, Joelmir. Supérfluo? Para quem? O Estado de S. Paulo. 14/8/1998. Lembremos que a elite soviética, no auge do regime comunista que abominava o “luxo da burguesia decadente”, vivia no esplendor, comia e bebia do bom e do melhor, e se esbaldava em suas dachas nos finais de semana e nas férias (isso quando não viajavam a Paris, Londres, Nova Iorque – está claro, na primeira classe.) 30 ALLÉRÈS, Danielle. Luxo... Estratégias. Marketing. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. LIPOVETSKI, Gilles. O império do efêmero. LONGINOTTI-BUITONI, Gian Luigi. Vendendo sonhos- Como tornar qualquer produto irresistível. São Paulo: Negócio Editora, 2000. NEEDLEMAN, Jacob. O dinheiro e o significado da vida. São Paulo: Best Seller, 1991. SHETH, Jagdish N. Comportamento do cliente: indo além do comportamento do consumidor. São Paulo: Atlas, 2001. SILVA, Adriano. Consumir não é pecado. Revista Exame. 3/12/1997, p. 95-99. SLATER, Don. Cultura do Consumo & Modernidade. São Paulo: Nobel, 2002. SUNG, Jung Mo. Desejo, mercado e religião. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. VEBLEN, Thorstein. A teoria da classe ociosa. AUTOR MÁRIO RENÉ SCHWERINER Doutorando em Ciências da Religião pela Universidade Metodista, Mestre em Psicologia pela USP. Professor de Psicologia Aplicada e Chefe do Departamento de Humanas da ESPM. Trabalhou como executivo em empresas DE 2005 do porte da Singer, Walita, Johnson&Johnson, Young&Rubicam e Grupo Accor. Especialista em Comportamento do Consumidor, e autor de vídeos e artigos sobre o tema. E-mail: [email protected] Luxo no Rio de Janeiro Foto: Corbis/Stockphotos Negócio do 32 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Alexandre Mathias e Carlos Ferreirinha O NO NEGÓCIO DO LUXO RIO DE JANEIRO E m dia típico de verão carioca, num salão do Hotel Caesar Park, a paisagem de Ipanema serviu de pano de fundo para se discutir um tema tão sedutor quanto o cenário: o negócio do luxo no Rio de Janeiro. No primeiro seminário do Fórum ESPM Rio, parceria com a MCF Consultoria, os 200 participantes deixaram de lado os superlativos e clichês para enxergar o que acontece, de fato, nesse segmento do mercado mundial – orçado em US$ 200 bilhões e, com projeção de chegar a US$ 1 trilhão até 2010. JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 33 Negócio do Luxo no Rio de Janeiro CENÁRIO PROMISSOR Paulo. No Brasil, foram emplacadas, no ano passado, 20 Ferraris, que custam entre US$ 330 e US$ 480 mil dólares. O Rio de Janeiro está na pauta dos investimentos de luxo, mercado que cresceu 19% em 2003 em todo o mundo, segundo pesquisa da Interbrand. No Brasil, o crescimento médio anual gira em torno de 33%. Embora não haja nenhum boom no segmento, sujeito às oscilações da economia, como qualquer outro, nem cifras de destaque de vendas no mundo, há uma série de indicadores positivos que podem ser somados a esse percentual, como o número de compradores potenciais. Existem hoje no país cerca de 300 a 500 mil consumidores regulares de luxo, o que corresponde a apenas 0,17% a 0,28% da população. Para pensar o mercado de luxo, é preciso usar como referência alguns parâmetros dos Estados Unidos, detentor de 36% dessa fatia de mercado. Vivem nos EUA 47 milhões de famílias, com renda superior a US$ 50 mil, identificados como consumidores do novo luxo. Neste perfil se enquadram moradores de casas tradicionais, nas quais a mulher é quem mais gasta com produtos pessoais. É o típico comprador que procura “impacto emocional”, cujo objetivo é aumentar sua satisfação pessoal. Levantamento realizado pelo BCG, com empresas que atendem a esse público em 23 categorias, indica uma expansão anual, média, de 15% para os próximos anos. O mercado brasileiro se abriu recentemente às importações e, para as grandes marcas internacionais esse fato é novo e promissor. O movimento do consumo do luxo no Brasil é da ordem R$ 2 bilhões ao ano, e o crescimento das marcas em 2003 foi muito expressivo. A Cartier cresceu 49% e a Piaget, 45%, enquanto a Montblanc registrou 32% e a Ferrari, 12,5%. Das 40 lojas da joalheria Tiffany’s, duas estão situadas em São 49% Fotos: Corbis/Stockphotos CARTIER 34 De acordo com o Atlas da Riqueza no Brasil, estudo do economista Marcio Pochmann, realizado a partir de dados do Censo 2000 e da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, o Entre 2002 e 2003, o Brasil ganhou 5 mil novos milionários, o que corresponde ao aumento de 6%. Esse número maior de abastados ganhou dinheiro com a valorização das ações e do real. Cabe observar, porém, que esse percentual de crescimento ainda está abaixo da média, se comparado à taxa mundial de 7,7%. Eram 75 mil milionários brasileiros em 2002 e 80 mil em 2003 contra 90 mil identificados em 2001. Em outros países, esse público consumidor é muito maior. São 2,27 milhões nos Estados Unidos, 383 mil na Inglaterra, 236 mil na China e cerca de 200 mil no Canadá. Se o Brasil conseguir reverter o processo de queda do poder aquisitivo da classe média, teremos uma pró- FERRARI PIAGET REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO número de ricos no Brasil dobrou em 20 anos. Em 2000 havia 1,162 milhão de famílias ricas, contra 507 mil em 1980. Os mais ricos, que correspondem a 2,4% da população, têm renda familiar mensal de R$ 22.487, que detêm 74% do PIB brasileiro. No Rio de Janeiro, 101.513 famílias estão nesse patamar. DE 2005 45% 12,5% Foto: Arquivo Alexandre Mathias e Carlos Ferreirinha xima década de expressivo crescimento do mercado e do segmento do luxo. Mesmo com o desempenho precário da economia, o número total de famílias ricas nos estados do Sudeste aumentou. Se em 1980 representavam 67,3% em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, em 2000 o percentual aumentou para 73,5%. A maior concentração está em São Paulo, que tinha 191.851 famílias ricas há 20 anos e hoje abriga 674.455. O MERCADO CARIOCA Foi no Rio que se aprendeu o comportamento de elegância no Brasil. Na cidade referência do turismo internacional, palco da Bossa Nova e de monumentos de prestígio como o hotel Copacabana Palace, o luxo deixou de ser apenas comportamento para ser negócio. Uma das primeiras marcas a investir fortemente no Brasil, a Louis Vuitton, abriu fábricas no Rio. Hoje, a força do segmento do luxo se mostra na expansão do São Conrado Fashion Mall e na aposta do Espaço Lundgren, que abriu as portas da nova maison na Avenida Vieira Souto, de frente para o mar. TIFFANY’S MONTBLANC 32% 2 LOJAS O dia de debates mostrou um panorama positivo de novos investimentos na cidade. A diretora comercial da grife italiana de jeans Diesel, Márcia Fonseca, informou que a marca procura espaço para abrir sua segunda loja no Rio no prazo máximo de um ano e meio. Os investimentos no país vêm impulsionados pelos surpreendentes resultados da loja de 82 metros quadrados no Shopping Iguatemi, em São Paulo, JANEIRO primeiríssima colocada na relação venda por área ocupada. É a campeã mundial da marca, chegando a vender quatro vezes mais que a loja de Nova Iorque. Rio e São Paulo serão as próximas cidades de destino das edições mensais limitadas de calças da grife, de 50 peças, vendidas a mil dólares nos tradicionais mercados de Tóquio, Nova Iorque, Milão e Lon- /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 35 Luxo no Rio de Janeiro Fotos: Corbis/Stockphotos Negócio do marca caiu no ★Agosto de celebridades como Angelina Jolie, Catherine Zeta Jones ou Elizabeth Taylor. Stern. Para a grife, genuinamente brasileira e carioca, o sucesso do design das jóias está no trabalho de equipe. As criações têm a cara da marca, que dispensa nomes famosos. Sem fórmulas prontas, Stern mostrou algumas linhas de ação seguidas pela joalheria, que valoriza o novo sem esquecer o passado e investindo pesado em campanhas publicitárias inovadoras. dres. Já há filas de espera para a coleção da quinta maior marca da moda no mundo. As vendas no Rio superaram as expectativas da Diesel, disposta a diversificar as operações no país. Em 2005, a empresa vai abrir o hotel da marca, Pelican, em São Paulo. Será o segundo da rede; que mantém seu único empreendimento semelhante em Miami. Outros investimentos estão próximos de se concretizar. Representante da líder mundial em cosméticos, Isabel Branco, diretora superintendente da L’Oréal, Divisão de Produtos de Luxo, anunciou que a marca procura um local no Rio para abrir uma de suas “catedrais”. A joalheria Tiffany’s e a Christian Dior também planejam a abertura de lojas. Os novos negócios são motivados pelo perfil do consumidor brasileiro – um entusiasta nas compras, muito exigente quanto ao atendimento. Além dos anúncios de expansão, os representantes das grifes de luxo discutiram o valor e os caminhos traçados na busca do fortalecimento das marcas. A marca caiu no gosto de celebridades como Angelina Jolie, Catherine Zeta Jones ou Elizabeth Taylor. As atrizes procuraram a grife sem que houvesse negociação ou plano de divulgação previamente traçado. De acordo com Stern, há uma troca de interesses quando uma musa do cinema procura uma jóia para ir à cerimônia do Oscar. Suas fotos com colares, brincos, anéis e pulseiras são tão difundidas, que elas não voltam a usá-los em outras ocasiões. Responsável pela renovação e mudança de imagem da marca criada por seu pai, Roberto Stern acredita que, bom gosto se aprende e que, a renovação permanente é a única forma de uma marca não morrer com o cliente. Única marca nacional incluída no guia oficial do luxo na França, a joalheria H. Stern, foi representada pelo seu diretor de criação, Roberto 36 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO A máxima de buscar inspiração no Brasil sem criar caricatura, sem fa- DE 2005 zer produtos folclóricos, é seguida à risca pela empresa. Projetos especiais com os irmãos Campana, designers de móveis, internacionalmente reconhecidos, que criam a partir de materiais não nobres, são alguns exemplos de ousadia da H. Stern. A grife desenvolveu linhas em parceria com o músico Carlinhos Brown e com a especialista em moda Costanza Pascolato, e está sempre presente em feiras e exposições internacionais. Segundo Roberto Stern, o Brasil está na moda, mas é preciso transcendêla para sobreviver. MAPEAR O DESCONHECIDO Em um mercado novo, o foco principal está em conhecer quem é o consumidor e como ele se comporta. Diferente da maioria dos países, em que o turista internacional movimenta as vendas, o negócio do luxo no Brasil é quase totalmente voltado para a clientela local. Há cerca de oito anos, a queda abrupta das vendas provocada pela crise da moeda do Japão, origem dos turistas responsáveis por 70% do movimento das grifes de luxo mundiais até então, não foi Alexandre Mathias e Carlos Ferreirinha As marcas que investem por aqui há mais tempo tiveram de se adaptar às características dos brasileiros. Comprar a prazo, por exemplo. A cultura do pagamento em prestações, herança dos anos de inflação, nem sempre é compreendida pelo investidor e pode interferir, decisivamente, no sucesso dos negócios. Rosângela Lyra, diretora geral no Brasil da Christian Dior, primeira marca estrangeira a negociar no Brasil, lembra do trabalho de convencimento para que a matriz abrisse exceção e aceitasse o pagamento parcelado. A mudança foi um acerto na estratégia de venda. Se o comprador do luxo no Brasil tem características próprias, o do Rio revela um comportamento ainda mais diferenciado. Em poucas cidades do mundo alguém sai da praia com roupa de banho, passa numa loja de departamentos, como as Lojas Americanas, para comprar produtos de higiene pessoal e vai a uma joalheria, antes de voltar para casa. Ou ainda paga em cash, o preço que for, por um relógio Cartier ou um acessório de luxo. O consumidor brasileiro é extremamente exigente: quer atenção, exclusividade e a comodidade de ser atendido em casa. E o carioca, além disso, apresenta um toque de informalidade. Seguindo a máxima de pensar globalmente e agir localmente, os executivos se mostraram cada vez mais atentos às particularidades do público consumidor. André Brett, master representante da Zegna, Fotos: Corbis/Stockphotos nem percebida no Brasil. O turista estrangeiro não compra produtos de luxo no país, sem preços competitivos para o segmento. A exceção fica por conta das jóias brasileiras. Atenta ao perfil desses compradores, a diretora de operações no Brasil das marcas Armani e Dolce&Gabbana, Patricia Gaia, destacou a importância de criar diferenciais a cada dia. De acordo com ela, a consumidora do luxo considera mais chique a venda personalizada, quando não só recebe o vendedor, como se torna a anfitriã em um pequeno happening promovido para as amigas. As vendas do grupo estão crescendo acima da média no Rio, motivo pelo qual a cidade será o próximo porto da marca D&G, em 2005. O faturamento anual do grupo chega a US$ 4 bilhões e, em São Paulo, onde está desde 1997, também cresce a cada ano. LOUIS VUITTON 6,71 BI US$ GUCCI US$ 5,1 BI CHANEL US$ 4,32 BI JANEIRO marca associada ao clássico, mas recente no mercado carioca, ainda está mapeando seu público-alvo e tem algumas dicas, como a localização. A Barra da Tijuca concentra 30% dos consumidores da grife e o cliente médio é o executivo de 30 anos, que trabalha durante todo o dia e gosta do conforto de ser atendido em casa. O serviço da loja em domicílio já é visto como um filão importante na cidade. Enquanto isso, o Espaço Lundgren oferece bolo de rolo, uma iguaria tipicamente nordestina, em sua sofisticada maison, numa combinação única de ícones do luxo internacional com brasilidade; a Cartier promove festas em sua loja de Ipanema para convidados vips. A gerente da marca no Rio, Elisabeth dos Reis, contou a experiência dos encontros temáticos. O Dia dos Pais e o Carnaval foram motivos das festas e da decoração da loja, freqüentada por socialites, grandes empresários, atores e atrizes. O francês Laurent Boidevezi, diretor geral da Moët Hennessy, destacou a importância de dar visibilidade ao produto com a promoção de eventos em lugares sofisticados. /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 37 Negócio do Luxo no Rio de Janeiro PRESTÍGIO PARA AS MASSAS ciso prestar atenção no atendimento, na arquitetura das lojas, no treinamento. Se antes o luxo estava associado ao aristocrático, com a mudança de mãos do dinheiro a palavra se revestiu de outros sentidos. O topo da pirâmide procura se afastar cada vez mais da base, que por sua vez busca ascender socialmente e se aproximar do topo. O que entra em jogo são os valores, os conceitos, os símbolos de prestígio. E é nesse espaço de subjetividade onde nascem os objetos de desejo, que se consolidam nas grifes. Como definiu Coco Chanel: “O luxo é estritamente supérfluo, mas extremamente necessário”. Para trabalhar com esse consumidor, é preciso entender também o conceito do novo luxo, um segmento que amplia o mercado de artigos exclusivos das grifes reconhecidas. Além da criação de produtos segmentados por marcas tradicionais, o conceito passa pela “venda de prestígio” para as massas – como oferecer um café nos Estados Unidos a US$ 3,50, quando o produto é vendido em qualquer cafeteria por US$ 0,50. É o mastígio, junção das palavras massa e prestígio, que significa massificar um produto com algum prestígio. Em outras palavras, democratizar o luxo. Nesse universo de conceitos e valores subjetivos, as marcas lapidam identidades e traçam seus caminhos. As definições são várias, sempre subjetivas. Para o diretor comercial da Paul Nathan – especializada em impressos com relevo francês –, Marcelo Nogueira, o segmento lida com valores subjetivos, como tradição, requinte, beleza, autenticidade. Roberto Stern ressalta a importância do olhar diferenciado: além do produto, é pre- O novo conceito já traz em si uma contradição: como massificar um produto de luxo sem transformá-lo em banal, ou seja, sem fazê-lo perder o valor? De acordo com o ranking publicado pela Business Week, em 2003, o valor da marca Louis Vuitton era de US$ 6,71 bilhões. O da Gucci, US$ 5,1 bilhões e da Chanel, US$ 4,32 bi. Ao entender o conceito de novo luxo, percebemos que enxergar apenas o rico como público-alvo é uma visão míope. É a classe média que movimenta a economia no mundo, embalada na sensação de possibilidade, de ser e ter algo mais. A base faz mover a pirâmide. Depois de um dia inteiro de debates no Caesar Park, com a possibilidade de ouvir as experiências dos tomadores de decisão de tantas marcas, pudemos ter uma visão melhor do futuro do que a que tínhamos até então. Deixamos o encontro com alguns desafios: como rejuvenescer os consumidores, criar novos canais de distribuição, desenvolver sempre e mais a estrutura de serviços? E algumas certezas: num mercado em expansão e altamente competitivo, terão mais chances os que conhecerem melhor seu público e, principalmente, investirem com empenho em atendimento. Foi um encontro desafiante, como esperamos que sejam os próximos. Promover eventos de grande porte no Rio, debatendo as tendências de marketing e comunicação nas várias áreas de negócios, é a proposta da ESPM. Estaremos assim cumprindo a nossa obrigação de fomentar o desenvolvimento e fazer a cidade melhor do que ela é hoje. ESPM AUTOR ALEXANDRE MATHIAS Stern ressalta a importância do olhar diferenciado: ★ Roberto além do produto, é preciso prestar atenção no atendimento, na arquitetura das lojas, no treinamento. 38 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Diretor geral da ESPM Rio [email protected] CARLOS FERREIRINHA Diretor geral da MCF Consultoria e-mail: [email protected] Compra por Impulso O Uma primeira abordagem, agrupando vários autores, diz ser, a compra impulsiva como uma compra não planejada. Entre o planejamento dos itens a serem adquiridos e a compra há uma diferença que pode ser medida. As causas da compra impulsiva são o meio ambiente (por exemplo, fatores climáticos, disponibilidade do produto, estimulação nos pontos-devenda) e, os fatores culturais (como a compra de um perfume, numa roda de amigas em que todas as outras também compraram). objetivo deste artigo é apresentar o processo de decisão de compra de um imóvel de cobertura e discutir a afirmativa de que tal compra de um bem de luxo (para aquele sujeito) pode ser caracterizada como compra impulsiva, quando utilizamos o modelo em etapas de compreensão do consumo. O processo todo da aquisição deste bem de alto valor apresentou características diferentes de um certo padrão de procura e compra de imóvel, por isso merece uma reflexão. Nossa afirmativa é que os modelos explicativos do comportamento do consumidor que utilizam a expressão “compra por impulso” pressupõem uma compra de baixo valor e alta taxa de recompra, o que limita o campo de abrangência dos fatos e das hipóteses envolvidas. Um pressuposto nesta abordagem é que a compra por impulso ocorre por artigos que tenham preço baixo e pouca mudança na vida da pessoa. Em nosso trabalho e pesquisas, porém, vimos compras por impulso de itens de alto valor financeiro e CONCEITOS DE COMPRA POR IMPULSO Foto: Corbis/Stockphotos A expressão “compra por impulso” aparece nos artigos, como, por exemplo em GADE (1980:179), como um processo decisório rápido e não planejado, guiado por estimulação momentânea, que pode ser interna, ou externa ao sujeito. Uma revisão do conceito realizada por ALMEIDA (1993) mostrou que não há simplicidade, nem acordo na definição. A autora classificou as abordagens em três grandes grupos: 40 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 emocional, tais como imóveis e carros. Um corretor nos relatou que uma compradora que buscava um imóvel usado foi visitar um, desceu do carro, olhou a casa por fora, entrou no carro e disse que compraria, isto depois de ter visto outros imóveis, detalhadamente. Não havia nenhuma estimulação especial nesse caso. Uma segunda abordagem considera o aspecto comportamental, no sentido de emoção e prazer dominando o comportamento no momento de Ernesto Michelangelo Giglio “SEM DÚVIDA, SEMPRE A GENTE SONHA COM ALGUMA COISA A MAIS DO QUE AS NOSSAS POSSIBILIDADES” FRASE DITA PELO ENTREVISTADO, EXPLICANDO POR QUE COMPROU UM IMÓVEL TÃO FORA DE SUAS CONDIÇÕES FINANCEIRAS E DE SUAS NECESSIDADES DE ESPAÇO. O S L U P A M I R U R T R PO OBE C A E R D P O T M N E O M C A A APART DE UM JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 41 Compra por Impulso tendência ❉ Esta implica em as pessoas deixarem certos controles de lado, tais como dieta ou exercícios, e dar-se o direito de alguns consumos extravagantes. Uma terceira abordagem destaca o impulso no sentido de doença relativa à compulsão para a compra. O sujeito é acometido de um desejo incontrolável para comprar, o qual só reduz a sua pressão com o ato compra. Apesar do uso da palavra comportamento, os autores, desta abordagem, referem-se aos afetos, às emoções como origem do comportamento. Neste caso, não importa se a compra havia sido planejada, ou não, mas sim o prazer do momento e o prazer antecipado do uso futuro. Gerentes de lojas de roupas, ou acessórios para autos, ou cabeleireiros reportam sobre compradores que expressam um grande prazer em comprar e o fazem sem muita negociação. POPCORN (1997) parece ter captado bem este aspecto, que ela chamou de pequenas indulgências, em que o consumo ocorre por um prazer momentâneo, sem culpa, sem plano. Esta tendência implica em as pessoas deixarem certos controles de lado, tais como dieta ou exercícios, e dar-se o direito de alguns consumos extravagantes. Essas compras emocionais, associadas ao “eu mereço”, poderiam ser classificadas como impulsivas, conforme o conceito acima. 42 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO da compra. Aqui a estimulação ambiental parece não ter importância, já que a pressão é interna. Um sinal forte de compra compulsiva seria o excesso de itens (pessoas que têm dezenas de pares de sapatos, que nunca são utilizados) e a culpa associada após a compra. A compulsão ao vício, como jogos, também seria bem explicada por esta abordagem. A primeira abordagem, portanto, classifica a compra impulsiva como falta de planejamento e, as suas causas estariam no meio ambiente. As duas outras abordagens atribuem a causas internas, tais como emoções e desejos incontroláveis, como causas da compra impulsiva, ora resultando em prazer, ora em culpa. Partindo de observações e reflexões, afirmamos que esses modelos sinal forte de compra compulsiva seria o excesso de itens ❉ Um (pessoas que têm dezenas de pares de sapatos, que nunca utilizam) Fotos: Corbis/Stockphotos e a culpa associada após a compra. DE 2005 Ernesto Michelangelo Giglio primeira abordagem, portanto, classifica a compra ❉ Aimpulsiva como falta de planejamento e, as suas causas estariam no meio ambiente. iluminam uma parte do comportamento do consumidor e são adaptáveis a alguns negócios, tal como o varejo de baixo valor, mas é possível raciocinar numa outra linha. O modelo de compra em etapas que estamos estudando e aperfeiçoando há algum tempo (GIGLIO, 1988, 2002), que é muito utilizado em processos de longa duração e alto valor, pode ser aplicado, também, às compras por impulso, tal como exemplificaremos neste artigo. Nesta linha, o consumo pode ser planejado; pode ser racional e emocional em distintos momentos e não dá sinais de compulsão. O impulso seria caracterizado pela conjunção das experiências passadas do sujeito e os processos nas etapas das expectativas e da escolha de alternativas. Como veremos no caso adiante, o conjunto das experiências de falta de um espaço privado, na sua residência, durante a vida, gerou no sujeito a expectativa de ter um imenso espaço só seu e, um processo especial de escolha de alternativas eliminou as mais racionais e valorizou as mais difíceis. O resultado foi uma compra por impulso de um bem de luxo: uma cobertura no bairro de JANEIRO Alto de Pinheiros, em São Paulo, local de imóveis de classe A. ALGUNS PRESSUPOSTOS DE UM CONCEITO ALTERNATIVO DE COMPRA POR IMPULSO O chamado modelo de consumo em etapas, do qual ENGEL (1995) é um dos autores mais conhecidos, demonstra certos padrões de processos nas várias etapas de uma busca, aquisição e uso de produtos. /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 43 Foto: Corbis/Stockphotos Compra por Impulso A última etapa é a de avaliação, em que o sujeito ❉ compara o futuro que havia planejado com o presente que está vivendo. financeiro para a aquisição. Tendo escolhido o produto, a próxima etapa é a da compra, com seus processos de negociação. A penúltima etapa é a de uso do produto e, os resultados dependem da complexidade do produto e do treinamento do consumidor na sua utilização. A última etapa é a de avaliação, em que o sujeito compara o futuro que havia planejado com o presente que está vivendo.1 Os padrões se referem aos processos mentais e sociais pelos quais o sujeito passa. Assim, uma primeira etapa seria constituída das experiências de vida, que formam o pano de fundo do consumo. Conforme o sujeito valoriza algumas de suas experiências de vida, vai criando as condições para a segunda etapa. A segunda etapa consiste no nascimento das expectativas, as quais se referem à vida futura que a pessoa quer alcançar. Uma terceira etapa refere-se à escolha de alternativas de produtos que possam levar o sujeito à realização de suas expectativas. Para decidir sobre o produto escolhido, o sujeito leva em consideração seus conhecimentos sobre os produtos, o relato de outros sobre os produtos e, o uso de alguns critérios de corte, tais como um teto Cada etapa tem as suas características e padrões próprios. Na etapa de alternativas, por exemplo, o sujeito deve realizar um processo comparativo entre dois ou mais produtos. Ao criar um processo psicológico e/ou social distinto, ou seja, fora dos padrões que a Psicologia e a Sociologia indicam co- mo característicos do ser humano, afirmamos que tal fenômeno (o processo) é a causa de uma compra por impulso.2 O pano de fundo das experiências de uma pessoa é o primeiro indicador de uma possível distorção dos processos. O nosso entrevistado passou boa parte de sua vida dividindo seu quarto com mais três irmãs, não tendo nenhuma privacidade, e suas lembranças sobre esta situação são muito fortes e negativas. Essas experiências foram muito sofridas para ele e construíram um pano de fundo para sua compra de um apartamento de cobertura. Com um pano de fundo que pode supervalorizar algumas experiências, o processo de construção das expectativas pode sofrer um desvio. Expectativas podem estar além 1. Vale lembrar que o modelo em etapas é extremamente complexo, tanto nas suas propostas gerais, quanto nas características de cada etapa e aqui apenas indicamos o que seria o núcleo de cada etapa. O leitor interessado poderá ter uma explanação um pouco mais longa em Giglio (2002) e em Engel, Blackwell e Miniard (1995). 2. Na verdade, seria muito mais adequado utilizar o termo compra consumista, mas como estamos discutindo os conceitos de compra por impulso, utilizaremos a mesma expressão. Vale lembrar, porém, que a palavra impulso tem conotações psicológicas de falta de controle nos meios não acadêmicos. 44 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Ernesto Michelangelo Giglio das condições de vida do sujeito (financeiras e sociais atuais e projetadas, por exemplo), o que poderia levar à compra por impulso. A vida pobre de nosso sujeito criou a expectativa de ser rico (até aqui não há problema algum) e viver como os ricos, ou seja, com posses de luxo. Só que o caminho escolhido para ser rico (ter uma pequena gráfica em Alphaville), tornava a expectativa impossível de se realizar no prazo planejado (ou seja, de 2 a 3 anos). As compras de itens fora de seu alcance financeiro (como o aluguel de um escritório de alto padrão em Alphaville), já apontavam para compras por impulso. As expectativas, portanto, podem ser consideradas como causas de uma compra por impulso, mesmo que a aquisição seja planejada e tenha um tempo longo. O terceiro momento que levaria à compra por impulso corresponde aos fatores de decisão de escolha de produtos. Como vimos nos parágrafos anteriores, há um processo padrão comparativo na decisão sobre as alternativas. Nosso sujeito nunca tinha morado num imóvel de luxo, portanto não tinha esse conhecimento; não falou com ninguém que morasse numa cobertura e lhe trouxesse informações (por exemplo, de que é comum que o dono da cobertura seja uma pessoa discriminada dos outros condôminos) e não levou em consideração seus critérios de corte financeiros (ele não tinha um fluxo de caixa que garantisse os pagamentos futuros). Além disso, havia um julgamento negativo em curso: a família de sua esposa o considerava um perdedor, um homem sem futuro e esta representação social negativa motivou-o a provar o contrário. Seu processo de escolha foi, portanto, diferente do padrão que seria considerado característico para esta etapa. Juntando os fatos dos três momentos de consumo, concluímos que houve uma compra por impulso.3 Itens de alto valor, portanto, podem ser adquiridos por uma seqüência de processos, cujas características especiais nos levariam a qualificar como compra por impulso. Os modelos tradicionais, resumidos anteriormente, não têm premissas que alcancem estes fenômenos. Veja abaixo três exemplos de compra de imóvel que, no modelo EXEMPLOS ETAPAS A) “Se o meu irmão comprou, então eu confio” (dono de uma padaria que acredita ser o imóvel o melhor investimento) ETAPA DE AVALIAÇÃO DAS ALTERNATIVAS B) “A planta do apartamento coincidiu com a planta esperada por nós”(casal de idade, se aposentando e saindo de uma casa enorme, porém querendo um apartamento que tivesse 2 quartos de hóspedes, para ficarem com os netos) ETAPA DAS EXPECTATIVAS C) “Minha compra se explica pelo fato de existir um prédio que estava na rua certa e no bairro certo e pessoas simpáticas atendendo” (senhor de idade viúvo, advogado, carente, com dinheiro, que se encantou com as vendedoras e atendentes) ETAPA DE AVALIAÇÃO DE ALTERNATIVAS E ETAPA DE COMPRA Figura 1: Três exemplos de compra de imóvel caracterizados como compra por impulso, pela quebra de padrão psicológico e social nas etapas.4 3. Preferimos adiantar algumas das conclusões sobre o material da entrevista, para dar suporte às afirmativas. Em seguida, porém, o leitor poderá criar suas próprias conclusões, lendo parte do discurso do sujeito. 4. As frases foram retiradas das entrevistas realizadas pelo autor com estas pessoas. JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 45 Compra por Impulso supérflua. Um carro que não é utilizado para transporte mas para exibição seria um exemplo de supérfluo. Veblen (apud SOLOMON, 1999), referindo-se ao consumo da classe ociosa, comentava sobre o consumo de luxo como forma de destaque social. Veblen deixava claro que a posse de produto era uma forma de competição, que separava os melhores dos outros. A riqueza dos bens elevava o sujeito a uma posição superior perante os outros. Os palácios eram uma das formas dessa competição. em etapas, podem ser caracterizados como compra por impulso. Tendo elucidado a base conceitual do modelo, em etapas, e nossa afirmativa do que seria a compra por impulso, podemos discutir, brevemente, sobre o conceito de bem de luxo. OS BENS DE LUXO Textos antigos, remontando aos primeiros sociólogos, já afirmavam que, a identidade do homem se afirma pela sua propriedade privada. Seus bens são seu modo de existência pessoal e, em conseqüência, sua vida essencial. (2000) coloca que ❉ ALLÉRÈS a disposição ao consumo do luxo vem desde a Idade Média, passando para a burguesia em ascensão e daí para os moradores das grandes cidades capitalistas. O conceito de luxo para estes autores significa possuir em quantidade excessiva às necessidades de uso, ou possuir algo que transcende sua utilidade de forma supérflua. A vida no modo “ter” foi amplamente analisada por FROMM (1987). Na busca de uma orientação e participação num grupo, como forma de diminuir as angústias da existência, as pessoas seguem as regras sociais dos grupos, que participam, ou gostariam de participar. Na sociedade ocidental capitalista, uma das regras mais básicas para “ser alguém” e participar de determinados grupos consiste no comportamento de aquisição e exibição de bens tangíveis, o que inclui o imóvel. O valor de uso é substituído pelo valor de posse e exibição. REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO Fotos: Corbis/Stockphotos ALLÉRÈS (2000) diz que a disposição ao consumo do luxo vem desde a Idade Média, passando para a burguesia em ascensão e daí para os moradores das grandes cidades capitalistas. O conceito de luxo para estes autores significa possuir em quantidade excessiva às necessidades de uso, ou possuir algo que transcenda sua utilidade de forma 46 Unindo estas afirmativas sobre bens de luxo e as afirmativas anteriores sobre compra por impulso, o consumo de luxo pode ocorrer nas sociedades industriais contemporâneas quando o senso de critérios adequados à situação do sujeito e mesmo à ética se confunde com as regras e normas de grupos sociais. Em outras palavras, o sujeito deixa de considerar aquilo que é importante conforme sua vida e suas experiências e adota outro código de interpretação da realidade, baseado nos preceitos sociais. Dessa maneira surgem necessidades humanas artificialmente produzidas e produtos para satisfazê-las. Legitimadas pelo social e pelo sujeito, estas necessidades se transformam em “necessidades da vida presente”. DE 2005 No caso do nosso sujeito, a compra de uma cobertura não estava amparada em necessidades da vida cotidiana, mas em signos sociais sobre o que significa a posse de uma “cobertura”. Entre outros sinais sociais, uma cobertura significa sucesso profissional e pessoal, diferença em relação aos outros moradores do mesmo prédio e privacidade. Ernesto Michelangelo Giglio Sinais que o sujeito adotou como muito importantes na sua vida. Com estas breves observações sobre o modelo em etapas e sobre o conceito de luxo podemos apresentar os dados da entrevista. DADOS DA PESQUISA Os dados desta entrevista fazem parte de um trabalho mais amplo do autor, sobre as estratégias e decisões no ramo imobiliário, tanto dos gerentes, quanto dos consumidores. Temos estudado esta área há alguns anos, considerando que ela tem características que facilitam a compreensão dos processos descritos no modelo, em etapas. A entrevista foi aberta, em profundidade, tendo o entrevistador um roteiro sobre o modelo em etapas e os processos em cada uma delas. Apresentamos abaixo alguns trechos da entrevista gravada.5 Conforme regras de pesquisa, os dados são apresentados sem nenhuma correção de português. As frases entre parênteses são intervenções do pesquisador. Os três pontos indicam pausas, ou corte do discurso. (O GRAVADOR FOI LIGADO ENQUANTO SE DAVA O ENQUADRE DA ENTREVISTA) (ENTÃO, A PESQUISA É JUSTAMENTE ESTA: CONVERSAR COM AS PESSOAS COMO ELAS FIZERAM PARA DECIDIR A COMPRA DO IMÓVEL, O QUE ELAS LEVARAM EM CONSIDERAÇÃO; ENTÃO ESTA É A PERGUNTA BÁSICA E A GENTE VAI CONVERSANDO. CONFORME VOCÊ FOR FALANDO, COMO É QUE FOI PARA VOCÊ, COMO VOCÊ DECIDIU PELA COMPRA DO IMÓVEL, O QUE VOCÊ LEVOU EM CONSIDERAÇÃO?) O meu caso eu acho que foi meio atípico, porque... foi assim de estalo, obviamente é um sonho de quase todo mundo ter o seu imóvel próprio, é uma coisa que a gente tava querendo, é lógico, a gente mora de aluguel, eu sou casado faz... 2 anos e meio e, sempre, é uma coisa que você quer é um imóvel próprio, parar de pagar aluguel, porque é um dinheiro de certa forma jogado fora, você não está investindo em nada que seja seu futuramente; então o que aconteceu foi o seguinte: a gente tava querendo, mas dinheiro a gente não tinha, foi um negócio também relativamente novo, montei um negócio faz uns 3 anos, tá indo muito bem, mas também ainda não está estabilizado como para poder ter dinheiro para comprar um imóvel próprio, não tem; esse negócio de entradas altas não tenho condições, então o que aconteceu,... um dia assim de besteira fui fazer uma endoscopia e fiquei à tarde na casa da minha sogra, aí a minha esposa viu que tava tendo um lançamento ali perto de onde a gente mora, ali em Pinheiros e ela falou: “vamos dar uma olhada à tarde”, aí passamos lá, entramos, vimos a planta, achamos muito legal, mas muito caro, aí por coincidência minha sogra falou “pô, mas isso daí é do cunhado, do ex- cunhado do marido dela, daí ela falou “vamos lá falar com ele”, não sei o que, eu fui no embalo, tudo bem, chegamos lá ele : “pô, que legal, vocês estão interessados”, daí nesse embalo, eu disse “tô, mas não tenho condições”, daí ele disse que era tudo em família e que daria um desconto legal, “vou calcular o máximo de desconto que eu posso dar”. Aí foi isso, ele me passou um fax no dia seguinte, eu montei uma proposta assim bem ridícula, só posso pagar tanto por mês, eu senti que era meio absurda, que ele não iria aceitar, mas passei pra ele, ele disse que tava muito baixa, nós discutimos o valor, eu falei que pago aluguel e tal, então não posso aumentar o valor das prestações, se você acha que está pouco, aumenta o número de prestações, mas não aumenta o valor, porque o valor não posso pagar; daí ele conseguiu fazer e comprei, foi assim, então, quer dizer, é um negócio meio atípico assim, eu não tava buscando... (pausa) Não estava buscando, gostaria de comprar mas não fazia idéia. E outra, se eu fosse comprar um apartamento, quando a gente procurava imóvel para comprar, tal, mas numa superutopia mesmo, a gente não tinha condições, pensava em comprar um apartamento pela metade do valor deste, a gente nunca imaginou comprar um apartamento de um valor tão alto, mas como ele aceitou a proposta que eu fiz, então tudo bem, acabamos comprando, mas não tava procurando, no momento não passava na nossa cabeça comprar um apartamento tão cedo. 5. A transcrição completa da entrevista preenche 7 páginas e selecionamos alguns trechos mais indicativos do nosso tema. JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 47 Compra por Impulso bertura. Eu morei minha vida inteira num apto. de 60 metros quadrados com 6 pessoas, então a gente morava minha vida inteira praticamente, acho que eu saí de lá faz um 7 anos, então, quer dizer, a vida inteira morei, nasci naquele apto. a gente morava num apto do, BNH ali mesmo em Pinheiros. Era eu, 3 irmãs, meu pai, minha mãe e o cachorro. Então era muita gente para um apartamento muito pequeno, então qual era o sonho? O sonho era poder ter alguma coisa maior possível porque eu não agüentava mais aquela neurose de apartamento pequeno apertado, fechado, falta privacidade, porque num apartamento deste tamanho você não pode ter privacidade, tinha que dividir, não tinha jeito, apesar de que tinha 3 quartos, o que era um absurdo um apto. deste tamanho com 3 quartos, agora você imagina o tamanho dos cômodos era tudo muito pequeno mas.... (QUER DIZER, O FATO DE VOCÊS NÃO TEREM RECURSOS NA ÉPOCA NÃO DEIXAVA VOCÊ SONHAR DEMAIS) Não, não deixava, era um negócio totalmente fora, a gente falava, não, lá pelo final deste ano a gente tenta juntar uma poupança e vamos deixar ver como é que fica, porque guardar dinheiro é um negócio complicado, principalmente porque eu tenho esse meu negócio novo. Então eu nunca sei quando vou precisar e quando não vou precisar de dinheiro, eu não tenho fluxo de caixa que me dê essa folga de falar, não, esse dinheiro eu posso separar, vamos guardar numa poupança pra dar de entrada num apartamento, não, obviamente, que as mensais são razoavelmente amenas, bem tranqüilas, mas as semestrais são fortes, mas eu não posso guardar para a semestral também, eu tô calculando que na semestral eu vou ter, porque eu dou um jeito, tiro daqui, tiro dali, agora guardar todo mês aquela poupancinha pra pagar a semestral não dá. Eu nem penso nisso, eu deixo acontecer, bem assim, vamo comprar e vamos ver no que vai dar. (VOCÊ CRESCEU PENSANDO NUM ESPAÇO MAIOR PARA VIVER) mite mesmo, entendeu, só que a gente acaba conhecendo gente, escuta caso aqui, caso ali, fica naquela neurose, então, não, é melhor desistir, não vamos ver, inclusive viemos aqui, quando eu resolvi montar este escritório aqui (em Alphaville), faz pouco tempo, estou aqui há 6 meses, a gente chegou a ver algumas casas aqui, só que é aquele lance mesmo, lance utópico, a gente foi lá viu, a gente viu uma casa maravilhosa, só que não tinha a menor condição de comprar, a gente falava “desencana”, a gente chegou a pensar vamos tentar alugar a casa depois com o tempo a gente vai debitando, vai fazendo um rolo, só que só o aluguel da casa era mais caro que a prestação que eu pago hoje, então não dá, nem para alugar, então desisti... (ENTÃO VOCÊ TINHA UM SONHO E ESSE APARTAMENTO QUE VOCÊ COMPROU É ATÉ PRÓXIMO DESSE SONHO MAS NÃO É DO JEITO QUE VOCÊ QUERIA...) Lógico eu falei não, eu quero ter um conforto que eu não tive, quero buscar isso, então a idéia do apartamento era sempre essa, primeiro eu pensei em casa, mas a violência em São Paulo não permite, eu ficaria meio neurótico numa casa. (APESAR DISSO, VOCÊ DEVIA TER UM SONHO, DE QUAL ERA O IMÓVEL QUE VOCÊ GOSTARIA DE TER) (MAS VOCÊ PREFERIRIA UMA CASA?) Sem dúvida, uma casa eu acho bem melhor, porque... por isso o porquê da cobertura, você tem um espaço livre, você pode sair e sentir um ar, um quintal, umas flores, alguma coisa mais...que não tenha aquela noção... aquela falta de ar puro que a gente tem no apartamento, é muito apertado, tudo fechado, você tá numa caixa, então isso, realmente eu preferia uma casa, como minha esposa também, porque ela morou a vida inteira em casa, então... mas não dá, então a gente falou vamos tentar uma cobertura” porque você tem aquele espaço fora seu, então esta era a idéia, a gente fala casa, casa não dá porque a violência não per- Sem dúvida, sempre a gente sonha alguma coisa a mais do que as nossas possibilidades, não, sempre quis isto mesmo, tanto que a gente comprou uma cobertura...porque na brincadeira até, já que tava lá, já que você vai me dar um desconto legal então eu quero a cobertura, nem me passa o preço do apto. tipo (o apartamento padrão) que eu não quero nem ver, então é isso, é uma co- 48 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Não é, só que aí já é meio mega, porque esse apartamento tá muito bom, ele é bem confortável, aí eu já tô exagerando um pouco, mas é óbvio que você sempre quer mais, mas eu não sei, sem dúvida você olha pra planta e fala “podia mudar isto aqui, podia ser um pouco maior, isto aqui podia ser um pouquinho menor”, mas não é como casa, que você monta do jeito que quer, apartamento você tem que entrar no esquema da construção (O FATO DE COMPRAR UM IMÓVEL MUDA O SEU PLANO DE VIDA? COISAS QUE VOCÊ ESTAVA Ernesto Michelangelo Giglio PENSANDO TEM QUE REFORMULAR; COISAS QUE NÃO ESTAVA PENSANDO COMEÇAM A APARECER?) pra mim até, eu acho legal comprar, mas não acho assim essencial, mas pra ela é uma coisa essencial. Bom, dá uma segurança melhor quando você tem um patrimônio, é um patrimônio, mal ou bem você tem, amanhã apertou você pode vender, você tem alguma coisa, a gente não tem patrimônio, sabe, é uma segurança, se precisar amanhã vender e comprar um menor, tudo bem, é seu, você não tem que pagar aluguel, não corre o risco de um dia alguém te pôr pra fora dali. (É UMA COISA MUITO IMPORTANTE PARA VOCÊ ESTA DIFERENÇA DE NÃO PAGAR ALUGUEL) Super, porque este negócio de aluguel eu acho muito complicado, você depende de outra pessoa, é um negócio que quebra, você tem que ligar pro dono do apartamento e falar, “pô o negócio quebrou, como é que a gente vai fazer, eu mando arrumar, mas... sei lá, um cano que estourou, vou ter que trocar o cano, é pro seu apartamento, você vai pagar, não vai pagar, eu vou ter que pagar, desconto do aluguel, então estas coisas são desagradabilíssimas...” (BASICAMENTE ENTÃO É A QUESTÃO DO DINHEIRO, DE VOCÊ TER UM ... COMO VOCÊ DISSE, UM PATRIMÔNIO NO FUTURO, CASO ACONTEÇA ALGUMA COISA) É isso e ter um negócio seu que você mexe a hora que quiser, quiser derrubar uma parede eu derrubo e não tenho que dar satisfação pra ninguém e isto é uma coisa que pesa muito, do jeito que você quiser, você fazer no imóvel o que você quiser... (pausa) eu sou casado há pouco tempo, como eu te falei, meu negócio tem pouco tempo, minha esposa é muito nova, hoje ela tem 24 anos, sem dúvida o fato de ter um imóvel pra ela é muito mais segurança do que É um negócio engraçado isto. Varia, eu acho que é de pessoa para pessoa, porque se for colocar na ponta de um lápis não vale a pena você ter um imóvel, numa economia estável, ou também numa instável, porque se você aplica um dinheiro do valor do imóvel, com a sua rentabilidade eu vou pagar um aluguel e ainda sobra às vezes, é muito relativo esse negócio de comprar ou não um imóvel, mas é legal, acho que é uma segurança interessante. (COMO FOI A ESCOLHA DO LOCAL?) Eu assumi esta idéia de ter que ser lá (no bairro Alto de Pinheiros) obviamente a gente não ia querer um bom apartamento num bairro ruim, só que bairro ruim pra mim é diferente, City Lapa, por exemplo, pra mim é muito longe (o bairro City Lapa, em São Paulo, é para classe A) longe de onde eu trabalho e da minha família... (O FATO DE SER COBERTURA, ALÉM DO ESPAÇO, TEM ALGUM OUTRO SIGNIFICADO?) Não, pra mim é isso, obviamente vem junto, uma coisa vem junto com a outra, se você tem uma cobertura tem esse diferencial de melhor apresentação pra receber, tudo, mas não é o que mais pesou, o que mais pesou foi o espaço livre mesmo, o espaço de um ar. (ENTRE VOCÊ E SUA ESPOSA TEVE ALGUMA DISCUSSÃO, DIFERENÇA DE OPINIÃO PRA PODER REALMENTE DECIDIR, OU FOI UMA DECISÃO TRANQÜILA?) Olha, engraçado, não me lembro muito bem como foi isso, obviamente, no começo ela devia estar meio contra, não lembro se ela se manifestou, ou ela confiou em mim, porque ela sempre acha que eu sou meio viajante, que nem quando eu vim ver casa aqui (em Alphaville) e ela fala “sê tá louco, a gente não tem dinheiro nem para pagar o aluguel do mês que vem e você vai ver uma casa de R$ 500 mil, não existe isto”, então ela sempre sabia, quando eu cheguei lá e falei já que “você vai me dar o desconto da cobertura”, isso tudo pra ela é um negócio meio utópico, comprar um apartamento na hora, quanto mais na cobertura, então com certeza ela não acreditou muito que eu fosse fechar o negócio, mas aí quando eu fechei ela acreditou nisso, ela achou que se eu fechei é porque dava pra fechar. (APÓS MAIS ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE A PLANTA O ENTREVISTADOR DESLIGOU O GRAVADOR E ENCERROU A ENTREVISTA)6 COMENTÁRIOS SOBRE O CONTEÚDO Conforme o exposto anteriormente, sobre a compra por impulso, de bens de luxo, no modelo em etapas, vamos ressaltar os pontos do discurso do sujeito que sustentam a afirmativa. Realizando uma análise de conteúdo temático, conforme BARDIN (1977) que, aplicando o modelo em etapas, foi possível construir categorias (idéias centrais do discurso) 6. O apartamento de cobertura foi adquirido por um preço em torno de R$ 420 mil reais, com um bom desconto dado pela construtora. JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 49 Compra por Impulso Fotos: Corbis/Stockphotos sobre as três etapas que influenciam a compra por impulso. As experiências de espaço, vividas pelo sujeito criaram fortes lembranças de sensações de aperto, de percepções, de falta de privacidade, de idéias relativas à pobreza e à riqueza representadas pelo espaço dos imóveis. A valorização dessas experiências (isto é, suas fortes lembranças) somada a uma vida financeira de privação e a uma característica de personalidade de não se ater aos limites (no sentido de ser empreendedor, ou viajante, como se definiu o sujeito), constituem o pano de fundo do qual brota a compra por impulso. Neste pano de fundo emergiram as expectativas sobre o modo de morar no futuro e o lugar (espaço) que sua família atual ocuparia. O discurso do sujeito é bastante claro sobre o conteúdo dessa expectativa. Tinha de ser um espaço amplo, aberto, só seu, onde a liberdade de mudança fosse completa. Ocasionalmente o sujeito visitava imóveis que atendiam a alguns desses parâmetros, mas não havia se aventurado. A expectativa, criada por oposição à vida passada e presente do sujeito, contém elementos que levam à compra por impulso. O processo padrão implicaria, conforme dissemos, numa certa congruência com o quadro passado e atual, com mudança progressiva do sujeito. Em outras palavras, o padrão esperado para esse casal jovem, sem filhos, sem renda fixa, seria com- do condomínio, ruído dos elevadores, problemas de infiltração ❉ Odapreço piscina, etc.) e não foi atrás, o que deve ocorrer no processo padrão. prar um imóvel simples, de 1 dormitório, depois tentar passar para um de dois dormitórios e assim por diante, coerente com o passado e presente da vida, incluindo a parte financeira e os riscos de não se poder pagar prestações de imóveis.7 Com as expectativas sobre o modo de morar no futuro, o sujeito realizou o processo de alternativas de uma maneira não padronizada. Em primeiro lugar, seu tempo de maturação foi curto, pois entre a visita e a assinatura do contrato passaramse apenas três dias. Normalmente, no ramo imobiliário, a procura demora meses e a negociação demo- 7. Lembrando que são os pressupostos do modelo explicativo que definem a noção de padrão, ou normalidade, não havendo, pois, juízo de valor sobre as pessoas “terem de ser conformistas”. Estamos apenas no plano teórico dos processos decisórios. Se uma pessoa decide por uma compra sem ter base de informação e sem ter base financeira, indica uma quebra do padrão. Os contratos imobiliários são claros: se a pessoa deixar de pagar as prestações perde o imóvel e tudo o que foi pago. Uma vez assinado esse contrato... 50 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Ernesto Michelangelo Giglio ra vários dias, incluindo longas discussões sobre o atraso das prestações. Em segundo lugar, não houve processo comparativo, o que é absolutamente necessário nessa etapa. Que outros imóveis do mesmo padrão ele viu? Nenhum. Em terceiro lugar, o sujeito não tinha nenhum conhecimento sobre morar em cobertura (preço do condomínio, ruído dos elevadores, problemas de infiltração da piscina, etc.) e, não foi atrás, o que deve ocorrer no processo padrão. Em quarto lugar, o sujeito não buscou informações com pessoas (por exemplo, o próprio construtor) sobre morar em cobertura. Em quinto e último lugar, o sujeito não elegeu critérios de corte realistas com sua condição financeira e necessidades atuais, não tendo nem o dinheiro das semestrais (cujo valor ele mesmo estabeleceu) e nem a necessidade de um espaço tão amplo (320 metros de área útil) para um jovem casal sem filhos. Unindo os comentários sobre as três etapas, chega-se à conclusão de que estamos diante de uma compra por impulso, conforme o modelo em etapas. Comparada às outras definições de compra impulsiva, vimos que a compra foi planejada, já que o casal buscava uma solução de moradia, olhava classificados e visitava imóveis. A compra foi racional, já que o sujeito fez contas na ponta do lápis e ele mesmo estabeleceu as condições de pagamento. A compra foi negociada, já que houve troca de informações entre o vendedor e o comprador, até se chegar a um contrato firmado pelas partes. Não é, portanto, compra impulsiva por falta de planejamento; nem por prazer momentâneo; nem por desejo incontrolável. Só que os processos decisórios não seguiram os padrões esperados em cada etapa. Sobre as experiências havia um estreitamento da realidade da vida passada na supervalorização das experiências espaciais no antigo apartamento (em detrimento de todas as outras experiências, tais como a união da família). Sobre a expectativa de um espaço de moradia, ela transcendia os fatos do passado e do presente, quebrando a lógica da construção destas mesmas expectativas, ou seja, que o sujeito busca o novo, mas numa continuidade do presente.8 Sobre o processo de escolha havia uma tomada de decisão marcada pela falta de lógica (não buscar informações, não realizar comparações, assumir dívida acima dos rendimentos atuais). Permeando os processos das três etapas (experiências, expectativas e alternativas), encontramos no discurso do sujeito indícios de regras sociais de identidade e qualidade de vida a partir das posses e não das realizações. Apesar de o sujeito, em foi racional, já que o sujeito fez contas na ponta ❉ Adocompra lápis e ele mesmo estabeleceu as condições de pagamento. 8. Em teoria das representações sociais, existe o termo ancoragem para designar esta progressiva mudança dos ideais de vida e acomodação dos fatos novos. Maiores detalhes você encontra no texto de Moscovici(1988). Também existem referencias a dois princípios de busca do ser humano, que seriam a ordenação e a superação, numa coexistência dialética constante. Maiores detalhes você encontra em Fromm Erich (1979), capítulo 3. JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 51 Compra por Impulso mais das nossas possibilidades” e “se você tem uma cobertura tem esse diferencial de apresentação”, parecem indicar a representação do sucesso e liberdade através das posses. determinado ponto do discurso falar que talvez nem valesse a pena comprar imóvel, não deixa de sonhar com um espaço seu, amplo, onde a liberdade parece existir. Algumas de suas frases, tais como “a gente sempre sonha alguma coisa a Por outro lado, este sujeito não pa- discurso do sujeito, não temos elementos para levantar hipóteses ❉ Pelo que indiquem se esta característica vem de sua história pessoal, ou se é uma influência social, bem brasileira, do “vamos ver no que vai dar”. rece completamente influenciado pelas regras sociais de posse, já que realiza algumas reflexões a partir de seus referenciais pessoais. Assim, um bairro bom é muito mais aquele que lhe traz facilidade de trabalho do que aquele que tem fama. Uma cobertura traz muito mais a liberdade quanto ao espaço particular do que como um objeto de exibição. Um imóvel comprado traz segurança, mas fazendo contas, talvez se conclua que não é um bom investimento. Um outro ponto de reflexão referese ao seu comportamento de empreendedor que arrisca. Pelo discurso do sujeito, não temos elementos para levantar hipóteses que indiquem se esta característica vem de sua história pessoal, ou se é uma influência social, bem brasileira, do “vamos ver no que vai dar”. Seja qual for sua origem, influenciou o processo não padronizado da compra do imóvel. No conjunto das características de personalidade (aventureiro), mais as influências sociais, mais os processos decisórios atípicos temos como resultado a compra por impulso de um bem de luxo. Por impulso porque se caracteriza por existirem processos fora do padrão do modelo em etapas. De luxo porque transcende o valor utilitário do produto, já que um casal jovem, sem filhos, não precisa de 5 dormitórios e 3 salas no seu imóvel. CONCLUSÕES Através dos dados de uma entrevista em profundidade, procuramos le- 52 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Ernesto Michelangelo Giglio vantar, neste artigo, algumas considerações sobre uma outra linha de conceito de compra por impulso, aplicada aos bens de luxo. e mesmo de situações momentâneas. Talvez seja mais adequado afirmar que existem compras por impulso e não compras por impulsivos. querendo comprar a cobertura, poderia não lhe dar crédito, por padronizálo como “curioso que veio matar o tempo”. Um sujeito pobre, empreendedor do ramo gráfico, iniciando sua vida profissional, decidiu comprar um imóvel de cobertura num dos bairros mais sofisticados de São Paulo, o bairro do Alto de Pinheiros. Como explicar essa aquisição? Esta pequena diferença de palavras causa uma enorme diferença entre a teoria e a prática. Na teoria, leva os pesquisadores a adotarem o princípio da flexibilidade do ser humano, tão necessário para uma conformidade com a observação atual do comportamento das pessoas, mas tão criticado por visões positivistas. Na prática, leva os gerentes e pessoal de linha de frente a adotarem uma atitude de atenção e construção e interpretação para cada consumidor atendido, sem padronizar a partir de alguns poucos elementos. Um corretor daquele prédio, que atendesse a esse rapaz simples, com roupa esportiva, passando mal por causa de um exame e Quando, porém, utilizamos o modelo em etapas, que descreve (não prescreve) padrões decisórios e colocamos o conteúdo do discurso do sujeito dentro das premissas desse modelo, podemos ter uma nova visão da expressão: “compra por impulso” bastante distante do senso comum de compra por pessoa alterada. Na verdade, nós podemos realizar uma compra por impulso a qualquer momento de nossa vida, bastando realizar um processo decisório atípico em uma das etapas iniciais (expectativas, alternativas e compra). Quantos de vocês já alugaram um imóvel para o carnaval sem fazer uma visita a ele? É um processo decisório atípico Afirmamos e colocamos em discussão que não há vantagem teórica, ou prática em se utilizar o conceito de consumidor impulsivo, como alguém que não pensa, ou é dominado por forças exteriores e interiores. Tradicionalmente a Psicologia do Consumidor tem sido ensinada como a Psicologia dos tipos, enquadrando pessoas em padrões de conduta. Assim, existiriam os racionais, os tímidos, os impulsivos. Assim a observação do comportamento humano coloca em xeque a metodologia que leva a estas classificações. As pessoas na sua vida apresentam flexibilidade de papéis e de comportamentos, conforme configurações da vida atual interessante linha de reflexão, decorrente destas afirmativas, ❉ Uma seria analisar o papel do corretor, quando se utiliza o modelo em etapas. Fotos: Corbis/Stockphotos Os conceitos tradicionais de compra por impulso, voltados para produtos de baixo valor e alta taxa de recompra, não têm parâmetros suficientes para explicar esse comportamento. Não se trata de falta de planejamento, nem de prazer momentâneo, nem de desejo incontrolável, que são as três linhas básicas de modelos explicativos. Mesmo um modelo mais voltado para a estimulação de Marketing não conseguiria explicar este caso, pois o casal não foi influenciado diretamente por nenhuma ferramenta de comunicação. JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 53 Compra por Impulso modelo, podemos afirmar tratar-se de uma compra por impulso. e caracteriza uma compra por impulso, conforme os conceitos aqui apresentados. No ramo imobiliário, que temos estudado há alguns anos, existem gerentes que orientam seus vendedores a fazerem pressão para que os consumidores assinem rapidamente o contrato de compra do imóvel, pois “se eles pensarem, irão cancelar”. Para eles, a compra por impulso é uma pressão, buscando eliminar o raciocínio. Para a linha explicativa, aqui colocada, a compra por impulso tem uma história e mecanismos psicológicos que não são determinados por aqueles poucos minutos de pressão do corretor. No caso do sujeito em questão, havia uma história de experiência de moradia com falta de privacidade, havia uma característica de personalidade de “aventureiro”, havia uma imagem negativa da família da esposa a ser combatida, havia uma expectativa de um lugar só seu, com ar, e havia uma maneira especial de lidar com dívidas, assumindo muito mais do que seu bolso permitia. Isto o levou à compra por impulso, e não o trabalho do corretor. Alguns leitores podem questionar o pressuposto implícito de padrão. Vale esclarecer que o conceito de padrão refere-se aos processos e não ao comportamento. Estes padrões psicológicos, nos processos decisórios são amplamente estudados na Economia, na Psicologia, na Sociologia, mas sem o intuito de impor normas. Seu objetivo é a descrição do comportamento humano, mas, no acúmulo de observações, surgem convergências. Assim, na etapa de levantamento de alternativas encontra-se o processo lógico e racional de se estabelecer critérios de corte, tais como um preço máximo a ser pago. Assumir dívidas das quais não se tem renda é uma decisão freqüente para os brasileiros; confiantes no lema “deixa rolar”; mas não é um padrão decisório típico para a Psicologia Econômica. Este exemplo deixa claro que o normal estatístico dos brasileiros pode ser a decisão de assumir crédito sem provisão, mas não é o normal como processo decisório. Uma interessante linha de reflexão, decorrente destas afirmativas, seria analisar o papel do corretor, quando se utiliza o modelo em etapas. ESPM Os modelos tradicionais de compra impulsiva são limitados a certas condições, tais como negócios de baixo valor e pouco impacto na vida das pessoas. Quando tratamos de bens de luxo e de alto valor, esses modelos têm pouca capacidade explanativa. Como alternativa, indicamos que, nestes casos, pode-se utilizar o modelo de consumo em etapas e analisar, através de entrevistas em profundidade, a qualidade dos processos decisórios das pessoas. Ao encontrarmos processos atípicos, conforme esclarecidos dentro do 54 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO AUTOR ERNESTO MICHELANGELO GIGLIO Professor da ESPM e da UNIP, pesquisador do ramo imobiliário e autor do livro O comportamento do consumidor DE 2005 BIBLIOGRAFIA ALLÉRÈS, D- Luxo: estratégias, marketing; tradução Mauro Gama, Rio de Janeiro, Editora FGV, 2000. ALMEIDA, S- “A Influência do humor sobre a compra impulsiva”, Revista de Administração da USP- São Paulo, v. 28, n. 4, p. 36-50, out/ dez, 1993. BARDIN, L- Análise de conteúdo, tradução Luiz Antero Reto, Lisboa, Edições 70, 1977. ENGEL, J; BLACKWELL, R; MINIARD, PConsumer Behavior, 8 a . ed, Flórida, Dryden, 1995. FROMM, E- Psicanálise da sociedade contemporânea, tradução L. Bahia e G. Rebuá, 9 a . ed, Rio de Janeiro, Zahar, 1979. – Ter ou ser?, tradução Nathanael C. Caixeiro, Rio de Janeiro, Guanabara, 1987. GADE, C- Psicologia do Consumidor - São Paulo, EPU, 1980. GIGLIO, E - Um estudo exploratório sobre as representações sociais presentes no processo de decisão de compra de imóvel, dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1998. GIGLIO, E – Contribuição ao desenvolvimento de um modelo de estratégia orientada para a satisfação do consumidor no ramo imobiliário, tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, 2002. MOSCOVICI, S- Notes towards a description of social representation, European Journal of Social Pshychology, v. 18. 1988. POPCORN, F& MARIGOLD, L- Click, tradução de Ana Gibson, Rio de Janeiro, Campus, 1997. SOLOMON, C- Desconstruindo a cultura do consumismo, Jornal O Estado de S. Paulo, 26/ dezembro/1999, D6. Consumo de Acesso DE ACESSO CONSUMO Foto: Arquivo “CULTURA É O QUE TODO MUNDO SABE SEM SABER QUE SABE.” TERRY EAGLETON C onsumo de acesso não é uma nova categoria de análise teórica, mas um modo de se olhar para um dos processos mais significativos de expressão da subjetividade: o consumo. Quanto mais se expande o mercado consumidor na diversificação de bens e serviços, mais desafiadora torna-se a questão da proeminência da chamada “cultura” de consumo (Mike Featherstone). Nesse início de século XXI, atravessado pelas contradições finalizadoras do modo capitalista de produção econômica, o consumo não é mais um jogo de soma zero entre a satisfação das necessidades e o reconhecimento do status social por meio da exibição e conservação das diferenças representadas pela manipulação ativa dos signos, como dizia o filósofo francês Jean Baudrillard. Fotos: Corbis/Stockphotos O consumo se reveste de um sentido de posse que transcende a condição de circulação e troca de bens para estabelecer as virtudes e 56 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Maristela Guimarães André Jeremy Rifkin (A Era do Acesso) já anunciava a substituição das relações baseadas na propriedade, pela noção das redes e do acesso, como indício de profundas transformações no modo de vida moderno. O desafio agora é identificar seu efeito na efervescência das ações, dos conhecimentos tácitos, das implicações não verbais, que invadem Foto: Arquivo vicissitudes de novos tipos de vínculos e limites para as relações humanas, para o bem e para o mal, dependendo do jogo de forças do mercado. MIKE FEATHERSTONE JEAN BAUDRILLARD JANEIRO /FEVEREIRO JEREMY RIFKIN DE 2005–REVISTA DA ESPM 57 Consumo de Acesso o cotidiano, que se comportam como legendas de pertencimento ainda não codificadas, mas que estão presentes em cada uma das atividades humanas. Hoje mais do nunca, estilo e forma penetraram no mundo individual estabelecendo padrões de sobrevivência para além dos mecanismos de troca de bens e mercadorias. A desregulamentação da vida social, em função de relações variáveis e menos estruturadas por normas estáveis, suscitou o surgimento de um fluxo infinito de composições e justaposições de comportamentos desde o bizarro até o absolutamente extraordinário, a partir de uma larga escala de escolhas, como se fosse um cardápio de diversas tipologias de conduta a serem combinadas e re-combinadas, como se diz, de acordo com o “gosto do freguês”. Aos poucos aquilo que, no passado, se revelava como uma transição meramente simbólica das mercadorias, da condição de utilidade para o efeito do fetiche, sofre migrações sucessivas para um estado quase surreal de expressão, num duplo sentido de alienação: liberação e submissão. Foto: Corbis/Stockphotos processo costurado pelas ✣ Esse trajetórias de consumo, estrutura 58 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 e desestrutura a identidade dos indivíduos nas grandes metrópoles; de um lado porque, diante das múltiplas possibilidades oferecidas pela sociedade de mercado e sedimentado nas relações de troca (simbólicas ou não), estabelece um senso de direção para as pequenas escolhas diárias... Maristela Guimarães André Foto: Arquivo fundo do superficial, ou dito de outra forma, considerando que o profundo é superficial, e que o superficial é profundo, abandonando, portanto a noção de que estruturas profundas e permanentes condicionam toda a vida, enquanto as mercadorias representariam reflexos no dia-a-dia, sem maiores conseqüências. mundo moderno, com a expansão dos diferentes níveis de ✣ Osignificação da produção individual e coletiva, principalmente através do consumo, não cessa de acelerar seu modo efêmero de invadir novas esferas... (Gilles Lipovetsky). A idéia de alienação nos fala da relação “alter” (outro) como condição primeira do ser social. O ser dos indivíduos é o seu processo de vida real, na produção imediata dos seus meios de vida, no seu habitat, em decorrência de sua própria organização corporal. Mas para viver, antes de tudo, é preciso beber, comer, morar, vestir-se e outras coisas mais. Satisfeitas essas necessidades associadas aos meios desenvolvidos para tal, decorrem outras e novas necessidades, lembrando que os indivíduos renovam a sua própria vida, gerando e reproduzindo outros seres semelhantes a eles, e o fazem de um determinado modo, estabelecendo entre si relações de cooperação, embasadas em pensamentos, idéias, concepções, que compõem seus modos de re- presentação da produção material da vida. A consciência desse processo revela os conteúdos gerados pelas contradições e tensões percebidas e vividos nessas várias dimensões. É extrato da vida material da relação de cada indivíduo com o outro: mundo, seres, elementos naturais, objetos, história etc. No entanto, o mundo moderno com a expansão dos diferentes níveis de significação da produção individual e coletiva, principalmente através do consumo, não cessa de acelerar seu modo efêmero (Gilles Lipovetsky), de invadir novas esferas, de capturar em sua órbita todas as camadas sociais, todos os grupos etários e étnicos em tendências voláteis, como, por exemplo, a moda, não distinguindo o pro- JANEIRO Esse processo costurado pelas trajetórias de consumo, estrutura e desestrutura a identidade dos indivíduos nas grandes metrópoles; de um lado porque, diante das múltiplas possibilidades oferecidas pela sociedade de mercado e sedimentado nas relações de troca (simbólicas ou não), estabelece um senso de direção para as pequenas escolhas diárias, principalmente por intermédio dos meios de comunicação de massa, e de outro lado porque cultiva a superficialidade dessas escolhas, através da renovação descartável dos produtos e da moral do oportunismo. Quando se tem clareza e discernimento sobre o que se tomar como profundo ou estrutural, tem-se como pressuposta a existência de relações e condições necessárias para a ocorrência de determinado evento, e o contingente, isto é, aquilo que pode ou não acontecer, é tomado como secundário ou inexplicável. A vida moderna, nas grandes metrópoles, inverte essa relação fazendo com que o contingente ocupe o lugar do necessário. Em sua raiz, as tendências são contingentes, podem ou não vingar, podem ou não se tornar dominantes. Sua permanência encontra-se indeterminada e sua influência é /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 59 Consumo de Acesso também contingente. cia alinhava possibilidades objetivas, articulando necessidades e contingências, alcançando seu ponto de máxima influência e de declínio quando a penetração dessa combinação atingisse certos limites, sem que, no entanto, se pudesse demarcar, de antemão, quando se fecharia o seu ciclo, e nada impedindo que determinada tendência retornasse ou então sofresse graduais transformações. Considerar as tendências como categoria básica é perceber o mundo e as coisas como podendo ter representações diversas, o que não significa, necessariamente, a preponderância do arbitrário e que qualquer coisa é possível, independentemente de condições objetivas, mas que é amplo o campo de possibilidades para a ocorrência de múltiplas combinações de valores e princípios. Na vida moderna, o que determina que uma tendência vigore são fatores contingentes. Ao experimentar o pensamento, o sentimento e a realidade objetiva como tendências efêmeras que tomam sociedades inteiras e outras que ficam restritas a pequenos setores ou grupos, tacitamente aceitam- De um ponto de vista histórico, em seu desenvolvimento, uma tendên- se a superficialidade das idéias e das ações. Em sentido amplo, podemos considerar que isso abarca tanto sistemas econômicos quanto correntes religiosas, o que mostra que a concepção que se tem hoje das tendências não é apenas dilatada, mas adquire um sentido de generalização. A vida moderna realiza essa generalização, porque a vida moderna, considerada na sua pluralidade, impõe um fluxo de indefinições e incertezas, em que o consumo constitui-se em importante estratégia de sobrevivência, como num jogo com regras variáveis onde os modelos de agir e de ser não estão, para sempre, estabelecidos. das pequenas e grandes coisas da vida, permite-se desejar os produtos (bens e serviços) que mais o ✣ Diante atraem; daí a substituição do “sonho da casa própria”, paradigmático de um certo grupo social, pelo “sonho de consumo” dos artigos de luxo ou de grifes. 60 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Foto: Corbis/Stockphotos Maristela Guimarães André Quando o desejo é deslocado do seu centro, toda e qualquer atividade que afaste a sensação de dor é, por essa mesma razão, um caminho franqueado para o prazer. O consumo, como diz a canção, converte-se na longa e esvoaçante estrada que leva os indivíduos até a porta da felicidade (the long and winding road that leads me to your 1 door ). No ato de consumir, identificado entre os extremos do excesso e da carência (de bens e serviços), transcende a racionalidade mundana; cada indivíduo encontra um nexo aplicável à sua condição de carência ou privilégio na sociedade de mercado, simplesmente porque, por intermédio do consumo tem acesso a uma forma de interlocução social. 1973, Ilan Specht, uma jovem redatora da agência McCann✣ Em Erikson, ganhou projeção ao propor um comercial para a L´Oréal com o slogan: “porque eu mereço”. Acontece que essa dinâmica, provocada pelas tensões entre as marchas e contramarchas das tendências, acaba por anular os diferentes graus de satisfação das necessidades humanas, porque dissolve os conteúdos reais (prazerosos ou não), que se ligam, mais intimamente, às experiências de vida dos indivíduos. Ou seja, quando fatores contingentes são aceitos como a principal força-motriz das tendências e, conseqüentemente, os indivíduos se deixam levar pela natureza efêmera delas, a identificação dos vetores fundamentais na dinâmica da vida diária fica comprometida e, desse modo, a percepção das contradições reais também fica afetada, tornando mais difícil a compreensão dos fatos imediatos e, assim, o acesso ao desejo e, portanto, à subjetividade. No consumo, cada indivíduo, liberto das obrigações percebe que pode estabelecer para si as regras que acreditava herdadas de outras gerações. Diante das pequenas e grandes coisas da vida, permite-se desejar os produtos (bens e serviços) que mais o atraem; daí a substituição do “sonho da casa própria”, paradigmático de um certo grupo social, pelo “sonho de consumo” dos artigos de luxo ou de grifes. Esse desejo, que está presente em todos os lugares, nos relacionamentos, no trabalho, nos clubes e associações, nos ambientes de lazer, e, expresso nas artimanhas do jogo do consumo, torna-se uma forma simulada, passível de percepção, dependendo dos modos de assimilação e compreensão dos contornos de sua verossimilhança com a individualidade. 1. The long and winding road – Lennon & McCartney – 1970) JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 61 de Acesso Foto: Corbis/Stockphotos Consumo ✣ Os aspectos da feminilidade e masculinidade, dissolvidos na constante troca das características identitárias em função de combinações provocadas pelas imagens projetadas pela cultura das mídias. McCann-Erickson, ganhou projeção ao propor um comercial para a L´Oréal com o slogan: “porque eu mereço”. Por detrás do sucesso da campanha estava a mensagem relativamente autêntica e com forte apelo emocional de alguém que se reconhecia no consumo das mercadorias daquela marca. Não se trata de um jogo de vida e morte, mas, como dissimula as tensões que estimulam as necessidades do desejo, entre elas o medo da solidão, do desamparo e, nos dias de hoje, do não-reconhecimento, tanto pode iludir como fascinar. O jogo do consumo é um complemento da solidão. Como um “eterno companheiro”, substitui o vazio por inúmeras atividades, pelo contato com a multidão, ou por pequenas recompensas diárias de “merecimento”. Em 1973, Ilan Specht, uma jovem redatora da agência 62 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO Assim, à questão do consumo, no tocante à identidade dos indivíduos, não deriva, inequivocamente, do desenvolvimento da produção de bens e serviços, mas da evolução e expansão dos vários níveis simbólicos de acesso da sociedade de mercado. DE 2005 O processo de construção da identidade traduz-se numa recombinação, no sentido da rejeição ou afastamento de determinados conteúdos simbólicos e a adesão a novos modelos de representação que passam a gerenciar os intercâmbios sociais. Por exemplo, o desamparo acentuado pelos crescentes índices de violência urbana enseja a multiplicação dos relacionamentos interpessoais, presentes nas diversas formas de ser pai, mãe, marido, esposa, amigo, amante, com suas variantes e combinações, indicando a disposição dos indiví- Maristela Guimarães André duos de explorarem tentativas variadas em relação às regras originalmente estruturadas de organização social. Esse modo indistinto de estabelecer elos afetivos, anula as diferenças emocionais estabelecendo uma espécie de compensação entre as várias dimensões do existir humano; significando, por exemplo, a perda de parte da infância pelas crianças e jovens que “amadurecerem” no mercado de consumo, porque são reconhecidos, na medida em que correspondem a um “segmento” ou “público-alvo”, de um determinado setor de mercado. A isso se estendem os aspectos da feminilidade e masculinidade, dissolvidos na constante troca das características identitárias em função de combinações provocadas pelas imagens projetadas pela cultura das mídias. No entanto, para reencontrar a compreensão de que viver é explorar as manifestações do vivido, em um sentido mais extenso, é preciso reconhecer, também, no jogo do consumo, uma experiência sem finalidade e sem qualquer busca de realização ou transcendência, apenas como um jogo, em que o tempo é vivido na sua não-linearidade, sem grandes respostas, porém pleno da possibilidade de aventura contido nas surpresas e descontinuidades dos vários planos da vida. indivíduos, como formas circunstanciais ou contingenciais de estilos de vida, comportamentos performáticos, e até elos afetivos que, de algum modo, se acomodaram no vaivém dos vários deslocamentos das grandes metrópoles. Distribuídos em três conjuntos de acessibilidade distintos, em função da programação, duração e intensidade do tempo investido para a assimilação e processamento das informações, necessários para a prática, conservação e manutenção cotidianas das atividades que garantem a dinâmica desse jogo, os indivíduos estabelecem padrões de julgamentos discriminadores que identificam suas referências sociais, tornando-os passíveis de serem referidos pelos demais. Num plano ideológico, a lógica hegemônica da produção, segundo a qual alguns serão levados a investir mais tempo para definir novos patamares de diferenciação, dá determinado direcionamento aos conteúdos das redes de intercâmbio, estruturando os relacionamentos humanos em padrões de aproximação e/ou distanciamento de bens e serviços. No entanto, as condições sociais e culturais diversas, retroagem sobre esses modos diferenciados, ensejando outros conteúdos, estabelecendo assim outros critérios de acesso. Nas grandes metrópoles, o espectro urbano se disseminou num ritmo mais veloz do que a expansão dos serviços e bens culturais públicos, grandes metrópoles, o espectro urbano se disseminou num ritmo ✣ Nas mais veloz do que a expansão dos serviços e bens culturais públicos. Nesse cenário, desenhado pelas atividades de consumo, o acesso a bens e serviços dissolve-se em freqüências mínimas, máximas e médias de relacionamento entre os JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 63 Consumo de Acesso às nacionalidades distintas dos vários indivíduos, definem o que cada grupo social tenderia a assumir como um modo particular de ser, porém nesse início de século XXI, aquelas representações relacionadas aos problemas básicos de sobrevivência individual e social dos séculos anteriores, particularmente nas grandes metrópoles, deixam de ser decorrentes do trabalho, do emprego, das ocupações funcionais, para serem, tão-somente, expressão da escolha do indivíduo-consumidor. Em São Paulo, por exemplo, vivem cerca de dois milhões de nordestinos e outros tantos imigrantes, procedentes dos demais Estados, além de todas as gerando uma certa atomização das práticas simbólicas, com o conseqüente distanciamento da organização coletiva. Os indivíduos tanto nas suas demandas políticas, quanto na articulação dos eventos artísticos, de lazer, ou mesmo das atividades de consumo, se voltam para os conteúdos de maneira local, embora com pretensões de universalidade. Assim, se são agrupados, o são de modo fragmentário e tornase difícil coordenar ou hierarquizar as demandas de cada um, segundo uma perspectiva mais global. A conservação e administração dos patrimônios socioculturais, relativos grandes metrópoles, ser um “morador de rua”, por exemplo, ✣ Nas além de significar uma condição de vida, é a garantia de acesso a Foto: Corbis/Stockphotos um reconhecimento, mesmo que “anônimo”, da lógica da produção, redefinindo o sentido social de sua existência concreta. outras nacionalidades, como as de origem asiática e européia, integradas a um tecido social que, cada vez mais, ganha as tonalidades, as formas, as composições e os códigos culturais da mestiçagem. O lugar mestiço é a principal referência simbólica do consumidor moderno. Como mestiço, entre outros modos de interlocução e de acesso, constitui-se num vetor delicado e ambíguo, quando não há uma adesão completa aos bens e serviços que consome, ou mesmo quando se está completamente envolvido pelo contexto. Portador, por exemplo, de valores bons ou maus, como agente ativo ou passivo de uma ação econômica, esse consumidor se aproveita, às vezes, imensamente, de uma situação de vida qualquer e a inverte, podendo, então, ver-se impiedosamente escorraçado, excluído como um parasita. Os desempregados, os meninos e moradores de rua, os dependentes químicos, os obesos, os workaholics, são exemplos dessa categoria. Como um ponto indefinível no universo simbólico das representações sociais, sua variedade social, sem espessura nem dimensão e, contudo, com a totalidade do volume que representa na rede das interligações do ambiente, não cessa de vibrar, oscilante, por exemplo, entre as ofertas disponíveis na sociedade de mercado e o desprezo, a indiferença e o interesse, a informação e desinformação, a morte e a vida. A rede de troca e relacionamentos cria padrões de uniformidade, reorganiza os hábitos estabelecidos, e promove novos modos de trabalhar, de se vestir e de se distrair; além 64 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Maristela Guimarães André tras palavras, bagunçando o coreto. PIRÂMIDE DE MASLOW Essa presença paradoxal do consumo, no modo de ser moderno, nivela a escassez e o excesso da sociedade de mercado, dilui as regras e convenções sociais que durante décadas ajudaram os indivíduos a estabelecer e manter sua noção de identidade, e provoca um distanciamento de aspectos-chave da auto-imagem, deslocando o sentido de individualidade que orienta os objetivos na vida. REALIZAÇÃO PRESTÍGIO RESPEITO AMOR ACEITAÇÃO CERTEZA TRANQÜILIDADE SAÚDE, REPOUSO, FOME, SEDE disso, viver numa grande cidade significa, para a maioria dos indivíduos, não importa de onde vieram, a aspiração de ter um lugar para morar e acesso aos bens e serviços que lhes permitam sustentar a vida nesse lugar. Nas grandes metrópoles, ser um “morador de rua”, por exemplo, embora tenha todas as conotações e implicações socioeconômicas, além de significar uma condição de vida, é a garantia de acesso a um reconhecimento, mesmo que “anônimo”, da lógica da produção, redefinindo o sentido social de sua existência concreta. Atualmente, boa parte da “matéria-prima” da indústria da reciclagem depende da informalidade dessa mão-de-obra. A mestiçagem simbólica torna sem efeito as fronteiras e os contornos das necessidades escalonadas na pirâmide de Maslow, porque o emaranhado das redes engendradas nas rotinas de vida reúne e expande a miscigenação dos gostos, dos estilos, das qualidades dos produtos, dos modos e maneiras de ser, tornando mais complexa a objetividade sobre os processos de identificação dos indivíduos, tomados como “público-alvo” ou consumidores. Seu efeito acomoda as diferenças de padrões e estilos de vida, porém sem anular as pressões sobre a formação e a deformação da conduta dos indivíduos, criando ordens e desordens culturais que afetam a todos, indistintamente, alterando a consciência de status, as dimensões da fantasia e do desejo, o controle e o descontrole emocionais, os processos funcionais, aspectos para a recusa das transgressões e necessários para o reconhecimento de uma identidade consistente. Em ou- JANEIRO Assim, o acesso, como condição de ingresso ou de passagem nos vários trânsitos de relacionamento numa sociedade, desde o econômico até os níveis mais simbólicos de sua cultura, se confunde com a noção de impulso, de ímpeto, encontrando no consumo um dos modos privilegiados de expressão e representação dos ataques súbitos que desconstroem e constroem a identidade individual e coletiva. Essa é a civilizada insanidade que nos surpreende a todo instante quando nos deparamos com os fragmentos de desordem que transitam nos vários meios de comunicação de massa, tornando todos personalidades de fácil acesso. ESPM AUTORA MARISTELA GUIMARÃES ANDRÉ Mestre em Filosofia e Ciências Humanas Doutora em Ciências Sociais Professora da PUC-SP /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 65 O Mercado de Luxo O MERCADO DE LUXO NO BRASIL M 68 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 aria Lúcia Cucci dirige o setor de mídia da Publicis Salles Norton e foi a principal responsável pelo estudo que mereceu ser um dos finalistas do prêmio de mídia de O Estado de S. Paulo sobre o tema luxo. A idéia surgiu de um convite recebido da Câmara Americana para uma palestra, em 2003, sobre o tema. Pela primeira vez, realizava-se, Maria Lúcia Cucci RETRATO DAS FAMÍLIAS RICAS DO BRASIL ❖ 2000 – 1.162.164 famílias com renda média mensal de R$ 10.982 (set/03) 2,4% DO TOTAL ❖ 1980 – 507.600 famílias 1,8% DO TOTAL ❖ para os 1% mais ricos, a renda mensal é de R$ 23.388, contra R$ 1.608 da média da população ❖ 10 cidades mais abastadas concentram 60% e, as 100 cidades com mais ricos 84% ❖ 5.000 famílias “muito ricas” – 0,001% do total do país = 40% do PIB (patrimônio) ❖ 4 cidades concentram 50% das famílias mais ricas SÃO PAULO RIO DE JANEIRO BRASÍLIA BELO HORIZONTE Há, entretanto, um aspecto sobre o qual Maria Lúcia não se recusa a falar, mas que é de difícil constatação: a faixa populacional de rendimento superior, no Brasil, é discreta a respeito do assunto. “Pode-se considerar que o número de famílias que não declaram IR, mas têm alto rendimento mensal, pode ser até 50% maior do que os números da pesquisa...” As regiões Norte e Nordeste apresentam concentração de riqueza nas capitais – 66,8% e 68,5%. Nas demais regiões, o percentual é, significativamente, mais baixo – Sudeste, 53,5%; Sul, 38,3% e Centro-Oeste, 46,6%. PERFIL DOS RICOS 2/3 no Brasil, um estudo com informações concretas, dando a demografia do mercado e acrescentando dados qualitativos. O trabalho está servindo como referência para alunos e professores de cursos especializados. O grupo Publicis, a que pertence a agência, atende a diversos clientes do setor, como Armani e L´Oreal. “O estudo que fizemos”, diz Maria Lucia, “mostra, em 2000, 1,162 milhão de famílias com renda média de R$ 10 mil – 2,4% do total de famílias brasileiras. Em vinte anos subiu de 1,8 para 2,4%. Se formos trabalhar com 1% mais rico dessa faixa, a média mensal é R$ 23 mil contra R$ 1,6 mil da população. A concentração é grande”. 40% 60% POSSUEM CURSO SUPERIOR COMPLETO ALTOS DIRIGENTES DO SETOR PRIVADO SÃO HOMENS 18% 12,8% 28,5% PROFISSIONAIS LIBERAIS ALTOS DIRIGENTES DO SETOR PÚBLICO EMPREGADORES JANEIRO No que se refere à definição do conceito, usou-se, na pesquisa uma divisão básica em luxo intangível – “que, no Brasil, não existe. É o luxo que dificilmente se consegue alcançar – o exclusivo, o histórico, iate, objetos de arte. Depois, o luxo ‘intermediário’ que é o da Porsche, Ferrari, Armani que – para uma camada maior da população – surge como objeto de desejo”. Finalmente, conclui ML, “há o luxo acessível que é a porta de entrada para o /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 69 O Mercado de Luxo SÃO PAULO ❖ Das 100 cidades mais ricas – S. Paulo (Estado) tem 47. Destaque para S. Bernardo (5o), S. André (8o) e Guarulhos (9o) ❖ 443.462 famílias ricas que correspondem a 75,7% do Estado e 38% do país. Em 1980, a participação era de 23%. ❖ 76.738 famílias têm renda média superior a R$ 36.600 ❖ 10 distritos concentram 51,1% das famílias que movimentam mensalmente R$ 1,5 bilhão JARDIM PAULISTA – 5.813 (2º metro quadrado + caro do país) MOEMA – 5.757 V. MARIANA – 4.652 CONSOLAÇÃO – 2.945 ITAIM BIBI – 4.472 ALTO DE PINHEIROS – 2.694 PERDIZES – 4.296 MORUMBI – 2.594 PINHEIROS – 3.484 S. AMARO – 2.472 mercado do luxo – artigos de couro, perfumes, camisetas – luxos menores”. Quanto à distribuição geográfica, a maior concentração é mesmo em São Paulo e Rio de Janeiro. Brasília é um grande pólo. Porto Alegre tem sua importância. “O resto do Brasil vem comprar em São Paulo. Campo Grande, por exemplo, tem um crescimento grande no número de ricos pelo agribusiness. Há outros lugares que estão despontando com essa característica”, afirma Maria Lúcia. Para a vice-presidente de mídia da Publicis Salles Norton, o mercado brasileiro vai conhecer, ainda, uma grande expansão, a começar pelo mercado joalheiro, com empresas como a H. Stern. Mas trata-se ainda de um mercado em que prevalecem as marcas internacionais. Diz Maria Lúcia: “Luxo é referência. Há serviços de luxo, no Brasil, que são brasileiros – hotéis, restaurantes de luxo. Mas precisa de muito tempo e dinheiro investido”. Foto: Corbis/Stockphotos Maria Lúcia critica, também, o atendimento. “Falta, no Brasil, atendimento personalizado, um CRM bem feito para que as marcas se aproximem do consumidor e transformem essa experiência de comprar em algo diferente. Nas lojas mais modernas, nem lhe dão atenção, se você não estiver dentro do que julgam ser o seu consumidor-padrão. Quando, lá fora, recebe-se um tratamento de rei. O mercado brasileiro ainda tem muitas dificuldades de atendimento. O pós-venda, simplesmente não existe.” ESPM 70 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Maria Lúcia Cucci SEUS GASTOS AUMENTO DO ATIVO Habitação Impostos Alimentação Manutenção do Lar Vestuário Transporte Higiene/Cuidados Pessoais Saúde Educação Recreação Cabeleireiros Outros 23,1% 17,8 % 15,0 % 10,3 % 3,8 % 3,9 % 8,9 % 0,9 % 5,8 % 3,9 % 2,7 % 1,1 % 3,1 % (56% veículos / 4% imóvel) (imposto + contribuição trabalhista) (36,2% fora do domicílio) (46% eletroeletrônicos) (31% roupas femininas / 8% jóias) (combustível e manutenção) (32% seg. saúde / 17% remédios) NOVO CONSUMIDOR DO LUXO São segmentos da população que buscam produtos de qualidade, que traduzam status e estilo de vida. Compram como forma de gratificação. Acima do luxo, eles querem experiências únicas, capazes de reproduzir estilos de vida sonhados. Na maioria das vezes compram esse sonho a prazo. MULHERES SOLTEIRAS QUE TRABALHAM Executivas com 25 a 35 anos, que moram com os pais. Salário é destinado a compras de produtos pessoais, lazer e viagens. Compram produtos de qualidade que reforcem a posição profissional (bolsas, pastas, óculos, perfumes e maquiagem) DIVORCIADO SEM FILHOS Homens e mulheres de 35 à 49 anos, sem filhos. As mulheres tendem a consumir jóias, produtos de cuidados pessoais e sapatos. Os homens consomem relógios, produtos para cozinha e eletrônicos. Ambos guardam uma parte para a compra de carro novo e uma casa maior. HOMENS SOLTEIROS Executivos de 29 a 39 anos, que moram com os pais. Salário é destinado a restaurantes, roupas e entretenimento. CASAIS QUE TRABALHAM, COM FILHOS ADULTOS Entre 45 e 65 anos, a soma dos rendimentos os colocam em boa situação financeira, mas consomem os produtos de qualidade com cuidado. Investem em viagens, produtos tecnológicos, carros e na casa. CASAIS QUE TRABALHAM, SEM FILHOS E ntre 30 e 40 anos. Consomem produtos para casa, principalmente para a cozinha e entretenimento. Viagens e restaurantes também são prioridades. JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 71 A Crise do Marketing A CRISE DO MARKETING O início de Tudo U ltimamente temse falado e escrito bastante sobre a crise da propaganda. Na realidade, ainda que tenha a sua própria história, caminhos e causas, a crise da propaganda é resultante da crise pouco comentada do marketing, ou pelo menos é por ela acentuada. Fotos: Corbis/Stockphotos Com efeito, o marketing vem em crise há muitos anos, para não dizer que esse processo já começou há mais de dez anos. E quando falo de marketing, não estou falando de suas ferramentas. Estou me referindo sobretudo à sua maneira de existir, às suas estruturas. 72 No início de tudo houve a troca, que se transformou em vendas, que exigia que alguém vendesse, que divulgasse, que propagasse a mer- REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Avelar cadoria que era vendida (naquela época ainda não havia produto...). Assim, a propaganda nasceu junto com a venda. Quase não se pode distinguir qual é o ovo e qual é a galinha. Só que a propaganda, que nasceu atrelada, intimamente, à venda, terminou por suplantá-la, por ir além. Ela passou a existir independentemente de haver algo concreto para ser vendido, naquele instante, naquele lugar. E quem sabe, aí, nesse momento, ela começou a plantar a semente do que viria muito tempo depois contribuir para as dificuldades que ela enfrenta hoje. Porque, quando ela passou a existir sem concomitância com o produto vendido, quando ela passou a ter vida própria, ela caiu na tentação, que perdura até hoje, de se considerar como fim em si própria, de ser mais arte que comunicação, de ser mais arte que venda. E como esse processo levou, naturalmente, à criação dos prêmios, prêmios que premiam “a” peça publicitária e não os resultados que eventualmente ela poderia provocar, ou seja, a venda do produto ou serviço, nada mais natural que esse processo tenha levado à crise que se estabeleceu nos últimos anos. Porque o anunciante precisa que a propaganda realmente venda, que volte às suas origens. Mas a dinâmica da evolução das duas profissões, que se separaram lá no início, fez com que fossem tomados caminhos independentes e paralelos, que agora urge que voltem a se encontrar. Mas esse não é o tema deste trabalho e vamos parar por aqui. O que importa nesse momento é analisar a crise que se implantou, de manei- Vasconcelos a propaganda nasceu junto com a venda. ✱ Assim, Quase não se pode distinguir qual é o ovo e qual é a galinha. ra menos visível, no epicentro mesmo do negócio, ou seja, no marketing. Aliás, por falarmos em negócio, tocamos, quase de maneira involuntária, na essência mesma da crise do marketing. Porque, da mesma maneira que a propaganda fugiu da sua missão precípua, vender, o marketing deu, igualmente, as costas à sua essência, ou seja, curiosamente, também, vender. Marketing não é técnica. Marketing é “O” negócio. E foi assim que, juntos, a propaganda e o marketing foram parceiros no abandono da sua razão de ser. Transformaram-se em fim, cada um à sua maneira. A propaganda tem prêmios? O marketing inventou os cases. Mas, como tudo aconteceu? Porque o marketing deixou de ser negócio para se transformar em técnica? JANEIRO SURGE O “PRODUCT MANAGER” No início tudo começou bem. Grandes multinacionais inventaram a função de “gerente de produto”. Foi uma criação lógica e útil. Os produtos começaram a se multiplicar nas empresas. Um diretor comercial ou de marketing já não dava conta de gerir tantos produtos sozinho. O gerente de produto nasceu como um pequeno diretor. Ele era o coordenador geral de todo o processo em torno do seu produto: desde a concepção do produto, preço, fabricação, embalagem, rótulo, lançamento, distribuição, propaganda, promoção, pesquisas, share, resultado das vendas e rentabilidade. E o sistema funcionou no início, porque os primeiros gerentes de produto eram pessoas maduras, escoladas, na maioria das vezes provenientes da área /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 73 Marketing Foto: Corbis/Stockphotos A Crise do da realidade (...) para irmos até à crise que vamos viver cada dia mais intensamente, até que se encontre um novo formato, que eu, pretensiosamente, tentarei propor mais adiante. Afinal, o que aconteceu? Eu mesmo, nos textos acima, me traí, utilizando cada vez mais a palavra “gerir” em vez de vender. Porque vender já não cabia no contexto. E não há nada mal em gerir. Faz, também, parte do negócio. Negócio é para ser gerido. Mas terminamos por, involuntariamente, praticarmos o que eu costumo chamar de “escorregão semântico”. Por que? marca passou a ser fundamental, a ser cantada em verso e ✱ Aprosa como maior “Patrimônio da Empresa”. te da indiferenciação dos produtos, foi reforçado o papel da Marca, que mais tarde, no processo de sofisticação às vezes desnecessária, viria a se transformar em “Branding”. de vendas, tinham visão do todo. Talvez tivessem menos bagagem teórica, mas tinham muita prática, vivência e terminavam como um profissional completo. Que se tornavam mais tarde diretores de marketing ou diretores comerciais. A FASE DO “BRAND MANAGER” E assim funcionou bem durante muitos anos. Mas os negócios se tornaram cada dia mais complexos, cada vez mais produtos se lançavam aos borbotões no mercado. Os produtos cada vez mais se pareciam uns com os outros. Se no início a palavra mágica dos primeiros gerentes de produto era “USP” (Unique Selling Proposition), agora já era necessário fazer apelo a novos conceitos tais como segmentação, posicionamento. E sobretudo, dian- 74 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO Foi nesse momento que se evoluiu da noção de “Product Manager” para “Brand Manager”. Porque gerir produtos já não era suficiente. A marca passou a ser fundamental, a ser cantada em verso e prosa como o maior “Patrimônio da Empresa”, o que de fato ela é. Mas, acredito que, nesse momento, paradoxalmente, começamos a fazer a decolagem do real, a nos desgarrarmos DE 2005 Vamos voltar um pouco mais atrás. Logo em seguida à “redescoberta” da marca (que também foi fundamental nos primórdios, já que ela “marcava” os produtos, atestandolhes a qualidade garantida pelo fabricante), surgiu por decorrência lógica a necessidade (mais tarde transformada em paranóia) de se fazer “Brand Stretching”, extensão de marca. E daí nasceu um conflito nas estruturas de marketing das empresas, conflito esse que perdura até hoje. Ou seja, antes o “gerente de marca” geria uma marca que em geral correspondia a um produto ou no máximo a uma categoria de produto. Mas, o que fazer quando a marca, em seu processo de espichamento, abrange várias categorias de produtos como sabão em pó, desodorante e sabonete? Ou chocolate, sorvete e cereais? Quem cuida desses produtos que passam a ter a mesma marca? O gerente de marca? Mas o negócio não é Avelar feito de produto? Cada produto não necessita de uma expertise própria; cada produto não tem as suas indiossincrasias? Tudo bem, dirão, faremos um “Comitê de Marcas”. Mas, nesse processo, cada vez mais vamos indo na direção do “escorregão semântico”, erigindo o marketing em técnica cada vez mais refinada e nos afastando da sua razão mesma de ser, que é vender. AS FACULDADES DE COMUNICAÇÃO ENTRAM EM CENA Claro, dirão, que é possível conciliar tudo isso em uma mesma pessoa. E de fato é. Mas... E aí vem um outro paradoxo. A complexidade cada vez maior do mercado, como já mencionado acima, que trouxe consigo um grande número de produtos e marcas, gerou por sua vez a necessidade de se ter mais “gestores” de produto ou marcas. As Universidades, por sua vez, também perceberam a existência desse novo “mercado” e lançaram toneladas de Faculdades de Comunicação pelo Brasil afora e no mundo também, com a qualidade nem sempre à altura das reais necessidades. E então começaram a ensinar as “técnicas” de marketing aos seus alunos, técnicas essas que fazem parte do recheio das inúmeras escolas de comunicação. Aparentemente até aqui, tudo bem. Mas acontece que, mais uma vez, involuntariamente, caímos de novo no meu famoso “escorregão semântico”. Ou seja, o marketing torna- se, assim, parte de um todo maior, a comunicação (quando o inverso deveria ocorrer), apresentando uma visão muito mais técnica e qualitativa e muito pouco de negócio e quantitativa. Conseqüência disso? Nas minhas andanças pelo país fazendo palestras, quando explico aos estudantes o que é verdadeiramente o marketing, vejo os olhos esbugalhados de surpresa, quando descobrem o lado menos charmoso do marketing, quando percebem o seu lado mais hard, do qual nem desconfiavam. Mesmo se, de alguma maneira os professores “deram” essa matéria, como manda o figurino. Mas a “percepção seletiva” de cada um optou pela parte mais “interessante” do marketing, evitando “misturar-se” com essas coisas mais terrenas e “triviais” do marketing; o que gerará, mais adiante, um marketing incompleto e ineficaz. E o que vai acontecer no mercado com esse pessoal? Vai transformar o marketing no seu bezerro de ouro. Vai transformar o marketing como um fim em si mesmo (lembram-se das agências?), vai preparar orçamentos de marketing de maneira bem “científica”, vai alocar os recursos de marketing (para que mesmo?) para o ano seguinte, de maneira bem simétrica, mês a mês, e isso 15 meses antes de o ano em causa terminar (como se a realidade obedecesse a esses “planejamentos estratégicos”). Tudo isso pode parecer exagerado ou caricatura. Infelizmente é a realidade que se vê hoje. Não é de estranhar, portanto, que se comece a perceber que não é só a propaganda que está em crise. O marketing também. Vasconcelos O MARKETING É LOTEADO Infelizmente, o problema não se resume a isso. O marketing, transformado em meio, que não alcança os resultados esperados pelos acionistas (sim, eles existem, o marketing não vive sozinho), passa a ser loteado nas empresas. A função de gerente de produto, que no início era um pequeno diretor, passa a ser cada vez mais encurralada, reduzida, o que, num terrível círculo vicioso, contribui ainda mais para a sua ineficácia, para agravar a sua crise. Restam poucas atribuições ao sobrevivente e valente gerente de produto. Philip Kotler, sintomaticamente, acabou de lançar um livro no Brasil1 sobre os Dez pecados mortais do marketing, em que, em um certo trecho, resume muito bem esse esquartejamento das funções do marketing: “Ocorre que hoje é cada vez mais comum o marketing não ser responsável por todo esse processo, que é conduzido por uma mistura de profissionais de marketing, estrategistas, representantes da área financeira e da operação. De alguma forma, quando um novo produto ou serviço é criado cabe ao marketing exercer a sua verdadeira missão aos olhos de outros órgãos da empresa: promoção e vendas. Ou seja, em vez de quatro, a maior parte da atividade fica reduzida a um único P (promoção). Como a empresa acaba desenvolvendo um produto que não vende, a tarefa principal do marketing passa a ser a de limpar 1. KOTLER, Philip. “Dez pecados mortais do marketing” – Editora Campus, 2004. JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 75 A Crise do Marketing a sujeira com promoções de varejo (hard sell) e propaganda.” Mas então, o que fazer? E logo a seguir, com uma fina ironia, ele conta o seguinte caso: PROPOSTA DE UM NOVO CAMINHO “Eis um exemplo de marketing de um único P. Perguntei ao vicepresidente de marketing de uma grande empresa aérea se ele estabelecia tarifas”: Na minha opinião, deveremos repensar os seguintes pontos: A sua opinião é ouvida quando se estabelecem os critérios de seleção do pessoal de bordo? 1. PEOPLE 2. MARKETING STRUCTURE 3. MARKETING MANAGEMENT 4. PRODUCT 5. BRANDS 6. COMMUNICATION –“Não, fica tudo por conta dos recursos humanos.” PEOPLE – “A área financeira faz isso.” Você tem alguma influência no cardápio de bordo? –“Não, isto é tarefa do catering.” E a limpeza das aeronaves? A primeira coisa a ser revista é o perfil do “Novo Homem de Marketing”. Não é suficiente ter um diploma de Comunicação, nem mesmo de Marketing, para que uma pessoa possa ser um bom homem de negócio (porque, repetimos, marketing é negócio). É necessário mais. Alguns talentos e aptidões específicos são necessários. Eu diria quase que a pessoa deveria ter uma certa “vocação” para o marketing. Espírito empreendedor, iniciativa, visão do todo e estratégica; foco nos resultados são as principais características necessárias às pessoas que promoverão o desenvolvimento e crescimento seguro e continuado de uma empresa nos próximos anos. –“Trabalho da área de manutenção.” E você faz o quê? –“Gerencio a propaganda e as vendas.” Não é de admirar, portanto, que o marketing esteja em crise, que ele não venha sendo tão eficaz quanto poderia e deveria ser. E daí, os negócios param? Não. Os negócios não podem parar. Alguém assume o vácuo; infelizmente para os profissionais e em detrimento do pessoal de marketing. E o pior é que tudo isso acontece não por culpa dos executivos de marketing, mas por causa da “cama”, da estrutura, que montaram para ele. E essa estrutura é arcaica, não responde mais às necessidades de hoje. 76 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO E a primeira tarefa caberá às unidades de recursos humanos e aos diretores de marketing em seguida: DE 2005 redefinir o sistema de seleção e recrutamento de candidatos adequados ao perfil. Os testes atuais, mesmo com o simulacro dos diversos métodos projetivos, ainda privilegiam muito a inteligência, sem nenhuma dúvida, muito importante. Por isso, já vi excelentes executivos de marketing, às vezes MBA de Harvard, mas péssimos homens de negócio. No Marketing, deve-se privilegiar algumas características em particular: dinamismo, orientação para a ação (mas com capacidade de reflexão), senso de risco. Em outras palavras: as condições intelectuais devem ser uma condição básica. Mas o perfil psicológico específico deve ser um passo a mais, indispensável para se ter as pessoas mais adequadas às empresas nos tempos que virão. MARKETING STRUCTURE A função de gerente de produto, ou de marca, como se queira chamar, deveria ser extinta, pelo menos nos moldes do que existe hoje. Teremos de voltar ao passado, mas enriquecidos com as experiências das últimas décadas. O marketing deveria ser exercido de maneira mais centralizada por Unidades de Negócio, e exercido integralmente por uma pessoa madura e experiente, um Senior Vice-President. Essa pessoa terá a visão do todo e administra o conjunto do Orçamento de Marketing. Os produtos englobados pela marca ou marcas que ele gere passam a ser meio e não fim. Eles Avelar cio, que é necessário se ter a visão do todo, e que a atitude de teamwork é condição sine qua non. estão lá e são lançados para se atingir metas de vendas, share e rentabilidade global do grupo que ele dirige. Cada um, por outro lado, contribui cumulativa e sinergicamente para fortalecer a imagem da marca principal. Nessas condições de trabalho, durante o tempo em que o jovem dá suporte ao Senior Vice-President, ele vai se aperfeiçoando nas diversas ferramentas do marketing, tendo sempre a visão do negócio e do todo, vai adquirindo experiência e maturidade para um dia, se comprovados os seus méritos e sua inclinação para os negócios, se torne diretor de marketing. Os atuais gerentes de produto lhe darão suporte em diversas atividades de marketing, mas não serão divididos por marcas, nem produto, nem, logicamente, terão um orçamento próprio de marketing. Ocupar-se-ão, mediante delegação do Vice-President, de diversas tarefas ligadas ao marketing mix dos produtos e marcas sob a direção da Chefia. Outra vertente desse processo será a visão regional, em particular no Brasil, onde os costumes e hábitos de consumo diferem bastante por região. Basta verificar o caso do Nordeste, por exemplo, que em si é um país, com a sua “língua”, religião, cozinha, música próprias e com consumo privilegiado e diferenciado de algumas categorias de produtos. Em todos os casos, dá para se perceber que o foco de todos é o negó- Coerentemente com as propostas até aqui feitas, o controle da performance econômica das marcas deveria, igualmente, ser modificado. Em outras palavras: hoje muitas empresas fazem a conta de Lucros & Perdas por produto. Essa maneira de agir faz com que se atomizem os investimentos marketing. Ou ainda pior: atribuem-se “verbas” marketing em %, em função das vendas. Para vendas pequenas, “investimentos” pequenos. Investimentos pequenos não são investimentos. São despesas. E com isso não há nenhum retorno, porque de fato não houve investimento. Só se jogou dinheiro fora. Portanto, o que se propõe é que se faça uma conta de Lucros & Perdas por Marcas Estratégicas ou agrupadas, de modo a permitir reais investimentos com retornos concretos para as marcas e para os ne- Foto: Corbis/Stockphotos Muitas vezes poderão exercer funções ligadas a canais de vendas, área ainda muito distante do marketing, mas fundamental para o negócio hoje. Pode-se imaginar alguém mirando, com olhar de marketing e negócio, especificamente para o que acontece no atacado, procurando aí encontrar melhores oportunidades para o negócio do seu grupo. O mesmo poderá ser feito para os grandes hipermercados, pequeno varejo e canais alternativos. MARKETING MANAGEMENT Vasconcelos O que se propõe é que se faça uma conta de Lucros & Perdas por Marcas ✱ Estratégicas ou agrupadas, de modo a permitir reais investimentos com retornos concretos para as marcas JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 77 A Crise do Marketing a somatória simples do ótimo das Divisões ou Negócios. gócios da empresa. O mesmo se deve aplicar no caso de lançamento de produtos. Um produto é um meio para construir uma marca e promover aumento de vendas e share, com os resultados econômicos conseqüentes. Um novo produto, portanto, deveria ter um orçamento de marketing e comunicação “ideal”, independentemente de taxas (históricas ou não) e resultado operacional específico. O importante é o resultado agregado, que, esse sim, deve ser analisado com cuidado, mas ainda assim à luz de uma verdadeira política de investimento com retorno esperado. Na prática, alguns princípios deveriam ser estabelecidos, que passariam a nortear o lançamento de um novo produto: ❖ TODO NOVO PRODUTO DEVE TER POTENCIAL REAL DE FAZER UM VOLUME IMPORTANTE PARA A EMPRESA (EXCEÇÃO PARA ALGUNS POUCOS CASOS EM QUE UM NOVO PRODUTO TEM POR OBJETIVO PRINCIPAL MELHORAR A IMAGEM DE UMA MARCA, AGREGANDO VALORES ESPECIAIS) E MELHORAR AS MARGENS. ❖ TODO NOVO PRODUTO TEM DE TER UM DESEMPENHO SUPERIOR AOS SIMILARES DO MERCADO, OU SEJA, ELE DEVE TER UMA ACEITAÇÃO ELEVADA NOS TESTES DE PRODUTO. PRODUCT Novos produtos, já dissemos mais acima, não são um fim em si. São meios. Meios de manter o negócio vivo, evoluindo. São o combustível de crescimento das empresas. A bicicleta tem de ser pedalada sempre. ❖ TODO NOVO PRODUTO DEVE TER UM PREÇO POR QUILO (DEPENDENDO DO TIPO DE PRODUTO) E UMA MARGEM DE CONTRIBUIÇÃO RAZOAVELMENTE SUPERIOR AOS DEMAIS DA SUA CATEGORIA (O SEU VALOR AGREGADO, O SEU DIFERENCIAL E O SEU BENEFÍCIO DEVERÃO SER PERCEBIDOS PELO CONSUMIDOR PARA QUE ELE POSSA SE DISPOR A Se os novos produtos são tão importantes e vitais para a empresa, uma outra abordagem deveria ser dada aos lançamentos de novos produtos. O ótimo da empresa nem sempre é 78 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO ❖ TODO NOVO PRODUTO, PORTANTO, DEVERIA JUSTIFICAR-SE DE TAL MANEIRA QUE POSSA MERECER UMA CAMPANHA DE LANÇAMENTO. UM PRODUTO LANÇADO E NÃO COMUNICADO NÃO EXISTE PARA O CONSUMIDOR. (EXCEÇÃO, TALVEZ, PARA OS PRODUTOS QUE AGREGUEM VOLUME, NATURALMENTE POR PORTAREM EXTENSÕES DE MARCAS FORTES.) Esses são alguns princípios (entre outros) que poderiam ajudar a melhor selecionar os novos produtos a serem lançados. BRANDS É necessário aqui, igualmente, selecionar rigorosamente as marcas estratégicas prioritárias sobre as quais recairão os maiores esforços de vendas e comunicação. Uma certa concentração se faz necessária. Ninguém, no Brasil de hoje, com os atuais preços da mídia, consegue apoiar adequadamente ✱ Sem comunicação não existe produto para o consumidor. Foto: Corbis/Stockphotos Embora eles devam corresponder às necessidades específicas de cada negócio, uma abordagem top-down complementar deveria ser acentuada. Cada projeto de lançamento de um produto novo deveria ser examinado pelo presidente da empresa com objetivo de examinar o que aquele produto específico tem, de fato, condições de aportar à empresa como um todo. É necessário substituir quantidade por qualidade. PAGAR UM PREÇO SUPERIOR). DE 2005 Avelar muitas marcas em um mesmo ano. COMUNICAÇÃO DAQUELE PÚBLICO, UTILIZANDO-SE AQUELAS LINGUAGENS. Mais uma vez, se faz necessária aqui, também, a implantação mais intensiva da dialética bottom-up <> top-down, como comentado acerca da seleção de produtos a serem lançados. ❖ ADEQUAR A LINGUAGEM À VERBA EFETIVAMENTE DISPONÍVEL, PROCURANDO A MELHOR RELAÇÃO CUSTOBENEFÍCIO. COMMUNICATION Foi daqui que partimos. A comunicação é vital na vida de qualquer empresa. Sem comunicação não existe produto para o consumidor. Mesmo que eventualmente ela já o tenha conhecido ou mesmo experimentado. Porque a concorrência é muito grande, os apelos publicitários das outras diversas marcas são permanentes, a probabilidade de “esquecimento” e abandono de marca é muito grande. Como já comentado acima, a comunicação deveria concentrar-se em um número reduzido de marcas estratégicas. O processo mesmo da comunicação deveria inverter-se totalmente. Para fins de comunicação, não deveria haver na agência a separação entre criação e mídia. O briefing de comunicação deveria ser passado às duas áreas em conjunto. O trabalho criativo deveria seguir mais ou menos os seguintes passos: ❖ DEFINIR E DESCREVER O PÚBLICOALVO, COM TODAS AS SUAS CARACTERÍSTICAS. ❖ DEFINIR E DETERMINAR OS MEIOS CONSUMIDOS PELO PÚBLICO-ALVO. ❖ DEFINIR AS LINGUAGENS MAIS ADEQUADAS PARA ATINGIR AQUELE PÚBLICO. ❖ DEFINIR O INVESTIMENTO IDEAL PARA ALCANÇAR OS OBJETIVOS DE ❖ CRIAR AS PEÇAS DE COMUNICAÇÃO EM FUNÇÃO DOS MEIOS E LINGUAGENS SELECIONADOS E DA VERBA DISPONÍVEL. Por outro lado, uma outra questão é a distribuição da comunicação ao longo do ano. Quaisquer que sejam as teorias, como já dito antes, os consumidores são submetidos a um constante bombardeio de estímulos e mensagens, das quais muitas são dos concorrentes. Para que possa construir marcas e provocar vendas, é importante que a marca esteja presente ao longo do ano. Portanto, o meio a ser utilizado deverá ser selecionado de tal maneira que permita a presença da marca durante todo o ano. Em parte, é o que reza a teoria do Recency. O uso da dita mídia alternativa deveria ser mais judicioso. Não devem existir dogmas quanto ao uso ou não desse tipo de mídia. Só deve haver um tipo de mídia: a que alcança de maneira mais eficaz o maior número de consumidores. Assim sendo, a utilização da mídia alternativa, em muitos casos, é contraproducente e ineficaz; porque atinge pouca gente, a um custo elevado, com uma linguagem inadequada. Vasconcelos com as tecnologias modernas e transmitidas pelas Faculdades de Comunicação e Marketing. A definição mais precisa do perfil psicológico dos candidatos a trabalhar em marketing contribuirá para que exerçam essa profissão somente aqueles que se identificam claramente com o marketing como negócio. A gestão das marcas de maneira integrada, com um único orçamento, com um único Lucros & Perdas, evitará a atomização atual dos esforços, direcionando todas as energias para a obtenção do resultado do negócio gerido, passando a ser, os produtos e marcas, meios para atingir o resultado global da unidade de negócio ou da empresa. O consumidor deixa de ser genérico e passa a ser mais concreto, sendo visto e encontrado através dos diversos filtros, pelos quais ele será percebido; ou seja, o consumidor tem perfis diferentes segundo os canais de vendas que ele mais utiliza ou dependendo das regiões onde ele habita. O genérico demográfico, classe social, já não é mais suficiente. A comunicação é tarefa primordial do Senior Vice-President, definindo metas e dosando os esforços ao longo do ano em função da dinâmica do mercado, e não em função de um orçamento rígido. ESPM AUTOR CONCLUSÃO AVELAR VASCONCELOS O surgimento do Senior Vice-President, assistido por gerentes de marketing, reconcilia a razão de ser permanente do marketing; o negócio, JANEIRO Membro do Conselho Superior e Deliberativo da ESPM Ex-Diretor de Marketing da Nestlé Consultor e Conferencista /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 79 Marketing Marketing Não Existe Não Existe 80 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Roberto Menna Barreto EM TERMOS DE SOLUÇÃO DE PROBLEMAS, MARKETING NÃO EXISTE! (MAS , SIM)) firmar – como linha inicial de raciocínio – que marketing não existe é, a meu ver, paradoxalmente, a melhor e mais produtiva forma de se entender o que se pretende por marketing. A Isso não quer dizer que não possamos aprender infinidade de coisas sem uso prático imediato, todas interessantes e abstratas (e igualmente verdadeiras, como abstrações), tais como o gúgol em matemática, o tempo nulo em física, os arquétipos em Jung, ou a razão pura em Kant. Contudo, imagino que quem quer Fotos: Corbis/Stockphotos Penso que a maneira de se entender algo produtivo é estabelecer uma conceituação que possa se traduzir em ação, em prática, em administração eficaz – quase diria imediata, pragmática – da realidade. Os arquétipos em JUNG A razão pura em KANT JANEIRO /FEVEREIRO DE O número GÚGOL 2005–REVISTA DA ESPM 81 Marketing Não Existe que esteja envolvido com este altissonante termo americano – marketing – está interessado em dominar processos e eventos que o cercam na vida profissional, e obter resultados comerciais aferíveis – muito mais que discursar sobre abstrações, ainda que verdadeiras. Nesse sentido, estou convicto de que é sempre melhor partir do pressuposto de que marketing não existe. Vejamos, primeiramente, sua definição. Qual a tradução desse celebrado anglicismo (com alguma própria especificidade de cada uma dessas áreas – ✲ Aextremamente complexas e que exigem profissionais altamente qualificados – nos leva à conclusão de que nem mesmo um gênio renascentista poderia abrigá-las todas. perda semântica, como ocorre com qualquer tradução)? Comercialização. Como a prestigiosa Associação Americana de Marketing define marketing? “Execução das atividades que conduzem o fluxo de mercadorias e serviços do produtor aos consumidores finais, industriais e comerciais”. O que significa isso em bom português? Comercialização! Quantas pessoas, hoje, estão interessadas em leitura, cursos e seminários de marketing? Multidões. Quantas estariam se o assunto fosse simplesmente “comercialização”? Responda você. Vai daí que já paira, muitas vezes, sobre o que seja marketing, um véu de pompa e solenidade que pode, eventualmente, enobrecer alguns cartões de visita – porém que, em minha opinião, nada tem a ver com a “administração prática da realidade”, com resultados concretos, vale dizer, com lucros finais em qualquer segmento da comercialização. Foto: Corbis/Stockphotos Agora vejamos: seja pelo próprio significado da palavra comercialização – e por tudo o que ela implica – seja por outras definições de marketing; ou mesmo pelas áreas fundamentais que o termo genérico marketing implica (pesquisa no mercado; planejamento do produto; determinação de preços; propaganda; promoção de vendas, distribuição etc.), chegamos à conclusão, muito cândida, de que esse termo, na prática, desaba pelo próprio peso de suas diversificadas atribuições. 82 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO Não estou dizendo, por favor, que todas essas atividades não possam e devam hoje, mais do que nunca, DE 2005 Roberto estarem integradas (falo disso adiante). Contudo, a própria especificidade de cada uma dessas áreas – extremamente complexas e que exigem profissionais altamente qualificados – nos leva à conclusão de que nem mesmo um gênio renascentista poderia abrigá-las todas, a ponto de poder, com justiça, merecer o nome de “profissional de marketing”. Em 20 anos em que estive ligado, muito intimamente, ao campo do marketing (como titular de agência de propaganda que chegou a responder pela conta de algumas prestigiosas organizações nacionais e internacionais), posso dizer que presenciei inumeráveis sucessos em marketing – mas nunca algo que pudesse ser corretamente chamado de sucesso de marketing. Dizendo isso, não estou desmerecendo que alguém eventualmente se intitule profissional ou gerente ou diretor de marketing. Apenas creio que posso colaborar tentando dar uma visão mais prática, mais rés-do-chão sobre o assunto. Essa distinção não é mero preciosismo lingüístico. Comecei minha vida publicitária numa época em que uma empresa no ramo de cosméticos, por exemplo, a Gessy-Lever, garantia sucesso para seu sabonete devido ao uso de testemunhais com estrelas Menna Barreto de H o l l y w o o d ( o q u e , a l i á s , mantém até hoje , salvo engano, atendendo, obviamente, à psicologia de seus consumidores); enquanto isso, outra firma, também do mesmo ramo, a Bozzano, garantia outro sucesso notável por ter sido a primeira a oferecer seus produtos, aos revendedores, em consignação. Sejamos realistas: que competência as pessoas, os cérebros, os publicitários, principais autores do sucesso da Lever, teriam para promover também uma decisão como a da Bozzano? Ambos foram sucessos em marketing – mas criados em áreas distantes, por profissionais de formação, talento e responsabilidades totalmente diferentes entre si. Foto: Arquivo Isso me leva, muito diretamente, à opinião (que já expressei em livro) de que, em última análise, apenas quem esteja no centro nevrálgico da empresa – em muitos casos, apenas o dono da empresa – pode pretender uma visão operativa, realmente abrangente e decisória (com todos os riscos que isso implica), sobre o extenso e completo processo de comercialização, isto é, de marketing. Estou pronto a conceder que, somente tais donos de empresa seriam, na prática, homens de marketing. Uma agência de propaganda – mesmo as que, com as melhores das intenções, oferecem “marketing” a seus diferentes clientes – será uma agência de grande capacidade profissional se puder se manter atualizada, e responder com talento aos múltiplos aspectos de cada um dos diferentes mercados a que se Gessy-Lever garantia sucesso ✲ Apara seu sabonete devido ao uso de testemunhais com estrelas de Hollywood (o que, aliás, mantém até hoje, salvo engano, atendendo, obviamente, à psicologia de seus consumidores). JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 83 Marketing Não Existe dirige, com vista à sua persuasão publicitária. Mas que competência realmente profissional (não falo de meras sugestões periféricas) tem ela para definir uma composição de preços, aconselhar um desconto bancário inédito, ou mesmo, sequer, atuar no planejamento de um produto? E que capacidade, realmente profissional, pode se exigir de um talento, altamente criativo no planejamento de um produto, de criar uma argumentação realmente eficaz para vendê-lo, e saber quais os veículos ideais para veicular as mensagens? Que competência, realmente profissional, tem uma excelente empresa de pesquisa de mercado para determinar uma nova e decisiva mudança no campo do financiamento de produtos ainda na prancheta de seu cliente? só existem duas formas de operar qualquer dessas fases: a rotineira, ainda que funcional, tecnocrática, experiente (o que, em muitos casos pode ser a mais adequada, diga-se de passagem) e a criativa, inédita, inovadora; 2 tudo o que se celebra, em Congressos de Marketing, como sucesso de marketing pode ser visto, muito simplesmente, como expressão da criatividade (e não da rotina) em alguma (ou, raramente, em mais de uma) das várias fases que constituem o longo e multifacetado processo da comercialização; 3 como corolário, parece-me mais produtivo, na prática, a ênfase na criatividade (que pode eclodir em qualquer campo da atividade humana e, no caso das empresas, tanto no treinamento como na administração, tanto na captação de recursos como na comercialização) do que a ênfase num cômputo de atividades que, na prática, indivíduo algum pode isoladamente gerir, a ponto de tornar-se, legitimamente (ao contrário de outras profissões), em expert. 4 Evidentemente, então, há a necessidade de um indivíduo centralizador e coordenador de todas essas atividades. Ele irá supervisionar um processo altamente complexo, de fases interdependentes – mas cujo sucesso, creio que na totalidade dos casos, vai ser gerado por profissionais especializados em áreas de marketing – mas não por profissionais de marketing (por que, isso na prática concreta, não existe). Fotos: Corbis/Stockphotos Tudo isso, penso eu, pode ser colocado de forma diferente – e mais estimulante – pelos seguintes pressupostos: capacidade, real✲ Que mente profissional, pode se exigir de um talento, altamente criativo no planejamento de um produto, de criar uma argumentação realmente eficaz para vendê-lo, e saber quais os veículos ideais para veicular as mensagens? a comercialização moderna, que vai desde a hipótese de um produto até a sua venda final, engloba inúmeras fases, cada qual dependendo de uma expertise específica, complexa e profunda; 1 Acho muito válido, a propósito, o paralelo freqüente entre marketing e guerra. A comparação mais próxima para o chamado “homem de marketing” seria a do estrategista. Mas um estrategista não é um “Senhor de Guerra” (War Lord), pois tal título (e cargo) é impensável na Era Moderna (últimos remanescentes liqüidados na China, na década de 20). Se você, amigo leitor, fosse respon- 84 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Roberto Menna Barreto (tema sobre o qual ministro, eventualmente, seminários). E, nesses seminários, uma das dificuldades que às vezes encontro é a de deixar claro, para alguns participantes, o que é pensamento concreto (“sincrético”, Piaget), e o que é pensamento abstrato (“hipotético-dedutivo”, idem). Muitos imaginam, sugestionados certamente pela nomenclatura, que, “pensamento abstrato” refirase a fantasias, lances irrealistas de imaginação, devaneios. Já o pensamento técnico, lógico, cartesiano, 2+2=4, pão-pão-queijo-queijo – este, sim, seria, de fato, o pensamento concreto. sável por um país envolvido numa guerra moderna, você não se cercaria de “Senhores da Guerra”, porque, na prática, hoje, isso tampouco existe. Você procuraria se cercar primeiramente de estrategistas. Não de quaisquer estrategistas, mas sim estrategistas que conhecessem a fundo os aspectos técnicos da estratégia, e que fossem, além disso, imprescindivelmente, criativos – face ao desafio, único e sempre inédito, do conflito real. E, igualmente, de toda uma plêiade de executores das diferentes campanhas – no ar, em terra, no mar, ou no campo eletrônico – diferentes e altamente especializados entre si, que dispusessem também, cada qual em seus campos de luta, particularmente definidos e diferentes entre si, de boa dose de “pensamento con- comparação mais ✲ Apróxima para o chamado “homem de marketing” seria a do estrategista. Mas um estrategista não é um “Senhor de Guerra” (War Lord), pois tal título (e cargo) é impensável na Era Moderna. creto”, criativo. Então, na prática, o conceito mais compensador não seria mais o de “guerra” – mais sim o de “criatividade”, abalizada por um impecável conhecimento técnico. Para ser franco, esse assunto me interessa hoje menos por sua conotação com marketing, e mais por sua conotação com criatividade JANEIRO Nada disso é exatamente o contrário: a lógica, a técnica, a matemática, todos os processos mentais de conceituação, análise, raciocínio, pertencem ao mundo do pensamento abstrato. Marketing é ótimo exemplo de uma conquista do pensamento abstrato. Criatividade – extremo oposto – pertence ao mundo do pensamento concreto. Pensamento abstrato, e perdoemme por repetir, não implica em arroubos surrealistas: implica, isso sim, em construtos racionais, conceituais, operativos, da mente. Sua existência é discutivelmente real... porque abstrata. Exemplo simplório: os meridianos da Terra existem ou não existem? Antes da navegação por satélite, seria impossível a um avião cruzar o Atlântico (como dezenas o fa- /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 85 Marketing Não Existe ziam diariamente) sem contar com o balizamento oferecido, em sua rota, por meridianos e paralelos. Pode alguém dizer que eles sejam uma fantasia, uma licença poética? Claro que não. Agora, acaso alguém já tropeçou num meridiano? Claro também que não. E então: eles existem ou não existem? é, indivíduo exclusivamente técnico, lógico, analítico, cartesiano, também apresenta deficiência psíquica, já psiquiatricamente rotulada de “fixação funcional”. Quem é esse indivíduo no dia-adia, na profissão, na vida pessoal? É aquele que todo mundo conhece como “indivíduo quadrado”. Criatividade nula. Fotos: Corbis/Stockphotos Somente o homem, entre todos os seres vivos, possui o pensamento abstrato, racional (que o fez, inclusive, se auto-nomear, muito modestamente, homo sapiens sapiens). Já os animais (e as crianças, até os 4/5 anos) funcionam somente no pensamento concreto. Note-se, porém, que é impossível operação simultânea de ambos os pensamentos. Vale dizer: raciocínio e intuição; análise e insight; cálculo e ovo de Colombo; processamentos lógicos e Eureka; técnica consagrada e criatividade. (Eu disse simultânea, e não sucessiva e complementar.) Indivíduo que, por acaso perca, definitivamente, seu pensamento abstrato, enlouqueceu, virou esquizofrênico. Contudo – atenção! – indivíduo que, por outro lado, funcione apenas e exclusivamente, com esse mesmo pensamento – isto da navegação por satélite, ✲ Antes seria impossível a um avião cruzar o Atlântico (como dezenas o faziam diariamente) sem contar com o balizamento oferecido, em sua rota, por meridianos e paralelos. Pode alguém dizer que eles sejam uma fantasia, uma licença poética? 86 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Já indivíduo que funcione, digamos, com 10% ou mais de pensamento concreto não será absolutamente um gênio de criatividade, como se poderia apressadamente supor – mas alguém de perfil próximo do maníaco. Poderia ter, freqüentemente, milhões de abordagens inéditas sobre qualquer coisa, sem levar qualquer delas avante, ao campo das avaliações objetivas, racionais, realistas. Criatividade não deve ser vista como um amplo cenário de lances de imaginação, nem de sonho. Ao contrário, trata-se de um lampejo – uma faísca, um flash. Mas que milhões perderam, em sua vida, a faculdade de ativar, fazer acontecer, em contato com seus desafios e problemas. INDIVÍDUO QUE CONSEGUIR OPERAR – EM MARKETING OU EM QUALQUER PROFISSÃO – COM 99% DE PENSAMENTO ABSTRATO (TÉCNICO) E 1% DE PENSAMENTO CONCRETO (INTUITIVO E CRIATIVO) REALMENTE ALCANÇOU O QUE CHAMO DE OTIMIZAÇÃO DO PENSAMENTO. Note que, praticamente, todos os casos de sucessos em marketing que o leitor conheceu até hoje foram produtos autênticos de criatividade. O que vale dizer: foram Roberto Menna Barreto certa vez, há um bom tempo, numa palestra para mais de 500 pessoas, a respeito de um aparte que me foi oferecido. Nunca aceite (se acaso posso dar um conselho) ter um “problema de marketing”, porque, nesses termos, marketing não existe! Você iria, meramente, patinar em elucubrações e platitudes analíticas ou teóricas (como se nota, às vezes, em tantas reuniões de trabalho, em certas empresas). Ao contrário, fixe-se bem no problema – único, concreto, individualizado – sempre munido de uma carga substancial de bom-humor, entusiasmo e irreverência – até que, de repente, você receba a solução! (Isso mesmo, o processo é passivo.) Aí então – e só aí – confira se acaso esse problema (liquidado) pertencia à longa e complexa cadeia de comercialização de sua empresa. das dificuldades que ✲ Uma às vezes encontro é a de deixar claro, junto a alguns participantes, o que é pensamento concreto (“sincrético”, Piaget) e o que é pensamento abstrato (“hipotético dedutivo”, idem). produtos oriundos do pensamento concreto. O que implica em reconhecer: foram vitórias de indivíduos que, no momento de sua idéia, não pensavam absolutamente, de forma alguma, em termos de marketing, envolvidos que estavam na alegre e persistente motivação de resolver uma questão específica, particularizada, concreta. Permita-me repetir o que eu disse, JANEIRO Se acaso pertencia, leitor, você dispõe, como mais um prêmio, de um novo case para apresentar no próximo Congresso de Marketing. Marketing é uma palavra interessante para aparecer... depois que o problema real, na cadeia da comercialização, foi resolvido! Kant provou, através de uma série de argumentos lógicos impecáveis, a não-existência de Deus, apresentando, logo a seguir, argumentos igualmente convincentes sobre Sua existência. Nenhuma pretensão de comparar- /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 87 Marketing Não Existe me a Kant. Apenas, após essa refutação, creio que legítima, da existência do Marketing, confesso-me feliz por saber que ele existe... produtivos e verdadeiros) o processo contínuo e integrado de como produtos podem ser vitoriosamente planejados e vendidos (por quem quer que esteja interessado nisso). Continuo insistindo, de fato, que, em minha opinião, não há, na prática, “especialistas em marketing”, “serviços extensíveis de marketing”, ou “assessores de marketing”, que mereçam, legitimamente, essa designação. Se tal conceito, como conceito (vale dizer, abstratamente), acaso não existisse, todas as diferentes fases desse processo poderiam ser vistas como estanques e suficientes. Não o são. Participam, cada um, do metabolismo vital de cada empresa no que ela existe como produtora de bens ou serviços. No entanto, o conceito de marketing – seu ensino, sua discussão, seus cases – tudo isso é importantíssimo para se pensar (em termos abstratos, mas nem por isso menos 88 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO Espero que este meu artigo tenha DE 2005 sido útil ao leitor, não para persuadi-lo de nada, mas pelo que possa lhe oferecer em termos de alguma eventual mudança de ponto de vista sobre o assunto. Ou, então, pela oportunidade de rever e consolidar suas próprias convicções. ESPM AUTOR ROBERTO MENNA BARRETO Instrutor em Seminários de Criatividade, autor de 13 livros e professor visitante da ESPM – Rio. EntreVista 90 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Viviane Polzim ENTREVISTA COM VIVIANE POLZIM “VENDEMOS UM SONHO” Q uem cuida do marketing dos carros da marca Ferrari, no Brasil, é uma mulher: Viviane Polzim. Formada pela FAAP de S. Paulo, ela admite que o domínio do idioma italiano lhe proporcionou uma vantagem competitiva na disputa pelo cargo. Além disso, foi decisiva a sua experiência prévia com a Gradiente e o Grupo Regino Import, que, importava BMW, Ferrari, Rolls Royce e Bentley para o Brasil. Na Via Europa ela é a diretora de marketing e reporta-se diretamente ao presidente Francisco Longo. Leia sobre as atividades dessa jovem profissional, cuja função inclui desde a venda de bonés de R$ 40 até verdadeiras jóias mecânicas que custam quase $ 2 milhões – e que conhece pelo nome cada um dos seus 300 clientes no Brasil. “O SHARED DRIVE CONSISTE EM LEVAR OS PROPRIETÁRIOS DE FERRARI PARA UMAS VOLTAS NO AUTÓDROMO...” JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 91 EntreVista 92 JR – Como você começou na Via Europa? os proprietários de Ferrari para umas voltas no autódromo... VIVIANE – Em 1997, o Sr. Piero Gancia – que foi o primeiro importador Ferrari, no Brasil – apresentou Francisco Longo à empresa da Itália, e a partir de março de 97 a Ferrari oficializou Francisco Longo como importador. Quando fui chamada, estava na Gradiente. Ele estava procurando alguém que tivesse uma identificação com a marca, o que fazia, quem eram as pessoas... Inicialmente, coordenei dois eventos: a abertura da loja e o GP. O GP é uma máquina, anda sozinha, mas é preciso lidar com as pessoas... JR – Isso é feito todo ano? VIVIANE – Sim, e é uma coisa inédita em GPs. JR – Como é ser gerente de marketing de produtos de alto luxo? VIVIANE – Gosto muito do que faço. E trabalhar com a marca Ferrari é trabalhar com o mito, o sonho. Isso é uma política que vem da fábrica: não vendemos só um produto; vendemos uma tendência, um sonho. nome da importadora. Nós nos denominamos Ferrari, Maserati do Brasil, e cuidamos, desde a importação do produto, até a comunicação e, o cliente final que é o consumidor. É um nicho, de mercado, pequeno – temos em torno de 300 clientes cadastrados. JR – O que vocês chamam de clientes? Quem já comprou ou quem pode comprar? VIVIANE – Quem já comprou. A maioria é cliente desde 1997. Às vezes era o pai, em 97 e, agora, também o filho. JR – O que a Ferrari faz no GP Brasil? JR – Qual é exatamente o negócio da Via Europa no Brasil? JR – Você tem um arquivo de prospects? VIVIANE – O GP é organizado pela International Promotion. Mas nós fazemos o camarote da Ferrari, o shared drive, que consiste em levar VIVIANE – A Via Europa é a importadora oficial da Ferrari para o Brasil, e vende e distribui para todo o território brasileiro. Via Europa é o VIVIANE – Temos algumas informações sobre pessoas que poderiam comprar. Mas, como disse, o mercado é muito pequeno – todos se REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Viviane conhecem. Promovemos encontros com “ferraristas” e admiradores, e os próprios clientes acabam trazendo novas pessoas, porque são do relacionamento deles. JR – Com esse perfil, você foi uma forte candidata para ocupar esse cargo. VIVIANE – Trabalhei no grupo Regino Import – de 1993 até 1995. Eles importavam Ferrari, Rolls Royce, BMW... Lá, tive a oportunidade de levar o primeiro grupo de brasileiros para um curso de pilotos que existe na Ferrari. Visitei a fábrica, levei um grupo de pilotos e suas esposas, e havia toda uma programação de eventos de luxo. Tive contato com a fábrica em Maranello e conheci pessoas que estão lá até hoje, gerentes de produto, o assessor do presidente... Isso me aproximou bastante da Fábrica. JR – A Ferrari faz parte da Fiat? VIVIANE – A Fiat é a proprietária. JR – E vocês têm ligações com a Fiat no Brasil? VIVIANE – Só pessoais; são administrações diferentes. JR – Como se faz marketing de Ferrari? VIVIANE – Trabalhamos com uma marca que é absolutamente conhecida, adorada até, desde a classe D até A, desde o garoto de cinco anos até o senhor de setenta. Se pensarmos marketing simplesmente: o produto é desenvolvido, com tecnologia, design. Falando em custo-benefício, o cliente hoje é prioridade. Como Polzim “NÃO VENDEMOS SÓ UM PRODUTO; VENDEMOS UMA TENDÊNCIA, UM SONHO.” manter e fidelizar esse cliente é a grande ferramenta. Então, ter tratamento personalizado, eventos, site especializado – um tratamento pessoal. Na realidade, 300 clientes quase que se administra como se fosse uma família, porque todos se conhecem. Tentamos trazer o máximo de conforto, facilidade – estender o tapete vermelho. JR – Vocês comunicam-se periodicamente com os clientes? Não sei se eu tinha cara de cliente potencial, mas ele deixou-me entrar. VIVIANE – A porta fechada é parte da apresentação. Mas a loja está aberta ao público. Quando o cliente chega, ele sabe tanto ou mais do que a gente sobre o carro. É uma venda emocional. JR – É possível comprar o carro mais barato – por exemplo, fazendo uma importação direta? VIVIANE – Sim e estamos trabalhando para melhorar, transformar isso em um serviço realmente dedicado, pois temos clientes em todo o Brasil. Aproveitamos também as sugestões dos vendedores cuja relação com os clientes também é personalizada. Vamos amadurecer e profissionalizar isso ainda mais. Mas tem que ser algo bem diferente de telemarketing – tudo para esse tipo de cliente tem de ser diferente, inédito e tratado com carinho, presteza. Temos, entre os clientes, pessoas realmente fantásticas. Não são apenas pessoas, que têm dinheiro, mas foi um sonho que ele realizou – trabalhou, ganhou para isso. VIVIANE – Pode, mas é complicado e acaba não sendo uma economia significativa. E há a questão da garantia. JR – Vocês tomam a iniciativa do contato com novos clientes? JR – Qual é a produção anual da fábrica na Itália? VIVIANE – Às vezes. Mas, geralmente, são as pessoas que nos procuram. Muitas vezes, entram na loja até com certa timidez... VIVIANE – 4.800 unidades por ano. JR – De fato, a porta estava fechada e havia um segurança na entrada. VIVIANE – Um pouco medo de ostentação, ou mesmo as condições JANEIRO JR – Qual é a garantia de uma Ferrari? VIVIANE – Dois anos. Mas tenho um carro de 1998 para vender que andou 400 km. O pessoal compra para adorar. Tem gente que coloca o carro na sala... JR – Quantas Ferraris existem no Brasil? VIVIANE – Cerca de 300. O Brasil é considerado um bom mercado. JR – Por que não se vêem Ferraris nas ruas? /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 93 EntreVista das ruas e estradas. Mas nós promovemos eventos fechados, no circuito internacional. No caso de Interlagos, tem-se a oportunidade de ver quase todos reunidos. JR – Mas a sua distribuição é muito exclusiva. Além daqui, na Via Europa, onde mais se encontram esses produtos? VIVIANE – Temos alguns pontosde-venda, em aeroportos, por exemplo. Loja não, porque uma loja não se sustentaria. JR – O pessoal da revista Caras já foi fazer reportagem disso? VIVIANE – Já. Mas temos de “segurar” um pouco, porque nosso cliente dificilmente é encontrado numa revista desse perfil. Ele não quer aparecer. Nossa política é de não divulgar nomes, e os clientes agradecem. JR – Se uma loja estabelecida, como a Daslu, quiser vender produtos Ferrari? VIVIANE – Não é proibido. Temos permissão de distribuir. JR – E quem compra um boné da Ferrari? Vi na boutique uma camisa Pollo da Ferrari que custa R$ 85,00 – está ao alcance de qualquer pessoa. Mas não é qualquer pessoa que vem à boutique da Ferrari. JR – Trata-se de parte do negócio ou apoio promocional para a atividade principal de vender carros? VIVIANE – Não é o carro-chefe, mas responde por cerca de 10% do faturamento. O que pesa bastante no merchandising em Ferrari são as atividades que temos no salão do automóvel. Colocamos a loja próxima ao stand e uma outra para dar apoio. E todos os anos, no grande prêmio, onde temos seis pontos-devenda. VIVIANE – É o que chamamos de tifoso – o doente pela marca. O merchandising da Ferrari só começou em 98. Antes, tudo era falso. A fábrica fazia vista grossa. Mas aí descobriram o nicho de mercado, e começou um processo de licensing no mundo inteiro. Em 1999, oficializamos e começamos a vender no Brasil. Havia um agente/distribuidor no Brasil, mas achamos que isso tinha de fazer parte da empresa, pelo tratamento diferente. Entre 1999 e 2001, insistimos para ter o negócio no Brasil, mas tivemos que provar que seria rentável, com documentos, pesquisa de mercado. JR – Como vocês vêem este tipo de cliente? Deve haver muita gente assim no Brasil. VIVIANE – São pessoas apaixonadas pela marca, e é justamente o que você falou: não tem o carro mas quer o boné. É uma grife. Temos ainda muitas oportunidades para expandir, no Brasil. “PARA TRABALHAR COM MARKETING, NESSE SEGMENTO, HÁ QUE TER PACIÊNCIA.” Hoje, temos essa loja no showroom, as atividades de mercado de campo – salão do automóvel e GP –, alguns pontos-de-venda no Rio de janeiro e Salvador, e temos a loja virtual, que vai muito bem, que é a Ferrari Store, www.ferraristore.com.br. Melhor do que investir num ponto-de-venda fixo. Se eu abrir um ponto-de-venda Ferrari, não posso, seis meses depois, fechálo. Isso não pode acontecer. A matriz também é cautelosa. Eles têm uma loja no aeroporto de Bolonha, uma no aeroporto de Milão, outra em Roma e Nova Iorque. JR – Você usa a propaganda convencional? VIVIANE – De jeito nenhum, em lugar nenhum do mundo. Trabalhamos com o marketing de relacionamento. JR – Qual é a importância do Michael e do Rubinho para vocês? VIVIANE – É a identificação, o sucesso. O Michael representa o homem bem-sucedido, o piloto vencedor. É aquele que teve sucesso – é bem o perfil da marca. O Rubinho é a simpatia, aquele que está buscando, que quer vencer. JR – Há diferenças nessas imagens, na Itália, Alemanha e no Brasil? Michael é alemão... VIVIANE – Na Itália, houve alguma reserva – mas quando começou a ganhar as corridas, passou a ser adorado. JR – Vocês sabem se aumentaram as vendas da Ferrari na Alemanha? VIVIANE – É o segundo mercado 94 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Viviane para a Ferrari; os Estados Unidos são o primeiro. São 4.800 carros por ano – esse ano foi o que mais produziu. JR – O que você recomendaria a um jovem profissional que queira trabalhar nessa área – produtos de alto luxo? VIVIANE – Uma formação acadêmica, obviamente, muito boa, conhecimento geral – visão do belo, do subjetivo. E que tenha curiosidade, vontade de aprender, dinâmica, consiga trabalhar em grupo. Isso é muito importante porque, fora a máquina, trabalhamos com a alma daquele cliente. Tem de conhecer um pouco de psicologia. JR – O contato direto com o cliente Polzim é muito maior do que alguém que vai ser gerente de marketing de uma Nestlé ou Unilever. A quem você responde? em verdadeiros pilotos profissionais. VIVIANE – Ao Francisco Longo e ele cobra tudo. Ele é uma pessoa jovem, dinâmica – temos um relacionamento direto. Foi ele quem deu esse dinamismo para a marca Ferrari no Brasil. O Brasil hoje tem uma posição interessante. Veja, por exemplo, o campeonato Maserati que trouxemos com a cara e a coragem. VIVIANE – Só existe. Estamos trabalhando nisso desde 97. JR – O que é o campeonato Maserati? VIVIANE – É um campeonato só de Maserati, monomarca, e os pilotos são executivos que gostam de correr. Transformamos esses executivos JANEIRO JR – Existe algum projeto de relançar a marca Maserati? JR – Qual é o nicho da Maserati? Os carros dela custam menos do que os da Ferrari? VIVIANE – Em termos de concorrência, está paralela à Jaguar, Porsche e alguns modelos da Mercedes. Na minha opinião, atingimos o objetivo, porque isso deve ser trabalhado devagar. Para trabalhar com marketing, nesse segmento, há de ter paciência e saber esperar – os investimentos são de longo prazo. /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM ESPM 95 Mesa-Redonda O MARKETING DOS PRODUTOS E PARTICIPANTES CARLOS FERREIRINHA Diretor Geral da MCF Consultoria em Luxo FRANCISCO GRACIOSO Presidente da ESPM ISMAEL ROCHA Coordenador do Curso de Marketing Premium da ESPM LIVIA BARBOSA Doutora em Antropologia Social MAURO PRETI Diretor Comercial da Pernod Ricard J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO Moderador FRANCISCO GRACIOSO Presidente da ESPM LIVIA BARBOSA Doutora em Antropologia Social 96 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO Moderador SERVIÇOS DE LUXO Fotos: Júnior de Oliveira alar dos ricos, e das coisas que eles usam ou consomem, é um exercício estimulante. No fundo, os ricos são seres humanos como nós, reagindo aos mesmos apelos e estímulos. A diferença está nas proporções e este é o enigma que desafia os profissionais que trabalham no setor. Na discussão aqui transcrita, comprovamos o grande avanço do setor do luxo em nosso país, seja no volume de negócios, seja na sofisticação do marketing. Aqui reside uma curiosa contradição: como se explica que as vendas de produtos e serviços de luxo sejam tão importantes, num país que os nossos próprios governantes insistem em chamar de miserável? Na leitura dos debates, o leitor certamente encontrará respostas para estas e outras questões. F CARLOS FERREIRINHA Diretor Geral da MCF Consultoria em Luxo ISMAEL ROCHA MAURO PRETI Diretor Comercial da Pernod Ricard Coordenador do Curso de Marketing Premium da ESPM JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 97 Mesa-Redonda “HOJE, TEMOS UMA VISÃO UM POUCO MAIS DEMOCRÁTICA.” JR – Seria bom iniciarmos o debate com uma definição do que seja um produto, um serviço de luxo. luxo passou a não mais designar algo específico, mas é, digamos, um conforto. Numa edição da revista Vogue-Brasil, dez personalidades foram chamadas para falar sobre luxo – Sig Bergamin, Gisele Bündchen, entre outros –, e o que eles enfatizaram foi exatamente essa qualidade da experiência. A possibilidade de você, depois de um dia tumultuado, terminar o seu dia vendo o pôr-do-sol na praia do Arpoador. Pode até levar uma pequena garrafa de champagne – seria perfeito. Mas o luxo estaria na qualidade da experiência e não no produto. MAURO – Houve uma evolução na definição de luxo. Vi uma reportagem com um psicanalista chamado Jorge Forbes que diz que o luxo sempre esteve junto à humanidade. Só que o objetivo do luxo, no início, era tentar aproximar-se do metafísico, era algo divino – uma aproximação dos deuses. Depois, passou por uma transformação até chegar no iluminismo – um ponto de ruptura, porque aí se falou da razão, da lógica. Então desviou-se o caminho original do luxo que beirava a religiosidade, para um papel paralelo à sociedade – uma coisa superficial. JR – Será que não haveria uma definição um pouco mais simples? FG – Gostei da definição da Danielle, essa referência que ela faz a promessas. Acho isso importante para explicar o que leva as pessoas a comprar produtos e serviços de luxo. É a promessa de auto-estima aumentada, emulação de um ídolo. Enfim, coisas que, de uma forma ou outra, estão ligadas à marca. Isso explica a importância da marca, da grife nos produtos e serviços de luxo. LIVIA – Atualmente, o conceito se ampliou. O produto de luxo é uma categoria, do ponto de vista do business. Ele é uma qualidade da experiência. Por isso talvez, que ela fale desse envolvimento com sonhos, essa dimensão projetiva. O serviço de luxo é caracterizado por uma experiência excepcional. O que se observa é justamente a ampliação do que é, genericamente, chamado luxo. Só que, no Brasil, há ainda um outro dado: ISMAEL – Há uma definição do presidente da Federação Francesa de Costura que é bastante interessante. Ele diz que o luxo tem alma, que se trata um pouco de sair do lugar comum. Esse conceito de alma, da experiência, da grife, acaba constituindo essa percepção do luxo – é uma somatória de tudo isso. Se você conseguir perceber exatamente o que as pessoas compram: algo que as faz diferentes no grupo de referência, através de uma ex- FERREIRINHA – Esse trabalho do Jorge Forbes é feito em cima do trabalho do Gilles Lipovetsky, na verdade, o primeiro filósofo contemporâneo a escrever sobre o luxo. A grande mudança em relação ao luxo é justamente essa: deixou de ser comportamental, a busca pelo efêmero – pelo que era endeusado – e hoje é uma atividade de negócios. E como atividade de negócios, esse universo foi ampliado. E os conceitos estão meio confusos porque se diz que se pode consumir luxo barato; mas não pode. Luxo tem de ser caro. Ele pode ter classificação por acessibilidade, mesmo assim é caro. MAURO – Há muitas definições, e gosto do que diz a Danielle Allérès, diretora do Departamento de Gestão de Luxo e Arte da Universidade de Marne-la-Vallée, numa definição bastante abrangente: “Produto de luxo é toda criação fora do comum ou trivial, extraordinária, sinônimo de beleza, estética e refinamento, produto mágico, com as marcas da sedução, lúdico, evocativo de sonho, prazer e principalmente uma promessa de felicidade. É qualificado como prestigioso, de alta classe de luxo”. Essa definição é em termos de produto. Quer dizer, além das características inerentes do produto, tem-se uma parte de promessa que o produto pode dar à pessoa que vai usar uma imagem projetiva interessante do produto de luxo de quem o usa. 98 periência com o produto que realmente traga essa percepção. REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 JR – Mas e aquilo que se chama no Brasil, de “luxo de pobre”? MAURO – Essa padronização de luxo – formatar-se, rotular-se dentro de uma marca – não é a tendência do luxo atual. Tudo envolve a busca de uma identidade pessoal. O luxo está também nessa via. FERREIRINHA – Mas, muito no luxo comportamento, Mauro. Já o luxo como atividade de negócios tem por como princípio produtos com matéria-prima de excelente qualidade e mão-de-obra altamente qualificada; o que faz dele um produto caro. MAURO – Não nessa visão de business, quando digo: luxo, para mim, é participar. Para o pobre, luxo é participar de uma festa no terraço da casa dele. Isso é comportamento; não é negócios. FG – De qualquer forma, aquilo que você definiu como mercado de luxo não se destina aos pobres. MAURO – Diria que, dentro desse luxo sobre o qual estamos falando, existe uma segmentação que é aceitável. Por exemplo, você tem uma sensibilidade de escolher um relógio que não é de uma marca extremamente cara, do tipo um Patek Philippe, mas você vai em uma loja de design do Philip Stark e escolhe um relógio com uma pulseira que você mesmo corta e coloca na medida do seu pulso. Quer dizer, essa noção de identidade pessoal que o luxo atual traz, essa nova versão de luxo é que diferencia a relação. Antes, luxo eram as marcas superpremium que estão lá em cima – beirando o inacessível. E hoje, temos uma visão um pouco mais democrática. Não significa que os pobres façam parte disso. Mas o luxo possibilitou uma segmentação em vários grupos. LIVIA – Existe o luxo do luxo, pro- dutos quase que únicos, sob medida. Bolsas de US$ 40 mil – a Gucci fabrica uma. O luxo teve também um processo de democratização. No Brasil, muito grande, a facilidade de crédito permite. E um outro dado: no Brasil, luxo não é formal, em termos de vestuário; é casual. No Rio, anda-se de sandálias Havainas, entra-se numa loja Louis Vuitton, com uma bolsa Prada, vestindo uma calça jeans e camiseta, tudo está absolutamente de acordo, com charme e elegância. MAURO – Com a globalização, a busca pela identidade pessoal fez com que, muitas vezes, marcas que se tornaram ícones de luxo deixaram de ter esse rótulo. O bonito é ter o seu próprio estilo. Não basta ser reconhecido por estar com uma bolsa Louis Vuitton, como todos os que estão viajando. As pessoas mais “antenadas” procuram marcas que não sejam luxo banalizado: é o luxo que você surfa na tendência – personalizado. Em muitas lojas do tipo Chocolate, na Oscar Freire, que é uma loja de multimarcas e fala-se de grade – em lojas de vestuário, é importante. Mas, no verdadeiro luxo é cada vez menos importante. FERREIRINHA – Mas esses ainda são exercícios, tendências. No caso de uma Chocolate, é o seu estilo de comportamento de negócios, trabalhar dessa forma. Já nas grandes cadeias mundiais, não se consegue fazer isso. O cliente mudou; as marcas tiveram de se ajustar. JR – Onde está a fronteira entre luxo e arte? FG – O comprador de arte compra algo que é exclusivo. Eu estava len- JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 99 Mesa-Redonda tempos. Hoje, o novo consumidor, ávido por consumir, não é mais quem tinha nome e sobrenome. A pergunta do J. Roberto sobre luxo e arte. A arte no quesito luxo não, mas a arte é design. Não se pode dissociar, porque luxo vem da palavra latina lux que vem do belo, da luz, daquilo que enaltece. Então isso é design. Não há produto de luxo que se olhe e diga: isso é um horror. Vou me hospedar nesse hotel que tem um serviço de luxo maravilhoso, mas o hotel está caindo aos pedaços. Não faz sentido. A arte, no que se refere ao design, é intrinsecamente ligada. do uma nota sobre uma cidade de Mato Grosso, chamada Sorriso; uma dessas cidades que se tornaram milionárias, por causa da soja. A dona de uma butique dizia que tem, na cidade, 15 freguesas para os novos modelos, e que a sua preocupação era comprar 15 variações diferentes de roupa, porque essas 15 mulheres se encontram a todo momento, no clube, no shopping. E afirmava: “Se uma delas estiver usando um vestido igual ao de outra, estou perdida. Preciso vender um artigo exclusivo para cada uma”. MAURO – Que é um pouco dessa tendência que estamos comentando. JR – Conheci a Danielle Allérès num encontro da AIMAC, há uns 10 anos. Fui eu quem trouxe o livro dela para o Brasil – fiz o prefácio. O livro foi publicado pela FGV, que foi a única editora interessada. Ninguém mais mostrou interesse. Por que é assim tão recente o interesse, no Brasil, por esse segmento do mercado? ISMAEL – Mas ainda existe um mercado muito grande para as grandes grifes. FERREIRINHA – Tanto assim que o grupo Chocolate tem êxito naquilo que a gente vê; não do que verdadeiramente gera. FERREIRINHA – Muito recente. Tanto que o livro da Danielle é, até hoje, o único disponível. MAURO – Veja a Colette, em Paris – uma loja que já existe há algum tempo. Depois dela, vieram outras, do mesmo estilo, que exploram um pouco esse universo, onde o consumidor... LIVIA – Também temos o do José Carlos Duran, da própria FGV. FERREIRINHA – O livro da Danielle é especial. Há outros livros que abordam o luxo, mas – tecnicamente – Luxo... Estratégias de Marketing é uma obra-prima. De fato, no Brasil, luxo é bem recente. Só FERREIRINHA – Você tem a Jeffreys em Nova Iorque, Corso em Milão... O dinheiro não está mais na aristocracia tradicional. As marcas tiveram de se ajustar aos novos “PRODUTO DE LUXO É TODA CRIAÇÃO FORA DO COMUM OU TRIVIAL, EXTRAORDINÁRIA, SINÔNIMO DE BELEZA, ESTÉTICA E REFINAMENTO.” 100 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 agora começamos a ver o luxo como negócio. E isso está associado a uma abertura recente do mercado; o Brasil era muito restritivo. JR – Você fala da importação física de coisas? FERREIRINHA – Sim, porque as grandes marcas internacionais são os atores globais. Há uma série de outros atores na Globo, mas só existe uma Renata Sorrah, um Tarcisio Meira. Esses atores globais abrem oportunidades para outros. No segmento do luxo são Louis Vuitton, Chanel, que, chegando ao Brasil, criaram novas possibilidades para todos. Se há agora o grupo Chocolate, Regina Lunchi, é porque surgiu uma possibilidade nova, no país, que não havia antes. MAURO – Há de se tomar cuidado ao trazer essas grifes para cá. São marcas que têm visibilidade no mundo inteiro, a consumidora viaja muito e não compra no Brasil. A grande dificuldade é ter capital, para esperar um pouco pelo retorno do business. FERREIRINHA – Luxo é um investimento de longo prazo. Como no Brasil o comportamento de negócios é imediatista, essa equação, às vezes não fecha. Qualquer planejamento que se faça para o luxo, em termos de negócios, precisa de 5 anos no mínimo. Por que se abre uma loja na Venezuela, no início do governo Chavez? Porque ninguém está esperando o resultado em 6 meses; mas em 5 ou 10 anos. Mas, mesmo assim, o Brasil tem produzido resultados acima da média. Só não temos mais expres- “DEIXOU DE SER COMPORTAMENTAL A BUSCA PELO EFÊMERO E HOJE É UMA ATIVIDADE DE NEGÓCIOS.” são internacional em função das nossas limitações de dispêndio econômico per capita. JR – Vocês citaram Rolls Royce e Louis Vuitton. Só que o produto mais barato da Rolls Royce custa uns US$ 150 mil e o produto mais barato da Louis Vuitton custa US$ 50. Como é que lidamos com isso? Afinal, US$ 50, até uma pessoa pobre pode gastar, mas US$ 150 mil é só para determinadas pessoas. FG – Permitam-me, os especialistas, provocá-los. Alguns tipos de produtos de luxo – naturalmente os que permitem a produção barata – estão quase apelando para o mercado de massa. Há canetas Montblanc, segundo ouvi dizer, que se vendem por R$ 200. Pouco a pouco isso vai massificando a marca. MAURO – Deve-se tomar muito cuidado com as estratégias em relação ao luxo. Um gerente ou diretor novo de uma empresa como a Montblanc pode achar que está tendo uma grande idéia: “Estou nesse segmento. Por que não atrair o segmento logo abaixo? Olha que volume de pessoas poderia ter acesso à minha marca”. Este é um caminho perigoso porque, no mesmo tempo em que se aproxima do segmento abaixo, acaba-se distanciando do segmento para o qual foi criado. Quando surgiu, a Montblanc não era para vender canetas por 100 dólares. FERREIRINHA – Mas, você não acha que, para sobreviver nesse JANEIRO mundo atual, a Montblanc precisa encontrar outros patamares de consumo para os seus produtos? Porque essas são grandes empresas multinacionais com pressões por resultados, precisam ser rentáveis, têm ações negociadas na bolsa... MAURO – Pois eu critico essa visão do curto prazo. O acionista quer receber retorno rápido, mas é preciso uma visão de construção da marca a longo prazo. FERREIRINHA – Mas, a longo prazo, a aristocracia deixou de existir. Essa clientela, que antes sustentava as Montblanc da vida, não as sustenta mais. JR – Mas uma coisa é você ter um produto que pode custar 50 ou 500 dólares. E quando estamos lidando, por exemplo, com automóveis – Rolls Royce ou Ferrari? Quanto custa a Ferrari mais barata? FERREIRINHA – US$ 400, 500 mil. FG – Acho que o Mauro tem razão. A Montblanc, realmente, corre riscos, ao vender uma caneta por US$ 100, porque ela não faz outra coisa a não ser caneta. MAURO – Faz sim. Já estão diversificando, e acho que esse é um caminho interessante. FG – Com certeza. A H. Stern tem jóias de US$ 50 mil e de US$ 50. E não é por isso que perdem a imagem ou a reputação. /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 101 Mesa-Redonda FERREIRINHA – Há um questionamento; hoje, no segmento de luxo, isso é real. Nas conferências internacionais questiona-se, o tempo todo – até onde vai e o quanto mais é permitido? Porque a massificação é real. Quanto à pergunta do J. Roberto sobre a diferença entre a Rolls Royce e uma Vuitton, em termos de marca, nenhuma, porque a Vuitton é, de fato, mais poderosa que a Rolls Royce em termos de marca. Agora, por que ela tem produtos de US$ 50? Porque deixou de ser uma marca inacessível; passou a ser uma marca intermediária, e gera acessibilidade porque tem ativo de marca suficiente para isso. “SE UMA DELAS ESTIVER USANDO UM VESTIDO IGUAL AO DE OUTRA, ESTOU PERDIDA.” lippe etc. – poderiam ter produtos aqui em baixo, mas vice-versa não. MAURO – Esse que é o risco. Não sei se dá certo. FERREIRINHA – Concordo que é um risco, mas necessário. ISMAEL – Caso contrário essas empresas não sobrevivem. Elas estão encontrando aqui no Brasil um mercado importante. JR – A Ferrari, aqui em São Paulo, vende um boné por R$ 40. Evidentemente que não é um boné marca Ferrari, mas é um produto comercializado sob licença da Ferrari. MAURO – Acho que se deve buscar um direcionamento estratégico mais inteligente do que fazer um downgrade da marca, fazendo bonés... O caso da Armani. Acho que ele foi um maestro na construção da sua marca. Em vez de fazer um Giorgio Armani mais acessível, para quem não podia comprar, criou duas marcas: Empório Armani e Armani Exchange, que não são necessariamente degradações da marca Armani; mas três marcas que hoje convivem. MAURO – Mas quem dirige uma Ferrari não vai querer usar um boné Ferrari. JR – Não. Quem usa são os torcedores que ficam na arquibancada, durante o grande prêmio... ISMAEL – Mas essas pessoas compram esses produtos exatamente porque existe uma Ferrari que custa US$ 400 mil. Isso é que cria estilos. Se a Louis Vuitton tem uma bolsa de US$ 50 mil é porque há grupos de consumidores de 50, 100, 200 dólares. Esses produtos são bandeiras, referências... É isso que gera todo esse consumo e dá sustentação para essas empresas. FERREIRINHA – São outras marcas do próprio criador para atingir um outro consumidor. MAURO – Esse é o pulo do gato. E é diferente de se fazer um boné, um cintinho mais barato de Armani. FERREIRINHA – Mas a Ferrari não faz cintinho; ela faz boné porque vive disso, de torcida. O boné faz parte do imaginário coletivo de Ferrari, de Fórmula 1. O boné é um JR – Então os que estão lá em cima – Rolls Royce, Ferrari, Patek Phi- 102 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 exemplo real que a Ferrari precisa ter. Vamos falar de duas marcas que são o topo do consumo da chamada “inacessibilidade”: Hermès e Chanel. Chanel, o seu criador Karl Lagerfeld, fez uma criação para a H&H que vendeu em vinte minutos o que a H&H não tinha vendido em seis meses. JR – O que é H&H? FERREIRINHA – A concorrente mundial da Zara – ela é duas vezes maior do que a Zara. A Zara tem a supremacia da marca e H&H, o volume. MAURO – Mas isso não é o movimento special edition? FERREIRINHA – O Karl Lagerfeld – que estimula a inacessibilidade da Chanel – para sobreviver, faz uma coleção para a H&H dirigida ao consumidor de menor poder aquisitivo. MAURO – Mas não com a marca Chanel. FERREIRINHA – Vamos chegar lá. Essa é a pergunta de Suzy Menkes, a papisa da moda mundial. Qual a diferença da Chanel fazer bracelete de US$ 60 para o Karl Lagerfeld? Nenhuma. Há um novo consumidor, querendo consumir bracelete. Hermès – o topo da inacessibilidade, que ninguém mexia – acabou de contratar Jean Paul Gaultier, que é um dos estilistas mais “vanguardas” e grunche que há com o Marc Jacobs. Por que a Hermès fez isso? Porque precisa refrescar a marca, caso contrário morre. Daqui a dez anos vão dizer: “A Hermès foi uma marca muito bacana”. JR – Livia, você está falando pouco. Como vê, nesse nosso país de contradições, que tem um segmento importante, dos chamados “despossuídos”, essa questão de artigos de luxo...? FG – Mais do que o lado ético, parece-me existir uma contradição. LIVIA – O luxo dentro de uma discussão do ponto de vista ético, moral, sempre foi um problema, para o europeu. No pensamento social europeu, há essa discussão e um “apavoramento” da aristocracia com a verticalização do consumo. O luxo era visto como trazendo a lassidão moral, a degenerescência dos costumes. Quem deveria consumir o luxo era a aristocracia; os outros não. O fato é que ocorreu uma revolução do consumo e ele se verticalizou para outras camadas sociais. O luxo não estava mais na posse de bens de luxo, mas, fundamentalmente, em saber usá-los. Por isso, o estilo e o design se tornaram elementos, sinais diacríticos de pessoas ligadas ao luxo e ao próprio luxo. No Brasil, não há uma discussão sobre luxo; mas sim sobre desigualdade social. Concordo que o Brasil é um mercado potencial. Nos trabalhos que faço, por exemplo, sobre organização de orçamento doméstico, simplesmente não existe o item poupança, independentemente da classe. Se há uma sobra, é sempre alocada ao lazer ou JANEIRO ao consumo. Neste país – absolutamente instável, do ponto de vista econômico – a racionalidade econômica seria economizar. Mas não. Canaliza-se tudo para o consumo. O que afeta o consumo do brasileiro não é o juro, mas salário e desemprego. Se ele tiver dinheiro no bolso, vai gastar. É impressionante analisar os orçamentos de verdade: na maior crise, a pessoa não tem nenhuma intenção de mudar seu padrão de gastos diante de uma situação econômica desfavorável. FG – Estava lendo, ontem, que a massa salarial, neste fim de ano, subiu 8% em relação ao ano passado e a produção industrial 8% – exatamente a mesma coisa. LIVIA – Acho que o imoral está na desigualdade. Se todos tivessem muito, o luxo não seria um problema. Lembro-me do Ronaldinho, quando comprou uma Ferrari. De que o acusaram? De ostentação, num país pobre, de pessoas desiguais. O problema não era uma preocupação moral européia ou puritana: “Como a pessoa pode ter ou viver para além do conforto, da mera frugalidade. Como isso afeta sua alma, seu espírito, sua dimensão moral?” No Brasil é uma questão de desigualdade. Então, o debate vai existir enquanto houver desigualdade. Quando essa desigualdade diminuir, provavelmente teremos novos mercados para produtos e serviços de luxo. JR – Você deu-nos uma pequena aula e colocou essa questão de forma clara – mas fez-me lembrar do nosso filósofo popular, o /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 103 Mesa-Redonda Joãozinho Trinta. Quando alguém criticou o luxo da Beija Flor, ele disse: “Quem gosta de pobreza é intelectual; pobre gosta de luxo”. Acho que a expressão “pobre gosta de luxo” possivelmente nunca foi pronunciada na Europa. Isso é uma coisa nossa, como dizia Noel Rosa – como o samba, a prontidão e outras bossas. vende sonho, possibilidade, desejo de ascensão. MAURO – Essa dicotomia entre o pobre e o rico, essa desigualdade, acho que o luxo até se serve disso. O fato de ser aspiração é porque alguém não tem – é um despossuído que aspira aquilo. Num universo perfeito, totalmente democrático, acho que não existiria luxo – porque ele é aspiração, vive disso: da diferença. FERREIRINHA – Acabo de voltar de uma viagem que incluiu Tailândia, Indonésia e Índia. Eles convivem com a pobreza – são brasis. LIVIA – Só que nunca existiria um universo social em que predominasse a igualdade; nem onde não existisse aspiração. LIVIA – A Índia é o maior consumidor de ouro do mundo. JR – Mas será que existe lá a mesma restrição ética à desigualdade? MAURO – Por exemplo, desde a antigüidade – o Egito – aqueles cultos aos mortos, a suntuosidade daquilo. Havia despossuídos do mesmo jeito, mas a pompa se legitimava como divina. Esse problema ético não é novo, nem próprio do Brasil, mas vem atravessando as eras. LIVIA – Na índia certamente. A Tailândia, conheço turisticamente. JR – Nesses países também a desigualdade é algo que não é aceito. FERREIRINHA – Minha resposta a esse tipo de crítica é sempre a de que o segmento de luxo emprega, gera divisas. Não há nada de amoral nisso. É uma atividade econômica; não é uma contravenção; é um segmento de negócios que gera divisas. Pobre gosta de pobreza? Claro que não. Quem faz um trabalho brilhante, hoje, no Brasil – talvez o exercício prático da fala do Joãozinho Trinta – chama-se Casas Bahia. A Casas Bahia é pouco diferente do Ponto Frio Bonzão. A geladeira Cônsul que ela vende é a mesma do Ponto Frio. Só que a Casas Bahia é três vezes maior do que todas as outras somadas, porque ela não vende eletrodomésticos; ela 104 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO LIVIA – A condenação moral ao luxo, especificamente, e às conseqüências que ele pode trazer moralmente, é diferente de uma discussão da desigualdade sob suas dimensões política e econômica. Que é o caso brasileiro, em que não se discute moral; o que é amoral é a desigualdade, a má distribuição da renda, não o fato de existir o luxo. ISMAEL – No Brasil, as pessoas gostam de ver os seus ídolos se apresentando bem. Lembram quando o Roberto Carlos comprou um iate – o famoso “Lady Laura” – e todos diziam: “Mas ele tem de ter mesmo. Ele é nosso rei”. DE 2005 LIVIA – Faz tempo que a Hebe Camargo fascina a sua platéia, com um estilo de vestir, jóias caras... FG – Acho que o único problema real – principalmente para quem vende produtos de luxo – é que a desigualdade provoca desajustes, violência. As pessoas têm medo de ostentar luxo na rua. JR – Uma pessoa ligada à Ferrari disse-me que não se vê Ferrari, por medida de segurança. FERREIRINHA – A violência talvez o iniba de trafegar com mais freqüência, mas não de adquirir o carro. ISMAEL – São duas coisas diferentes: segurança e ostentação. Se vejo um jogador de futebol do meu time com um carro qualquer, digo: “Ah! Está mal”. Quero ver meu artilheiro com um carro de luxo. JR – Livia, quando você fala da questão européia, desse enfoque moral do luxo, da ostentação. Isso ocorre desde quando? LIVIA – Começou nos Séculos XVII, XVIII e a discussão estendese até hoje. JR – Por quê? LIVIA – A origem está numa revolução comercial. Nós aprendemos, na historiografia oficial, que a Revolução Industrial precedeu a revolução de consumo, mas, na verdade, não foi isso o que ocorreu. Historicamente, ocorreu uma revolução do consumo comercial, precedendo as medidas para aumentar a produção. Mas, moralmente, sempre valoriza- “A VUITTON É MAIS PODEROSA QUE A ROLLS ROYCE EM TERMOS DE MARCA.” mos tanto o trabalho, que ficou quase impossível admitir-se a valorização do consumo antes do trabalho. E é dessa época essa discussão. Foi quando começou a verticalização do consumo do que hoje se chama, culturalmente, de supérfluo – eram fitas, veludos, cintos, rendas, objetos para casa, louças, talheres. JR – A própria busca pelas especiarias. LIVIA – Exatamente. Foi essa primeira globalização, trazida pela descoberta da América e caminho das Índias; o mundo entra em contato com uma série de produtos. Não falamos aqui, mas há outra coisa relacionada ao luxo, muito importante, que é a raridade e o exótico. Essa dimensão é muito forte, no mercado de luxo. FG – Li, outro dia, que uma manga no Japão vale US$ 30 dólares. LIVIA – Quando morei lá, Prof., vi um melão por US$ 100. JR – Há um outro item da pauta, que é a questão da durabilidade das marcas de luxo. O que é feito – se é que existe alguma ação deliberada – para manter as marcas de ponta no mercado de luxo em evidência, permanentemente desejáveis? FG – Posso acrescentar, como alguém que trabalhou com produtos de consumo, que, historicamente, as marcas tiveram o apoio da propa- JANEIRO ganda. Mas a propaganda foi perdendo força, pouco a pouco, e hoje, talvez o mais importante para manter uma grande marca de produtos de consumo viva e competitiva no mercado seja a inovação. Como se faria isso nesse mercado esotérico dos produtos de luxo? JR – E eu acrescentaria: existe alguma marca de luxo que foi deliberadamente criada em tempos recentes? MAURO – A Thierry Mugler é uma marca relativamente recente. FERREIRINHA – Recente, hoje é só perfume, porque, como vestuário é quase inexistente. Mas no Brasil temos um case, uma marca que está se transformando em luxo, que é a H. Stern. A H. Stern não era uma marca de luxo, mas vem fazendo seus deveres de casa para se tornar uma marca longeva e uma marca de luxo. Temos outro case no Brasil que é Trousseau, uma marca deliberadamente criada para ser luxo. Ela não é apenas uma continuidade da Trussardi. Não vejo o segmento de luxo como inovador e acho que não poderia ser. Senão seria um paradoxo, porque uma das características mais fortes da segmentação do luxo é a tradição, a história. De que forma se mantém viva a tradição, a história de determinado produto? Aí você faz deliberadamente, com supremacia e técnica, todas as correlações, as histórias, os personagens, os reis etc. /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 105 Mesa-Redonda Uma Montblanc não está no mercado para inovar pela competência técnica da sua caneta, mas para dar sustentação à sua história. E essa história tem a ver com a fantasia, com o imaginário de saber que é uma caneta Montblanc porque tem a estrelinha em cima – isso é maravilhoso. “O SEGMENTO DE LUXO EMPREGA, GERA DIVISAS. NÃO HÁ NADA DE AMORAL NISSO.” da, surgem outras 50 marcas no mesmo segmento, explorando a mesma idéia criativa. É mais um mercado de benchmarking, e isso é um pouco dessa sustentabilidade. No business do luxo, há essa voracidade da inovação. Há várias empresas de marketing de luxo que têm uma enormidade de lançamentos por mês. O consumidor nem bem incorporou a última inovação, já está chegando outra, e assim por diante. Até no segmento eletrônico. FG – Tradição significa exclusividade. MAURO – Há cases em que a tecnologia é importante. Por exemplo, a Lancôme, uma marca de luxo, mas que perdeu um pouco as suas raízes por falta de inovação. FERREIRINHA – Mas precisa ter a tradição associada. JR – Você fala de moda, tecnologia, mas trabalha na indústria de bebidas. Como é que a indústria de bebidas funciona nessa questão do luxo e do popular? MAURO – Concordo que não é predominantemente a inovação. Mas há segmentos, como cosméticos, por exemplo, produtos que foram tão segmentados, que, hoje, tem produto para a ruga do nariz, do dedo, em qualquer marca. Segmentou-se o rosto da pessoa e surgiram produtos específicos para cada área do rosto. Uma empresa descobre um produto para as primeiras rugas dos olhos. Em segui- 106 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO FG – Trabalhei com cerveja durante anos e o que mais temíamos mexer era no rótulo. O rótulo tem de parecer velho, de 200 anos pelo menos. JR – Mas cerveja é um produto barato. Uma cachaça Havana que custa R$ 300, vocês acham que um produto como esse tem chance DE 2005 internacionalmente? FERREIRINHA – Não acho que a cachaça possa ser um produto brasileiro de luxo; é o mesmo caso da Havaianas. O brasileiro confunde essas coisas, porque somos um país jovem, temos pouca referência das raízes culturais. JR – Sim, mas parece que existe Havaianas de US$ 500. FERREIRINHA – Trata-se de Havaianas vendidas numa única loja do Japão, feita especialmente para essa loja. Acho que a cachaça brasileira tem condições de tornarse um produto de exportação. Tomara a Deus. Mas isso não é luxo. Luxo tem um berço cultural, e aí está associado à Europa, à França principalmente. JR – E o que fazem as empresas para perenizar-se, tornarem-se cada vez mais desejáveis? LIVIA – O Ferreirinha disse que a H. Stern e a Trousseau estão fazendo seu dever de casa. Qual é o “dever de casa” para se tornar uma marca de luxo? FERREIRINHA – No caso da Trousseau, ela nasceu como uma marca de luxo. Chega hoje, mesmo, a desafiar grandes marcas internacionais. Ela trabalha com o topo da matéria-prima, no material dela, e tem um posicionamento de mercado, com imagem, produto, preço, ponto-de-venda que realmente bebe da fonte do luxo, em todos os sentidos. Luxo tem de ser caro e a Trousseau faz isso bem. Quanto à H. Stern, ela tem hoje, de market share, no Brasil, 83%, e o segundo colocado tem menos de 10%. Eles são a única marca do Brasil, na história, que foi considerada uma marca de luxo na França, e participa do Guia Oficial do Luxo. JR – Eles faturam mais no exterior ou no Brasil? FERREIRINHA – Mais no exterior porque têm um varejo mais forte. O dever de casa que eles vêm fazendo... Foi a primeira empresa a associar design a jóias, no Brasil, a primeira a trabalhar com identidade de marca. Quer dizer, a ousadia da inovação da H. Stern, associada à tradição – aquilo que o Sr. Hans tem até hoje como supremacia, de que a jóia vem da pedra, mas chamou Costanza Pascolato, Carlinhos Brown. Mexeu com os aspectos culturais brasileiros e, cada vez mais vem-se distanciando na construção de design, peças, elementos nobres. E agora chegou ao cúmulo de inventar um novo corte de lapidação de diamante. O mundo se ajoelhou diante da H. Stern. JR – Mas isso é tecnologia. MAURO – Tecnologia e sensibilidade, porque houve uma tropicalização dos produtos da H. Stern. Hoje, ela não trabalha só com as pedras top, mas trabalha com pedras brasileiras. E a grande inovação foi o trabalho com designers, as coleções que lançaram. FERREIRINHA – A H. Stern é uma empresa 100% de luxo? Não é, mas é uma empresa que vem fazendo um excelente trabalho e já tem liderança total na lembrança do que são jóias, no Brasil. É objeto de desejo. FG – O exemplo da H. Stern é uma boa resposta à pergunta que o J. Roberto fez sobre como perenizar uma marca de produtos de luxo. Eu lembraria também um exemplo negativo – que talvez vocês queiram comentar – que foi o da Christian Dior, que parece estar – agora – tentando recuperar a imagem, mas perdeu, de fato, sua posição. MAURO – Há um outro exemplo: Calvin Klein – um case de como não se fazer o marketing do luxo. E acho que a Dior conseguiu resgatar um pouco; sofre menos. “NO BRASIL, AS PESSOAS GOSTAM DE VER OS SEUS ÍDOLOS SE APRESENTANDO BEM.” FERREIRINHA – A Christian Dior, hoje, é uma outra marca; o cliente tradicional de Dior já não a reconhece mais. Mas a empresa estava num beco sem saída. Era deficitária e só não fechou as portas porque o Bernard Arnault tem, na Dior, a sua menina dos olhos; foi a empresa que iniciou a LVMH. A Dior perdeu dinheiro durante 16 anos ininterruptos. Era a marca mais deficitária do grupo LVMH. Daí, aquele passo bem inicial: como manter perene uma marca. Se a Dior não tivesse feito um esforço de mudança radical, desapareceria, viraria uma Calvin Klein, que se perdeu nas licenças, um Yves Saint Laurrent, que faz um discurso, dizendo: “Tom Ford roubou a minha marca”. Não roubou. A marca era dele, vendeu porque quis. A Dior precisava fazer uma mudança. Hoje está entre as três de maior sucesso do mundo – uma delas é a Louis Vuitton, a outra a Dior e outra a Burberry e são marcas que ultrapassaram cerca de 45% de crescimento em vendas em um ano. É inacreditável. Difícil concluir que a Dior esteja “equivocada”, pois saiu de 16 anos de déficit para 3 anos de ascensão financeira. Mas ainda está com problemas de identidade. Só que ela precisava correr riscos para encontrar um novo caminho. Até o mailing: os clientes estavam morrendo. Não havia renovação. JR – Vamos falar um pouco sobre a questão da pirataria. Isso realmente causa prejuízos ou ajuda a divulgar a marca? Qual é a verdadeira história? FERREIRINHA – A Maria Helena JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 107 Mesa-Redonda falsificados ou pirateados tendem a ser mais clássicos. O processo de inovação ajuda. Mas não se consegue controlar. Hoje, há até exportadores de produtos piratas. Castilho – uma das primeiras jornalistas de moda no Brasil e que fundou o Work Fashion – costumava dizer: “Ferreirinha, depois de muitos anos, cheguei à conclusão de que, quem mantém a indústria da falsificação são as próprias marcas de luxo”. Quando falamos de pirataria de CD, ou de relógio, que no Brasil é muito forte, na verdade, em termos de luxo, no Brasil, é quase nada. Em lugares como Tailândia, China, Índia, Nova Iorque, Itália é uma loucura. Acabo de comparecer a uma conferência internacional do luxo que aconteceu na China – já está no quarto ano. Aliás, ela foi realizada na China devido a um problema específico: Hong Kong cresceu esse ano 82% no consumo direto de luxo, só que, ao mesmo tempo, trata-se do maior produtor mundial de falsificação. As empresas não perdem cliente para pirataria, pois cliente de luxo não compra produto pirata. O grande prejuízo é em relação à imagem – arranha a marca. Hoje é o segundo orçamento de todas as empresas, depois de marketing, inovação e tecnologia; a briga é pelo combate à pirataria. É tão dispendioso, que faz com que grupos concorrentes se juntem. Chanel trabalha com Hermès e Louis Vuitton, compartilhando custos, porque o combate à pirataria é caro. Isso também tem a ver com a necessidade de se lançar produtos no mercado que custam US$ 50 mil... FERREIRINHA – Na China, vi ruas e ruas só de falsificação. Nossa 25 de Março é coisa de amador. Vi uns stands que não continham produto. Só catálogos e fotos na parede. Um indivíduo sentado à mesa; a pessoa chega, escolhe o produto e ele, pelo rádio, passa o pedido para alguém. São os agentes e representantes da falsificação – é uma indústria. JR – Vamos falar um pouco do futuro desse mercado no Brasil, tanto do ponto de vista de mercado consumidor quanto de mercado de trabalho? LIVIA – Embora não seja especialista nessa área, pela minha experiência com a cultura brasileira e o comportamento do consumidor, acho que se trata de um mercado em expansão. E a tendência será ainda – por alguns anos – de crescer. MAURO – Vejo dois cenários, para o luxo brasileiro. O luxo de que se fala – Ferrari, Jaguar, Mercedes –, conforme aumentam a distribuição e a disponibilidade das marcas, ele tende a aumentar, não em volume, mas em valor do que se adquire. Quer dizer, o mesmo universo de consumidores vai consumir mais quantidade, mas o produto não vai aumentar a sua penetração. O mercado existe há muito tempo e o MAURO – A inovação tem papel importante, porque os modelos “OUTRA COISA RELACIONADA AO LUXO, MUITO IMPORTANTE, É A RARIDADE E O EXÓTICO.” 108 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 crescimento é vegetativo. A relação cambial vem sendo cada vez melhor; vamos torcer para que o euro não dispare. Grande parte das empresas que trabalham com produtos de luxo leva em conta o fator risco, as importações, essa questão da banda cambial. Enquanto o dólar cai, as empresas que se alavancaram vão trabalhar com preços médios. Mas a percepção do consumidor é: “O dólar está caindo. Então, vou comprar o produto mais barato”. Mas não é bem assim. FG – A verdade é que os preços dos produtos importados não estão caindo. MAURO – Não estão, mas a expectativa é a de que a relação cambial se estabilize, para que esse luxo “intermediário” continue acessível para que uma pessoa que toma uísque possa migrar para um Scotch 12 anos. A renda per capita tem de aumentar para que o segmento cresça em volume. O luxo inacessível vai continuar assim. Tivemos um boom de consumo no Brasil, em 97, quando a taxa estava um para um. FERREIRINHA – Acho que vai haver uma grande expansão. A curto prazo é um mercado em expansão, crescimento e empregabilidade. Claro que podemos crescer ainda mais, quando retomarmos o crescimento econômico. Mas também se vê, no futuro, o chamado “novo luxo”, que é o que os norte-americanos vêm criando com cases como Starbucks. Aqui, fazemos café Suplicy, Santo Grão etc. – elevando o patamar de consumo, não necessariamente ao luxo inacessível, mas o de poder consumir serviços e produtos melhores. O perfil que o jovem profissional vai ter é o de negócios. No segmento de luxo buscam-se profissionais. Uma LVMH contrata executivos de Procter & Gamble, Unilever. O novo presidente da Gucci vem de uma divisão de sorvetes do grupo Unilever. Hoje, o segmento de luxo é um segmento profissional que precisa de profissionais que entendam de business. Tenho a expectativa de que esse segmento dobrará de tamanho nos próximos seis anos. ISMAEL – O mercado vai crescer e as empresas, cada vez mais, precisam fazer sua lição de casa. Foi o que discutimos aqui. E fazer lição de casa é, realmente, entender que é um business, que precisa ser trabalhado mercadologicamente. Daí a necessidade de bons profissionais. O segmento tem importado profissionais de outras áreas porque ainda não temos escolas que formem profissionais especializados nesse tema. Vamos ter mais e mais empresas contratando profissionais voltados ao segmento do luxo, porque ele realmente vai crescer e profissionalizar-se. As marcas, principalmente no Brasil, precisam ter consciência de sua perenidade. Esse é um mercado muito novo e tenho certeza que vamos ter aí algo bastante interessante, tanto profissionalmente quanto mercadologicamente, academicamente. JR – Vocês acentuam o conhecimento de negócios, de business. Mas não há negócio, nem business que não dependa de uma coisa chamada ser humano. Na sua visão, Livia, qual a importância do conhecimento do ser humano para esse negócio? LIVIA – Em termos sociológicos e culturais – onde me sinto mais à vontade – há duas coisas que chamam a atenção. Primeiro, o perfil das novas fortunas do mundo. Quem são essas pessoas? Elas não têm perfil aristocrático, e parecem voltadas para outros interesses além do consumo. Veja o Bill Gates e os novos milionários. Além disso, entre as maiores fortunas, sete são fortunas de jovens. Não sei como isso pode afetar alguma coisa, a longo prazo. Pensaria nisso, inclusive no Brasil: pessoas que podem comprar praticamente qualquer coisa que desejam, mas o interesse delas não está mais nisso. Veria essa tendência com cuidado. MAURO – Concordo com a Livia. Talvez, 70, 80% seja business, mas acho que há pelo menos 30% de sensibilidade: um olho para o luxo. Vim do mercado de massa e tive dificuldade para me adaptar aos conceitos do luxo. Enquanto um produto de massa busca a distribuição, o luxo busca a seletividade, busca, de fato, diminuir a distribuição. Se a pessoa aplicar os mesmos conceitos de massa dentro do luxo, vai se dar mal. Por isso, acho que o business só, não faz um bom profissional de luxo; ele precisa de algo mais. FG – Sensibilidade, informação e coragem para ser diferente. Estava vendo outro dia uma revista chamada Plug – é o resultado de um curso de jornalismo oferecido pela Editora Abril aos melhores alunos das faculdades de jornalismo do Brasil, e entre eles são escolhidos os que a Abril vai contratar. Como produto final desse curso, fazem uma revista muito bem impressa pela própria JANEIRO Abril. Folheando esta revista, percebi como é estereotipada a cabeça dos jovens brasileiros, em alguns aspectos. Das 28 ilustrações principais da revista, 26 são mulheres em variados estágios de nudez. A matéria da página central da revista faria corar de inveja os redatores da Playboy e tem como anexo, um curso avançado sobre sexo. Realmente, é preciso ser diferente da maioria – ter sensibilidade, informação, cultura, caso contrário, não se vai entender o que é esse mercado. Acho que vocês cobriram o assunto de muitas maneiras. Lembraria apenas um aspecto que não foi registrado. Acho que o mercado do luxo teve essa expansão no Brasil – principalmente nos últimos dez anos – como reflexo, também, da abertura do Brasil ao mundo exterior, em todos os aspectos. Não só em termos de importação, exportação, mas também em idéias, viagens, exposição à mídia estrangeira. As elites brasileiras estão mais bem informadas sobre tudo o que ocorre lá fora – e o luxo vem, acima de tudo, do exterior. Não é aqui que se produzem os ícones do luxo. Acho que isso vai aumentar ainda mais e, por si só, é quase uma garantia de que esse mercado vai continuar crescendo no Brasil. É claro que o fator limitativo é aquele que a Livia lembrou: nós, brasileiros, temos mais vontade de gastar do que dinheiro no bolso. JR – Falou-se muito da França e há uma frase em francês que acho que ajuda a sintetizar o nosso tema, que é “Vive la difference”. Agradeço a presença de todos e espero, mais uma vez, que esse debate seja útil nas nossas aulas e, em geral, para os leitores da Revista da ESPM. ESPM /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 109 Case-Study MERCADO DE LUXO NO MUNDO E NO BRASIL E REPOSICIONAMENTO DE MARCA NO SETOR DE LUXO Foto: Corbis/Stockphotos Este caso descreve as principais características do mercado de luxo brasileiro e como a Christian Dior conseguiu se reposicionar no segmento de alto luxo, após um período de hibernação da marca. 110 ESTE CASE FOI ELABORADO POR ELAINE MICHELY FURTADO CAROZZI, COM BASE EM PUBLICAÇÕES EDITADAS NO PERÍODO DE FEVEREIRO DE 2001 A DEZEMBRO DE 2004. ORIENTAÇÃO E REVISÃO FINAL DO PROFESSOR IVAN PINTO. REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Christian 1. O MERCADO DO LUXO INTRODUÇÃO O luxo está na moda. As marcas, também. E o mercado de luxo é o paraíso das marcas. Os consumidores desse privilegiado segmento, mais do que leais, tendem a ser adoradores das marcas pelas quais se dispõem a pagar preços premium, em troca dos valores que percebem nelas, como satisfação da auto-estima e a expressão de um alto status socioeconômico, real ou aspirado. Esses valores podem ultrapassar, sem ignorá-los, outros componentes da proposta de valor daquelas marcas, como qualidade do desempenho, design, estilo. Para conquistar esse reconhecimento, as marcas de luxo são lapidadas por anos de um consistente trabalho de posicionamento, pelo uso criativo e elaborado do composto de ferramentas de marketing e pela corajosa decisão das empresas, suas proprietárias, de renová-las continuamente, sem contradizer, sua essência. Hesitações na tarefa de rejuvenescimento podem abalar o valor das marcas. Este estudo de case descreve, justamente, como a empresa proprietária da marca Christian Dior conseguiu recolocála na posição de um dos maiores ícones do mercado de luxo, após um período de perda de vitalidade da imagem. Como sumarizado no livro Lê Luxe Éternel, de Gilles Lipovetsky e Elyette Roux, “Com o aumento do consumo, o luxo adquiriu novas proporções nas nossas sociedades. Não é mais um SUBSETORES: Dior fenômeno marginal limitado a uma pequena elite. Tornou-se um setor significativo da economia. Por meio das marcas, está onipresente no universo da comunicação”. O chamado setor de luxo é usualmente entendido como composto por 35 subsetores. 18. Cristais 1. Acessórios de moda 19. Ourivesaria 2. Bagagem/Artigos de couro 20. Porcelana e Faiança 3. Calçados 21. Mobiliário 4. Cosmética 22. Outros têxteis da casa 5. Pele 23. Luminárias 6. Vestuário 24. Têxteis de mobiliário 7. Relojoaria 25. Distribuição alimentar 8. Joalheria 26. Hotelaria 9. Lingerie 27. Restauração 10. Perfumaria 28. Instrumentos de música 11. Automóveis 29. Foto, som e vídeo 12. Aviões particulares 30. Artigos de papelaria 13. Iates 31. Edição 14. Motocicletas 32. Impressão 15. Champagne 33. Tabacaria 16. Destilados 34. Horicultura 17. Vinhos 35. Cuidados corporais Segundo a Interbrand, o mercado mundial do luxo cresceu 19% em 2003 para atingir um valor estimado em US$ 200 bilhões. Com o impacto da tendência chamada de “novo luxo”, previa-se que esse valor dobraria em 2005. Ainda segun- JANEIRO do a Interbrand, 15 das 100 mais valiosas marcas do mundo em 2004 eram de luxo. O Boston Consulting Group estima que, o mercado de luxo girará em torno de US$ 1 trilhão por volta de 2010 (excluindo os subsetores de vinho e destilados). /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 111 Case-Study GRUPOS DO SETOR LUXO CONGLOMERADO/EMPRESA FATURAMENTO 2003 (BILHÕES APROX.) Grupo LVMH Louis Vuitton Christian Dior Couture Grupo LVMH + Dior C $ 12,0 2,6 C$ C $ 0,523 C $ 12,523 Grupo Pinault-Printemps-Redoute* Grupo Gucci Marca Gucci C $ 24,36 C $ 2,54 C$ 1,5 C $ 3,95 US $ 1,89 C $ 1,30 US $ 1,58 £ $ 1,90 C $ 0,759 Grupo Richemont Tiffany Hermès Grupo Armani Burberry Bulgari * O Grupo Pinault não atua apenas no segmento de luxo. Em 2001, o grupo teve um faturamento de C$ 2,5 milhões no segmento luxo. 2. O MERCADO DO LUXO NO BRASIL tenham arrefecido em 2004. Christian Dior e muitas outras marcas mundiais de luxo, famosas e bem-sucedidas, disputam com vigor o mercado brasileiro, que foi, por exemplo, o primeiro da América do Sul a ter lojas da joalheria Tiffany & Co. Baccarat e Christofle estão aqui desde o Império. Uma das lojas brasileiras da Louis Vuitton está entre as mais produtivas do mundo. A Armani, diz-se, teria vendido no ano 2000 mais no Brasil do que em New York. As lojas Montblanc de São Paulo também estariam entre as mais bem-sucedidas da rede no mundo. A marca venderia, aqui, mais canetas do que em qualquer outro país, exceto os EUA, França, Itália e Espanha; e só perderia na venda de relógios para os EUA e a Itália. O responsá- Segundo a Câmara Americana de Comércio, a Amcham Brasil, o mercado do luxo no país alcançou um valor entre US$ 1,8 e US$ 2,2 bilhões, ou cerca de 1% do mercado de luxo mundial. A porcentagem da população que consumia produtos de luxo em 2004 era pequena, comparada à de países desenvolvidos. Mas, cruzando o valor do mercado de luxo com as várias estimativas de números de consumidores do setor, deduz-se que o consumidor médio de produtos de luxo no Brasil despendeu, talvez, de três a cinco vezes mais do que o consumidor médio mundial. Mais: os produtos cresciam em cerca de um terço ao ano, embora as vendas de algumas marcas 112 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 vel pela concessionária da Ferrari revelou, numa entrevista que, em 2002, vendia 40 unidades dos seus carros por ano, a preços entre US$ 180 e US$ 550 mil. Em São Paulo, basta andar no shopping center Iguatemi, visitar a loja Daslu ou passear no “quadrilátero dos Jardins” para encontrar nomes identificados com as ruas mais exclusivas de New York, Paris ou Milano. Como explicar o interesse de tantas marcas importantes por um país emergente, com apenas a 61ª posição mundial na renda per capita? A confidencialidade e a imprecisão das informações num mercado novo e disputado é natural. Mas alguns fatores ajudam a explicar o seu surto impressionante. 1. Com 182 milhões de habitantes em 2004, o Brasil era o 5º mais populoso do mundo. Qualquer porcentagem desse número é significativa, em comparação com países com menos habitantes ainda que mais ricos per capita. A dura competição no plano global estimula a presença num mercado assim, que se tornaria, depois, custoso de penetrar. 2. 3. A economia se recupera e alcançou a posição de 9º maior PIB do mundo em 2004. Restrições ideológicas à entrada do país na economia mundial foram eliminadas e, a partir de 1990 nós abrimos para a importação de produtos de todos os tipos. Foi em 1989, antecipando aquela decisão, que, a Louis Vuitton – com 150 anos de vida, uma das maiores do mundo, com vendas anuais de US$ 4 bilhões – decidiu apostar no Brasil. 4. Eliminaram-se, também, restrições fiscais e burocráticas que limitavam viagens freqüentes ao exterior a poucos privilegiados. Mas, exceto por um minúsculo grupo de viajantes habituais, os turistas são compradores ocasionais, anônimos, sem o atendimento personalizado que faz parte do encantamento do mercado de luxo. constrições econômicas e culturais que a limitavam a uma consumidora dependente, hoje gera renda e consumo, justamente em categorias de produtos, como os de luxo, que apelam para as emoções culturalmente associadas à feminilidade. 9. Iniciava-se outra liberação, a do homem, que torna aceitável preocupar-se com a aparência, antes vista como coisa pouco masculina. Vitória para os produtos de luxo. 5. 3. O CONSUMIDOR 6. O consumidor de luxo não costuma ser explícito sobre os motivos que resultam em despesas não compreendidas e aceitas por muitas pessoas. Compreender as atitudes que afetam seu comportamento de compra e levam a preferir determinada marca é um desafio que exige pesquisa qualitativa contínua e complexa. A valorização do dólar atraiu para as lojas locais muitos que viam nas viagens uma oportunidade de comprar. Isso cria um círculo virtuoso para as empresas que, por outros fatores, visam aqui se instalar. Nosso sistema de crédito, desenhado para uma baixa ren da per capita, facilita o acesso da classe média ao luxo, com pagamentos parcelados. Mesmo cartões de crédito restritos aceitam parcelamento em ocasiões especiais, em lojas de luxo. 7. Não há constrangimentos de ordem religiosa e cultural que inibam, como em alguns países, o acesso de mulheres a produtos de moda e satisfazedores da auto-estima. Nossa cultura até valoriza a extroversão e inclui uma predisposição ao consumo e à percepção crescente de um valor emocional forte nos artigos de luxo. 8. Vivemos uma bem-vinda evolução da mulher na sociedade. Liberada de antiquadas Dior Foto: Corbis/Stockphotos Christian DO LUXO Mas algumas generalizações são possíveis. Um estudo de 2003 do Boston Consulting Group mostra que a valorização pessoal do diaa-dia e a necessidade de quebra de rotina são os principais fatores que levam à compra de artigos de luxo. As pessoas gastam cada vez mais para satisfazer sua auto-estima, com produtos de beleza, esporte, lazer e cultura. A satisfação da auto-estima é ainda mais forte no setor da moda. Danielle Allérès divide o mercado 1 de luxo em três níveis : as atitudes que afetam ★ Compreender seu comportamento de compra e levam a preferir determinada marca é um desafio que exige pesquisa contínua. 1. Allérès, Danielle. Luxo...Estratégias de Marketing. São Paulo: Editora FGV. 2000. JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 113 Case-Study ❖ PESSOAS PERTENCENTES À CLASSE MAIS ALTA DE CONSUMO. MUITAS SÃO DE FAMÍLIAS TRADICIONAIS, ARISTOCRÁTICAS, QUE BUSCAM NO LUXO A SUPERIORIDADE EM RELAÇÃO ÀS OUTRAS CLASSES SOCIAIS. criadora original. Criar uma identidade de marca a ponto de transformá-la em luxo exige uma forte diferenciação construída por anos e anos de ações assertivas e consistentes, que busquem uma imagem imaculada e ligada a valores como conquista, distinção social e poder. ❖ PESSOAS DE ALTO PODER AQUISITIVO E BASTANTE CONSUMISTAS. SÃO OS CHAMADOS “NOVOS RICOS” QUE BUSCAM NO LUXO O MESMO STATUS E SOFISTICAÇÃO DAQUELES PERTENCENTES À PRIMEIRA CAMADA. A segmentação é crítica. Com um mercado consumidor ainda restrito, é básico identificar e conhecer bem o consumidor, para encantá-lo, oferecendo-lhe personalização, ambientação e sofisticação. E é vital comunicar a identidade decidida no uso integrado de todos os instrumentos do composto de marketing. ❖ PESSOAS DA CLASSE MÉDIA QUE SEGUEM AS TENDÊNCIAS DITADAS PELAS GRIFES DE LUXO E BUSCAM COPIAR AS CLASSES DE MAIOR PODER AQUISITIVO E OS FORMADORES DE OPINIÃO, COMO CELEBRIDADES E PESSOAS SOCIALMENTE CONHECIDAS. 4. A ESTRATÉGIA DAS MARCAS DE LUXO Os canais de venda são seletivos. As lojas próprias, freqüentemente, o principal canal. No Brasil, grande parte das lojas de luxo se concentra na região Sudeste. O shopping center Iguatemi e o “quadrilátero dos Jardins”, ambos em São Paulo, são os principais centros dessas marcas, com um dos maiores desempenhos de vendas por metro quadrado do mundo. O Iguatemi faturou, em 2003, R$ 1 bilhão. Foi avaliado, em 2001, como o 15º ponto comercial mais valioso do mundo pela consultoria imobiliária americana Cushman & Wakefield. Outro canal de vendas são as chamadas lojas de luxo multimarca, como a paulistana Daslu. A marca tornou-se um ativo básico da empresa e um recurso estratégico fundamental. A estratégia das marcas de luxo, por definição, se baseia em produtos de alto desempenho e preço premium. Não competindo por preço, as empresas proprietárias das marcas se concentram no gerenciamento dos outros fatores da identidade das suas marcas. Esses fatores incluem elementos mais tangíveis, como design, estilo, sabor e odor refinados; a origem e a tradição da marca; a imagem do usuário visado; e fatores mais intangíveis, ligados à personalidade da marca que, muitas vezes, está permeada pela personalidade do seu criador ou 114 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO Muitas vezes, a loja vai à casa do cliente mostrar produtos e promover desfiles exclusivos para pequenos DE 2005 grupos. Esse atendimento vip ajuda a fidelizar o cliente. A proposta é atraí-lo e atraí-la não somente com o produto, mas também com tudo que o cerca e que passa a fazer, por isso, parte da marca. A Internet é utilizada com sábia cautela pelas marcas de luxo, cujos consumidores valorizam o atendimento personalizado e o ambiente luxuoso de lojas e boutiques. Na web, o cliente não é “mimado”, como nas lojas físicas. Para muitos, a própria presença na loja de outras pessoas do mesmo status é parte do encanto esperado. Por outro lado, a impressão causada por um site pode ser um importante elemento de comunicação da idéia de luxo, bom gosto e exclusividade. Basta ver sites como os da Dior, Louis Vuitton, Montblanc, Cartier, Moët Chandon, Hennessy, Tiffany & Co., Givenchy, Rolls-Royce e Rolex: verdadeiras vitrines, elaboradíssimas, que ajudam a confirmar a imagem de exclusividade das marcas. A joalheria Tiffany & Co. foi pioneira ao ingressar, em 1999, no comércio eletrônico nos EUA. O grupo hoje, proprietário da Dior tem, entre suas unidades de “comércio seletivo”, uma “loja” via web, a “eLuxury” (ver adiante, Grupo LVMH). No setor de moda e vestuário, onde reinam as mais conhecidas marcas de alto luxo, os ciclos de vida do produto são cada vez mais curtos, devido às constantes mudanças e à demanda por novos modelos e criações. Com isso, é necessário que as empresas estejam em sinto- Christian nia com as tendências e expectativas do mercado, através de pesquisas de mercado e um sistema de inteligência de marketing eficiente que permita uma reação rápida e objetiva às mudanças culturais que impactam a moda e às iniciativas da concorrência. 5. VALORIZANDO A MARCA DE LUXO Duas estratégias vêm sendo usadas com sucesso na valorização das marcas de luxo. EXTENSÕES DE MARCA A extensão da marca para outras categorias de produto que não conflitem com a percepção da marca aumenta o vínculo do cliente com a marca e o ticket médio desse cliente. A taxa de sucesso das extensões de marca no setor de luxo é muito alta. A razão é que a percepção das marcas de luxo depende mais de fatores intangíveis, de personalidade, do que de associações com tipos de desempenho que limitam a exten- Dior são dos produtos de compra freqüente (Creme Dental OMO? Sabonete Doritos?). Por exemplo, Tiffany, Armani e H. Stern foram estendidas para linhas de decoração: Linha Tiffany Baby, Armani Casa e H.Stern Home. Historicamente, as marcas de luxo utilizam as extensões com bastante propriedade. Montblanc nomeia hoje relógios, óculos, artigos de couro, perfumes. Dior dá seu nome não apenas às roupas com que Christian Dior lançou a marca e a algumas extensões mais usuais entre as marcas de luxo, como bolsas e perfumes, mas também a uma longa lista de produtos que inclui até artigos esportivos como pranchas de surf e skis. INTERNACIONALIZAÇÃO O sentido especial que a globalização deu às marcas de luxo exige que as empresas, suas proprietárias, padronizem a comunicação da identidade das suas marcas em todos os mercados. Uma marca de luxo está associada a uma origem continental ou nacional – Europa ou Itália ou Japão – ou local – Paris ou New York. Esse fator acentua o caráter universal do luxo como diferenciador e relega a um segundo plano a influência da cultura local do consumidor. Quando seu mind set está ligado no luxo, o consumidor é “cidadão do mundo”. Emoções à parte, o consumidor e a consumidora de marcas de luxo são pessoas viajadas e bem informadas. A universalidade de uma marca de luxo é intrínseca à sua identidade. Dior lançou a ★Christian marca e algumas Foto: Arquivo extensões mais usuais entre as marcas de luxo, como bolsas e perfumes. JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 115 Case-Study 1. EMPREENDEDORISMO E ARTE NA ALTA COSTURA Foto: Corbis/Stockphotos REPOSICIONAMENTO DE MARCA NO SETOR DE LUXO tornou-se uma referência da alta costura e a empresa, ★ Dior diretamente ou sob licenças, passou a atuar nos mais importantes mercados do mundo. 116 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Christian Dior, como muitos empreendedores, amargou dificuldades no caminho que o levaria à posição de grande ícone da alta costura. Não conseguiu concretizar sua paixão pela arquitetura; e depois de pósgraduar-se em Ciências Políticas, a galeria de arte que abriu e em que chegou a exibir pintores de fama foi arrasada pela crise financeira de 1929. Esse criativo e determinado francês, da Normandia, passou a desenhar moda para casas de costura parisienses. Reconhecido, tornou-se designer dos renomados Robert Piguet e Lucien Lelong. Em 1946, o milionário da indústria textil Marcel Boussac percebeu o potencial de Dior e financiou a instalação da maison Dior num endereço que ficaria famoso e abriga a empresa até hoje, a Avenue Montaigne, 30, em Paris. O clima em seguida à 2ª Guerra Mundial era propício para suas inovações. A economia, a cultura e os sentimentos se reconstruíam depois de uma guerra sangrenta em que, pela primeira vez, cidades inteiras foram alvo de bombardeios de ambas as partes. Em 12 de fevereiro de 1947, Christian Dior apresentou sua primeira coleção. Carmel Snow, editora da revista Harper´s Bazaar, ao vê-la, exclamou “It´s a new look!”. Ao contrário da moda prática da igualmente icônica Coco Channel, o New Look de Dior valorizava a feminilidade e o glamour, num momento em que o mundo ansiava por alegrias e emoções. O “tailleur Bar”, o mais famoso da coleção, sugeria a extravagância luxuosa que caracterizou a marca Christian e que, hoje, voltou à Dior como traço da sua personalidade. Casaquinho de seda bege ombros naturais, saia ampla quase até o tornozelo, cintura estreita e bem marcada. Estava lançado o padrão estético da moda de luxo dos anos 50. Rapidamente, Dior tornou-se uma referência da alta costura e a empresa, diretamente ou sob licenças, passou a atuar nos mais importantes mercados do mundo. Após a morte do fundador, em 1957, quem assumiu a posição de estilista da maison Dior foi seu assistente, Yves Saint-Laurent. Jovem e irriquieto, chegou a provocar polêmica, com a criação de peças vistas por alguns como contrárias às tradições da marca. Em 1960, Saint-Laurent foi convocado para servir na guerra da Argélia e, depois, em 1962, abriu sua própria casa. Marc Bohan, um renomado estilista, ocupou seu lugar. Em seguida a ele, o italiano Gianfranco Ferrè. Mas nenhum desses três nomes conseguiu perpetuar com a mesma intensidade o brilho característico do fundador. A mais reverenciada marca da moda, Dior tornou-se uma Bela Adormecida. 2. EXPANSÃO EMPRESARIAL: BERNARD ARNAULT, DIOR E O GRUPO LVMH A explosiva renovação de uma marca tradicional e conceituada do mercado de luxo, como aconteceu nos últimos anos com a Dior, não se dá sem uma visão aguçada de empreendedorismo e gestão. Em 1985, o empresário Bernard Arnault adquiriu a Christian Dior. Como bom francês, Bernard tinha consciência do que o Dior prietário da eLuxury, um comércio seletivo de marcas de luxo pela Internet (www.eluxury.com). nome Christian Dior representara e poderia voltar a representar. No mundo impiedosamente competitivo de hoje, adquirir empresas proprietárias de marcas fortes, por mais caro que possa parecer, é uma opção muitas vezes mais rentável do que entrar em mercados, enormes e caros e demorados para conquistar por marcas novas. Em 1995, Sidney Toledano assume o cargo de diretor do departamento de couro e cria a bolsa “Lady Dior”, cuja característica principal era o “cannage” – desenho de cana da Índia, das cadeiras de palhinha, com letras Dior soltas na alça. Foi um sucesso imediato. O nome Lady Dior era uma homenagem à princesa Diane, embaixadora mundial da marca e amiga pessoal de Bernard Arnault, presidente do Conselho e principal executivo do grupo LVMH. A linha de bolsas tornou-se uma campeã da marca e a cada coleção tem novos modelos, cores e texturas. Exemplos são a “Saddle” e a “Street Chic”. Para a coleção primavera/verão de 2005, há novos lançamentos, como a Logo Flowers, Military Babe, Janis e Helmut. Dior foi a primeira marca adquirida por Bernard Arnault. A partir dela, e num esquema empresarial complexo, cujos detalhes não cabe discutir aqui, foi criado o grupo LVMH e a Christian Dior Couture. O Grupo LVMH engloba inúmeras empresas e marcas como Louis Vuitton, Moët & Chandon e Hennessy (donde a sigla LVMH), além de Parfums Christian Dior, Kenzo, Parfums Kenzo, Christian Lacroix, Chaumet, Loewe, Le Bon Marché, Givenchy, Donna Karan, Tag Heuer e tantas outras (ver o site www.lvhm.com). O grupo está entre os líderes do mercado de luxo mundial. Com uma rara visão de conciliação entre a necessidade de manter tradição e acompanhar os tempos, o grupo é pro- A marca Dior, que começara a se estender sob o próprio Christian Dior com o perfume Miss Dior, já em 1947, e passara a nomear relógios e bolsas, foi agressivamente estendida e co- DIVISÕES DA MARCA CHRISTIAN DIOR PRÊT-À-PORTER – roupas masculinas e femininas ÓCULOS MARROQUINERIE – bolsas, sapatos, cintos e carteiras LENTES DE CONTATO ACCESSOIRES – maillots, foulards, bonés, bijuterias, guarda-chuvas LINHA SURF – pranchas de surf e linha vestuário, bolsas, sandálias, chapéus e viseiras, óculos ART DE LA TABLE – artigos para casa PERFUMES E COSMÉTICOS LINGE DE MAISON – roupas de mesa, cama e banho LINHA SKI – skis (marca DINASTY), snowboards e linha vestuário, botas de ski, bolsas e óculos BABY DIOR – linha infantil HAUTE JOAILLERIE DIOR – jóias JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 117 Case-Study bre, hoje, uma dúzia de categorias. Seu primeiro vestido para a Dior foi usado por Diane, Princesa de Gales, na abertura da exibição comemorativa dos 50 anos da Dior, no Museu Metropolitano de New York. De lá para cá, Galliano como que rejuveneceu as idéias do fundador, com desenhos inspirados em fontes tão díspares quanto o próprio “new look” de Christian Dior, a moda Edwardiana, os nativos americanos, os rappers e a Ópera de Pequim. Sintomaticamente, o site da Dior, junto à figura de Galliano, usa a palavra extravagance. 3. O PAPEL DE JOHN GALLIANO O grande revigoramento da marca Dior aconteceu quando o inglês John Galliano passou a ser o diretor de design da empresa. Galliano, nascido em Gibraltar, estudou moda na prestigiosa Saint Martin´s School, em Londres, onde ganhou o prêmio de melhor aluno com uma coleção inspirada na Revoluçao Francesa. Foi, por três vezes, o British Designer of the Year. Mudouse para Paris e foi reconhecido pelo grupo LVMH com um convite para dirigir a criação tanto da alta costura quanto do prêt-à-porter da Givenchi, parte do grupo. Dois anos depois, assumiu seu papel na Dior. Fotos: Corbis/Stockphotos Em 1999, Galliano tornou-se o diretor artístico das outras extensões da marca Dior – como bolsas, sa_patos, artigos de praia, lingerie – e assumiu a responsabilidade, também, pelos dispalys e pela publicidade da marca. Logo, a pro- nascido em Gibraltar, estudou moda na prestigiosa ★ Galliano, Saint Martin´s School, em Londres, onde ganhou o prêmio de melhor aluno com uma coleção inspirada na Revolução Francesa. 118 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 paganda dos perfumes da Dior – Addict e Dune – passou para sua responsabilidade. A volta da feminilidade à imagem da marca explica a conquista de usuárias como Madonna, Celine Dion, Gwyneth Paltrow. 4. DIOR NO BRASIL A Dior está no Brasil desde 1958 e, como em todo o mundo, tornou-se logo uma marca de alto prestígio. Mas essa imagem veio a sofrer, como em toda parte e, aqui, talvez mais ainda, por causa dos problemas de licenciamento da marca que foi o sistema utilizado pela Dior para entrar no mercado brasileiro. Sistemas de licenciamento e franquias tendem a reduzir os custos fixos da licenciadora, como mãode-obra e aluguel do ponto-devenda. Além disso, permitem uma expansão territorial mais rápida. Por outro lado, exigem de ambas as partes um acordo que leve em conta não apenas os interesses de curto prazo, mas também o horizonte futuro. Não é fácil. No setor de luxo, a falta dessa relação de parceria entre licenciadora e licenciada pode ser fatal. Se um licenciado vende o produto a um preço mais baixo, reduz a sua qualidade, utiliza um lugar inadequado e vende, no mesmo lugar, produtos de qualidade inferior, a imagem da marca se desgasta. Um exemplo foi a Pierre Cardin, cujas operações de licenciamento proliferaram tanto que, nos anos 1980, teve seu nome, antes exclusivo, em cerca de 800 produtos. Nos anos 90, a Vila Romana detinha Christian o licenciamento da linha masculina da marca Dior no Brasil. A empresa tornou-se uma potência em função de todos os licenciamentos que conseguiu. Chegou a abastecer três mil lojas, no Brasil e nos Estados Unidos. Em 1987, faturou US$ 67 milhões. Três anos depois, US$ 120 milhões. Com a implantação do Plano Collor e a conseqüente queda no consumo brasileiro, as vendas caíram drasticamente enquanto crescia a inadimplência dos clientes. Em 1992, com dívidas de US$ 10 milhões, a Vila Romana foi vendida para um grupo holandês. Em meio a essa crise, a empresa não dispensou a atenção necessária para administrar suas marcas de luxo, entre elas a Christian Dior. Apesar de a marca continuar reconhecida como uma das mais respeitadas da alta costura, o gerenciamento inconsistente, sem visão do longo prazo, dificultava a manutenção de uma imagem sólida e positiva pelos consumidores. A decisão de um reposicionamento drástico tornou-se vital para garantir um futuro competitivo para a empresa no país. Dior Dior está no Brasil desde 1958 e, como em todo o mundo, ★ Atornou-se logo uma marca de alto prestígio. Em 1990, abriram-se as importações. Coincidentemente, iniciou-se a reestruturação da empresa, com a entrada em cena da LVMH. Uma decisão estratégica importante foi a centralização da fabricação dos produtos no país de origem, para garantir uma qualidade que havia se tornado inconstante com o licenciamento. Os produtos Dior no Brasil passaram, então, a ser importados. Em 1994, expirou o contrato de licenciamento da marca Dior para o Brasil. A matriz decidiu não reno- JANEIRO /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 119 Case-Study vá-lo e assumiu o controle da marca. Iniciou um elaborado processo de reposicionamento, com o objetivo de torná-la, novamente, símbolo de luxo e sofisticação do setor de moda. No lado positivo, havia o surto do “novo luxo” e sinais de melhoria na economia. delo tradicionalista de “ciclo de vida do produto”. Mesmo uma Dior, com todo seu encanto, pagou o preço em desgaste e é admirável que esteja num acelerado processo de revitalização, ao que tudo indica, de sucesso. Rejuvenescer é uma atitude permanente. Quando este case foi compilado, a empresa estava, ativamente, empenhada em uma série de atividades que visavam, exatamente, restaurar e manter a imagem da marca. A primeira medida da empresa foi interromper a venda dos produtos Dior no Brasil, até que todos os produtos em poder dos licenciados se esgotassem. Esse período de “hibernação da marca” foi muito importante para que, em 1999, a grife retornasse, revigorada e com uma estratégia estruturada. Naquele ano, inaugurou-se a loja Dior, em São Paulo, no “quadrilátero dos Jardins”, o novo centro de marcas de alto luxo do país. As principais ações em vigor, em dezembro de 2004, eram: ❖ Telemarketing – para fidelização dos clientes; ❖ Dior Delivery – envio de mercadoria aos domicílios; ❖ Trunk Show – para vendas fora de São Paulo; Atualmente, a Dior Couture ainda tem linhas de óculos de sol, joalheria, lingerie e roupa interior fabricadas sob licença. Mas cerca de outras 300 licenças foram retiradas. ❖ Formação de vendedoras – produzido um CD-Rom, “Formation Boutiques”, detalhando cada coleção (inspiração, nomes, expressões, tecidos, cortes e formas); Com um faturamento global de 12 bilhões de Euros em 2003, o grupo LVMH ainda tem uma presença tímida no Brasil. Mas o crescimento da receita líquida da empresa foi significativo, de R$ 10 milhões em 2000 para R$ 24 milhões, estimados, para 2004. ❖ Embaixadora – escolha, a cada ano, de uma personalidade que representará a marca; ❖ Eventos – na loja, por ocasião dos lançamentos de coleção. CONCLUSÃO O setor de luxo no Brasil está cada vez mais competitivo. Os consumidores buscam produtos diferenciados e atendimento personalizado. Posicionar a marca, em segmentos bem definidos, conhecer a consumidora e o consumidor e, em função disso, gerenciar a identidade da marca, é crítico. Assim como é garantir que todos os instrumentos de marketing e comunicação comuniquem, integradamente, a identidade decidida e, num mundo globalizado, que ela seja consistente em toda parte. O consumidor de luxo é o principal divulgador da marca. Uma vez que a comunicação é seletiva, essas marcas precisam estar em constante sintonia com o público-alvo, através de ações de fidelização. A proposta de valor da marca Dior baseia-se na entrega de produtos de alta qualidade através de canais seletivos, uma promessa de satisfação dos aspectos mais emocionais da auto-estima e um sinalizador de auto-expressão que une a valorização da tradição da marca com sua excitante modernidade. ESPM marcas não é uma tarefa que se faça de tempos em ★ Rejuvenescer tempos, quando o crescimento satura e começa um período de declínio 5. PRINCIPAIS AÇÕES Foto: Corbis/Stockphotos DE MARKETING DA DIOR NO BRASIL Rejuvenescer marcas não é uma tarefa que se faça de tempos em tempos, quando o crescimento satura e começa um período de declínio, como implícito no mo- 120 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO DE 2005 Christian Dior EXISTEM TRÊS TIPOS DE ESTRATÉGIAS DE 2 REPOSICIONAMENTO : O quadro abaixo resume as formas de reposicionamento que uma empresa pode adotar frente a um novo ambiente competitivo: 2. REATIVO: Quando mudanças ambientais forçam as empresas à adoção dessa estratégia; Considerando o quadro abaixo e o ambiente competitivo em que a Christian Dior estava inserida, que tipo de reposicionamento a empresa adotou e quais fatores levaram a tal? 3. CORRETIVO: Quando os resultados obtidos com um determinado posicionamento não foram os esperados pela empresa; 4. QUESTÕES PARA DISCUSSÃO 1. De acordo com os dados sobre o mercado consumidor de alto luxo, quais os fatores críticos de sucesso do setor? De acordo com as estratégias genéricas de Michael Porter, como você classificaria a atuação da Christian Dior? Na sua opinião, qual a principal vantagem competitiva da empresa? Mudanças no comportamento do consumidor, novos concorrentes e oportunidades de explorar novos mercados são algumas das razões que levam uma empresa a optar pelo reposicionamento de sua marca. O grande desafio do reposicionamento é modificar as percepções do consumidor em relação ao posicionamento atual, buscando o posicionamento adequado para garantir a competitividade da empresa. PROPOSITIVO: Quando a empresa decide explorar um posicionamento mais rentável ou inovador. Consulte os sites das empresas do grupo. Note a variedade de marcas e categorias de produto. Que outras categorias você considera viáveis para a marca Dior? BIBLIOGRAFIA ALLÉRÈS, Danielle. Luxo...Estratégias de Marketing. São Paulo, Editora FGV, 2000. REPOSICIONAMENTO PERCEPÇÕES DO GESTÃO POSICIONAMENTO DE MARCA DE MARCA ATUAL Reativo Propositivo Corretivo DECISÃO DE MARCA LIPOVETSKY, Gilles e ROUX. Elyette: Lê Luxe Éternel. Gallimard, 2003. Pouca Importância Escolha de um novo posicionamento para sobrevivência Transição com riscos inevitáveis Muita Importância A oportunidade compensa o risco de alterar as percepções? Construção de novo paradigma Noticiário sobre mercado de luxo e suas empresas e marcas, em diversas publicações. Pouca Importância Seleção de novos atributos para o posicionamento Revisão da estrutura do posicionamento Consultar, também, os compêndios sobre gestão empresarial, gestão de marcas, administração de marketing e comunicação de marketing. 2. Renato Telles e Marcus Savoi Bortolan: O desafio de Reposicionamento das Marcas; Revista da ESPM; set. / out. de 2003. Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso “O desafio do Reposicionamento de Marcas”, apresentado em 2002 a ESPM. JANEIRO TELLES, Renato e BORTOLAN, Marcus Savoi: O Desafio de Reposicionamento das Marcas; Revista da ESPM; set. / out. de 2003. ACESSE OS SITES: www.dior.com www.lvmh.com www.portalexame.com.br /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 121 Leit ura RECOMENDADA KEVIN ROBERTS Lovemarks – o futuro além das marcas FRANCISCO ALBERTO MADIA DE SOUZA Editora M. Books São Paulo, 2004 224 p. – R$ 85,00 TOMÁS MANUEL BAÑEGIL PALÁCIOS/JOSÉ MANUEL MEIRELES DE SOUSA Para sobreviver, as grandes marcas precisam criar nos consumidores uma “lealdade além da razão”. Esta é a única forma de se distinguir de milhões de outras marcas. O segredo é usar mistério, sensualidade e intimidade, paradigma que faz parte da construção de Lovemarks, conceito criado por Kevin Roberts, CEO mundial da Saatchi & Saatchi. Roberts quer provar, em “Lovemarks – o futuro além das marcas”, lançamento da editora M.Books em parceria com a F/Nazca Saatchi & Saatchi, ser possível construir um compromisso apaixonado entre cliente e marca, por meio daqueles três conceitos. Estratégias de marketing internacional Editora Atlas São Paulo, 2004 256 p. – R$ 41,00 O livro trata da comercialização de produtos e serviços em mercados exteriores e da influência do marketing internacional na estabilidade e crescimento empresarial. Sua forma de abordagem permite às empresas encarar a nova economia, no que respeita à globalização de mercados, possibilitando o controle cada vez maior dos circuitos de comercialização, e dessa forma estabilizar seu crescimento de forma sustentável. Ou seja, aborda a questão colocada a muitas empresas brasileiras que pretendam integrar-se no mercado internacional, pela venda de seus produtos. O amor é o caminho para as empresas, e transforma produtos em marcas registradas, estas em marcas e, mais tarde, em Lovemarks. No livro, Roberts afirma que as marcas perderam a atratividade, mas aponta a solução: criar produtos e experiências com poder de estabelecerem conexões emocionais duradouras com os consumidores. A obra está dividida em seis capítulos. No final de cada um, é feito um resumo, seguido de questões diretas e para discussão, e casos, permitindo ao leitor aferir o grau de compreensão dos temas abordados. Este livro propõe aos profissionais de marketing novas formas de pensar sobre como fixar a marca. Roberts proporciona insights práticos sobre as formas de alavancar o poder da emoção e afirma: O que vem depois das marcas: Lovemarks. Kevin Roberts é CEO mundial da Saatchi & Saatchi, empresa que está presente em 82 países. Roberts também faz parte do Judge Institute of Management da Universidade de Cambridge e é professor da Universidade de Waikato, Nova Zelândia. 122 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO Tomás Manuel Bañegil Palacios é doutor pela Universidad Autónoma de Madrid e pela Sussex University (Inglaterra). É consultor de empresas e autor de diversos livros e artigos. José Manuel Meireles de Sousa é engenheiro de produção, doutor em Administração e Comércio Exterior, professor e consultor. DE 2005 Marketing trends 2005 Editora M. Books São Paulo, 2004 300 p. – R$ 45,00 A obra é resultado da análise de cases e da discussão entre o autor e alunos do curso de MBA em Marketing da Madia Marketing School, sobre as velhas técnicas empregadas na atividade. As ferramentas de marketing são milenares. Porém, somente na primeira metade do século passado começaram a ser organizadas dentro das empresas. Mas as técnicas continuaram sendo atualizadas e melhoradas. Marketing Trends 2005 é resultado de um estudo que analisa a evolução dessa atividade e sua aplicação nas organizações, com a finalidade de indicar os próximos passos deste segmento. O livro procura mapear e identificar as tendências nacionais e internacionais do setor, com a finalidade de manter atualizados e preparados os profissionais da área. Principais tópicos: ❖ Novos conceitos e posturas; ❖ Reposicionamento; ❖ Marketing legal; ❖ Guerras de marketing; ❖ Balanço de categorias; ❖ Pesquisa e estudos de mercado. Francisco Alberto Madia foi executivo de grandes empresas brasileiras e é presidente do MADIAMUNDOMARKETING – e também autor de vários livros sobre marketing. SETH GODIN Brinde grátis! Aproveite! A sua próxima grande idéia de marketing Editora Campus/Elsevier Rio de Janeiro, 2004 216 p. – R$ 49,00 NIRMALYA KU MAR Marketing como estratégia Uma orientação inovadora e comprovadora para o crescimento e a inovação Editora Campus/Elsevier Rio de Janeiro, 2004 288 p. – R$ 62,00 Todo crescimento exige transformação. Mas, no mundo empresarial, é fundamental que ela seja bem planejada e bem executada. Assim, para assumirem um papel decisivo nesse processo, profissionais de marketing dos mais diversos setores têm reavaliado os seus conceitos e as suas ações. O futuro desses profissionais depende da valorização dos especialistas da área, que devem buscar ações estratégicas multidisciplinares e com foco no cliente. Baseado em sua experiência na área como pesquisador, professor e consultor, o autor analisa sete ações corporativas para reconduzir o marketing a um lugar de destaque na alta administração das empresas. Com prefácio de Philip Kotler e exemplos, Marketing como Estratégia mostra como o foco nos “três Vs” – o cliente de valor, a proposição de valor e o network de valor – pode ser uma atitude decisiva para a criação de diferenciais mercadológicos. Desse modo, o autor mergulha em várias questões, como a exploração de canais adequados para a geração de crescimento, a provisão de soluções para o cliente e os caminhos para o desenvolvimento de uma mentalidade global, orientada para clientes e relacionamentos. Nirmalya Kumar é professor de marketing, diretor do Centre for Marketing e co-diretor do Adtya V. Birla Índia Centre, da London Business School. MARISTELA MAFEI Assessoria de imprensa Como se relacionar com a mídia Editora Contexto São Paulo, 2004 128 p. – R$ 24,90 Assessoria de imprensa ou relações públicas? Ainda pouco difundido no mercado brasileiro, e, por vezes, malvisto pelas redações dos grandes veículos de comunicação, o trabalho da assessoria de imprensa tem demonstrado ser importante não apenas para artistas e personalidades, mas também para grandes empresas do setor privado e do público. Com experiência na área, a autora desvenda os bastidores das grandes crises, o papel essencial desempenhado pelo assessor de imprensa, as particularidades que distinguem, e por vezes aproximam o trabalho de assessoria do de relações públicas, dentre outras informações importantes. Em dez capítulos, são apresentadas dicas aos novos profissionais sobre as exigências de um mercado de trabalho cada vez mais competitivo. O moderno modelo de comunicação que emerge em nossa sociedade se impõe a jornalistas e relações públicas, obrigados que são a acompanhar o ritmo de produção e circulação de notícias. O livro pretende também situar o jovem profissional neste segmento da comunicação, chamando sua atenção para o necessário exercício de honestidade no dia-a-dia. Maristela Mafei é sócia-diretora do grupo Máquina. JANEIRO A proposta do autor, em Brinde Grátis! Aproveite! é explicar como, hoje, o verdadeiro marketing é encontrado no produto em si e não nos anúncios de televisão ou outdoors. Para ele, as “velhas práticas do marketing” já não funcionam. Godin ensina como atrair a atenção do consumidor através da inovação, seja registrando um personagem, mudando uma embalagem ou oferecendo um brinde, que pode ser criado de maneira rápida e barata. “Gigantescos retornos são obtidos por empresas que criam inovações notáveis independentemente do seu custo ou proveniência”, explica. Hoje, o caminho entre a idéia, o produto final e o cliente está mais curto, as ferramentas para o marketing mais afiadas, e os consumidores mais exigentes e conscientes, acirrando a competição. Um brinde não é um truque, mas sim, um recurso que transforma a maneira como as pessoas vêem o produto ou serviço. O autor explica como essa prática, com bom-senso, criatividade, iniciativa e curiosidade é a melhor solução no mundo da promoção.“É preciso criar algo que seja cobiçado. Algo charmoso, divertido, surpreendente, encantador ou triste. É como criar um ketchup roxo”, exemplifica. Com exemplos reais, como os dos CDs da AOL e novos movimentos nos bonecos GI Joe, o livro traz as táticas para a apresentação das idéias sobre brindes ao resto da empresa. Seth Godin foi vice-presidente de marketing direto da Yahoo!. Editor da revista Fast Company, é formado em filosofia e ciência da computação na Universidade Tufts, com mestrado em marketing. É autor dos livros Marketing de Permissão, Marketing IdéiaVírus, Sobreviver Não é o Bastante e A Vaca Roxa. /FEVEREIRO DE 2005–REVISTA DA ESPM 123 Leit ura RECOMENDADA A conclusão, contudo, é otimista: o mundo de 2015 será mais globalizado e interligado pelas comunicações e pela informação. O Brasil será completamente coberto por redes de fibra óptica, mais de 80% da população terá acesso ao celular e 60% dos habitantes serão usuários de Internet gratuita. O mundo do entretenimento ganhará DVDs de alta definição. As tecnologias digitais de áudio e vídeo estarão cada vez mais integradas, consolidando a fusão entre Web, TV e Cinema. Os novos home theaters, mais diferenciados e potentes, chegarão à classe C. A escola se tornará presencial ou virtual, acessível em todos os lugares. Educação e entretenimento vão convergir sempre e cada dia mais, tornando a aprendizagem mais criativa e interessante. ETHEVALDO SIQUEIRA 2015 – Como viveremos O futuro, na visão de 50 famosos cientistas e futurologistas do Brasil e do mundo Editora Saraiva São Paulo, 2004 336 p. – R$ 69,00 Ethevaldo Siqueira é jornalista especializado de O Estado de S. Paulo e comentarista da Rádio Eldorado de São Paulo. Escreveu seis livros na área de telecomunicações. Mais do que um livro, trata-se de projeto editorial descrevendo uma visão das transformações da vida humana na próxima década, em conseqüência do impacto das tecnologias da infocomunicação, através de 350 entrevistas, 52 viagens e 400 mil quilômetros percorridos em cinco anos. Iniciado em 1999, o livro envolveu entrevistas com mais de 50 cientistas, escritores, pesquisadores e futurólogos, entre os quais o próprio Clarke, Alvin Toffler, Don Tapscott, Nicholas Negroponte e João Antonio Zufo (da Universidade de São Paulo); Jean-Paul Jacob (IBM), Horst Stömer (Prêmio Nobel de Física em 1998), Michio Kaku, Bill Gates (Microsoft), Scott McNeal (Sun Microsistems), John Chambers (da Cisco), Carly Fiorina (HP) e Craig Barrett (Intel). CARLOS ALBERTO MIRA Logística O último rincão do marketing Editora Lettera.doc São Paulo, 2004 120 p. – R$ 25,90 Para todos os consultados, a tecnologia continuará a mudar profundamente tudo: a casa, a escola, o trabalho, a comunicação, o entretenimento, o escritório, a indústria, o governo e a sociedade, com a possível inclusão de multidões no país e no mundo, mas também sob o risco de exclusão de outros milhões. 124 REVISTA DA ESPM–JANEIRO/FEVEREIRO Estamos na “Era da Conveniência”, na qual o consumidor sempre prefere o produto ou serviço que esteja disponível na hora desejada e com o menor esforço possível. Por isso, o fiel da DE 2005 balança para o sucesso no mercado passa a ser a logística, e o marketing da empresa só é eficaz se assumir sua gestão estratégica. Essa é a tese central de Logística – O Último Rincão do Marketing, obra de estréia de Carlos Alberto Mira. Com linguagem sintética, aliada a uma proposta inovadora, a obra é útil tanto para quem ainda conhece pouco de Logística e Marketing, como para profissionais experientes. “A intenção é demonstrar que a logística é mais do que mera ferramenta de marketing, tornando-se o grande diferencial que empresas de todos os segmentos podem proporcionar ao mercado”, afirma o autor. O livro começa com uma visão panorâmica da evolução da logística no Brasil e a conceituação de Logística e Marketing, apontando que ambas as áreas possuem metas semelhantes. A seguir, mostra a importância adquirida pela logística empresarial na atualidade, principalmente após a estabilização econômica e o processo de globalização, com impactos na cadeia de suprimentos, nos canais de distribuição, no varejo e na tecnologia de informação. Por conta dessa evolução, Mira demonstra que, dos quatro “Ps” clássicos do Marketing – Produto, Preço, Propaganda e Logística (Place) os três primeiros perderam importância. “A época em que se confundia marketing com mera propaganda já passou. A variável Place – que nada mais é do que a Logística – é agora a mais importante para garantir rentabilidade e participação de mercado.” O autor critica as teses do consagrado Philip Kotler. “Para Kotler, quanto mais eficiente for a logística, maiores serão os custos da empresa. A realidade tem demonstrado que, no médio e longo prazos, acontece o oposto”, conclui. Carlos Alberto Mira é economista pela FAAP e pós-graduado pela ESPM. É Sócio-Diretor das empresas MIRA Transportes e TARGET Logistics e professor dos cursos de MBA da FIA-USP e de Pós-Graduação da FAAP. ESPM Sumário EXECUTIVO O negócio do luxo no Rio de Janeiro ALEXANDRE MATHIAS CARLOS FERREIRINHA “Você se dá ao luxo de...?” pág. 32 MÁRIO E. RENÉ SCHWERINER O Rio de Janeiro e o Brasil estão na pauta dos investimentos de luxo, com um crescimento médio, anual, de 33% no segmento. pág. 22 Parece que o luxo é a “bola da vez”. Está difícil deixar de ler alguma matéria sobre o luxo em veículos de circulação nacional. Empresas como Diesel, Louis Vuitton, Espaço Lundgren, L’Oréal, Christian Dior, Cartier, H. Stern, Zegna, Dolce&Gabbana, e Moët Hennessy, entre outras, falaram sobre as suas ações de gerenciamento de marcas, relacionamento com os clientes, investimentos e lançamentos. É o Shopping Iguatemi que inaugura uma ala só para grifes de luxo, um MBA sobre o luxo tem centenas de inscritos para umas poucas dezenas de vagas, e o Brasil sendo considerado um dos grandes mercados mundiais para o segmento de luxo. Muito bem. Mas o que significa luxo de fato? Na pauta da discussão, as peculiaridades da capital carioca, com seu jeito próprio e despojado de consumir luxo e a discussão de conceitos como o mastígio, junção das palavras massa e prestígio que significa massificar um produto com algum prestígio, tornando o luxo mais acessível. Entre os palestrantes do evento “O Negócio do Luxo no Rio de Janeiro”, realizado em novembro, no Caesar Park, parece ser ponto pacífico a importância de conhecer bem o público e investir em atendimento. Ficaram claros, também, os desafios que ainda precisam Mais qualidade? Requinte? Privilégio? Preço alto? Sofisticação... Ostentação? Consumidores sabem quando um produto é... de luxo? E as empresas sabem como distinguir os diversos perfis de consumidores, conforme suas expectativas quanto aos bens de luxo? Este artigo oferece algumas pistas que ajudam a esclarecer essas questões. 126 R E VV I ISSTTAA D DA AE SE PSMP –MJ A– NJ EUI LR HO /O F/EAV GE RO ESI RT O DDEE 22000 05 4 ser superados: como rejuvenescer os consumidores, criar novos canais de distribuição e desenvolver sempre e mais a estrutura de serviços. A compra por impulso de um apartamento de cobertura ERNESTO MICHELANGELO GIGLIO pág. 40 Através dos dados de uma entrevista, descrevendo a aquisição de um imóvel de cobertura num bairro de classe A da cidade de São Paulo, são apresentadas considerações sobre uma outra linha de conceito de compra por impulso, fundamentada num modelo de consumo em etapas. Na literatura, o conceito de compra por impulso é apresentado de três formas: como compra não planejada, ou como compra determinada pela emoção e prazer, ou como compulsão, no sentido de falta de controle. O caso apresentado possui características distintas, por não se encaixar em nenhuma dessas classificações. O sujeito apresentava uma história de experiência de moradia com falta de privacidade, havia uma expectativa de um lugar só seu, com arte, e havia um processo especial de escolher produtos, sempre além das Orivaldo suas capacidades financeiras. Esses processos, característicos das etapas de experiências, expectativas e levantamento de alternativas, criaram as condições da compra por impulso. Os dados e as reflexões nos permitem apontar que pode ser teórica e praticamente vantajoso utilizar-se a expressão compras por impulso, em vez de compradores impulsivos. Consumo de acesso MARISTELA GUIMARÃES ANDRÉ pág. 56 Consumo de acesso não é uma nova categoria de análise teórica, mas um modo de se olhar para um dos processos mais significativos de expressão da subjetividade: o consumo. Quanto mais se expande o mercado consumidor na diversificação de bens e serviços, mais desafiadora torna-se a questão da proeminência da chamada “cultura” de consumo (Mike Featherstone). Neste início de século XXI, atravessado pelas contradições finalizadoras do modo capitalista de produção econômica, o consumo não é mais um jogo de soma zero entre a satisfação das necessidades e o reconhecimento do status social por meio da exibição e conservação das diferenças representadas pela manipulação ativa dos signos, como dizia o filósofo francês Jean Baudrillard. O consumo se reveste de um sentido de posse que transcende a condição de circulação e troca de bens para estabelecer as virtudes e vicissitudes de novos tipos de vínculos e limites para as relações humanas, para o bem e para o mal, dependendo do jogo de forças do mercado. O. Gallasso nalmente, a comunicação. Em termos de solução de problemas, marketing não existe! (mas criatividade, sim) A crise do marketing ROBERTO MENNA BARRETO AVELAR VASCONCELOS pág. 80 pág. 72 O autor defende a posição de que utilizar a linha de raciocínio de que o marketing não exista é, paradoxalmente, a melhor e mais produtiva forma de se entender o que seja o próprio marketing. A crise do marketing sucedeu à crise da propaganda e com ela permanece nos dias de hoje, em paralelo. Ela passa pelo desvirtuamento da principal finalidade do marketing e se reflete nas estruturas existentes hoje em dia. A função do “Product Manager” ou “Brand Manager” foi submergida, por um lado, pela complexidade crescente do mercado em permanente mutação e, por outro lado, foi acelerada pela defasagem entre o que as Universidades ensinam e o que o mercado, de fato, exige. No entanto, apesar das debilidades que vem apontando ao longo dos últimos anos, que o tem levado, em muitas Empresas, a uma função acessória, o marketing continua, em essência, fundamental para o desenvolvimento dos negócios em qualquer área econômica. O marketing não é parte do negócio, o marketing é, e tem de ser, O Negócio. Mas, para tanto, é necessário repensar alguns conceitos importantes, tais como “People” e seus perfis, estrutura de marketing nas empresas, o “Marketing Management”, a função exata do produto, das marcas e, fi- A própria especificidade de cada uma das complexas áreas de conhecimento, relacionadas com a atividade, leva à conclusão de que, nem mesmo um gênio renascentista poderia abrigá-las a todas e merecer o nome de “profissional de marketing”. A comparação mais próxima para ele seria a do estrategista, que conhece a fundo os aspectos técnicos da estratégia, e que seja, além disso, imprescindivelmente, criativo. Um indivíduo que consiga operar – em marketing ou qualquer profissão – com 99% de pensamento abstrato (técnico) e 1% de pensamento concreto (intuitivo e criativo) realmente alcançou o que chama de otimização do pensamento. Mas não há, na prática, “especialistas” ou “serviços” de marketing que mereçam, legitimamente, essa designação. No entanto, o conceito de marketing – e o seu ensino – são importantíssimos para se pensar o processo contínuo e integrado de, como produtos podem ser, vitoriosamente, planejados e vendidos. ESPM J JUA LNHE O I R/OA/ GF EO VSE TR OE I RDOE D2 E 020040–5 R– R EE V VI SI STTAA DD AA E SS PPMM 127 ENGLISH Abstracts The luxury business in Rio de Janeiro “Do you treat yourself?” ALEXANDRE MATHIAS CARLOS FERREIRINHA ERNESTO MICHELANGELO GIGLIO pagE 32 pagE 40 The city of Rio de Janeiro, as well as Brazil as a whole is in the receiving end of investments in luxury, with an average growth of 33% yearly. In a recent meeting, there, companies such as Diesel, Louis Vuitton, Espaço Lundgren, L’Oréal, Christian Dior, Cartier, H. Stern, Zegna, Dolce&Gabbana, and Moët Hennessy, among others, sent representatives to talk about brand management, customer relationship and product launches. Permeating the debate were the peculiarities of the carioca capital, with its own ways of consuming luxury items and the discussion of new concepts such as “masstige” – the junction of the words mass and prestige, meaning luxury products that become more available to the mass market. The participants in this event, held in November at the Cesar Park Hotel – “The luxury business in Rio de Janeiro”, agreed as to the importance of knowing your target well and investing in personalized care. As to the challenges: how to create new customers, new distribution channels and ever improve the service structure. With data obtained in an interview – about the purchase of a penthouse apartment in a fashionable living area of the city of São Paulo – the author presents his considerations on another conceptual line on impulsebuying, based on a model of consumption-by-stages. In specialized litterature, the concept of impulsebuying is presented in three ways: as non-planned buying, as an act determined by emotion and pleasure, or motivated by compulsion, in the sense of lack of control. The case under study has distinctive characteristics, which do not fit any of these classifications. MÁRIO E. RENÉ SCHWERINER pagE 22 It looks like luxury is a theme that is here to stay. Almost every type of media brings some new information about it. Sometimes it is a fashionable Mall that inaugurates an alley dedicated to fancy shops; or a new MBA course in a first-rate school; or the item that Brazil is becoming an important market for luxury goods and services. But what is luxury – in fact? More quality? Refinement? Privilege? High price? Sophistication? Do customers know what really is a luxury product? And do companies know how to distinguish amidst several customer profiles, in relation to their expectations about luxury goods? The articles offers some clues which may help clarify such questions. 128 R E VV I ISSTTAA DDA AE S E PS M P –MJ –A NMEAI RR OÇ /OF /E AV EB RR EI ILR OD Impulse buying of a Penthouse apartment ED E 2 2 0 00045 The subject presented a personal story of experience with living quarters devoid of privacy, he had an expectation about a place of his own, and had his own special process of selecting products that were always beyond his immediate means. These processes – which characterize the stages of experiences, expec- Orivaldo tations and search of alternatives – have created the conditions for impulse-buying. As a result of the study, the author proposes the use of the expression purchases by impulse instead of impulse-buyers. and limits to human relations, for evil or for good, depending on the interplay of market forces. The marketing crisis O. Gallasso products, brands, and – last but not least – communication. As a problem-solving method marketing does not exist (but creativity does) AVELAR VASCONCELOS Access consumption MARISTELA GUIMARÃES ANDRÉ ROBERTO MENNA BARRETO pagE 56 Access consumption is not a new cathegory in theoretical analysis, but, instead, a way of looking towards one of the most significant processes of expressing subjectivity: consumption. The more the consumer market expands in the diversification of goods and services, more challenging becomes the preeminence of the so-called consumption “culture” (Mike Featherstone). In this beginning of the 21st Century – marked by the finalizing contradictions of the capitalist way of economic production – consumption is no longer a zero-sum game between need satisfaction and social status recognition by means of the exhibition and conservation of differences represented by the active manipulation of signs, as pointed out by the French philosopher Jean Baudrillard. Consumption acquires a sense of possession, which transcends the conditions of circulation and exchange of goods to establish virtues and vicissitudes of new types of links pagE 80 pagE 72 After the advertising crisis came the marketing crisis and it still lingers on. Its cause is the mistaken focus on the main purposes of marketing and is reflected in the existing structures. The jobs of the “Product Manager” or “Brand Manager” were overwhelmed, on one side, by the growing complexities of a market in permanent mutation, and, on the other by the gap between what is taught at the universities and what the market really demands. Nevertheless, in spite of the fragilities verified in recent years, which have relegated it to a secondary position – in many companies – marketing is still fundamental for the development of businesses in all economic areas. Marketing is not part of the business; marketing is – or must be – the business. However, in order for this to become true, it is important to think again about some important concepts, such as “people” and their profiles, the marketing structure, its management and the precise function of The position of the author is to state – paradoxically – that saying that marketing does not exist is the best and most productive way to understand what marketing really is. The speciousness of each one of the complex areas of knowledge related to the activity of marketing suggests that not even a renaissance genius could master all of them in order to deserve the title of “marketing specialist”. The closest comparable activity is that of the strategist, who knows well the technical aspects of strategy, and yet, is able to be absolutely creative. Any individual who is able to perform – in marketing or in any other profession – with 99% abstract (technical) thought and 1% of concrete (intuitive and creative) thought, has really reached what is called the optimization of thought. In practice, however, there are no marketing specialists or specialities deserving of this description. Nevertheless, the marketing concept – and its teaching – are extremely important as a way of thinking about the integrated and continuous process of successfully planning and selling goods and services. ESPM J AM N EA I RR Ç O /O F/EAV BE R EI LI R O D ED E2 0 2 0 04 5––RREEVV II S T A DDAA EESSP PMM 129 Ponto de Vista O QUE É UM “MARKETEIRO”? JOSÉ LUIZ TEJON MEGIDO isturar “jogadas de marketing” com administração e usar a palavra “marqueteiros” como sinônimo de profissionais abusados, espertos e picaretas na arte de “enrolar” é uma generalização danosa para os interesses do país. M O que é marketing, em síntese e fácil português? É gestão das percepções humanas. Isso significa a distância que separa o que podemos considerar realidade versus o imaginado, o sentido, a vontade, o desejo, a angústia, o conceito e o preconceito. Se o campo pode ser nebuloso, é porque a vida humana sobre a Terra poderia, também, ser considerada nebulosa. O comunismo não prosperou por ignorar as vontades, desejos e angústias humanas pela obtenção das coisas, pelo “fetiche das mercadorias”. A vacinação infantil, o combate à Aids, o sucesso da APAE, do Hospital do câncer, da AMA (amigos dos autistas), do IPQ (Instituto Pró-Queimados), do meio ambiente e da sustentabilidade do planeta são assuntos de marketing! Salvar vidas, dar dignidade às minorias, distribuir alimentos, isso é assunto de profissionais de administração especializados em marketing. Os seres humanos são tão parecidos mas tão absurdamente diferentes. Ninguém deseja ser mais um, na multidão, abelha operária na colméia, soldado anônimo no formigueiro. Até o “não consumo”, a não “marca” é 130 uma forma de dizer eu sou “eu”. Desejamos, queremos, nos apaixonamos, sonhamos. E esse sonho, essa imaginação, sempre antecede e cria a realidade futura. Quando marketing era somente coisa de “maquiagem”, assunto da comunicação, da embalagem, da astúcia de vendas, da propaganda, talvez fosse mais fácil rotular essa profissão de “marqueteiros” como “bruxos” alquimistas. Mas, e agora, quando o diferencial dos produtos, dos serviços, já nasce embutido na tecnologia? Já vem na ciência dos MIT’s e das “Embrapa’s” da vida. E quando o engenheiro vira “marqueteiro”, o geneticista fica “marqueteiro”, o médico descobre estar “marqueteiro”...? Conteúdo e forma são uma coisa só. O corpo do produto é dependente da sua alma . O caráter do homem público é ingrediente legítimo das entranhas do seu “marketing” (ou deveria!). É impossível separar marketing das demais funções da gestão. Os cientistas que buscavam um produto farmacêutico para uso cardíaco, e descobrem o Viagra, são o quê? Os geneticistas que “jogam dados” com os genes e criam uma planta resistente a uma praga, o que fazem? O “niilista”, ativista, que tudo nega e se planta na porta da reunião da Organização Mundial do Comércio, está a serviço de qual marketing ? O frango e o porco que consumimos hoje, preparado para ser processado, desenvolvido para ter partes mais nobres de carne, programado para ser separado e desmontado no frigorífico. Quando nasceu o seu “marketing”? É truque de apresentação, ou a arte marqueteira já nasce inserida no seu código genético? Os melhores pesquisadores, engenheiros, geneticistas e profissionais das ciências exatas, humanas ou biológicas que conheci na minha vida, sempre revelaram dentro de si esse talento para a mente e os corações humanos, a Sociologia, Antropologia, a educação , os símbolos, o design e a arte , com ou sem fins lucrativos. Hoje temos dois grandes males para o valor estimativo do profissional de administração com especialização no mercado e nas pessoas. Um deles é o marketing político e o outro é o marketing do medo. O primeiro, carente e necessitado de um belo código de ética, auto-regulamentação e um CONAR dedicado. E a razão é simples: não se trata de marketing. É propaganda manipulativa onde a exceção só justifica a regra. O outro é espetacularmente terrível e assustador, repetição dramática e alucinante da pior de todas as trevas da humanidade: o novo espetáculo, ao vivo, de torres que caem, de execuções sumárias, seqüestros, crimes banais, acertos de contas, bombardeios, fanatismos. No marketing do medo, “também morre quem atira”, ou não reza como o outro cara quer que você reze. Seja no âmbito global ou com a nossa bandidagem tropical. Marketing do medo é marketing: tem produto, canal de distribuição, forças de vendas, logística, tecnologia, engenharia financeira, muita motivação para atrair novos entrantes. E tem, também, propaganda. Antigamente, o presente era resultado do passado. Hoje, o presente é resultado do futuro. Existe alguém que não esteja “marqueteiro”? ESPM José Luiz Tejon Megido – Prof. MBA da ESPM – Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie – Presidente da ABMR&A M A R Ç O / A B R I L D E 2 0 0 4 REVISTA DA ESPM–