Evangelho segundo S. Mateus 22,1-14. – cf.par. Lc 14,16

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Evangelho segundo S. Mateus 22,1-14. – cf.par. Lc 14,16-24
Tendo Jesus recomeçado a falar em parábolas, disse-lhes: «O Reino do Céu é comparável a
um rei que preparou um banquete nupcial para o seu filho. Mandou os servos chamar os
convidados para as bodas, mas eles não quiseram comparecer. De novo mandou outros
servos, ordenando-lhes: 'Dizei aos convidados: O meu banquete está pronto; abateram-se os
meus bois e as minhas reses gordas; tudo está preparado. Vinde às bodas.’ Mas eles, sem se
importarem, foram um para o seu campo, outro para o seu negócio. Os restantes, apoderandose dos servos, maltrataram-nos e mataram-nos. O rei ficou irado e enviou as suas tropas, que
exterminaram aqueles assassinos e incendiaram a sua cidade. Disse, depois, aos servos: 'O
banquete das núpcias está pronto, mas os convidados não eram dignos. Ide, pois, às saídas dos
caminhos e convidai para as bodas todos quantos encontrardes.’ Os servos, saindo pelos
caminhos, reuniram todos aqueles que encontraram, maus e bons, e a sala do banquete
encheu-se de convidados. Quando o rei entrou para ver os convidados, viu um homem que
não trazia o traje nupcial. E disse-lhe: 'Amigo, como entraste aqui sem o traje nupcial?’ Mas
ele emudeceu. O rei disse, então, aos servos: 'Amarrai-lhe os pés e as mãos e lançai-o nas
trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.’ Porque muitos são os chamados, mas
poucos os escolhidos.»
São Macário (?-405), monge no Egipto
Homilias espirituais, nº 15, § 30-31
«Vinde ao banquete das núpcias»
No mundo visível, se um povo muito pequeno se revolta contra o rei, este não se incomoda a
dirigir pessoalmente as operações, antes envia os soldados, com os respectivos chefes, e são
eles que travam o combate. Pelo contrário, se o povo que se ergue contra ele é muito poderoso
e é capaz de lhe devastar o reino, então o rei vê-se obrigado a empreender pessoalmente a
campanha, com a sua corte e o seu exército, e a travar ele o combate. Considera, pois, que
dignidade é a tua! Pois foi o próprio Deus quem empreendeu a campanha, com os seus
próprios exércitos – ou seja, os anjos e os espíritos santos –, para vir proteger-te, a fim de te
libertar da morte. Tem, pois, confiança, e repara na providência de que és objecto.
Retiremos outro exemplo da vida presente. Imaginemos um rei que depara com um homem
pobre e doente, e que não se desgosta dele, antes lhe trata as feridas por meio de
medicamentos salutares. Leva-o para o palácio, veste-o de púrpura, cinge-o com um diadema
e convida-o para a sua mesa. É assim que Cristo, o rei celeste, Se aproxima do homem doente,
o cura e o convida para a Sua mesa real, e fá-lo sem lhe violar a liberdade, antes o
persuadindo a aceitar honra tão elevada.
Está, aliás, escrito no Evangelho que o Senhor enviou os Seus servos, mandando-os convidar
todos quantos quisessem acorrer, mandando-os anunciar: «O banquete está pronto!» Os
convidados, porém, desculparam-se. [...] Estás a ver, Aquele que convidava estava pronto,
mas os convidados recusaram o convite; são, portanto, responsáveis pelo seu destino. Tal é a
grande dignidade dos cristãos. Eis que o Senhor lhes prepara o Reino, e os convida a nele
entrar; mas eles recusam-se. Perante o dom que lhes foi prometido, poder-se-ia dizer que, se
uma pessoa [...] sofresse tribulações desde a criação de Adão até ao fim do mundo, nada teria
feito em comparação com a glória que receberá em herança, porque está destinado a reinar
com Cristo pelos séculos sem fim. Glória Àquele que amou de tal maneira esta alma, que Se
entregou e Se confiou a ela, bem como a sua graça! Glória à Sua majestade!
Santo Agostinho (345-430), bispo de Hipona (África do Norte) e doutor da Igreja
Sermão 90; PL 38, 559ss
Vestir o traje nupcial
Que traje nupcial é esse de que nos fala o Evangelho? Tal traje é certamente algo que só os
bons possuem, os que devem participar no festim [...]. O traje serão os sacramentos? O
baptismo? Sem o baptismo, ninguém chega até Deus, mas alguns recebem o baptismo e não
chegam a Deus [...] Será o altar, ou o que se recebe no altar? Mas ao receber o Corpo do
Senhor alguns comem e bebem a sua própria condenação (1Co 11,29). Então será o quê, esse
traje? O jejum? Também os maus jejuam. Será frequentar a igreja? Também os maus vão à
igreja como os outros [...].
O que é então esse traje nupcial? Diz-nos o apóstolo Paulo: «O objectivo desta recomendação
é o amor que procede de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera» (1Tm
1,5). Eis o traje nupcial. Não se trata de um amor qualquer, porque por vezes vemos homens
desonestos amar outros [...], mas não vemos neles aquela caridade autêntica «que procede de
um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera»; ora, esta caridade é
precisamente o fato de núpcias.
«Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, diz o apóstolo Paulo, se não tiver amor,
sou como um bronze que soa ou um címbalo que retine [...]. Ainda que eu tenha o dom da
profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que eu tenha tão grande fé que
transporte montanhas, se não tiver amor, nada sou.» (1Co 13,1-2) [...] Poderia ter tudo isto,
disse ele; sem Cristo, «nada sou» [...]. Como são inúteis os bens, se um só deles nos faltar! Se
não tiver amor, bem posso ter distribuir todos os meus bens, confessar o nome de Cristo e
entregar o meu corpo para ser queimado (1Co 13,3), que de nada me aproveita, pois posso
agir assim por amor da glória [...]. «Se não tiver amor, de nada me aproveita.» Eis o traje
nupcial. Examinai-vos a vós próprios: se o tiverdes, aproximai-vos confiantes do banquete do
Senhor.
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (África do Norte) e doutor da Igreja
Sermão 90
O vestido de bodas
Que significa o vestido de bodas, o traje nupcial? O Apóstolo explica: «O objectivo desta
recomendação é o amor que procede de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé
sincera» (1 Tm 1, 5). É ele o traje nupcial. Não se trata de um amor qualquer, porque com
frequência vemos pessoas que se amam e têm má consciência. Os que juntos se entregam ao
roubo, às bruxarias, aqueles que atraem o amor dos comediantes, dos aurigas e dos
gladiadores, em geral amam-se entre eles, mas não com a caridade que nasce de um coração
puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera: ora, é nesta caridade que consiste o traje
nupcial.
Revesti-vos, pois, do traje nupcial, vós, que ainda o não tendes. Já entrastes na sala do
banquete, ides aproximar-vos da mesa do Senhor, mas não tendes ainda, em honra do esposo,
o traje nupcial: procurais ainda os próprios interesses e não os de Jesus Cristo. O traje nupcial
veste-se para honrar a união nupcial, isto é, entre o Esposo e a Esposa. Sabeis quem é o
esposo: Jesus Cristo; sabeis quem é a Esposa: a Igreja. Honrai a desposada; honrai também
quem a toma por esposa.
Tiago de Sarug (c. 449-521), monge e bispo sírio
Homilia sobre o véu de Moisés
“Vinde ao banquete de núpcias”
As mulheres não estão tão fortemente unidas aos maridos como a Igreja está ao Filho de
Deus. Que esposo, para além de Nosso Senhor, morreu jamais por sua esposa, que esposa
escolheu jamais um crucificado como esposo? Quem deu jamais o seu sangue como presente
a sua esposa, senão Aquele que morreu na cruz, selando a união nupcial por meio das Suas
chagas? Quem se viu jamais morto e jacente no banquete das próprias núpcias, com a esposa a
Seu lado, pedindo para ser consolada? Em que festa, em que banquete, senão neste, se
distribuiu aos convivas, sob a forma de pão, o corpo do esposo?
A morte separa as esposas dos maridos, mas neste caso une a Esposa a seu Bem-Amado. Ele
morreu na cruz, deixando o Seu corpo a sua gloriosa Esposa; agora, Ela toma-O em alimento
todos os dias à Sua mesa. Alimenta-se dele sob a forma de pão e sob a forma de vinho, para
que o mundo reconheça que já não são dois, mas um só.
João Tauler (c. 1300-1361), dominicano em Estrasburgo
Sermão 74
«Vinde ao banquete nupcial»
«Olhai que tenho o banquete preparado…Vinde para o banquete!» Mas os convidados
desculparam-se, «um foi para o seu campo, outro para o seu negócio». É frequente encontrálos em todo o mundo, esse afazer arrebatador e essa agitação contínua que movem o mundo.
É de fazer andar a cabeça à roda, tanto nos espanta que se tenha tanto vestuário, comida,
edifícios e muitas coisas cuja metade bastaria com fartura. Devemos, com todas as nossas
forças, escapar a essa exuberância de actividade e de multiplicidade, a tudo o que não é
absolutamente necessário, e recolher-nos em nós mesmos, dedicar-nos à nossa vocação,
considerar onde, como e de que maneira o Senhor nos chamou: um à contemplação interior, o
outro à acção, e um terceiro, muito por cima dos outros dois, ao amável repouso interior, no
silêncio calmo das trevas divinas, na unidade do espírito.
Mas, se a pessoa chamada interiormente ao silêncio nobre e calmo, no vazio
da nuvem escura (Ex 24, 18), quisesse, por causa disso, abster-se
continuamente de qualquer outra obra de caridade, não faria bem; também ela
deve praticar obras de caridade, segundo as circunstâncias a tal a convidam…
«Os meus bois e animais gordos estão mortos.» O banquete é figura do repouso
interior no qual a pessoa se mantém activa e gozando como Deus goza em Si
mesmo, activamente, e onde o senhor, o rei, vêm vigiar a cada momento. Mas o
Evangelho diz à continuação que o senhor encontrou um dos hóspedes sentado
no banquete sem estar vestido com a túnica nupcial. A veste nupcial que
faltava a esse conviva é a caridade pura e autêntica; a verdadeira intenção
de procurar a Deus exclui todo o amor de si mesmo e tudo o que é alheio a
Deus; ele não deseja senão o que Deus quer… O amor e a intenção de alguns
não pertencem plena e puramente a Deus só, no fundo do seu ser, mas
procuram-se a eles mesmos. A esses, nosso Senhor diz: «Amigo, como entraste
aqui sem o traje da verdadeira caridade?» Esses procuraram mais os dons de
Deus que ao próprio Deus.
Pregador do Papa: Evangelho ensina a não perder o importante pelo urgente
O padre Raniero Cantalamessa comenta o Evangelho do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 7 de outubro de 2005 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do padre
Raniero Cantalamessa OFM Cap --pregador da Casa Pontifícia-- ao Evangelho do próximo
domingo (Mt 22, 1-14).
***
XXVIII do tempo comum (ano A)
Mateus (22, 1-4)
Naquele tempo, tomando Jesus de novo a palavra, falou em parábolas aos príncipes dos
sacerdotes e aos anciãos do povo e disse: «O Reino dos Céus é semelhante a um rei que
celebrou o banquete de bodas de seu filho. Enviou seus servos a chamar os convidados à
boda, mas não quiseram vir. Enviou ainda outros servos, com este encargo: Dizei aos
convidados: “Veja, meu banquete está preparado, já mataram meus novilhos e animais
cevados, e tudo está pronto: vinde para a boda”. Mas eles, sem fazer caso, foram-se um para
seu campo, outro a seus negócios; e os demais agarraram os servos, escarneceram-nos e os
mataram. Irou-se o rei e, enviando suas tropas, matou aqueles homicidas e ateou fogo em sua
cidade».
O que é importante?
É instrutivo observar quais são os motivos pelos quais os convidados da parábola rejeitaram
participar do banquete. O evangelista Mateus diz que eles «não fizeram caso» do convite e
«se foram um para seu campo, outro para seus negócios». O Evangelho de Lucas, sobre este
ponto, é mais detalhado e apresenta assim as motivações da rejeição: «Comprei um campo e
tenho de ir vê-lo... Comprei cinco juntas de bois e vou aprová-las... Casei-me, e por isso não
posso ir» (Lc 14, 18-20). Que têm em comum estes personagens? Os três têm algo urgente a
fazer, algo que não pode esperar, que reclama imediatamente sua presença. E que representa o
banquete nupcial? Este indica os bens messiânicos, a participação na salvação trazida por
Cristo, portanto a possibilidade de viver eternamente. O banquete representa, pois, o
importante na vida, mais ainda, o único essencial. Está claro então em que consiste o erro
cometido pelos convidados; está em deixar o importante pelo urgente, o essencial pelo
contingente!
Isto é um risco tão difundido e insidioso, não só no plano religioso, mas também no
puramente humano, que vale a pena refletir sobre isso um pouco. Antes de tudo no plano
religioso. Deixar o importante pelo urgente significa adiar o cumprimento dos deveres
religiosos porque cada vez se apresenta algo urgente que fazer. É domingo e é hora de ir à
Missa, mas tem-se que fazer aquela visita, aquele trabalho no jardim, e tem-se que preparar a
comida. A liturgia dominical pode esperar, a comida não; então se adia a Missa.
Disse que o perigo de omitir o importante pelo urgente está presente igualmente no âmbito
humano, na vida de todos os dias, e queria aludir também a isto. Para um homem é certamente
importante dedicar tempo à família, estar com os filhos, dialogar com eles se são maiores,
brincar com eles se são pequenos. Mas no último momento se apresentam sempre coisas
urgentes que despachar no escritório, extras para fazer no trabalho, e se prorroga para outra
ocasião, acabando por regressar à casa demasiado tarde e demasiado cansado para pensar em
outra coisa.
Para um homem e uma mulher é uma obrigação moral ir cada tanto visitar o ancião progenitor
que vive só em casa ou em uma residência. Para alguns é importante visitar um conhecido
enfermo para mostrar-lhe o próprio apoio e talvez fazer-lhe algum serviço prático. Mas é
urgente, se se prorroga aparentemente o mundo não cai, ou melhor ninguém se dá conta. E
assim se adia.
O mesmo se faz no cuidado da própria saúde, que também está entre as coisas importantes. O
médico, ou simplesmente o físico, adverte que deve cuidar-se, tomar um período de descanso,
evitar aquele tipo de estresse... Responde-se sim, sim, o farei sem falta, quando eu terminar
esse trabalho, quando tiver arrumado a casa, quando tiver liquidado todas as dívidas... Até que
se perceba que é tarde demais.
Eis aqui onde está a insídia: passa-se a vida perseguindo os mil pequenos afazeres que há que
despachar e não se encontra tempo para as coisas que incidem de verdade nas relações
humanas e que podem dar a verdadeira alegria (e descuidam-se, a verdadeira tristeza) na vida.
Assim, vemos como o Evangelho, indiretamente, é também escola de vida; ensina-nos a
estabelecer prioridades, a tender ao essencial. Em uma palavra: a não perder o importante pelo
urgente, como sucedeu aos convidados de nossa parábola.
[Original italiano publicado por «Famiglia Cristiana». Traduzido por Zenit]
ZP05100702
Perigo de trocar o importante pelo urgente
Comentário do Pe. Cantalamessa sobre a Liturgia da Palavra
ROMA, sexta-feira, 10 de outubro de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe.
Ranieiro Cantalamessa, OFM Cap, pregador da Casa Pontifícia, sobre a Liturgia da Palavra
do 28º Domingo do Tempo Comum*.
***
28º Domingo do Tempo Comum
Isaías 25, 6-10a; Filipenses 4, 12-14.19-20; Mateus 22, 1-14
O importante e o urgente
É instrutivo observar quais são os motivos pelos quais os convidados da parábola se negaram
a ir ao banquete. Mateus diz que eles «não se importaram» pelo convite e «foram embora, um
ao seu campo, outro ao seu negócio». O evangelho de Lucas, neste ponto, é mais detalhado e
apresenta assim os motivos da rejeição: «Comprei um terreno e preciso vê-lo... Comprei cinco
juntas de bois e vou experimentá-las... Casei-me, e por essa razão não posso ir» (Lc 14, 1820).
O que têm em comum estes diversos personagens? Todos os três tinham algourgente para
fazer, algo que não pode esperar, que exige imediatamente sua presença. E o que representa,
no entanto, o banquete nupcial? Este indica os bens messiânicos, a participação na salvação
alcançada por Cristo e, portanto, a possibilidade de viver eternamente. O banquete representa,
portanto, o mais importante na vida, e mais ainda, o único importante. Está claro, então, em
que consiste o erro cometido pelos convidados: consiste em abandonar o importante por causa
do urgente, trocar o essencial pelo contingente! Pois bem, este é um risco tão difundido e
insidioso, não somente no campo religioso, mas também no puramente humano, que vale a
pena refletir um pouco sobre ele.
Antes de tudo, precisamente, no campo religioso. Abandonar o importante por causa do
urgente, no âmbito espiritual, significa atrasar continuamente o cumprimento dos deveres
religiosos, porque cada vez se apresenta algo urgente para ser feito. É domingo e é hora de ir à
missa, mas é preciso fazer esta visita, este trabalhinho no jardim, o almoço da família... A
Missa pode esperar, o almoço não; portanto, a pessoa se atrasa para a Missa e se apressa pra
cozinhar.
Eu disse que o perigo de abandonar o importante por causa do urgente está presente também
no âmbito humano, na vida de todos os dias, e eu gostaria de destacar isso também. Para um
homem, é certamente importantíssimo dedicar tempo à família, a estar com os filhos, dialogar
com eles se forem grandes e brincar com eles se forem pequenos. Mas no último momento se
apresentam sempre coisas urgentes a serem terminadas no escritório, horas extras, e se deixa
para outra vez, acabando por chegar a casa muito tarde e muito cansado para pensar em outra
coisa.
Para um homem ou uma mulher, é importantíssimo ir de vez em quando visitar o pai idoso
que mora sozinho em casa ou em algum asilo. Pra qualquer um, é algo importantíssimo visitar
um conhecido doente para mostrar-lhe seu apoio e fazer algum serviço prático por ele. Mas
não é urgente; se você deixar para mais tarde, aparentemente o mundo não vai acabar, talvez
ninguém perceba. E assim vamos adiando as coisas.
Acontece a mesma coisa com a própria saúde, que também está entre as coisas importantes. O
médico, ou simplesmente o personal trainer, adverte que é preciso se cuidar, tirar um período
de férias, evitar o estresse... Respondemos «sim», dizemos que faremos isso com certeza,
assim que terminarmos o trabalho, arrumarmos a casa, depois de pagar todas as dívidas... Até
que a pessoa percebe que é tarde demais. Aí está o engano: a pessoa passa a vida inteira
perseguindo mil pequenas coisas para arrumar e nunca acha tempo para as coisas que
verdadeiramente incidem nas relações humanas e podem dar verdadeira alegria (e,
abandonadas, verdadeira tristeza) na vida. Assim, vemos como o Evangelho, indiretamente, é
também escola de vida: ensina-nos a estabelecer prioridades, a tender ao essencial. Em
resumo, a não perder o importante por causa do urgente, como aconteceu com os convidados
da nossa parábola.
Traduzido por Aline Banchieri
Evangelho segundo S. Mateus 22,15-21. – cf.par. Mc 12,13-17; Lc 20,20-26
Então, os fariseus reuniram-se para combinar como o haviam de surpreender nas suas próprias
palavras. Enviaram-lhe os seus discípulos, acompanhados dos partidários de Herodes, a dizerlhe: «Mestre, sabemos que és sincero e que ensinas o caminho de Deus segundo a verdade,
sem te deixares influenciar por ninguém, pois não olhas à condição das pessoas. Diz-nos,
portanto, o teu parecer: É lícito ou não pagar o imposto a César?» Mas Jesus, conhecendo-lhes
a malícia, retorquiu: «Porque me tentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do imposto.» Eles
apresentaram-lhe um denário. Perguntou: «De quem é esta imagem e esta inscrição?» «De
César» responderam. Disse-lhes então: «Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é
de Deus.»
Santo António (cerca 1195-1231), franciscano, doutor da Igreja
Sermões para o domingo e a festa de todos os santos
«Levantai sobre nós, Senhor, a luz da Vossa face!»
Tal como uma pequena moeda tem a imagem de César, assim a nossa alma é à imagem da
Santíssima Trindade, segundo o que nos é dito no salmo: «a luz da tua face está impressa em
nós, Senhor» (4, 7LXX)... Senhor, a luz da tua face, quer dizer a luz da tua graça que
determina em nós a tua imagem e nos torna semelhantes a ti, está gravada em nós, quer dizer,
gravada na nossa razão, que é a maior força da nossa alma e que recebe essa luz como a cera
recebe a marca de um selo. A face de Deus é a nossa razão; porque, tal como alguém conhece
o seu rosto, assim conhecemos Deus pelo espelho da razão. Mas esta razão foi deformada pelo
pecado do homem, porque o pecado torna o homem antagónico a Deus. A graça de Cristo
reparou a nossa razão. É por isso que o apóstolo Paulo diz aos Efésios: «renovai
espiritualmente a vossa inteligência» (4,23). A luz de que nos fala este salmo é pois a graça,
que restaura a imagem de Deus gravada na nossa natureza...
Toda a Trindade marcou o homem à sua semelhança. Pela memória, é semelhante ao Pai; pela
inteligência, é semelhante ao Filho; pelo amor é semelhante ao Espírito Santo... Desde a
criação, o homem foi feito «à imagem e semelhança de Deus» (Gn 1,26). Imagem no
conhecimento da verdade; semelhança no amor à virtude. A luz da face de Deus é pois a graça
que nos justifica e que nos revela de novo a imagem criada. Esta luz constitui todo o bem do
homem, o seu verdadeiro bem; ela marca-o, como a imagem do imperador marca a moeda.
É por isso que o Senhor acrescenta: «Dai a César o que é de César». Como se dissesse: Tal
como dais a César a sua imagem, dai a Deus a vossa alma, ornada e marcada pela luz do seu
rosto.
S. Lourenço de Brindisi (1559-1619), capuchinho, doutor da Igreja
Sermão para o 22º domingo depois de Pentecostes
Ser realmente uma imagem de Deus
“Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Há que dar a cada um o que lhe
agrada. Aqui está uma palavra verdadeiramente cheia de sabedoria e ciência celestes. Porque
ela nos ensina que há duas espécies de poder, um terrestre e humano, o outro celestial e
divino... Ela ensina que estamos assim sujeitos a uma dupla obediência, uma às leis humanas
e a outra às leis divinas... Devemos pagar a César a moeda que tem a esfinge e a inscrição de
César, a Deus o que recebeu a chancela da imagem e da semelhança divinas: “Levantai sobre
nós, Senhor, a luz da vossa face” (Sl 4,7).
Fomos criados à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26). Tu és homem, ó cristão. Tu és
portanto a moeda do tesouro divino, uma moeda que tem a esfinge e a inscrição do imperador
divino. Desde logo, eu pergunto com Cristo: “ Esta esfinge e esta inscrição, de quem são
elas?”. Tu respondes: “De Deus”. Eu respondo-te: “Então porque é que não dás a Deu s o que
é dele?”
Se queremos ser realmente uma imagem de Deus, devemo-nos assemelhar a Cristo, porque
ele é a imagem da bondade de Deus e “cunho da sua substância” (Hb 1,3). E Deus
“predestinou os que de antemão conheceu para serem conformes à imagem de seu Filho”
(Rom 8,29). Cristo deu verdadeiramente a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.
Ele cumpriu da forma mais perfeita os preceitos contidos nas duas tabelas da lei divina “sendo
obediente até à morte e morte de cruz” (Fil 2,8) e assim foi adornado no mais alto grau com
todas as virtudes visíveis e escondidas.
A responsabilidade do cristão na vida pública, segundo o pregador do Papa
Padre Raniero Cantalamessa comenta o Evangelho do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 14 de outubro de 2005 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do padre
Raniero Cantalamessa OFM Cap --pregador da Casa Pontifícia-- ao Evangelho do próximo
domingo (Mt 22, 15-21).
***
XXIX do tempo comum (ano A)
Mateus (22, 15-21)
Naquele tempo, os fariseus (...) lhe enviaram seus discípulos a dizer-lhe: «Mestre, sabemos
que és verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus com franqueza e que não dás preferência
a ninguém, porque não olhas a condição das pessoas. Diga-nos, pois, o que lhe parece, é lícito
pagar o tributo a César ou não?». Mas Jesus, conhecendo sua malícia, disse: «Hipócritas, por
que me tentais? Mostrai-me a moeda do imposto». Eles lhe apresentaram um denário. E lhes
disse: «De quem é esta imagem e a inscrição?». Disseram-lhe: «De César». Então lhes disse:
«Pois dê a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus».
A Deus o que é de Deus
Este domingo, o Evangelho termina com uma frase lapidária de Jesus: «Dê a César o que é de
César, e a Deus o que é de Deus». Não: ou César ou Deus, mas: a um e a outro, cada um em
seu plano. É o começo da separação entre religião e política, até então inseparáveis em todos
os povos e regimes. Os judeus estavam acostumados a conceber o futuro reino de Deus
instaurado pelo Messias como uma teocracia, ou seja, como um governo direto de Deus na
terra através de seu povo.
Ao contrário, Cristo revela um reino de Deus que está neste mundo, mas não é deste mundo,
que caminha em uma longitude de onda diferente e que pode por isso coexistir com qualquer
regime, seja este de tipo sacro ou «leigo».
Revelam-se assim dois tipos diferentes de soberania de Deus no mundo: a soberania espiritual
que constitui o reino de Deus e que Ele exercita diretamente em Cristo, e a soberania temporal
ou política que Deus exercita indiretamente, confiando-a à livre eleição das pessoas e ao jogo
das causas segundas. César e Deus não estão contudo situados no mesmo plano, porque
também César depende de Deus e deve dar contas a Ele. «Dê a César o que é de César»
significa, portanto: «Daí a Cear o que Deus mesmo quer que seja dado a César». É Deus o
soberano último de todos. Nós não estamos divididos entre duas pertenças, não estamos
obrigados a servir a «dois senhores».
O cristão está livre para obedecer ao Estado, mas também para resistir-lhe quando o Estado se
põe contra Deus e sua lei. Não vale invocar o princípio da ordem recebida dos superiores,
como estão habituados a fazer ante o tribunal os responsáveis por crimes de guerra. Antes que
aos homens, há que obedecer a Deus e à própria consciência. Não se pode dar a César a alma,
que é de Deus. O primeiro a tirar as conclusões práticas deste ensinamento foi São Paulo. Ele
escreve: «Submetam-se todos às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não
provenha de Deus. De modo que, quem se opõe à autoridade, rebela-se contra a ordem
divina... por isso, precisamente pagais os impostos, porque são funcionários de Deus os
ocupados assiduamente nesse ofício» (Rm 13, 1ss). Pagar legalmente os impostos para um
cristão (e para toda pessoa honesta) é um dever de justiça, uma obrigação de consciência.
Garantindo a ordem, o comércio e todos os serviços, o Estado dá ao cidadão algo pelo qual
tem direito a uma contrapartida, precisamente para poder seguir dando tais serviços.
A evasão fiscal, quando chega a certas proporções --recorda-nos o Catecismo da Igreja
Católica--, é um pecado mortal. É um roubo feito não ao «Estado», ou seja, a ninguém, mas à
comunidade, isto é, a todos. Isso supõe naturalmente que também o Estado seja justo e
eqüitativo ao impor seus tributos.
A colaboração dos cristãos na construção de uma sociedade justa e pacífica não se esgota em
pagar os impostos, deve-se estender também à promoção dos valores comuns, como a família,
a defesa da vida, a solidariedade com os mais pobres, a paz. Outro âmbito no qual os cristãos
deverão oferecer uma contribuição mais incisiva é a política: não tanto os conteúdos quanto
os métodos, o estilo. Há que desmantelar o clima de perpétuo litígio, voltar a levar às relações
entre os partidos mais respeito e dignidade.
Respeito ao próximo, suavidade, capacidade de autocrítica são marcas que um discípulo de
Cristo deve levar a todas as coisas, também à política. É indigno de um cristão abandonar-se a
insultos, sarcasmo, descender a rinhas com o adversário. Se, como diz Jesus, quem diz ao
irmão «estúpido!» já é réu (cf. Mt 5, 22. Ndr), o que será de muitos políticos?
[Original italiano publicado por «Famiglia Cristiana». Traduzido por Zenit]
ZP05101401
Humanizar a política, dever do cristão
Comentário do Pe. Cantalamessa sobre a liturgia do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 10 de outubro de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe.
Ranieiro Cantalamessa, OFM Cap. – pregador da Casa Pontifícia – sobre a Liturgia da
Palavra do próximo domingo, 19 de outubro.
****
XXIX Domingo do Tempo Comum
Isaías, 45, 1.4-6; 1ª Tessalonicenses 1, 1-5b; Mateus 22, 15-21
“A César o que é de César”
O Evangelho deste domingo termina com uma daquelas frases lapidárias de Jesus, que
deixaram uma marca profunda na história e na linguagem humanas: «Dai a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus». Não é mais «ou César ou Deus», e sim um e outro, cada um
no seu lugar. É o começo da separação entre religião e política, até então inseparáveis em
todos os povos e regimes. Os hebreus estavam acostumados a conceber o futuro reino de Deus
instaurado pelo Messias como uma «teocracia», isto é, como um governo dirigido por Deus
em toda a terra através do seu povo. Agora, no entanto, a palavra de Cristo revela um reino de
Deus que «está» no mundo, mas que não «é» do mundo, que caminha numa longitude de onda
diferente e que, por isso, coexiste com qualquer outro regime, seja de tipo sacro ou «leigo».
Revelam-se, assim, dois tipos qualitativamente diferentes de soberania de Deus no mundo: a
«soberania espiritual», que constitui o reino de Deus e que Ele exerce diretamente em Cristo,
e a «soberania temporal» ou política, que Deus exerce indiretamente, confiando-a à livre
escolha das pessoas e às causas segundas.
César e Deus, no entanto, não estão no mesmo nível, porque César também depende de Deus
e deve prestar-lhe contas. «Dai a César o que é de César» significa, portanto: «Dai a César o
que ‘o próprio Deus quer’ que seja dado a César». Deus é o soberano de todos, incluído
César. Não estamos divididos entre duas pertenças, não estamos obrigados a servir «dois
senhores». O cristão é livre para obedecer o Estado, mas também para resistir ao Estado
quando este se coloca contra Deus e contra a sua lei. Neste caso, não vale invocar o princípio
da ordem recebida dos superiores, como costumam fazer diante dos tribunais dos responsáveis
de crimes de guerra. Antes de que aos homens, é preciso obedecer a Deus e à própria
consciência.
O primeiro em tirar conclusões práticas deste ensinamento de Cristo foi São Paulo. Ele
escreveu: «Submetam-se todos às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não
provenha de Deus, e as que existem, por Deus foram constituídas. De modo que, quem se
opõe à autoridade, se rebela contra a ordem divina... Por isso precisamente pagais os
impostos, porque são funcionários de Deus, ocupados assiduamente nesse ofício» (Rm 13,
1ss.). Pagar lealmente os impostos para um cristão (também para toda pessoa honrada) é um
dever de justiça e, portanto, um dever de consciência. Garantindo a ordem, o comércio e todos
os demais serviços, o Estado dá ao cidadão algo pelo qual tem direito a uma contrapartida,
precisamente para poder continuar prestando estes serviços.
A evasão fiscal, quando alcança certas proporções – recorda o Catecismo da Igreja Católica –
é um pecado mortal, similar ao de qualquer roubo grave. É um roubo feito não ao «Estado»,
ou seja, a ninguém, mas à comunidade, ou seja, a todos. Isso supõe naturalmente que também
o Estado seja justo e equitativo quando impõe as taxas.
A colaboração dos cristãos na construção de uma sociedade justa e pacífica não se reduz a
pagar os impostos; deve estender-se também à promoção de valores comuns, como a família,
a defesa da vida, a solidariedade com os mais pobres, a paz. Há também outro âmbito no qual
os cristãos deveriam dar uma contribuição maior à política. Não tem tanto a ver com os
conteúdos, mas com os métodos, o estilo. É necessário mudar o clima de luta permanente,
procurar maior respeito, compostura e dignidade nas relações entre partidos. Respeito ao
próximo, moderação, capacidade de autocrítica: são traços que um discípulo de Cristo deve
levar a todas as coisas, também à política. É indigno de um cristão abandonar-se a insultos,
sarcasmo, rebaixar-se a brigas com os adversários. Se, como dizia Jesus, quem chama o irmão
de «estúpido» já é réu da Geena, que será de muitos políticos?
[Tradução: Élison Santos. Revisão: Aline Banchieri.]
Evangelho segundo S. Mateus 22,23-33: Os saduceus e a ressureção – cf.par. Mc 12,1827; Lc 20,27-40
Evangelho segundo S. Mateus 22,34-40. – cf.par. Mc 12,28-31
Constando-lhes que Jesus reduzira os saduceus ao silêncio, os fariseus reuniram-se em grupo.
E um deles, que era legista, perguntou-lhe para o embaraçar: «Mestre, qual é o maior
mandamento da Lei?» Jesus disse lhe: Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração,
com toda a tua alma e com toda a tua mente. Este é o maior e o primeiro mandamento. O
segundo é semelhante: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos
dependem toda a Lei e os Profetas.»
São Basílio (c. 330-379), monge e bispo de Cesareia, na Capadócia, doutor da Igreja
Grandes Regras, Q. 2
«Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração»
Recebemos de Deus a tendência natural para fazermos o que Ele nos manda, de maneira que
não podemos insurgir-nos, como se Ele nos pedisse uma coisa extraordinária, nem orgulharnos, como se déssemos mais do que aquilo que nos é dado. [...] Ao recebermos de Deus o
mandamento do amor, possuímos imediatamente, desde a nossa origem, a faculdade natural
de amar. Não foi a partir do exterior que fomos por ela enformados; e isto é evidente, porque
procuramos naturalmente aquilo que é belo [...]; sem que no-lo ensinem, amamos aqueles que
nos são aparentados, pelos laços do sangue ou de uma qualquer aliança; enfim, de boa
vontade damos provas de benevolência aos nossos benfeitores.
Ora, haverá coisa mais admirável do que a beleza de Deus? [...] Haverá desejo mais ardente
do que a sede provocada por Deus na alma purificada, que exclama com emoção sincera:
«Desfaleço de amor» (Cant 2, 5)? [...] Esta bondade é invisível aos olhos do corpo, só
podendo ser captada pela alma e pela inteligência. Sempre que iluminou os santos, deixou
neles o aguilhão de um grande desejo, a ponto de eles exclamarem: «Ai de mim, que vivo no
exílio» (Sl 119, 5), «Quando poderei eu chegar, para contemplar a face de Deus?» (Sl 41,3),
«Desejo partir para estar com Cristo» (Fil 1, 23) e «A minha alma tem sede do Senhor, do
Deus vivo» (Sl 41, 3). [...] É assim que os homens aspiram naturalmente ao belo. Mas aquilo
que é bom é também supremamente amável; ora, Deus é bom; portanto, se todas as coisas
procuram o que é bom, todas as coisas procuram a Deus. [...]
Se o afecto dos filhos pelos pais é um sentimento natural, que se manifesta no instinto dos
animais e na disposição dos homens para amarem as mães desde tenra idade, não sejamos
menos inteligentes do que as crianças, nem mais estúpidos do que os animais: não nos
apresentemos diante de Deus que nos criou como estrangeiros sem amor. Mesmo que não
tivéssemos compreendido, pela Sua bondade, Quem Ele é, devíamos ainda assim, apenas pelo
facto de termos sido criados por Ele, amá-Lo acima de tudo, e permanecer ligados à memória
do que Ele é, como as crianças permanecem ligadas à memória de sua mãe.
Santo Anselmo (1033-1109), monge, doutor da Igreja
Carta 112, dirigida a Hugo, prisioneiro; Opera omnia, 3, p.245
«Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os profetas»
Como reinar nos céus mais não é do que aderir a Deus e a todos os santos, pelo amor, numa
única vontade, de tal forma que exercem em conjunto um único e mesmo poder, ama pois a
Deus mais do que ti próprio, e verás que começas a ter o que desejas possuir de forma perfeita
no céu. Concerta-te com Deus e com os homens – se estes não se separarem de Deus – e
começarás a reinar com Deus e com os seus santos. Porque, na justa medida em que agora te
concertares com a vontade de Deus e com a dos homens, Deus e todos os santos concertar-seão com a tua vontade. Portanto, se queres ser rei nos céus, ama a Deus e aos homens como
deves, e merecerás ser o que desejas.
Mas este amor, não poderás possui-lo na perfeição se não esvaziares o coração de todos os
outros amores [...] Eis por que aqueles que enchem o coração com o amor a Deus e ao
próximo têm apenas o querer de Deus, ou o de outro homem, na condição de que este não seja
contrário a Deus. Eis por que são fiéis à oração, e a esta maneira de viver, a lembrarem-se
sempre dos céus; porque lhes é agradável desejar a Deus e falar acerca d'Esse que amam,
ouvir falar d'Ele e pensar n'Ele. É por isso também que rejubilam com todos os que estão em
graça, que choram com os que estão em dificuldades (Rm 12,15), que têm compaixão pelos
infelizes e que dão aos pobres, porque amam os outros homens como a si mesmos. [...] Sim, é
assim que, de facto, destes dois mandamentos do amor «dependem toda a Lei e os profetas».
Santo António de Lisboa (cerca de 1195 - 1231), franciscano, doutor da Igreja
Sermões para os domingos e festas
Amar a Deus, ao próximo e a si mesmo
Ama-te a ti mesmo, tal como te criou Aquele que te amou. Despreza-te, tal como te fizeste a ti
mesmo. Submete-te ao que está acima de ti; despreza o que está abaixo de ti. Ama-te a ti
mesmo da mesma forma que te amou Aquele que se entregou por ti. Depreza-te, por teres
desprezado o que Deus fez e amou em ti...
Queres guardar sempre Deus no teu espírito? Olha-te tal como Deus te fez. Não vás à procura
de um outro tu, não te tornes outro diferente daquilo que Deus te fez. Assim, terás sempre
Deus no teu espírito.
A caridade ao alcance de todos, segundo o pregador do Papa
Padre Raniero Cantalamessa comenta o Evangelho do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 21 de outubro de 2005 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do padre
Raniero Cantalamessa OFM Cap --pregador da Casa Pontifícia-- ao Evangelho do próximo
domingo (Mt 22, 34-40).
***
XXX do tempo comum (ano A)
Mateus (22, 34-40)
Naquele tempo, os fariseus, ouvindo que havia fechado a boca dos saduceus, reuniram-se em
grupo, e um deles lhe perguntou com ânimo de pôr-lhe à prova: «Mestre, qual é o
mandamento maior da Lei?». Ele lhe disse: «Amarás o Senhor, teu Deus, com todo teu
coração, com toda tua alma e com toda tua mente. Este é o maior e o primeiro mandamento.
O segundo é semelhante a este: Amarás a teu próximo como a ti mesmo. Destes dois
mandamentos pendem toda a Lei e os Profetas».
Amarás a teu próximo
«Amarás teu próximo como a ti mesmo». Acrescentando as palavras «como a ti mesmo»,
Jesus nos pôs diante de um espelho ao que não podemos mentir; deu-nos uma medida
infalível para descobrir se amamos ou não o próximo. Sabemos muito bem, em cada
circunstância, o que significa amar-nos a nós mesmos e o que queríamos que os outros
fizessem por nós. Jesus não diz, se se presta bem atenção: «o que o outro faz a ti, faça a ele».
Isto seria a lei do talião: «Olho por olho, dente por dente». Diz: o que tu queres que o outro te
faça, faça tu a ele (Cf. Mt 7, 12), que é bem diferente.
Jesus considerava o amor ao próximo como «seu mandamento», aquele no qual se resume
toda a Lei. «Este é meu mandamento: que vos ameis uns aos outros assim como eu vos amei»
(Jo 15, 12). Muitos identificam todo o cristianismo com o preceito do amor ao próximo, e não
carecem de razão. Mas devemos tentar ir um pouco mais além da superfície das coisas.
Quando se fala de amor ao próximo, a mente vai em seguida às «obras» de caridade, às coisas
que há que fazer pelo próximo: dar-lhe de comer, de beber, visitá-lo; em resumo, ajudar o
próximo. Mas isto é um efeito do amor, não é ainda o amor. Antes da beneficência vem a
benevolência, antes que fazer o bem, vem o querer bem.
A caridade deve ser «sem fingimento», isto é, sincera (literalmente «sem hipocrisia», Rm 12,
9); deve-se amar «com coração puro» (1 Pd 1,22). Pode-se de fato fazer a caridade e a esmola
por muitos motivos que nada têm a ver com o amor: para admoestar-se, para passar por bemfeitor, para ganhar o paraíso, até por remorsos de consciência.
Muita caridade que fazemos a países do Terceiro Mundo não está ditada pelo amor, mas por
remorso. Damo-nos conta da escandalosa diferença que existe entre nós e eles e nos sentimos
em parte responsáveis por sua miséria. Pode-se carecer de caridade inclusive ao «fazer
caridade»! Seria um erro fatal contrapor entre si o amor do coração e da caridade dos fatos, ou
refugiar-se nas boas disposições interiores para os demais para encontrar nisso uma desculpa à
própria falta de caridade ativa e concreta.
Se encontras um pobre faminto e tremendo de frio, dizia Santiago, de que lhe serve se lhe diz:
«Pobrezinho, vê, acalenta-te, coma algo!», mas não lhe dás nada do que necessita? «Filhos»,
acrescenta São João, «não amemos de palavra nem de boca, mas com obras e segundo a
verdade» (1 Jo 3, 18). Não se trata, portanto, de desvalorizar as obras exteriores de caridade,
mas fazer que estas tenham o fundamento em um genuíno sentimento de amor e de
benevolência.
A caridade do coração ou interior é a caridade que todos podemos exercitar, é universal. Não
é uma caridade que alguns --os ricos e os sãos-- só podem dar e os outros --os pobres e os
enfermos-- só receber. Todos podem dá-la e recebê-la. Também é concreta. Trata-se de
começar a olhar com olhos novos as situações e as pessoas com as quais vivemos. Que olhos?
É simples: os olhos com os quais queríamos que Deus nos olhasse! Olhos de desculpa, de
benevolência, de compreensão, de perdão...
Quando isto sucede, todas as relações mudam. Caem, como por milagre, todos os motivos de
prevenção e hostilidade que impediam de amar a certa pessoa e esta nos começa a aparecer
pelo que é na realidade: uma pobre criatura que sofre por suas fraquezas e suas limitações,
como tu, como todos. É como se a máscara que os homens e as coisas se puseram caísse e a
pessoa aparecesse pelo que verdadeiramente é.
[Original italiano publicado por «Famiglia Cristiana». Traduzido por Zenit]
ZP05102103
Pregador do Papa: amor faz ver outros como são realmente
Comentário do Pe. Cantalamessa sobre a liturgia do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 24 de outubro de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe.
Raniero Cantalamessa, OFM Cap. – pregador da Casa Pontifícia – sobre a liturgia do
domingo próximo, 24 de outubro.
***
XXX Domingo do Tempo Comum
Êxodo 22, 20-26; 1 Tessalonicenses 1, 5c-10; Mateus 22, 34-40
Amarás o teu próximo como a ti mesmo
«Amarás o teu próximo como a ti mesmo». Acrescentando as palavras «como a ti mesmo»,
Jesus nos pôs diante um espelho ao qual não podemos mentir: deu-nos uma medida infalível
para descobrir se amamos ou não o próximo. Sabemos muito bem, em cada circunstância, o
que significa amar a nós mesmos e o que queríamos que os demais fizessem por nós. Jesus
não diz, note-se bem: «O que o outro te fizer, faze tu a ele». Isso seria a lei do Talião: «Olho
por olho, dente por dente». Ele diz: o que tu queres que o outro te faça, faze tu a ele (cf. Mt 7,
12), que é muito diferente.
Jesus considerava o amor ao próximo como «seu mandamento», no qual se resume toda a Lei.
«Este é o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei» (Jo 15, 12).
Muitos identificam o cristianismo inteiro com o preceito do amor ao próximo, e não estão
totalmente desencaminhados. Mas temos de tentar ir um pouco mais além da superfície das
coisas. Quando se fala do amor ao próximo, o pensamento se dirige imediatamente às «obras»
de caridade, às coisas que é preciso fazer pelo próximo: dar-lhe de comer, de beber, de vestir;
ou seja, ajudar o próximo. Mas isso é um efeito do amor, não é ainda o amor. Antes da
beneficência vem a benevolência; antes de fazer o bem, vem o querer.
A caridade deve ser «sem fingimentos», ou seja, sincera (literalmente, «sem hipocrisia») (Rm
12, 9); deve-se amar «verdadeiramente, de coração» (1 Pe 1, 22). Pode-se de fato fazer
caridade ou dar esmola por muitos motivos que não têm nada a ver com o amor: por ficar
bem, por parecer benfeitores, para ganhar o paraíso, inclusive por remorso de consciência.
Muita caridade que fazemos aos países do terceiro mundo não está ditada pelo amor, mas pelo
remorso. Percebemos a diferença escandalosa que existe entre nós e eles e nos sentimos em
parte responsáveis por sua miséria. Pode-se ter pouca caridade também «fazendo caridade»!
Está claro que seria um erro fatal contrapor o amor do coração à caridade dos fatos ou
refugiar-se nas boas disposições interiores para com os demais, para encontrar uma desculpa
para a própria falta de caridade atual e concreta. Se você encontra um pobre faminto e
tremendo de frio, dizia São Tiago, «de que serve dizer «Pobre, vá, esquente-se, coma algo»,
mas não lhe dá nada do que precisa?». « Filhos meus, acrescenta o evangelista João, não
amemos de palavra nem de boca, mas com obras e segundo a verdade» (1 Jo 3, 18). Não se
trata, portanto, de subestimar as obras externas de caridade, mas de fazer que estas tenham seu
fundamento em um genuíno sentimento de amor e benevolência.
Esta caridade do coração ou interior é a caridade que todos e sempre podemos exercer, é
universal. Não é uma caridade que alguns – os ricos e saudáveis – podem somente dar e
outros – os pobres e enfermos – podem apenas receber. Todos nós podemos fazê-la e recebêla. Também é muito concreta. Trata-se de começar a olhar com novos olhos as situações e as
pessoas com as que vivemos. Com que olhos? É simples: os olhos com que quisermos que
Deus nos olhe. Olhos de desculpa, de benevolência, de compreensão, de perdão...
Quando isso acontece, todas as relações mudam. Caem, como por milagre, todos os motivos
de prevenção e hostilidade que nos impediam de amar certa pessoa, e esta começa a parecer o
que é realmente: uma pobre criatura humana que sofre por suas fraquezas e limites, como
você, como todos. É como se a máscara que todos os homens e as coisas têm caíssem, e a
pessoa aparecesse como é na realidade.
Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein) (1891-1942), carmelita, mártir, co-padroeira da
Europa
A História e o Espirito do Carmelo
“Feliz o homem, que se compraz na Lei do Senhor e nela medita dia e noite”.(Sl 1,1-2)
Que significa a “Lei do Senhor”? O Salmo 118 está todo ele repleto do desejo de conhecer a
Lei do Senhor e de se deixar guiar por ela ao longo da vida. Pode ser que o salmista tenha
pensado na Lei da Antiga Aliança. O seu conhecimento exigia efectivamente um estudo sobre
a longevidade da vida e a sua concretização um esforço de vontade também ao longo da vida.
Mas, o Senhor libertou-nos do jugo da Lei. Podemos considerar como Lei da Nova Aliança o
grande preceito do amor que encerra a Lei e os Profetas, tal como foi dito; o perfeito amor de
Deus e do próximo seria certamente um objecto digno de ser meditado a vida inteira.
Mateus 23,1-12.
Então, Jesus falou assim à multidão e aos seus discípulos: «Os doutores da Lei e os fariseus
instalaram-se na cátedra de Moisés. Fazei, pois, e observai tudo o que eles disserem, mas não
imiteis as suas obras, pois eles dizem e não fazem. Atam fardos pesados e insuportáveis e
colocam-nos aos ombros dos outros, mas eles não põem nem um dedo para os deslocar. Tudo
o que fazem é com o fim de se tornarem notados pelos homens. Por isso, alargam as
filactérias e alongam as orlas dos seus mantos. Gostam de ocupar o primeiro lugar nos
banquetes e os primeiros assentos nas sinagogas. Gostam das saudações nas praças públicas e
de serem chamados 'mestres’ pelos homens. Quanto a vós, não vos deixeis tratar por
'mestres’, pois um só é o vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. E, na terra, a ninguém
chameis 'Pai’, porque um só é o vosso 'Pai’: aquele que está no Céu. Nem permitais que vos
tratem por 'doutores’, porque um só é o vosso 'Doutor’: Cristo. O maior de entre vós será o
vosso servo. Quem se exaltar será humilhado e quem se humilhar será exaltado.
Santo António (c. 1195-1231), franciscano, doutor da Igreja
Sermões
«Dizem e não fazem»
Aquele que está cheio do Espírito Santo fala várias línguas (Act 2,4). Estas diversas línguas
são os diversos testemunhos prestados a Cristo, tais como a humildade, a paciência e a
obediência. Falamo-los quando, a praticá-los, os mostramos aos outros. A palavra está viva
quando são as acções que falam. Peço-vos que as vossas palavras se calem e que as acções
falem. Estamos cheios de palavras mas vazios de acções ; por causa disso nos amaldiçoa o
Senhor, ele que amaldiçoou a figueira onde não encontrou frutos mas apenas folhas (Mc
11,13 sg). “A lei, diz S. Gregório, foi apresentada ao pregador para que ele pratique aquilo
que prega ». Perde o seu tempo a divulgar o conhecimento da lei aquele que destrói o seu
ensinamento através das suas acções.
Mas os apóstolos falavam segundo o dom do Espírito. Feliz aquele que fala segundo o dom do
Espírito e não segundo o seu próprio sentimento… Falemos, pois, segundo o que o Espírito
Santo nos permita dizer. Peçamos-lhe humilde e piedosamente que derrame em nós a sua
graça.
Santa Catarina de Sena (1347-1380), terceira dominicana, Doutora da Igreja, co-padroeira da
Europa
Diálogos, cap. 4
“O que se humilhar será elevado”
[Disse Deus a Santa Catarina:] Pedes-me para Me conheceres e Me amares, a Mim, a Verdade
suprema. Eis a via para quem quer chegar a conhecer-Me perfeitamente e a experimentar-Me,
a Mim, a Verdade eterna: nunca abandones o conhecimento de ti mesma e, abaixada até ao
vale da humildade, em ti mesma Me conhecerás. E desse conhecimento retirarás tudo quanto
te faz falta, tudo aquilo de que precisas. Nenhuma virtude tem vida em si mesma, se a não
tirar da caridade; ora, a humildade é a ama e a governanta da caridade. No conhecimento de ti
mesma te tornarás humilde, pois por ele verás que nada és por ti mesma e que o teu ser vem
de Mim, pois Eu amei-vos antes de que vós existísseis. Foi por causa deste amor inefável que
tive por vós que, querendo voltar a criar-vos pela graça, vos lavei e vos recriei no sangue
derramado por Meu Filho único com tão grande fogo de amor.
Só este sangue, e apenas ele, dá a conhecer a verdade àquele que, por via desse conhecimento
de si mesmo, dissipou a névoa do amor próprio. É então que, nesse conhecimento de Mim
Mesmo, a alma se abrasa de um amor inefável, e é devido a este amor que sofre uma dor
contínua. Não é uma dor que a aflija ou a seque (longe disso dado que, pelo contrário, a
fecunda); mas, por ter conhecido a Minha verdade, os seus próprios pecados, a ingratidão e a
cegueira do próximo causam-lhe uma dor intolerável. Aflige-se porque Me ama pois, se não
Me amasse, não se afligiria.
Santo Isaac, o Sírio (séc. VII), monge em Ninive, perto de Mossul no actual Iraque
Discursos ascéticos, 1ª série
"Quem se humilhar será exaltado"
O que reconhece os seus próprios pecados... é maior do que aquele que ressuscita os mortos
com a sua oração. O que chora durante uma hora por causa da sua alma é maior do que aquele
que abraça todo o mundo com a sua contemplação. Aquele a quem é dado ver a verdade sobre
si mesmo é maior do que aquele a quem é permitido ver os anjos.
S. [Padre] Pio de Pietrelcina (1887-1968), capuchinho
T, 54
"Quem se humilhar será exaltado"
Não deixes de praticar actos de humildade e de amor para com Deus e para com os homens;
porque Deus fala a quem lhe apresenta um coração humilde e enriquece-o com os seus dons.
Se Deus te reservar os sofrimentos do seu Filho e quiser fazer-te tocar com o dedo a tua
própria fraqueza, mais vale humilhares-te do que perder a coragem. Faz subir a Deus uma
oração de abandono e de esperança quando a tua fragilidade causar a tua queda e agradece ao
Senhor por todas as graças com que ele te enriquece.
Evangelho segundo S. Mateus 22,41-46: O Messias, Filho de Davi – cf.par. Mc 12,35-37;
Lc 20,41-44
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