moçambo: de bairro rural a distrito, na visão de moradores antigos

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MOÇAMBO: DE BAIRRO RURAL A DISTRITO, NA VISÃO DE
MORADORES ANTIGOS
Letícia Almeida Araújo
[email protected]
Discente – Geografia – UNIFAL-MG
Ana Rute do Vale
[email protected]
Professora do curso de Geografia – UNIFAL-MG
Introdução
A relação campo-cidade teve vários contornos, interpretações e visões na história
brasileira e do mundo, e hoje a integração dos espaços urbanos e rurais é complexa e
rica de particularidades. Tem- se como visão adotada neste trabalho, que existem
ruralidades na cidade e urbanidades no campo, sem que cada espaço perca suas
características e especificidades.
Os acontecimentos políticos, econômicos e sociais que ocorrem de forma global
acabam por interferir, em diferentes intensidades no local. Assim ocorreu com o bairro
rural Moçambo que, no início de 2015, tornou-se distrito do município de Muzambinho, na
mesorregião sul/sudoeste de Minas Gerais. O bairro destacou-se a partir da implantação
do ramal Moçambo da estação ferroviária da Companhia Mogyana, principal meio de
transporte no auge da produção cafeeira. Com a evolução e diversificação da produção
voltada ao mercado exterior e a modernização nos meios de transporte, a ferrovia foi
desativada em 1966 e a rodovia BR-491 passou a cruzar o bairro, que deixou de ser
movimentado e próspero, mas que mantém no café a principal fonte de renda.
Anais da 4ª Jornada Científica da Geografia UNIFAL-MG
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Essa transformação poderá possibilitar que várias propriedades regularizem suas
escrituras, já que muitas delas possuem tamanho inferior ao mínimo exigido pela lei
orgânica municipal para propriedades rurais. Além disso, uma vez que os moradores
deixarão de pagar o ITR (Imposto Territorial Rural) e passarão a contribuir com o IPTU
(Imposto Predial e Territorial Rural), espera-se que melhorias em termos de infraestrutura
urbana básica, saúde e educação. Por enquanto, eles possuem uma grande dependência
em todos os setores com a cidade e mesmo com a transformação em distrito, nenhuma
melhoria ou mudança concreta ocorreu.
A análise dessa transformação, torna-se mais completa através da visão da
memória viva do bairro que os moradores antigos possuem. Nascidos ou criados no
bairro, possuem memórias, viveram histórias, conhecem fatos que não foram registrados
e que ajudam entender se essa mudança pode ser positiva, ou não, já que mais do que
uma transformação do espaço, ou uma transformação política, ela pode acarretar em
transformações no modo de vida dos moradores.
Objetivos
Partindo dessas informações, tem-se como objetivo geral analisar o processo de
transformação socioespacial do bairro rural Moçambo em distrito municipal, a partir da
visão dos moradores mais antigos. Pretende-se com os objetivos específicos, resgatar a
história do bairro e apresentar as mudanças em curso.
Fundamentação Teórica
A questão das definições do que seria considerado campo e cidade, do que seria
rural ou urbano é complexa e percorreu um longo caminho de ideias dicotômicas dessa
relação até chegar a uma aproximação desses espaços, com intensa troca entre eles,
mas com a manutenção de suas especificidades, visão defendida nesse trabalho, com as
considerações de Rua (2005, p.48): “ Rural torna-se, cada vez mais, diferente de agrícola.
Ao mesmo tempo, distingui-se cidade e urbano explicitando a crescente complexidade
que marca tais relações. Rural e urbano interagem-se, mas sem se tornarem a mesma
coisa, já que preservam suas especificidades. ”
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As visões acadêmicas são múltiplas, mas não se pode considerar que esses dois
ambientes são incomunicáveis e que não estabelecem ligações, e nem que um espaço
seja mais importante que outro. Porém o campo, de espaço produtivo e gerador de renda,
passou a ser por muito tempo considerado como um lugar arcaico para se viver e
trabalhar, um lugar atrasado, de minorias que cultivavam tradições diferentes das
impostas pela nova ordem capitalista dominante. Enquanto isso, a cidade passou a ser
sinônimo de progresso e desenvolvimento.
Alves e Vale (2013, p.38) trazem que “o que vai diferenciar o urbano do rural é a
intensidade da territorialidade, pois o primeiro representa relações mais globais, mais
deslocadas do território, enquanto o rural reflete uma maior territorialidade, uma
vinculação local mais intensa. ”
É o que ocorre com Moçambo, que se tornou um distrito, mas mantém seu caráter
rural muito evidente, ainda preservando características de um bairro rural como as
trazidas por Pina, Lima e Silva (p. 138):
Os bairros rurais se organizam como grupos de vizinhança, cujas
relações interpessoais são cimentadas pela grande necessidade de ajuda
mútua, solucionada por práticas formais e informais, tradicionais ou não;
pela participação coletiva em atividades lúdico-religiosas que constituem
a expressão mais visível da solidariedade grupal; pela forma específica
de ajustamento ao meio ecológico, através do trabalho de roça,
executado pela família conjugal como unidade econômica e utilizando
técnicas rudimentares; pela interdependência visível entre o grupo de
vizinhança e núcleos urbanos, locais e regionais, para os quais se
dirigem os lavradores, seja para vender seus produtos e comprar
mercadorias, seja em romarias religiosas, seja para tratar das poucas
atividades administrativas e políticas que estão ao seu alcance.
(QUEIROZ, 1973 apud PINA; LIMA; SILVA, 2008).
O então distrito, não pode ser considerado um campo que foi urbanizado: em
diferentes intensidades sempre esteve indiretamente ou até diretamente conectado com a
cidade e todos instrumentos tidos como urbanos, mas não perdeu sua identidade rural,
seu apego ao local, e o modo de vida familiar de um bairro. Porém, mesmo se tornando
um distrito, direitos básicos de bem-estar social, ainda não foram atendidos.
Mesmo sendo grande a área de estudo sobre o distrito, Manaia (2010, p.3.482) diz
que “muitos célebres pensadores trabalharam com a urbanização, suas hierarquias e
intercomunicações, porém não se aprofundaram na discussão sobre a interface entre o
campo e a cidade, da qual os distritos são a melhor expressão. ”
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O estudo sobre esse novo distrito então, é uma possibilidade de se entender ou
aprofundar os apontamentos da relação campo- cidade que são vastos e complexos. E
toda essa transformação pode ser identificada com mais facilidade através do olhar de
quem vivenciou essa história e continua acompanhando os caminhos que ela vem
tomando, que são os moradores mais antigos do bairro.
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Metodologia
Para propósitos do trabalho, além da revisão e levantamento teórico e bibliográfico
sobre a relação campo-cidade, bairros rurais e distritos, foram realizadas entrevistas a
campo com cinco moradores antigos do bairro, indicados pelos próprios moradores, e que
ainda residem no Moçambo. As entrevistas foram gravadas, e seus áudios transcritos, a
fim de não se perder nenhuma informação fornecida.
Resultados Finais
Antes da implantação do ramal estação ferroviária da Companhia Mogyana, o
bairro existia representado por algumas poucas casas, das quais pouco se tem
informações. Em 1913, as linhas começaram a operar no bairro, transportando o principal
produto da região- o café, além do transporte de passageiros para a cidade de Guaxupé.
Os operadores, comandantes e operários estabeleceram moradias no bairro, que
passou a contar com comércios como farmácia, mercados e vendas. Com toda
movimentação, muitas casas começaram a surgir no bairro, e o fluxo de pessoas era
intenso, chegando ao ponto de crianças se perderem dos pais.
A ligação entre a cidade de Muzambinho era realizada por uma estrada de terra,
onde se ia de charrete, a cavalo, ou mesmo em carros de lata, modernos para época, de
alguns moradores do bairro que funcionavam como táxis. Festas de barraquinhas, terços
e outras tradições religiosas eram bem marcantes.
Em 1966 houve a desativação da ferrovia no bairro, dando sinais de que o café
não era mais o produto exclusivo de exportação, e que meios mais eficientes e
econômicos de transportes estavam sendo desenvolvidos. Em 1970, aconteceu a
pavimentação da rodovia que atravessa o bairro, intensificando a relação com
Muzambinho e com a cidade de Guaxupé. Os funcionários da estação se mudaram do
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bairro, e nenhuma outra atividade econômica, além da permanência da produção
cafeeira- agora em pequena escala, foi desenvolvida no bairro, que deixou os tempos
grandiosos na memória e na história.
O bairro composto de muitas pessoas aposentadas, famílias que trabalham no
campo, ou pessoas que vieram de outras localidades procurando um novo meio de
sustento, foi transformado em distrito no início de 2015. Muitos moradores não tiveram
conhecimentos dos benefícios ou pontos negativos dessa transformação, e nem
participaram da reunião de votação de aprovação, realizadas por representantes do
poder público Municipal e outras empresas geridas pelo Estado.
Até o momento nenhuma mudança referente ao bem-estar social, ou a
infraestrutura ocorreu de forma significativa, apenas pinturas no meio-fio. A população
ainda depende de serviços da cidade. Há apenas uma venda com pouca variedade de
produtos alimentícios. O modo de vida rural, mesmo ao longo dos últimos anos ter sofrido
influências do urbano, das novas tecnologias e a modernização, ainda é muito evidente,
não sendo possível distinguir ainda o Moçambo de outros bairros rurais do Município. Na
realidade, esse modo de vida e a identidade da população do Moçambo vai ser
preservado, suas especificidades serão mantidas, mesmo com qualquer mudança de
ordem política ou capitalista, porque correspondem a questões de afinidades e
sentimentos, questões e vivências ontológicas.
Conclusões
Foi possível identificar um caráter rural muito acentuado no distrito, onde os
próprios moradores antigos entrevistados, revelam que essa transformação ainda não
implicou em mudanças de infraestrutura e bem-estar social. Essa ruralidade é muito
presente, e parece se perpetuar entre as gerações.
Bibliografia
ALVES, Flamarion Dutra; VALE, Ana Rute. A Relação campo- cidade e suas leituras no
espaço. ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013.
MANAIA, Marcel Saab Rodrigues. Distritos Rurais: Uma incessante busca por sua
compreensão, o caso de Paiquerê e Warta, Londrina-PR. In: ENCONTRO NACIONAL DE
GEOGRAFIA AGRÁRIA, XX, 2010, Francisco Beltrão- Paraná.
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PINA, José Hermando Almeida; LIMA, Osmar Almeida; SILVA, Vicente de Paulo.
MUNICÍPIO E DISTRITO: um estudo teórico. Campo- Território: revista de Geografia
Agrária, v. 3, n. 6, p. 125-142, ago. 2008.
RUA, João. A Resignificação do rural e as relações cidade- campo: uma contribuição
geográfica. Revista da Anpeg, n.2, 2005.
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