UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Programa de Formação de Conselheiros Nacionais Curso de Especialização em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais CRIS ANDERSON PESSANHA A ATUAÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL: uma análise da gestão dos recursos do PRONAF como instrumento de prosperidade social no litoral sul paraibano JOÃO PESSOA/PB 2010 CRIS ANDERSON PESSANHA A ATUAÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL: uma análise da gestão dos recursos do PRONAF como instrumento de prosperidade social no litoral sul paraibano Monografia apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais. Orientadora Profª. Drª. Luzia C. Costa Becker JOÃO PESSOA/PB 2010 “O povo não tem amigos. O único amigo do povo é o próprio povo, quando organizado”. Graciliano Ramos RESUMO Esta monografia tem como objetivo investigar o tema das desigualdades sociais e do desenvolvimento sustentável, por meio da atuação dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável na gestão dos recursos do Programa Nacional de Fortalecimento à Agricultura Familiar como instrumento de prosperidade social em quatro municípios do litoral sul do Estado da Paraíba. Essa problemática é investigada, considerando o debate sobre o desenvolvimento desigual do país no qual o Nordeste veio se configurar em uma das regiões periféricas, marcada por contrastes e fatores de exclusão social, política, econômica e cultural bem como de corrupção. Dessa forma, através da revisão bibliográfica e fundamentado na reflexão teórica sobre os principais temas dessa problemática, a pesquisa de campo nos municípios de Alhandra, Caaporã, Conde e Pitimbu, revela a evolução do ideário geral de gestores públicos, ONGs e lideranças da população, no sentido de se buscar métodos e estratégias que favoreçam a seleção de alternativas que aperfeiçoem as possibilidades de sustentabilidade e de desenvolvimento social na região Nordeste com o objetivo de superar a sua condição de periferia. Palavras-chave: Conselhos Municipais; Desenvolvimento Rural; Desigualdades Sociais; Sustentabilidade; PRONAF. ABSTRACT This research, expertise in participatory democracy and the social movements, aims at examining the relevance of the great theme of social inequality and sustainable development, given the role of so-called Municipal Councils for Sustainable Rural Development (CMDRSs), considering the focus of analysis on the procedures of resource management PRONAF - National Building Family Agriculture - as an instrument of social wealth, performed in four municipalities of the south coast of Paraíba state, within the context determined by need to discuss the perpetuation of the Northeast Brazil, among others in Brazil, too marked by contrasts and factors of social exclusion, political, economic and cultural, is crucial in view of the well-known, either as still aspects "enigmatic" especially when it comes to national taint of corruption and corruptibility, which historically has been diverting resources materials and other types of poor populations. Thus, the aim is, essentially the methodology of the literature, but also by deepening the theme of the empirical results derived from field research applied to municipalities of the Alhandra, Caaporã, Conde and Pitimbu, enter into consideration, also by means of observation and critical to address multiple aspects linked to the nuclear issue theme, and correlations required by the dynamics and scientific relevance of the topic under review, the quo. Permission is granted to the author, book, and expected results of the efforts begun here by offering the general evolution of ideas, public managers, “ONGs” and leaders of the population, in order to seek methods and strategies that favor the selection of alternatives that further improve the chances of sustainability and social development. Keywords: Municipal Councils; Rural Development; Socials Inequalities; Sustainability; PRONAF. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 7 2 DESIGUALDADE REGIONAL E DESENVOLVIMENTO ......................... 10 2.1 Desenvolvimento e sustentabilidade .................................................................... 10 2.2 Justiça Social: Guia Ético do Desenvolvimento Sustentável................................13 2.3 O Princípio político do desenvolvimento sustentável: Participação Social......................................................................................................15 2.3.1 Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável: CMDRS ........ 16 3. DESENVOLVIMENTO SOCIAL BRASILEIRO: UM DESAFIO ................ 17 3.1 O Desenvolvimento e a exclusão-inclusão do Nordeste ...................................... 21 4. PRONAF: UMA PROPOSTA DE DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTAVEL........................................................................................ 23 4.1 Participação Social e Desenvolvimento Rural ..................................................... 25 4.1.1 Os Municípios de Alhandra, Caapora, Conde e Pitimbu: um território comum? ................................................................................................. 26 4.1.2 A Família e a Agricultura Familiar.................................................................... 30 4.1.3 O PRONAF e o Desenvolvimento Local Sustentável ....................................... 31 5. CONCLUSÃO....................................................................................................... 33 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................35 7 1 INTRODUÇÃO Brasil, um país de todos..., de todas as desigualdades? O questionamento feito, a partir do slogan do governo Lula, aponta para o fato de que o país apresenta desigualdades múltiplas tais como social, racial, regional, de gênero, entre outras. A análise do desenvolvimento de um país com características históricas como as do Brasil, quando foca especificamente a região do Nordeste, faz surgir o tema do desenvolvimento desigual. Nem sempre a situação real de desigualdade é abordada com a profundidade e a seriedade necessária, bastando considerar como exemplo a visita do então ministro do Turismo, João Dória Júnior, na década de 1990, ao sítio geográfico do Brejo das Freiras e município de Souza, no sertão paraibano. Surpreendido pela gravidade da seca prolongada, ao percorrer o Vale dos Dinossauros, de enorme valor paleontológico, fez publicar em noticiário nacional a infeliz frase de que “a miséria regional nordestina deveria ser explorada, como atração turística”... Vinte anos depois, o valioso sítio continua quase desconhecido e abandonado, apesar de constar em guias do mundo inteiro como notável logradouro turístico, assim como a região nordestina, que apesar de seus inúmeros valores regionais, ainda segue nos dias de hoje sem que a sociedade e poder público se dêem conta que a Região Nordeste continua mergulhada em desigualdades crudelíssimas que nos remetem à busca por alternativas que possam vir a contribuir para um cenário de transformação, onde a melhoria da qualidade de vida da população seja a meta efetivamente perseguida pela sociedade organizada e Estado, juntos. Outra situação de descaso para com as desigualdades sociais no Nordeste é evidenciada quando o litoral nordestino é visitado pelos turistas das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste (além dos estrangeiros, de toda parte) que, acessando somente as praias, enxergam e desfrutam das paisagens, da culinária, da hospitalidade, mas pouco ou nada constatam a respeito da miséria do povo que, a partir de um raio de 20 quilômetros dos locais de hospedagem, vivem amontoados nas periferias das capitais regionais e indescritivelmente em agonia no interior sertanejo. Diante desse quadro, se os programas governamentais de caráter emergencial serviram para dar certa visibilidade ao desenvolvimento desigual do Nordeste, do Norte e, eventualmente, de bolsões mais isolados da miserabilidade por todo o país. Também é verdade que, infelizmente, renovaram os padrões eleitoreiros que os antigos “coronéis” 8 exploraram e continuam ainda explorando, sobretudo, através das lideranças municipais, base primeira da permanência dos desnivelamentos regionais. O conceito de prosperidade social faz parte do ambiente de peculiaridades de cada nação. A prosperidade social é um patrimônio muito valioso, porém nem sempre bem conservado por este ou aquele povo, por um ou outro grupo de lideranças governamentais, e assim, o que deveria ser difuso e universal, pode significar meta atingível somente para algumas nações de privilegiados. Para promover a prosperidade social de forma igual e harmônica em um país é preciso haver ações públicas e privadas compromissadas com o desenvolvimento sustentável , um paradigma que irá bater de frente com o modelo de desenvolvimento gerador das desigualdades até aqui ressaltadas pela negligência pública e privada em regiões como o Nordeste. Enquanto as desigualdades vão reforçando os contornos dos mapas das regiões, tendo o Sudeste como a região central e as demais, em específico, o Nordeste, caracterizadas como periferias, a problemática a ser investigada nesta monografia tem a ver com o tema do desenvolvimento sustentável local, delimitando uma porção menor da região Nordeste – no caso em estudo, quatro municípios do litoral sul do Estado da Paraíba – em face do fenômeno da descentralização administrativa e política, representada, por sua vez, pela atuação dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável. A presente pesquisa, na região foco, procura compreender e interpretar a atuação dos chamados Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRSs), espaços idealizados como democráticos, para promover a transformação da realidade local e regional. O estudo busca debater os aspectos envolvidos na gestão dos recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), como instrumento de prosperidade social no litoral sul paraibano, centrando-se nos municípios de Alhandra, Caapora, Conde e Pitimbu. Para tanto, no primeiro capítulo, apresento os conceitos e reflexões que irão fundamentar e orientar a pesquisa proposta nesta monografia. No segundo capítulo, apresento o PRONAF como uma política pública voltada para o desenvolvimento local sustentável tendo como foco o contingente social historicamente excluído do processo de desenvolvimento do país. No terceiro capítulo, analiso a formulação, implementação e resultados do PRONAF em quatro municípios do litoral paraibano, tomados como estudo de caso. 9 Finalmente, apresento algumas considerações sobre os achados na pesquisa realizada no que concerne à capacidade dos programas criados pelo governo federal de promover a inclusão socioeconômica de seguimentos sociais no campo e, mais do que isso, de promover a sustentabilidade do desenvolvimento, rompendo com as mazelas herdadas do passado, bem como com a geografia da desigualdade. 10 2 DESIGUALDADE REGIONAL E DESENVOLVIMENTO O desenvolvimento no Brasil, por vários motivos, não se deu de maneira igual. Conforme aponta Becker (2009, pg. 28), a questão do desenvolvimento desigual entre regiões têm mobilizado sociólogos, geógrafos, estadistas, dentre outros, na compreensão e possível superação desta problemática no processo de formação e desenvolvimento das nações. No que concerne à mobilização das autoridades para dar cabo da questão da desigualdade regional no Brasil, há vários estudos realizados. Dentre eles, Jatobá (1979 apud Becker: 2009, pg. 28) apresenta um grande número de trabalhos, tanto aqueles que analisam a questão de uma perspectiva mais global, como aqueles que a vinculam a planos, programas e ações governamentais específicas. Uma das conclusões apresentadas pelo autor é que “a problemática regional no desenvolvimento brasileiro tem sido abordada por meio de ações setoriais ainda muito compartimentalizadas (...), as interven ções governamentais nas regiões periféricas têm carecido de uma maior articu lação explícita com as estratégias que são desenvolvidas para os objetivos se toriais e macroeconômicos a nível nacional (. . . ), o caráter compensatório que têm assumido [a política regional] decorre da perda de eficácia dos programas regionais em função da neutralização a ela imposta pelos efeitos perversos das políticas setoriais e macroeconômicas (. . . ), o Estado aparenta ter assumido mais a postura de viabilizador da expansão capitalista tanto no núcleo hegemônico da economia, quanto nas áreas periféricas do que o de atenuador das desigualdades pessoais ao nível inter e intra-regional. O resultado deste posicionamento estatal, indica boa parte da literatura, tem sido os fracos rebatimentos sociais dos programas governamentais, se não o agravamento em algumas dimensões particulares tais como a de renda e do emprego”. Nesta perspectiva, questiona-se qual o rebatimento social do PRONAF em quatro municípios do litoral paraibano cuja formulação ocorre sob os preceitos normativos do desenvolvimento sustentável? Esta questão nos leva a tratar do tema do desenvolvimento. 2.1 Desenvolvimento e Sustentabilidade Segundo Almeida (1998, pg.44), a sustentabilidade relacionada ao desenvolvimento se configura como um tema bastante polêmico, com diferentes definições ainda pouco precisas, sendo necessária a construção de um novo desenvolvimento que possa efetivamente ser visto como sustentável, através de benefícios que possam ser congregados por toda a sociedade. 11 De acordo com Carmo (1998, pg.217), a dificuldade em operacionalizar o desenvolvimento sustentável está nos interesses econômicos e classes sociais envolvidas e na necessidade de compatibilizar o que deve sustentar-se com o que deve desenvolver-se. Ainda segundo a autora, o termo ‘sustentável’ se encontra, de certa maneira, configurado em uma idéia de ‘imutabilidade no tempo e no espaço’, indo, diferentemente de sua filosofia, de encontro ao termo ‘desenvolvimento’, sendo também registrado pela autora, a preocupação com a banalização do termo sustentabilidade, uma vez que tal cenário pode implicar em prejuízos à seriedade necessária ao uso e operacionalização de tal terminologia. Sob esta perspectiva, pode-se dizer que os programas sociais no Brasil têm sido formulados visando preencher expectativas tecnocráticas – como se fosse possível reverter as estatísticas da desigualdade da noite para o dia – sem atender direta e permanentemente as famílias e as demandas advindas dos movimentos sociais organizados. “Por isto mesmo, os paradigmas do desenvolvimento sustentável e em amplo espectro da democracia participativa, são tão relevantes” (VIEIRA, 2009, p. 43). Peixoto et al (2008) refere , em complemento: [...] O conceito de sustentabilidade possui uma significativa conotação de agregação de valor em seus mais amplos sentidos, uma vez que sugere em sua base primordial, a expressão de desejos e atendimento às necessidades de quem o busca. Assim, o crescimento sustentável, em suas mais diversas definições, traz em sua amplitude, a busca pela conquista de um objetivo social qualificado que saiba conciliar o crescimento com conservação e os seus resultados, minimizando todas as ocorrências inerentes ao processo de desenvolvimento e que de alguma forma possam acarretar prejuízos à sociedade. Desta forma, a temática envolvendo a questão do desenvolvimento sustentável certamente se configura como uma das maiores nuances do desenvolvimento em toda a sociedade, uma vez que esta engloba o processo pelo qual se busca avaliar e aplicar alternativas, estratégias e ações de desenvolvimento que tenham como principal objetivo, a amenização e/ou eliminação de problemas de cunho social e ambiental, promovendo assim, mudanças de paradigmas na relação do homem com a terra. No contexto do debate acerca das desigualdades, Binswanger (2002, p.41) enfatiza que o desenvolvimento sustentável tem por objetivo qualificar o crescimento e reconciliar o desenvolvimento econômico com a necessidade de se preservar o meio ambiente. Conforme exposto, em 1987, pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, “o desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades da 12 geração presente sem comprometer as possibilidades de gerações futuras em satisfazer as suas necessidades”. A partir desta máxima, para alcançar o bem-estar da sociedade de hoje e de amanhã, necessita-se garantir também a conciliação das dimensões: social, política, cultural e econômica. Conforme aponta Goulet (2002, p.78): [...] A viabilidade econômica depende de um uso de recursos que não os esgote irreversivelmente e de um padrão de manejo de lixo resultante da produção que não destrua a vida. A sustentabilidade política se baseia em dar a todos os membros da sociedade, uma responsabilidade na sua sobrevivência: isto não pode ser conseguido, a menos que todos gozem de liberdade, direitos pessoais invioláveis, algum mínimo de segurança econômica e acreditem que o sistema político no qual vivem, persegue algum bem comum, e não meros interesses particulares. O autor finaliza seu argumento, entendendo que: [...] se o desenvolvimento é para ser social e culturalmente sustentável, os fundamentos da vida comunitária e os sistemas simbólicos de significação devem ser protegidos, e não cozinhados em banho-maria até o esquecimento sob o pretexto de submissão às exigências de alguma “racionalidade” tecnológica impessoal. (GOULET, 2002, ps. 78-79). Sob esta perspectiva, pode-se dizer que a sustentabilidade do desenvolvimento requer satisfazer algumas condições. Segundo Sachs (2002 apud Becker: 2009, p. 43) a sustentabilidade do desenvolvimento apresenta-se sob quatro as dimensões. A primeira dimensão refere-se à equidade social, ao pacto entre as atuais gerações. A sustentabilidade econômica refere-se não só à necessidade de manter fluxos regulares de investimentos, mas também a uma preocupação dominante nos planos de desenvolvimento tradicionais e à gestão eficiente dos recursos produtivos. A sustentabilidade ecológica refere-se às ações para evitar danos ao meio ambiente causados pelos processos de desenvolvimento. Finalmente, a sustentabilidade cultural refere-se ao respeito que deve ser dado às diferentes culturas e às suas contribuições para a construção de modelos de desenvolvimento apropriados às especificidades de cada cultura e de cada local. Todas essas dimensões, argumenta Becker (2008), implicam ainda a sustentabilidade política ligada à participação da sociedade na gestão territorial. 13 Segundo Buarque (2002, p.25), para que o desenvolvimento local seja sustentável, ele necessita mobilizar e explorar as potencialidades locais: [...] contribuindo assim, para ampliar as oportunidades sociais e a viabilidade e competitividade da economia local, ao mesmo tempo em que deve assegurar a conservação dos recursos naturais locais, que são a mesma base das suas potencialidades e condição para a qualidade de vida da população local. Desta forma, vislumbra-se que pequenas comunidades organizadas podem sim alcançar novos níveis de desenvolvimento a partir de seus esforços locais, utilizando-se do potencial de sua região, seus aspectos culturais e da mobilização coletiva na busca por melhores padrões de vida. Tal ponto de partida, portanto, fará com que as portas para o desenvolvimento sejam abertas por iniciativa da própria comunidade, através da elaboração de projetos e ações que foquem nos seus interesses e necessidades. Para tanto, é necessário que todos os atores envolvidos no processo persigam, com rigor, a melhoria na dinâmica da economia e riqueza locais através de atividades econômicas adequadas à vocação natural da região, pois somente com uma economia eficiente, agregando riqueza local, é que se pode efetivamente vislumbrar um desenvolvimento sustentável, na literalidade que o termo requer em sua ideologia. 2.2 Justiça Social: Guia Ético do Desenvolvimento Sustentável Para que as estratégias dos gestores públicos e privados tenham eficácia e excelência na promoção da justiça social, é preciso ir além dos programas emergenciais que tanto o Estado quanto o setor privado propõem. Este último é pautado no que se convencionou chamar de responsabilidade social. Considerando o argumento de Toledo et al (2007), pode-se afirmar que fazer justiça social é permitir a instauração de oposições, de forma regrada por dispositivos legais difusos e universais, porém sem que o guia ético seja imposto sistematicamente por ações e programas sempre elaborados e ditados pelos governantes. Argumenta o autor que [...] há regras de educação jurídica, e também sociológica, elementares, que se praticam naturalmente, para, no fim da instrução e da apreciação dos procedimentos legais ou sociológicos intentados pelas várias partes envolvidas, interessadas em determinada meta, o processo e os resultados desejados sejam devidamente julgados e tidos como pertinentes, não somente em bons termos técnicos, mas, sobretudo funcionando como um guia ético. (TOLEDO et al, 2007, 117). 14 É necessário entender que são os fundamentos éticos que viriam implicar na eficácia e na excelência das ações e programas criados tanto pelo setor público quanto pelo setor privado para promover a justiça social. Na visão de Toledo et al, [...] “no Brasil hodierno nem se fazem pré-questionamentos éticos suficientes, nas definições dos programas oficiais dos governos, nem se auscultam suficientemente as populações supostamente tidas como interessadas nos benefícios teorizados pelos tecnocratas, nem antes, nem durante, muito menos após a implantação, quase sempre açodada e desintegrada, dos programas de fomento, seja visando estimular a agricultura familiar, ou o ingresso em campanhas de saúde, ou na inclusão educacional, digital, etc. (TOLEDO et al, 2007, ps. 117-118). A imposição de programas e políticas públicas sem considerar o público alvo nas suas diversas vicissitudes, nos leva a pensar que “sem suficientes questionamentos prévios, os teóricos vão elocubrando e tentando conciliar regras e siglas aos programas, muitas vezes meramente embasados em teorias, distantes das necessidades e das expectativas das comunidades” como ocorre, por exemplo, com os programas destinados às famílias produtoras do campo. Afirma Toledo et al a esse respeito que: [...] como se os slogans governamentais do tipo “Brasil, um país de todos”, “Programa Nacional de Fortalecimento à Agricultura Familiar”, “PRÓ-UNI”, “Fome Zero”, etc. etc., tivessem o condão, por mágica, de impor costumes, revitalizar mentalidades, promover mudanças estruturais no jeito de pensar, comunicar-se e agir do povo, assim como são ilusórias as visitas dos presidentes da república de sempre e de resto dos demais governantes, a sítios distantes dos seus palácios, mandando que se limpem as ruas e se pintem as guias das calçadas para que sejam recebidas suas comitivas, que quando deixam os logradouros pobres, nunca mais retornarão a abordar as mazelas constatadas assim de forma tão superficiosa. (TOLEDO et al, 2007, p. 127. grifo dos autores) . Justiça social é ética e, como tal, o exercício diário da cidadania e da democracia pressuporia formação continuada de lideranças, identificadas e surgidas e motivada no seio da população em geral e não subtraídas de membros somente de grupos já sob privilégios desta ou daquela tipologia. Além do fundamental compromisso ético dos representantes políticos e econômicos da sociedade com a justiça social, há que resguardar o compromisso com todos os efetivos desdobramentos para que a se alcance, incluindo aí, o direito à participação da sociedade nos processos de relevância para seus interesses comuns. 15 2.3 O Princípio político do desenvolvimento sustentável: Participação Social A Constituição Federal, promulgada no Brasil em 1988, trouxe a definição de um novo conceito de gestão, o qual em diretrizes legais, buscou permitir que o processo de tomada de decisões de interesse da sociedade, fosse com ela compartilhado. Assim, nos anos 90, a configuração das políticas sociais no país passou a incluir a constituição dos Conselhos Participativos e de Gestão, os quais apresentam, como principal objetivo, o redesenho das novas relações entre os diferentes setores da sociedade e as esferas do governo, buscando um cenário onde as decisões de interesse coletivo fossem compartilhadas entre ambos. Em linhas gerais, os Conselhos de políticas públicas são definidos pela literatura, como espaços públicos institucionalizados pelo Estado, com o objetivo de promover a participação da “sociedade civil” na formulação e no controle das políticas públicas. Compostos por representantes do Poder Executivo e da sociedade, estes órgãos configuram-se como instituições híbridas, que procuram intermediar estes dois campos (TATAGIBA, 2004). Obedece-se assim o princípio constitucional da descentralização política. O conceito de descentralização política é de amplo espectro, real e crítico e neste sentido, os Conselhos Municipais podem então ser conceituados como órgãos criados num sistema paritário de representação governo/sociedade, que teria o papel de articular e processar os diferentes interesses e transformá-los em propostas de programas a serem incluídos na agenda local (ANDRADE,1999). Assim, a figura dos Conselhos Municipais se estabelece, em sua ideologia, e se bem trabalhada, como uma importante ferramenta na tomada de decisões participativa, a partir da consolidação de um espaço democrático de debates entre a sociedade e os demais atores de ordem governamental, indo ao encontro de um grande potencial de transformação política, permitindo a entrada de temas políticos, em seus vários sentidos e desdobramentos, na vida de indivíduos ou grupos organizados que até então se encontravam às margens desta discussão (ABRAMOVAY, 2001). 16 2.3.1 Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável - CMDRS Os Conselhos Participativos inseridos na gestão pública devem se estabelecer como instituições mistas, formadas em parte por representantes do Estado, em parte por representantes da sociedade civil, com poderes consultivos e/ou deliberativos, que reúnem, a um só tempo, elementos de democracia representativa e da democracia direta (AVRITZER, 2000,p.18). Neste contexto de gestão social, a participação da sociedade, através de seus diversos setores, deve estar presente em todas as etapas da definição, implantação e consolidação das ações públicas priorizadas. E é com este raciocínio que os Conselhos Municipais se apresentam como um fórum democrático que permite, sobretudo, a inclusão social, seja de forma direta ou indireta. Assim, segundo o argumento de Tenório (1998), a gestão social pode ser como aquela que se efetiva através da relação sociedade-Estado quando os governos institucionalizam modos de elaboração de políticas públicas que não se refiram ao cidadão como “alvo”, “meta”, “cliente” de suas ações ou, quando muito, avaliador de resultados, mas sim como participante ativo no processo de elaboração dessas políticas. O processo de democratização política, vivenciado especificamente no Brasil a partir do final do século XX, com uma origem pautada sobretudo através da pressão de movimentos populares, propiciou a abertura deste espaço consultivo e/ou deliberativo, com a estruturação dos conselhos municipais de gestão, como os de saúde, os de educação, e, posteriormente, os de desenvolvimento rural sustentável (LABRA e FIGUEIREDO,2002). Especificamente no que diz respeito aos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRSs), há de se registrar que estes apresentam sua estrutura diretamente relacionada à implantação de Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), o qual inseriu novos parâmetros na elaboração de políticas públicas voltadas especificamente ao desenvolvimento rural (Marques e Flexor, 2006), privilegiando a agricultura familiar neste contexto. Em linhas gerais, os CMDRSs apresentam então, a função de colaborar na elaboração e implementação de políticas públicas de desenvolvimento rural, pautadas nas oportunidades de inclusão social, sugerindo e apoiando projetos que tragam benefícios para o homem do campo e para toda a sociedade. 17 3 DESENVOLVIMENTO SOCIAL BRASILEIRO: UM DESAFIO Como forma de relacionar a importância da busca pela transformação da realidade de uma dada região através de ações e políticas sociais sérias, se faz necessária uma rápida abordagem sobre a história do desenvolvimento social no país, sob a ótica da exclusão social e dificuldades atravessadas nos aspectos da geração de renda e emprego – sobretudo aos agricultores familiares e mini e pequenos produtores rurais – observando-se que a realidade brasileira é marcada por grandes desigualdades sociais, as quais se formaram e se estruturaram desde o seu processo de ocupação e povoamento do seu território, e ainda perduram até os dias contemporâneos, sobretudo na Região Nordeste. De forma simultânea à ocupação das terras do país, destacando-se aquelas localizadas na região do sertão Nordestino, dava-se início a um processo de estruturação fundiária oriundo da má distribuição de terras, onde um número reduzido de famílias se apropriou da maior parte das terras existentes. Em decorrência desse processo de ocupação do nosso território em suas vertentes políticas, econômicas e geográficas, formou-se em boa parte do Brasil, uma sociedade de base agrária-escravocrata, a qual apresentava em seu topo, os denominados senhores de terra, proprietários da atividade açucareira e/ou de café, além dos grandes pecuaristas. Nas camadas intermediárias da sociedade fazia-se distinção entre os mercadores, os profissionais liberais, a camada administrativa, integrantes das forças armadas e o clero. Já nas camadas menos favorecidas das áreas rurais do país, faziam-se presentes os posseiros, vaqueiros, arrendatários, canoeiros e barqueiros, enquanto pedreiros, portuários, mecânicos, artesãos, entre outros, compunham a representatividade da classe menos favorecida das áreas urbanas. Assim, em linhas gerais ficava definido o quadro social brasileiro, onde de um lado ficavam os desfavorecidos com sua força de trabalho, e do outro, os grandes proprietários de terra, denominados latifundiários, com o seu poderio econômico. Do final do Império até o período da República Velha, a qual tem seu término culminando com a Revolução de 1930, a economia do nosso país era pautada pela atividade de origem agro-exportadora, tendo o café como seu principal produto da base econômica. Com o advento da crise de âmbito internacional, em 1929, a economia do país fica significativamente afetada e aqueles capitais oriundos da atividade de cafeicultura passam a ser incorporados ao processo de industrialização, sendo incentivados pelo quadro de vantagens de ordem econômica, oferecidas pela conjuntura mundial da época, sendo a região 18 Sudeste, a mais beneficiada desse processo de transformações no Brasil, através dos investimentos industriais conquistados. Se até aquele momento, a região Nordeste do país era integrada ao quadro do desenvolvimento brasileiro, a partir de atividades específicas como o algodão, o fumo, a canade-açúcar e o cacau, dava-se na conjuntura econômica nacional, um relevante processo de transformação, o qual testemunhava a fase de transição de um Brasil essencialmente agrário para uma economia industrial, tendo que conviver - e não sabendo administrar – a estruturação econômica e social de regiões com diferentes oportunidades e características. De um lado, as regiões Nordeste e Norte com o fornecimento de matérias-primas para a região Central e Sul do país e tendo que figurar como importadoras de produtos manufaturados oriundos desta mesma região, já havendo aí, por si só, uma relação extremamente desigual, onde o preço da matéria-prima vendida saía a um preço bem menor do aquele comparado ao que era pago por essas regiões para consumir de volta, os produtos industrializados, contribuindo desta forma, para o “outro lado”, caracterizado pela solidificação da concentração econômica no Centro-Sul. Responsáveis também pela cessão de boa parte da mão-de-obra que contribuiu para o desenvolvimento do Centro-Sul brasileiro, os Estados do Nordeste em especial, estabeleceram uma forte conexão com aquela região que seria o eixo de desenvolvimento do país, a qual ocorria principalmente pelo sistema viário, através das BR 116 e 101, integrando posteriormente, a faixa litorânea do continente. A articulação do comércio estabelecida entre estas regiões evoluiu ao longo das décadas posteriores, tomando forma de um sistema de integração produtiva, fruto da transferência de capitais do centro industrializado para outras regiões do Brasil. Com a observância dessa relação com “pesos’ diferentes, vê-se acelerar o movimento de migração do nordestino ao encontro da Região Centro-Sul, tendo em vista ser aquela a propiciá-los, em tese, melhores condições de vida e maiores oportunidades de emprego e aquisição de renda. Concomitantemente, agravaram-se os níveis de pobreza na zona rural dos 9 Estados Nordestinos - enfraquecidos na base da relação econômica - e o sertão, em especial e à revelia das políticas públicas estaduais e federais, recebia a atenção de seus governantes, somente nas situações declaradas como de calamidade pública. Para simbolizar tal referência, pode-se exemplificar o referido cenário através das ações ditas como de combate à seca, de caráter assistencial e paliativo em quase sua totalidade, característica esta, marcante das políticas sociais desenvolvidas no Nordeste (e em quase todo o Brasil), no período de referência, a qual se estende até nossos dias mais atuais. Ressalte-se que a Região Nordeste 19 tem de forma expressiva, na pobreza, um forte componente regional - sobretudo nas áreas rurais - onde a incidência de piores condições de vida é mais elevada. A partir dos anos 50, o Governo Federal estabelece planos de desenvolvimento direcionados à integração nacional, através de investimentos de capitais e da incorporação das regiões brasileiras ao mercado nacional, como tentativa de produzir a diminuição da concentração econômica nas regiões Sul e Sudeste, objetivando assim, uma transformação para se reduzir as desigualdades socioeconômicas brasileiras. No entanto, a macro-visão do processo não resultou em benefícios sociais para a totalidade da população brasileira - tendo em vista as fortes raízes de concentração de riqueza, renda e privilégios já citados – mas atingindo somente algumas regiões e espaços que apresentavam maior dinâmica social e econômica. Mais uma vez a população da zona rural ficava às margens do processo de modernização do país, sendo excluída do novo formato de organização do aparelho estatal brasileiro, cabendo a mesma situação de exclusão às regiões mais atrasadas do país, onde estas continuavam sem poder usufruir, nas mesmas condições de outras regiões, dos benefícios intrínsecos ao crescimento industrial e urbano brasileiro. Relegada a um segundo plano, a mão-de-obra do campo perde sua força social e passa a constituir parte do crescente setor informal da economia urbana. No campo das políticas sociais, quando os planejadores estabeleceram um intervalo de tempo entre a expansão e a distribuição dos benefícios desse crescimento, o país não se estruturava para a distribuição de renda, cada vez mais concentrada, baseado na concepção de crescer para depois dividir. Não seria pois, na fase recessiva, que a distribuição de renda seria iniciada. Assim, o país chega aos anos 80 deflagrado por uma forte crise econômica com dimensões de caráter internacional e com índices de inflações longe do aceitável, regendo ainda neste espaço de tempo, a transição política de 20 anos do regime militar para um regime democrático, o qual fora organizado pela sociedade brasileira mobilizada através de suas diversas categorias sociais e políticas, buscando de forma gradual, uma nova ordem social, na busca de preceitos mais equânimes. Fruto dos desdobramentos dessa transição, se chega à elaboração da Constituição de 1988 e algumas conquistas sociais reivindicadas há muito pelos trabalhadores do campo e da cidade, são incorporadas à redemocratização do país, em especial, os direitos sociais dos trabalhadores rurais ao sistema de aposentadoria e pensões. O balanço da década de 80 vem a revelar melhorias conquistadas em determinados setores como: a queda da taxa do analfabetismo e da mortalidade infantil, ampliação do número de domicílios dotados de infra-estrutura adequada (água e esgoto), entre outros. No entanto, 20 ficaram em número expressivo, indícios de que o contraste entre ricos e pobres teria aumentado, multiplicando-se assim os sinais da exclusão social. Com o início dos anos 90, acompanhando a dinâmica da economia mundial rumo à globalização, o modelo de desenvolvimento econômico então implantado no país, perde força com a exigência e necessidade da abertura do mercado brasileiro ao mercado internacional. Na busca pela adequação à nova ordem econômica mundial estabelecida, o Brasil volta-se para a implantação de novas formas de descentralização administrativa e política, com a desestatização de empresas públicas e desburocratização da máquina estatal. Em 1994, com o advento da implantação do plano de estabilização econômica – Plano Real – a população do país ganha num primeiro momento, o aumento de seu poder de compra, a partir da rápida queda da inflação e seu controle, contribuindo para suavizar os níveis e contingentes de pobreza no plano nacional, propiciando à sociedade brasileira, uma inclusão de mais itens na sua cesta básica e o aumento da aquisição de equipamentos eletroeletrônicos, destacadamente. Desde então, após ter o controle da inflação, a realização de investimentos e a busca de parcerias com os setores privados da sociedade podem constituir-se como ações-base para permitir uma atuação mais eficaz do Estado, no sentido de reduzir os índices existentes de desemprego, elevar o nível de renda e de educação das famílias e erradicar a pobreza, melhorando assim, as condições de vida da população brasileira. As mudanças que vêm se instalando no nível mundial em setores financeiros, empresarial, científico, industrial e tecnológico, impõem e simultaneamente permitem uma redefinição de grande alcance do modelo de desenvolvimento do Brasil no que diz respeito à busca por uma estrutura produtiva dotada de maior poder de competitividade e mais integrada ao mundo. Se por um lado, as ações a serem desenvolvidas podem trazer benefícios consideráveis para todos, por outro, as mudanças ocorridas podem tornar mais latentes as históricas desigualdades e criar novas vulnerabilidades, afetando de forma negativa, determinadas regiões e grupos sociais do país. Resta, portanto, a busca por um modelo de desenvolvimento que conjugue a tendência e trajetória de modernização da economia e a redução das desigualdades regionais e sociais. Revelam-se assim, os Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável como uma potencial ferramenta na contribuição a este paradigma social. 21 3.1 O Desenvolvimento e a exclusão-inclusão do Nordeste Delimitar a temática da presente pesquisa, qual seja, a desigualdade regional do país, compreendida pelas variáveis que colocam o nordeste brasileiro em um dos fulcros da denominada exclusão social, paradoxalmente, é muito fácil, mas de difícil indicação acertada das medidas para reverter o quadro. Segundo Unger (2009), quatro premissas justificam a busca de uma ação de superação da questão regional no país a qual não pode se dar sem passar pelo Nordeste. [...] A primeira delas é que não há solução para o Brasil sem solução para o Nordeste. A segunda: falta, hoje, projeto para o Nordeste. A terceira premissa desta iniciativa é que assim como não há solução para o Brasil sem solução para o Nordeste, não há solução para o Nordeste sem solução para o semi-árido. A quarta premissa desta iniciativa é que o Projeto Nordeste deve começar por instrumentalizar as duas grandes forças construtivas manifestas na realidade nordestina hoje. Unger (2009) entende que “muito melhor partir daquelas forças construtivas, e do esforço de equipá-las, do que partir de dogmas e de a prioris”. (...), entre as quais uma merece atenção especial. Uma das principais dessas forças é um empreendedorismo emergente: [...] Seus veículos mais importantes são dezenas de milhares de pequenas e médias empresas. Seu agente social é a segunda classe média, mestiça, que vem de baixo, luta para abrir e manter pequenos negócios, estuda à noite, filia-se a novas igrejas e a novos clubes e constrói cultura de autoajuda e de iniciativa. Fazem milagres os empreendimentos criados por essa segunda classe média, esfomeados de acesso a crédito, a tecnologia, a conhecimentos e a práticas avançadas e a mercados nacionais e globais. O autor argumenta ainda que quase um terço da Nação vive no Nordeste. “É nessa região que se concentram muitas das áreas mais pobres e das populações mais carentes do país. A renda per capita e a remuneração média do trabalho continuam substancialmente abaixo das médias brasileiras, ainda que algumas partes do Nordeste (como o cerrado do oeste da Bahia e do sul do Piauí) figurem hoje entre as áreas que mais crescem” (Unger, 2009, Grifos meus). 22 Observa-se então que ao mesmo tempo em que o Nordeste apresenta muitos dos problemas nacionais em sua forma mais concentrada, essa região reúne elementos indispensáveis às soluções nacionais, inclusive a força da identidade coletiva e o acúmulo dos vínculos associativos. No Nordeste, segundo Unger (2009), mais do que em qualquer outra parte do país, o Brasil afirma sua originalidade e apresenta características no seu tecido social que permitem inovar nas propostas de desenvolvimento local e regional. É neste contexto que irá surgir o Programa Nacional de Agricultura Familiar. 23 4 PRONAF: UMA PROPOSTA DE DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL Criado em 1995, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) se configura, desde então, como uma das mais importantes políticas públicas ativas no país voltada diretamente à agricultura familiar, servindo como ferramenta de apoio ao desenvolvimento rural através do fortalecimento da agricultura como segmento gerador de postos de trabalho e renda, sendo executado de forma descentralizada e tendo como protagonistas os agricultores familiares e suas organizações. Fruto da mobilização dos agricultores familiares e motivado pela necessidade de acesso ao crédito exigida pelas lideranças sindicais dos trabalhadores rurais, o PRONAF é uma ferramenta de extrema relevância. Na condição de política pública, o Programa tem por objetivo principal, contribuir para a promoção do desenvolvimento rural sustentável, alcançando as necessidades e anseios dos agricultores familiares, através de taxas de juros subsidiadas para financiamento a empreendimentos para produtores rurais, de acordo com sua renda anual. Neste contexto, a criação do PRONAF passa a representar então, o reconhecimento e a legitimação do Estado, em relação às peculiaridades da nova categoria social – os agricultores familiares – que até então era designada por termos semelhantes como pequenos produtores, produtores familiares, produtores de baixa renda ou agricultores de subsistência. Expressando uma das concretizações da Constituição de 1988, o PRONAF se encontra direcionado a três grandes linhas de ação, a saber: crédito rural, desenvolvimento municipal e assistência técnica, pautando-se, ainda, na descentralização e baseando-se na parceria entre governos municipais, estaduais e federal e iniciativa privada, tendo como principais atores sociais, os agricultores familiares e suas organizações constituídas (IBASE, 1999: 26). Desta forma, o Programa promove negociações de políticas públicas com órgãos setoriais, o financiamento de infra-estrutura e serviços públicos nos municípios, o financiamento da produção da agricultura familiar através do crédito rural e a profissionalização dos agricultores familiares, tudo coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) por meio da Secretaria da Agricultura Familiar. No que diz respeito ao seu público-alvo, o PRONAF tem como beneficiários aqueles agricultores familiares, sejam proprietários de terra, assentados, posseiros ou arrendatários que façam uso da mão-de-obra familiar e não possuam mais que 2 (dois) empregados permanentes, sendo observada ainda a limitação de que no mínimo 80% (oitenta por cento) da 24 renda bruta anual familiar seja oriunda de atividade agropecuária e não-pecuária exercida no seu estabelecimento rural no qual o agricultor deve efetivamente residir ou morar próximo. Em relação às linhas de crédito disponibilizadas diretamente às pessoas físicas dos agricultores familiares enquadrados e beneficiados no Programa, o PRONAF se divide primeiramente em dois grandes grupos, a saber: créditos de custeio – destinados ao financiamento das atividades agropecuárias e de beneficiamento ou industrialização de produção própria ou de terceiros familiares enquadrados no Programa. Créditos de investimento voltados ao financiamento da implantação, ampliação ou modernização da infraestrutura de produção e serviços agropecuários ou não agropecuários no estabelecimento rural. Entre as linhas de investimento, o PRONAF segrega as diversas finalidades que o Programa contempla, de acordo com as principais categorias elencadas a seguir: a) Pronaf Agroindústria – financiamentos voltados a investimentos, incluindo aqueles relacionados à infraestrutura, que visem o beneficiamento, processamento e/ou a comercialização de produção de origem agropecuária, de produtos florestais e do extrativismo, ou de produtos artesanais e a exploração do turismo rural. b) Pronaf Agroecologia – linha de crédito destinada a financiamento para investimentos a sistemas de produção agroecológicos ou orgânicos, incluindo os custos relativos à implantação e manutenção do empreendimento. c) Pronaf Eco – programa de crédito que financia investimentos em técnicas que minimizem o impacto da atividade rural ao meio ambiente, bem como possam permitir ao agricultor, um melhor convívio com o bioma do qual sua propriedade rural faz parte. d) Pronaf Semi-Árido – financiamentos direcionados a projetos que permitam melhores condições de convivência com o semi-árido, com foco na sustentabilidade dos agroecossistemas, conferindo prioridade às infraestruturas de ordem hídrica. e) Pronaf Mulher – linha de crédito voltada a operações de investimento de propostas de crédito rural para a mulher agricultora, inclusive em caráter complementar a possíveis créditos já adquiridos pelo cônjuge. f) Pronaf Jovem – financiamentos de investimentos a propostas de créditos apresentadas por jovens agricultores e agricultoras que possuam formação técnica no meio rural. 25 Verifica-se portanto, em suas linhas de crédito atuais, que o PRONAF apresenta de forma muito intrínseca aos seus objetivos, a premissa do desenvolvimento, não só sustentável, mas também inclusivo, seja através do financiamento às atividades desenvolvidas pelos agricultores, como também pelo próprio público segregado pelo Programa, como bem exemplificado através das linhas de crédito do PRONAF Mulher e PRONAF Jovem, motivo pelo qual o tema aqui trazido se torna de fundamental relevância para melhor compreensão deste trabalho monográfico. 4.1 Participação Social e Desenvolvimento Rural O Brasil, em específico a região Nordeste, diante do quadro de desigualdades, argumento, precisa de planos, programas e políticas públicas com objetivos mais ousados para ir ao encontro dos anseios das novas classes sociais identificadas por Unger (2009) anteriormente. Ações e medidas fruto, meramente, das concepções e retóricas teóricas, temporárias, burocráticas e, em algumas situações, voltadas para o “exótico” (desconexas da verdadeira realidade das populações-alvo dos programas oficiais), não irão resolver o problema da desigualdade do desenvolvimento na região. As ações e medidas para tal feito precisam, necessariamente, brotar do povo e serem empreendidas pelos governantes. Sob esta perspectiva, apresento a pesquisa realizada para esta monografia, tendo como viés crítico-analítico os princípios normativos da sustentabilidade e como viés metodológico a observações participantes no âmbito de quatro municípios do litoral sul paraibano, sendo tais observações realizadas através da participação do autor da presente pesquisa em 19 reuniões dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável dos quatro municípios objetos do estudo, ao longo dos anos de 2008 e 2009 . A participação social e o desenvolvimento rural nestes municípios podem se tornar referência para o resto do país, na medida em que buscam a superação da desigualdade, tendo como norte ético os princípios normativos do desenvolvimento sustentável. Os municípios de Caaporã, Alhandra, Pitimbu e Conde, lutam, de certa forma exemplar e desafiadora, para conciliar suas vocações com relação aos valores do ambiente rural e ao desenvolvimento sustentável pleiteado por suas gentes, ainda que em muitos aspectos as famílias são frustradas por desvios programáticos. 26 4.1.1 Os municípios de Alhandra, Caapora, Conde e Pitimbu: um território comum? Pertencentes a uma mesma faixa de extensão territorial, abrangendo o litoral sul do Estado da Paraíba, os municípios de Alhandra, Caaporã, Conde e Pitimbu possuem, juntos, cerca de 63.000 habitantes, conforme dados do último censo do IBGE. Apresentam uma economia predominantemente turística e rural, destacando-se, entre as atividades ligadas à agricultura familiar, a pecuária, a fruticultura e a pesca artesanal. Com problemas em comum e com uma forte predominância da sua população concentrada na zona rural, estes municípios enfrentam, como outros municípios de nosso país, a desigualdade social atrelada à baixa dinamicidade de suas economias, a baixa escolaridade de seus habitantes, dentre outros problemas de ordem socioeconômica. Especificamente no que diz respeito ao meio rural, estes municípios tentam, em sua história mais recente, de forma organizada, se mobilizar através de seus Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável, buscando minimizar os problemas relacionados ao homem do campo. A partir de Fórum regionalizado versando sobre o tema Desenvolvimento Rural, no ano de 2007, estes quatro municípios, contemplando inclusive alianças em sua esfera política, se organizaram através dos Conselhos de Desenvolvimento Rural Sustentáveis, já devidamente constituídos há alguns anos, buscando soluções para problemas relacionados ao crédito voltado para os seus agricultores familiares. Criado em 2001, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável de Alhandra – PB conta atualmente com 16 titulares representantes dos órgãos e diversas Associações que compõem o Colegiado, sendo 1 representante da EMATER; 1 da Prefeitura Municipal; 1 do Banco do Nordeste do Brasil S.A; 1 do Banco do Brasil S.A; 1 do Sindicato dos Trabalhadores Rurais; 1 da Igreja Católica; 1 da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Estado da Paraíba (FETAG-PB); 1 da Câmara Municipal de Vereadores e outros 8 representantes das Associações/Comunidades Rurais do município, além é claro, do mesmo número de vagas reservadas aos suplentes já devidamente constituídos em uma eventual impossibilidade de participação do respectivo titular, situação esta que se estende à realidade de todos os outros Conselhos abordados no presente trabalho. Já o CMDRS de Caaporã – PB, constituído em 2001, possui 12 assentos, sendo 1 reservado ao representante da EMATER; 1 ao Banco do Brasil S.A; 1 ao Banco do Nordeste do Brasil S.A.; 1 ao representante do Poder Executivo Municipal; 1 a representante do Poder 27 Legislativo Municipal; 1 ao representante da Colônia de Pescadores; 1 ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais e outras 5 vagas destinadas a presidentes de 16 Associações Rurais do Município, eleitos anualmente em plenária específica para tratar sobre tal assunto. Também criado em 2001, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável do município do Conde – PB, é constituído por 14 titulares, sendo 1 representante da Secretaria Municipal de Agricultura; 1 da EMATER; 1 da Câmara Municipal de Vereadores; 1 do Sindicato dos Trabalhadores Rurais; 1 do Banco do Nordeste do Brasil S.A; 1 do Banco do Brasil S.A.; 1 da Colônia de Pescadores; 1 da Secretaria Estadual de Pesca e Aqüicultura e outras 6 vagas para Associações/Comunidades Rurais do município. Demonstrando o tom uníssono da região no que diz respeito aos cenários vivenciados pelos municípios aqui analisados, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável de Pitimbu também tem sua constituição no ano de 2001, de forma que conforme pode ser observado, temos os CMDRSs dos 4 municípios criados no mesmo ano, neste caso, 2001. A constituição deste último Conselho citado, se dá através da legitimidade de voz e voto a 15 titulares, sendo 1 representante da EMATER; 1 representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais; 1 do Banco do Brasil S.A; 1 do Banco do Nordeste do Brasil S.A; 1 da Igreja Católica; 1 da Prefeitura Municipal; 1 da Câmara Municipal e outras 8 cadeiras destinadas a representantes de 13 Associações/Comunidades Rurais, eleitos anualmente em plenária específica para tal fim. Constituído cada um dos Conselhos, os integrantes passariam a pensar nas medidas a serem tomadas para acessar o crédito para promover o desenvolvimento rural sustentável beneficiando toda a comunidade local. Contudo, ao invés de agir isoladamente, os municípios passaram a agir em conjunto para pleitear os recursos para o território que os integrava. Entre os principais problemas verificados e que motivaram a união destes municípios, estão o alto índice de inadimplência e a inaplicação de crédito no âmbito dos recursos do PRONAF, constatados, sobretudo, após fiscalizações das Instituições Financeiras que operacionalizam o PRONAF e órgãos externos como a Controladoria Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU). Como consequência de tais problemas, a partir de 2006, houve a suspensão por parte do MDA e por parte das Instituições Financeiras, da concessão de novos créditos do PRONAF naqueles municípios. Considerou-se que os créditos, concedidos àquela região, apresentavam baixo índice de retorno aos Bancos responsáveis pela gestão do PRONAF, revelando uma inadimplência regional (consolidada para os quatro municípios) com variação entre 60 a 80% de tudo o que era financiado. 28 Aliados a estes problemas, ainda se faziam claros outros problemas como a baixa instrução técnica dos produtores rurais, além do baixo aproveitamento do potencial produtivo e econômico dos municípios, os quais subaproveitavam suas respectivas vocações econômicas. Neste contexto e cansados de sucessivos insucessos que levavam à estagnação da qualidade de vida no território, os líderes dos respectivos CMDRSs resolveram somar forças de forma organizada e na forma com a qual cada um poderia contribuir – sociedade e Estado – envidando esforços para que ações, estratégias e parcerias viessem, no médio prazo, permitir que uma nova realidade fosse traçada para a zona rural destes municípios. Assim, através dos líderes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e das Associações Rurais que integram cada um dos municípios é que se chegou o ofício até as Instituições Financeiras que atendem aqueles municípios, solicitando que a partir de agosto de 2007 todas as propostas de crédito apresentadas aos Bancos no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar para aquela região, tivessem sua análise, previamente discutida com os conselheiros do CMDRS, os quais representam efetivamente, a maioria das comunidades rurais existentes nos municípios. Desta forma os pretensos beneficiários ao crédito através do PRONAF tinham seu perfil e aptidão, discutidos previamente em cada reunião do CMDRS, onde os líderes de cada Associação Rural aprovavam suas propostas para posterior encaminhamento aos Bancos responsáveis pela concessão do crédito, fazendo com que assim, fossem inibidos os créditos que tinham sua finalidade desviada ou eram tomados por pessoas estranhas à zona rural e que contribuíam negativamente para a inadimplência do Programa, uma vez que após beneficiado, o então “produtor”, em sua grande maioria, se utilizava dos recursos para adquirir outros bens, de caráter não produtivo e/ou inclusive dele se utilizar para mudar para outra cidade ou Estado, uma vez que os valores financiados por produtor, poderiam chegar à época, até R$ 27.000,00 (vinte e sete mil reais). Outro aspecto positivo a ser ressaltado a partir da união dos Conselheiros dos municípios, foi a possibilidade de ampliar a assistência técnica proporcionada, no caso da Paraíba, pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), uma vez que organizados por Associação/comunidade rural, os produtores poderiam receber orientação produtiva de forma grupal, uma vez que a assistência técnica individual apresentava um custo extremamente elevado e vinha se tornando uma medida utópica na região. Outro ganho advindo com a intermediação do CMDRS foi a alavancagem atribuída ao potencial econômico do município. Através de iniciativa dos Conselheiros dos colegiados de 29 cada CMDRS, foi elaborado um banco de dados sobre a produtividade de cada empreendimento rural das respectivas comunidades rurais, permitindo que os produtores rurais, desta vez organizados, pudessem barganhar melhores preços para a venda de seus produtos, uma vez que agora, juntos, possuíam maior quantidade a ser comercializada, dispensando paulatinamente, os conhecidos atravessadores, e conquistando espaço no mercado, através da venda e negociação direta com os vendedores finais de seus produtos. Um dos grandes avanços conquistados, a partir da iniciativa dos Conselhos, está na expressiva redução da inadimplência que os municípios vêm apresentando nos dois últimos anos, fazendo com que as suas inadimplências saíssem de uma média de 66% (sessenta e seis por cento) ao final de 2007, para 25% (vinte e cinco por cento) ao final de 2009, demonstrando claramente, a transformação do perfil dos beneficiários do crédito no âmbito do PRONAF e fazendo inclusive com que dois dos municípios objetos do presente trabalho, saíssem da lista dos municípios suspensos com novos créditos pela portaria do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), permitindo assim que novos produtores rurais tivessem acesso ao crédito, agora de maneira ainda mais consciente e qualificada. Outro aspecto merecedor de destaque em todas as reuniões dos Conselhos é a diminuição das constatações de desvio e/ou inaplicação de crédito por parte dos órgãos/agentes fiscalizadores externos, demonstrando que o controle social exercido pelos próprios líderes das comunidades rurais é um fator preponderante para as ocorrências negativas outrora registradas em níveis inaceitáveis e que desgastavam a imagem pública da zona rural dos quatro municípios pesquisados junto aos agentes financiadores. A capacitação, cobrada e fiscalizada pelos Conselhos é agendada previamente junto a cada comunidade, ficando o compromisso do rodízio de capacitação e assistência técnica de forma coletiva, permitindo a cada mês, que de três a quatro Associações rurais sejam contempladas em finais de semana, com a visita de técnicos do órgão de extensão do Estado da Paraíba, a EMATER. Por fim, no que tange o aspecto econômico, a partir da nova realidade vivenciada pelos municípios, agora agregada pela efetiva participação das comunidades locais e da utilização das vocações econômicas dos municípios e suas regiões rurais, os agricultores familiares de algumas associações, adquiriram coletivamente, caminhões que dão vazão à distribuição própria de suas mercadorias, aumentando assim, suas margens de lucro, uma vez que agora, a entrega é feita diretamente nos pontos de venda finais, sem a figura de intermediários. 30 4.1.2 A Família e a Agricultura Familiar Segundo depoimentos dos próprios Conselheiros dos quatro municípios pesquisados, externados de forma espontânea ao longo das reuniões dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável nas quais o autor da pesquisa se fez presente, a concessão de financiamentos sem maiores critérios e sem se conhecer os beneficiários dos créditos naquele município trazia, indiretamente, riscos relacionados ao desvio de finalidade dos empréstimos concedidos, muitas vezes, sem sua efetiva aplicação em algum empreendimento rural. Desta forma, segundo várias explanações colocadas em reuniões dos Conselhos, os créditos do PRONAF não chegavam a aqueles que de fato se faziam merecedores dos mesmos. Dentro de uma perspectiva pró-ativa e exercendo uma espécie de gestão social, a comunidade, através do CMDRS, passou a ser parte integrante e efetiva do processo de concessão de crédito no âmbito do PRONAF, desde o nascedouro da proposta de financiamento. Na oportunidade de suas reuniões mensais, os conselheiros analisavam as propostas de crédito elaboradas pela EMATER, antes mesmo de seu encaminhamento aos Bancos. A partir da atuação do presidente e vice-presidente de cada Associação Rural com direito a voz e voto no Conselho de Desenvolvimento Rural, os mesmos verificavam se as propostas ali apresentadas guardavam coerência com a capacidade empreendedora e produtiva, comprometimento e responsabilidade do proponente ao crédito. Ou seja, o comportamento daquele proponente ao crédito enquanto membro da comunidade/associação rural, ajudava a revelar se o mesmo apresentava condições e era merecedor da oportunidade de crédito, conduzindo-a de maneira responsável e objetivando o desenvolvimento da atividade agrícola ou pecuária, de maneira sustentável, de forma que o crédito a ele concedido fosse o suficiente para seu desenvolvimento. Tal iniciativa também buscava coibir a concessão de créditos que, de alguma forma, anteriormente eram concedidos a mutuários que sequer residiam em zona rural e assim contribuíam negativamente para que os créditos financiados se evadissem do município, sem nenhuma perspectiva de retorno aos Bancos e elevando assim, os percentuais de inadimplência do município. 31 Desta forma, através do CMDRS, a sociedade civil organizada territorialmente, representada pelos Conselheiros municipais, contribui no controle da atividade pública de acesso ao crédito aos agricultores familiares. Neste contexto, o controle social exercido pelos CMDRS dos quatro municípios pesquisados, se configuram como uma conquista da sociedade, devendo ser entendido como um instrumento de expressão da democracia e de universalização da cidadania no campo. 4.1.3 O PRONAF e o Desenvolvimento Local Sustentável Os CMDRS dos quatro municípios pesquisados refletem a origem dos movimentos sociais, através de experiências de caráter informal, como “conselho popular” ou como estratégias na luta operária, demonstrando que os meios de exercício do controle social têm como pilar a fiscalização das ações públicas e possuem um papel ainda muito mais amplo. Visam, sobretudo, indicar caminhos, propor idéias e promover a participação efetiva da comunidade nas decisões de cunho público. Assim, pode-se dizer que o controle social pode apresentar aspectos de monitoramento legal, ou seja, os instrumentos que, de acordo com a lei, têm a função de controlar as funções públicas, seja movendo ações para a averiguação, seja recorrendo aos órgãos competentes, ou mesmo no cumprimento da própria missão institucional. Sob esta perspectiva, as ações não seriam resultado de movimentos externos, mas inerentes ao exercício da própria função e de aspectos de monitoramento autônomo que surgem da própria necessidade social e acaba por intervir diretamente como instrumento de controle, como os Sindicatos, Associações, Ouvidorias Independentes, Partidos Políticos, entre outros. Os Conselhos Gestores, apesar de não serem veículos isolados de Controle Social, podem se tornar o mais forte espaço de controle, pois são a personificação do controle em sua forma mais direta. A consciência dos Conselheiros dos CMDRS sobre a importância de seu papel na promoção da sustentabilidade do desenvolvimento rural é tamanha, que se mostram desafiados a tornar a experiência de seu território, através de depoimentos a respeito das ações imparciais dos Conselhos, exemplo para outros tipos de participação social do município e da região. Infelizmente, a maioria das comunidades pensa que para fiscalizar os atos da administração pública é necessário ser opositor ao governo, e assim, a fiscalização seria mais 32 um espírito de vingança partidária que um direito de cidadania. Outros entendem que essa é uma função restrita aos parlamentares, Tribunais de Contas, Ministério Público, Conselhos, Associações e Sindicatos. É verdade que a questão é complexa e não poderia ser resolvida “legislativamente”. É um processo que contém fase de curto, médio e longo prazos, cujo envolvimento deve ser de toda a comunidade. O papel dos agentes públicos é a abertura de canais e a facilitação ao acesso às informações, às técnicas de controle da execução orçamentária (por exemplo), a vontade política de partilhar o poder e a transparência dos seus atos, porém nunca deve ser uma dádiva da administração pública, mas uma conquista da comunidade organizada ou não. Considerando os princípios normativos do desenvolvimento sustentável, conclui-se que a participação popular deve estar presente em todas as etapas da implementação de políticas públicas e, nessa direção, os Conselhos Municipais se configuram em um fórum democrático de inclusão social. Os conselheiros do CMDRS dos quatro municípios pesquisados seguem, até mesmo sem saber, a linha de pensamento de Tenório (1998), o qual apresenta a seguinte definição para a gestão social: [...] Na relação sociedade-Estado, a gestão social se efetiva quando os governos institucionalizam modos de elaboração de políticas públicas que não se refiram ao cidadão como “alvo”, “meta”, “cliente” de suas ações ou, quando muito,avaliador de resultados, mas sim como participante ativo no processo de elaboração dessas políticas. Este processo deve ocorrer desde a identificação do problema, o planejamento de sua solução e o acompanhamento da execução até a avaliação do impacto social efetivamente alcançado. 33 5 CONCLUSÃO Em uma análise crítica ao estudo de caso aqui trazido, depreende-se que os aspectos verificados em Alhandra, Caaporã, Conde e Pitimbu configuram-se como um grande exemplo para outros municípios da região, e até mesmo do país, no que diz respeito à busca pela construção de uma nova realidade a partir da participação da sociedade interessada na gestão e no desenvolvimento territorial sustentável. Fica evidente nos Conselhos apreciados, tanto a representatividade da sociedade civil organizada, quanto uma maior participação no processo de implementação e desenvolvimento da política pública, aqui representada pelo acesso ao crédito subsidiado pelo Governo Federal através das linhas de crédito no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). A participação popular não significa apenas ouvir as demandas da sociedade, mas permitir a transparências da gestão pública, e principalmente permitir que a população tenha voz ativa no processo de formulação, implementação e acompanhamento das políticas públicas. Neste sentido, o CMDRS dos municípios pesquisados no litoral paraibano surge como um instrumento poderoso, tanto de mudança de postura com a iniciativa da participação popular, como de exercício de controle social, na medida em que as comunidades rurais da região, passaram a ter voz e vez no processo de gestão pública, compartilhando ainda, as responsabilidades pelo acesso ao crédito naquele município. A pesquisa empreendida para esta monografia também deixa claro o importante papel de promoção da cidadania e inclusão social que o CMDRS exerce perante o município, fazendo com que cada vez mais novos agricultores, previamente identificados, tenham a oportunidade de se qualificarem,bem como de adquirirem crédito, tão necessários ao desenvolvimento da agricultura de subsistência, responsável pela sua manutenção das famílias no campo, evitando a evasão de tal contingente para a cidade. Assim, não só do ponto de vista micro, mas também em seu nível macro, a experiência construída nos quatro municípios pesquisados, hoje consolidada, deve ser objeto de propagação, análise e reflexão, se tomada como um movimento da sociedade civil organizada extremamente válido na construção de uma participação popular cada vez mais democrática, tendo em seu bojo, o conhecimento de seus interesses e anseios, como fator primordial para os avanços e objetivos desejados. Diante do exposto, os municípios do litoral sul paraibano, através dos seus Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável, se mostram como um excelente exemplo 34 da importância de uma verdadeira construção coletiva na busca por melhorias sociais. A proposta está intensamente atrelado ao desenvolvimento local buscado, através da democracia participativa, cumprindo, portanto, com o princípio político da sustentabilidade. A busca de parcerias e seleção de atores realmente engajados no propósito e objetivos do CMDRS pôde garantir e honrar a ideologia de um Conselho Municipal. Na condição de um espaço democrático, sua concepção representa dedicação, mobilização, organização, estruturação e busca por apoio e capacitação como fatores essencialmente fundamentais para a construção de novos caminhos que visem o desenvolvimento local e, acima de tudo, sustentável, como maneira de promover o ideal democrático. 35 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ABRAMOVAY, R. Conselhos além dos limites. In: Seminário de Desenvolvimento Local e Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural, 1, 2001, Anais, Porto Alegre: Brasil, 2001. ALMEIDA, J. Da ideologia do progresso à idéia de desenvolvimento (rural) sustentável. In: ALMEIDA e NAVARRO (org.) Reconstruindo a agricultura: idéias e ideais na perspectiva de um desenvolvimento rural sustentável. 2ª ed. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1998. ANDRADE, Ilza Araújo Leão de. Poder municipal e governabilidade. Natal: UFRN, 1999. (Textos para discussão). AVRITZER, L. Teoria democrática e deliberação política. Lua Nova – Revista de cultura e política. São Paulo, n. 50, 2000. BANCO DO NORDESTE DO BRASIL. Política produtiva para o Nordeste: uma proposta. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2006. BECKER, Luzia C. Costa. Tradição e Modernidade: O Desafio da Sustentabilidade do Desenvolvimento na Estrada Real. Tese de doutorado em Ciência Política. IUPERJ. Rio de Janeiro, 2009. BINSWANGER, Hans Christoph. Fazendo a sustentabilidade funcionar. In: CAVALCANTI, Clóvis (Org.). Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. – 4 ed. – São Paulo: Cortez: Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2002. BUARQUE, Sérgio C. Construindo o desenvolvimento local sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. CARMO, M. S. do A produção familiar como lócus ideal da agricultura sustentável. In: FERREIRA e BRANDENBURG (org.) Para pensar: outra agricultura. Curitiba. Ed. UFPR, 1998. CASTRO, Ana Célia; LICHA, Antonio; PINTO JÚNIOR, Helder Queiroz; SABÓIA, João. Brasil em desenvolvimento, v.1: economia, tecnologia e competividade (organização). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral da administração. Rio de Janeiro: Campus, 2000. COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 1991. 36 GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo: Cortez, 2001. GOULET, Denis. A Natureza Evolutiva do Desenvolvimento à Luz da Globalização. Cadernos de Estudos Sociais, Volume 18, n. 1, jan/jun, 2002. IBASE. Avaliação do Proger, Proger Rural e Pronaf do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. Rio de Janeiro: Ibase – Ministério do Trabalho/Secretaria de Políticas de Emprego e Salário, Tomo I, Volume 1, 1999. LABRA; M; FIGUEIREDO, I. Associativismo, participação e cultura cívica. O potencial dos Conselhos de Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 7, n.3, p.537-547, 2002. LEMOS, José de Jesus Souza. Mapa da exclusão social no Brasil: radiografia de um país assimetricamente pobre. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2008. MARQUES, P.E.M.; FLEXOR, G. Conselhos municipais e políticas públicas de desenvolvimento rural: indagações em torno de papéis sociais e ambientais da agricultura.2006.Disponível em http://www.nead.gov.br/tmp/encontro/cdrom/gt/3/Paulo_Eduardo_Moruzzi_Marques.pdf. Acesso em: 22 de outubro.2009. PATEMAN, Carole. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. PEIXOTO, Marcus Vinicius Gemigniani. ANTONINI, Fabíola Sérvulo. SOUZA, Roberto Carlos de. Brasil contemporâneo: três análises críticas sobre o “Brasil do Futuro”. Porto Alegre: Galba, 2008 SILVA, Roberto Marinho Alves da. Entre o combate à seca e a convivência com o semiárido: transições paradigmáticas e sustentabilidade do desenvolvimento. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2008. TENÓRIO, Fernando G. Gestão social: uma perspectiva conceitual. IN Revista de Administração Pública, EBAP/FGV. Vol. 32, n. 5 set/out 1998. TOLEDO, Terezinha Balduíno. MARQUES, João de Deus de Oliveira. FRANCHESE, Maria Zúpulo de Souza Reis. Brasil, um país de ninguém. Artigos acadêmicos sobre sociologia, direito e filosofia. São Paulo: Marco Futuro, 2007. UNGER, Roberto Mangabeira.Secretaria de Assuntos Estratégicos Presidência da República O DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE COMO PROJETO NACIONAL Um esboço.Brasília, maio de 2009 VIEIRA, Antonio Carlos Hara. Desenvolvimento social e sustentabilidade em países emergentes: traços críticos dos programas sociais, em nações sem tradição democrática. Botucatu: cadernos Unesp, 2009.