Fome oculta: um problema real

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Fome oculta: um problema real
A carência de micronutrientes afeta uma em cada quatro pessoas no mundo.
Em entrevista, a professora Andréa Ramalho alerta para esse
problema silencioso que enfraquece o organismo
REDAÇÃO PRÊMIO JOVEM CIENTISTA
15/04/2015 - 08h01 - Atualizado 15/04/2015 08h01
A fome oculta é um fenômeno pouco divulgado, mas, quando em estágio avançado, este problema silencioso
deixa o organismo mais fraco e vulnerável a inflamações e infecções. A professora do Instituto de Nutrição da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Andréa Ramalho é especialista no assunto e publicou o livro Fome
Oculta - Diagnóstico, Tratamento e Prevenção (Editora Atheneu). Em entrevista ao Prêmio Jovem Cientista, Andréa
explica o que é a fome oculta e quais são os desafios do diagnóstico e combate.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que uma em cada quatro pessoas no mundo tem fome
oculta. O que é esse problema? A “fome oculta” é definida como uma carência não explícita de um ou mais
micronutrientes, em que há alterações fisiológicas mínimas, não perceptíveis no exame clínico de rotina. A “fome
oculta” é uma consequência da falta ou do baixo consumo, sobretudo, de micronutrientes (vitaminas e minerais). É o
estágio anterior ao surgimento dos sinais clínicos de carência e não está necessariamente associado a enfermidades
claramente definidas, como as facilmente observadas na desnutrição.
Há algum sintoma? Quais são as consequências da carência de micronutrientes para o organismo?
Por não apresentar sinais clínicos de carência, que são característicos das manifestações finais do quadro de
ausência de vitaminas e minerais, a fome oculta se instala de forma imperceptível e silenciosa. Porém, mesmo que
não evolua para os estágios terminais da deficiência, já causa prejuízos à saúde. Pode comprometer várias etapas do
processo metabólico, com alterações no sistema imunológico, nas defesas antioxidantes e no desenvolvimento físico e
mental. A deficiência é fator predisponente/agravante de diversas doenças crônicas, como doenças cardiovasculares,
hipertensão arterial, diabetes mellitus, dislipidemia, obesidade, alguns tipos de câncer e osteoporose, entre outras.
Ainda que a fome oculta possa ocorrer devido à falta de um micronutriente específico, frequentemente ocorre
de forma combinada a outras deficiências de vitaminas e minerais.
Como é o tratamento?
Procedimentos recomendados por órgãos internacionais como World Health Organization (WHO), Food and
Agriculture Organization (FAO) e Unicef para o combate e a prevenção da fome oculta reafirmam a importância dos
programas de intervenção pautados na utilização de suplementos vitamínicos, na fortificação de alimentos e na
diversificação alimentar para melhorar a qualidade e a quantidade do consumo de nutrientes.
Com exceção das situações de extrema pobreza, a renda e a escolaridade parecem não ter grande
impacto na incidência dessa doença, o que reforça a tese de que a ingestão inadequada de alimentos fontes de
vitaminas e minerais esteja relacionada a hábitos e questões culturais. Por isso, o aumento do consumo desses
alimentos é a principal estratégia, em longo prazo, no combate à fome oculta.
Como a fome oculta e suas consequências podem ocorrer sem sinais clínicos detectáveis, o diagnóstico
precoce e o tratamento adequado têm grande impacto sobre a saúde, sobretudo nos grupos clássicos de risco,
como o materno-infantil e pré-escolares, diminuindo atendimentos médicos e internações.
As deficiências de vitamina A, ferro e iodo são priorizadas pela Organização Mundial da Saúde, pois
são as três maiores carências nutricionais mundiais. Quais alimentos são ricos nestes nutrientes?
No caso da vitamina A, fígado, ovos, leite, manteiga, queijo, cenoura, agrião, espinafre, manga, couve,
abóbora, batata doce, mamão, pimentão vermelho, caju e goiaba são alguns alimentos que contêm este nutriente. O
ferro está presente em carnes vermelhas, peixes e na gema do ovo, por exemplo. Também está em alimentos de
origem vegetal, como cereais integrais, vegetais escuros, oleaginosas, grãos e melado de cana-de-açúcar, rapadura e
açúcar mascavo. Por fim, são fontes de iodo as algas marinhas, salmão, leite e derivados, ovo, carne vermelha,
camarão, mexilhão, fígado, atum, bacalhau, castanha do Brasil e quinoa.
O exercício físico é benéfico para o corpo, mas também pode se tornar um inimigo do combate à fome
oculta. Por quê?
A prática regular de exercício físico está associada à promoção da saúde e à prevenção de doenças crônicodegenerativas. Porém, é importante ressaltar que diferentes tipos e intensidades de exercício físico provocam
alterações distintas na imunidade e nas defesas antioxidantes, com impacto direto na saúde.
A resposta a uma carga intensa de exercício físico provoca um aumento na produção de radicais livres e
consequente estresse oxidativo, que leva danos aos tecidos e órgãos. Como defesa, ocorre o aumento da utilização de
nutrientes com função antioxidante. Neste contexto, são indicados o aumento do consumo de alimentos com função
antioxidante e a suplementação de vitaminas e minerais.
Algumas pessoas, apesar da alimentação saudável e balanceada, apresentam fome oculta. Por que isso
acontece e o que fazer nesses casos?
Algumas situações – como aumento da frequência e intensidade de exercícios físicos, baixa exposição solar,
aumento de peso, algumas disfunções hormonais, menos horas de sono que o necessário, estresse intenso, entre outras
alterações – fazem o organismo utilizar mais micronutrientes, ainda que haja alimentação saudável. Com isso, é
importante fazer avaliações médicas regulares, para os ajustes nutricionais necessários.
O combate à fome tem sido uma das principais bandeiras da atualidade, mas para garantir a segurança
nutricional da população é preciso também combater a fome oculta. Como erradicar este problema?
O compromisso para suplementação e fortificação de alimentos teve sucesso em diferentes países
desenvolvidos e em desenvolvimento, o que demonstra a importância das parcerias entre o setor privado e público no
estabelecimento de metas para a saúde pública. Tais medidas se somam à promoção de mudança de hábitos
alimentares por meio da educação nutricional.
A distribuição de suplementos integra, com frequência, os programas de saúde pública já estabelecidos no país,
como por exemplo, as campanhas de vacinação. Tal iniciativa reduz custo, uma vez que a mesma estratégia
operacional e sistema de distribuição dessas campanhas podem ser utilizados nesse caso, aumentando assim a relação
custo/benefício.
O combate à fome oculta tem apresentado resultados tímidos diante da grandeza do problema, que atinge até
mesmo regiões consideradas fora do eixo tradicional da miséria no Brasil. O custo de não intervir adequadamente para
superar as carências específicas é muito maior do que o custo de programas de intervenção. Mesmo assim não é raro
que os setores envolvidos na busca de uma solução – universidades, governos indústria, mídia e população – falem
linguagens diferentes. Precisamos de interfaces entre esses setores para permitir que o conhecimento científico se
traduza em ações e programas de intervenção nutricional de alcance social. A erradicação ou, pelo menos, a redução
da fome oculta no Brasil teria um impacto social positivo e penso que deve constituir um compromisso ético para com
as próximas gerações.
http://epoca.globo.com/vida/noticia/2015/04/fome-oculta-um-problema-real.html
acesso em: 05 de fevereiro de 2017.
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