Economia Social UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA CENTRO REGIONAL DAS BEIRAS DEPARTAMENTO DE ECONOMIA, GESTÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS 28/02/2011 SUMÁRIO Economia Social: conceito e fundamentação teórica. A distinção entre conceitos essenciais: Economia Social, Economia solidária, Terceiro Sector. Economia Social: Principais correntes que influenciaram a Economia Social. Economia Social: Fronteiras - entre a acção directa do Estado e a intervenção tradicional no mercado. Economia Social: organizações que actuam na esfera social INTRODUÇÃO O campo de estudos da Economia Social é uma das áreas mais novas e verdadeiramente multidisciplinares das Ciências Sociais. Une pesquisadores das mais diversas áreas como Economia e Sociologia, mas também Gestão, Direito, entre outras. A relevância do tema é grande, uma vez que caracteriza um fenómeno que envolve um número significativo de organizações e instituições, como as ONGs, as Associações, as Fundações, as Mutualidades, a educação, a saúde, o meio ambiente, a cultura, a ciência e tecnologia, entre outras várias organizações da sociedade civil de interesse público – todas distribuídas entre actividades filantrópicas, empresas “cidadãs”, e todas as que envolvem o trabalho de voluntários ou não. Consoante a ampliação dos horizontes democráticos, reconhecem-se as falhas e dificuldades do Sector Público e as questões que não são absorvidas conveniente e efectivamente pelo Mercado. Surgem assim as acções que englobam actividades que eram exclusivas do Estado e que passaram a não depender mais de acções governamentais. ECONOMIA SOCIAL: CONCEITO E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA. Na ordem jurídica portuguesa não está expressamente consagrado o conceito de Economia Social, mas a Constituição da República Portuguesa (art.º 80º), referindose à organização económica do país, considera a coexistência de três sectores: Sector privado Sector público Sector cooperativo e social Sectores da Economia Sector privado Sector público Economia Social Espaço de sombra DEFINIÇÃO DOS VÁRIOS SECTORES DE ORGANIZAÇÃO ECONÓMICA Sector Privado: Assenta a sua actividade na iniciativa privada, em obediência aos mecanismos do mercado, procurando o lucro e a satisfação das necessidades dos consumidores de produtos e de serviços. É composto por entidades privadas que actuam em benefício próprio e particular. É o sector capitalista com fins lucrativos. DEFINIÇÃO DOS VÁRIOS SECTORES DE ORGANIZAÇÃO ECONÓMICA Sector Público Sector que assenta a sua actuação em objectivos de política estipulados por decisões governamentais. É representado por entes políticos, Ministérios, Secretarias, Autarquias e possui e exerce o carácter público. Visa satisfazer o interesse geral. DEFINIÇÃO DOS VÁRIOS SECTORES DE ORGANIZAÇÃO ECONÓMICA Economia Social ou Terceiro sector Ao contrário dos anteriores sectores, o espaço da economia social (terceiro sector) não tem as suas fronteiras bem definidas. É um espaço económico intermediário entre as esferas do mercado e do sector público. É composto por organizações privadas sem fins lucrativos, que actuam nas lacunas deixadas pelos sectores públicos e privados. Este sector representa as organizações em que não há apropriação do excedente gerado pela organização. É basicamente uma iniciativa do sector privado, porém com a peculiaridade de não perseguir primordialmente lucros. A base do sector em questão não é o lucro ou o poder, mas a possibilidade de solucionar problemas globais. ECONOMIA SOCIAL OU TERCEIRO SECTOR Estas organizações provêm da iniciativa privada e produzem bens e serviços públicos para o consumo privado e colectivo, criando ganhos e satisfazendo as necessidades de todos. É concebido a partir do interesse de pessoas em participar voluntariamente numa causa de natureza pública, e independentes do governo. Baseia-se numa crescente intervenção da sociedade civil, de forma organizada, substituindo na medida do possível o Poder Público e buscando sempre o bemestar colectivo na sua mais ampla concepção. Com a actuação da sociedade civil organizada, presume-se que será possível deixar para o Estado as tarefas mais complexas, como a segurança interna e a externa. ECONOMIA SOCIAL OU TERCEIRO SECTOR Os vínculos sociais dessas organizações de cidadãos desempenham papéis decisivos para o reconhecimento de questões do interesse de toda a humanidade, como os direitos humanos, o respeito pelo meio-ambiente, pela igualdade de géneros e pela luta contra a pobreza e a exclusão social. Os vínculos com as questões sociais e as modificações nas relações entre o Estado e a Sociedade, permitem a ampliação do conceito de responsabilidade social que vai muito além da filantropia, firmando o comprometimento civil, organizacional e sócio-político no cenário actual. O fenómeno em questão não é, portanto, o desenvolvimento de um sector diante da crise de outro, mas uma alteração de um padrão de resposta da sociedade à questão social. A CONFUSÃO CONCEPTUAL: Economia social Terceiro sector Economia solidária Organizações sem fins lucrativos Organizações Não-Governamentais (ONGs) ECONOMIA SOCIAL A economia social surge como uma nova economia que associa não só os recursos de mercado e financiamentos públicos, mas também recursos não monetários que provêm da sociedade civil, como a economia familiar e informal ou mesmo subterrânea. Surge num contexto europeu, nomeadamente, francês. A EMERGÊNCIA DE UMA NOVA ECONOMIA SOCIAL As dificuldades financeiras do Estado-Providência; O novo contexto económico e sócio-político: O vazio decorrente das respostas do liberalismo e do socialismo; A reacção ao modelo económico dominante. TERCEIRO SECTOR Herdeiro da tradição anglo-saxónica, onde não existe uma tradição de Estado Social. Demonstra o associativismo e voluntariado que fazem parte de uma cultura política e cívica baseada no estado neoliberal. O termo foi construindo a partir de recorte social em esferas: o Primeiro Sector (Estado), o Segundo Sector (Mercado) e a Sociedade Civil Organizada, e desde então, tornada num sector. Este termo, entre todas as expressões em uso, é o que tem maior aceitação. É constituído por organizações privadas sem fins lucrativos que gerem bens e serviços públicos e privados. Todas elas formam um conjunto de iniciativas da sociedade com objectivo de consciencialização para os direitos da cidadania e o desenvolvimento político, económico, social e cultural no meio em que actuam. CARACTERÍSTICAS DO TERCEIRO SECTOR Iniciativas privadas que não visam o lucro. Iniciativas na esfera pública que não são feitas pelo Estado, nem empresas, mas sim pelo cidadão, que participa de modo espontâneo e voluntário em acções que visam ao interesse comum. Em contraponto à lógica do poder que prevalece nas relações entre Estados e à lógica do lucro que orienta a acção de empresas no mercado, as iniciativas empreendidas pelos cidadãos afirmam o valor da solidariedade. ECONOMIA SOLIDÁRIA A economia solidária tem subjacente uma outra economia (uma nova forma de produção, consumo e distribuição de riqueza), onde todos os seres têm as suas funções e os seus direitos. Cria, por isso, uma nova forma de administração colectiva, solidária e familiar sem fronteiras e sem barreiras religiosas, culturais, sociais, académicas, ajudando a transformar e humanizar o actual sistema capitalista, para um novo sistema de base associativista e cooperativista, voltado para a transformação da matéria-prima, produção, consumo e comercialização de bens e serviços de modo autogerido, sem a necessidade de destruir o ecossistema. Esta economia centra a pessoa no desenvolvimento sustentado pelos recursos limitados do planeta. É assim uma economia de princípios e valores humanos, ecológicos e solidários. O conceito de Economia Solidária encontra-se em sintonia com os princípios associados a outras práticas alternativas, como o comércio justo, os serviços de proximidade, as empresas de inserção, a responsabilidade das empresas, o marketing social, entre muitas outras. É a sua abrangência e multiplicidade de experiências associadas a este conceito, que induz uma diversidade de novas práticas promotoras de novos valores, novas atitudes e novas formas de funcionamento económico perante o mercado, estabelecendo redes de intervenção colectiva e de cooperação entre os vários sectores (privado, público e social) da sociedade. ECONOMIA SOLIDÁRIA A economia solidária é um conjunto de actividades económicas cuja lógica é distinta tanto da lógica do mercado capitalista quanto da lógica do Estado. Ao contrário da economia capitalista, centrada sobre o capital a ser acumulado e que funciona a partir de relações competitivas, cujo objectivo é o alcance de interesses individuais, a economia solidária organiza-se a partir de factores humanos, favorecendo as relações onde o laço social é valorizado através da reciprocidade e adoptando formas comunitárias de propriedade. Distingue-se também da economia estatal que supõe uma autoridade central e formas de propriedade institucional. ORGANIZAÇÕES SEM FINS LUCRATIVOS Uma organização sem fins lucrativos é uma entidade de iniciativa privada, que fornece bens, serviços e ideias para melhorar a qualidade de vida em sociedade, onde poderá existir trabalho voluntário, e que não remunera os detentores e fornecedores de capital. As organizações sem fins lucrativos são organizações de natureza jurídica sem fins de acumulação de capital para o lucro dos seus directores. Todo o seu lucro deve ser reinvestido em estrutura ou outras áreas da pessoa jurídica. Os tipos de organização são as Fundações, as Organizações Não Governamentais e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. O sector, onde se inserem as organizações sem fins lucrativos é o Terceiro sector ou Economia social. ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS (ONGS) As Organizações não governamentais, também conhecidas por ONG’s, são associações da sociedade civil, do terceiro sector, sem fins lucrativos, que acolhem no seu interior especificidades que as diferenciam do Estado e de outras organizações e/ou instituições privadas. Não têm qualquer vinculo com instâncias do Governo e desenvolvem projectos, por exemplo na área da promoção social. Estas instituições declaram-se com finalidades públicas e sem fins lucrativos e desenvolvem acções em diferentes áreas, geralmente, mobilizam a opinião pública e o apoio da população para modificar determinados aspectos da sociedade. Estas organizações podem ainda complementar o trabalho do Estado, realizando acções onde ele não consegue chegar, podendo receber financiamentos e doações do mesmo, e também de entidades privadas, para tal fim. Actualmente têm-se defendido o uso da terminologia organizações da sociedade civil para designar as mesmas instituições. PRINCIPAIS CORRENTES QUE INFLUENCIARAM A ECONOMIA SOCIAL PRINCIPAIS CORRENTES QUE INFLUENCIARAM A ECONOMIA SOCIAL 1. Socialistas Utópicos Proudhon (1809-1865); Robert Owen (1771-1825); Saint-Simon (1760-1825); Fourier (1772-1837) Os socialistas utópicos são assim nomeados por Karl Marx para diferenciá-los dos socialistas científicos. Estes autores lutavam pelo máximo de autonomia comunitária possível, dentro de uma reestruturação da sociedade. Contesta-se a exploração da 1.ª fase do capitalismo, defendendo uma organização da economia baseada na defesa dos trabalhadores. PRINCIPAIS CORRENTES QUE INFLUENCIARAM A ECONOMIA SOCIAL 2. Social Cristianismo Frédéric Le Play (1806-1882): Criou a sociedade de Economia Social em 1856 e organizou a Exposição Universal de Economia Social em 1867. J. Stuart Mill (1806-1873): Teve uma influência determinante na promulgação em 1852 da primeira lei mundial que regulamentava as organizações cooperativas. Sensibilizado com o custo humano da revolução industrial, criticou a ciência económica por não integrar a dimensão social. PRINCIPAIS CORRENTES QUE INFLUENCIARAM A ECONOMIA SOCIAL: 3. Economia Solidária Charles Gide ( 1847-1932) «A economia social como conjunto de organizações (ex. cooperativas) que incorporam critérios de funcionamento solidário»; Léon Bourgeois (1851-1925): Definiu os princípios da doutrina solidarista: A sociedade deve assegurar o mínimo de existência; Acesso ao ensino gratuito (o capital intelectual como bem-comum) A nação deve ser uma grande sociedade de socorros mútuos (segurança contra os riscos) AS FRONTEIRAS DA ECONOMIA SOCIAL AS FRONTEIRAS DA ECONOMIA SOCIAL 1. Enquadra-se numa perspectiva da economia, que não se esgota na lógica do mercado, mas sim na produção de bens e serviços necessários para viver. É uma outra forma de estar na Economia. 2. As suas iniciativas emergem das deficiências concretas da sociedade e referem-se à oferta de bens e serviços para satisfazer necessidades não satisfeitas. AS FRONTEIRAS DA ECONOMIA SOCIAL 3. É uma forma de auto-organização dos cidadãos não individual mas sim cooperativa que iniciam uma prática de auto-ajuda ao nível local, regional, nacional ou internacional; 4. Todos os lucros são para reinvestir, não há apropriação privada dos lucros. CARACTERÍSTICAS DA ECONOMIA SOCIAL Na esfera da Economia Social, estão o associativismo, o cooperativismo e o mutualismo como formas de organização da actividade produtiva. Os seus objectivos passam necessariamente pela solidariedade e pelo desenvolvimento integrado da comunidade e do Homem. Nesta sequência de ideias, a Economia Social ou Terceiro Sector pode eventualmente substituir a acção do Estado ou ser um prolongamento deste na implementação de suas políticas sociais. Basicamente, inclui dois tipos de organizações: aquelas que funcionam como empresas, embora não visem o lucro (liminarmente relacionadas com o movimento cooperativo), e as organizações privadas mantidas por donativos, quotizações, trabalho voluntário e recursos públicos, tais como Associações e Fundações. Adesão voluntária e livre; Gestão democrática e participativa; Ausência de finalidades lucrativas; Autonomia face ao Estado e às pessoas jurídicas de direito público. ORGANIZAÇÕES QUE ACTUAM NA ESFERA SOCIAL No primeiro grupo, aqui denominado Economia Social, estão as organizações que têm uma forma de regulação com base na troca mercantil, aproximando-se mais da esfera do mercado. Essas organizações têm como função a produção de bens e serviços, visando responder às necessidades dos seus membros, tais como: as cooperativas e as mútuas de crédito e as cooperativas solidárias. Elas têm fins de lucro, mas este lucro é redistribuído entre seus membros proporcionalmente. Já no segundo grupo, aqui denominado Financiadores, agrupam-se os institutos, as fundações empresariais e públicas, as Ongs internacionais ou ainda as Ongs intermediárias entre os financiadores e a comunidade, que não operacionalizam directamente programas e/ou projectos sociais. Essas organizações têm como princípio de regulação a redistribuição de recursos, públicos ou privados, visando ao bem comum. Neste sentido, o seu papel é mais próximo do papel do Estado, pois actuam como centros de redistribuição de recursos, com vistas a diminuir as desigualdades sociais. No terceiro grupo, enquadram-se as organizações criadas a partir de uma mobilização da sociedade civil(2) e que não possuem fins lucrativos, tais como: as organizações da economia solidária (associações comunitárias, organizações voluntárias, Ongs de actuação social directa etc.) e as organizações filantrópicas. Neste grupo predominam formas de regulação baseadas na reciprocidade, tais como o dom e o voluntariado que, por sua vez, são indissociáveis das relações pessoais presentes na esfera comunitária. INSTITUIÇÕES DA ECONOMIA SOCIAL/TERCEIRO SECTOR Constituem o sector da economia social quatro tipos de famílias de empresas: as cooperativas, as mutualidades, as associações e as fundações de solidariedade social. Mais discriminadamente: Instituições particulares de Solidariedade Social (IPSS); Mutualidades ou associações mutualistas Instituições de desenvolvimento local Misericórdias Cooperativas Associações Fundações Organizações Não-lucrativas CARACTERÍSTICAS DAS ORGANIZAÇÕES DO TERCEIRO SECTOR ((L. SALAMON DA UNIVERSIDADE DE JOHNS HOPKINS) 1. Apresentam-se organizadas institucionalmente, com reuniões regulares, ou com algum grau de permanência organizacional; 2. São privadas, isto é, institucionalmente separadas do governo, embora possam receber deste apoio financeiro CARACTERÍSTICAS DAS ORGANIZAÇÕES DO TERCEIRO SECTOR (L. SALAMON DA UNIVERSIDADE DE JOHNS HOPKINS) 3. Não distribuem lucros, isto é não são primeiramente comerciais no seu propósito e não distribuem lucros aos directores, accionistas e gestores. Este critério também diferencia as Organizações Não-Lucrativas das empresas; 4. Auto-Governadas: têm os seus próprios mecanismos de governação interna, estão equipadas para gerir as suas actividades 5. Voluntárias: envolve algum grau de participação voluntária. Isto não significa que a maioria das contribuições provenha de voluntários ou que todo o pessoal seja voluntário.