IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre Imigrante A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre Jurandir Zamberlam Lauro Bocchi Giovanni Corso João Marcos Cimadon Porto Alegre / 2013 IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre Gráfica e Editora Solidus Ltda. Av. Antônio de Carvalho, 2079 - 91430-001 - Porto Alegre - RS Fone-Fax: (51) 3338.1474 CIBAI MIGRAÇÕES Rua Dr. Barros Cassal, 220 - 90035-030 - Porto Alegre Fone (051) 3226 8800 - Site: www.pompeiacibai.com IMIGRANTE - A Fronteira da documentação e o difícil acesso às políticas públicas em Porto Alegre/Zamberlam, Jurandir; Bocchi, Lauro; Corso, Giovanni; Cimadon, João Marcos. Porto Alegre: Solidus, 2013. 88p.; 16x23cm 1.Migração.2.Imigração.3.Emigração.4.Legislação. 5.Documentação. 6.Fronteiras. 5.Políticas Públicas CDU 312:325(816.5) CAPA A capa mostra diferentes realidades que o migrante enfrenta: - o desenraizamento, consequência da partida; - as inúmeras vias de sua trajetória até o novo destino; - a difícil fronteira da documentação; - a inserção e sua contribuição na nova terra. A ondulação colorida demonstra todo o entusiasmo e esperança depositados no sonho de uma nova oportunidade que se abre. Capa e diagramação: Mauro P. Pacheco Revisão: Accio E. Lottermann AGRADECIMENTO Esta publicação foi motivada pelo trabalho monográfico conclusivo de Lauro Bocchi do Curso de Especialização em Gestão de Entidades Religiosas na UNISINOS, sob a orientação do Prof. Lucas Henrique Luz. Ao professor, nossos agradecimentos. IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................... 05 1ª PARTE - MIGRAÇÕES ........................................................................ 1. PORTO ALEGRE E RIO GRANDE DO SUL TERRA DE MIGRANTES......................................................................... 2. MIGRAÇÕES NO MUNDO ................................................................ Fluxos migratórios...................................................................................... Políticas migratórias repressivas ................................................................ Características da mobilidade humana atual .............................................. 3. MIGRAÇÕES NO BRASIL .................................................................. Oscilações imigratórias .............................................................................. A emigração de brasileiros para o mundo .................................................. Tendências da mobilidade humana no Brasil ............................................. 4. POLÍTICAS MIGRATÓRIAS NO BRASIL ......................................... A política inicial privatista do território ..................................................... Etapas da política migratória de atração, seleção e de controle ................. 07 09 11 11 12 13 17 17 18 19 21 21 21 2ª PARTE - DIREITOS ............................................................................. 1. DIREITOS HUMANOS ........................................................................ Constatação................................................................................................. Direitos Humanos - origem ........................................................................ As gerações dos direitos humanos.............................................................. 2. AS POLÍTICAS PÚBLICAS ................................................................. Conceitos .................................................................................................... Os índices sociais e as políticas públicas ................................................... A Constituição de 1988 e o migrante ......................................................... Necessidade de Políticas Públicas .............................................................. Caminhos para conseguir ou desenvolver políticas públicas ..................... Consequências na ausência de políticas públicas ....................................... 25 27 27 28 29 33 33 34 35 36 37 39 3ª PARTE - FRONTEIRAS....................................................................... 1. A BARREIRA DA DOCUMENTAÇÃO .............................................. A regulamentação do grupo social ............................................................. O Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80) .............................................. O encontro com a burocracia...................................................................... Visto e Passaporte....................................................................................... Os Vistos e o Estatuto do Estrangeiro ........................................................ 41 43 43 43 44 45 45 -3- IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre O livre arbítrio autoritário .......................................................................... Vistos Temporários ..................................................................................... Quem pode radicar-se no Brasil ................................................................. Residência provisória ................................................................................. Residência permanente ou permanência definitiva .................................... Autorização de trabalho.............................................................................. Naturalização .............................................................................................. O Acordo de Residência do MERCOSUL ................................................. A regularização com base em anistia.......................................................... Portarias e Resoluções ................................................................................ O desafio da inovação ................................................................................ O significado da documentação.................................................................. 2. OS MEDIADORES................................................................................ Papel ........................................................................................................... Articulação de redes ................................................................................... Fórum Permanente da Mobilidade Humana............................................... Carta de princípios...................................................................................... Comitê Estadual de Atenção às Pessoas em Mobilidade............................ Decreto Nº 49.729/2012 ............................................................................. 45 46 46 48 48 49 49 50 52 53 54 55 57 57 58 58 61 62 64 4ª PARTE - POLÍTICAS PÚBLICAS ...................................................... 1. POLÍTICAS PÚBLICAS - ANÁLISE DE PRÁTICAS DE INSTITUIÇÕES ......................................................................................... Pesquisa ...................................................................................................... Limitações .................................................................................................. Apresentação e análise dos dados............................................................... Aspectos expressos pelos entrevistados ..................................................... Indicativos .................................................................................................. 2. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................. 67 69 69 69 70 72 77 79 REFERÊNCIAS ......................................................................................... OS AUTORES............................................................................................ COLEÇÃO: PASTORAL & MIGRAÇÕES .............................................. 81 85 86 -4- IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre INTRODUÇÃO O contexto mundial está marcado pelas redes migratórias, onde as culturas estão se encontrando cada vez mais. O mundo está virando casa/campo de batalha pela comunicação, transporte, trabalho, tecnologia. A convivência cada dia mais está ameaçada se não houver atitudes novas de acolhida e compreensão seja por parte de quem acolhe e de quem é acolhido. O movimento migratório que é mundial exige em cada lugar do mundo novas atitudes. O que é global precisa localmente desenvolver projetos que envolvam a qualidade de vida. A presença do migrante questiona e provoca a comunidade que o acolhe dando inicio à construção de uma nova convivência humana. No presente trabalho buscou-se estudar a evolução dos direitos básicos da pessoa, sua relação com as políticas públicas sociais e suas práticas previstas para os imigrantes estrangeiros que residem especificamente na cidade de Porto Alegre. Tomou-se como foco as áreas da saúde, seguridade social, educação e da questão laboral. Aprofundou-se também aspectos do direito, considerando a sofrida fronteira da documentação no quadro da necessidade de Políticas Públicas que ajudem não somente os imigrantes, mas também o povo que os acolhe. O trabalho foi dividido em quatro partes, com uma janela sobre a história de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul: migrações, direitos humanos, fronteira da documentação e políticas públicas. Coloca-se em comum uma experiência com a esperança de ter o leitor como parceiro para aprofundá-la em vista da construção de políticas públicas eficientes e transformadoras. -5- IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre 1ª. Parte Migrações Porto Alegre e Rio Grande do Sul - Terra de Migrantes Migrações no Mundo Migrações no Brasil Políticas Migratórias no Brasil IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre 1 PORTO ALEGRE e RIO GRANDE DO SUL TERRA DE MIGRANTES Caminhando pelas ruas de Porto Alegre e olhando a arquitetura dos edifícios percebe-se que o projeto arquitetônico da cidade é formado por diferentes estilos. Quando se manuseia o guia telefônico, os sobrenomes nos remetem aos pontos geográficos mais distantes por serem diferentes grupos étnicos. O mesmo se diga quando se procura firmas para adquirir mercadorias. Tudo isso revela a diversidade cultural presente na história da cidade e do Estado. De fato as raízes da cidade e do estado do RS afundam-se no terreno das migrações. Porto Alegre dos Casais, criada oficialmente em 26 de março de 1772, com a denominação de São Francisco do Porto dos Casais, um ano depois alterada para Nossa Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre, teve o primeiro povoamento oficial em 1752, com a chegada de 60 casais açorianos. A partir de 1824, passou a receber imigrantes de todo o mundo, em particular alemães, italianos, espanhóis, africanos, poloneses e de outros países da Europa e do Oriente Médio. Tornou-se portadora de uma particular face urbana multicultural que contribui para a diluição da diferença baseada em traços fenotípicos que resultam dos processos de mestiçagem constitutiva da sociedade brasileira. Hoje a cidade de Porto Alegre é uma das principais portas brasileiras de entrada ao MERCOSUL, mantendo um conjunto de relações históricas de natureza econômica, política e sociocultural com países fronteiriços como Argentina e Uruguai. No marco dessas dinâmicas culturais, migrantes oriundos de países latino-americanos, especialmente do MERCOSUL, não são facilmente distinguidos no espaço urbano, a não ser a partir do uso do idioma espanhol ou do portunhol (mistura entre português e espanhol). Se compararmos, ainda, com o que se pode observar em muitas capitais europeias, os migrantes latino-americanos estabelecidos em Porto Alegre raramente -9- IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre constituem guetos espaciais ou geográficos, caracterizando-se, ao contrário, pela dispersão na ocupação do espaço urbano (Cogo, 2012). Porto Alegre é a confluência de diversidades étnicas e culturais porque todo o estado gaúcho se formou pela presença de imigrantes que desbravaram as matas e tornaram produtivas as inóspitas regiões montanhosas. Em 1824 chegaram os alemães, em 1875, os italianos, em seguida poloneses, sírios libaneses, espanhóis, ucranianos entre outros. No século XX chegaram judeus, holandeses, gregos, japoneses e coreanos, palestinos, e imigrantes de outras nações, especialmente da América Latina. Desenvolveram a indústria e o comércio. Iniciaram os primeiros movimentos cooperativos e sindicais. Construíram escolas, hospitais e igrejas. Fundaram novos núcleos de povoamento que se tornaram as atuais cidades cujos nomes originais foram trocados na ditadura de Vargas. Influenciaram arte, música, moda, jornalismo, arquitetura e tantas outras expressões culturais. No processo histórico agregaram-se outras riquezas humanas como as geradas pela presença das culturas africana, árabe e latino-americana. Os afros enriqueceram a vida rio-grandense com suas cores, festas, sons, ritos, ritmos e mistérios. Os árabes com sua criatividade comercial, comidas e danças. Os latino-americanos com sua música e arte. Esta realidade migratória1 que constitui a história de nosso estado e de sua capital nos motiva a refletir sobre migrações, direitos dos migrantes, legislações migratórias e políticas públicas. Uma reflexão em vista de ações humanizadoras. 1 A imigração estrangeira para o Rio Grande do Sul teve o ponto mais elevado em 1920 com 151.025 e uma diminuição constante nas décadas subsequentes do século XX, chegando no ano 2.000 com 39 mil imigrantes (IBGE, 2000). A partir do século XXI tem início a novo fluxo imigratório, hoje estimado em mais de 80 mil residentes e, segundo dados do SINCRE/MJ, 73 mil em situação documentada. Na cidade de Porto Alegre residem mais de 30 mil imigrantes, considerando também os indocumentados. - 10 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre 2 MIGRAÇÕES NO MUNDO Fluxos migratórios no mundo Os fluxos migratórios se acentuaram no mundo contemporâneo. Em 1910 a população mundial era de 1,6 bilhão e os migrantes, 33 milhões (2,06%); em 2013 a população ultrapassou 7 bilhões e o número de migrantes internacionais atingiu 232 milhões (3,31%), dentro de um universo de 1 bilhão e 100 milhões de migrantes, sendo 868 milhões de migrantes internos. Comparando os dados de 2013 em relação aos de 1910, eles nos revelam que a população mundial cresceu 4,3 vezes, enquanto a migração quase dobrou, ou seja, cresceu 7,1 vezes. PERCEPÇÃO DOS FLUXOS DAS MIGRAÇÕES (232 milhões) NO MUNDO 64,7 Milhões NORTE 174 Milhões 557 Milhões NORTE 74,4 Milhões SUL SUL O diagrama mostra que a movimentação de migrantes tem avançado em todas as direções, porém em menor ritmo entre os países do hemisfério Norte e destes para os do Sul (um pouco mais de um terço, ou seja 35,4%), do que a movimentação entre os países do hemisfério Sul e destes para os do Norte (64,6%). O universo de migrantes internacionais é composto por três grandes grupos: 26% de refugiados e deslocados; 35% de migrantes por reagrupamento familiar; e os restantes, 39%, por migrantes que partem à procura de trabalho. - 11 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre Os fluxos migratórios internacionais foram estimulados pelo processo de globalização mundial. Os fatores apontados são, entre outros: a crise do petróleo (1973 e 1979), a queda do muro de Berlim e a desagregação do bloco soviético (1989 e 1991), a crise militar do Golfo Pérsico (1992), a crise financeira asiática (1997) que se alastrou a diversas economias em desenvolvimento, a crise imobiliária de 2008 nos Estados Unidos e, posteriormente, a crise financeira na Europa, em 2010, o envelhecimento da população nos países desenvolvidos e os desastres ambientais. Políticas migratórias repressivas Mesmo diante de número tão expressivo de pessoas em mobilidade e da real necessidade da participação dos migrantes na continuidade do progresso na construção de sociedades mais igualitárias e do direito na busca de uma vida mais digna, alguns países tem adotado políticas repressivas, violando direitos humanos fundamentais, principalmente com a construção de muros - Estados Unidos na fronteira com o México; Espanha com Marrocos; Índia com Paquistão; Bangladesh com Índia, que força a imigração clandestina. Outros Cerca Fronteiriça Entre Estados Unidos e México Cerca Fronteiriça Entre Marrocos e Espanha - (Ceuta) Cerca Fronteiriça Entre Índia e Paquistão Cerca Fronteiriça Entre Bangladesh e Índia - 12 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre países, como a União Europeia, impuseram a Diretiva de Retorno (2008), que criminaliza os imigrantes sem documentos pelo país que os acolhe. Por isso, Castles (2000) entende que, embora essa mobilidade humana intensa seja estimulada pelo processo de globalização, ao contrário da liberalização de capitais e de mercadorias, as migrações são regularmente vistas como potenciais ameaças à soberania e a identidade nacional, por isso, muitos governos e movimentos políticos procuram restringi-las. Características da mobilidade humana atual Para Baggio & Rossi (2006), Martine (2005), Yazami (2008), CPMI (2006), OIM (2011), Banco Mundial (2012) e Chiarello (2012) algumas características marcantes estão presentes nas migrações contemporâneas. Se as migrações históricas do século XIX se caracterizavam pelo deslocamento de todo o núcleo familiar com a intenção de radicarem-se em outro país, as migrações atuais são mais fluídas. São pendulares, sobretudo entre Leste e Oeste da Europa, mas também do Sul para o Norte. São indivíduos que migram, tornando-se mais expressiva a presença da mulher (49,6% a nível mundial e 51%, na América Latina). Quem emigra não é o mais pobre, mas a pessoa que dispõe recursos financeiros e preparo adequado. A redução de custos do transporte aéreo criou uma espécie de “proximidade geográfica” fomentando o imaginário coletivo dos habitantes de países mais distantes: um “desejo de Europa”, um “desejo dos Estados Unidos e Canadá”, um “desejo de Austrália, Nova Zelândia, Japão” veiculado pela mídia, pelos produtos manufaturados e pelas remessas aos países de origem dos emigrantes. Os migrantes, com o envio constante de remessas, se tornaram para muitos países em desenvolvimento fator de estabilidade. Em 2012 foram remetidos 406 bilhões de dólares, um aumento de 6,5%, conforme o Relatório do Banco Mundial. As remessas para a América Latina ficaram em 64 bilhões de dólares. Para o Brasil nos últimos anos flutuaram de 5 a 7,6 bilhões em média anual. Consolidam-se as agências internacionais de tráfico de migrantes, sem que políticas de controle consigam combatê-las eficazmente. Anualmente no - 13 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre mundo um (1) milhão de crianças são traficadas e outros três (03) milhões de adolescentes e adultos (maioria mulheres) geram a fabulosa cifra de 31,6 bilhões de dólares aos traficantes. Cresce a importância da atividade marítima no mundo globalizado: 90% do transporte das mercadorias são pela via marítima. Em torno de 1 milhão e meio de marinheiros estão embarcados, sendo aproximadamente 450 mil oriundos das Filipinas. Trabalham nos portos mais de 5 milhões de trabalhadores. Na pesca mais de 33 milhões de pessoas no mundo estão diretamente envolvidas. No Brasil o número de pescadores ultrapassa a mais de 100 mil e indiretamente em torno de 900 mil pessoas estão inseridas nas atividades pesqueiras. Sendo a tecnologia a fonte de riqueza e exigindo um alto preparo intelectual para sua operacionalização, as nações com mais recursos procuram os melhores cérebros que recebem imediatamente a documentação. Há uma tendência por parte de todas as nações de produzir legislação restritiva para se defender de pessoas não qualificadas, gerando espírito xenófobo e um exército de indocumentados e clandestinos. É a tendência de criminalizar a imigração, frente aos problemas sociais e as constantes crises financeiras do sistema econômico. A globalização tem gerado crescimento econômico, redução de postos de trabalho, exclusão e estímulo às migrações. É importante refletir o texto a seguir sobre esse novo cenário. As migrações internacionais, atualmente, constituem um espelho das assimetrias das relações socioeconômicas vigentes em nível planetário. São termômetros que apontam as contradições das relações internacionais e da globalização neoliberal. Numa perspectiva sociológica, as migrações são percebidas sob a ótica estruturalista como uma das consequências da crise neoliberal contemporânea. No contexto do sistema econômico atual, verifica-se o crescimento econômico sem o aumento da oferta de emprego. O desemprego passa a ser uma característica estrutural do neoliberalismo, e as pessoas, então, migram em busca, fundamentalmente, de trabalho. E isto se verifica tanto no plano interno como no internacional. Sobre a lógica do progresso econômico e do desenvolvimento social impera a lógica do lucro, onde todos os bens, objetos e valores são passíveis de negociação, como as pessoas e até os - 14 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre seus órgãos, a educação, a sexualidade e, inevitavelmente, os migrantes. Tomando por base o referencial demográfico, tem-se que os deslocamentos migratórios fazem parte da natureza humana, mas são estimulados, quando não forçados, nos dias de hoje, pelo advento da tecnologia e pelo impacto da problemática econômica, nesta lógica inversa de sua preponderância em relação ao ser humano (Marinucci et Milesi, 2013). A tendência de produzir legislações repressivas sobre migrações revela a consciência que a humanidade está tendo do fenômeno migratório como algo estrutural no contexto mundial. Pode-se até dizer que as nações, demonstrando incapacidade em equacionar um problema tão novo, mas tão global, agem com uma instintiva reação de defesa. Contudo essa atitude imatura não tem diminuído o ritmo dos fluxos migratórios. Aumentam as reações dos migrantes e de segmentos organizados da sociedade civil. Há um novo sinal, pois os representantes eleitos retornam a discutir nos parlamentos a necessidade de nova legislação. A própria ONU tem tratado especificadamente do problema migratório em duas oportunidades: Kofi Annan criou a Comissão Mundial sobre as Migrações Internacionais (CMMI), em dezembro de 2003 e antes de concluir seu mandato promoveu a 1ª Conferência Mundial sobre Migrações e, em outubro de 2013, a temática da migração voltou a ser debatida com franqueza na 2ª Conferência daquele órgão. Assiste-se hoje a um fato altamente significativo: o emergir da consciência do problema, a incapacidade imediata de solução e a coragem de expor publicamente o problema com vontade de encontrar saídas humanitárias. As leis restritivas são frutos do medo, a coragem de discutir é fruto de um progresso da humanidade que vê o mundo das fronteiras cair, precisando articular um novo direito internacional com a realidade migratória. - 15 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre 3 MIGRAÇÕES NO BRASIL Oscilações imigratórias O grande fluxo imigratório para o Brasil teve início na década de 70 do século XIX. Em 1872 eram 388.459 imigrantes residindo no Brasil, atingindo o pico máximo em 1920, com 1.565.961, conforme dados do Ministério da Agricultura. A partir de 1940 (1 milhão 406 mil) os dados passaram a ser dos Censos do IBGE e mostram uma queda paulatina nas diversas décadas, exceto na de 1950 quando imigraram refugiados e deslocados da 2ª. Guerra Mundial. A partir da década de 1960 diminui rapidamente o número de imigrantes residentes no país, chegando em 2000, com 683.830. Na primeira década do século XXI tem início um ciclo ascendente. Dados do SINCRE/ Ministério da Justiça apontavam em 2006, 1.175.000 em situação regular. Em 2012 esse número já superava o da década de 20 do século XX. O SINCRE registrava 938.833 imigrantes com registro permanente e 636 mil com visto temporário. Agregando-se, segundo pesquisadores, os imigrantes que residem no Brasil em situação de indocumentados ou clandestinos, aproximadamente 189 mil, o que totalizaria 1 milhão e 763 mil. São inúmeras as razões deste novo ciclo de imigração, como a maior inserção do Brasil na globalização de mercado, a recente crise financeira mundial nos países desenvolvidos, o crescimento socioeconômico brasileiro e os grandes investimentos na infraestrutura da economia, atraindo, inclusive, um fluxo de mão de obra qualificada oriundo da Espanha, Portugal, Itália e de países desenvolvidos. Tem sido também fator de atração a maior presença da economia brasileira na América Latina, África, Oriente Médio e Extremo Oriente. Contudo o grande fluxo do século XXI procede da America Latina (em torno de 60%) e secundariamente do Caribe com os haitianos (12.204). O Acordo de Residência do MERCOSUL e os Acordos Bilaterais têm sido os impulsionadores da mobilidade humana de pessoas dessa região para o Brasil. - 17 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre A emigração de brasileiros para o mundo Outro fenômeno marcante das últimas décadas do século XX foi a emigração brasileira. Na década de 70, milhares de brasileiros dirigiram-se ao território paraguaio e em menor escala para os Estados Unidos e Europa. Os dados do Ministério de Relações Exteriores do Brasil apontavam que em 1980 mais de 250 mil brasileiros tinham emigrado. No final da década, mais precisamente em 1987, o número já superava a 1.250.000 emigrantes. Segundo Patarra (CPMI, 2006) a razão desse salto quantitativo foi o prolongamento da ditadura militar brasileira e a desilusão com a redemocratização (1985) por não ter realizado as necessárias reformas estruturais que gerassem postos de trabalho e distribuição de renda, bem como o avanço da globalização de mercado. O Relatório do Ministério de 2011 apontava a existência de aproximadamente 3.720.000 brasileiros que estavam no exterior. Para o pesquisador da USP José Meihy o número real hoje se aproxima dos 5 milhões, contabilizando os que se encontram em situação irregular. Há um processo de retorno, especialmente por parte de brasileiros que moravam no Japão, mas estudos recentes indicam que se anualmente retornam em média 30 a 40 mil pessoas por ano, continuam emigrando em torno de 100 mil por motivo de trabalho, de estudo ou de qualidade de vida. Do total de emigrantes brasileiros, 51,6% o destino é a América do Norte (Estados Unidos e Canadá), para 21,2% são países europeus e para 17,6% é a América Latina. Para Martes (2011) um dos fatores que estimula a opção migratória de número elevado de brasileiros é a sua capacidade no uso de meios de comunicação. Os emigrantes criaram, em 45 países, 325 associações e estão operando 216 veículos de mídia. Outro fator são as inúmeras denominações religiosas que acompanham os emigrantes, salvaguardando o sentido de pertença e maior segurança. Além do mais o governo brasileiro está reformulando sua política de assistência consular que se torna mais presente e eficiente. Os brasileiros no exterior são tão numerosos que criaram uma eficiente rede de apoio mútuo, obrigando a dar atenção ao brasileiro no exterior. Tramita hoje, no Congresso Nacional, um Projeto de Lei que discute a - 18 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre criação do 28º Estado Federativo composto pelos emigrantes brasileiros no exterior. Tendências da mobilidade humana no Brasil Dados dos Censos de 2000 e 2010 sinalizam uma relativa queda da migração interna, ou seja, a não nascida no município que reside, passando de 51% em 2000, para aproximadamente 35%, em 2012. Inúmeras razões são apontadas para a queda da migração interna, extraídas do próprio Censo Demográfico, como: melhor distribuição de renda apontada por indicadores: moradia (com luz elétrica, água encanada e esgoto), queda do número de analfabetos (12% para 9,6%), programas sociais (como bolsa família), redução de desempregados, além da retomada do crescimento econômico do Brasil (Haesbaert, 2011). A imigração estrangeira teve um crescimento, na última década, passou de 0,40% em 2002 (IBGE, 2000), para 0,86% (SINCRE, 2012). A presença de emigrantes brasileiros no exterior mais que dobrou, passando de 1% (2000) para aproximadamente 2,5% nos dias atuais (MRE, 2011). - 19 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre 4 POLÍTICAS MIGRATÓRIAS NO BRASIL A política inicial privatista do território Após as considerações anteriores sobre os fluxos e tendências migratórias no mundo e no Brasil, busca-se nesse ponto sintetizar atitudes dos governos diante do problema migratório desde o início da formação do Brasil colônia. Com a conquista do Brasil o governo português dividiu o território em capitanias hereditárias com um grupo de donatários. Desta maneira era garantida a posse da terra e definida a administração em vista da colonização. Os novos proprietários, após ter experimentado sem resultados capturar índios para o trabalho, passaram a importar mão de obra escrava da África (imigração forçada). Etapas da política migratória de atração, seleção e controle A posse do território exigia estabilidade. Por isso em 1747 a Coroa portuguesa emitiu a Provisão Régia de 09 de agosto extinguindo as capitanias hereditárias e a posse da terra passou a ser da Coroa Portuguesa (Iotti, 2003). Isso possibilitou a imigração de mais de 2.000 mil açorianos para o Estado do Rio Grande do Sul e muitos deles fixaram-se em Porto Alegre. Com a vinda da Coroa Portuguesa para o Brasil o Decreto de 25 de novembro de 1808 definiu nova política de colonização. Esse decreto é considerado o marco inicial (Oliveira, 1987) do ingresso de imigrantes de países estrangeiros no Brasil para encontrar trabalho e com a intenção de estabelecer-se de fato. A partir de então o Império passou a criar núcleos coloniais. Pela Constituição de 1824, o imperador reservou para si a questão da colonização, interessando-se, pessoalmente, pelo povoamento e pela exploração de novas regiões do Brasil por brancos não portugueses (Roche, 1969). Nesse período, foram estabelecidas, sob a tutela do imperador, sete colônias oficiais e uma particular, entre elas, destaca-se a colônia imperial - 21 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre de São Leopoldo, marco inicial do processo colonizatório com imigrantes não lusos no Rio Grande do Sul (Iotti, 2003). A partir dos anos 1840, o governo imperial retomou sua política de colonização passando para o Parlamento a questão de terras e da colonização, utilizando terras devolutas e particulares. Com a Lei de Terras n. 601 de 1850 surge a política da imigração estimulada. Essa lei determinou que as terras para colocação de estrangeiros só poderiam ser adquiridas através da compra. O objetivo foi criar dificuldades ao imigrante em adquirir seu lote e, assim, ficar à mercê de fazendeiros que demandavam mão de obra na substituição da força de trabalho do escravo africano. Deu-se início a imigração estimulada quando empresários brasileiros visitavam nações europeias para “fazer aliciamento e engajamentos” à mão de obra daquelas nações. Assim, no período imperial, duas políticas imigratórias se digladiaram: a política do governo imperial, criando núcleos coloniais; e a política dos fazendeiros buscando imigrantes destinados para mão de obra no cultivo do café. Historicamente três tipos de colônias surgiram: a de parceria, a privada e a mista (Costa e De Boni, 1979). De 1850 a 1889 foram criadas 250 colônias no Brasil, sendo que destas 197 (78%) eram particulares, 50 (19%) imperiais e 3 (1%) provinciais (Giron e Bergamaschi, 1996). Com a proclamação da República novas regras imigratórias foram introduzidas com a política de barreiras. O Decreto 528 de 08.06.1890 estabeleceu a exclusão de africanos e asiáticos, quando afirma: “É totalmente livre a entrada... dos indivíduos aptos para o trabalho, livres de ação de penas em seu país, excetuando os indígenas de Ásia e África”. A Constituição de 1891 introduziu a naturalização tácita se dentro de 6 meses o imigrante não manifestasse o desejo de conservar a nacionalidade de origem. No final da década de 1895 os governos provinciais foram autorizados a estabelecerem suas próprias leis e sistemas migratórios. O Decreto nº 6.455 de 1907 suspendeu a proibição de entrada para asiáticos, silenciando quanto aos africanos, aliás, em 1920 novo Decreto reforçava a proibição à imigração destes, minimizado durante o Estado Novo. A crise econômica da década de 1930 gerou elevado índice de - 22 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre desemprego e levou a União, através da Constituição de 1934 e a de 1937, a estabelecer o sistema de cotas para a entrada de imigrantes. Com isso abandonou-se o estímulo à imigração para o povoamento do território e para a obtenção de mão de obra. O Decreto-Lei n. 363 de 1938 proibiu aos estrangeiros exercerem atividades políticas sejam partidárias ou em forma de associações, fundações, companhias e clubes. E de fato durante a 2ª Guerra Mundial alemães, italianos, japoneses e poloneses foram proibidos de falar sua língua, expressar sua cultura e costumes, além de exercer qualquer atividade pública. Na fase da democratização (1945-64) ocorreu uma flexibilização da política de imigração. Segundo Bonassi (2000) o Decreto-Lei 7.967 de 1945, no seu art. 1º. enfatiza a necessidade de imprimir uma nova política imigratória racional e definitiva ... para o progresso do país; mas no art. 2º se contradiz ao discriminar: na admissão de imigrantes é preciso preservar a composição étnica da população, as características de sua ascendência europeia. No período pós 2ª Guerra Mundial milhares de europeus e orientais desembarcaram no Brasil e no Rio Grande do Sul, especialmente em Porto Alegre e região metropolitana. Com a ditadura de 1964 a necessidade do regime em ter o controle sobre a vida dos cidadãos gerou uma política migratória enquadrada na ideologia de segurança nacional. A questão migratória foi retirada da Constituição e passou a ser disciplinada por legislação ordinária que criou obstáculos para a entrada de imigrantes o que tem estimulado a entrada irregular em território brasileiro. Batista e Parreira (2012) destacam: A prática da política de estímulo à imigração para o povoamento do território e para a obtenção de mão de obra foi sendo substituída por uma forte restrição à entrada de imigrantes, por meio da qual o Brasil vem negando vistos para aqueles estrangeiros que não lhe parecem adequados. Assim, tem crescido cada vez mais o número de imigrantes que entram irregularmente em território brasileiro, ou nele permanecem sem o visto adequado, sendo muitas vezes vítimas de violações de direitos básicos como liberdade, educação, saúde. Sem documentação para permanecer no país, muitos ficam em - 23 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre condições precárias de trabalho, submetidos a tratamentos análogos à escravidão. Elementos dessa lógica encontram-se no Decreto-Lei 941 de 1969 e na Lei 6.815 de 1980 que tem como critério básico no art. 2º. Na aplicação desta lei se atenderá principalmente à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos..., bem como à defesa do trabalhador nacional. Segundo Bonassi (2000) a lei passou a dar ao estrangeiro o tratamento de regime policial e penal. - 24 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre 2ª. Parte Direitos Direitos Humanos Políticas Públicas IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre 1 DIREITOS HUMANOS Constatação É famosa a frase do suíço Max Frisch, “queríamos braços e chegaram seres humanos”, para definir a insensibilidade do governo e da sociedade frente à imigração italiana na Suíça (1967). Nesta frase encontramos resumida toda a problemática dos direitos humanos. Toda pessoa pelo fato de existir tem direitos, mas nem sempre são reconhecidos. O processo de reconhecimento se liga a qualidade de consciência da sociedade que se expressa pelas vias jurídicas. O passo do reconhecimento na nossa sociedade é muito lento e contraditório por enfrentar interesses de grupos que querem manter seus privilégios. Na história recente de nosso estado e do município de Porto Alegre, como foram considerados os bisavós que desembarcaram no cais de Porto Alegre ou nas estações ferroviárias de outros pontos do RS: seres humanos que procuravam espaço de vida para si e suas famílias ou simplesmente forças úteis a serem aproveitadas? Por que foram confinados em locais inadequados para a sua atividade agrícola? Hoje os governos e a sociedade aplaudem os descendentes dos vitoriosos migrantes, mas aqueles não foram considerados “mortos de fome”, “quinta coluna”, “potenciais invasores”? Durante a última Guerra Mundial “aos estrangeiros foi proibido a fala na língua nativa, a expressão de sua cultura, a convivência livre, a formação de associações, a participação política...”. Reconhece-se que todo Estado tem a responsabilidade em manter a ordem, a segurança, mas a filosofia subjacente foi a procura do bem comum ou a exploração dos recémchegados? Hoje defrontamo-nos com o mesmo problema: o imigrante que chega é acolhido como novo cidadão ou simples força de trabalho oportuna? É acolhido na dimensão dos Direitos Humanos ou apenas na dimensão do Direito de Trabalhador? É bem verdade que no século XIX, segundo Marinucci (2012), inúmeros países não estabeleciam diferença em relação aos direitos nacionais e estrangeiros e a livre circulação entre os países era permitida. O Código Civil - 27 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre holandês (1839), o Código Civil chileno (1855), o Código Civil argentino (1869) e o Código Civil italiano (1865) foram exemplos de legislações que equiparavam direitos. O estrangeiro era um cidadão e podia fixar-se onde as condições econômicas lhe fossem mais vantajosas. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914 - 1919) a situação mudou. O livre trânsito passou a não ser mais estimulado e houve retrocessos em relação ao entendimento dos direitos do migrante. Muitos países passaram a estabelecer restrições ideológicas e políticas à livre circulação de migrantes (Marinucci et al., 2012). Assim contemporaneamente há países que adotam regras e legislações de forma discricionária, levando em consideração a soberania, a segurança nacional, a ordem pública e a proteção de postos de trabalhos nos momentos de crise econômica. A seguir analisa-se como os direitos humanos se afirmam na sociedade, como não se identificam com o direito de trabalho (que é questão especifica); como os direitos necessitam de tomada de posição concreta para se tornarem vivências, ou seja, políticas públicas, conforme afirma Ventura (2012). Direitos humanos – origem A história dos Direitos Humanos é a historia do estabelecimento dos limites entre Estado e indivíduo, poder e justiça, para fundamentar uma convivência de qualidade. Os antigos formularam o conceito de natureza imutável (os gregos fundamentada na razão e os medievais, na lei divina) que permitia falar de um Direito Natural universal e de um Direito Positivo adaptado às circunstâncias. Para os modernos a natureza humana é o espaço onde o indivíduo vive totalmente em liberdade e, por isso, criando infinitos conflitos. Necessita-se do Estado meios para possibilitar a convivência harmoniosa, ligada à observância das leis formuladas pelo próprio Estado. Segundo Milesi (2002), na Idade Moderna os racionalistas dos séculos XVII e XVIII, reformulam a teoria do direito natural, negando que o mesmo esteja submetido a uma ordem divina. Para eles todos os homens são por natureza livres e têm certos direitos inatos dos quais não podem ser despojados quando passam a fazer parte da sociedade. Foi esta corrente de - 28 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre pensamento que acabou por inspirar o atual sistema internacional de proteção dos direitos do homem que garante às pessoas os direitos sociais, ou seja, condições materiais, culturais e espirituais tidas como imprescindíveis para o pleno gozo de sua humanidade, exigindo do Estado intervenção na ordem vigente para uma justiça distributiva. Para Arendt (apud Piovesan, 2004) os direitos humanos não são um dado, mas uma invenção humana em constante processo de construção e reconstrução. A autora, nos diferentes momentos históricos, identifica uma pluralidade de significados dos direitos humanos. Entre estes se encontra a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, surgida no período posterior à 2ª Guerra Mundial como resposta às violações de direitos humanos ocorridos durante o conflito. Assim, segundo Piovesan (2004), os direitos humanos passam a ser reconstruídos sob um novo paradigma ético orientando a ordem internacional contemporânea, baseada nas ideias de universalidade e indivisibilidade desses direitos. Universalidade porque a condição de pessoa é requisito único e mais que suficiente para se reconhecer e exigir o devido respeito à dignidade humana e à titularidade de direitos. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa, de modo que, quando um deles é violado, os demais também o são. As gerações dos direitos humanos A formulação dos direitos humanos aconteceu dentro de um lento processo histórico, onde a consciência da qualidade de vida em sociedade foi assumida por disposições legais. Lafer (2006), Arendt (2002), Oliveira (2002) e Bonavides (2008) as definem como gerações. A primeira geração foi fundamentada na liberdade que compreende os direitos civis e políticos, ou seja, as chamadas liberdades clássicas (liberdade, propriedade, vida e segurança), tendo como titular o indivíduo. Os direitos e responsabilidades civis e políticos buscam fortalecer a sociedade civil e os indivíduos na relação com os poderes do Estado impondo a este a obrigação do não fazer (prestação negativa). Surgem na Europa e nos Estados Unidos (séculos XVII ao XVIII), no momento em que a burguesia se consolidava como classe social e liderava o questionamento ao poder - 29 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre absoluto da monarquia. Pressupunham a igualdade formal perante a lei, na verdade só podiam exercer os que possuíam bens. Daí que os privilegiados se amparavam na lei, instrumento de defesa de seus interesses e de coação contra os demais (Oliveira, 2002). Apesar dos benefícios às lideranças burguesas, esses direitos coincidiam com as aspirações dos setores populares em sua luta contra os privilégios da aristocracia. A igualdade conquistada pela segunda geração foi constituída de direitos econômicos, sociais e culturais (incluindo, entre outros o direito ao trabalho, a organização sindical, greve, estabilidade no emprego, segurança no trabalho, previdência social, saúde, educação gratuita e acesso à cultura e moradia). Obrigou o Estado a fazer prestação positiva em benefício da pessoa que necessitava desses direitos. A luta iniciou com a Revolução Industrial inglesa, no século XIX, onde a presença de fábricas nas cidades em crescimento gerava marginalização, exploração das jornadas de trabalho, baixos salários, dificuldades com a moradia, saúde precária e inexistência de educação para os filhos dos trabalhadores. Sindicatos e partidos políticos de influência socialista insistiam na necessidade da presença do Estado para garantir o efetivo exercício desses direitos (Bicudo, 2001). Em meados do século XX tem início a terceira geração cujo foco são os direitos coletivos e difusos (transindividuais), denominados também direitos de solidariedade e fraternidade. O Estado reconhece a obrigação de proteger a coletividade das pessoas, não apenas o ser humano de forma isolada. Os principais, segundo Lafer (2006), Arendt (2002), Oliveira (2002), são: o meio ambiente, a qualidade de vida, a sustentabilidade, a paz, a autodeterminação dos povos, a defesa do consumidor, da criança, do idoso e categorias minoritárias. A quarta geração defende os direitos advindos da chamada realidade virtual (biotecnologia). São novos direitos sociais decorrentes da evolução da sociedade e da globalização. Envolvem questões relacionadas à informática, biociência, clonagem, eutanásia, estudo de células tronco, entre outras. A quinta geração aponta os direitos à paz, à democracia, à informação e ao pluralismo. A dignidade jurídica da paz deriva do reconhecimento universal que se lhe deve enquanto pressuposto qualitativo da convivência - 30 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre humana, elemento de conservação da espécie, reino de segurança dos direitos (Bonavides, 2008). A teoria das gerações de direitos é vista diferentemente por Érnica et. al. (2012) e por Arendt (apud Lafer, 2006). Segundo Érnica (2012) "Direitos do Homem" e “Direitos do Cidadão” se complementam. Ela afirma que os “Direitos do Homem” se referem à dimensão universal, em que todo homem, independentemente do país em que vive ou da forma de governo ali adotada, tem direitos. Os direitos do homem ou direitos humanos são fundamentais, pois correspondem a necessidades essenciais da pessoa, como a vida, a igualdade, a liberdade, a alimentação, a saúde e educação. São também considerados direitos universais por serem válidos para todas as pessoas, independentemente de nacionalidade, etnia, gênero, classe social, religião, escolaridade, orientação sexual, idade. Já os "Direitos do Cidadão" dizem respeito à relação do indivíduo com sua nação de origem. Assim, um indivíduo, em situações específicas, pode ter alguns de seus direitos de cidadão suspensos temporariamente, mas nunca perde os direitos do homem. Arendt (apud Lafer, 2006) tem percepção diferente. A relação entre Estado e Sociedade, no contexto dos direitos sociais, é reconhecer que a cidadania é o primeiro direito humano, pois ela é vista como o “direito a ter direitos”. Reconhece, contudo, que ainda hoje, o principio da cidadania é configurada em cada sociedade de forma própria e comporta as liberdades individuais que possibilita a integração social. Para ela a humanidade precisa colocar a cidadania como um direito universal intocável. Essa dicotomia manifestada pelos teóricos citados mostra que há uma limitação dos direitos das pessoas em mobilidade. O Estado brasileiro, não assumindo direitos internacionais como o direito à cidadania, opta por celebrar acordos bilaterais e multilaterais com outros países relativizando os direitos universais. E, apesar da Constituição Federal garantir a todas as pessoas residentes no território direitos iguais, restringe o direito à cidadania a pessoas de alguns países. - 31 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre 2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS Conceitos A vivência dos direitos humanos deve ser acompanhada da possibilidade de usufruí-los, pois seria inútil afirmar um direito sem dar as condições para alcançá-lo. A política pública é o caminho para concretizar esse direito. É o braço operativo do direito reconhecido. O conceito moderno de políticas públicas entende que as mesmas são conjuntos de programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado direta ou indiretamente, com a participação de entes públicos ou privados. Tem como foco garantir a cidadania nas diferentes dimensões (Caldas, 2008). As políticas públicas correspondem a direitos assegurados constitucionalmente ou que se afirmam graças ao reconhecimento por parte da sociedade e/ou pelos poderes públicos enquanto novos direitos das pessoas, comunidades, coisas ou outros bens materiais ou imateriais. Segundo Caldas (2008) política pública é um conjunto de decisões orientadas para a resolução de um problema ou para a realização de um objetivo considerado de interesse público. Para Guareschi (2004) política pública é um conjunto de ações coletivas voltadas para a garantia dos direitos sociais, configurando um compromisso público que visa dar conta de determinada demanda, em diversas áreas. Expressa a transformação daquilo que é do âmbito privado em ações coletivas no espaço público. O cenário vivido pela maioria dos países capitalistas até a década de 1960 era o Estado do Bem Estar Social e o mesmo era medido pelo grau de produtividade, pelo ganho produtivo dos salários, pelos direitos trabalhistas alcançados, nos avanços dos direitos de afrodescendentes, estes especialmente nos Estados Unidos. A partir da década de 1970 ocorreu o desmonte do Estado do Bem Estar Social com o avanço da concepção ideológica neoliberal, da globalização de mercado que provocou a desestatização das forças produtivas, a desregulação das atividades econômicas e particularização dos direitos e benefícios (Kayano e Caldas, 2001). Esse processo faz acelerar a definição de novos indicadores sociais, que demandam políticas públicas específicas. - 33 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre Os índices sociais e as políticas públicas A formação de Índices Sociais que dão suporte às Políticas Públicas aconteceu em etapas distintas (Santagada, 2007). Na década de 60, pesquisadores norte-americanos deram início ao processo de construção de Índices Sociais (IS) quantitativos, abrangendo aspectos socioeconômicos da vida social com vista a mudanças. Os fatores determinantes foram o processo de modernização, os constantes conflitos sociais e a experiência sindical dos trabalhadores. Na década de 70 a Organização das Nações Unidas (0NU) e seus organismos especializados (OCDE, OMS, UNICEF) aplicaram os indicadores sociais para entender a realidade de diferentes países, mas com o avanço do neoliberalismo na década de 80 a experiência esmoreceu. A partir da década de 90 órgãos da ONU retomaram os estudos e os levantamentos incentivados por cúpulas, acordos, pactos e conferências, como a da Educação para Todos (1990), da Infância (1990); do Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992); dos Direitos Humanos (1993); do Direito da Mulher (1995); de Assentamentos Humanos (1996); da Juventude (1998); da Cúpula do Milênio (2000); do Acordo para Países Menos Desenvolvidos (2001); contra Racismo, Discriminação, Xenofobia (2001). Grande peso teve também o avanço dos Movimentos Sociais, como exemplo o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, que evidenciaram aspectos esquecidos da qualidade de convivência humana (Santagada (2007). Tudo isso resultou, segundo Schrader (2001), no monitoramento de conceitos de bem-estar e qualidade de vida, construção de indicadores de bem-estar e produção de relatórios sociais prospectivos. Índice de Desenvolvimento Humano - IDH - (1990); Índice de Liberdade Humana ILH (1991); ILP – Índice de Liberdade Política (1992); IDS – Índice de Desenvolvimento Ajustado ao Sexo (1995); MPS – Medida de Participação Ajustada ao Sexo (1995); hoje os dois últimos são conhecidos como IDG – Índice de Desenvolvimento por Sexo e IPG - Índice de Poder por Gênero (1997); MPC – Medida de Privação de Capacidade (1996); IPH – Índice de Pobreza Humana (1997). Desde 1990 o PNUD/ONU (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) construiu um instrumento analítico denominado de IDH - 34 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre (Índice de Desenvolvimento Humano), divulgado em seu Relatório do Desenvolvimento Humano (RDH). Esse índice abrange longevidade, educação, renda, reprodução e alimentação, superando, desta maneira, as análises economicistas (PIB, renda per capita...) para dar uma visão abrangente do avanço social da realidade pesquisada. A ditadura de 1964 no Brasil interrompeu o fluxo oriundo dos Movimentos Sociais que buscavam as Reformas de Base e que alterariam diretamente os Indicadores Socais. Somente a partir de 1973, no II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) – apareceu menção ao agravamento da problemática social. Em 1975 foi criada a Secretaria para conduzir a política social e proposta a criação de indicadores sociais, ficando o IBGE encarregado para isso. No Rio Grande do Sul, foram os estudos da Fundação de Economia e Estatística sobre os indicadores sociais, que possibilitaram subsídios a Ministérios e Secretarias Estaduais de outras unidades federativas. Assim, a partir do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, pesquisadores brasileiros propuseram indicadores para a realidade nacional. Como exemplo se pode citar o IDR (Índice de Desenvolvimento Relativo); o INV (Índice de Nível de Vida); o ISMA (Índice Municipal Ampliado condições do domicilio, saneamento, educação, renda, saúde) e o IDESE (Índice de Desenvolvimento Socioeconômico). Com essa definição dos Índices Sociais o Brasil encaminhou as Políticas Públicas tendo como foco os direitos humanos. A Constituição de 1988 e o imigrante A Constituição de 1988 não trata da questão migratória, que é deixada para a legislação ordinária e hoje, ainda sob a ótica do Estatuto do Estrangeiro de 1980. A Carta Constitucional proclama que o Brasil tem como fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º) e que suas relações internacionais são regidas, entre outros princípios, pela prevalência dos direitos humanos (art. 4º, inciso II) e pela concessão de asilo político (art. 4º, inciso X). Refere ainda a Constituição no seu artigo 5º que os brasileiros e os estrangeiros residentes no Brasil têm tratamento igualitário, e lhes são - 35 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre assegurados todos os direitos que a própria Constituição apregoa (Milesi et. al, 2012). Contudo a Constituição de 1988 concedeu à União o direito de legislar sobre a cidadania, com isso o Estado tem o poder de dizer, através de suas leis, quem pode ser cidadão no Brasil e estabelece regras para a aquisição da cidadania. Segundo Lafer (2006), isto significa que, quem perde o acesso à esfera pública perde o acesso à igualdade: tudo isso é para o migrante fonte de insegurança jurídica. Necessidade de políticas públicas Em que pese clareza das disposições constitucionais há um vácuo no processo de integração de migrantes: internos, estrangeiros, refugiados, estudantes internacionais e brasileiros no exterior, pela inexistência ou falta de implementação de políticas públicas. Para essas categorias o poder público permanece, ainda, bastante distante. A prática mais frequente do poder público é delegar à sociedade civil a efetivação da tarefa, abstendo-se de trazer para si o cumprimento desta responsabilidade (Milesi et Carlet, 2012). São inúmeras as áreas em que aquelas categorias sofrem limitações como a saúde, educação, cultura, moradia, capacitação, trabalho e informação. Martins (2009) afirma que desde o início do processo imigratório do século XIX, até os dias atuais, o Brasil simplesmente introduziu o imigrante numa pura relação de trabalho, sem estabelecer ao mesmo tempo uma política de integração que o insira na sociedade. No dizer de Bicudo: São homens e mulheres que devem ser respeitados em virtude de sua dignidade enquanto pessoas, muito além do regime vigente ou do lugar onde residem. Seus direitos não derivam do fato de pertencerem a um Estado ou Nação, mas de sua condição de pessoas, cuja dignidade não pode sofrer variações ao mudar de um país para outro. Neste sentido, o compromisso com a dignidade do estrangeiro passa, necessariamente, por uma legislação que vá além da superação de atitudes xenófobas e discriminatórias. Deve assegurar a proteção dos direitos humanos, sociais, culturais e o respeito à dignidade humana, de modo a garantir acesso ao patamar da cidadania que tão profusamente ocupa nossos espaços verbais e escritos e que tão - 36 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre presente está no debate social, no discurso político e na pesquisa acadêmica (2001). Caminhos para conseguir ou desenvolver políticas públicas Diante do vazio jurídico para incrementar políticas publicas no campo migratório é necessário incentivar na sociedade civil a formação de grupos organizados, mesmo de imigrantes, que façam ouvir seu clamor. É interessante recordar como os brasileiros no Exterior organizaram uma associação altamente criativa com coordenação eficiente, reuniões periódicas e levantamento da realidade vivida pelos emigrantes brasileiros. Na cidade de Porto Alegre estudantes internacionais fundaram uma associação estudantil para: a defesa dos estudantes, promoção de atividades culturais que preservem a identidade e representação junto às autoridades na busca de soluções de seus principais problemas e reivindicar direitos. O Estado do RS, acolhendo a reivindicação de instituições civis juntamente com os protagonistas (imigrantes) criou, em sua Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, um Comitê de Atenção aos Migrantes, Refugiados, Apátridas, Vítimas de Tráfico de Pessoas, Estudantes Internacionais e Marítimos. Há um leque de situações problemáticas que devem ser enfrentadas sob a pressão de grupos da sociedade civil. A anistia prevista no Estatuto do Estrangeiro tem tido poucos resultados reais devido aos custos financeiros, a complicada burocracia para obter inicialmente os documentos e para mais tarde confirmá-los. Na questão saúde há uma demanda que afeta refugiados, migrantes, estudantes internacionais em razão da carência nos serviços públicos, abrangendo a saúde psicossocial, a prevenção, a detecção e tratamento de doenças infecciosas, bem como políticas e programas de combate à proliferação do HIV/AIDS e de atenção às vítimas de tráfico de pessoas. É necessário ampliação de Programas de Saúde para atendimento a essas categorias com identificação de hospitais de referência e universidades públicas para atendimento odontológico. De outra parte é fundamental estimular acordos junto às Secretarias de Saúde (Estadual e/ou Municipal) para políticas de saúde de atendimento em regiões, especialmente com - 37 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre significativa presença de imigrantes e refugiados. No que se refere ao trabalho é preciso criar vagas e qualificação profissional para refugiados e imigrantes com visto humanitário (caso dos haitianos, sírios, senegaleses), cursos de português, além de mecanismos de avaliação que comprovem experiências profissionais anteriores. Dentro do processo da educação é necessário ampliar o número de vagas para crianças; disponibilizar um percentual de bolsas escolares (escolas particulares) para refugiados e migrantes, especialmente os com visto humanitário; realizar acordos entre Ministério da Educação e Universidades Públicas para oferta de vagas para inclusão destes no PROUNI e finalmente criar mecanismos de revalidação de diplomas e documentos universitários com períodos de capacitação. Na seguridade falta acesso igualitário como aos nacionais, que atenda refugiados, imigrantes com visto humanitário e pessoas em situação de vulnerabilidade nos programas e benefícios do Sistema Único de Assistência Social e na Política Nacional de Assistência Social, criando mecanismos que possibilitem a essas categorias denunciar casos de exploração no trabalho ou discriminação. Milesi (2012) tem uma posição crítica sobre a questão ao afirmar que, embora a importância destas disposições, essencialmente no que se refere à implementação de políticas públicas para migrantes e refugiados ou ao acesso destes às já existentes, o Poder Público permanece ainda bastante distante, quando não omisso, delegando à sociedade civil a efetivação desta tarefa e abstendo-se de trazer para si o cumprimento desta responsabilidade. O exemplo mais recente dessa postura do poder público foi com o episódio do ingresso dos haitianos a partir de 2010. Foram as instituições civis, especialmente Congregações Religiosas, que realizaram o serviço de acolhida, alojamento, apoio na regularização da documentação e busca de postos de trabalho junto as empresas nacionais, com um número expressivo para o RS e grande Porto Alegre. O grande desafio do imigrante é conseguir superar a “fronteira da documentação”, nem sempre fácil. A melhor estratégia seria criação de grupos pelos próprios brasileiros que lutem com os imigrantes para a mudança do Estatuto do Estrangeiro. - 38 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre Consequências na ausência de políticas públicas Quando falta uma política pública, o setor esquecido fica não somente com carência, mas se torna perturbador do conjunto social. Olhando para migração interna e lembrando os protestos juvenis do mês de junho e julho de 2013, parece que há uma relação desses com a falta de intervenções governamentais para atender tantas famílias que emigraram para as periferias das cidades e não conseguiram dar educação adequada para que os filhos pudessem ter trabalho digno. A partir das frequentes notícias de trabalho escravo com estrangeiros, especialmente em São Paulo, percebe-se uma relação entre a exploração laboral e a situação irregular do imigrante, bem como a carência de uma política pública específica para os mesmos. Com o crescimento recente de estudantes internacionais, de imigrantes haitianos, senegaleses e outros grupos de imigrantes que têm chegado ao Brasil constata-se a precariedade e ou inexistência de programas de moradia, cursos de português, de capacitação e preparação no papel de mediação de servidores públicos. - 39 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre 3ª. Parte Fronteiras A Barreira da Documentação Os Mediadores IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre 1 A BARREIRA DA DOCUMENTAÇÃO A regulamentação do grupo social Impossível viver sem normas regulamentadoras da vida pessoal e coletiva. Se as normas éticas têm raízes na consciência da pessoa e lhe permite a identidade criadora de humanidade, as normas jurídicas fundamentam a convivência social, limitando a liberdade dos indivíduos em vista do bem comum. Toda vida social precisa ser regulamentada, também a presença de estrangeiros no território brasileiro. Mas uma lei não deve ser fundamentada pela arbitrariedade e interesse, mas pela racionalidade. O Estatuto do Estrangeiro (Lei nº . 6.815/80) Embora o Brasil seja uma Nação formada por pessoas de inúmeras nacionalidades, fruto de várias correntes imigratórias, gerando uma miscigenação que ostenta um tradicional conceito de acolhimento ao imigrante, a partir de 1969 o Decreto-Lei nº 941, depois em 1980, a sua transformação em Lei nº Lei 6.815/80, conhecida como o Estatuto do Estrangeiro, enquadra a imigração no conceito da ideologia de segurança nacional. A questão migratória passou a ser disciplinada por legislação ordinária criando obstáculos para a entrada de imigrantes o que tem estimulado a entrada irregular em território brasileiro. Para Echeverry (2012) o Estatuto foi criado durante o governo ditatorial brasileiro, e permanece quase inalterado, embora algumas normativas do Conselho Nacional de Imigração foram introduzidas recentemente, refletindo a preocupação do governo brasileiro em incorporar normas internacionais que o Brasil é signatário e que referem à observância dos direitos humanos para imigrantes. Originalmente, o estatuto foi criado a partir da perspectiva de salvaguardar a segurança nacional numa época em que restringir o trânsito de pessoas era imprescindível para manter a população sob o controle do Estado, tanto por parte do Estado brasileiro quanto por parte dos outros Estados latino-americanos regidos por ditaduras militares (Echeverry, - 43 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre 2012). O Estatuto adotou a concepção filosófica da segurança nacional que vê o estrangeiro como um potencial subversivo, adota a política de controle, com relativa abertura para a mão de obra qualificada. Apesar da Constituição de 1988 transpirar um clima de direitos humanos, estendido ao imigrante, o avanço da lei ordinária, das políticas e programas está sendo lento e penoso. O encontro com a burocracia Esta evidência oposta entre o Estatuto do Estrangeiro e a Constituição Federal de 1988 tem dificultado (Bonassi, 2000) o trabalho de inúmeras instituições com a missão do acolhimento, assessoria e apoio na integração de imigrantes à comunidade de destino, no caso Porto Alegre. Elas têm enfrentado situações-problemas sem aparentes alternativas, sejam gerados pela estrutura legal-burocrática pública ou por falta de informações e conhecimento das pessoas envolvidas nesse serviço em relação a trâmites burocráticos, políticas e normas de gestores públicos nas diversas dimensões que dão acesso aos direitos civis a indivíduos em mobilidade. Facilmente opta-se em partir para justificativas genéricas ou ficar na postura da omissão. Com frequência gestores de instituições e órgãos públicos geram, muitas vezes, informações contraditórias por não terem conhecimento das normas, como por exemplo, exigir do migrante comprovação de voto para confecção da Carteira de Trabalho, quando o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80) e a própria Constituição Federal negam o exercício do voto; Companhias Aéreas impedem o embarque se o estrangeiro estiver apenas com o protocolo, documento de confecção ou renovação de sua identidade emitida pela Polícia Federal e reconhecido por esta como documento válido seguindo os Acordos Bilaterais e Regionais como o MERCOSUL; essa mesma dificuldade o imigrante enfrenta na abertura de uma conta bancária; na confecção da carteira de Saúde do SUS em razão de não ter residência fixa ou porque é portador apenas do protocolo. Visto e Passaporte Para entrar no Brasil, além de documentos pessoais próprios de qualquer cidadão, o estrangeiro deve apresentar o Visto, que é o instrumento obtido junto à repartição consular do Brasil no exterior ou na fronteira, salvo quando prevista a dispensa por reciprocidade de tratamento ou acordo; o - 44 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre Passaporte, expedido pela autoridade competente do país de origem, que permite ao portador sair do seu território e a ele retornar. No caso dos nascidos em países Membros e Associados do MERCOSUL e países com Acordos Bilaterais vale também a Cédula de Identidade. Os vistos e o Estatuto do Estrangeiro No Brasil, vigoram sete tipos de visto para a entrada de estrangeiros: I de trânsito; II - de turista; III - temporário; IV - permanente; V - de cortesia; VI - oficial; e VII – diplomático. O Estatuto do Estrangeiro dificulta a transformação de um tipo de visto em outro, ou seja, alguém estando em território brasileiro com visto de turista, não consegue pleitear um visto de permanência e nem de estudante. Para Echeverry (2012) isto joga à ilegalidade aqueles que vêm ao Brasil com intenção de fixar residência e é expressamente vedado ao portador do visto de turista exercer quaisquer atividades geradoras de renda e de estudo. Se o estrangeiro permanecer no país um dia a mais do que o estipulado no visto, estará sujeito a multa. O livre arbítrio autoritário No Diário Oficial da União de 2012 o Ministério da Justiça expõe claramente a posição autoritária da Lei 6.815/80 que reforça o arbítrio do Departamento de Estrangeiros do Ministério e ao escalão executor da Polícia Federal : O visto de Turista destina-se à viagem de caráter recreativo ou de visita, sem finalidade imigratória, sendo, por conseguinte, vedado o exercício de atividade remunerada. Proporciona este visto múltiplas entradas, com estadas não excedentes a noventa dias, prorrogáveis por mais noventa dias, desde que, no período de 12 meses, não exceda o máximo de cento e oitenta dias. A prorrogação do visto de turista deverá ser solicitada dentro do prazo de permanência, junto à Polícia Federal, podendo ser reduzida ou cancelada, a critério do Ministério da Justiça, sendo vedada a transformação em permanente. Tanto na prorrogação como na transformação do visto para permanente, o pedido deverá ser formulado dentro do prazo de estada concedido, vez que o artigo 38, - 45 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre da Lei nº 6.815/80, veda a legalização da estada do estrangeiro clandestino ou irregular, hipótese em que este deverá deixar o território nacional e solicitar novo visto no exterior. Compete, ainda ao Departamento, decidir os pedidos de prorrogação de estada para os estrangeiros portadores de vistos temporários em viagem cultural ou missão de estudos, bem como os pedidos de transformação em permanente, quando for o caso. Já para o caso de vistos temporários de turistas em viagem de negócios ou na condição de artista ou desportista, a competência é da Polícia Federal. O visto de turista possui validade de até cinco anos, fixados dentro de critérios de reciprocidade. Vistos Temporários São enquadradas com vistos temporários pessoas que entram: I - em viagem cultural ou em missão de estudos; II - em viagem de negócios; III - na condição de artista ou desportista; IV - na condição de estudante; V - na condição de cientista, professor, técnico ou profissional de outra categoria, sob regime de contrato ou a serviço do Governo brasileiro; VI - na condição de correspondente de jornal, revista, rádio, televisão ou agência noticiosa estrangeira; VII- na condição de ministro de confissão religiosa ou membro de instituto de vida consagrada e de congregação ou ordem religiosa. Tanto na prorrogação como na transformação dos vistos temporários em permanentes, segue-se o previsto no artigo 38 da Lei no. 6.815/80, devendo o pedido ser formulado dentro do prazo. Compete ao Departamento de Estrangeiros da Secretaria Nacional da Justiça decidir os pedidos de prorrogação de estada para os estrangeiros portadores de vistos temporários. Quem pode radicar-se no Brasil O estrangeiro que vem com a intenção de fixar residência necessita da concessão de residência, que é concedida pelo Brasil. Aqui se dá início a um - 46 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre processo moroso, centralizador e pouco transparente. Inibe ações inventivas do usuário do protocolo que o órgão responsável emite (Departamento de Estrangeiros da Polícia Federal). O pedido de residência pode ser provisório, temporário ou permanente. Nessa solicitação o estrangeiro recebe um Protocolo que lhe dá alguns direitos como: permanecer legalmente no país, o direito de ir e vir internamente, de conseguir o CPF. Dificulta, porém, conseguir trabalho regularizado, viajar, tirar a carteira de motorista e outros direitos básicos da cidadania. Normalmente o prazo de aprovação do pedido constante no protocolo se prolonga por dois anos. O Estatuto do Estrangeiro de 1980 prevê limitadíssimas possibilidades de um imigrante de outro país radicar-se no Brasil: 1º - Ter cônjuge (parceiro/a) brasileiro ou prole brasileira. 2º - Entrar no Brasil já com contrato de trabalho oferecido por empresa (pessoa jurídica) com sede no Brasil. 3º - Reunião familiar trazendo pais e irmãos menores dos que já possuem o visto permanente. 4º - Enquadrar-se na figura de Visto Humanitário (Resolução 97/2010), obtendo, assim, a permanência no país; o imigrante que estiver em situação de vulnerabilidade: vítima do crime de tráfico de pessoas; os refugiados contemplados na Lei 9.474/97. 5º - Casos especiais e ou omissos, como no caso de situação grave de saúde; imigrante cônjuge de brasileiro/a cadeirante, entre outros. Outros casos de vistos para pessoas residirem no Brasil: 6º - Ser aposentado com renda de, no mínimo, U$ 2 mil dólares americanos ao mês. 7º - Fazer investimento de U$ 50 mil dólares norte-americanos com recursos oriundos legalmente do país de origem em área que beneficie o social (que gerem no mínimo 10 empregos). 8º - Outros investimentos previstos em lei ou em normatizações do CNIg. 9º - Por Lei de Anistia, prevista no Estatuto do Estrangeiro. - 47 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre Hoje, também, cidadãos de outros países podem radicar-se no Brasil através de Acordos. Exemplo o Acordo de Residência do MERCOSUL. Fica evidente que a legislação com base no Estatuto do Estrangeiro de 1980 e as normativas de outros órgãos competentes privilegiam os imigrantes com capacidade profissional, investidores com recursos financeiros, pessoas físicas com renda mensal significativa, criando discriminação e obstáculos às demais categorias de imigrantes. Estudos recentes feitos por Zamberlam (2012) sinalizam a presença de centenas de imigrantes que sobrevivem em Porto Alegre e na região metropolitana na economia informal, como diaristas, vendedores ambulantes, domésticos, biscateiros e trabalhadores temporários, entre outros, em razão da dificuldade em pagar multas e taxas para regularizar sua situação documental. Residência Provisória A residência provisória é concedida em casos de anistia e de acordos internacionais em que o Brasil e o país de origem do imigrante sejam signatários, e tem o prazo de, em média, dois anos, como é o caso do Acordo de Residência para Nacionais dos Estados Partes e Associados do MERCOSUL, em vigor para o Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Chile, Peru, Colômbia e brevemente a Venezuela e o Equador (SNJ/MJ, 2013). Residência Permanente ou Permanência Definitiva A residência permanente ou permanência definitiva é concedida aos imigrantes que possuem filhos brasileiros, são casados ou convivem em união estável (Resolução Normativa, 77/2008) com cidadão brasileiro ou com outro estrangeiro com permanência no País. Aguiar (2012) aponta que quando a permanência for autorizada ao amparo de filho brasileiro, é preciso que o imigrante comprove que mantém seus filhos sob sua guarda e dependência econômica, social e moral. No caso de permanência com base em casamento, deve haver a união civil e de fato, devendo o pedido ser encaminhado a uma unidade do Departamento da Polícia Federal onde será analisado e deferido ou indeferido pelo Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça. - 48 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre Para conseguir residência permanente por união estável, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família, independe se o imigrante for solteiro, viúvo ou legalmente separado. O pedido deve ser protocolado junto ao Departamento da Polícia Federal ou do Ministério do Trabalho e Emprego que o encaminha ao Conselho Nacional de Imigração, sendo, em qualquer hipótese, analisado pelo CNIg – Conselho Nacional de Imigração. Podem também ter a permanência definitiva os imigrantes que são dependentes de brasileiro ou estrangeiro titular de residência permanente. São considerados dependentes legais: 1 - Filhos solteiros, menores de 21 anos, ou maiores incapazes de prover o próprio sustento, ou até os 24 anos quando estudantes. 2 - Ascendentes, desde que haja necessidade efetiva de amparo pelo brasileiro ou estrangeiro permanente. 3 - Irmão, neto ou bisneto que são órfãos, solteiros e menores de 21 anos, ou de qualquer idade, quando incapazes a prover o próprio sustento, sendo estudante até os 24 anos. Autorização de Trabalho A autorização de trabalho, para obtenção de visto temporário (que pode ser transformado em permanência) ocorre (Aguiar, 2012) da seguinte forma: compete à empresa, que pretende trazer ao Brasil um trabalhador de outra nacionalidade, providenciar, através do Consulado brasileiro no país de origem, autorização junto à Coordenação Geral de Imigração do Ministério do Trabalho e Emprego, conforme Formulário de Requerimento de Autorização de Trabalho e diversos documentos, entre os quais o contrato de trabalho devidamente assinado pela empresa e pelo trabalhador, carta de referência, escolaridade mínima de 9 anos, experiência profissional de no mínimo um ano, quando nível superior, três anos de experiência no exercício de profissão, cuja atividade artística ou cultural independe de formação escolar. Naturalização A Constituição Federal prevê, no artigo 12, inciso I, a aquisição originária da nacionalidade brasileira, aos filhos de brasileiros nascidos no - 49 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre exterior e, no inciso II, a naturalização de imigrantes de outras nacionalidades. O Acordo de residência do MERCOSUL No processo de integração sul-americana é importante detalhar o Acordo de Residência do MERCOSUL que facilita o visto temporário e permanente dos cidadãos dos Estados signatários (Milesi, 2012). O presidente da República do Brasil promulgou, em 29 de setembro e 07 de outubro de 2009, os Decretos nº 6.964 e 6.975, que instituem o Acordo de Residência para nacionais dos Estados Partes e Estados Associados do MERCOSUL, flexibilizando os procedimentos de regularização dos imigrantes desses países interessados em residir no Brasil. Consoante os termos do Acordo, todos os nacionais brasileiros, argentinos, paraguaios, uruguaios, bolivianos, e chilenos poderão estabelecer residência em quaisquer dos Estados signatários, independentemente de estarem em situação migratória regular ou irregular, inclusive isentando estes últimos de multas ou outras sanções administrativas. Recentemente aderiram ao Acordo a Colômbia e o Peru, estando em fase final o processo da Venezuela e Equador. Os estrangeiros no Brasil beneficiados pelo Acordo ou nossos nacionais nesses países possuem igualdade de direitos civis no país de recepção. Deveres e responsabilidades trabalhistas e previdenciárias são, também, resguardadas, além do direito de transferir recursos, direito de nome, registro e nacionalidade aos filhos desses imigrantes. É necessário recordar que para efeito da Previdência Social (aposentadoria), o imigrante radicado no Brasil não segue o Acordo do MERCOSUL, mas o Acordo Internacional de Direitos Previdenciários, assinado em 12 de abril de 2007, onde são signatários: Brasil, Argentina, Cabo Verde, Chile, Espanha, Grécia, Itália, Luxemburgo, Paraguai, Portugal e Uruguai. No Brasil, para a obtenção da residência temporária de dois anos o cidadão, de qualquer dos demais Estados signatários do Acordo do MERCOSUL, poderá ir a qualquer delegacia da Polícia Federal e apresentar, além do requerimento, os seguintes documentos: - 50 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre a) passaporte ou documento de identidade válido, acompanhado de cópia; b) certidão de nascimento, casamento ou de naturalização, se for o caso; c) certidão negativa de antecedentes criminais emitida pelo país de origem ou dos países em que houver residido nos últimos cinco anos; d) declaração, sob as penas da lei, de ausência de antecedentes penais ou policiais; e) atestado de antecedentes criminais do país de residência, servindo para tal fim o expedido pelo site www.dpf.gov.br; f) comprovante original do pagamento da taxa de Expedição de Carteira de Identidade de Estrangeiro – CIE, no valor de R$ 124,23 (cento e vinte e quatro reais e vinte e três centavos), a ser recolhida por meio de GRU – Guia de Recolhimento da União, Código 140120, extraída do site www.dpf.gov.br; g) comprovante original do pagamento da taxa de Registro no valor de R$ 64,58 (sessenta e quatro reais e cinquenta e oito centavos), a ser recolhida por meio de GRU, Código 140082, igualmente extraída do site www.dpf.gov.br. No prazo dos 90 dias, antes de expirar o tempo de residência temporária, o estrangeiro poderá solicitar a permanência definitiva no país (não solicitando a transformação da permanência temporária em permanente, o imigrante perde os direitos conquistados, devendo recomeçar todo o processo ou sair do país), apresentando requerimento em formulário próprio acompanhado da seguinte documentação: a) Carteira de Identidade de Estrangeiros (CIE) ou original do Protocolo de pedido de Registro que comprove já ter sido beneficiado pelo Acordo. b) Passaporte válido e vigente ou carteira de identidade ou certificado de nacionalidade expedido pelo agente consular do país de origem. c) Certidão negativa de antecedentes judiciais e/ou penais e/ou policiais, que pode ser extraída do sítio eletrônico da Polícia Federal (www.dpf.gov.br), ou declaração sob as penas da lei que o peticionante não responde a inquérito policial ou processo criminal - 51 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre ou foi condenado criminalmente. d) Comprovação de que tem condições, por meios de vida lícitos, de subsistência do peticionante e de seu grupo familiar de convívio. Nota: Inúmeros são os casos em que o imigrante por não ter vínculo empregatício ou empresa própria não consegue comprovar a geração de suas receitas, daí perde o direito de solicitar a permanência. e) Comprovante original do pagamento de taxa relativa à transformação de temporário para permanente CIE, no valor correspondente de R$ 102,00 (cento e dois reais), cuja Guia de Recolhimento da União (GRU), Código 140074, poderá ser extraída do sítio eletrônico da Polícia Federal (www.dpf.gov.br). É importante destacar alguns aspectos favoráveis oriundos de Acordos Multilaterais e bilaterais, como: a) Imigrante oriundo de país signatário de Acordo, como o de Residência do MERCOSUL, não paga outras taxas ou valores além dos previstos em lei, e não é necessária a intermediação para que o processo se realize. b) Estudantes internacionais oriundo de países de língua portuguesa também não pagam taxas, conforme acordo recente assinado pelo Brasil e os países de Língua Portuguesa. c) Estudantes estrangeiros matriculados em faculdades em todo o Brasil não precisarão mais renovar seus vistos temporários, como previsto no artigo 13, inciso IV da Lei 6.815/80. Eles apenas deverão comprovar anualmente sua matrícula na instituição de ensino e seu aproveitamento escolar, não necessitando passar pelos trâmites exaustivos da Polícia Federal, conforme normatização recente do Ministério da Justiça. Regularização com base em anistia Situações aparentemente contraditórias marcam a relação Estado e Migração. Se, por um lado, os Estados buscam sustentar suas posições de controlar o movimento imigratório, por outro, a realidade migratória, a necessidade de mão de obra, a pressão da sociedade, os movimentos organizados e as entidades de apoio ao migrante provocam os Governos a - 52 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre efetuarem regularizações, sobre diferentes formas ou alternativas, a favor desta população, entre elas a declaração de Anistia (Milesi, 2012). A rigidez do Estatuto do Estrangeiro teve a preocupação de distinguir a entrada ou estada irregular do estrangeiro no Brasil. Considera em situação irregular o estrangeiro que, tendo entrado legalmente no país, nele permaneceu por período superior ao concedido no “Visto de entrada” (art. 125, inciso II da Lei n. 6.815/80). E considera clandestino o estrangeiro que tenha entrado no país sem a autorização dos órgãos competentes, passando despercebido pela fiscalização de fronteira (art. 125, inciso I da Lei n. 6.815/80). O artigo 125 considera infração a estada irregular de estrangeiros no Brasil, sob pena de deportação para o caso de clandestinidade e, para o caso de permanência além do período autorizado, prevê autuação, aplicação de multa e posterior deportação caso o estrangeiro não se retire do país no prazo que lhe é fixado. Buscando superar circunstâncias como as acima citadas, o Brasil adotou, em várias oportunidades, o sistema de regularizações migratórias. A Regularização permite ao estrangeiro em situação de clandestinidade ou indocumentado requerer residência provisória com isenção2 das penalidades decorrentes de sua situação de estada irregular no País. No Brasil, a partir da Lei 6.815/80, já se efetivaram regularizações de estrangeiros em quatro oportunidades - em 1981, em 1988 e em 1998 e 2009. Estas medidas humanitárias favoreceram a regularização migratória dos estrangeiros que se encontravam irregularmente no Brasil. Portarias e Resoluções O Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80) criou órgãos específicos para operacionalizar as políticas migratórias, entre eles o Conselho Nacional de Imigração (CNIg), vinculado ao Ministério do Trabalho que tem entre outras finalidades: a) Formular políticas de imigração; b) Efetuar levantamentos periódicos das necessidades de mão de obra qualificada estrangeira para admissão permanente ou temporária; 2 Esta circunstância de perdão ou anistia das penalidades cabíveis no caso, ensejou a denominação às regularizações procedidas no Brasil de “Anistia”. Assim, as diversas Leis que possibilitaram regularizações no Brasil, são frequentemente identificadas como “Leis de Anistia”. - 53 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre c) Estabelecer normas e resoluções; d) Dirimir dúvidas e equacionar casos omissos; e) Opinar sobre alterações da legislação relativa à imigração. A Lei nº 9.474/97, que disciplinou a política de refúgio, criou o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE). Esse comitê é um órgão colegiado, vinculado ao Ministério da Justiça, que reúne segmentos representativos da área governamental, da Sociedade Civil e das Nações Unidas, e que tem por finalidade: a) analisar o pedido sobre o reconhecimento da condição de refugiado; b) deliberar quanto à cessação “ex officio” ou mediante requerimento das autoridades competentes, da condição de refugiado; c) declarar a perda da condição de refugiado; d) orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência, integração local e apoio jurídico aos refugiados, com a participação dos Ministérios e instituições que compõem o Conare; e) aprovar instruções normativas que possibilitem a execução da Lei nº 9.474/97. Todos esses órgãos diante de problemas circunstanciais produzem instruções normativas de pleno valor legal. O material produzido se de um lado resolve problemas, de outro lado dificulta o serviço de ajuda a migrantes. Faz-se necessário que todo esse campo seja desburocratizado evitando perda de tempo e inúteis despesas ao imigrante. O desafio da inovação Percebe-se no detalhamento apresentado que o Brasil ao invés de inovar e simplificar a lei migratória opta por permanecer com a estrutura jurídica arcaica e trilha por caminhos alternativos, como: acordos bilaterais, de blocos de países, anistias, Portarias e Resoluções que equacionam problemas circunstanciais de mão de obra qualificada ou Vistos Humanitários frente a problemas externos. Uma nova Lei de Migrações, mais abrangente e condizente com a realidade migratória em sentido amplo, é o melhor instrumento e continua sendo o grande pleito que a sociedade demanda. - 54 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre Em discurso na ONU, dia 3 de outubro de 2013, o representante brasileiro, Paulo Abrão, assim se manifestou sobre a necessidade de nova política migratória brasileira: O Estado brasileiro passa hoje por um período de reflexão em torno de três desafios postos pela migração e por um novo conceito de desenvolvimento. O primeiro desafio é a atualização das leis nacionais da imigração, a internalização dos tratados e acordos internacionais, bem como a harmonização das normas administrativas para criar uma cultura jurídica e política de não discriminação, proteção efetiva dos direitos e prevenção de suas violações. O segundo desafio está relacionado com a definição de uma coordenação entre as instituições voltadas para as migrações e entre níveis de Governo: federal, regional e local. Abrange também a definição de um campo de competências institucionais, tendo em vista a integração dos imigrantes em todos os aspectos: econômico, social, cultural e produtivo. Este desafio aponta o compromisso de acolher grupos de imigrantes de modo inclusivo e não incriminador, criando cuidados específicos para crianças, mulheres e no que diz respeito à identidade sexual, diversidade e gênero. O terceiro é o desafio de estabelecer um compromisso de escuta, de participação e controle social dos processos de formulação e atualização das políticas e programas para grupos e populações migrantes que vivem no Brasil. É uma extensão natural na perspectiva da construção de políticas públicas baseadas na transparência, abertura e colaboração social. Isto também significa inverter o paradigma de gestão da migração com controle da população, passando para a centralidade da participação cidadã com a voz e a autonomia da pessoa que migra. O significado da documentação Echeverry (2012) entende que a posse de documentos não apenas permite aos estrangeiros direito semelhantes aos cidadãos brasileiros que lhe possibilita pensar no acesso a direitos como trabalho, moradia, saúde e estudo, mas traz também à tona aspectos da vida dos sujeitos relativos à percepção de si mesmos e da sociedade, à manutenção e reinvenção de - 55 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre antigas lealdades bem como a criação de novos laços de solidariedade. Nas inúmeras entrevistas conduzidas pelo referido autor ele constata que a posse da documentação gera a possibilidade de o imigrante tecer avaliações de seu estar no mundo que tem a ver com o “estar cá” e o “ser de lá” ou o “estar lá” simultaneamente. Coloca em foco a Teoria da Territorialidade (Zamberlam, 2012): antes de partir o imigrante estava inserido num contexto de territorialidade; imigrando ele perdeu o espaço, as relações, os costumes, pois se desterritorializou; no país que o acolhe ele busca a reterritorialização, cujo primeiro passo é a documentação fornecida pelo país que o acolhe, o que lhe possibilitará a reorganização de seu novo espaço territorial e lutar por uma vida melhor. Nessa teoria as pessoas (nacional e estrangeiro) se organizam segundo territórios que os delimitam e os articulam (...). O território pode ser relativo tanto a um espaço vivido quanto a um sistema percebido, no seio do qual um sujeito se sente em casa. O território é sinônimo de apropriação, de subjetivação fechada sobre si mesma. Ele é o conjunto de projetos e representações nos quais vai desembocar, pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de práticas, de expressões materiais e simbólicas, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos e cognitivos (Guattari & Rolink 1986). - 56 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre 2 OS MEDIADORES Papel O estudo feito por Echeverry (2007) destaca o papel fundamental dos mediadores, isto é, de entidades a serviço dos migrantes internacionais, como o CIBAI Migrações, Centro de Atendimento ao Migrante (CAM), Associação Antônio Vieira (ASAV), Centro de Orientação ao Migrante (COMIG), Grupo de Assessoria a Imigrantes e Refugiados (GAIRE/UFRGS), Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU/UFRGS), entre outros, nas negociações burocráticas do estrangeiro recém-chegado e os Órgãos Nacionais. Mais do que ajudar na obtenção de documentos e de posicionar-se em favor da conquista de uma legislação que favoreça as condições de vida dos estrangeiros no Brasil, essas entidades ajudam na mediação de significados, tentando aproximar a burocracia e as instituições/órgãos nacionais de uma abordagem mais humanitária da questão migratória. O referido autor conclui dizendo: O processo de obtenção de documentos nacionais configura-se como um espaço de negociação de significados com os diferentes atores sociais em diversos tipos de situações. Ele é um aspecto central na vida dos sujeitos que migram, por estar em jogo nele aspectos da vida dos sujeitos que extrapolam o âmbito da burocracia formal por ser impregnados dos valores que permeiam o cotidiano das pessoas, estrangeiros e nacionais. Ouvindo as historias de vida de imigrantes pesquisados, percebe-se que não há uma ordem burocrática única e válida igualmente para todos, porque ela estará sempre atravessada pela experiência individual e coletiva no que diz respeito à valorização e negociação de identidades, de ambos os lados da barreira que separa os agentes e os usuários da burocracia. Relações de classe, gênero, cor, religião, profissão, partido político permeiam as negociações dessas identidades sobre os documentos, tanto no âmbito burocrático quanto no dos significados a ela adjudicados pelos diferentes atores. - 57 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre As histórias dos depoentes nos fazem pensar sobre as repercussões e os distintos valores e significados adjudicados ao mundo dos documentos, as possibilidades de que o direito de estar documentado não é um dado inquestionável e os novos questionamentos que terão de equacionar (Echeverry, 2012). Articulação de redes Há dois anos novas instâncias surgiram na grande Porto Alegre que passaram a ter um papel significativo para instituições civis a serviço de pessoas em mobilidade: o Fórum Permanente da Mobilidade Humana (FPMH/RS) e o Comitê de Atenção a Migrantes, Refugiados, Apátridas, Vítimas de Tráfico de Pessoas, e Estudantes Internacionais e Marítimos (COMIRAT/RS). Fórum Permanente da Mobilidade Humana/FPMH/RS Em abril de 2012 o CIBAI Migrações3, percebendo a importância de discutir o crescente fenômeno imigratório em Porto Alegre, região metropolitana e rio-grandense, convidou entidades voltadas para a mobilidade humana, órgãos públicos, instituições acadêmicas e representantes de imigrantes com o objetivo de realizar um Seminário. Já no primeiro encontro o grupo reunido decidiu não apenas realizar o evento como criar um Fórum Permanente com o foco na defesa dos direitos das pessoas em mobilidade e em situação de vulnerabilidade social e comunitária. Em inúmeros Estados federativos brasileiros há uma conjugação por novos esforços na retomada de Fóruns Permanentes da Mobilidade Humana, articulados, agora, a Setores do Poder Público, às Redes de Proteção Solidárias para pressionar o legislador a mudar a lei e reivindicar Políticas e Programas concretos. Os Fóruns são novos atores sociais, cujo objetivo final não é um processo de manutenção desses atores, mas a luta pelo RECONHECIMENTO da 3É uma entidade que surgiu na década de 1950 para acolher imigrantes deslocados e refugiados da 2ª. Guerra Mundial. Findo o fluxo, passou a dedicar-se aos italianos e, posteriormente, aos imigrantes latinos hispanos, orientais e africanos. Nas últimas décadas ampliou seu serviço para os estudantes internacionais. - 58 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre DIGNIDADE e os DIREITOS das pessoas em MOBILIDADE, pois, como afirma Milesi (2012) toda pessoa é portadora de uma 'cidadania universal', configurada no conjunto de direitos inerentes à condição de ser humano e nenhum Estado tem o direito de ignorar, violar ou subestimar essa condição. Motivadas por essas concepções as instituições a seguir deram o primeiro passo: UNIVERSIDADES: NACI/UFRGS; GAIRE/UFRGS; GP Mídia, Cultura e Cidadania da UNISINOS/; Centro Universitário Metodista (IPA); PUC/RS; Relações Internacionais da UNILASALLE/. ÓRGÃOS PÚBLICOS: Coordenação de Direitos Humanos e Cidadania/Secretaria de Justiça e Direitos Humanos/RS; Assessoria de Cooperação de Relações Internacionais (ACRI/RS); Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa /RS (CCDH/A.L.); Ministério Público Estadual (CAODH); Núcleo Enfrentamento Tráfico de Pessoas da Secretaria de Segurança Pública/RS. ENTIDADES CIVIS: Associação Antonio Vieira (ASAV); Centro de Orientação aos Migrantes (COMIG); Centro Ítalo Brasileiro de Orientação aos imigrantes (CIBAI Migrações); Setor de Mobilidade Humana (CNBB); Cáritas Arquidiocesana; Instituto de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais de Porto Alegre (IDHESCA), DST/AID; Zapata Filmes; Fundação Sigmund Freud, Rede: um Grito pela Vida. IMIGRANTES: de diversas nacionalidades. Nessa curta caminhada foi sendo construído o objetivo de fomentar e ampliar a rede de reflexão, sensibilização, atendimento, assistência, orientação e elaboração de conhecimentos, políticas públicas e programas concretos para a defesa dos direitos em processo de mobilidade: migrantes, refugiados, vítimas de tráfico de pessoas, apátridas, estudantes internacionais e marítimos. Em nível de organização o Fórum é composto por duas instâncias: Plenária e Coordenação Colegiada. A Plenária, instância máxima de decisão é composta por todos os membros credenciados, e suas principais atribuições - 59 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre são: elaborar Carta de Princípios, Regimento Interno e linhas de ação; aprovar Plano de Trabalho; eleger a Coordenação Colegiada; criar Grupos de Trabalho necessários ao atingimento dos objetivos; propor a implementação de ações e políticas públicas junto ao COMIRAT; aprovar o credenciamento de novos participantes; modificar e ou extinguir a Carta de Princípios, Regimento e o próprio Fórum. A instância de Coordenação Colegiada é constituída por três pessoas e dois suplentes sendo de entidade civil, acadêmica, de pessoa em mobilidade, de órgão público, tendo as seguintes atribuições: convocar reuniões periódicas e extraordinárias do Fórum; relatar reuniões, sistematizar e socializar documentos coletivos resultado de audiências, seminários, pesquisas; operacionalizar oficinas, seminários, grupos de trabalho, audiências, visitas de campo; representar o Fórum junto a Rede de entidades, da mídia, de Órgãos Públicos; ampliar as parcerias, buscando recursos quando necessário para realização das atividades do Fórum; acompanhar, estimular e subsidiar quando necessários aos GTs; estimular avaliações periódicas; elaborar Plano de Trabalho a ser aprovado pela Assembleia Geral O FPMH constituiu-se como uma rede aberta, receptiva a novas participações que compactuam com a Carta de Princípios. Participam desta Rede entidades e órgãos comprometidos com os problemas enfrentados por pessoas em mobilidade, especialmente em situação de vulnerabilidade; os sujeitos em mobilidade humana; convidados que contribuam com reflexões sobre os temas afins. - 60 - IMIGRANTE IMIGRANTE - A-Fronteira A Fronteira dada Documentação Documentaçãoe eoo Difícil DifícilAcesso Acessoàs àsPolíticas Políticas Públicas Públicas em em Porto Alegre Carta de Princípios do Fórum O Fórum Permanente de Mobilidade Humana, Movimento do Rio Grande do Sul - FPMH/RS, é uma articulação de entidades da Sociedade Civil, órgãos do Poder Público, instituições acadêmicas e pessoas em mobilidade humana, que se caracteriza como um espaço dialogal, democrático, fraterno, de intercâmbio e troca de experiências, comprometido com as pessoas em mobilidade: migrantes, refugiados, vítimas de tráfico de pessoas, apátridas, estudantes internacionais e marítimos, especialmente as que se encontram em situação de vulnerabilidade social e comunitária. Tendo como finalidade inserir-se na construção de um Brasil “livre, justo e solidário”, capaz de acolher indivíduos como sujeitos de direitos, protagonistas de sua vida e história, simplesmente por serem pessoas humanas constituídas de dignidade e cidadania, assume como princípios fundamentais: Respeito à diversidade; Cooperação solidária com os protagonistas; Participação; Ação dialogal interinstitucional; o legal pautado na equidade e no bom senso. Que o respeito à diversidade (cultural, étnica, de gênero, sexual, etária, religiosa e política partidária) provoque o reconhecimento do ser humano no seu contexto e história como ser único e inviolável como sujeito de direitos, em busca da cidadania plena e de condições de vida com dignidade. Que a cooperação solidária seja a marca de toda ação do Fórum para concretização de sua missão e objetivos. Que a participação democrática, presencial e em rede comprove o compromisso explícito de cada membro do Fórum em todas as ações e momentos com os sujeitos em mobilidade humana. Que a ação dialogal interinstitucional coloque em evidência que a vontade política do coletivo é maior que a vontade individual. Que o legal não supere o bom senso e a equidade em relação à realidade das pessoas em mobilidade humana. O Fórum por ser uma rede aberta está sempre receptivo a novas participações que compactuem com esta Carta de Princípios, que vê as pessoas em mobilidade humana como protagonistas na construção de sua cidadania plena e dignidade. Porto Alegre, janeiro de 2013 - 61 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre Comitê Estadual de Atenção a Pessoas em Mobilidade A proposta de criação do Comitê Estadual de Atenção a Migrantes, Refugiados, Apátridas Vítimas de Tráfico de Pessoas, Estudantes Internacionais e Marítimos (COMIRAT/RS) foi uma iniciativa da ASAV/ACNUR em audiência com o governador do Estado em 2010. Contudo, o processo começou a deslanchar quando o Fórum Permanente foi convidado a participar. Segundo Tâmara Biolo Soares (2012): Na fase inicial da criação do Comitê focavam-se os migrantes e refugiados. Na discussão coletiva surgiu o tema das Vítimas de Tráfico de Pessoas, de Apátridas, de Estudantes Internacionais e de Marítimos como categorias que poderiam ser contempladas no COMIRAT. É evidente que são públicos diferentes que exigem ações diferentes. Assim, o processo de pensar a criação do Comitê foi participativo com as entidades civis, coordenando o processo, com a colaboração do Estado. O Decreto aponta como objetivo do COMIRAT promover e garantir o respeito aos direitos humanos das pessoas vulneráveis que se encontram em mobilidade no Estado do Rio Grande do Sul, bem como as atribuições e sua forma organizativa com representantes do governo, de órgãos públicos, universidades e instituições civis. São muitas as perspectivas e inúmeros os desafios que o COMIRAT terá em sua caminhada. Não pode ser apenas um local institucionalizado de discussão, mas um espaço de articulação e formulação de políticas públicas com a participação da sociedade civil. Para Soares (2012): Um dos primeiros desafios é elaborar um Plano Estadual para essas categorias que contará com diretrizes da ação do Comitê e será um instrumento de demanda social também para o governo estadual. Com isso o Estado é estimulado por essas categorias a ser mais efetivo nas suas respostas/ações. O Comitê traz outro grande desafio que é a ideia de trabalho em Rede, no qual a visão holística da mulher é fundamental para se concretizar. Ele tem que ser horizontal e quebrar o paradigma da individualidade, do machismo e efetivar a transversalidade. O governo brasileiro com os vistos humanitários para haitianos e sírios dá sinais de abertura para com imigrantes em necessidade. A sociedade civil tem tomado atitudes profundamente acolhedoras. Contudo, o grande problema - 62 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre fica sempre na dificuldade do ingresso e na documentação pela normatização estabelecida no Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80). É significativo que no Brasil em que tanto se falou da desumanidade da ditadura e se louve os expressivos avanços dos direitos humanos, ainda não se tem coragem de mudar o Estatuto do Estrangeiro por ser mais cômoda a política restritiva do que uma abertura humanitária. Esse fato é um grande indicador para entender que toda política pública está ligada a interesses latentes. Excluímos as pessoas ou as acolhemos, mas há o movente que é o objetivo econômico (Corso, 2013). - 63 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre - 64 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre - 65 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre 4ª. Parte Políticas Públicas Políticas Públicas - Análise da Prática de Instituições Com os Imigrantes Considerações Finais IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre 2 POLÍTICAS PÚBLICAS - Análise da Prática de Instituições com os Imigrantes Pesquisa No Brasil há um leque de estruturas de assistência social governativa que atendem pessoas em situação de vulnerabilidade. Com certeza, muitos imigrantes em dificuldades receberiam atendimento se as procurassem. Por isso pensou-se ser oportuno fazer um levantamento utilizando um questionário que revelasse a eficiência dessas estruturas e a qualidade de atendimento aos imigrantes pelos seus servidores. Foram entrevistadas 16 pessoas dessas instituições nas áreas da saúde, seguridade social, educação e questão laboral. A abordagem teve como finalidade identificar a qualidade de percepção dos servidores que atendem imigrantes, bem como avaliar as práticas no acesso a políticas e programas sociais para a população de imigrantes de outras nacionalidades residentes no município de Porto Alegre. Considerouse o processo de implementação das políticas públicas e programas; a universalidade do acesso à saúde, seguridade social, educação e trabalho enquanto um direito reconhecido por tratados internacionais e pela lei maior Constitucional do Brasil; e o desenho institucional dos sistemas de saúde, educação e laboral em nível nacional, estadual e municipal, que possibilita (ou não) ao imigrante este acesso. Limitações A metodologia escolhida para a pesquisa apresentou algumas limitações. A seleção dos atores escolhidos foi segundo critérios de acessibilidade, pois nem sempre se conseguiu contato com os responsáveis hierárquicos. Sentiu-se a dificuldade de inserir na pesquisa o levantamento de opinião do imigrante estrangeiro usuário das políticas públicas. Por fim, se pressupunha que a incidência de barreiras de acesso aos imigrantes tivesse limitado amparo legal, carência de políticas e programas nos níveis citados. Supunha-se que o desconhecimento dos gestores e operadores fosse maior, - 69 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre afetando a categoria de beneficiados, objeto de estudo. Essas limitações possivelmente fragilizaram a elaboração do instrumento de coleta; entretanto, o desafio à investigação dos processos e a percepção de servidores pela operacionalização de serviços nos níveis citados foi concluído com relativo êxito. Apresentação e análise dos dados O campo de estudo teve como foco cinco instituições públicas da cidade de Porto Alegre. No município residem mais de 27 mil imigrantes (SINCRE, 2012), além da estimativa de aproximadamente 3 mil viver em situação não regular documentalmente. Nos municípios circunvizinhos estão mais de 7 mil imigrantes que convivem com a realidade de Porto Alegre. Predominam os originários de países da América Latina. Cresceu, nos últimos anos, a presença de imigrantes oriundos de países africanos, com ênfase de Quadro 1 - Instituições dos entrevistados FONTE: Pesquisa de Campo, 2012. Verifica-se que, no levantamento de opiniões, a maioria dos entrevistados foram mulheres (77%), abrangendo instituições que se voltam às cinco dimensões sociais: Seguridade, Saúde, Assistência Social, Laboral e Direitos Humanos. - 70 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre Quadro 2 - Políticas e Programas Sociais FONTE: Pesquisa de Campo, 2012. A maioria dos servidores, 69,2%, identifica a existência de Políticas e Programas Sociais que os cidadãos estrangeiros residentes no Brasil podem se inserir. Segundo os entrevistados que responderam afirmativamente, elas não são explícitas, mas faziam a leitura a partir do previsto na Constituição Federal e das Políticas que universalizam a defesa dos direitos humanos, como a saúde, assistência social (SUS e SUAS), o direito ao trabalho e a seguridade social (INSS). Quando perguntados sobre o Estatuto do Estrangeiro 46,2% responderam desconhecê-lo ou não terem conhecimento do teor do mesmo. Quanto ao Acordo de Residência do MERCOSUL entre os países Fundadores e Associados, só 38,5% disseram não saber da existência ou não conhecê-lo o que interfere no serviço do servidor. Os Acordos Bilaterais com outros países, 61,5% disseram não saber da existência e ou não conhecê-los no seu conteúdo. Quadro 3 - Pessoas Qualificadas e Informações Específicas Para as Demandas FONTE: Pesquisa de Campo, 2012. - 71 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre Mais de dois terços (69,2%) das instituições pesquisadas informaram existir pessoal qualificado para demandas de imigrantes internacionais e informações necessárias (76,9%) para tomadas de decisão do setor. A constatação de que existe um quadro funcional e conhecimento por parte de servidores dos direitos dos imigrantes a beneficiar-se dos serviços públicos e procedimentos no atendimento aos mesmos relativiza as informações de estudos com dados secundários e análises acadêmicas que identificavam a inexistência desse cenário favorável, bem como a justificativa e embasamento teórico colocado no projeto deste estudo. Parece que há desinformações por parte de instituições civis que acolhem e orientam imigrantes e dos próprios protagonistas. Estaria sinalizando a urgência de uma efetiva integração de trabalho em rede entre órgãos públicos, instituições voltadas para imigrantes e os demandantes. Aspectos expressados pelos entrevistados Frente ao questionamento sobre a existência de Políticas e Programas para os imigrantes, colhemos mais respostas sobre o que a Constituição Federal garante em relação a direitos humanos do que respostas sobre efetivas práticas de serviços que respondessem a problemas reais dos imigrantes. Os entrevistados observaram que o ponto de mudança foi a Constituição Federal de 1988, quando as Políticas Públicas Sociais começaram a ser elaboradas em diversas dimensões: SUS – Sistema Único de Saúde; SUAS – Sistema Único de Assistência Social; Seguridade Social. Os mesmos entrevistados (cf. Nogueira, 2004), afirmaram que a partir de 1988 foram construídos ou reconstruídos conselhos nacionais de políticas sociais, introduzindo, com a democratização do processo decisório, novo padrão na relação Estado e sociedade. Foram criados os antídotos aos problemas da burocratização, do corporativismo, do patrimonialismo e da captura dos espaços públicos por interesses privados no âmbito das políticas sociais. Na questão da saúde, os entrevistados afirmaram que o SUS é um sistema composto por muitas partes e, por mais diferentes que pareçam, têm uma finalidade comum: cuidar e promover a saúde de toda a população, - 72 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre melhorando a qualidade de vida dos cidadãos que vivem no Brasil. A Constituição Federal de 1988 determinou ser dever de o Estado garantir saúde a toda a população. Para tanto, criou o Sistema Único de Saúde. Em 1990, o Congresso Nacional aprovou a Lei Orgânica da Saúde, que detalha o funcionamento do Sistema em nível federal, estadual e municipal. O processo implantado é descentralizado com participação efetiva da Sociedade civil através de Conselhos. Recentemente foi criado o Cartão SUS para qualquer cidadão residente no país. Para fazer o cartão SUS é preciso, segundo o Ministério de Saúde, Carteira de Identidade e CPF. Caso não possua esses documentos basta apresentar a certidão de nascimento. O cartão, além de agilizar consultas, beneficia a retirada de medicamentos nas Farmácias Populares, entre outras vantagens. Em relação ao SUAS – Sistema Único de Assistência Social, vinculado ao Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – os entrevistados detalharam a dinâmica e o espaço que o imigrante tem no mesmo. Enfatizaram que o SUAS atua integrado a outros e disponibiliza o Cadastro “Sistema Único de Assistência Social”, possibilitando a qualquer cidadão residente no país usufruir dos direitos aos inúmeros benefícios (Programa Erradicação do Trabalho Infantil; Programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano; Programa Bolsa Família e os programas remanescentes nele unificados; Programa Nacional de Inclusão do Jovem; Pró-Jovem; Auxílio Emergencial Financeiro e outros programas de transferência de renda destinados à população atingida por desastres, residente nos Municípios em estado de calamidade pública ou situação de emergência; e programas de transferência condicionada de renda implementados por Estados, Distrito Federal ou Municípios; Programas de tarifas sociais de energia elétrica; Programa Minha Casa Minha Vida). Segundo os entrevistados, dados de pesquisas recentes, indica que esses programas sociais têm gerado impactos positivos, especialmente o Programa Bolsa Família. Um dos entrevistados, citando a Ministra do MDA, afirmou: Não houve estímulo à natalidade ou “efeito preguiça” entre os beneficiários. Estudos comprovam impactos positivos do Programa Bolsa Família na progressão e frequência escolar, na realização do pré-natal, na vacinação e na amamentação. - 73 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre No município de Porto Alegre o SUAS é gerenciado pela FASC Fundação de Assistência Social e Cidadania - que organiza as ações de Assistência Social, tendo duas grandes linhas políticas: de Proteção Social Básica, sendo o instrumento CRAS – Centro de Referência de Assistência Social e o Programa de Atendimento Integral à Família. Atua na prevenção à situação de risco; o CREAS – Centro de Referencia Especializado de Assistência Social com Programa de Atendimento especializado à família. Conta com uma rede de Abrigos, Casa de Convivência, Casa de Passagem e Albergues. Tanto o CRAS como o CREAS ainda tem uma rede denominada de Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS); o Centro de Atendimento ao álcool e droga (CAPAS AD); e CAIS Mental. Segundo os entrevistados o imigrante é contemplado nesse serviço, sem discriminação. Reconhecem que há pouca informação e mínima dotação orçamentária do município de Porto Alegre para demandas de pessoas em mobilidade: brasileiros de outros estados ou de municípios do interior do RS e estrangeiros, especialmente para pagamento de passagens de “retorno”. Quanto ao tratamento da legislação brasileira para o estudante imigrante, segundo entrevistados, segue o estabelecido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB. A LDB foi esboçada em 1934 e periodicamente, acompanha a evolução das mudanças constitucionais. A última ocorreu em 1996 e contempla a questão do ingresso de estudantes de outros países no sistema de ensino de 1º e 2º graus, bem como o aproveitamento dos estudos feitos no país de origem. Os procedimentos de acolhimento, integração e de aproveitamento de alunos procedentes do exterior segue passos definidos pela legislação brasileira assim detalhada: 1º - Qualquer filho (ou pessoa) do exterior tem direito a ingressar no sistema educacional brasileiro mediante comprovação de Certidão, ou Carteira de Identidade, independente se pais ou responsáveis estão regularmente ou não no país. Caso os referidos documentos não estejam traduzidos por Tradutor Público Juramentado, a escola deve solicitar (aceitar) uma Licença Judicial emitida pelo Promotor Público da Comarca. - 74 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre 2º - Quando o estudante já iniciou seus estudos de formação no país de origem, os procedimentos seguidos são: a) Tradução oficial da representação consular brasileira no país de origem ou por Tradutor Juramentado no Brasil; b) A escola compatibiliza o currículo de origem com o oferecido pela mesma, determinando a etapa em que ingressará ou a adaptação curricular se necessário, quando o currículo é por disciplinas. Quando o estudante está no currículo de Estudos por Área (até 5º ano do ensino fundamental), faz uma avaliação escrita ou oral, para identificar o ano em que o estudanteimigrante irá continuar seus estudos. c) Se o estudante de outro país trouxer o currículo completo do 1º grau ou do 2º grau, a escola orientará os responsáveis a montar processo e encaminhá-lo ao Conselho Estadual de Educação que determinará adaptação complementar ou aceitará equivalência dos estudos, mesmo se inexistir eventual curso profissional no Brasil. A Previdência Social brasileira já passou por várias mudanças conceituais e estruturais, envolvendo o grau de cobertura, o elenco de benefícios oferecidos e a forma de financiamento do sistema. Uma análise de cada fase histórica da Previdência Social permite verificar os progressos alcançados ao longo de sua existência. Hoje qualquer imigrante de outro país, domiciliado regularmente no Brasil, pode contribuir com a Previdência e receber benefícios (aposentadoria por idade, invalidez, pensão por morte...). Atualmente o Brasil mantém Acordos Bilaterais e Multilaterais (Multilateral do MERCOSUL com a Argentina, Uruguai, Paraguai e Multilateral Ibero-americano com países latinos, Portugal e Espanha) para complementação de aposentadorias entre Brasil e o país de origem. É importante destacar que o estrangeiro, desde que naturalizado, mesmo sem nunca ter contribuído com a previdência brasileira, pode ter o Benefício de Amparo: idosos com mais de 70 anos e pessoas portadoras de necessidades especiais. Na dimensão laboral os entrevistados enfatizaram a existência de uma Lei (Estatuto do Estrangeiro), já obsoleta, mas apontam avanços nas Resoluções do Conselho Nacional de Imigração, nos Acordos - 75 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre Internacionais, especificamente o Acordo de Residência do MERCOSUL. Destacam que o imigrante que busca domiciliar-se no Brasil através de Vistos Provisórios encaminhados junto ao Departamento de Imigração da Polícia Federal e os Vistos de Trabalho via Ministério de Trabalho e Emprego, sendo que ambos os vistos devem ser referendados por órgãos competentes em Brasília. No caso do Visto de Trabalho o interessado deve preparar o Visto na Unidade Consular brasileira em seu país de origem. Segundo representante do SINE – Sistema Nacional de Emprego do Ministério do Trabalho, a partir de 01 de fevereiro de 2011 todos os pedidos de autorização de trabalho a estrangeiros deverão ser pré-cadastrados pelos usuários. A ordem de Serviço 01/11 orienta os procedimentos de pedidos de autorização de trabalho a estrangeiros. No caso de estar regularizado no território brasileiro, o trabalhador estrangeiro que for demitido pode solicitar o seguro desemprego e ser cadastrado para postos de trabalho no Sistema Nacional de Emprego. Na questão referente a limitações ou problemas que o imigrante de outro país encontra no seu setor de serviço, os entrevistados responderam e sugeriram: a) A escola dê atenção especial aos alunos imigrantes, pois estes têm dificuldades de inserção pela língua e com certa frequência sofrem discriminação. b) A destinação de imigrantes estrangeiros em Abrigos, Casas de Convivência, Casas de Passagem e Albergues juntamente com brasileiros tem sido negativa, pois com frequência àqueles são discriminados e até furtados de seus pertences e documentos. Há necessidade que o Município e ou o Estado tenha uma Casa específica para os imigrantes. c) Imigrantes em situação irregular têm manifestado estados depressivos constantes gerados pela nostalgia, clandestinidade, falta de oportunidade de trabalho, dificuldade em conseguir fiadores para aluguel de residência, dificuldade de comunicação em razão da língua, desconhecimento da lei, dos trâmites da legislação brasileira em diversas áreas, falta de recursos financeiros para encaminhar a regularização. d) Imigrantes chegam ao setor público com informações desconexas, - 76 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre solicitando demandas que cabem a outros órgãos, ou alternativas para permanência no Brasil sem conhecimento legal, especialmente do Estatuto do Estrangeiro. Por exemplo: caso de imigrantes que buscam revalidação de diplomas escolares no Ministério do Trabalho. e) Algumas unidades consulares em Porto Alegre têm demonstrado pouco interesse em orientar as demandas de conacionais imigrantes. f) Falta de rede de apoio ao imigrante carente no processo de documentação e especialmente no de naturalização para efeito de amparo social e aposentadoria, pois o mesmo chega até o órgão competente, mas não tem os documentos necessários e desiste por carência financeira. Indicativos Este levantamento quis ser um ESBOÇO de radiografia da realidade social que o migrante defronta-se em Porto Alegre. Apontou-se problemas seja do lado dos servidores públicos como do lado dos cidadãos e dos próprios migrantes, que deveriam ser os novos cidadãos, mas continuam “estrangeiros”. A desinformação por parte do imigrante sobre os caminhos a serem seguidos para conseguir documentação e outras demandas, é muito limitada considerando a sociedade da informação em que vivemos e passa a ser grave quando acontece em instituições que existem para informar e resolver problemas de ordem social. Toda política pública se torna inviável sem o envolvimento adequado dos operadores da mesma. Aparece claro, na pesquisa, como instituições não governamentais da sociedade civil são importantes para resolver o problema de desinformação da pessoa e como há problema de funcionamento adequado das instituições oficiais. De fato as instituições não governamentais caracterizam-se pelo idealismo, consciência humanitária, práticas de escuta e acolhida, capacidade de dedicação e de sacrifício para o bem da pessoa e da comunidade. As políticas públicas podem ter sucesso somente na medida em que três fatores se conjugam na execução: a pessoa, a entidade governamental e o grupo social consciente que o desenvolvimento da humanidade exige idealismo e sacrifícios. - 77 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre 2 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao concluir este trabalho parece importante enfatizar que a elaboração do mesmo resultou num aprofundamento da problemática migratória. Percebeu-se como são importantes, no contexto dos direitos humanos, políticas públicas que apoiem não somente migrantes, mas que ajudem a todos desenvolver sensibilização e consciência de acolhida. Na busca de entender o quadro da história do estado do Rio Grande do Sul, com sua capital, Porto Alegre, percebeu-se a importância dos imigrantes que gravaram suas raízes em ações concretas materializadas nas construções arquitetônicas das cidades, nos costumes, nos conhecimentos e processos produtivos. Ao refletir o fenômeno das migrações no mundo e no Brasil sentiu-se como em todo o lado se levantam muros de proteção como se o migrante fosse uma ameaça. A documentação fotográfica mostra como as novas muralhas estão se tornando perigosas ameaças para uma convivência pacífica. Cada vez mais os indicadores apontam que o fluxo da mobilidade humana e os fatores condicionantes, são mais intensos, complexos e estruturais, apresentando-se como irreversíveis e epocal. Fica evidente que a migração não é percebida por legisladores, por governantes e pela própria sociedade civil, muito mais preocupados com a visão nacionalista, produtivista e consumista do que com o alvorecer de uma cidadania universal que concretiza o ensinamento de ontem de Scalabrini (1894): “para o migrante, pátria é a terra que lhe dá o pão” e que nos reporta a grande pergunta que a globalização nos coloca: qual é a pátria do ser humano? A atual política migratória ainda mantém o grande muro da legislação que o Brasil construiu (Estatuto do Estrangeiro de 1980) e que dificulta a entrada e a regularização da documentação para aqueles que querem construir suas vidas neste país. Finalmente as práticas de políticas públicas nos mostraram como é importante agentes e servidores terem uma consciência da realidade do fenômeno migratório como mútuo crescimento. O levantamento de campo - 79 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre constatou a dificuldade do ingresso de estrangeiros, mas relativizou a suspeição inicial de que haveria incidência de barreiras aos imigrantes aqui já residentes aos direitos sociais nas instituições públicas, em razão do Estatuto do Estrangeiro, ou pelos limitantes vácuos legais, carência de políticas e programas, bem como eventual desconhecimento dos gestores e operadores no Estado do RS e no município de Porto Alegre, afetando os migrantes. Os dados levantados na pesquisa parecem demonstrar que os chamados burocratas em nível de rua têm clareza que os direitos sociais são universais a qualquer cidadão, e a rede de serviços do SUS, SUAS, INSS, MTE, SINE, Sistema de Ensino estão em condições de atendimentos básicos às demandas dos imigrantes internacionais aqui radicados. De outra parte, existe também clareza da inexistência de programas específicos por parte do Executivo Municipal e Estadual para as categorias em mobilidade. O que foi levantado e proposto é um convite para que mais pessoas se disponibilizem a agir em prol dos migrantes. - 80 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre REFERÊNCIAS AGUIAR, Carla A.S et al. Dicas para os Imigrantes viver e se integrar em São Paulo. São Paulo: Rede Migrantes, 2012. ALVES, Tâmara Biolo. Criação do Comitê de Atenção a Migrantes, Refugiados, Apátridas e Vítimas de Tráfico de Pessoas do Estado do Rio Grande do Sul. In: 1º. 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Fluxos migratórios: 36º Fórum Migrações e os Direitos - 84 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre OS AUTORES Jurandir Zamberlam, professor universitário, pesquisador, autor e co-autor de inúmeros livros, voluntário no CIBAI Migrações em Porto Alegre, RS. Lauro Bocchi, religioso scalabriniano, co-autor de diversos livros, pároco da Pompéia, diretor do CIBAI Migrações em Porto Alegre, RS. Giovanni Corso, religioso scalabriniano, professor universitário, co-autor de inúmeros livros, capelão no porto de Rio Grande, RS. João Marcos Cimadon, religioso, coordenador do Setor de Mobilidade Humana da CNBB – Sul 3, vigário da Paróquia da Pompéia em Porto Alegre, RS. - 85 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre COLEÇÃO 1: PASTORAL & MIGRAÇÕES Ø O processo migratório no Brasil – desafios da Mobilidade Humana na Globalização. Jurandir Zamberlam – 2004 Ø Percepção do Fenômeno Migratório em cidades das Dioceses do RS. Jurandir Zamberlam, Giovanni Corso, Teresinha Zambiasi, Terezinha Santin, Joaquim R. Filippin, Alexandre Zamberlam – 2004 Ø Pastoral dos Migrantes – subsídios. Jurandir Zamberlam, Giovanni Corso - 2005 Ø Memória: 1º. Congresso Mundial de Leigos Scalabrinianos – Piacenza Jurandir Zamberlam, Giovanni Corso, Jairo Guidini, Ivonete Teixeira, 2006 Ø Tendências da Mobilidade Humana nas Três Fronteiras – realidade migratória na Diocese de Foz do Iguaçu. Jurandir Zamberlam, Giovanni Corso, Regina Machado Silva, Maria Helena Pires, Alexandre de Oliveira Zamberlan, Albino Matei, Zeni Carminatti, Jairo Francisco Guidini – 2006 Ø Memória – ler. Congreso Mundial de los Laicos Scalabrinianos en Piacenza – presencia Sudamaericana. Jurandir Zamberlam, Giovanni Corso, Alejandro Olivero, Carlos Nevado, Dirceu Bortolotti, Graziela Vera, Maria Alicia Marques – 2006 Ø A emigração da Grande Criciúma na ótica de familiares – desafios para a Igreja de origem e de destino. Jurandir Zamberlam, Giovanni Corso, Wladymir Kulkamp e Ludgero Buss – 2006 Ø Emigrantes brasileiros no Paraguai – presença scalabriniana. Jurandir Zamberlam, Giovanni Corso, Joaquim R. Filippin, Eduardo Bresolin, Eduardo Geremia – 2007 Ø Desafios para a Igreja do Rio Grande do Sul. Jurandir Zamberlam, Giovanni Corso, Lauro Bocchi, Joaquim R. Filippin, Egídia Muraro, Guillerme Ilarze – 2007 Ø Foz do Iguaçu em contexto de mobilidade – Paróquia Bom Jesus do Migrante. Jurandir Zamberlam, Joel Ferrari, Giovanni Corso, Joaquim R. Filippin – 2007 Ø João Batista Scalabrini – Apóstolo dos Migrantes. Redovino Rizzardo – 2008 - 86 - IMIGRANTE - A Fronteira da Documentação e o Difícil Acesso às Políticas Públicas em Porto Alegre Ø Estudantes Internacionais no processo globalizador e na internacionalização do Ensino Superior. Jurandir Zamberlam, Giovanni Corso, Lauro Bocchi, Joaquim R. Filippin e Wladymir Kulkamp – 2009 Ø Desafios das Migrações – buscando caminhos. Jurandir Zamberlam, Giovanni Corso, Lauro Bocchi, Joaquim R. Filippin, Egídia Muraro – 2009 Ø 50 anos com os migrantes – Paróquia da Pompéia, Missão Scalabriniana. Jurandir Zamberlam, Giovanni Corso, Lauro Bocchi, Joaquim R. Filippin – 2010. Ø IMIGRANTES - a fronteira da documentação e o difícil acesso às políticas públicas em Porto Alegre. Jurandir Zamberlam, Lauro Bocchi, João Marcos Cimadon - 2013 COLEÇÃO 2: HISTÓRIAS DE MIGRANTES Ø Inmigrante – um viaje por su interior. Blanca de Souza Viera Morales 2011 Ø ORLANDO ORTEGA - Memórias e Aventuras de um migrante - sua vida e sua arte. Orlando Ortega – 2012 Ø Kombersa di Bissau – Frederico Matos - 2012 - 87 -