1 Vivendo e aprendendo Cesar Vanucci * “A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a comercialização e a distribuição de numerosos lotes de extrato e molho de tomate de marcas tradicionais, por haver detectado nos produtos matéria estranha indicativa de risco à saúde.” (Notícia de jornal) Vivendo e aprendendo, como era de costume dizer-se em tempos de antanho. Como fruto de experiências acumuladas ao longo de numerosos agostos, experiências abastecidas de leituras assíduas e razoável atividade cultural, estou convencidíssimo da silva júnior que nesta nossa peregrinação pela pátria terrena, por maior que seja o empenho despendido, a gente não consegue ficar conhecendo senão muito poucas coisas. Um bocado de situações à nossa volta guarda segredos a serem num dado momento desvendados. Brotam daí as muitas surpresas, quando não os muitos espantos, que de quando em quando pintam no pedaço por onde desfilam fatos aparentemente corriqueiros de nosso trepidante dia a dia. Estou tomando ciência, neste preciso momento, de uma informação que me deixou pode-se dizer estatelado. Jamais me passou pelo bestunto que algo assim pudesse estar rolando diante de nosso olhar. Melhor expressando, longe dos nossos olhos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu laudo proibindo a comercialização e a distribuição de lotes de extrato de tomate de um sem número de marcas tradicionais. A decisão punitiva deu-se com base em perícias técnicas que detectaram matéria estranha indicativa de risco à saúde humana acima do limite máximo de tolerância fixado pelas normas. A matéria nociva apontada – pasmo dos pasmos! – é pelo de roedor. Isso mesmo, distinto leitor, que você acaba de ler, tomado obviamente de santa estupefação: pelo de roedor. O parecer do órgão de fiscalização sanitária coloca-nos a par ainda de que os derivados de tomate podem conter “até um fragmento de pelo de roedor para cada 100 gramas do produto”. Quer dizer, mais de um fragmento de pelo de roedor no alimento industrializado que chega à sua mesa de refeição pode representar ameaça à sua saúde. Um, apenas 1, vale. Mais do que 1 já não pode, tá bom? Enquanto as empresas intimadas a recolher os lotes dos produtos contaminados asseguravam ser zelosas quanto ao controle de qualidade, “presente em todas as etapas, desde o cultivo da lavoura até a saída da mercadoria”, ou que nunca, jamais, em tempo algum, abriram mão de seu compromisso “com o cumprimento rigoroso de todas as normas de segurança dos alimentos e padrões de higiene”, a Anvisa tratava de por os indefesos consumidores a corrente dos limites de “porcarias aceitáveis” na elaboração dos produtos. A “tabela” apresentada provavelmente nocauteará pessoas de estômagos sensíveis. 2 Queiram, por gentileza, anotar alguns exemplos liberados de “limites toleráveis (exceto ácaros)” aplicáveis a alimentos: frutas desidratadas (exceto uva passa) – 25 fragmentos de inseto em 225 gramas; uva passa – 25 fragmentos de insetos em 225 gramas e 1 pelo de roedor também em 225 gramas; doce em pasta e geleia de frutas – 25 fragmentos de insetos em 100 gramas; farinha de trigo – 75 em 50 gramas; farinha de milho e fubá – 50 em 50 gramas; massas alimentícias, biscoitos, produtos de panificação e de confeitaria – 225 em 225 gramas; café torrado e moído – 60 em 25 gramas; canela em pó – 100 fragmentos de insetos em 50 gramas e 1 fragmento de pelo de roedor em 50 gramas; orégano – 20 fragmentos de insetos em 10 gramas, 1 fragmento de pelo de roedor em 10 gramas e 20 insetos inteiros em 10 gramas; pimenta do reino moída – 60 fragmentos de insetos em 50 gramas e 1 fragmento de pelo de roedor em 50 gramas; chocolates e produtos achocolatados – 10 fragmentos de insetos em 100 gramas e 1 de pelo de roedor em 100 gramas; molhos, purê, polpa, extrato, tomate seco, tomate inteiro enlatado, catchup e outros derivados do tomate, 10 fragmentos de insetos em 100 gramas e 1 de pelo de roedor em 100 gramas. Tá danado. Dá procês? Cotas de insetos e roedores por alimentos, soda cáustica em leite, anabolizante na carne, partículas de estrôncio na atmosfera... Valha-nos Nossa Senhora da Abadia da Água Suja! * Jornalista ([email protected])