Accountability e avaliações em larga escala: um olhar a partir das

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ACCOUNTABILITY E AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA: UM OLHAR A
PARTIR DAS NOVAS CONFIGURAÇÕES DO ESTADO NEOLIBERAL
Marilda Pasqual Schneider - Unoesc
[email protected]
Camila Regina Rostirola - Unoesc
[email protected]
Agência financiadora - CAPES
1 INTRODUÇÃO
O estudo das políticas públicas de avaliação educacional e de suas relações com
desdobramentos que incluem ferramentas da accountability como estratégia para assegurar
uma determinada qualidade educacional inscreve-se em uma tendência mundial, que surge em
decorrência da crise fiscal do Estado e de novas mudanças advindas do processo de
globalização. A crise fiscal e, consequentemente, a econômica, conjuntamente com a situação
de ingovernabilidade e globalização instauradas no Pós-Segunda Guerra Mundial, abriu
espaço para o fortalecimento de uma nova ordem econômica, o neoliberalismo, ou Estado
Neoliberal. Essa ideologia de governação surgiu pela influência de experiências advindas de
diversas correntes, nomeadamente da esfera econômica, que atacavam o Estado regulador e
benfeitor e defendiam a retomada do Estado Liberal.
A “época neoliberal” (COUTINHO, 2012), além de acarretar em profundas
transformações nos setores produtivos e o enfraquecimento dos governos no que tange ao
controle dos fluxos econômicos, abriu espaço para a proeminência da temática da avaliação
no campo educacional, associada a standards de desempenho.
A política de avaliação externa das escolas e dos sistemas, apesar de ainda ser um
assunto recente na literatura educacional, vem ocupando centralidade nas últimas décadas,
haja vista a sua relevância para a instituição de um sistema de regulação estatal pautado na
responsabilização e prestação de contas por parte de escolas, sistemas de ensino e dirigentes
educacionais. Trata-se de uma tendência de abrangência internacional que decorre da
necessidade de controlar a administração pública e os serviços sociais, confiados
predominantemente ao Estado.
É nesse contexto que o presente trabalho encontra seu lastro. Ancorado em um projeto
de pesquisa mais amplo, busca evidenciar novas configurações do Estado Neoliberal e suas
2
repercussões em políticas encampadas pelo Brasil na educação básica, nomeadamente as que
dizem respeito à associação entre accountability, avaliações em larga escala e qualidade
educacional.
Para atender ao objetivo proposto, o texto inicia com a tessitura de algumas discussões
acerca das novas configurações do Estado, a partir do modelo de Estado de bem-estar social, e
segue com apontamentos sobre o conceito de accountability e suas repercussões nas politicas
educacionais acampadas pelo Estado brasileiro, nomeadamente nas que anunciam o propósito
de melhoria da qualidade da educação básica. Destaca a forte articulação entre avaliação,
prestação de contas e responsabilização, atribuídas às políticas educacionais encampadas em
muitos países na última década, tomando como orientação metodológica os pressupostos da
pesquisa qualitativa e o recurso da análise documental e de conteúdo para auscultar modelos e
formas de accountability que se sobressaem nas políticas educacionais em curso no Brasil.
2 NOVAS CONFIGURAÇÕES DO ESTADO NEOLIBERAL NO CONTEXTO DAS
TRANSFORMAÇÕES ECONÔMICAS
Com a modernização econômica, verificada de forma inexorável após a segunda
revolução industrial do século XX e a consequente crise dos Estados Nacionais, esta
acompanhada também de uma crise do capitalismo monopolista (Bianchetti, 2005), observase o delineamento de um novo modelo de Estado que se consolida, no pós segunda guerra
mundial, como Estado benfeitor, Estado Keynesiano, Estado Providência ou Estado de bemestar social e, na literatura inglesa,Welfare State.
Dada as crescentes crises ocorridas especialmente no início do século XX1, este
modelo de Estado, juntamente com suas políticas e teorias adjacentes, foi chamado a intervir e
regular a economia a favor dos grandes monopólios. Essa solução imediatista teve o propósito
de amenizar as tensões da época pela entrada de capital e de empresas estrangeiras, por uma
espécie de nacionalismo desenvolvimentista (SAVIANI, 2011).
O Estado de bem-estar social, tradução mais usual do Welfare State, constitui um
modo de organização no qual o Estado se responsabiliza pela promoção e defesa social,
nomeadamente em economias empresariais, com a finalidade de assegurar o desenvolvimento
econômico. Presente em muitos países desde a década de 30 do século XX, esse modelo de
1
Apesar dos avanços logrados, o século XX ficou conhecido pelo século das grandes crises e paradoxos, a maior
delas provocada pelos efeitos da Primeira Guerra Mundial. A esse respeito, ver mais em Nogueira (2001).
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governação ganhou proeminência com a crise mundial instalada em decorrência tanto da
primeira, mas especialmente da segunda guerra mundial. Atuando ao lado dos sindicatos e
empresas privadas, o Estado foi chamado a garantir serviços públicos básicos de proteção à
população, tais como saúde, seguridade, emprego, lazer e educação, de modo a proteger os
direitos dos trabalhadores e atuar de modos a reaquecer a economia, arrefecida com as
sucessivas guerras mundiais.
A Grã-Bretanha foi pioneira na utilização de uma política social para obter eficiência
econômica, tendo as primeiras iniciativas adotadas ainda no ano de 1942. Com a experiência
britânica, esse modelo de organização social e econômica foi disseminado pelos países
europeus e demais países ocidentais. Atualmente, Noruega, Suécia, Finlândia e Dinamarca
são destaques na manutenção (KERSTENETZKY, 2006), o que tem rendido a esses países os
melhores índices de desenvolvimento humano, segundo critérios do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Predominante nos países ocidentais até a segunda metade do século XX, no transcurso
dos anos 70 o Estado de bem-estar social deu os primeiros sinais de crise. Sob o comando de
Margareth Thatcher, a Inglaterra “representou o marco histórico do desmonte gradual do
Estado de Bem-estar inglês a partir da política de privatização das empresas públicas. Outros
países adotaram a mesma política.” (CANCIAN, 2007, p. 3).
Apesar de manter-se em eclosão por aproximadamente meio século, o modelo de um
Estado benfeitor não foi forte o suficiente para conter o caráter destrutivo do capital e das
indústrias que novamente se fortaleciam com as reformas econômicas dos anos 80. Conforme
destaca Azevedo (2004, p.10), essa estrutura social foi
[...] se debilitando em função da dinâmica do próprio desenvolvimento. A crescente
organização do mundo do trabalho; a veiculação do ideário socialista; o progresso
técnico e cientifico; a crise de 1870, a revolução de 1917; a recessão de 1930; as
duas grandes guerras; os reordenamentos políticos e sociais; a redefinição do
espaço internacional, são alguns dos marcos que acabaram por aprofundar e
consolidar outras formas de articulação entre o Estado e o mercado, num novo
patamar de acumulação e de regulação do capital e do trabalho.
Sob a alegação de incapacidade de o Estado dispor de recursos para sustentar esse
modelo de organização social, a “Dama de Ferro” implantou na Inglaterra o que ficou
conhecido como Estado Neoliberal. A consequência mais imediata foi o embate entre os dois
modelos de organização. De um lado, aludia-se que o modelo em vigor tornava a máquina
estatal muito pesada e inoperante e, por isso, ingovernável sob o ponto de vista das condições
financeiras; de outro, começam a despontar os primeiros sinais de um novo modelo de
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governação o qual, ao defender a livre iniciativa e a liberdade individual de escolha, retirava
direitos dos cidadãos conquistados ao longo de décadas.
Decorrente do novo modelo que se erguia como um processo em cadeia, empresas
passaram a não mais subordinar-se às regras rígidas dos Estados Nacionais e iniciaram um
processo, sem precedentes, de retomada do status quo do sistema capitalista e do poder.
Bianchetti (2005) destaca que as reformas inauguradas ainda na década de 1980 do
século XX fizeram ressurgir um pensamento defensor e mantedor do status quo capitalista,
muito mais próximo das elites sociais do que das massas populares, pensamento este menos
evidente e exacerbado no período de bem-estar social. Influências de líderes como Margaret
Tatcher, na Inglaterra, e de Reagan, nos Estados Unidos, foram importantes para a
disseminação das novas ideologias de cunho liberal e marcadamente capitalistas que se
expandiram pelo mundo sob a denominação de neoliberalismo.
Nos países latino-amercianos, o termo neoliberalismo remete diretamente ao
Congresso de Washington, ocorrido no ano de 1980 naquele país, haja vista que a organização
desse evento objetivava discutir as possíveis reformas a serem instauradas na América Latina.
Logo, as primeiras reformas implementadas pelo neoliberalismo foram também delineadas
pelo Congresso de Washington, que propunha a retração do poder do Estado na economia,
bem como a privatização de serviços públicos e de empresas até então estatais.
Essas
medidas visavam ao acirramento do mercado consumidor e à eliminação de gastos com
possíveis serviços sociais em prol da população.
Castro (2007) nomeia os primeiros delineamentos na direção de fortalecimento desse
modelo de Estado como uma reforma de primeira geração. Em função de as reformas
advindas desse novo ideal social não terem sido cumpridas em toda sua amplitude, em
meados dos anos 90 teria dado início às reformas de segunda geração. Essas, pautadas nos
ideais de eficiência, eficácia e produtividade.
A crise de Estado gerada pela tensão entre diferentes modelos em disputa e pelo
esgotamento do modelo de produção capitalista - o fordismo, que vigorou durante todo o
século XX até os anos 80 -, afetou diretamente as estruturas governamentais. Consoante
destaca Abrucio (2003, p. 10), os governos “tinham menos recursos e mais déficits. Com
efeito, o corte de gastos virou prioridade”. Erguia-se um modelo de Estado com menos
recursos e, consequentemente, com menos poder. A ascensão de teorias intelectuais que são
tidas como extremistas2 no que tange ao modelo burocrático em vigor naquele período, foram
2
Movimentos que visam a ascensão de teorias críticas às burocracias estatais como o public choice nos
Estados Unidos e o ideário hayekiano na Grã-Bretanha.
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de grande valia para a ascensão de princípios gerencialistas pautados na lógica do setor
privado.
Tendo esse cenário como pano de fundo, o ápice das ideias neoliberais marcou,
indelevelmente, o insucesso das ideologias socialistas e das políticas de bem-estar social, haja
vista que as novas delimitações e rumores da sociedade passaram a ser decididos pelas leis de
mercado. Cada ser humano passou a tornar-se responsável pelo seu sucesso ou insucesso no
mercado de trabalho e as políticas sociais, porquanto entendidas como meios de tolher a
iniciativa privada e os princípios da competitividade, foram consideradas desfavoráveis ao
novo modelo pautado nas ideias neoliberais. Harvey (2008, p.13) reclama que a hegemonia
neoliberal passou a “afetar tão amplamente os modos de pensamento que se incorporou às
maneiras cotidianas de muitas pessoas, interpretarem, viverem e compreenderem o mundo”.
No Brasil, a nova vertente econômica vincada nos princípios do neoliberalismo
conquistou tardiamente o seu espaço se comparada aos demais países da América Latina.
Falleiros, Pronko e Oliveira (2010) ressaltam que, com o fim do período ditatorial (19641985), as discussões e apelos sociais voltaram-se prioritariamente para a reconstituição do
regime democrático. Inúmeros entraves foram vislumbrados na década de 1980 entre
conservadores e progressistas, objetivando a retomada de alguns princípios socialistas e da
democracia participativa. Motivado por essas discussões, somente na década seguinte (1990)
o neoliberalismo foi gestado e implementado no Brasil, isso no governo de Fernando
Henrique Cardoso, sob crescente iniciativa de organismos internacionais e pela dependência
de recursos externos.
Além de um novo modelo de Estado e de novas teorias políticas e econômicas, o
neoliberalismo balizou o nascimento de um modelo capitalista cuja principal consequência é o
rompimento com os Estados Nacionais, a implantação da chamada transnacionalização
econômica e a interdependência financeira, principalmente por parte dos países que buscam
fugir de uma situação econômica precária. Consoante Bianchetti (2005), a transnacionalização
representa uma tendência da globalização, pois o mercado financeiro assume expansão e
poder sem limites perante aos Estados-nação e as empresas.
No campo educacional, os efeitos do neoliberalismo não demoraram a surgir. Ao
contrário do que ocorreu na economia, onde o Estado foi convidado a se afastar por conta de
sua suposta inoperância, no setor educacional ele passou a ter um papel central, assumindo
inicialmente funções de um Estado regulador. Na sua nova configuração, contraditoriamente,
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o Estado tornou-se mínimo para as políticas sociais e máximo para o capital (PERONI, 2006).
Consoante destaca Azevedo (1997, p. 12),
Defensores do “Estado Mínimo”, os neoliberais creditam ao mercado a capacidade
de regulação do capital e do trabalho e consideram as políticas públicas as principais
responsáveis pela crise que perpassa as sociedades. A intervenção estatal estaria
afetando o equilíbrio da ordem, tanto no plano econômico como no plano social e
moral, na medida em que tende a desrespeitar os princípios da liberdade e da
individualidade, valores básicos do ethos capitalista.
Sob essa perspectiva, em muitos países ocidentais, e também no Brasil, assistiu-se,
especialmente a partir do início dos anos 90 do século XX, a um conjunto de reformas tendo
em vista reafirmar o controle do Estado sobre as questões educacionais. Essas reformas
tiveram como marco referencial a conformação da educação a leis que regem o mercado e a
iniciativa privada. Pressupostos da qualidade total, da competitividade, da eficiência e eficácia
foram importados do sistema econômico diretamente para as práticas educativas e
pedagógicas.
Assim, a educação passou a ser regida por leis que configuram o que alguns autores
têm vindo a designar de mecanismos de um “quase-mercado” educacional, porquanto sua
introdução nesse campo teve como maior consequência a diminuição das fronteiras entre o
setor público e o privado. Com base em Le Grand, Afonso (1999) considera que as estratégias
adotadas nas últimas décadas, em muitos países europeus e latino-americanos, podem ser
chamadas de estratégias de mercado “porque substituem o monopólio dos fornecedores do
Estado por uma diversidade de fornecedores independentes e competitivos.” Mas são quase
“porque diferem dos mercados convencionais em aspectos importantes.” Um desses aspectos
é que, embora tenha em vista o cliente, as organizações assim denominadas não visam
maximização de seus lucros. Outro aspecto refere-se ao fato de que “o poder de compra dos
consumidores não é necessariamente expresso em termos monetários e, em alguns casos, os
consumidores delegam em certos agentes a sua representação no mercado” (AFONSO, 1999,
p.115).
Na fase auspiciosa do neoliberalismo, por influência dos processos de
transnacionalização das políticas educativas, deu-se início, no Brasil, a um conjunto de
reformas educacionais com vistas a fortalecer os processos regulatórios na direção de
construção de um quase-mercado educacional.
Na educação básica, a mais proeminente reforma nessa direção foi a implantação de
um sistema nacional de avaliação, pautado em avaliações em larga escala e standards de
desempenho. Durli e Schneider (2011, p.172) informam que essas avaliações são assim
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denominadas porque se caracterizam pelo “uso de testes padronizados, de aplicação externa,
com foco nos estudantes, nas escolas, nas redes e ou nos sistemas de ensino.” Portanto, seu
objetivo precípuo é a mensuração do desempenho dos estudantes em diferentes níveis de
ensino. Na esteira das avaliações de largo espectro sobressaem objetivos e modelos de
accountability (avaliação, prestação de contas e responsabilização), exigindo dos gestores,
professores e demais atores escolares novos posicionamentos frente ao processo educativo
com consequências indeléveis às condições de melhoria da qualidade educacional.
3 AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA, ACCOUNTABILITY E QUALIDADE
EDUCACIONAL
Consoante evidenciado, as transformações ocorridas especialmente com o advento do
neoliberalismo culminaram em reformas estruturais no modelo de Estado em vigor. Surgiram
medidas que advogavam pela melhoria da qualidade dos serviços públicos, nomeadamente, da
educação básica. Por essa via, o Estado foi chamado a atuar como instância reguladora,
principalmente no que se refere ao campo educacional. No caso do sistema nacional de
avaliação, o Estado passou a definir os objetivos do sistema e o conteúdo do currículo, no
entanto, delegou aos estabelecimentos de ensino a tarefa de escolha dos métodos mais
adequados de aprendizagem e de dinamização do processo educativo.
O sistema nacional de avaliação em curso no país desde o início dos anos de 1990 vem
servindo ao propósito de fortalecer esse novo papel que o Estado assume nas políticas
neoliberais, possibilitando maior número de informações sobre o desempenho educacional
dos estudantes e ampliação das formas de controle das escolas e dos professores. Sobre esse
aspecto, Brooke (2006, p. 378) advoga que “essa exigência por maiores informações sobre os
resultados dos sistemas escolares tem sido respondida pela implementação de políticas de
accountability”.
O termo accountability, expressão de origem inglesa e sem tradução precisa para o
português, é então transportado do campo empresarial como um mecanismo que conforma as
novas configurações que o Estado vem assumindo, ou seja, de um quase-mercado
educacional. Afonso (2010, p.148) menciona que, “embora seja traduzido frequentemente
como sinônimo de prestação de contas, o vocábulo accountability apresenta alguma
instabilidade semântica porque corresponde, na realidade, a um conceito com significados e
8
amplitudes plurais” que, paulatinamente, vem se filiando a interesses econômicos, políticos,
sociais e educacionais.
Para Afonso (2012, p. 472), no contexto do modelo avaliativo em curso em muitos
países ocidentais, a accountability caracteriza-se como uma forma “hierárquico-burocrática
ou tecnocrática e gerencialista de prestação de contas que, pelo menos implicitamente, contém
e dá ênfase a consequências ou imputações negativas e estigmatizantes, as quais, não raras
vezes, consubstanciam formas autoritárias de responsabilização”.
Apesar de, no campo educacional, as políticas de accountability contarem com um
movimento relativamente recente, elas estão presentes nos discursos econômicos desde
meados dos anos 1970. Segundo Abrucio (1997), essa forma de organização da educação foi
introduzida, ainda nos primórdios da década de 1990, por uma corrente denominada de Public
Service Oriented (PSO). O PSO é considerado pelo autor um processo de transformação do
managerialism puro, ou seja, dos pressupostos iniciais da vertente neoliberalista para o campo
educacional.
O PSO teve forte influência na Grã-Bretanha, no entanto, os Estados Unidos também
incorporaram as suas principais ideologias após a publicação do livro “Reinventando o
Governo” de David Osborne e Ted Gaebler (1994). Segundo Abrucio (1997), essa orientação
para a organização dos serviços públicos trouxe em suas alíneas o pressuposto de que, para
melhorar a qualidade dos serviços públicos faz-se necessário chamar os membros da
comunidade para participarem da gestão do sistema público, como fiscalizadores ou
trabalhadores voluntários. Os princípios de descentralização, autonomia, competitividade,
responsabilização e prestação de contas também impregnaram essa nova tendência de
modernização administrativa.
Apesar de sua raiz marcadamente econômica, a accountability foi, com o passar dos
anos, incorporada pelos setores educacionais em decorrência da redefinição do papel do
Estado, da globalização e da migração de políticas educacionais. Conta atualmente com um
movimento relativamente longo em alguns países como os Estados Unidos e Inglaterra.
Evidenciando a forte articulação entre accountability, traduzida pelo autor como
sinônimo de responsabilização, e melhoria da qualidade educacional, Brooke (2006, p.381)
advoga que
Apesar das inúmeras diferenças entre os contextos políticos e econômicos da
Inglaterra e dos Estados Unidos nas décadas de 1980 e 1990, observam-se algumas
semelhanças na motivação dos dois países para adotar políticas de
responsabilização. Ambos os governos, na época, expressaram sua crença na
relação entre competitividade econômica internacional e eficiência e qualidade dos
seus sistemas educacionais. Aliás, a ideia de que existe uma relação entre
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produtividade econômica e educação é antiga nesses países, com raízes na teoria
capital humano, e era de se esperar que, com a progressiva globalização
economia, o argumento que relaciona a qualidade da educação ao processo
inovação e à conquista de mercados os levasse a questionar sua capacidade
formar competências necessárias para a competição global.
do
da
de
de
Foi exatamente nos Estados Unidos, berço das primeiras iniciativas de accountability
no setor educacional, onde o acirramento na discussão de políticas de responsabilização deuse associado às avaliações em larga escala. A publicação do relatório “Uma Nação em Risco”
no ano de 1983 fez com que os Estados Unidos esboçassem um quadro alarmante acerca da
competitividade mundial e à situação educacional que o país vivia na ocasião. Como
consequência, na década subsequente o governo Bush introduziu nos projetos governamentais
modelos e objetivos de accoutability associados aos resultados de avaliações de largo
espectro.
Tomando por referência a abordagem na sua origem, os pressupostos de accountability
educacional foram propagados em diversos países, ao longo da última década, em decorrência
da migração de políticas educacionais e da edificação do sistema neoliberal nas formas de
governação dos Estados Nacionais. Presentemente, essas políticas atuam com merecido
destaque e conquistam a curiosidade e as críticas de renomeados estudiosos do campo das
políticas educacionais.
Em relação às avaliações educacionais, Gremaud e Fernandes (2009, p. 2) mencionam
que essas avaliações
podem ser vistas como um caso particular das avaliações de programas e/ou
políticas e, deste modo, estão relacionadas à ideia de resultados.
Independentemente do contexto em que elas estão inseridas e de seus objetivos, as
avaliações educacionais ou buscam aferir resultados passados ou inferir resultados
futuros.
No entanto, conforme argumenta Maroy (2011), toda forma de avaliação e,
consequentemente, de regulação, principalmente educacional, busca a efetivação de arranjos e
objetivos que vão ao encontro do modelo de governabilidade, um modelo de quase-mercado,
que busca a instituição de “ instrumentos de leitura do real e guias para a ação” (p. 23)
Por essa explicação, compreendemos que as teorias de Estado em curso buscam seus
alicerces no modelo econômico em vigor ou nas próprias transformações históricas e
políticas. O Estado subordina-se às novas leis de mercado e transporta suas principais
atribuições para organizações não governamentais, sociedade civil e indústrias. Sua função se
volta para o fortalecimento e perpetuação do sistema capitalista em vigor e o acirramento das
forças de um mercado que pretende o controle dos indivíduos consumidores.
Nessa
lógica,
o
crescente
interesse
demonstrado
pela
avaliação
externa,
10
impreterivelmente a partir da década de 1980, “sobretudo por parte de governos
neoconservadores e neoliberais, começou a ser traduzido pela expressão “Estado avaliador”
(AFONSO, 2009, p. 49). Essa expressão remonta a adoção de preceitos de mercado através da
incorporação do modelo de gestão da esfera privada, com ênfase nos resultados ou produtos
do sistema educativo. Como se pode observar, as formas de organização e gestão da política
educacional são alteradas em consonância às mudanças no papel e nas funções do Estado.
Essas alterações buscam atender a uma nova demanda pré-estabelecida pela globalização e
pela competitividade econômicas.
No Brasil, tais alterações passam a ser sentidas mais fortemente a partir da década de
90, com a retomada dos princípios democráticos e, no âmbito legal, com a publicação da
Constituição Federal (CF) em 1988, haja vista a ênfase dada nos incisos VI e VII à “gestão
democrática do ensino público, na forma da lei, e a garantia de padrão de qualidade”. Ainda
pode-se citar o estabelecimento nos artigos 211, 212 e 213 que tratam da organização
descentralizada dos sistemas de ensino em relação aos entes federados.
Os delineamentos a que a CF faz menção conceberam ao Estado relativa autonomia
em relação aos seus entes federados e imprescindivelmente o estabelecimento de mecanismos
de controle, a fim de garantir o padrão de qualidade previsto na forma de lei por meio das
políticas de avaliação e de responsabilização pelos resultados. Consoante Bonamino (2012, p.
02) “as iniciativas de avaliação associam-se à promoção da qualidade do ensino,
estabelecendo, no limite, novos parâmetros de gestão dos sistemas educacionais”.
Tomando por referência o previsto na CF, a temática da avaliação e da
descentralização adquiriu centralidade nas políticas educacionais implementadas nos dois
governos do presidente Fernando Henrique Cardoso. Em meio à crescente disseminação a
nível nacional e internacional das políticas de avaliação e responsabilização, o Estado
brasileiro assume feições de um Estado avaliador,
difundindo pressupostos de
descentralização ao mesmo tempo em que cerceia a liberdade individual dos sistemas de
ensino por meio de mecanismos de avaliação vincados em padrões tecnocráticos e
neoconservadores.
Sob forte iniciativa internacional e dos preceitos de descentralização administrativa, o
governo brasileiro implantou, no ano de 1990, o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação
Básica), com o objetivo de monitorar a qualidade da educação básica. Mas a instituição de um
sistema nacional de avaliação somente é consolidada como uma política de Estado, com a
publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 20 de dezembro de 1996, em função
da afirmação da prática da avaliação sistemática para aferir a qualidade de ensino.
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Referindo-se ao papel das avaliações em larga escala, Cury (1998, p. 76) ressalta que a
“avaliação é o eixo nodal da LDB, [pois entregou...] nas mãos da União um poder tão grande
que jamais governo algum o deteve.”. Esse mesmo autor menciona que a legislação em
questão institui um “sistema nacional de avaliação” em detrimento da ideologia de criação de
um “sistema nacional de educação”.
Além destas, a publicação da Lei nº 9.424, em 24 de dezembro de 1996, que cria o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério (Fundef) e a instituição do Plano Nacional de Educação (PNE), em 2001, por meio
da Lei nº 10.172, contribuíram para a implantação de um sistema nacional de avaliação
brasileiro, criado com o pretenso intuito de aferir a qualidade educativa (CURY ,1998).
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),
autarquia federal criada no ano de 1937 pela Lei nº 378, de 13 de janeiro, configura-se,
momentaneamente, como propulsor e fiscalizador das principais legislações e avaliações que
influem nas questões qualitativas e quantitativas da educação básica e superior. O Inep é o
grande responsável pela aplicação e produção dos dados do Saeb, contribuindo de forma
significativa na aferição de uma determinada visão de qualidade dos serviços educacionais
oferecidos à população brasileira.
Em 2005, o Saeb foi reformulado pela Portaria n° 931, de 21 de março de 2005. Esta,
em seu artigo primeiro institui “o Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB, que será
composto por dois processos de avaliação: a Avaliação Nacional da Educação Básica ANEB, e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar – ANRESC” (BRASIL, 2005. p.17).
Este mesmo documento atribui diferentes finalidades para cada processo de avaliação, sendo
que a ANEB manterá as características do Saeb e terá como objetivo primordial avaliar a
qualidade, equidade e a eficiência do sistema escolar, enquanto que à ANRESC, conhecida
como Prova Brasil, recai a responsabilidade de avaliar a qualidade do ensino ministrado nas
escolas, de modo que cada unidade escolar receba o seu resultado individual (BRASIL, 2005).
Ainda no que tange às políticas de avaliação, no ano de 2007, o Ministério da
Educação, criou o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que relaciona
informações de rendimento escolar (aprovação) e desempenho (proficiências) em exames
como a Prova Brasil e o Saeb. Para Fernandes (2007), possuir um indicador sintético de
desenvolvimento seria desejável, pois possibilitaria a detecção de escolas ou redes de ensino,
cujos alunos apresentam baixa performance, bem como monitorar a evolução temporal do
desempenho dos alunos, escolas e redes de ensino.
12
A instauração desse indicador de desempenho representa a consolidação de um
sistema nacional de avaliação e implantação de mecanismos de regulação estatal com vistas
ao monitoramento e controle de um determinado padrão de qualidade educacional. Com a
consolidação de uma política nacional de avaliação, a temática da regulação vem garantindo
forte
espaço
nos
principais
estudos
acerca
da
política
educacional,
dado
ser
predominantemente pelas avaliações de largo espectro que as agências estatais estão
implantando modelos de prestação de contas e responsabilização em seus sistemas de ensino e
escolas.
Assim, é com o fortalecimento das políticas de avaliação em larga escala que a
qualidade educacional passa a ser associada intrinsecamente aos resultados alavancados pelos
testes padronizados. Não obstante, a associação entre avaliação, prestação de contas e
responsabilização (accountability) nem sempre se vincula a processos educacionais
democráticos como os defendidos pela CF. Na maioria das vezes, predomina certa
incongruência entre a avaliação que pretende aferir a qualidade da educação básica e a
constituição de um sistema amplo, complexo e integrado de avaliação, prestação de contas e
responsabilização.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo permitiu evidenciar que com o advento do modelo capitalista concorrencial
global, o neoliberalismo e seus pressupostos paulatinamente vêm impregnando sua lógica de
um quase-mercado no campo educativo. Suas ideologias fazem parte do cotidiano dos
indivíduos, estes aceitam e perpetuam os ideais capitalistas, a oligopolização econômica e,
nomeadamente, a migração de políticas educacionais, principalmente no que tange à
implementação de modelos e objetivos de accountability associada às avaliações em larga
escala.
As políticas ou modelos de accountability respondem às exigências de um novo
modelo de Estado que se caracteriza pela descentralização, competição, eficiência, eficácia e,
imprescindivelmente, pela avaliação, prestação de contas e responsabilização, expressões
estas traduzidas por Afonso (2012) como pilares de um sistema amplo e complexo de
accountability. Surgem com o intuito de fortalecer os preceitos de um Estado que é mínimo
na sua atuação, mas que indubitavelmente não pode abrir mão de um campo tão coeso e
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ideológico como o da educação. Esse novo modelo de Estado descentraliza e incentiva o
gerenciamento da autonomia por parte das instituições educativas, no entanto, implementa um
modelo de responsabilização e prestação de contas alicerçado em um tipo de avaliação
técnico-burocrática de base neotaylorista, que põe dúvida sobre as efetivas condições de
melhoria da propalada qualidade educacional.
As visões pouco consistentes e efetivas do que poderia significar a implementação de
um sistema de accountability no setor educacional produzem fortes consequências ao conceito
de qualidade e ao que se pretende quando se defende a melhoria efetiva da qualidade
educacional. Corre-se o risco de reduzir qualidade ao que os instrumentos de avaliação em
larga escala conseguem aferir e às habilidades alcançadas pelos estudantes em apenas duas
áreas de conhecimento, Língua Portuguesa e Matemática.
Referências
ABRUCIO, Fernando Luiz. O impacto no modelo gerencial na administração pública: um
breve estudo sobre a experiência internacional recente. Brasília: Enap, 1997. (Série Cadernos
Enap, 10)
AFONSO, Almerindo Janela. Um olhar sociológico em torno da accountability em educação.
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