eixo biológico

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EIXO BIOLÓGICO
Unidade 6
Desenvolvimento e crescimento de organismos
modulares
Autores: Helga Correa Wiederhecker e Dulce Maria Sucena da Rocha
Sumário
I. Introdução
II. Modularidade nos sistemas biológicos
III. Organismos modulares
IV. Crescimento modular
V. Implicações evolutivas
VI. Diversidade de organismos modulares
VII. Dinâmica de população de organismos modulares
#M4U6 I. Introdução
Ao iniciar este capítulo, você, um estudante aplicado, já leu sobre organismos
modulares ao menos uma vez: no texto introdutório deste módulo. Retornem ao trecho da página 7 a 10 sobre organismos modulares... Então, já leu? Não? Vamos lá...
Provavelmente, você é familiar a vários destes “organismos modulares” que
aparecem no texto, certo? Entretanto, é possível que você nunca tenha percebido que
se tratasse de organismos modulares. Ou, talvez, nunca lhe tenha ocorrido que organismos pudessem ser considerados como formados por módulos.
Mas o que são organismos modulares? O que organismos de grupos tão diferentes como: plantas, corais, ratos toupeiras pelados (mole rats) e cupins têm em comum? Considerando os exemplos comentados, tentem criar uma definição para “organismos modulares”.
É importante responder a seguinte questão antes de continuar a leitura: o que
são organismos modulares?
Você deve ter percebido que não é simples elaborar uma definição que seja capaz de agrupar diversas formas de vida. Na verdade, mesmo pessoas que trabalham
com esses organismos têm dificuldade para definir o que são organismos modulares e
até mesmo divergem sobre quem seriam os organismos modulares.
Neste ponto, é interessante refletir sobre quem seriam os organismos não modulares. Vamos começar relembrando o que são organismos não modulares. Entre os
membros deste grupo estão várias espécies comuns de vertebrados e invertebrados,
por exemplo: americana (barata doméstica), Phoneutria nigriventer (aranha armadeira) e Homo sapiens (espécie humana) (Figura 1).
Figura 1: Organismos não modulares, Periplaneta americana, Phoneutria nigriventer e Homo
sapiens.
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Nesses organismos, o desenvolvimento do zigoto gera um ser único com estrutura multicelular determinada. O resultado final, o fenótipo do organismo unitário,
dependerá das interações com o meio ambiente também, mas segue um padrão de
crescimento determinado geneticamente. Toda essa estrutura só é repetida novamente
a partir do desenvolvimento de um novo zigoto, pela junção de um gameta feminino
e outro masculino.
Já nos organismos modulares, a característica marcante é a repetição dos “módulos” e o crescimento se dá pela adição de repetidas partes multicelulares e a
quantidade de módulos não é predefinida geneticamente. Apesar do módulo
ter um formato predeterminado, o número e o momento de surgimento deles
são fortemente determinados pela interação com o meio ambiente, por exemplo: a disponibilidade de alimentos/ nutrientes.
Neste momento talvez você esteja se perguntando: “por que estudar organismos modulares?” A modularidade é um fenômeno amplamente distribuído na Biologia e boa parte da biodiversidade que nos cerca é composta de organismos modulares.
#M4U6 II. Modularidade nos sistemas biológicos
A repetição de elementos similares ou não na construção de organismos é uma
idéia antiga na Biologia e está presente nas observações de Aristóteles, em 384­322 a.C.
Essas observações iniciais eram baseadas principalmente na morfologia externa de
organismos. Observe a figura a seguir que exemplifica a arquitetura formada por sucessivas bifurcações presentes em organismos modulares como certas plantas e corais
(Figura 2).
Figura 2: Representação do aumento de complexidade obtido a partir da repetição de uma unidade
básica, em que A representa o módulo, o qual repetido forma estruturas cada vez mais complexas,
como B e C.
Percebam que é possível a partir da repetição de uma unidade básica (Figura
2­A) construir outras estruturas (Figura 2­B) que podem ser repetidas formando estruturas cada vez mais complexas (Figura 2­C).
A modularidade não é restrita à morfologia externa. Ao observar pela primeira
vez células vegetais ao microscópio óptico (células de cortiça), Robert Hooke (1635­
1703) abriu as portas para a dimensão celular. A partir deste momento da ciência foi
possível perceber que a repetição de uma unidade básica – a célula – era o ponto inicial
para formar os organismos multicelulares.
Consórcio Setentrional de Ensino a Distância
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#
M4U6
Desenvolvimento e crescimento de organismos modulares
Um ponto importante é que a repetição das unidades básicas não significa que
todas as unidades desempenhem o mesmo papel. Na verdade, se observarmos as formas atuais de vida, é possível perceber que o aumento do número de células permite
o aparecimento de especialização. Em uma bactéria como a Escherichia colli uma única
célula tem de desempenhar todas as funções vitais para sua manutenção. Já entre as
cianobactérias, que apesar de serem procariotos podem formar filamentos com mais
de uma célula, existem, além das células básicas que constituem o filamento, outras
duas morfologicamente diferentes e que desempenham funções exclusivas (Figura 3).
Figura 3: Foto da cianobactéria: heterocisto e acineto são células com diferentes especializações.
De fato, a modularidade pode ser observada em diversas escalas tal como peças
de um jogo de lego (só que de tamanhos diferentes) ou ainda como figuras fractais (Figura 4 – A a C e D a E). No universo biológico, podemos citar nas proteínas a repetição
de aminoácidos ou, em uma escala um pouco maior, os peptídeos.
Perceba que a cada nível de escala temos um conjunto de unidades que se repetem (se não são unidades idênticas são ao menos similares no seu arranjo e função)
como os tijolos de uma casa. A sucessão de níveis de modularidade forma uma hierarquia. Assim, podemos considerar os aminoácidos como módulos primários, os peptídeos como sendo secundários, os polipeptídios terciários e, assim, sucessivamente.
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Figura 4: As diversas escalas da modularidade. De A a C podemos observar que a estrutura principal
se divide em 2 e esse padrão se repete em cada um dos ramos gerados sucessivamente. Em D e E
temos o mesmo mostrado em um fractal.
Atividade Complementar 1
Você já estudou a composição do DNA e várias outras moléculas orgânicas
(proteínas, carboidratos etc.). Volte nos esquemas dessas moléculas e identifique as unidades básicas que as compõem. Você percebe alguma relação entre
essas unidades e o que leu acima? Exatamente o quê? Descreva as similaridades
entre a estrutura dessas moléculas e os organismos modulares.
#M4U6 III. Organismos modulares
Saiba mais...
Arara-azul-de-lear,
Anodorhynchus
leari, é uma ave
criticamente ameaçada de extinção
devido ao tráfico
ilegal dessas aves
e à destruição de
seu habitat (caatinga). Indivíduos
dessa espécie
ainda podem ser
encontrados no
Norte da Bahia.
Como vimos, existem vários níveis de modularidade e, dessa forma, todos os
organismos multicelulares podem ser entendidos como formados por módulos. Mas
isso não os torna organismos modulares. Embora a modularidade possa ser vista em
vários ângulos dentro da Biologia, o foco deste capítulo é a modularidade no nível
do indivíduo e seu impacto nos aspectos ecológicos e evolutivos. Mas, e as partes
repetidas de organismos não modulares? Qual é a diferença de pernas e braços para
ramos de uma árvore e pólipos de um hidrozoário (veja Figura 2 da unidade Desenvolvimento e Crescimento).
Para deixar isso claro, voltemos aos organismos não modulares. Ao descrever
um organismo não modular é possível relatar quantos apêndices repetidos ele possui:
lobo guará, 2 patas dianteiras e 2 patas traseiras; arara­-azul­-de­lear, 2 asas e 2 patas;
uma borboleta, 3 pares de patas e 2 pares de asas. O aparecimento dessas estruturas
repetidas ocorre durante o desenvolvimento do embrião e tanto o número de apêndices como a morfologia básica sofre pouca ou nenhuma influência do ambiente sendo
fixados para cada espécie.
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Desenvolvimento e crescimento de organismos modulares
Que tal fazermos esse mesmo exercício para organismos modulares? Observem
a figura 5 (o exemplo é um jenipapo, mas poderia ser uma outra árvore qualquer).
Figura 5: Parte da copa de um jenipapo (Genipa americana) evidenciando o aspecto modular de dois
ramos de diâmetro similares.
Ao iniciar a contagem do número de estruturas repetidas (ramos) percebemos
que a situação muda. Repare nos dois retângulos da figura. Apesar das arquiteturas e diâmetros serem muito parecidos, o número de ramificações difere
entre essas duas terminações. Isso porque, diferentemente de organismos não
modulares, o número de partes repetidas (módulos) de um organismo modular reflete a história de desenvolvimento daquele indivíduo e não é uma
característica fixa da espécie.
Essa diferença em relação ao crescimento (número determinado de partes ou
não) leva a outra diferença ecológica marcante entre organismos modulares e não modulares, que é a definição de indivíduo.
A definição de indivíduo não é tão simples assim. Não temos dificuldade em
dizer que um cachorro, um gato, uma galinha são, cada um, um indivíduo de
uma dada espécie. Entretanto, qual seria a definição de indivíduo para uma
árvore ou um coral?
Vamos pensar em uma árvore que é mais próxima de nós.
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Módulo IV - Desenvolvimento e Crescimento
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Saiba mais...
Tecidos meristemáticos são os
primeiros tecidos
que surgem numa
planta e são conhecidos como tecidos
de formação, pois
deles originam
outros tecidos.
BSC
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Podemos considerar uma árvore como uma colônia de ramos, cada qual originado de uma gema lateral (um broto lateral). A gema lateral seria, neste caso, análoga
a uma semente, e cada ramo reproduz, em escala diferente, o desenvolvimento inicial
do caule principal. Plantas crescem por ação de um tecido meristemático situado no
ápice do caule (gema apical ou meristema apical). À medida que este produz mais células, forma nas laterais conjuntos de células indiferenciadas que, ao se dividirem, formam folhas novas (Figura 6). Folhas, portanto, são formadas próximas ao ápice. Cada
folha diferencia, junto à base do pecíolo, um meristema, chamado de gema lateral.
Quando este meristema se torna funcional, desenvolve­-se um novo caule (que agora
chamamos de ramo) que tem, no ápice também, um meristema apical, que lateralmente forma um meristema que dará origem a uma nova folha e assim sucessivamente
(Figura 6).
Figura 6: Crescimento vegetal. Estrutura geral de uma planta vascular e detalhe da localização das
zonas de crescimento apical e lateral.
Por outro lado, quando observamos uma paisagem com árvores consideramos
intuitivamente cada árvore como um indivíduo. Cada uma apresenta uma idade diferente e distinta produção de flores, frutos e sementes. Além do mais, cada uma pode
vir a morrer em épocas diferentes e interage de maneira um pouco diferente com seus
vizinhos e demais espécies da comunidade (competição, alimento para herbívoros
etc.).
Entretanto, muitas plantas são capazes de reprodução assexuada, ou seja, um
novo “indivíduo” é formado sem que haja fecundação. Temos, neste caso, um
clone, que são “indivíduos” geneticamente iguais. Mas o que vem a ser um
indivíduo?
A dificuldade de se definir o que vem a ser um indivíduo advém do fato de que
os critérios empregados nesta definição se basearem principalmente em características
encontradas em vertebrados, especificamente em mamíferos (em especial nós humanos).
O ciclo de vida ou a forma de desenvolvimento dos vertebrados não é universal.
Para dizer a verdade, talvez seja uma exceção na natureza como um todo. Existem
muito mais fungos, protistas (incluindo algas), plantas e bactérias no mundo, do que
animais (considerando vertebrados e invertebrados). Portanto, as características que
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#
M4U6
Desenvolvimento e crescimento de organismos modulares
definem os animais são uma exceção na natureza. Ou, talvez, cada grupo de organismo (cada Reino) apresente características próprias e nós, humanos, já deveríamos ter
nos conformado com o fato de que definições universais, em Biologia, são raras.
Os atributos que têm sido usados para definir um indivíduo são: 1) individualidade genética; 2) homogeneidade genética e 3) autonomia e unidade fisiológica
– qualquer indivíduo deveria apresentar esses três atributos.
Entretanto, como fungos, protistas, plantas e bactérias não leram os livros de
Biologia que andamos escrevendo, na natureza, encontramos uma diversidade muito
maior do que a circunscrita por esses três atributos.
Individualidade genética é um critério que se aplica bem à espécie humana e
a muitos outros mamíferos, uma vez que gêmeos univitelinos são raros e facilmente
distinguíveis por apresentarem comportamento, humor, interesses (personalidade)
normalmente muito diferentes. Entretanto, fungos se reproduzem principalmente
produzindo esporos assexuais, capazes de colonizar novos ambientes, assim como
muitos protistas. Plantas freqüentemente se reproduzem de maneira assexuada, formando mais unidades geneticamente idênticas à primeira. Nesse caso, o que seria um
indivíduo? O clone como um todo? Ou cada uma das unidades desse clone?
Quanto à homogeneidade genética, este atributo é novamente verdadeiro para
a maioria dos vertebrados, mas não para todos os organismos existentes na natureza.
A idéia de homogeneidade tem origem no postulado de Weismann, o primeiro a fazer
distinção entre gametas e células somáticas (aquelas que não participam da formação
de um zigoto). Como o indivíduo é originário de um único zigoto, o conteúdo genético
das suas células seria igual e, portanto, o organismo seria geneticamente homogêneo.
Nesse cenário, as mutações somáticas são consideradas raras e deletérias (causadoras
de doenças letais) e não se espalhariam pelo organismo.
Entretanto, tanto plantas como algas e fungos podem apresentar mutações e
duplicações do genoma, os quais podem estar presentes em um grande número de
módulos. Sendo assim, em uma mesma árvore é possível ter ramos com genótipos
diferentes. Tal processo é feito artificialmente, por exemplo, na produção de plantas
híbridas de cítrus em geral, onde um ramo de uma variedade mais sensível, porém
produtiva, é conectado a uma muda de uma variedade mais resistente por meio de
uma técnica agrícola muito bem conhecida e antiga chamada de enxertia.
Nós voltaremos ao assunto de homogeneidade genética, um pouco à frente,
quando discutirmos a implicações evolutivas da modularidade.
O terceiro atributo refere­-se à autonomia e a unidade fisiológica. Huxley sugeriu que autonomia e unidade fisiológica seriam os principais atributos de um indivíduo para o Reino Animal. Um indivíduo seria reconhecido como um conjunto de sistemas naturalmente fechado e isolado, cuja heterogeneidade morfológica e funcional
só adquire um real significado quando considerada com relação ao todo. Indivíduos
são considerados autônomos toda vez que eles puderem utilizar o mundo exterior
para seus propósitos, incluindo a continuidade do todo (do indivíduo). Um indivíduo
deve ser independente em relação às forças da natureza e deve funcionar de tal forma
que os novos indivíduos, derivados dele (seus descendentes), tenham a capacidade
continuar funcionando de maneira similar. Em outras palavras, um indivíduo pode
agir independentemente em resposta às pressões ambientais de forma a permitir sua
reprodução.
Insetos sociais (abelhas, cupins, formigas) que vivem em colônias são os melhores exemplos de organismos aos quais este atributo não se aplica. Uma colônia
de insetos sociais pode ser entendida como um todo organizado dentro do qual cada
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Módulo IV - Desenvolvimento e Crescimento
Saiba mais...
Friedrich Leopold August
Weismann (1834
– 1914) foi um biólogo alemão que ficou conhecido pela
sua contribuição
com relação à teoria da hereditariedade. Ele fez uma
crítica à teoria dos
caracteres adquiridos e foi o primeiro
a fazer a distinção
entre as células
somáticas (“plasma
somático”) e as células germinativas
(“plasma germinativo”). Segundo
ele, somente o
“plasma germinativo” era transmitido
de uma geração
para a outra.
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Eixo Biológico
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componente individual não se relaciona com o ambiente de maneira isolada, mas
como parte de um todo. Somente alguns poucos indivíduos da colônia transferem
seus gametas para a próxima geração. As operárias de uma colônia de insetos podem
ser capazes de agir independentemente com respeito ao ambiente, mas elas não são
capazes de reprodução independente.
Estudos recentes com algas vermelhas marinhas relatam casos de falta de autonomia entre genótipos diferentes. Durante o desenvolvimento, esporos geneticamente
distintos podem se aderir e parcialmente se fundir formando o que macroscopicamente parece ser um único indivíduo. Esses mosaicos geneticamente polimórficos de partes da alga freqüentemente apresentam um crescimento maior em direção ao centro
do “indivíduo”. Essas partes centrais e maiores são as únicas capazes de se reproduzir
sexuada ou assexuadamente por meio de esporos.
Atividade Complementar 2
No módulo passado você pesquisou sobre liquens. Aprofunde seu conhecimento sobre esses organismos. Para você, o que deveria ser considerado como um
indivíduo em um líquen?
Uma abordagem útil é denominar o indivíduo como um todo (com todos os
seus módulos) de genet (ou indivíduo genético) e cada um dos módulos de ramet. Sendo assim, na reprodução sexuada são produzidos genets (indivíduos
geneticamente diferentes) e na reprodução assexuada são produzidos ramets
de um mesmo genótipo.
Essa distinção, genet e ramet, é especialmente útil quando enfocamos aspectos de
evolução e conservação dessas espécies.
No cerrado, é comum observarmos agrupamentos de árvores da mesma espécie. Observe a figura 7 abaixo. As plantas numeradas são uma espécie de Lychnophora (arnica) que ocorre perto do morro da baleia na Chapada dos Veadeiros/ GO. Ao ver tantos indivíduos próximos podemos nos perguntar: será que
os indivíduos menores são mais novos que os maiores? Será que os indivíduos
pequenos são provenientes de sementes que estavam no chão? Será que os indivíduos próximos uns dos outros são genets distintos ou ramets de um mesmo
genet? Qual é o número de genets de uma certa espécie em uma determinada
área? Por que espécies de cerrado têm distribuição agrupada?
Consórcio Setentrional de Ensino a Distância
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M4U6
Desenvolvimento e crescimento de organismos modulares
Figura 7: Vista de um cerrado com ocorrência agrupada de arnica (Lychnophora sp) – Chapada dos
Veadeiros/ GO.
A reprodução por meio de aumento do número de ramets é especialmente importante quando eventos como fogo danificam ou destroem a parte aérea de um determinado indivíduo. Nesse caso, essa estratégia facilita a regeneração.
Por estar bem adaptado ao ambiente onde vive, um mesmo genet pode cobrir
uma grande área apenas pela produção de vários ramets. Nesse caso, o sucesso adaptativo de genets distintos pode ser medido pela diferença no número de ramets produzidos.
O aumento do número de módulos, sejam ramets (número de ramos) ou simplesmente aumento de tamanho do organismo modular, tem implicação direta
com relação ao aumento da capacidade reprodutiva do genótipo. Por exemplo,
quanto maior for o número de ramos da copa de uma árvore, potencialmente
maior será o número de flores produzidas e o de sementes. A tendência é que
genets com maior idade sejam maiores e apresentem maior sucesso reprodutivo
(pelo menos até certo ponto).
Na unidade Crescimento de Desenvolvimento (deste mesmo módulo ­IV), apresentamos o exemplo de um clone de álamo (Populus tremuloides) que cobre cerca de
10 ha, apresenta 47.000 ramets e que, se estima, tenha em torno de 10.000 anos.
Isso difere muito do que ocorre com organismos não modulares. Um cachorro
produz, digamos, em média, cinco filhotes por ninhada. À medida que se torna mais
velho, essa média não aumentará. E, após certa idade, tenderá a decrescer, pois a fecundidade depende da idade do organismo.
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Módulo IV - Desenvolvimento e Crescimento
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Eixo Biológico
Saiba mais...
Isoenzimas são
gruposde múltiplas
formas moleculares
de uma mesma
enzima que ocorre
numa espécie.
São marcadores
oleculares utilizadas no estudo de
identificação de
variedades, na dispersão de espécies,
análise de filogenias, melhoramento de plantas, entre
outros.
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B
Quando estamos falando de conservação de uma espécie, temos em mente tentar conservar o máximo de variabilidade genética existente dentro de uma população.
Ora, como não temos visão de raio X como o super-­homem, no caso de plantas que se
reproduzem assexuadamente através de órgãos subterrâneos (rizomas, raízes gemíferas, bulbos, tubérculos) nem sempre é fácil distinguir o que é um indivíduo geneticamente distinto e o que são ramets de um mesmo genet. Dessa forma, são necessários
outros métodos, tais como: escavações buscando as conexões subterrâneas ou análise
da variabilidade genética, utilizando isoenzimas ou DNA, para fazer essa distinção.
Um conceito que não é muito fácil de perceber é por que a variabilidade genética é importante para a conservação de uma espécie. Simplificando, uma população
sem variabilidade genética é mais vulnerável a mudanças das pressões seletivas, como
mudanças climáticas severas e agentes patogênicos. Indivíduos geneticamente idênticos apresentam igual suscetibilidade a agentes patogênicos, por exemplo. Portanto,
se um deles se contaminar o outro provavelmente também desenvolverá a mesma
doença e se essa doença for letal, toda a população poderá desaparecer desse local.
#M4U6 IV. Crescimento modular
Podemos reconhecer dois extremos de crescimento modular. No primeiro, os
novos módulos gerados permanecem conectados física e fisiologicamente aos módulos mais velhos. O crescimento de colônias de corais, hidrozoários e árvores são
bons exemplos desse extremo. Nesses organismos a sobreposição dos módulos (que
se mantêm juntos) leva a um aumento do tamanho do organismo, muitas vezes importante para a formação do componente estrutural do ambiente. No caso de ambientes
marinhos, durante o desenvolvimento de colônias de corais, são formados diversos
micro­habitats que favorecem a ocorrência de outras espécies de peixes e algas, pois
adicionam complexidade estrutural fundamental para a sobrevivência de toda a comunidade.
Saiba mais...
Recifes de coral são, juntamente com as florestas tropicais, um dos mais diversos ecossistemas do planeta. Esses ambientes (tanto os recifes como as florestas tropicais) estão
seriamente ameaçados em escala global. Estima­se que 27% dos recifes de coral do mundo
já foram degradados irreversivelmente e, no ritmo atual, previsões indicam que uma perda
semelhante ocorrerá nos próximos 30 anos (WWF, 2002). As razões por que os recifes de
coral vêm desaparecendo são muitas. Algumas têm a ver com as atividades de pesca que
empregam dinamite para obtenção de peixe, outras com as que causam a poluição das
águas. Entretanto, mais recentemente tem­ se observado o fenômeno de branqueamento
dos corais e, nesse caso, acredita-­se que a principal razão seja o aumento de dióxido de
carbono na atmosfera, causado pelas atividades humanas, que agiria de maneira a diminuir
o pH da água acidificando­-a. Veja mais informações nos sites: http://www.recifescosteiros.
org.br/reefcheck/historico.php http://cienciahoje.uol.com.br/controlPanel/materia/view/
54211
A vantagem adaptativa de manter os módulos conectados é a de que à medida
que novos módulos são acrescentados, o organismo cresce e cresce também a eficiência na obtenção de recursos, uma vez que a área do organismo especializada em
obtê­los aumenta. Em manchas favoráveis do ambiente, indivíduos, que ao adicionar
módulos, aumentam a eficiência de ocupação, apresentam, assim, maior valor adaptativo, o qual permite a seleção dessa forma de crescimento. Você pode pensar numa
mancha favorável como sendo um local onde a circulação de água facilita o acesso
a partículas de alimento (plâncton e detritos) no caso dos corais ou uma mancha de
solo mais fértil no caso de uma árvore. Além disso, ser maior, normalmente, significa
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#
M4U6
Desenvolvimento e crescimento de organismos modulares
ter maior capacidade de competir por recursos limitantes. Por exemplo, um sistema
radicular maior permite absorver maior quantidade de água e sais minerais do solo,
ou ainda, uma copa maior permite interceptar maior quantidade de energia solar e,
portanto, maior capacidade de realizar fotossíntese (Figura 8).
(B)
(A)
Saiba mais...
Figura 8: (A) Aspecto externo de uma floresta mostrando os diversos extratos (alturas das árvores). A
quantidade de luz que chega às árvores mais baixas é menor do que aquelas mais altas (com maior número de módulos); (B) Vista no interior da mata onde podemos observar que boa parte da luz incidente
na floresta foi filtrada pelos indivíduos dos extratos mais altos. Quanto mais alta e frondosa for uma
árvore maior será a capacidade dela de interceptar a energia solar.
No outro extremo do crescimento modular estão os módulos que têm independência física e fisiológica uns dos outros. Os novos módulos são propágulos capazes de colonizar locais distantes, ou seja, novos ambientes. Essa capacidade de se
distanciar do ramet que é mais velho e maior diminui a competição por recursos entre
eles. Como cada módulo, neste caso, é um ramet de um mesmo genet, essa estratégia
permite que um mesmo genet possa se desenvolver em diferentes condições ambientais ao mesmo tempo. Dessa forma, o genet pode ser testado em condições ambientais
diversas, com diferentes probabilidades de sobrevivência e propagação do genótipo
em cada um daqueles ambientes. Cada ramet de um genet, que alcança um novo habitat, aumenta as possibilidades de encontrar um ambiente ótimo para o seu desenvolvimento distante do ponto de origem, aumentando a área de distribuição do genet.
De certa forma, essa estratégia parece resolver a impossibilidade de locomoção
de um organismo séssil, permitindo que pelo menos um dos ramets de um mesmo
genet sobreviva, aumentando a área de vida do genet. Para um organismo capaz de
se locomover, mudar de local à procura de condições ótimas para se desenvolver, é
bastante fácil. Exemplos disso podem ser vistos em várias escalas desde a preferência
por micro­habitats favoráveis na mesma área, como por exemplo, abrigar­-se sob pedra
ou fresta nos horários mais quentes do dia, como os lagartos, até a realização de migrações sazonais, evitando escassez de alimento e baixas temperaturas, como ocorre
com as aves migratórias.
400
Módulo IV - Desenvolvimento e Crescimento
Propágulo é
qualquer estrutura capaz de se
destacar da planta
mãe e regenerar
uma nova planta
(seja de modo
assexuado ou
sexuado). Muitos
dos propágulos são
oriundos de tecido
meristemático que
se formam pequenas mudas ainda
na própria planta
mãe, antes de se
destacarem e se
dispersarem. Isso
é o que acontece
com as Agavaceae
(como a Pita e o
Sisal) que formam
pequenas mudas
nas extremidades
dos ramos das
inflorescências
(essas estruturas
são chamadas de
bulbilhos). Porém,
sementes formadas após fecundação também são
consideradas como
propágulos.
P
Eixo Biológico
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B
Por fim, ramets independentes diminuem a probabilidade de desaparecimento
do genet devido a, por exemplo, pragas, doenças e catástrofes localizadas.
#M4U6 V. Implicações evolutivas
Saiba mais...
Herbivoria é um
tipo de interação
entre animal e
planta, que consiste no consumo
ou retirada de
partes vegetais
por animais, como
formigas, lagartas
e veados.
A forma de crescimento dos organismos modulares tem grandes implicações
na distribuição e longevidade de um genótipo e, por fim, na evolução desses organismos. Tomemos como exemplo uma planta de crescimento modular. A perda de alguns módulos por herbivoria, que pode ser a ação do gado em uma pastagem, veados
comendo brotos e ramos jovens de um arbusto ou insetos se alimentando de folhas,
não mata o indivíduo. Pode danificá­lo, mas ele será capaz de produzir mais módulos
e sobreviver ao ataque. Essa capacidade de recuperação não existe para organismos
não modulares.
Em uma árvore, ou arbusto, ramos mais velhos podem morrer e apodrecer,
sendo destacados da planta, mas o indivíduo pode continuar vivendo por muito mais
anos, produzindo novos módulos (ramos). Aquelas plantas capazes de crescimento
vegetativo, através de estruturas subterrâneas (rizomas, raízes gemíferas), cujos ramets podem, inclusive, se tornar mais tarde, fisiologicamente independentes, possuem
mais possibilidades de perpetuar o genótipo. Reparem que teoricamente, devido ao
crescimento modular, alguns genótipos podem ser imortais.
Outra característica pouco lembrada é o fato de que mutações somáticas (aquelas que ocorrem nas células não reprodutivas) têm conseqüências totalmente
diferentes em organismos modulares e naqueles não modulares. Mutações somáticas em organismos não modulares não podem ser herdadas e só são de
interesse em estudos relacionados à área de saúde, uma vez que, freqüentemente, essas mutações causam tumores. Entretanto, em organismos modulares, as
mutações somáticas podem ter conseqüências evolutivas.
Imagine uma árvore. Como você já leu acima, árvores crescem, adicionando novos módulos chamados de ramos, que se desenvolvem a partir de meristemas. Cada
novo ramo produz novas folhas, que formam novos ramos e assim sucessivamente.
Mas além de folhas, quando chega à época adequada, cada novo ramo forma também
ramos especiais que portam flores. Esses ramos especiais com suas flores são chamados de inflorescências. Várias dessas flores produzirão sementes dentro das quais
haverá um novo embrião de uma nova plantinha daquela espécie.
Ora, voltemos agora aos meristemas e às mutações somáticas. As regiões meristemáticas em plantas diferem entre os grupos de plantas (pteridófitas, gimnospermas
e angiospermas). Em angiospermas as regiões meristemáticas possuem 3 camadas de
células que se dividem e cada camada dá origem a um tipo de tecido diferente. A camada que origina as partes da planta envolvidas na reprodução sexuada é a segunda
camada (LII – L de layer, camada em inglês). Uma mutação que ocorra em uma célula
dessa camada pode ser herdada por todo um conjunto de células que irão constituir
uma flor e, portanto, as células precursoras dos grãos de pólen e aquelas precursoras
do megásporo. Dessa forma, uma mutação somática, em um organismo modular,
pode ser transmitida à próxima geração.
Em plantas, existe ainda outra maneira de como uma mutação somática pode
ser herdada e, nesse caso, é quando essa mutação ocorre em células de meristemas
adventícios. Meristemas adventícios são conjuntos de células indiferenciadas que
se formam em outros locais que não na base das folhas (ou seja, não são formados no
nó). Esses meristemas se formam ou em razão de algum tipo de dano causado nos te-
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#
M4U6
Desenvolvimento e crescimento de organismos modulares
cidos da planta, ou em órgãos subterrâneos, ou ainda como em Kalanchoe, na margem
de folhas (Figura 9). De qualquer forma, uma nova planta completa é formada a partir
desse tipo de gema (tecido meristemático), ou seja, um novo ramet e não apenas um
novo ramo. Se uma mutação ocorrer em uma célula de uma gema adventícia então,
certamente, ela será herdada pela nova planta que se está formando.
Figura 9: Detalhes da formação de novas plantinhas na margem e ápice de folhas de Kalanchoe sp,
a partir de gemas formadas nesses locais (gemas adventícias). Uma vez formadas, essas pequenas
plantas se destacam da planta mãe e ao caírem no solo podem formar novas plantas independentes da
primeira.
Assim, uma árvore pode ser considerada como uma população de ramos que
podem diferir na sua constituição genética, de forma que ramos diferentes podem diferir quanto à velocidade de crescimento, número de flores produzidas, suscetibilidade ao ataque de herbívoros. Mutações capazes de aumentar a chance de sobrevivência
de um ramo seriam preservadas e se espalhariam mais rapidamente do que aquelas
que prejudicassem o crescimento do ramo, por exemplo.
Em uma população de ramets de um mesmo genet, podemos supor que pequenas mutações poderiam se estabelecer entre os ramets e que aquelas mais vantajosas, que permitissem a sua sobrevivência, seriam conservadas. Ramets com
mutações não vantajosas seriam eliminados com o tempo ou superados pelos
com mutações vantajosas.
Sendo assim, em organismos modulares, é possível que as mutações tenham
muito mais chance de serem fixadas do que em organismos não modulares,
para os quais a reprodução sexuada é a principal forma de multiplicação. Entre
os últimos, para as mutações serem passadas de geração em geração elas devem
estar presentes nos gametas. Adicionalmente, se as mutações ocorrem em uma
fase muito inicial do desenvolvimento do zigoto e comprometem o plano de
desenvolvimento do indivíduo, podem causar a morte e impedir que a característica seja passada para outras gerações.
402
Módulo IV - Desenvolvimento e Crescimento
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Esse funcionamento reduz muito as ocasiões em que mutações são fixadas nos
organismos não modulares. Percebam que todas as mutações que ocorrem nas células
somáticas (células não reprodutivas), quer sejam adaptativas ou não, não são hereditárias. Com isso, restam as mutações que atingem os gametas e, para essas mutações,
a pressão seletiva age de forma incisiva, ou seja, só serão fixadas se permitirem que o
indivíduo se reproduza.
Mais ainda, para que uma mutação seja fixada em uma população ela deverá
conferir ao indivíduo portador uma aptidão (ou seja, uma capacidade reprodutiva)
maior do que a dos indivíduos não portadores dessa mutação. E os descendentes do
indivíduo portador, também portadores dessa mutação, deverão apresentar maior
aptidão do que os não portadores. Assim, suponha que um indivíduo portador de
uma mutação que lhe confere uma vantagem adaptativa (qualquer que seja) sobre os
demais seja abatido por um caçador antes de se reproduzir. A mutação que lhe conferiria maior vantagem adaptativa não será herdada por nenhum descendente e terá
se perdido. Além disso, devido à segregação na meiose, uma mutação que pode ser
vantajosa para um indivíduo, ou seja, para uma determinada combinação de genes,
pode não apresentar a mesma vantagem adaptativa em outro conjunto de genes, nos
indivíduos descendentes também portadores.
Aqui é importante ressaltar que a idéia que sustenta o senso geral, de que a
introdução e fixação de um novo alelo (mutação) é um processo lento, é exatamente derivada do funcionamento de organismos não modulares. Isso pode ser
realmente o que acontece para a maioria das espécies compostas por organismos não modulares e que se multiplicam basicamente por reprodução sexuada... E para os organismos modulares?
#M4U6 VI. Diversidade de organismos modulares
Uma das maiores dificuldades em se ter uma única definição é englobar a diversidade de classes de organismos. Estes organismos de diversos grupos apresentam
características biológicas distintas e dentro de cada classe é possível delimitar uma
definição mais apropriada, pois o nível de diversidade será menor.
Como na maior parte da biologia, a classificação é resultante de uma necessidade humana. Embora definir os grupos e padrões de comportamento seja de grande
utilidade para a construção das idéias e o avanço do conhecimento, um biólogo sempre tem de ter a percepção de que nem todos os organismos se enquadram perfeitamente nas definições e que dependendo da questão abordada a árvore será igual a
indivíduo ou a um conjunto de módulos.
Definições e classificações são para ajudar e não atrapalhar, pois devem auxiliar
o entendimento e não sufocar os alunos com tantos nomes, comprometendo o entendimento.
Embora a classificação tradicional, por motivos práticos, divida os organismos
em modulares e não modulares, você, como um biólogo em formação, deve ter o entendimento de que a modularidade dos organismos é um contínuo que em um extremo apresenta organismos não clonais e não conectados e, no outro, organismos
que se reproduzem de forma clonal (vegetativa), apresentado grande conectividade
e dependência entre módulos.
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M4U6
Desenvolvimento e crescimento de organismos modulares
#M4U6 VII. Dinâmica de população de organismos modulares
Cada um dos grupos de organismos considerados como modulares apresentam
uma combinação de características que os diferenciam de organismos não modulares.
Isso é diretamente refletido na dinâmica das populações. Basicamente a reprodução
sexuada não é o único modo de reprodução e o crescimento modular tem um papel
importante no aumento de biomassa. Para exemplificar a dinâmica utilizaremos os
cupins.
Entre os insetos, o comportamento de vida em colônia ocorre em dois grandes
grupos: hymenopteras (formigas e abelhas) e isopteras (cupins). Apesar de apresentarem a característica comum de formar colônia, esses dois grupos não são evolutivamente próximos. As hipóteses filogenéticas mais recentes mostram que cupins são
mais aparentados com baratas (Blataria) e louva­deuses (Mantodea) e que formigas e
abelhas são com borboletas (Lepidoptera), pulgas (Siphonaptera) e moscas (Diptera).
Este distante parentesco suporta, então, a idéia de que a “vida em sociedade”, entre os
insetos, surgiu em mais de um evento evolutivo (Figura 10).
Figura 10: Topologia da hipótese de parentesco dentro de insetos. Mostra como os cupins estão mais
próximos às baratas e aos louvadeuses, e formigas mais aparentados a borboletas e moscas. Fonte:
Tree of life http://www.tolweb.org/Hymenoptera/8232.
404
Módulo IV - Desenvolvimento e Crescimento
Saiba mais...
Por biomassa entendemos a quantidade de massa
de organismos por
unidade de área de
solo ou água (no
caso da água normalmente falamos
de volume). No
geral expressamos
a quantidade de
massa em termos
de unidade de
energia (joules por
metro quadrado),
ou matéria orgânica seca (toneladas
por hectare, por
metro quadrado,
por metro cúbico).
Ou seja, a biomassa expressa o
quanto de matéria orgânica está
contida em uma
dada área, em um
dado nível trófico
e que poderá ser
utilizada como
recurso alimentar
(energia) pelo nível
trófico superior. Na
prática, incluímos em biomassa
todas as partes
vivas ou mortas
que estão vinculadas ao organismo
vivo. No caso de
uma árvore, todo
o corpo da árvore é considerado
para estimar a sua
biomassa, mesmo
sabendo­se que
a maior parte da
madeira ser constituída de fibras, ou
seja, células não
vivas. Entretanto,
os organismos (ou
suas partes) deixam de ser vistos
como biomassa
quando morrem,
ou são mortos, e
se tornam componentes da matéria
orgânica morta.
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Eixo Biológico
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Entre as mais de 300 espécies de cupins encontradas no Brasil, várias podem ser
facilmente detectadas no ambiente pelos seus murundus. Esse nome, que pode soar
estranho para alguns, é uma palavra africana para pequeno monte e é utilizada para
designar cupinzeiros terrestres. Veja alguns exemplos de murundus na figura 11.
(A)
(B)
Figura 11: Diversidade de locais que podem ser ocupados por ninhos de cupins. Esses são do gênero
Cornitermes.
Saiba mais...
'
Apesar de serem frequentemente identificadas como pragas de madeira e pastagens, em
alguns ecossistemas cupins são espécies­ chave. Cupins desempenham importante papel
em funções­chave como na decomposição de matéria orgânica, na ciclagem de nutrientes e
adicionando complexidade estrutural ao ambiente. Poucos grupos de insetos são detritívoros como os cupins. Em todos os casos esse hábito alimentar é possível devido ao resultado
da co­evolução simbiôntica com grupos de microrganismos capazes de quebrar as ligações
químicas de lignocelulose, presente na madeira e não digeridos pelos cupins. Sendo assim,
os ninhos de cupins, que em alguns casos chegam a ter mais de um metro de altura, são
elementos de grande importância ecológica. Nenhuma espécie de cupim é considerada
como ameaçada de extinção, entretanto devido ao extensivo desmatamento das áreas naturais várias espécies tiveram a sua área de distribuição original alterada. A diversidade de
cupins é negativamente impactada pela agricultura intensiva e o desmatamento. Antigas
colônias terrestres são facilmente removidas por tratores. Isso afeta tanto as espécies de
cupim quanto as demais espécies que se alimentam e ou se abrigam em cupinzeiros. Portanto, ao conservar cupins garantimos aspectos vitais para a integridade de ecossistemas
incluindo as relações tróficas e o fluxo de energia e nutrientes nos ciclos biogeoquímicos.
Cada ninho é o resultado do trabalho de diversos cupins gerados a partir de um
casal inicial. Via de regra, o processo todo se inicia com o acasalamento de um macho
e uma fêmea alados (com asas). Após o acasalamento, o rei e a rainha iniciam a construção do ninho e a produção de ovos. A fundação é uma das etapas críticas da vida
de uma colônia, pois o casal real desempenha todas as funções da colônia até que os
demais membros do ninho amadureçam.
A rainha põe uma série de ovos que ao se desenvolverem dão origem à cupins
com funções diferentes, também chamadas de castas: soldados, operárias e reprodutivos (machos e fêmeas) (Figura 12). A forma como a função de cada uma das castas é
determinada varia entre as espécies e responde a fatores como a sazonalidade e disponibilidade de alimentos no ambiente. Em algumas espécies, com o sistema colonial
menos desenvolvido, a diferenciação entre as formas aladas (reprodutivas) e as não
reprodutivas é feita mecanicamente pelo casal real que corta as asas dos cupins destinados a desempenhar atividades para a manutenção do cupinzeiro. Já nas espécies
com sistema colonial mais desenvolvido a definição ocorre bem cedo, e cada uma
das castas apresentam formas bem distintas, por exemplo: os reprodutivos acumulam
mais gordura enquanto os soldados desenvolvem mandíbulas fortes.
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M4U6
Desenvolvimento e crescimento de organismos modulares
Figura 12: Esquema contendo um ciclo básico de espécies de cupins mostrando o desenvolvimento de
diferentes castas.
Essa especialização em castas, com uma divisão bem rígida de tarefas leva a
um sistema onde não faz sentido pensar em sucesso reprodutivo de cada cupim, pois
os operários e os soldados são estéreis. Da mesma forma, a morte de um “cupim” de
uma das castas estéreis também não compromete diretamente a perpetuação da colônia e, pelo contrário, a eficiência de um em defender a colônia, mesmo diante do risco
eminente de morte, aumentará o sucesso e a viabilidade da colônia. Por outro lado,
a morte da rainha já tem repercussões mais graves e, para algumas espécies, que não
possuem a característica de desenvolver outra rainha dentro do ninho, pode representar a morte de toda a colônia, pois não haverá reposição de cupins (Figura 13-B).
Para uma colônia, assim como para organismos não modulares, o potencial de
reprodução varia em resposta às flutuações do ambiente e em condições favoráveis de
alimento, pluviosidade, baixa predação, etc. e a produção de ovos tende a ser maior.
Essas condições também podem ser importantes para determinar a proporção (quantidade relativa) de cada casta na colônia.
Adicionalmente, cada uma das etapas da vida de uma colônia – fundação, crescimento e reprodução – apresenta diferentes demandas em relação às castas. Durante
a fundação e boa parte da fase de crescimento o maior investimento ocorrerá no aumento das castas estéreis (Figura 13 – seta I e II), importantes para o crescimento e manutenção do ninho. Essa forma de crescimento é considerada modular, pois a colônia
aumenta pela adição de módulos (indivíduos estéreis) que desempenham funções
específicas. Na fase de reprodução, parte dos ovos produzidos originarão formas aladas que dispersarão, abandonando a colônia.
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Módulo IV - Desenvolvimento e Crescimento
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Percebam que parâmetros como, natalidade e mortalidade, fecundidade, migração têm sentidos diferentes dependendo de que casta consideramos. Dessa
forma, a dinâmica populacional de cupins e de organismos modulares de uma
forma geral possui mais detalhes que a dinâmica de espécies não modulares.
Tanto o aumento do tamanho da colônia (genet – crescimento modular) quanto
o aumento do número de colônias (reprodução sexuada) representam o aumento da biomassa de cupins (número de cupins) em um ecossistema. Entretanto,
os fatores que levam a um tipo ou outro de “crescimento” e as respectivas conseqüências ecológicas e evolutivas são diferentes.
Figura 13: Etapas de uma colônia de cupins, considerando A como a relação entre o tamanho do ninho
e o tempo e B, como os aspectos internos da dinâmica da colônia.
No estudo da dinâmica da população de cupins, cada uma das setas da figura 13 pode ser calculada e servem para entender a variação do número e tamanho
dos cupinzeiros ao longo do tempo. Nessa figura, as setas A, C, F e G representam a
probabilidade de passar de uma etapa para outra. Esse seria um parâmetro similar à
sobrevivência em uma tabela de vida. Adicionalmente, há a possibilidade do organis-
Consórcio Setentrional de Ensino a Distância
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M4U6
Desenvolvimento e crescimento de organismos modulares
mo, devido a interações com o meio ambiente (físico e biótico), permanecer na mesma
fase (Figura 13 – B e D). Em uma situação de escassez de alimento, a colônia pode não
alcançar o tamanho mínimo para iniciar a reprodução, por exemplo.
Por fim, há a possibilidade de retornar a uma fase anterior. Essa possibilidade
(Figura 13 – E) pode ocorrer, por exemplo, após o ataque do cupinzeiro por um predador, comprometendo seriamente a estrutura e composição do ninho. Nesse momento,
a energia que seria alocada para a reprodução é realocada para o crescimento do ninho. Situação semelhante pode ocorrer com plantas que passam por queimada ou por
herbivoria intensa.
Ainda na figura 13, o gráfico A representa a relação entre o tamanho da colônia
e o tempo. A partir da fundação, a colônia cresce de acordo com o passar do tempo.
Durante a fundação o aumento do tamanho da colônia se dá de forma lenta. A partir
do momento em que os primeiros filhotes amadurecem, o casal real passa a se dedicar somente à reprodução, acelerando o crescimento da colônia. Teoricamente, cada
colônia possui um tamanho mínimo que seria representado pelo número mínimo de
operários e soldados para garantir o sustento da colônia. A partir desse ponto, que é
representado pelo ponto de inflexão no gráfico, a colônia passa a investir também na
produção de formas aladas para dispersão, ou seja, na reprodução sexuada. Com o
investimento em reprodução sexuada, o investimento em energia para o crescimento
da colônia diminui e o tamanho da colônia tende a se estabilizar.
Entretanto, o tamanho de uma colônia ao atingir o ponto de inflexão, o tamanho
de estabilização, o tempo para atingir a fase de crescimento e demais parâmetros da
vida de uma colônia são variados e dependem tanto da espécie considerada quanto
das condições do ambiente. Por exemplo, se a colônia está em um ambiente com alta
disponibilidade de matéria vegetal de fácil digestão, o número mínimo de operárias
pode ser menor quando comparada a outra colônia de um ambiente escasso em matéria vegetal. Da mesma forma, a demanda por soldados será maior em ambientes com
muitos predadores e competidores.
Reparem que, apesar de termos utilizado este gráfico para explicar o desenvolvimento de uma colônia de cupins, o mesmo raciocínio pode ser utilizado para
entender o investimento de outros tipos de organismos modulares nas estratégias de crescimento e reprodução sexuada. Como por exemplo, podemos citar
uma moita de grama que inicialmente investe em aumentar o tamanho e depois
passa a produzir estolões e sementes. Da mesma forma que para uma colônia
de cupins, existe um ponto de inflexão para a moita de grama. Esse representa o
tamanho mínimo até onde a maior parte da energia é investida em crescimento
do ramet para garantir a sobrevivência. Após o ponto de inflexão a energia passa
a ser investida em outras estratégias também sem comprometer a viabilidade
do ramet.
No cerrado, é comum que as árvores percam a parte aérea devido ao fogo e ao
corte para produção de carvão. Dessa forma, encontramos muitas plantas rebrotando
a partir da base de um tronco que foi perdido. Muitas das espécies do cerrado, como
é o caso do jatobá do cerrado (Hymenaea stigonocarpa), ao perderem a parte aérea e rebrotarem, voltam a um estado juvenil (não são capazes de produzir flores), até que a
parte aérea desenvolva um novo tronco que apresente um certo diâmetro e altura. Isso
pode demorar muitos anos. Talvez a razão para tal seja a necessidade de produção de
um determinado número de módulos (ramos e folhas), que pode estar relacionado à
capacidade de obter energia (via fotossíntese) para só então ser capaz de se reproduzir
sexuadamente. Um pé de jatobá do cerrado pequeno pode não ser tão novo quanto
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seu tamanho aparenta.
Já outras espécies do cerrado ao rebrotarem após a perda da parte aérea produzem flores. Portanto, muitas vezes, plantas bem baixinhas podem estar produzindo muitas flores enquanto que indivíduos maiores da mesma espécie não
estão. Será que os indivíduos maiores, dessas espécies, seriam mais novos? Ou
será que nem todos os indivíduos de uma população florescem todos os anos?
Não há como saber essas respostas, sem um estudo de longo prazo. Infelizmente, esses estudos são escassos ou inexistentes no caso do cerrado.
De qualquer forma, o tamanho, no caso de organismos modulares, não é uma
característica eficiente para se estimar a idade.
É muito comum em Ecologia falarmos em custo e benefício da adoção de estratégias e, este ajuste, que às vezes pode parecer mágico, só é possível devido à seleção
dos organismos capazes de responder da melhor forma aos estímulos ambientais. A
compreensão da diversidade de formas de crescimento modular só é possível tendo
em mente os mecanismos evolutivos que permitem a sobrevivência de somente parte
dos indivíduos de uma população, fixando características diferentes ao longo do tempo.
Dentro de cada grupo de organismos modulares é possível encontrar características diferentes em termos dos modos de reprodução, crescimento e independência
dos módulos e não há um modelo geral que contemple todas as possibilidades. Entretanto, o desenvolvimento do estudo de organismos modulares permite a construção
de modelos de dinâmica de populações mais completos e que podem ser ajustados de
acordo com o organismo estudado, representando um grande avanço em direção a
uma “exceção” que parece ser a maior parte da diversidade biológica.
Atividade Complementar 3
Baseado no seu conhecimento de organismos modulares, justifique como você
classificaria os seguintes organismos:
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Desenvolvimento e crescimento de organismos modulares
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Lembrem­-se que aqui a justificativa é tudo.
Atividade Complementar 4
Você foi chamado para orientar ações visando a translocação de duas espécies
ameaçadas de extinção de uma área que será destruída para outra área que será
preservada. Uma das espécies é um cupim e a outra um gafanhoto. A pergunta
que foi feita é o que deve ser feito para que essas espécies sejam transportadas.
Sabemos que essa não é uma resposta fácil e que existe muita polêmica em relação à translocação. O objetivo aqui é que você considere como o seu conhecimento sobre organismos modulares pode ser aplicado nessa situação.
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