PIODERMA GANGRENOSO EM INCISÃO DE CESÁREA COM ACOMETIMENTO SISTÊMICO: DESAFIO DIAGNÓSTICO E TERAPÊUTICO MN SILVA, FV BITTENCOURT, ECS VALE Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Introdução Pioderma gangrenoso (PG) é doença cutânea neutrofílica ulcerativa, recorrente, de etiologia desconhecida, que se inicia com pápula ou pústula estéril e evolui com necrose e ulceração dolorosa de bordas violáceas.1,2,3 O diagnóstico é clínico e condiciona-se à exclusão de outras doenças, já que carece de achados histopatológicos e laboratoriais específicos. O quadro pode ser desencadeado por cirurgias ou traumas.1,4 O motivo da apresentação seria a raridade de PG em cicatriz de cesárea, apesar do fenômeno de patergia ser bem estabelecido. O PG também deve ser visto como uma doença multissistêmica e com potencial de envolvimento de órgãos internos. Não há casos na literatura de envolvimento de gordura parauterina com evolução para hidronefrose. Caso clínico Paciente feminina, parda, de 38 anos, dois meses após parto cesáreo, evolui com febre e ulceração na ferida operatória, tratada como infecção do sítio cirúrgico. Ao exame clínico, apresentava lesão ulcerada, profunda, de fundo purulento e bordas subminadas, ocupando toda a extensão da cicatriz da cesárea, além de lesão circular na região deltoidiana esquerda. Foi submetida a dois debridamentos cirúrgicos com piora progressiva da lesão. A biópsia evidenciou dermatite e paniculite crônica com microabscessos e granulomas. A pesquisa para fungos, bactérias e micobactérias foi negativa. Uma revisão laboratorial completa e estudos de imagem excluíram doenças sistêmicas associadas. Foi realizado o diagnóstico clínico da forma clássica de PG com acometimento extenso, profundo e optado pelo tratamento com corticoterapia sistêmica e ciclosporina. Reduzida a corticoterapia, houve reabertura da lesão inicial e surgimento de novas lesões, com melhora após introdução de clofazimina e suspensão da ciclosporina. Mediante a redução da dose de clofazimina, a paciente iniciou com intensa dor lombar cuja ultrassonografia demonstrou hidronefrose à direita e a tomografia computadorizada de abdome acusou esteatonecrose de gordura parauterina direita envolvendo ureter distal. Diante do acometimento sistêmico da doença de base, optou-se pela associação da azatioprina ao esquema terapêutico com cicatrização completa das lesões cutâneas e resolução da hidronefrose em três meses. Figura 1: Pioderma gangreno em incisão de cesárea: antes do tratamento Figura 2: Cicatrização completa após 3 meses de tratamento com clofazimina e azatioprina Discussão O PG é uma dermatose inflamatória neutrofílica idiopática rara, recorrente, primeiramente descrita por Brunsting et al. em 1930.5 Afeta predominantemente mulheres entre 20 e 50 anos.1 A forma clássica surge como pápula ou pústula estéril que sofre necrose seguida de ulceração de fundo purulento e bordas subminadas.1,3 Há variantes de PG descritas como bolhosa, pustular e superficial.1 As lesões podem surgir espontaneamente ou após cirurgias e pequenos traumas como o debridamento cirúrgico, fenômeno denominado patergia.1,4 Devido à natureza polimórfica das lesões, além da variabilidade dos achados laboratoriais e histopatológicos, o diagnóstico do PG depende de uma boa correlação clinicopatológica.1 Em cerca de 50% dos casos há doença sistêmica associada, sobretudo doença inflamatória intestinal e doenças hematológicas.1,6,7 Os casos de infiltrado neutrofílico estéril extra-mucocutâneo são extremamente raros. Dentre os órgãos, o pulmão é o mais acometido. O envolvimento visceral pode anteceder, coexistir ou ocorrer após as lesões cutâneas.1,5 Não há casos na literatura de envolvimento de gordura parauterina com evolução para hidronefrose. Não há tratamento preconizado como padrão ouro para o PG. A escolha da terapêutica depende de vários fatores que incluem: o tamanho e a profundidade da lesão, a rapidez do crescimento, o surgimento de novas lesões, a associação com outras doenças sistêmicas e o estado geral do paciente. Outro fator a ser considerado na escolha do tratamento é a toxicidade das medicações, uma vez que mais de 50% dos pacientes com forma clássica irão necessitar de terapêutica de longo prazo de modo a manter a remissão. PG na forma clássica é inicialmente tratado com altas doses de corticoterapia para se obter uma rápida resposta. Todavia, a resolução de algumas úlceras pode demorar meses a anos, exigindo a associação de imunomoduladores. 8 Ainda que difícil, é essencial o diagnóstico precoce do PG, de forma a se evitar a progressão da doença e suas complicações locais e sistêmicas. Referências bibliográficas 1. Carvalho LR, Zanuncio VV, Gontijo B. Pyoderma gangrenosum with renal and splenic impairment - Case report. An Bras Dermatol. 2013:88(6):150-3. 2. Amin SV, Bajapai N, Pai A, Bharatnur S, & Hebbar S. Pyoderma gangrenosum in two successive pregnancies complicating caesarean wound. Case reports in obstetrics and gynecology. 2014;2014:654843. 3. Wiersma IC, Braams-Lisman BA, Mekkes JR. Pyoderma gangrenosum after caesarean section: a case report. Ned Tijdschr Geneeskd. 2009;153(15):722-5. 4. Rönnau AC, Schmiedeberg S V, Bielfeld P, Ruzicka T, & Schuppe HC. Pyoderma gangrenosum after cesarean delivery. Am J Obstet Gynecol. 2000;183(2):502-4. 5. Callen JP, Jackson JM. Pyoderma gangrenosum: an update. 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