Arq Bras Cardiol 2001; 76: 15-21. Cunha e cols Artigo Original Avaliação ecocardiográfica dos diferentes padrões geométricos do VE em hipertensos Avaliação Ecocardiográfica dos Diferentes Padrões Geométricos do Ventrículo Esquerdo em Pacientes Hipertensos Delma Maria Cunha, Ademir Batista da Cunha, Wolney de Andrade Martins, Luís Augusto de Freitas Pinheiro, Luís José Martins Romêo, Álvaro Vilela de Moraes, Fernando Portugal Morcerf Rio de Janeiro, RJ Objetivo- Identificar, ao ecocardiograma, os padrões geométricos do ventrículo esquerdo e correlacioná-los com a pressão arterial causal e com os parâmetros obtidos à monitorização ambulatorial da pressão arterial de 24 horas. Métodos- Foram avaliados 60 pacientes hipertensos, distribuídos em estágios, conforme a classificação do Joint National Committee. O ecocardiograma analisou a massa do ventrículo esquerdo e os padrões geométricos através da correlação índice de massa do ventrículo esquerdo e espessura relativa da parede. A monitorização ambulatorial da pressão arterial estudou médias e cargas pressóricas nos padrões geométricos encontrados. Resultados- Identificaram-se três padrões geométricos do ventrículo esquerdo:1) hipertrofia concêntrica (25%); 2) remodelamento concêntrico (25%); e 3) geometria normal (50%). A pressão arterial casual sistólica foi maior nos grupos com hipertrofia concêntrica ( p=0,001). A média da pressão sistólica de 24h e período diurno e noturno foi maior nos pacientes com hipertrofia concêntrica (p=0,003, p=0,004 e p=0,007). A carga sistólica diurna e a carga diastólica noturna foram maiores nos pacientes com hipertrofia concêntrica (p=0,004 e p=0,01, respectivamente). Conclusão- A geometria do ventrículo esquerdo apresenta correlação significativa com a pressão arterial casual sistólica e com médias e cargas pressóricas à monitorização ambulatorial da pressão arterial. Palavras-chave: hipertensão arterial, hipertrofia ventricular esquerda, ecocardiograma Universidade Federal Fluminense – UFF Correspondência: Delma Maria Cunha – Coordenação do Mestrado em Cardiologia Av. Marquês do Paraná, 303 – 2º - 24033-900 – Niterói, RJ Recebido para publicação em 7/10/99 Aceito em 21/6/00 Evidências inequívocas de que a ocorrência da hipertrofia ventricular representa um importante marcador de risco para eventos cardiovasculares mórbidos justificam a importância de se identificar os padrões de hipertrofia em pacientes com hipertensão arterial 1,2. Estudo recente realizado por Mensah e cols. 3 constatou que a medida da massa do ventrículo esquerdo ao ecocardiograma mostrou-se superior na previsão do processo evolutivo da hipertensão arterial, quando comparada às variáveis de pressão arterial sistólica, pressão diastólica e estagiamento de hipertensão arterial 4. A hipertrofia ventricular esquerda deixou de ser considerada apenas um processo adaptativo que compensa a pressão imposta ao coração e foi identificada como um fator de risco independente e significativo para a ocorrência de morte súbita, infarto agudo do miocárdio e insuficiência cardíaca congestiva 4,5. Na hipertrofia cardíaca, são produzidas proteínas colágenas anômalas e outros tipos de proteínas contráteis (miosina com diferentes propriedades funcionais). Essas miosinas têm uma menor atividade da enzima ATPase e menor velocidade de geração de força. Assim como ocorre a formação de proteínas colágenas anômalas, ocorrem também alterações das proteínas contráteis. Ao mesmo tempo, os sarcômeros e os fibroblastos proliferam e se tornam hiperplásicos. Essas adaptações visam manter a capacidade contrátil do coração para compensar a sobrecarga pressórica a ele imposta 6. O processo adaptativo do coração nem sempre é benéfico para o seu funcionamento e acaba acarretando alterações das fibras miocárdicas, da capacidade do coração de responder a estímulos adrenérgicos, da função diastólica do ventrículo esquerdo, do fluxo coronariano e, finalmente, de sua função de bomba 6. A hipertrofia ventricular esquerda causa transtornos importantes ao fluxo coronariano. Se a hipertrofia for leve, o aumento da circulação coronariana pode acompanhar, proporcionalmente, o aumento da massa ventricular esquerda através da neoformação vascular ou da utilização dos meca- Arq Bras Cardiol, volume 76 (nº 1), 15-21, 2001 15 Cunha e cols Avaliação ecocardiográfica dos diferentes padrões geométricos do VE em hipertensos nismos de vasodilatação de reserva. Nos casos de aumento importante da massa ventricular, a geração de novos vasos e capilares é desproporcional ao aumento da massa. Concomitante a essas alterações miocárdicas, ocorre também hipertrofia das paredes dos vasos de resistência coronariana 6,7,8. A coexistência dessas alterações limitam, de maneira significativa, a perfusão da massa muscular do ventrículo esquerdo. A diminuição da reserva coronariana contribui para a patogênese da isquemia miocárdica e para a insuficiência cardíaca em pacientes com hipertrofia do ventrículo esquerdo. Também é possível que tenha efeitos diretos sobre a instabilidade elétrica do miocárdico, contribuindo para arritmias graves e morte súbita, de incidência elevada em pacientes com hipertrofia ventricular esquerda 6,7. Segundo Devereux e cols. 9, o aumento da massa do ventrículo esquerdo representa uma via final comum para onde convergem os efeitos adversos sobre o sistema cardiovascular, tornando-o mais vulnerável às complicações mórbidas. Estudos de Framingham e cols. 10,11 documentaram que a hipertrofia ventricular esquerda é um forte indicador de mau prognóstico, tanto em hipertensos quanto na população em geral. O risco de insuficiência cardíaca congestiva, infarto agudo do miocárdio e morte súbita é maior de 6 a 8 vezes em pacientes com hipertrofia ventricular esquerda. O termo remodelamento concêntrico vem sendo muito utilizado ultimamente para explicar alterações volumétricas ou geométricas devido às agressões sofridas pelo miocárdio, podendo significar que alguma alteração estrutural ou bioquímica dos compartimentos muscular, vascular e/ou intersticial esteja ocorrendo 7,8. Koren e cols., Casale e cols. 12,13, entre outros, mostraram que, mesmo em pacientes com massa ventricular esquerda normal, a definição da geometria do ventrículo esquerdo, em particular, o remodelamento concêntrico é um importante marcador de risco cardiovascular. O estresse hemodinâmico é, sem dúvida, um determinante crítico para a hipertrofia do ventrículo esquerdo, e a pressão arterial elevada é o seu principal fator desencadeante. Este trabalho tem como objetivo identificar ao ecocardiograma os padrões geométricos do ventrículo esquerdo em hipertensos e correlacioná-los à pressão arterial casual e com os parâmetros obtidos à monitorização ambulatorial da pressão arterial de 24h. Métodos Foram estudados 60 pacientes, de 1995 a 1997, que apresentavam diagnóstico de hipertensão arterial pela aferição casual da pressão arterial, e estavam sem tratamento anti-hipertensivo há, pelo menos, três semanas. A idade variou de 18 a 65 anos. Foi considerada como pressão arterial casual a média de três valores pressóricos aferidos em posição sentada, supina e ortostática, com cinco minutos de intervalo, durante consulta ambulatorial de rotina. As pressões foram aferidas por método indireto, através de esfigmomanômetro de mercúrio convencional, modelo XJ11YA, da Nrughai Goode Medical Instrument Factory (Japão ), graduado de zero a 300, de 2 em 2mm de mercúrio 16 Arq Bras Cardiol 2001; 76: 15-21. (mmHg) e calibrado. A calibração do manômetro de coluna de mercúrio foi avaliada pela inspeção visual da coincidência do ponto de mercúrio com o nível zero do aparelho 14,15. A determinação dos níveis sistólicos e diastólicos da pressão arterial baseou-se nos sons de Korotkoff 14,15. A pressão arterial sistólica foi identificada pelo primeiro som audível, que é um som fraco seguido de batidas regulares (Fase I), que vão aumentando de intensidade. A pressão arterial diastólica foi identificada pelo ponto onde os sons desaparecem (fase V). A classificação da pressão arterial baseou-se no JNCV 16, não sendo incluídos no estudo pacientes com pressão arterial normal, ou normal alta (tab. I). Consideraram-se os estágios de I a IV, tomando-se a pressão arterial diastólica como fator determinante para definir o estágio da hipertensão arterial. Todos os pacientes foram analisados considerando-se idade, sexo e cor. Foram excluídos do estudo aqueles com diagnóstico de doença arterial coronariana, doenças orovalvulares, pericardiopatias, cardiomiopatias e doenças debilitantes. O ecocardiograma foi realizado por um único observador com ampla experiência no método. Foram feitas seis medidas para cada variável estudada e o valor médio final foi o considerado para análise. Os pacientes foram, então, divididos em grupos conforme o padrão geométrico encontrado ao ecocardiograma. Utilizou-se, para cálculo de massa do ventrículo esquerdo, a combinação da função cúbica com as determinações da Convenção de Penn para realização das medidas, seguindo o método de validação anatômica estabelecido por Devereux e cols. 9. Os resultados expressos em gramas foram corrigidos pela superfície corporal, obtendo-se, assim, o índice de massa do ventrículo esquerdo (g/m2). Foram considerados valores normais de massa ventricular, independentes do sexo, aqueles abaixo de 125g/m2. Este valor de massa foi adotado como ponto de corte por ter sido considerado por alguns estudos 10,11,17 como valor preditor de eventos mórbidos cardiovasculares, tanto em homens quanto em mulheres. Usou-se a seguinte fórmula para o cálculo da massa do ventrículo esquerdo 18: Massa do VE = 1,04 (Ved + SIV + PPVE) 3 – Ved 3 – 13,6 onde: 1,04 = densidade miocárdica; Ved = diâmetro interno do ventrículo esquerdo na diástole; SIV = espessura do septo interventricular; PPVE = espessura da parede posterior do ventrículo esquerdo; 13,6 = constante utilizada por Devereux no cálculo de validação da massa anatômica. Tabela I - Classificação da pressão arterial segundo JNC V Categoria Normal Normal alta Hipertensão Estágio I (leve) Estágio II (moderada) Estágio III (grave) Estágio IV (muito grave) Sístólica ( mmHg) Diastólica ( mmHg) <130 130-139 <85 85 a 89 140-159 160-179 180-209 ≥210 90-99 100-109 110-119 ≥120 Arq Bras Cardiol 2001; 76: 15-21. Cunha e cols Avaliação ecocardiográfica dos diferentes padrões geométricos do VE em hipertensos A espessura relativa da parede do ventrículo esquerdo e sua relação com a massa ventricular esquerda definiram os padrões geométricos do ventrículo esquerdo. Para determinar a espessura relativa da parede, considerou-se a espessura diastólica da parede posterior do ventrículo esquerdo multiplicada por dois e dividida pelo diâmetro diastólico dessa cavidade 12,18: ERP = 2 x PPVE/Ved O valor considerado normal foi até 0,45 12,18. Ao se estudar quantitativamente a massa ventricular esquerda e sua relação com a espessura relativa da parede, encontraram-se três tipos de padrão geométrico do ventrículo esquerdo: hipertrofia concêntrica = índice de massa do ventrículo esquerdo >125g/m2 e espessura relativa da parede >0,45; remodelamento concêntrico = índice de massa do ventrículo esquerdo <125g/m2 e espessura relativa da parede >0,45; geometria normal = índice de massa do ventrículo esquerdo <125g/m2 e espessura relativa da parede <0,45. Para análise da função sistólica do ventrículo esquerdo, foram feitos os cálculos de fração de ejeção (volume de ejeção/volume diastólico x 100) e de percentagem de encurtamento sistólico do ventrículo esquerdo (%∆ d), obtido pela seguinte equação: diâmetro diastólico-diâmetro sistólico/diâmetro diastólico x 100. A função diastólica foi avaliada pelos parâmetros a seguir: 1) TRIV (tempo de relaxamento isovolumétrico; 2) relação ondas E/A pelo Doppler; 3) relação E/A pela análise da parede posterior do átrio esquerdo; 4) desaceleração de E; 5) tempo de desaceleração de E; e 6) medida da rampa EF da valva mitral pelo eco unidimensional 19,20. Todos os pacientes submeteram-se à monitorização ambulatorial da pressão arterial 18,19, pelo método auscultatório com período de monitorização de 24h, utilizando-se o aparelho AND TM 24 20/TM 2020 da Takeda. Foram considerados, no estudo, os exames cujo número de leituras válidas fosse superior a 80%. Para testar a confiabilidade das medidas tomadas pela monitorização ambulatorial da pressão arterial, a pressão arterial foi aferida por um esfigmomanômetro de coluna de mercúrio, devidamente calibrado, não podendo haver diferença de pressões, entre os instrumentos, de mais de 3mmHg. A análise da monitorização ambulatorial da pressão arterial foi guiada pelos critérios estabelecidos pelo II Consenso Brasileiro para Uso da Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial 21-23. Chamou-se carga pressórica o valor percentual das medidas de pressão arterial acima dos valores considerados normais para o período dia e noite, referentes à pressão sistólica e diastólica 21. As médias pressóricas encontradas à monitorização ambulatorial da pressão arterial foram analisadas conforme valores previamente estabelecidos através de estudos populacionais, que podem servir de análise de um registro de monitorização ambulatorial da pressão arterial 21. A fim de comparar médias em amostras independentes, foi utilizado o teste t de Student ou o teste de Mann Whitney, quando o teste t não se aplicava. As comparações das médias entre três grupos ou mais foram feitas através da análise de variância. Aplicou-se o teste de comparações múltiplas de Tukey para distinguir os grupos diferentes. No caso das variáveis que não apresentaram distribuição aproximadamente normal como, por exemplo, as medidas de carga pressórica, foi utilizada a análise de variância de KruskalWallis e o correspondente teste de comparações múltiplas. Usou-se o coeficiente de correlação de Pearson (r) para verificar se houve associação significativa entre duas variáveis intervalares. Na comparação de proporções, realizou-se o teste de qui-quadrado, ou o teste exato de Fisher, quando o teste de qui-quadrado não pôde ser aplicado. O critério de determinação de significância foi o nível de 5%. Resultados Foram identificados três tipos de geometria do ventrículo esquerdo no grupo de hipertensos estudado: 1) geometria normal, caracterizada por índice de massa de ventrículo esquerdo e espessura relativa da parede normais [30 (50%) pacientes]; 2) hipertrofia concêntrica, caracterizada por índice de massa do ventrículo esquerdo e espessura relativa da parede aumentados [l5 pacientes (25%)] e 3). remodelamento concêntrico, em que o índice de massa do ventrículo esquerdo apresenta-se normal e a espessura relativa da parede, aumentada [15 (25%) pacientes]. A classificação da pressão arterial distribuiu-se em: 23 (38,3%) pacientes encontravam-se no estágio I da hipertensão arterial; 24 (40%), no estágio II; 9 (15%), no estágio III; e 4 (7%), no estágio IV. O maior número de pacientes distribuiuse nos estágios I e II. (fig. 1). A figura 2 mostra a distribuição percentual dos pacien- Fig. 1 - Percentual de pacientes hipertensos distribuídos em estágios conforme a classificação da hipertensão arterial sistêmica segundo JNC-V. Fig. 2 – Padrões geométricos do ventrículo esquerdo encontrados em hipertensos conforme os estágios da classificação JNC-V. 17 Cunha e cols Avaliação ecocardiográfica dos diferentes padrões geométricos do VE em hipertensos tes hipertensos de acordo com a classificação da pressão arterial e com os padrões geométricos encontrados no estudo. Sessenta por cento dos pacientes com hipertrofia concêntrica apresentavam hipertensão arterial no estágio II, enquanto 53,3% dos pacientes com remodelamento concêntrico apresentavam hipertensão arterial no estágio I. Para todos os padrões geométricos do ventrículo esquerdo (hipertrofia concêntrica, remodelamento concêntrico, geometria normal) predominaram pacientes nos estágios I e II da hipertensão arterial. Quando se correlacionou pressão arterial casual com a geometria do ventrículo esquerdo, observou-se que a pressão sistólica foi significativamente maior (p=0,001) nos pacientes com hipertrofia concêntrica, quando comparados àqueles com remodelamento concêntrico ou geometria normal. Em relação à pressão diastólica casual, as médias estiveram bem próximas nos três grupos, registrando-se a maior média de pressão arterial diastólica nos pacientes com hipertrofia concêntrica; entretanto, essa diferença não foi estatisticamente significativa (tabs. II e III). Em relação à carga pressórica obtida pela monitorização ambulatorial da pressão arterial observou-se diferença estatística significativa na carga pressórica sistólica diurna entre os pacientes com hipertrofia concêntrica e aqueles com remodelamento concêntrico ou geometria normal (p=0,004). Não se observou diferença significativa na carga média da pressão diastólica diurna; contudo, o período noturno apresentou diferença estatística entre os grupos com hipertrofia concêntrica e remodelamento concêntrico ou geometria normal (p=0,014). A carga diastólica aumentada no período noturno foi importante na determinação da geometria do ventrículo esquerdo (tabs. IV e V). Em nossa casuística, as médias sistólicas analisadas na monitorização ambulatorial da pressão arterial, tanto no período de 24h como no diurno e noturno, foram maiores do ponto de vista estatístico nos pacientes com hipertrofia concêntrica do que nos demais grupos com remodelamento concêntrico e/ou geometria normal (p=0,003, 0,004, 0,007, respectivamente). As médias diastólicas só mostraram di- Tabela II - PAC sistólica nos diferentes padrões geométricos do ventrículo esquerdo em hipertensos 18 Tipos N Média DP p valor HC RC GN PAC- 15 15 30 ; RC- 178,3 160,9 156,5 ; GN- 25,4 19,1 11,1 0,001 ; HC- Arq Bras Cardiol 2001; 76: 15-21. Tabela IV - A carga pressórica sístólica diurna (%) nos diferentes padrões geométricos do ventrículo esquerdo identificados ao ecocardiograma Tipos N Média DP Mediana p-valor HC RC GN 15 15 30 50,3 29,9 35,7 23,8 15,9 28,2 57,0 25,0 31,0 0,004 Tabela V – A carga pressórica diastólica noturna (%) – MAPA e os diferentes padrões geométricos do ventrículo esquerdo identificados ao ecocardiograma Tipos n Média DP Mediana p-valor HC RC GN 15 15 30 54,4 34,6 27,7 30,4 31,5 25,4 57,0 22,0 18,5 0,014 ferença significativa entre os grupos no período noturno (p=0,039), onde os valores encontrados nos pacientes com hipertrofia concêntrica diferiram consideravelmente dos demais grupos. (tabs. VI, VII, VIII e IX). Tabela VI - Média da pressão sistólica de 24h (mmHg) e os padrões geométricos de ventrículo esquerdo ao ecocardiograma Tipos N C RC GN 15 15 30 Média(mmHg) Desvio padrão Mediana 141,9 125,3 130,0 13,3 10,0 14,7 142,0 120,0 129,0 p-valor 0,003 Tabela VII - Média da pressão sistólica diurna (mmHg) e os padrões geométricos do ventrículo esquerdo ao ecocardiograma Tipos N Média (mmHg) Desvio padrão Mediana p-valor HC RC GN 15 15 30 145,8 129,9 132,9 14,7 10,0 14,8 143,0 125,0 132,5 0,004 Tabela VIII - Média da pressão sistólica noturna (mmHg) e os padrões geométricos do ventrículo esquerdo ao ecocardiograma Tipos N Media Desvio padrão Mediana p-valor HC RC GN 15 15 30 126,0 111,5 113,8 16,6 11,0 12,7 128,0 107,0 112,0 0,007 Tabela III - PAC diastólica nos diferentes padrões geométricos do ventrículo esquerdo em hipertensos Tabela IX - A média da pressão diastólica noturna (mmHg)-MAPA e os padrões geométricos do ventrículo esquerdo ao ecocardiograma Tipos N Média DP p-valor Tipos N Média DP Mediana p-valor HC RC GN 15 15 30 106,0 98,5 102,0 10.5 6,5 8,5 0,07 HC RC GN 15 15 30 80,1 71,3 73,7 8,2 11,7 9,0 82,0 69,0 71,5 0,039 Arq Bras Cardiol 2001; 76: 15-21. Cunha e cols Avaliação ecocardiográfica dos diferentes padrões geométricos do VE em hipertensos Quando observou-se a função sistólica do ventrículo esquerdo ao ecocardiograma nos grupos encontrados (hipertrofia concêntrica, remodelamento concêntrico, geometria normal), notou-se que a fração de ejeção foi significativamente menor nos pacientes com hipertrofia concêntrica, quando comparados com aqueles sem alterações geométricas do ventrículo esquerdo (p=0,01) (tab. X). Em relação à variável percentual de encurtamento sistólico (% ∆d) não houve diferença significativa nas médias entre os grupos. Dois parâmetros da função diastólica ao ecocardiograma, o TRIV e a razão E/A, analisada pelo movimento da parede posterior do átrio esquerdo mostraram–se alterados de maneira significativa nos pacientes com hipertrofia concêntrica, quando comparados aos demais grupos (figs. 3 e 4). Tabela X - O comportamento da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (%) ao ecocardiograma nos diferentes padrões geométricos encontrados em hipertensos Tipos N Média DP Mediana p-valor HC RC GN 15 15 30 64,1 66,3 71,9 12,2 9,2 6,7 64,0 64,0 73,5 0,01 Fig. 3 – Função diastólica – TRIV nos diferentes padrões geométricos do ventrículo esquerdo em hipertensos. Fig. 4 - Função diastólica – razão E/A analisada pelo movimento da parede posterior do átrio esquerdo nos diferentes padrões geométricos do ventrículo esquerdo em hipertensos. Discussão A hipertrofia ventricular esquerda, inicialmente uma resposta de adaptação do coração à sobrecarga hemodinâmica, é também o resultado de um processo modulado por outros determinantes biológicos envolvendo fatores humorais, físicos e genéticos, próprios de cada tipo de hipertensão 24). Alguns autores observaram que as variáveis quantitativas não são exclusivas na determinação do grau de hipertrofia. Grant, em 1953 25, citado por Tarazi e cols., já afirmava que havia muitas exceções a essa regra. Estudos de necropsia mostravam que muitos pacientes com marcada hipertensão apresentavam pouca ou nenhuma hipertrofia, considerando-se o mesmo tempo de duração e grau de severidade da doença. Nosso estudo mostrou que 53,3% dos pacientes com hipertensão arterial e remodelamento concêntrico do ventrículo esquerdo encontravam-se no estágio I de hipertensão arterial, segundo a classificação do JNC-V, e 60% dos pacientes com hipertrofia concêntrica, no estágio II, sendo considerados hipertensos leves e moderados, respectivamente. Assim, observamos que as alterações geométricas do ventrículo esquerdo independem do grau de hipertensão arterial. Na população avaliada, as alterações geométricas do ventrículo esquerdo estavam presentes em 50% dos pacientes hipertensos. Sabe-se que o remodelamento concêntrico do ventrículo esquerdo, mesmo na ausência de hipertrofia, pode estar relacionado com o maior risco de eventos cardiovasculares em pacientes hipertensos. Desse modo, a análise da espessura relativa da parede parece ser um índice útil, de fácil obtenção técnica, que oferece informações valiosas a respeito da adequação da hipertrofia em diferentes condições 12). Na maioria dos estudos, observa-se que somente 30% dos pacientes hipertensos apresentam hipertrofia ventricular esquerda, porém esse número aumenta para 50 a 60% quando medidas como estresse relativo da parede e espessura relativa da parede são empregadas na análise da geometria do ventrículo esquerdo 26. Devereux e cols. 27, em estudo para avaliar o índice de massa ventricular esquerda e espessura relativa da parede como dois índices de acompanhamento de hipertrofia ventricular esquerda em pacientes hipertensos não tratados, mostraram que a espessura relativa da parede, como índice para acompanhar a gravidade da hipertrofia, tem uma relação direta e estreita com a resistência periférica total e uma relação inversa como o índice cardíaco. O padrão clássico de hipertrofia em hipertensos (hipertrofia concêntrica), determinado pela espessura relativa da parede, correlacionase com resistência periférica elevada (determinada pelo ecocardiograma), sugerindo que alterações hemodinâmicas e anatômicas do ventrículo esquerdo podem ter mecanismos fisiopatológicos interdependentes. Estudos, como The Framinghan Heart Study 10, têm demonstrado que, não somente a detecção da hipertrofia, 19 Cunha e cols Avaliação ecocardiográfica dos diferentes padrões geométricos do VE em hipertensos mas também o seu grau de acometimento, podem ser associados com maior risco de eventos cardíacos; assim, para cada incremento de 50g/m de massa do ventrículo esquerdo, corrigido pela altura do paciente, verificou-se aumento de risco relativo de mortalidade de 1,73, mesmo em pacientes sem qualquer doença cardiovascular. Em relação à função diastólica e aos diferentes padrões de adaptação do ventrículo esquerdo em hipertensão, estudos recentes 28 demonstraram que os índices utilizados para a análise da função diastólica podem ter associação distinta com determinado tipo de geometria do ventrículo esquerdo, sugerindo mecanismos diferentes de adaptação na hipertensão arterial sistêmica. Algumas interrelações entre os fatores responsáveis pela hipertrofia ventricular esquerda e déficit de função diastólica são complexas e ainda não totalmente compreendidas em hipertensos. Anormalidades da função diastólica em pacientes com função sistólica normal pode ser a mais precoce manifestação da hipertensão sistêmica. Essas manifestações parecem ser mediadas por um aumento da atividade simpática e do sistema renina-angiotensina e podem servir de alerta para a monitorização destes pacientes 28. Em nosso estudo, os índices de função diastólica alterados que apresentaram significado estatístico foram predominantes no grupo com hipertrofia concêntrica. Quando foram comparados pacientes com remodelamento concêntrico e geometria normal, as alterações de função diastólica prevaleceram em maior número nos pacientes com remodelamento concêntrico, porém sem significado estatístico relevante. A análise do comportamento da pressão arterial à monitorização ambulatorial da pressão arterial e a correlação de médias e cargas pressóricas com hipertrofia ventricular esquerda têm sido freqüentes entre os autores 29-36. Verdecchia e cols. 36, em recente estudo, mostraram que depois do ajuste para as médias de 24h, uma sobrecarga constante de pressão foi associada com massa ventricular esquerda aumentada. A hipertensão do dia, associada ou não à queda noturna, foi determinante no espessamento da parede do ventrículo esquerdo em homens. Em nosso estu- Arq Bras Cardiol 2001; 76: 15-21. do, observamos uma diferença significativa na carga pressórica sistólica diurna entre os pacientes com hipertrofia concêntrica e aqueles com remodelamento concêntrico ou geometria normal. White e cols. 37, em estudo para acompanhamento de carga pressórica diurna como determinante da função cardíaca em pacientes com hipertensão, concluíram que os dois parâmetros da monitorização ambulatorial da pressão arterial, que melhor se correlacionavam com alterações anatômicas e funcionais da hipertensão arterial, eram as cargas pressóricas e a média da pressão arterial de 24h. Nosso estudo também mostrou que os pacientes com hipertrofia concêntrica apresentavam média de pressão sistólica de 24h, significativamente, maior quando comparados aos pacientes com remodelamento concêntrico e geometria normal (p= 0,003). Em relação à carga sistólica de 24h, não observamos correlação estatística significativa (p=0,07), quando comparamos os pacientes com hipertrofia concêntrica aos demais grupos. Concluindo, o estudo ecocardiográfico da hipertensão arterial tem se mostrado indispensável para uma avaliação clínica dos pacientes hipertensos, com o objetivo de detectar precocemente alterações morfofuncionais do ventrículo esquerdo que interferem no processo evolutivo da hipertensão arterial. O estudo concomitante da monitorização ambulatorial da pressão arterial contribui para a identificação dos pacientes que, além de apresentarem alterações estruturais do ventrículo esquerdo, apresentam também aumento de cargas e ou médias pressóricas no decorrer das 24h. A identificação do padrão remodelamento concêntrico e sua correlação com os parâmetros observados pela monitorização ambulatorial da pressão arterial despertam para a possibilidade de se identificar um grupo de pacientes hipertensos de alto risco cardiovascular, os quais geralmente passam desapercebidos pelos clínicos e cardiologistas. A aferição da pressão arterial casual, se feita de maneira correta e padronizada, é o primeiro grande sinal encontrado em hipertensos que pode se correlacionar com a geometria do ventrículo esquerdo. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 20 Levy D, Anderson KM, Savage DD. Echocardiographically detected left ventricular hypertrophy: Prevalence and risk factors in the Framingham Heart Study. Ann Intern Med 1988; 108: 7-13. Post WS, Levy D. New Development epidemiology of left ventricular hypertrophy. The Framingham Heart Study. Massachusetts Curr Opin Cardiol 1994; 5: 534-41. Mensah G, Pappas T, Koren M, et al. Comparison of classification of the severity of hypertension by blood pressure level and by World Health Organization criteria in the prediction of concurrent cardiac abnormalities and subsequent complications in essential hypertension. J Hypertens 1993; 11: 1429-40. The Guidelines subcommitte of the WHO/ISH Mild Hypertension Liaison Committe: 1993. 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