Objetivos e metodologia

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Mestrado Profissionalizante em Terapia Intensiva
Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva
Ventilação não-invasiva no atendimento pré-hospitalar a
Insuficiência Cardíaca Descompensada
Carolina Soares das Neves
Brasília – DF
Turma 2009
Orientador: Dr. Douglas Ferrari
Co-orientadores: Flávio Gaudenci e Leonardo Batista
Resumo
A insuficiência respiratória como complicação da insuficiência
cardíaca descompensada é uma patologia de grande
morbimortalidade. Em diversos estudos foram evidenciados
benefícios do uso precoce da ventilação não-invasiva no ambiente
hospitalar, por analogia alguns serviços passaram a adotá-la
também no ambiente pré-hospitalar.
Através da revisão bibliográfica, foi analisado o uso da
ventilação não-invasiva pré-hospitalar no edema agudo de pulmão
cardiogênico e elaborado um protocolo de fácil aplicação para sua
implantação em serviços pré-hospitalares.
Palavras-chave: Edema agudo pulmonar cardiogênico, ventilação
não-invasiva, pré-hospitalar, SAVIC, índice neuro-ventilatório.
Introdução
A insuficiência respiratória aguda é uma doença de elevada
prevalência em pacientes de UTI e com mortalidade variada.
Segundo estudo multicêntrico realizado em 40 centros de 16
países, a insuficiência respiratória aguda acomete 32% dos
pacientes à admissão na unidade de terapia intensiva (UTI) e outros
24% dos pacientes admitidos desenvolveram-na durante a
internação, estes dois grupos perfazem um total de 56% de
pacientes internados com insuficiência respiratória aguda (Vincent,
2002).
Nos serviços de atendimento pré-hospitalar a insuficiência
respiratória também responde por grande número de chamados.
Nos EUA, são atendidos anualmente 2 milhões de pacientes com
diagnóstico de insuficiência respiratória, sendo a dispnéia a
segunda queixa mais comum nestes serviços. As causas de
insuficiência respiratória mais comuns eram insuficiência cardíaca
congestiva, pneumonia, doença pulmonar obstrutiva crônica e asma
(Stiell, 2007).
Das causas de insuficiência respiratória enfatizaremos a
insuficiência cardíaca descompensada, pois é a principal causa de
internação nos países desenvolvidos, sendo a terceira maior causa
de internação no Brasil. Além disso, é uma doença de elevada
mortalidade e morbidade com freqüente readmissão hospitalar dos
pacientes.
Nos últimos anos, a importância da ventilação não-invasiva
(VNI) no manejo da insuficiência respiratória na UTI tem sido
demonstrada pela redução das taxas de entubação orotraqueal e
mortalidade. Nos casos de edema agudo de pulmão (EAP)
cardiogênico, associado ou não com hipercapnia, a VNI reduz as
taxas de mortalidade e entubação, com resultados semelhantes nos
modos Continuous Positive Airway Pressure (CPAP) ou Bilevel
Positive Airway Pressure (BiPAP). Já o uso do BiPAP é capaz de
reduzir a mortalidade dos pacientes com doença pulmonar
obstrutiva crônica (DPOC) descompensada, enquanto que nesse
grupo o CPAP não teve benefícios demonstrados (Thys,2008).
Foram realizados outros estudos para avaliar o benefício do
início precoce de VNI para insuficiência respiratória no ProntoSocorro. Diversos destes estudos demonstraram um impacto
positivo no que diz respeito a melhora clínica, troca gasosa e
também redução da necessidade de entubação traqueal. Além
disso, estes estudos evidenciaram o risco do uso indiscriminado de
VNI em pacientes com outras patologias pulmonares, bem como a
necessidade de escolha apropriada do equipamento utilizado
(ventilador/interface com paciente) e da detecção precoce de
pacientes com indicação de entubação orotraqueal. No entanto, em
pacientes devidamente selecionados, a VNI é bem sucedida no seu
uso nos setores de emergência, com redução significante da taxa
de entubação traqueal, de estadia hospitalar e de mortalidade.
Por analogia, a possibilidade de atendimento imediato préhospitalar da insuficiência respiratória, com o uso da VNI, poderia
aumentar os benefícios desta modalidade de suporte ventilatório e
também melhorar o prognóstico dos pacientes. No ambiente préhospitalar a entubação traqueal é freqüentemente dificultada pelas
condições do paciente e do ambiente pré-hospitalar em si. Esta
dificuldade se associa a uma alta morbimortalidade, tanto maior
quanto menor a experiência do profissional que presta o
atendimento. Portanto, evitar a entubação traqueal no suporte de
vida pré-hospitalar pode ter um impacto clínico significante,
relevante e muito positivo (Thys,2008).
Porém para a implementação da VNI no atendimento préhospitalar (APH), alguns desafios específicos a este ambiente de
atendimento devem ser enfrentados como: a escolha do
equipamento ideal e o treinamento das equipes envolvidas no
atendimento.
Objetivos e metodologia
Esse trabalho tem como objetivo avaliar se a instituição ainda
mais precoce da VNI no ambiente pré-hospitalar poderia apresentar
maiores benefícios para os pacientes. Para tanto foi realizada
revisão bibliográfica na base de dados Medline tendo como critérios
de busca as palavras: “non-invasive ventilation”, “acute cardiogenic
pulmonary edema”, “positive pressure ventilation”, “CPAP”,
“continuous positive airway pressure”, out-of-hospital”, “prehospital”.
Além disso, foram obtidos artigos constantes nas referências dos
artigos previamente selecionados pela busca acima.
Para aplicação clínica dos resultados encontrados seria
necessário o desenvolvimento de ferramentas que facilitassem a
aplicabilidade da VNI no ambiente pré-hospitalar, já que o número
de integrantes das equipes é limitado e não há profissional com
treinamento específico na sua composição. Com esse objetivos
buscou-se utilizar a avaliação diagnóstica e de definição de conduta
contida no manual de Suporte Avançado de Vida em Insuficiência
Cardíaca (SAVIC).
A avaliação da ICC descompensada é realizada através da
classificação clínica/hemodinâmica, na qual são observadas
condições de hipoperfusão e de congestão dos pacientes. Esta
classificação permite não apenas a elaboração de diagnóstico, a
definição de conduta terapêutica e de prognóstico, como também é
facilmente aplicável em qualquer ambiente hospitalar ou fora de
ambiente hospitalar.
Sinais de hipoperfusão
 Pulsos finos
 Sonolência
 Extremidades frias
 Oligúria
 Hipotensão
Sinais de congestão
 Ortopnéia
 Distensão jugular
 Edema
 Presença de estertores
Figura 1 - Sinais de hipoperfusão e congestão da Classificação Clínico/Hemodinâmica
Hipoperfusão
Ausente
Presente
Congestão
Ausente
Perfil A
(quente e seco)
Perfil L
(frio e seco)
Presente
Perfil B
(quente e úmido)
Perfil C
(frio e úmido)
Figura 2 - Classificação Clínico/Hemodinâmica da Insuficiência Cardíaca Descompensada
Tendo em vista que os pacientes com os perfis B e C, que
cursam com congestão pulmonar, seriam aqueles que
necessitariam de algum tipo de suporte ventilatório, para optar pelo
uso de ventilação não-invasiva ou ventilação invasiva também se
torna necessária uma ferramenta que possa ser aplicada no
ambiente pré-hospitalar, precocemente a realização de qualquer
exame. A ferramenta de avaliação encontrada com este perfil, foi o
Índice Neuro-Ventilatório (IDV). Este índice tem como finalidade
classificar a manutenção da relação entre ventilação e nível de
consciência e se aplica a pacientes com insuficiência respiratória e
taquipnéia.
Tabela 1 - Cálculo e interpretação do Índice Neuro-Ventilatório (IDV)
Fórmula: FR/ECG
Valor
0 – 1,72
1,73 – 2,4
> 2, 4
Interpretação
Normal
Desconforto Ventilatório
Momentâneo (DVM)
Insuficiência respiratória aguda
Discussão
Revisão Bibliográfica
Estudos prévios no ambiente intra-hospitalar (UTI e
departamento de emergência) demonstram forte evidência do uso
do CPAP nesta patologia, pois seu uso diminui a necessidade de
entubação e melhora as taxas de sobrevida, até mesmo na
população idosa. Em relação ao EAP cardiogênico, não foi
encontrado benefício do uso da modalidade de BiPAP (Crane,
2004).
No primeiro estudo analisado foi realizado em unidade móvel
de transporte coronariana na Suécia, onde foram comparados
resultados antes e após a incorporação da ventilação não-invasiva
no modo CPAP encontrou inicialmente nenhuma diferença na
mortalidade em 1 ano entre os dois grupos, apesar da melhora
sintomatológica apresentada nos pacientes do grupo de estudo
(Gardtman, 2000).
Em um estudo prospectivo realizado no Estado da Virginia
(EUA) com uma pequena amostra de pacientes em um serviço de
emergência médica pré-hospitalar urbano, utilizando sistema de
suporte ventilatório por BIPAP instalado nas ambulâncias, com
início de suporte ventilatório a admissão do paciente na ambulância,
foi observada maior melhora da saturação de oxigênio no grupo
onde foi utilizado o BIPAP. Neste estudo, não foram observadas
diferenças estatisticamente significativas entre o grupo de
intervenção e o controle nos demais parâmetros analisados –
admissão em UTI, liberação da sala de emergência, estadia
hospitalar e taxa de entubação orotraqueal durante o transporte
(Craven, 2000).
Posteriormente foi realizado um estudo retrospectivo na
tentativa de estabelecer quais pacientes poderiam se beneficiar do
tratamento pré-hospitalar com CPAP. Neste estudo o grupo de
pacientes que cumpriram os critérios para uso de CPAP foi
pequeno e sem significância estatística. Esse resultado pode ser
explicado pelo pequeno tempo de transporte encontrado neste caso
(Kosowski, 2000).
O mesmo grupo, que realizou o estudo anterior, apresentou
novo estudo de série de casos, prospectivo, onde foram analisados
intervalo de tratamento, sinais vitais, complicações, diagnóstico a
admissão, necessidade de entubação orotraqueal e mortalidade.
Neste estudo foi encontrado que o uso do CPAP era executável em
serviços de atendimento pré-hospitalar e podia evitar a necessidade
de entubação traqueal (Kosowsky, 2001).
Outro estudo de coorte retrospectivo, conduzido em uma
unidade móvel de suporte intensivo, com um grupo maior de
pacientes (n=121), analisou a resposta ao tratamento em relação a
melhora da oxigenação sanguínea e necessidade de entubação
orotraqueal, além de outros parâmetros fisiológicos. Neste estudo
os pacientes apresentaram melhora da oxigenação sanguínea
estatisticamente significante, bem como diminuição da freqüência
respiratória, da pressão arterial sistólica e da freqüência cardíaca.
Ainda foram apresentadas baixas taxas de entubação e mortalidade
hospitalar. Não houve complicações ou dificuldades técnicas no uso
do CPAP durante o período de acompanhamento (Kallio, 2003).
Uma das dificuldades de uso de ventilação não-invasiva no
ambiente pré-hospitalar é a dificuldade técnica relacionada aos
equipamentos existentes. Por isso, foi realizado um estudo
prospectivo não-controlado utilizando o sistema de pressão positiva
contínua em vias aéreas de Boussignac, que consiste em um
equipamento que converte fluxo de ar em pressão e que pesa cerca
de dez gramas, além disso o custo de implementação deste
equipamento em 7 unidades de suporte avançado equivale ao
preço de um único gerador de fluxo. Este estudo confirmou a
melhora da oxigenação sanguínea utilizando o CPAP de
Boussignac, com a vantagem da facilidade de uso deste
equipamento e a necessidade de pouco treinamento, associada ao
baixo consumo de O2 permitindo um uso mais freqüente no
ambiente pré-hospitalar (Templier, 2003).
Em outro estudo, comparando o sistema de válvula de
Boussignac e um aparelho ventilador de circuito fechado, não foram
observadas diferenças significativas estatisticamente entre o uso de
ambas as formas de fornecimento de CPAP no que diz respeito a
diminuição da PCO2, aumento da saturação de oxigênio e redução
da freqüência respiratória (Leman, 2005).
Elaboração de Algoritmo de Atendimento
No atendimento inicial do paciente deve-se avaliar
primariamente a presença de congestão e hipoperfusão, buscando
classificar o paciente de acordo com a Classificação ClínicoHemodinâmica. Caso o paciente encontre-se nos perfis A e L, que
não são objeto deste estudo, deverá ser seguido o preconizado
previamente nos algoritmos específicos do SAVIC. Caso o paciente
encontre-se nos perfis B e C, a avaliação quando o tipo de suporte
ventilatório deverá ser realizada por meio do IDV. Naqueles
pacientes em PCR, em instabilidade hemodinâmica (PAS <
90mmHg) ou com IDV > 2,4 deverá ser optada pela ventilação
mecânica invasiva para manutenção da respiração. Nos demais
pacientes com IDV entre 1,73 e 2,4 será optado pela ventilação não
invasiva, preferencialmente no modo CPAP, o mais precoce
possível. Nestes pacientes pertencentes aos perfis B e C, após a
instalação do suporte ventilatório será seguido o algoritmo do perfil
específico do SAVIC, conforme figura a seguir.
Avaliação de hipoperfusão/congetão
Perfil B ou C ?
Não
Algoritmo
Específico
Sim
Determinação
do IDR
> 2,4*
Ventilação
Mecânica
Invasiva
1,73 – 2,4
Ventilação
Não-Invasiva
* Ou presença de outros indicadores de VM imediata
Figura 3 - Algoritmo uso Pré-hospitalar da VNI na ICC descompensada
Conclusão
Com estes dados apresentados e associando-os aos
resultados encontrados nos estudos no ambiente intra-hospitalar, o
uso de CPAP em pacientes apresentando EAP cardiogênico está
fortemente embasado tanto no ambiente hospitalar quanto préhospitalar.
Visando a incorporação da VNI no ambiente pré-hospitalar
para o tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca
congestiva descompensada e edema agudo de pulmão foi
elaborada uma proposta de algoritmo para o atendimento préhospitalar destes pacientes. Esta proposta foi elaborada a partir de
revisão bibliográfica, sendo recomendável a realização de estudos
prospectivos para sua validação.
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