Artigo original Percepção de funcionalidade de paciente idosa residente do município de Porto Alegre: estudo de caso Elderly patient functionality perception resident of the city of Porto Alegre: a case study Letícia dos Santos1 Marcello Mascarenhas2 Lucila Ludmila Paula Gutierrez3 RESUMO Introdução: A capacidade funcional do idoso pode sofrer alterações fisiológicas a médio e longo prazo no processo de envelhecimento e levar à sua diminuição e à dependência de cuidados. Objetivos: avaliar a percepção da funcionalidade de idosa de 94 anos residente em Porto Alegre /RS em relação a algumas das Atividades básicas de vida diária (Abvds) e Atividades instrumentais de vida diária (Aivds) na visão da própria paciente, de sua cuidadora e de sua fisioterapeuta, antes e após realizar exercícios contra resistidos durante sessões de fisioterapia domiciliar durante 12 semanas, entre os meses de fevereiro a abril de 2015. Metodologia: Foram realizadas entrevistas individuais semiestruturadas com perguntas abertas gravadas pelo pesquisador, questionando o histórico da idosa e posteriormente foi aplicado um roteiro de questões para avaliar a percepção da funcionalidade desta idosa por ela própria, pela cuidadora e pela fisioterapeuta antes e depois da implantação do programa de exercícios contra resistidos em relação a algumas das Abvds e Aivds. Resultados: Os resultados demonstraram que a idosa conseguiu realizar três das quatro atividades propostas no questionário antes de iniciar o treinamento fisioterapêutico contra resistido e que após se tornou independente para todas as atividades propostas. Conclusão: Estes dados demonstram ter havido efeito positivo do treinamento contra resistido nas Abvds e Aivds da idosa estudada. PALAVRAS-CHAVE: Envelhecimento, Qualidade de vida, Funcionalidade. Fisioterapeuta, Especialista em Geriatria e Gerontologia pela Rede Metodista de Educação do Sul. (lets.santos@hotmail. com) 2 Doutor, docente do curso de Farmácia e Biomedicina do Centro Universitário Metodista IPA. (marcello.mascarenhas@ metodistadosul.edu.br) 3 Doutora, docente do curso de Medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, pertencente ao Departamento de Ciências Básicas da Saúde. ([email protected]) 1 Ciência em Movimento | Ano XVIII | Nº 36 | 2016 junho 41 Percepção de funcionalidade de paciente idosa residente do município de Porto Alegre: estudo de caso ABSTRACT Introduction: The functional capacity of the elderly can suffer physiological changes in the medium and long term in the aging process and lead to its decline and dependency care. Objectives: Evaluate the perception of the elderly functionality of 94 years resident in Porto Alegre / RS in relation to some of the basic activities of daily living (BADL) and instrumental activities of daily living (IADL) in view of their own patients, their caregivers and their physiotherapist, before and after performing exercises against resistance during home physiotherapy sessions for 12 weeks between the months February to April 2015. Methods: It were conducted semi-structured individual interviews with open questions written by the researcher questioning the history of the elderly and was afterward to a list of questions to assess the perception of the functionality of this aging by itself, the caregiver and the physiotherapist before and after the implementation of exercises against resistance program in relation to some of BADL and IADL. Results: The results demonstrated that the elderly has achieved three of the four activities proposed in the questionnaire before starting physical therapy training against resistance and that after it became independent for all activities proposed. Conclusion: These data demonstrate that there was positive effect of training against resistance in BADL and IADL of the studied elderly. KEYWORDS Aging, Quality of life, Functioning. 42 Ciência em Movimento | Ano XVI II | Nº 36 | 2016 junho Percepção de funcionalidade de paciente idosa residente do município de Porto Alegre: estudo de caso Introdução residente em Porto Alegre /RS em relação a algumas das Atividades básicas de vida diária (Abvds) e Ativi- O envelhecimento é um processo dinâmico, pro- dades instrumentais de vida diária (Aivds) na visão gressivo e multifatorial, no qual ocorrem modificações da própria paciente, de sua cuidadora e de sua fisio- morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas terapeuta, antes e após realizar exercícios contra re- (MONTECLARO, 2014). No Brasil já existem 21 milhões sistidos durante sessões de fisioterapia domiciliar de indivíduos com mais de sessenta anos, sendo as durante 12 semanas, entre os meses de fevereiro a regiões Sudeste e Sul do Brasil as regiões com maior abril de 2015. população idosa no país (REBOUÇAS et al., 2013; IBGE, 2016; BRASIL: ESTATUTO DO IDOSO, 2016). Metodologia Especificamente, no envelhecimento do músculo esquelético há um declínio fisiológico da força mus- Foi realizado um estudo de caso descritivo, com cular que pode comprometer a capacidade funcional abordagem qualitativa. Este estudo de caso foi feito (ou funcionalidade) do idoso (FIEDLER et al., 2008), com idosa moradora da cidade de Porto Alegre, em levando-o à dependência de cuidados (FARIAS et al, sua própria residência, no bairro Independência des- 2012) e tirando do mesmo a capacidade de decidir te município. Conforme visto, objetivou-se avaliar a e atuar de forma independente no seu cotidiano, o funcionalidade da paciente, sob três prismas diferen- que gera profundas consequências na vida deste in- tes: a percepção de melhora (ou não) da própria ido- divíduo e de seus familiares (MACIEL, 2010). Assim, sa, sua cuidadora e sua fisioterapeuta. Assim, a co- as avaliações funcionais passam a ser importantes leta de dados foi precedida da aprovação do Comitê instrumentos que auxiliam os profissionais da saúde de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro a obter ferramentas para atuar na prevenção e/ou Universitário Metodista IPA, sob número da CAE reabilitação destes indivíduos. Estas avaliações po- 40072914.4.0000.5308 e pela assinatura do Termo dem ser classificadas em incapacidades das Ativida- de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelas des básicas de vida diária (Abvds), também chama- entrevistadas e ocorreu em dois momentos: antes de das de atividades de autocuidado (como alimentar- se começar o treinamento contra resistido com du- -se, higienizar-se e vestir-se) e das Atividades instru- ração de 12 semanas (no mês de fevereiro de 2015) mentais de vida diária (Aivds), também denominada e após o treinamento (no mês de abril de 2015). A de habilidades de mobilidade (DEL DUCA et al., coleta de dados foi feita individualmente, com as três 2009), que esta faixa etária apresenta ao longo dos entrevistadas, por meio de aplicação de questionário anos. Em países desenvolvidos já se vê avanço posi- semiestruturado com perguntas abertas gravadas tivo nos parâmetros de funcionalidade com a melho- pelos pesquisadores, na residência da própria idosa, ria da tecnologia da medicina, equipamentos espe- em sala reservada para minimizar constrangimentos. cíficos para os idosos com problemas de saúde, me- O tempo necessário para responder o questionário lhora nas condições socioeconômicas e aumento do foi de 15 minutos para cada vez que este foi aplicado nível educacional (MACIEL, 2010). Além disto, estu- em cada componente da amostra. Primeiramente, dos apontam que treinamento contra resistido em foram questionados o a estrutura familiar, idade, se- idosos melhora a capacidade funcional, resistência xo, estado civil e nível de escolaridade da idosa para de força, agilidade e equilíbrio dinâmico dos mes- ela mesma. Posteriormente, foi aplicado um roteiro mos, pelo ganho de força muscular (PRADO et al, de questões para avaliar a percepção da idosa, da 2010; BAPTISTA, 2011; GLÉRIA, et al 2011; UENO et cuidadora e da fisioterapeuta em relação à funciona- al., 2012), gerando influência positiva no desempe- lidade da paciente antes de iniciar o treinamento e nho funcional de idosos, podendo preservar sua in- após finalizar o treinamento contra resistido fisiote- dependência e autonomia (UENO et al., 2012). rapêutico de 12 semanas, que ocorreu entre os me- Desta forma, o objetivo deste trabalho foi avaliar ses de fevereiro e abril de 2015. As questões do ques- a percepção da funcionalidade de idosa de 94 anos tionário foram elaboradas de forma a serem bem Ciência em Movimento | Ano XVIII | Nº 36 | 2016 junho 43 Percepção de funcionalidade de paciente idosa residente do município de Porto Alegre: estudo de caso 44 compreendidas pelas entrevistadas. Assim, o questionário continha perguntas como “A idosa consegue levantar do sofá sem pedir ajuda a outra pessoa?”, “A idosa consegue ir ao banheiro, sentar, fazer a higiene pessoal e levantar do vaso sanitário sem pedir ajuda a outra pessoa?”, “A idosa consegue levantar-se da cama sem pedir ajuda a outra pessoa?”, “A idosa consegue ir a cozinha pegar um lanche ou um copo de água sem pedir ajuda a outra pessoa?”. O programa de exercícios contra resistidos foi realizado na residência da própria idosa, duas vezes por semana com duração de 60 minutos para os grupos musculares quadríceps, tríceps sural dos membros inferiores e bíceps, tríceps, flexores de mão e dedos para membros superiores. Para cada grupo muscular foram realizadas três séries de cada exercício com 12 repetições em cada série, durante as 12 semanas. A idosa utilizou caneleira de 0,5kg, resistência manual, bola de plástico média, bola de borracha pequena e alongamento manual ao final da musculatura flexora ísquios tibiais e tríceps sural de membros inferiores realizados pela fisioterapeuta em uma repetição de 15 segundos. O programa de exercícios prescritos e orientados pela fisioterapeuta incluiu caminhadas no corredor da casa por duas vezes (ida e volta); deitar a idosa em decúbito dorsal e realizar planti flexão e dorsi flexão contra resistido manualmente nos pés; deitar a idosa em decúbito dorsal e realizar exercícios de flexão e extensão de quadril e joelho (com caneleira de 0,5kg e com auxílio do fisioterapeuta se necessário); deitar a idosa em decúbito dorsal e fletir o quadril com o joelho em extensão (com auxílio do fisioterapeuta se necessário); deitar a idosa em decúbito dorsal com os dois joelhos fletidos, deixar os pés apoiados e elevar quadril com contração de glúteos e músculos abdominais; deitar a idosa em decúbito dorsal com joelhos fletidos, os dois pés apoiados e realizar abdução de quadril contra resistido manualmente; sentar a idosa e faze-la apertar bola com a mão; sentar a idosa e faze-la apertar bola entre os joelhos (com auxílio do fisioterapeuta se necessário); sentar a idosa e faze-la levantar-se do sofá, realizando trabalho de força para grupo muscular quadríceps (3 séries de 2 repetições, com auxílio do fisioterapeuta se necessário); sentar a idosa e faze-la jogar bola com os membros superiores; sentar a idosa e faze-la realizar abdução de quadril de modo contra resistido manualmente; sentar a idosa e faze-la realizar rotações de cintura escapular com a bola entre as mãos; coloca-la em pé e faze-la subir e descer obstáculos em deslocamento para frente Ciência em Movimento | Ano XVI II | Nº 36 | 2016 junho (1 série, com auxílio do fisioterapeuta se necessário), coloca-la em pé e faze-la subir e descer degrau da casa simulando uma escada (2 séries de 5 repetições, com auxílio do fisioterapeuta se necessário); coloca-la em pé e faze-la equilibrar-se estaticamente de modo uni podal, alternando a perna direita e esquerda durante 10 segundos (com auxilio do fisioterapeuta) e, por fim, coloca-la deitada em decúbito dorsal e fazer alongamento de membros inferiores. Os dados foram apresentados descritivamente em tabelas mostrando os resultados antes e após os exercícios com as percepções de cada uma das entrevistadas. Não houve conflito de interesses no presente trabalho e o financiamento deste foi custeado pelos próprios autores. Resultados Conforme visto, este estudo de caso foi realizado com idosa residente em Porto Alegre/RS, no bairro Independência. A idade da idosa pesquisada tinha a idade de 94 anos, sexo feminino, viúva, com uma estrutura familiar de dois filhos e um irmão mais novo. Possuía pensão e bens deixados pelo marido. Cursou até a quarta série do ensino fundamental (grau de escolaridade). As características socioeconômicas da idosa pesquisada podem ser visualizadas na Tabela 1. Tabela 1- Características socioeconômicas da idosa entrevistada, residente do município de Porto Alegre/RS, que fez treinamento contra resistido de 12 semanas, ocorrido entre fevereiro e abril de 2015. Variáveis Idade Sexo Estado Civil Escolaridade 94 anos Feminino Viúva* 4a série ensino fundamental * A entrevistada apresenta estrutura familiar de dois filhos e um irmão mais novo. Possui pensão e bens deixados pelo marido O mesmo questionário sobre a percepção de funcionalidade em relação a algumas Atividades básicas de vida diária (Abvds) e Atividades instrumentais de vida diária (Aivds) foi aplicado à idosa, à cuidadora e à fisioterapeuta antes e após o treinamento fisioterapêutico contra resistido de doze semanas. Na entrevista realizada com a idosa foi pos- Percepção de funcionalidade de paciente idosa residente do município de Porto Alegre: estudo de caso sível observar que a mesma conseguia realizar três das quatro atividades questionadas antes do treinamento e que após os exercícios contra resistidos todas as quatro atividades propostas foram realizadas. A primeira pergunta feita à idosa versava sobre sua capacidade de levantar-se do sofá sem o auxílio de outra pessoa; a idosa respondeu que conseguia se levantar nas duas aplicações do questionário (antes e após o treinamento). A segunda questão era se conseguia ir ao banheiro, sentar, fazer higiene pessoal e levantar-se do vaso sanitário sem pedir ajuda a outra pessoa; a idosa respondeu que sim antes e após o treinamento, relatando que conseguia levantar-se após a higiene agarrando-se na pia do banheiro. Para a terceira questão, que abordava sobre a capacidade da idosa levantar-se da cama sem pedir ajuda, as respostas (antes e depois do treinamento) foram sim. A última questão tratava sobre a capacidade da idosa de se locomover até a cozinha pegar algum lanche sem pedir auxílio à outra pessoa: nesta questão, a idosa respondeu que não antes do treinamento e sim, após o mesmo. A percepção da idosa antes e após o treinamento está na Tabela 2. Tabela 2- Percepção da idosa entrevistada, residente do município de Porto Alegre/RS, antes e após treinamento contra resistido de 12 semanas, ocorrido entre fevereiro e abril de 2015, sobre sua própria funcionalidade em relação a algumas das Atividades básicas de vida diária (Abvds) e Atividades instrumentais de vida diária (Aivds). Em relação à entrevista respondida pela cuidadora, a mesma era do sexo feminino, tendo respondido ao mesmo questionário antes e depois do treinamento fisioterapêutico contra resistido de 12 semanas. A cuidadora respondeu que a idosa conseguia levantar do sofá sem pedir ajuda a outra pessoa (antes e depois do treinamento), mas que não conseguia ir ao banheiro e fazer a higiene pessoal e nem se levantar do vaso sanitário sem pedir auxílio, antes do treinamento. Contudo, relatou que após o treinamento, a idosa conseguia executar sozinha esta tarefa. Sobre o levantar-se da cama sem pedir auxílio à outra pessoa, a resposta foi que sim, a idosa conseguia levantar-se antes e depois do treinamento. Na pergunta sobre alimentação, se a idosa conseguia ir a cozinha pegar algum lanche sem pedir ajuda a outra pessoa, a resposta da cuidadora foi que sim (antes e depois do treinamento), relatando que antes do treinamento a idosa só o faria se estivesse com fome e não contasse com o auxílio de ninguém para executar esta tarefa. Os resultados da percepção da cuidadora antes e depois do treinamento estão descritos na Tabela 3. Tabela 3- Percepção da cuidadora entrevistada antes e após tratamento fisioterapêutico contra resistido de 12 semanas, ocorrido entre fevereiro e abril de 2015, no município de Porto Alegre/RS, sobre a funcionalidade da idosa estudada em relação a algumas das Atividades básicas de vida diária (Abvds) e Atividades instrumentais de vida diária (Aivds). Variáveis Antes tratamento Após tratamento Variáveis Antes tratamento Após tratamento Levanta do sofá sem pedir ajuda a outra pessoa Sim Sim Consegue levantar do sofá sem pedir ajuda a outra pessoa Sim Sim Consegue ir ao banheiro sentar, fazer higiene pessoal e levantar do vaso sem pedir ajuda a outra pessoa Sim Sim Consegue ir ao banheiro sentar, fazer higiene pessoal e levantar do vaso sem pedir ajuda a outra pessoa Não Sim Sim* Sim Consegue quando esta deitada levantar da cama sem pedir ajuda a outra pessoa Sim Consegue quando esta deitada levantar da cama sem pedir ajuda a outra pessoa Sim Sim Consegue se estiver com fome ir a cozinha pegar algum lanche sem pedir ajuda a outra pessoa Não Consegue se estiver com fome ir a cozinha pegar algum lanche sem pedir ajuda a outra pessoa Sim Sim* * Às vezes. * Quando não há ninguém que possa lhe ajudar. Ciência em Movimento | Ano XVIII | Nº 36 | 2016 junho 45 Percepção de funcionalidade de paciente idosa residente do município de Porto Alegre: estudo de caso Nas respostas da entrevista feitas com a fisiote- Discussão rapeuta foi relatado que a idosa podia executar todas 46 as tarefas (antes e depois do treinamento). Na pri- Entre os avanços científico e técnico que permiti- meira pergunta sobre levantar do sofá sem pedir aju- ram que os indivíduos vivessem por mais tempo e que, da a outra pessoa, a fisioterapeuta observa que a portanto, envelhecessem, estão as ações na área da idosa consegue realizar a tarefa. Em relação à idosa saúde como a elaboração de programas associados a conseguir ir ao banheiro, fazer higiene pessoal e le- doenças específicas, imunizações em massa e aumen- vantar do vaso sanitário sem pedir ajuda, a fisiotera- to da cobertura de assistências médica (REBOUÇAS et peuta observou que a idosa conseguia (antes e após al., 2013). No Brasil, a população com 65 anos ou o treinamento) e descreve que a mesma vai cami- mais, que era de 4,8% em 1991, passou a 5,9% em nhando até o banheiro com a bengala, faz higiene 2000 e chegou a 7,4% em 2010 (IBGE, 2016). sozinha e utiliza a pia como apoio ao levantar do As alterações fisiológicas observadas no envelhe- vaso sanitário. Na avaliação da profissional, quando cimento, devido a fatores genéticos e ambientais questionado se a idosa conseguia levantar da cama (CRUZ et al., 2011), não ocorrem da mesma maneira sem pedir ajuda a outra pessoa, a resposta foi que em todos os indivíduos; há maneiras diferentes de sim para antes e depois do treinamento. Na última envelhecer e principalmente de encarar o envelheci- pergunta questionou-se a fisioterapeuta se a idosa mento. Para atingir-se uma maneira ativa de envelhe- consegue ir a cozinha se servir de lanche sem pedir cer, é necessário que existam oportunidades de saúde, ajuda a outra pessoa; a fisioterapeuta respondeu que participação e segurança de forma intermitente ao sim para antes e depois do treinamento. Os resulta- longo da vida, com políticas e programas de saúde dos da percepção da fisioterapeuta sobre antes e fundamentados nos direitos, exigências, prioridades depois ao treinamento contra resistido de doze se- e nas habilidades destes idosos (FARIAS, 2012). manas estão na Tabela 4. Dentre os comprometimentos advindos com o Tabela 4 - Percepção da fisioterapeuta entrevistada antes e após tratamento fisioterapêutico contra resistido de 12 semanas, ocorrido entre fevereiro e abril de 2015, no município de Porto Alegre/RS, sobre a funcionalidade da idosa estudada em relação a algumas das Atividades básicas de vida diária (Abvds) e Atividades instrumentais de vida diária (Aivds). Variáveis Consegue levantar do sofá sem incapacidade funcional, caracterizada como qualquer restrição para desempenhar uma atividade dentro da extensão considerada normal para a vida humana (DEL DUCA et al., 2009). A funcionalidade é um indicador do grau de independência dos idosos e é a partir da medida de funcionalidade que se de- Antes Após trata- trata- men- men- to to Sim Sim World Health Organization) em 2002, criou a CIF Sim Sim descreve que a funcionalidade do idoso se relaciona pedir ajuda a outra pessoa Consegue ir ao banheiro sentar, avanço cronológico da idade, está a ocorrência de vem implementar ações preventivas e terapêuticas para os mesmos. Pereira e colaboradores (2014) trazem que a Organização Mundial da Saúde (WHO – (Classificação Internacional de Funcionalidade), que fazer higiene pessoal e levantar com os componentes de funções e estruturas do or- do vaso sem pedir ajuda a outra ganismo, atividade e participação social, observan- pessoa do-se o indivíduo como um todo, de modo interdis- Consegue quando esta deitada Sim Sim ciplinar. Estudos citam que por volta dos vinte anos levantar da cama sem pedir ajuda a capacidade funcional do organismo chega a seu a outra pessoa ápice e que após os 60 anos esta poderá cair 30% ou Consegue se estiver com fome ir Sim Sim mais, variando de acordo com histórico de doenças a cozinha pegar algum lanche individuais (DESLANDES, 2013; SANDRI, 2013; PEREI- sem pedir ajuda a outra pessoa RA et al. 2014; MONTECLARO, 2014). Uma das formas para avaliar a funcionalidade do idoso é por Ciência em Movimento | Ano XVI II | Nº 36 | 2016 junho Percepção de funcionalidade de paciente idosa residente do município de Porto Alegre: estudo de caso meio da Avaliação Geriátrica Ampla (AGA), descrita 2010). Em estudo com idosos saudáveis do sexo mas- por Lé Visa (2014), que utiliza as Atividades básicas culino foi identificado que no treinamento contra de vida diária (Abvds), referentes à capacidade do resistido são adicionados sarcômeros em paralelo na idoso de realizar os seus cuidados pessoais (como fibra muscular, permitindo ao músculo gerar mais alimentação, higiene pessoal, vestuário), mobilidade força. Ainda, este mesmo estudo identifica os bene- (como andar e movimentar-se) e capacidade de man- fícios de idosos que praticam exercício físico quando ter a continência urinária e fecal. A AGA também comparados a idosos sedentários e descreve que o utiliza as Atividades instrumentais de vida diária (Ai- treinamento de força nos principais grupos muscu- vds) que indicam a capacidade do indivíduo de man- lares, para idosos, deveria ser realizado pelo menos ter uma vida socialmente independente inserido ao uma vez por semana, de modo a mantê-los fisica- meio onde vive, classificada em atividades dentro de mente ativos, respeitando suas questões de saúde casa como cozinhar, arrumar a casa, cuidar de suas (BAPTISTA, 2009). Já Perez e colaboradores (2010), finanças, de suas medicações e atividades fora de em seu estudo, encontraram no grupo de idosas que casa como fazer compras, utilizar meios de transpor- realizavam exercício físico regularmente um índice te, ir a compromissos sociais e de saúde. sênior de autonomia de ação (ISAC) e índice de au- Tavares e colaboradores (2012), em um estudo no tonomia exprimida (IAE) acima do mínimo conside- município de Uberaba/MG, descreveram que com o rado essencial e maior quando comparadas ao grupo aumento da população idosa ampliaram-se as inci- de idosas sedentárias. Ainda, a literatura demonstra dências de alterações do desempenho funcional, tra- que idosos que praticam exercício físico possuem da- zendo consequente dependência. Estes autores rela- dos elevados de aptidão cardiorrespiratória e mus- tam que 26,8% dos idosos apresentavam dependên- cular, melhor composição corporal, maiores índices cia para realização das Abvds, principalmente na de saúde funcional, baixo risco de quedas e uma capacidade de fazer sua higiene pessoal e vestir-se. maior função cognitiva, com risco reduzido para li- Almeida e colaboradores (2012) citam um estudo mitações funcionais e sociais, quando comparados a feito no Brasil por Lebrão e colaboradores (2003) em idosos sedentários (BATISTA, 2011). Assim, exercícios que 19,2% dos idosos necessitavam de ajuda para contra resistidos são tidos como excelentes para Abvds e 26,8% para Aivds. Este estudo ainda de- manter a capacidade funcional do idoso e isto foi monstrou que fatores intrínsecos relacionados com demonstrado pelo presente estudo, uma vez que a o envelhecimento desta população estudada (como idosa conseguiu desempenhar as tarefas solicitadas tontura e diminuição da acuidade auditiva e visual) e as atividades diárias, embora a literatura traga que eram os principais limitantes para a execução das a força muscular esquelética apresenta queda entre Abvds. Embora a idosa deste estudo de caso apre- os 70 e 80 anos (perda de 20% a 40% da força mus- sentasse 94 anos, ela ainda conseguia executar as cular esquelética) e aos 90 anos, a perda já é maior Abvds e Aivds no seu cotidiano, mesmo estando, dia- que 50% independentemente do gênero sexual. No riamente, acompanhada de uma cuidadora. A pa- presente estudo de caso, a idosa pesquisada já rea- ciente foi beneficiada com os resultados do treina- lizava atividade de fisioterapia antes da entrevista mento físico contra resistido de 12 semanas de du- inicial e, por este motivo, ela já executava todas as ração, conforme a percepção das entrevistadas (a tarefas. Mesmo assim, as entrevistadas consideraram idosa, a cuidadora e a fisioterapeuta), pois foi possí- que houve uma melhora na capacidade funcional da vel verificar que sua capacidade funcional estava pre- idosa. Desta maneira, percebe-se que os exercícios servada e que melhorou após treinamento contra resistidos são ferramentas essenciais para a manu- resistido com duração de 12 semanas. A prática de tenção da qualidade de vida no envelhecimento sau- exercício físico contra resistido regular é capaz de dável (BARBOSA et al., 2009; FECHINE & TROMPIERI, aumentar a massa muscular, melhorar a saúde física 2012; SANDRI, 2013; DESLANDES, 2013), uma vez e função muscular, permitindo que o indivíduo exe- que são capazes de colaborar para a manutenção da cute diversas atividades (MACIEL, 2010; PEREZ et al, independência funcional do idoso. Cabe ressaltar Ciência em Movimento | Ano XVIII | Nº 36 | 2016 junho 47 Percepção de funcionalidade de paciente idosa residente do município de Porto Alegre: estudo de caso que esta vantagem é adquirida mesmo quando se nota-se que o treinamento contra resistido auxiliou-a, começa a prática tardiamente (FIELDER e PEREZ, no mínimo, na manutenção de sua funcionalidade. A 2008; ARAÚJO, 2010; OLIVEIRA et al., 2010; MACIEL, literatura ainda mostra que a capacidade funcional de 2010; TAVARES et al., 2012; DESLANDES, 2013). idosos é melhor em indivíduos casados e viúvos, sen- Dentre as atividades importantes para a manutenção do este último o estado civil da idosa pesquisada no do equilíbrio, agilidade e capacidade funcional, as presente caso (Drummond et al., 2013). mais utilizadas são as caminhadas, exercícios de força (exercícios contra resistidos) e alongamento (CAR- Considerações Finais VALHO et al., 2010), sendo este o motivo da escolha de exercícios contra resistidos para a avaliação da Como foi descrito nos resultados, a idosa já apre- percepção de funcionalidade da paciente idosa do sentava independência para realizar três das quatro presente estudo. perguntas do questionário aplicado antes e depois Em relação ao gênero, Carvalho e colaboradores de treinamento fisioterapêutico contra resistido de (2010) encontraram que um terço das idosas pesqui- 12 semanas em relação a suas Abvds e Aivds, uma sadas eram pouco ativas, e que acima de sessenta vez que esta já realizava fisioterapia duas vezes por anos a inatividade física ao longo do dia dos idosos é semana, estando neste fator, possivelmente, a sua alta. Isto ocorre porque a prática de atividades diminui capacidade física. No entanto, quando foram inseri- com o avanço da idade, o que pode se associar à di- dos os exercícios contra resistidos, a idosa respondeu minuição da capacidade física. Sabe-se também que positivamente, melhorando nos itens em que já era mulheres têm menor atividade física em relação aos funcional e o no item que não havia independência. homens, principalmente em atividades de lazer; po- 48 Este resultado, nos leva a concluir que para rém, participam mais do que os homens em atividades esta idosa de 94 anos, os exercícios contra resistidos caseiras (CARVALHO et al., 2010; CORREA & PINTO, foram o fator que levou a melhora das Abvds e Aivds 2011). Além disto, dados nacionais apontam o sexo no cotidiano da mesma, melhorando e preservando feminino como mais suscetível ao declínio funcional sua qualidade de vida e independência funcional. As- quando comparado ao masculino (DRUMMOND et sim, estudos que auxiliam no reconhecimento das al., 2013). Torres e colaboradores (2014) demonstra- causas que levam as incapacidades e perdas de au- ram que o sexo e faixa etária apresentam associação tonomia no envelhecimento são essenciais, pois esta significativa com a capacidade de realização de Abvds. compreensão possibilita ao profissional da área da Apesar de a paciente estudada ser do sexo feminino, saúde intervir e auxiliar estes pacientes. Ciência em Movimento | Ano XVI II | Nº 36 | 2016 junho Percepção de funcionalidade de paciente idosa residente do município de Porto Alegre: estudo de caso Referências ALMEIDA, Maria Helena Morgani et al. Dificuldade para atividades básicas e Instrumentais de Vida Diáriareferidas por usuários de um Centro de Saúde Escola do Município de São Paulo. Rev. Bras. Geratria Gerontologia, Rio de Janeiro v.15, n.2, p. 187-200, 2012. ARAUJO, Marina Lorenzi Monteiro et al. 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