Relato de Caso Disfunção têmporo-mandibular de causa articular Temporo mandibular dysfunction due to joint cause Resumo Carlos Eduardo Monteiro Zappelini 1 Vanessa Brito Campoy Rocha 2 Edi Lúcia Sartorato 3 Leopoldo Nizam Pfeilsticker 4 Alexandre Caixeta Guimarães 5 Guilherme Machado de Carvalho 6. Abstract Introdução: A articulação têmporo-mandibular (ATM) é um importante elemento do sistema estomatognático e sua disfunção pode interferir em processos importantes, como a fonação e a mastigação. A disfunção têmporo-mandibular (DTM) manifestase por quadros álgicos, como cefaleia e otalgia, e as principais etiologias são causas musculares e articulares. Relato do Caso: Descrito caso de uma paciente que apresentava sintomas auditivos secundários a DTM e realizado uma breve discussão sobre o tema. Discussão: A prevalência de sintomas auditivos chega até 75% dos casos de DTM, porém, ainda são incertas as relações e a fisiopatologias dessa relação. Conclusão: A abordagem multidisciplinar e multiterapêutica se faz necessária para um melhor êxito no diagnóstico e tratamento da DTM. Background: The temporomandibular joint (TMJ) is an important element of the stomatognathic system and its dysfunction can interfere with important processes, such as speech and chewing. The temporomandibular disorders (TMD) is manifested by pain conditions such as headache and ear pain, and the main causes are causes muscle and joint. Case Report: Described case of a patient who presented with symptoms secondary to impaired DTM and held a brief discussion on the topic. Discussion: The prevalence of auditory symptoms reaches 75% of cases of TMD but are still uncertain relations and pathophysiology of this relationship. Conclusion: A multidisciplinary approach and treatment is necessary and for better outcomes in the diagnosis and treatment of TMD. Descritores: Síndrome da Disfunção da Articulação Temporomandibular; Dor de Orelha; Transtornos da Audição. Key words: Temporomandibular Joint Dysfunction Syndrome; Earache; Hearing Disorders. INTRODUÇÃO A articulação têmporo-mandibular (ATM) é um elemento do sistema estomatognático capaz de realizar movimentos complexos através de várias estruturas internas e externas.. A mastigação, a deglutição, a fonação e a postura dependem muito da função, saúde e estabilidade desta articulação para funcionarem de forma adequada. A disfunção têmporo-mandibular representa um quadro álgico causado por uma afecção da articulação e pode ter como etiologia alterações musculares ou articulares.1-3 A ATM une a mandíbula à base do crânio e sua disfunção representa uma das causas mais comuns de cefaléia, dor facial e otalgia.1 Recebe inervação do nervo aurículo-temporal, ramo da divisão mandibular do nervo trigêmio, no entanto, na maior parte, as estruturas que compõem a ATM não recebem inervação e, portanto, não podem produzir dor.3,4 Quando por causa muscular, a mais comum, acomete principalmente o sexo feminino, entre 3ª. e 5ª. décadas, tendo como etiologia o uso inadequado ou excessivo da articulação (espasmo muscular, bruxismo).4 Neste caso, a paciente refere, geralmente, otalgia unilateral com otoscopia normal e empastamento da musculatura da mastigação ipsilateral.3,4 Por sua vez, quando por causa articular, resulta de anomalias da cápsula articular, sendo basicamente 1)Doutor. Médico Otorrinolaringologista, Fellowship em Cirurgia Plástica Facial pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-FCM UNICAMP). 2)Doutora. Residente em otorrinolaringologia. 3)PhD. Diretora adjunta do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética - CBMEG UNICAMP. 4)MD. Médico Otorrinolaringologista e Cirurgião Crânio Maxilo Facial; Coordenador do Serviço de Cirurgia Crânio Maxilo Facial do HC-FCM UNICAMP na Disciplina de Otorrinolaringologia. 5)Doutor. Médico Otorrinolaringologista, Fellowship em Otologia no HC-FCM UNICAMP. 6)MD. Médico Otorrinolaringologista, Fellowship em Otologia no HC-FCM UNICAMP. Instituição: UNICAMP Campinas / SP - Brasil. Correspondência: Vanessa Brito Campoy Rocha - Rua Tessália Vieira de Carvalho, 126 - Campinas / SP – Brasil - CEP 13083-887 - Telefone: (+55 19) 3521-7454 / 3521-7523 - Fax: (+55 19) 3521-7380 - E-mail: [email protected] Artigo recebido em 17/11/2015; aceito para publicação em 21/01/2016; publicado online em 28/02/2016. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há. 140 e�������������������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.44, nº 3, p. 140-142, Julho / Agosto / Setembro 2015 Disfunção têmporo-mandibular de causa articular. Zappelini et al. as mesmas que ocorrem em outras articulações do organismo (lesão orgânica intra-articular, doenças degenerativas, deformidades congênitas, anquilose, fratura, hipermobilidade, neoplasia, artrite e doenças reumatóides).3-5 O exame otoscópico também costuma apresentar-se normal, apesar do quadro álgico, porém, muitas vezes torna-se evidente a assimetria e a crepitação da articulação acometida ao movimento de abertura da boca. RELATO DO CASO Paciente sexo feminino, 33 anos, branca, do lar, natural e procedente de Campinas, vem ao ambulatório de otorrinolaringologia de um hospital universitário terciário queixando-se de otalgia em ouvido esquerdo de longa data associado a hipoacusia. Nega otorréia ou zumbido. Nega história familiar problemas auditivos. Nega uso de medicamentos de forma regular ou cirurgias prévias. Ao exame físico apresentava otoscopia normal bilateral à rinoscopia havia um desvio de septo nasal não obstrutivo em área 2 de Cottle à direita do tipo espicular e hipertrofia moderada de cornetos nasais (2+/4+). Ao exame de cavidade oral possui hipertrofia moderada (grau II) de tonsilas palatinas e ausência dos primeiros molares inferiores bilateralmente. A palpação de região de ATM mostrou sinais de possível desarticulação ao movimento de abertura da boca associado a dor local a esquerda. Solicitados exames de audiometria tonal, vocal e impedanciometria (sem alterações) e radiografia panorâmica dos dentes (Figuras 1, 2). O audiograma evidenciou apenas uma hipoacusia neurossensorial com entalhe (gota) de 35dB em 6KHz em orelha esquerda, sendo o restante do exame dentro da normalidade. Já o exame radiográfico panorâmico dos dentes apresentou, além da ausência dos primeiros molares inferiores bilateralmente, um desgaste da cabeça esquerda da mandíbula junto a articulação associado a uma diminuição do espaço articular. Prescrito ciclobenzaprina 5 mg (1 vez ao dia) e encaminhada ao cirurgião buco-maxilo. Paciente mantém apenas seguimento clínico, com melhora dos sintomas, tendo apresentado algumas recidivas de episódios de dores na região da ATM e otalgia. DISCUSSÃO Segundo a literatura, a disfunção TêmporoMandibular (DTM) e a dor orofacialacometem preferencialmente as mulheres nas idades acima de 18 anos, conforme referido nos estudos epidemiológicos de prevalência.6 Em pacientes com DTM, a prevalência de 77,5% de pelo menos uma queixa auditiva, como dor de ouvido, zumbido, tontura e perda da acuidade auditiva, foi Figura 1. Radiografia Panorâmica da mandíbula não evidencia lesões sugestivas de neoplasias. Figura 2. Ênfase das ATMs direita (à esquerda) e esquerda (à direita), evidenciando alteração da cabeça da mandíbula esquerda (desgaste ósseo). relatada em alguns estudos.1 O bruximo, que é uma atividade parafuncional diurna ou noturna, em que ocorre apertamento, compressão e ranger dos dentes, também é bastante prevalente. Como consequências, o bruxismo pode levar a destruição dos dentes, dor mandibular, dor de cabeça, limitar o movimento mandibular e atrapalhar o sono do parceiro de cama. O bruxismo acomete 8% da população adulta e está associado com as atividades dos músculos da mastigação, caracterizadas por contrações repetitivas.5 A pesquisa dos hábitos orais procura evidenciar a atividade anormal dos músculos da mastigação denominada parafunção (apertamento da mandíbula não relacionado à alimentação), reconhecida como um possível fator etiológico da DTM.3 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.44, nº 3, p. 140-142, Julho / Agosto / Setembro 2015 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 141 Disfunção têmporo-mandibular de causa articular. A exata relação entre DTM e sintomas otológicos ainda não é conhecida. A questão tem sido explicada com base na relação embriológica, anatômica e funcional da região que compreende as ATMs, a musculatura inervada pelo trigêmeo e as estruturas da orelha média.3-5 Dentre outras causas, tem sido sugerido que as alterações musculares em pacientes com DTM, como o espasmo do músculo pterigóideo lateral, levam a hipertonia do músculo tensor do tímpano, causando alterações no ciclo de abertura da tuba auditiva e consequentemente à redução na ventilação da orelha média.4 No entanto, alguns autores contestam esta hipótese. Diretamente ligada a ATM, está a oclusão dentária que é compreendida pela oposição das arcadas e forças determinadas entre os dentes quando em contato. O ideal é que os contatos sejam simultâneos e estáveis entre os dentes, na posição intercuspideana sem outras interferências, para que haja distribuição de forças oclusais nas zonas de trabalho pelo maior número de dentes, propiciando um equilíbrio funcional entre ATM e sistema neuromuscular da mandíbula.2 Durante essa análise, evidências de desarmonia dentária (como a má oclusão), edentulismo parcial ou total (ausência dentária), próteses dentárias de baixa qualidade ou antigas, restaurações insatisfatórias, devem ser relatadas como possíveis fatores etiológicos locais.2 Zappelini et al. os sintomas otológicos. Acredita-se na importância do trabalho multidisciplinar (médicos otorrinolaringologistas, dentistas, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e psicólogos) nos pacientes onde há complexidade de patologia para melhor condução terapêutica dos pacientes com essas afecções. Porém, observa-se a necessidade de um consenso sobre o campo de atuação de cada profissional envolvido neste processo. Cabe ressaltar a importância de um diagnóstico preciso e precoce, visando prevenir as complicações da DTM. REFERÊNCIAS 1. Bruto LH et al. Alterações Otológicas nas Desordens TêmporoMandibulares. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia. v.66, n.4, p327- 332, jul./ago. 2000. 2. Carlson CR, Bertrand PM, Ehrlich AD, Maxwell AW, Burton RG. Physical self-regulation training for the management of temporomandibular disorders. J Orofac Pain. 2001 Winter; 15(1):47-55. 3. Greene CS. The etiology of temporomandibular disorders: implications for treatment. J Orofac Pain. 2001 Spring; 15(2):93-105. 4. Magnusson T, Egermark I, Carlsson GE. A longitudinal epidemiologic study of signs and symptoms of temporomandibular disorders from 15 to 35 years of age. J Orofac Pain 2000 14(4):310-9. 5. Piozzi R, Lopes FC. Desordens temporomandibulares: aspectos clínicos e guia para a odontologia e fisioterapia. J Bras Oclusão ATM Dor Orofac 2002; 2(5):43-7. 6. Tuz HH, Onder EM, Kisnisci RS. Prevalence of otologic complaints in patients with temporomandibular disorder. Am J Orthod Dentofacial Orthop 2003 June;123(6):620-3. CONCLUSÃO O diagnóstico e o tratamento da disfunção da ATM são muito controversos, bem como sua relação com 142 e�������������������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.44, nº 3, p. 140-142, Julho / Agosto / Setembro 2015