Direito Empresarial

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Direito Empresarial
Marcia Carla Pereira Ribeiro
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2009
© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por
escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.
R484
Ribeiro, Marcia Carla Pereira. / Direito Empresarial. / Marcia
Carla Pereira Ribeiro. — Curitiba : IESDE Brasil S.A. ,
2009.
152 p.
ISBN: 978-85-7638-831-9
1. Direito Empresarial. 2. Sociedades Comerciais. 3. Livre
Iniciativa. 4. Sociedades – Negócios. 5. Empresas – Aspectos
Econômicos. I. Título.
CDD 342.22
Todos os direitos reservados.
IESDE Brasil S.A.
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
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Marcia Carla Pereira Ribeiro
Doutora em Direito das Relações Sociais pela
Universidade Federal do Paraná (UFPR). Diretora
do Programa de Mestrado e Doutorado da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Professora de Direito Comercial da UFPR. Professora titular de Direito Societário da PUCPR. Procuradora do estado do Paraná.
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sumário
sumário
O Direito Empresarial no contexto da gestão
11 | Apresentação
11 | O agente econômico empresa
16 | Empresa e sociedade
21 | Estabelecimento: noção e transferência
A empresa como entidade
31
econômica e sua decodificação jurídica
31 | Apresentação
31 | Empresa individual
32 | Teoria geral das sociedades
36 | Sociedades não-personificadas
38 | Sociedades personificadas
Principais instrumentos de
65
captação de recursos no Brasil
65 | Apresentação
65 | Sociedades limitadas: intermediação financeira,
aumento de capital e outras operações internas
66 | Sociedades anônimas abertas: aumento de capital
e emissão de valores mobiliários
77 | Governança corporativa e captação de recursos
83 | Sócios estratégicos
Prática do ato empresarial,
95
insolvência e reorganização societária
95 | Apresentação
96 | Características dos atos empresariais
98 | Insolvência do empresário
101 | Recuperação judicial do empresário
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11
104 | Recuperação extrajudicial
105 | Recuperação do pequeno empresário
106 | Outras formas de acordo
106 | Falência do empresário: principais conseqüências
109 | Mecanismos de reorganização empresarial
Direito Econômico
119
119 | Apresentação
119 | Sistema de mercado e interferência do Estado
122 | O modelo da Constituição da República do Brasil
127 | Empresas estatais
128 | Defesa da concorrência
131 | Defesa do consumidor
Gabarito
141
Referências
145
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Introdução
Direito Empresarial
O Estado brasileiro adota o sistema de produção
capitalista, e a regra em nosso ordenamento jurídico é que as atividades de produção e circulação de
serviços e bens devam ser prioritariamente exercidas pelos particulares. Nesse sistema, é inevitável a
constatação da importância do exercício da atividade econômica pela empresa em nosso país.
Os textos propostos apresentam noções do direito
aplicável diretamente à atividade empresarial, num
enfoque prático e de gestão, que possa auxiliar o
operador do direito e o empresário na compreensão do econômico sob o enfoque jurídico. A prioridade atribuída ao agente privado para a prática
econômica, associada à intervenção do Estado,
especialmente pela disciplina jurídica que incide
sobre o econômico, diante da estreita ligação entre
Direito e Economia, não permite que um ramo do
conhecimento desconheça o outro.
No que se refere ao agente econômico, para o Direito, ou se apresentará na condição de pessoa
física – empresário individual, sujeitando-se a um
tratamento jurídico peculiar –, ou como pessoa jurídica. Toda atividade empresarial considerada regular deve se submeter aos modelos fixados em lei.
Assim, somente se admite no Brasil a constituição
de um dos modelos de sociedade previstos na legislação, a partir de um rol taxativo.
Para aquele que atua ou pretende atuar na atividade econômica, é importante conhecer as formas de
organização disponibilizadas pelo Direito. Se não
optar pelo exercício individual, existem os diversos
tipos societários à sua disposição. Há diferenças
entre os modelos, inclusive quanto à limitação da
responsabilidade dos sócios, devendo recair a escolha sobre aquele que melhor possa servir à atividade
pretendida. O Direito, porém, ocupa-se também das
atividades empresariais exercidas de fato, sem o competente registro. As chamadas sociedades de fato ou
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Introdução
Direito Empresarial
irregulares são reconhecidas pelo Direito, e se submetem a um tratamento específico.
Além da disciplina da forma de organização do
agente empresário, há outras interfaces entre
Direito e Economia.
O Estado, em estreito cumprimento aos mandamentos constitucionais, deve intervir no mercado,
seja para sua regulação, seja por meio do exercício
direto de atividade econômica, neste último caso
quando cumpridos certos requisitos impostos pela
lei. A intervenção, em um sistema capitalista tal
como o brasileiro, de forma alguma o desnatura,
antes o fortifica, pelo reconhecimento do mercado
da necessidade dos ajustamentos aos ditames constitucionais, tal qual a livre concorrência e a defesa
do consumidor que, em última análise, trabalham
para a manutenção do sistema.
Sendo amplo o tema, e podendo ser tratado de diversas maneiras, optou-se, nos textos que seguem,
pela análise teórica aliada à prática, valendo-se
inclusive de exemplos para melhor compreensão.
Sabe-se, no entanto, e desde já se adverte, que são
apresentadas apenas linhas introdutórias que não
pretendem ser exaustivas.
O primeiro tema, “O Direito Empresarial no contexto da gestão”, introduz conceitos como empresário, empresa, capital social, sócio e estabelecimento comercial que, à primeira vista, parecem
claros aos não-juristas, mas que são terminologias importantíssimas no estudo do Direito, e que
não se confundem.
A exposição que segue, “A empresa como entidade
econômica e sua decodificação jurídica: as firmas
individuais e as sociedades empresariais”, traça
breves linhas sobre os tipos societários em espécie,
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Introdução
Direito Empresarial
englobando as conhecidas sociedades limitadas e
sociedades anônimas, que serão objeto de estudo
também na terceira aula, sobre os “Principais instrumentos de captação de recursos no Brasil”. Nela, estudam-se os instrumentos voltados à captação de
recursos em uma sociedade. Dentre eles, destaca-se
a adoção de práticas de boa governança, pautadas
na transparência do negócio e que, evidentemente,
podem contribuir para aumentar os investimentos
em determinada atividade.
O quarto tema é intitulado “Prática do ato empresarial, insolvência e reorganização societária”, e trata
do empresário em dificuldade ou em crise econômico-financeira, destacando-se na legislação pátria as
formas de tratamento, em especial a adoção como
princípio norteador da recuperação de empresas e
da falência a preservação da atividade empresarial,
sempre que possível.
Por fim, na quinta e derradeira exposição é objeto
de estudo a configuração constitucional da atividade econômica no Brasil. Para tanto, analisa-se a evolução do dito Estado Liberal para o Estado Social,
na busca da neutralização dos efeitos negativos da
concepção de total liberdade do mercado. Mostrase necessária a intervenção estatal no domínio
econômico, observando-se que a regulação deverá
vir no sentido de conter abusos e a concorrência
desleal. Também aparece na exposição a introdução a conceitos básicos de Direito do Consumidor,
pelo fato de ser ele objeto de especial atenção do
constituinte.
Com tais considerações, pretende-se criar um panorama geral da estabilização normativa do Direito
Empresarial no Brasil.
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O Direito Empresarial
no contexto da gestão
Apresentação
Esta aula apresenta uma primeira abordagem sobre conceitos relacionados ao exercício da atividade empresarial. Analisa a noção de empresa, da
forma como é assimilada pela lei brasileira, assim como apresenta os seus
agentes – empresário individual e sociedade –, temas que serão retomados
na aula seguinte de forma mais específica. Perpassa por conceitos como de
capital social e de sócio, e finaliza com a análise do conjunto dos bens organizados pelo empresário – o estabelecimento empresarial –, que atualmente
recebe uma disciplina específica quanto à sua negociabilidade e que pode
em muito colaborar para otimização da utilização dos meios de produção.
O gestor de empresas, ao tomar conhecimento dos institutos jurídicos
aplicáveis à atividade empresarial e a suas formas de organização, poderá
deles fazer uso, na hipótese de sua atividade exigir dele que tome uma decisão estratégica quanto, por exemplo, à busca de novos sócios para empresa,
ou até mesmo pela venda de parte da organização.
O agente econômico empresa
Noção de empresa
O Código Civil (CC) de 2002 adota o critério do Código Italiano, embasado
na teoria da empresa. O conceito encontrado na lei é o de empresário, nos
termos do artigo 966: “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica e organizada voltada para a produção ou circulação de bens ou de serviços”. Desse conceito, por via transversa, chega-se ao
entendimento do conceito de empresa (BERTOLDI; RIBEIRO, 2006, p. 50).
A teoria da empresa funda-se na figura do empresário, agente da organização e sujeito de direito em cuja esfera jurídica recairá a sujeição às normas
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Direito Empresarial
disciplinadoras da atividade econômica. É indispensável, para a configuração
da noção de empresário, que haja exercício de atividade profissional, excluindo-se aquela meramente casual e não-contínua e, ainda, que tal atividade seja
econômica e organizada, nos termos do citado artigo 966. Em seu parágrafo único, o dispositivo legal exclui expressamente do conceito de empresário aqueles que exerçam “profissão intelectual, de natureza científica, literária
ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o
exercício da profissão constituir elemento de empresa”. Com isso, pretendese manter a pessoalidade na prestação de serviços pelos profissionais liberais,
sendo certo que caso sua atividade intelectual integre uma organização maior,
estar-se-á diante de uma verdadeira atividade empresarial.
Pela sistemática do código, a atividade intelectual não configura atividade empresarial e, por conseqüência, os agentes econômicos não serão juridicamente considerados empresários, o que os afasta da sujeição ao registro
empresarial (perante as juntas) assim como às normas de recuperação e falência das empresas, exclusivamente voltados ao empresário.
Sociedades empresárias e não-empresárias
À luz do Código Civil, não mais existe a divisão entre sociedades civis e
comerciais, e sim entre sociedade empresárias e não-empresárias, estas chamadas de sociedades simples. Serão sempre empresárias, independente de
seu objeto, as sociedades anônimas e aquelas que exerçam atividade própria de empresário. Por outro lado, aquelas que se encaixam na exceção do
parágrafo único do artigo 966 serão sociedades simples, assim como o empresário rural (por opção, art. 982 do CC), as cooperativas e as sociedades
reguladas por lei especial.
Empresário regular
O empresário individual se torna regular pela matrícula no Registro Público de Empresas Mercantis, e a sociedade empresária a partir do momento
em que seu ato constitutivo é devidamente averbado no órgão de registro
competente (CC, art. 985). Embora a lei indique a obrigatoriedade do registro
(art. 967), não há como negar a existência de empresários e sociedades irregulares, cujos atos serão considerados válidos, embora não se submetam ao
regime de comunhão. Portanto, a responsabilidade dos sócios será ilimitada
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O Direito Empresarial no contexto da gestão
e subsidiária ao patrimônio social. A doutrina diferencia sociedades de fato,
que sequer possuem ato constitutivo escrito, de sociedade regular, cujo ato
constitutivo ainda não foi levado a registro, embora tal divisão não implique
diferenciação de tratamento.
Capacidade empresarial
A capacidade para ser empresário é regulada pelo artigo 972, que dispõe
o exercício da atividade de empresário àqueles que estiverem em pleno
gozo de sua capacidade civil e que não forem legalmente impedidos. Sabese que a capacidade para todos os atos da vida civil, independente de representação ou assistência, é adquirida aos 18 (dezoito) anos completos ou pela
emancipação, entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos. Cessada a incapacidade, absoluta ou relativa, a pessoa estará apta, em princípio, a exercer atividade própria de empresário, salvo hipótese de incapacidade superveniente (e
o competente processo de interdição).
Para que o capaz possa exercer a atividade empresarial, é preciso observar ainda a inexistência de impedimentos para o exercício de tal atividade.
Tais impedimentos dizem respeito à natureza da atividade exercida pelo impedido (como funcionários públicos, magistrados, governadores de Estado,
entre outros) ou por condenação criminal (por exemplo, o impedimento decorrente de crime falimentar, previsto no art. 181, I, da Lei 11.101/2005). Há
ainda impedimento para determinadas atividades empresariais, como para
o médico titular uma farmácia. Ainda que o agente se enquadre na categoria de um impedido de atuar empresarialmente, pela dicção do artigo 973
do CC, embora legalmente impedido de exercer atividade empresarial, se o
fizer, responderá pelas obrigações contraídas. Concluir de forma contrária
seria beneficiar aquele que, embora impedido, atuou empresarialmente e
em detrimento do terceiro de boa-fé que com ele contratou.
Empresário menor
O embate sobre a continuidade do exercício de atividade empresarial
pelo menor, cuja possibilidade de ser sócio era negada pelo Código Comercial (CCom) de 1850, é hoje analisado à ótica do princípio da preservação da
empresa, admitindo-se legalmente que o menor e o superveniente incapaz
dêem continuidade à atividade empresarial. Nesse sentido, dispõe o artigo
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Direito Empresarial
974 que “poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus
pais ou pelo autor da herança”.
Existem algumas condições, no entanto. É necessária a obtenção de prévia
autorização judicial “após exame das circunstâncias e dos riscos da empresa,
bem como da conveniência em continuá-la” (art. 974, §1.º). A preocupação
com a possibilidade de exercício da empresa por um menor ou incapaz está
ligada ao próprio risco inerente à atividade. Assim, a lei restringe a responsabilização do patrimônio do incapaz, determinando não ficarem sujeitos ao
resultado da empresa os bens de sua titularidade, possuídos ao tempo da
sucessão ou da interdição (art. 974, §2.º). A atividade será exercida pelo representante ou assistente do incapaz ou, caso este não queira ou não possa
exercer a atividade empresarial, deverá indicar um gerente a ser aprovado
pelo juiz (art. 975).
Empresa exercida por cônjuges
O CC prevê expressamente a possibilidade de existência de sociedades
entre cônjuges e destes com terceiros, porém a proíbe quando o regime de
bens entre eles for o da comunhão universal ou o da separação obrigatória.
Sob a égide da legislação anterior, que era silente com respeito à possibilidade, entendia-se que na falta de vedação expressa a sua constituição era
plenamente possível. A controvérsia foi definitivamente encerrada com a
promulgação do Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/62) que instituiu o
patrimônio separado da mulher e do marido, possibilitando que ambos contratassem em sociedade.
O grande problema trazido pela nova legislação civil foi a incompatibilidade entre o artigo 977, que veda a contratação nos termos acima, e o artigo
2.031 das disposições finais e transitórias, que estabelecia prazo para adaptação das sociedades ao novo regime.
Segundo a lição de Rubens Requião (2003a, p. 473-474), a mulher casada
adquire meação de seus bens, distinta da de seu marido, mesmo quando
casada no regime da comunhão universal, razão pela qual pode legitimamente com ele associar-se. Segundo o comercialista, após uma longa elaboração jurisprudencial e legislativa, com a afirmação da emancipação jurídica,
patrimonial e profissional da mulher casada, o novo CC em seu citado dispositivo efetuou um “giro de cento e oitenta graus”, anulando tal elaboração, ao
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O Direito Empresarial no contexto da gestão
condicionar a sociedade entre cônjuges à adoção de determinado regime de
bens no casamento.
Tendo-se em vista a numerosa existência de sociedades entre cônjuges
casados com o regime de comunhão universal de bens, assim como o princípio da preservação da empresa e ainda, para alguns, a configuração do ato
jurídico perfeito, tem-se esboçado na doutrina o entendimento quanto à inaplicabilidade da restrição condicionada ao regime patrimonial de casamento
para as sociedades constituídas anteriormente à edição do atual CC. Nesse
sentido é o entendimento de Rubens Requião (2003a, p. 474), para quem
seria absurdo que tais sociedades [refere-se às sociedades entre cônjuges casados em
comunhão universal ou separação obrigatória de bens] entrassem em dissolução após
a vigência do novo Código Civil, pelos motivos indicados, e, em especial, pela tendência
moderna de preservação da empresa.
Já existe manifestação do Departamento Nacional de Registro do Comércio acatando a existência e a regularidade das sociedades entre cônjuges
constituídas anteriormente à vigência do novo CC, assegurando-lhes a condição de reconhecida regularidade, independentemente do regime patrimonial de casamento. Do parecer jurídico emitido por aquele departamento
sob número 125/03 (2007), observa-se que o fundamento para a decisão foi
o da existência de ato jurídico perfeito.
Autorização para venda de bens imóveis
Com relação à necessidade de outorga uxória para alienação dos imóveis que integrem o patrimônio do casal (no qual um ou ambos os cônjuges
sejam empresários individuais) ou para gravá-los com ônus reais, o CC, atento
ao princípio da autonomia dos bens utilizados na empresa, determina que o
empresário casado prescinde de tal autorização (art. 978), desde que o bem
seja utilizado no exercício da empresa. Há uma dificuldade de ordem prática
em se identificar quando determinado bem é utilizado para a empresa ou se
integra o acervo do casal, o que pode conduzir a discussões processuais, já
que a empresa individual não ostenta personalidade jurídica.
Feitas essas considerações iniciais, é necessário frisar que a atividade empresa pode ser exercida tanto por uma pessoa física – o empresário individual – quanto por uma sociedade, que se denomina sociedade empresária.
O reconhecimento da personalidade jurídica implica na separação patrimonial entre a sociedade e os seus sócios, a assunção de capacidade para ser
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Direito Empresarial
sujeito de direito pela sociedade, adquirir direitos e contrair obrigações e,
geralmente, na limitação de responsabilidade dos sócios, embora o grau
dela varie conforme a espécie adotada. Essa limitação de responsabilidade é
um atrativo para a atividade econômica e para o investimento.
No entanto, nem todas as modalidades societárias têm reconhecida a
possibilidade de personificação. A sociedade em conta de participação e a
sociedade em comum não têm personalidade jurídica, por expressa previsão
legal. Já as demais espécies societárias, se devidamente constituídas e seus
atos constitutivos arquivados, serão consideradas pessoas jurídicas.
Empresa e sociedade
Fixado de forma geral o conceito de empresa no tópico anterior, estritamente ligado ao exercício de atividade empresária definida no artigo 966 do
CC, convém passar os olhos pelas noções de empresa, sociedade e estabelecimento, as quais não se confundem. Interessa nesse momento a análise das
sociedades empresárias, ou seja, das sociedades que se dedicam à atividade
econômica organizada para produção ou circulação de bens e serviços.
Conforme análise de Fábio Ulhoa Coelho (2007, p. 3), atividades de pequeno porte podem ser exploradas por uma pessoa natural, sem maiores
dificuldades. No entanto, à medida que se avolumam, a complexidade da
atividade, que passa a exigir maiores investimentos, conduz a um processo
de aglutinação de esforços de diversos agentes, que se unem comumente
sob a forma de sociedade.
Noção de sociedade e exercício
da atividade empresarial
O CC define sociedade, no artigo 981, como o contrato celebrado entre
pessoas1 que se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício
da atividade econômica, e a partilhar os resultados entre si. Alfredo de Assis
Gonçalves Neto (2004) destaca que o negócio jurídico sociedade é pautado pela possibilidade de criação de um novo sujeito de direito, ou seja, um
ente com patrimônio e vontade próprios, distinto daqueles que a constituem. Ainda, há uma finalidade econômica em tal constituição, excluindo de
sua abrangência aquelas pessoas jurídicas que não têm escopo econômico,
1
A palavra pessoas não por
acaso está grafada no plural,
já que no direito brasileiro
não existe possibilidade de
constituição de uma sociedade unipessoal.
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O Direito Empresarial no contexto da gestão
como as fundações, as associações e as pessoas políticas. Conclui afirmando
que a sociedade é um ente distinto da figura dos sócios que o constituem,
e chancelado pelo ordenamento para “facilitar a prática de atos ou negócios
jurídicos voltados à realização de certos fins econômicos por elas pretendidos” (GONÇALVES NETO, 2004, p. 7-9).
Todas as sociedades iniciam-se pela aproximação de duas ou mais pessoas, os sócios, que, por meio dessa associação pretendem obter um proveito
comum; ao se falar em sociedades, esse proveito aparece na forma do lucro. É
essa a lição esboçada por Fran Martins (2007b, p. 169), ao afirmar que “denomina-se sociedade empresária a organização proveniente de acordo de duas ou
mais pessoas, que pactuam a reunião de capitais e trabalho para fim lucrativo”.
Por outro lado, toda sociedade precisa de um capital para poder exercer seu
objeto, sua atividade, sendo que a aproximação societária também permite a
conjugação de capitais.
Não há dúvida de que, além do propósito de promover a junção de capital e de esforços, muito comumente se opta pela organização societária
devido ao desejo de se submeter às normas que lhe são peculiares, especialmente a possibilidade de, em alguns modelos societários, operar-se com
limitação de responsabilidade dos sócios. Ainda, a escolha pela constituição
de uma sociedade, na análise de Fábio Ulhoa Coelho (2007, p. 5), implica em
importante diferenciação no regime de gestão do negócio, que acaba por
ser mais complexo do que aquela forma encontrada em outras modalidades
de investimento comum, já que nesse caso os agentes preservam autonomia administrativa. Feita a opção pela sociedade, deve-se avaliar qual o tipo
societário, sendo possível apenas a adoção daqueles previstos em lei, e que
este seja o mais adequado ao empreendimento.
Existem sociedades empresárias e sociedades não-empresárias, conforme já mencionado no tópico anterior. À luz do artigo 967 do CC, pode-se
dizer que serão empresárias aquelas sociedades que exercerem atividade
própria de empresário sujeito a registro, ou seja, aquelas que exercerem empresa. É empresária porque a própria sociedade é identificada como agente
econômico organizador da empresa (cf. COELHO, 2007, p. 5).
Tomando-se como exemplo uma indústria de automóveis, pode-se dizer que
o empresário será a sociedade que tem por objeto social a fabricação de automóveis, e a empresa a atividade desenvolvida por esse empresário, que é justamente
a atividade de montagem de automóveis (BERTOLDI; RIBEIRO, 2006, p. 50).
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Direito Empresarial
Sociedades não-empresárias, por sua vez, também chamadas de sociedades simples, são aquelas que se encaixam na exceção do parágrafo único
do artigo 966. Além dessas exceções, serão simples também as sociedades
cooperativas, as que exerçam atividade própria de empresário rural e a sociedade de advogados, por previsão em legislação especial.
As sociedades não-empresárias poderão adotar um modelo societário previsto em lei, com exceção da sociedade anônima, porque esta será
sempre, independentemente do objeto, empresária. O CC de 2002 criou uma
modalidade de sociedade a qual se denominou sociedade simples, que não
se confunde com aquela sociedade simples como sinônimo de sociedade
não-empresária. As regras dessa sociedade simples como espécie societária
são aplicadas subsidiariamente às demais organizações societárias, exceto
quando se faça menção no contrato social à escolha pela aplicação subsidiária da Lei das Sociedades Anônimas.
Deve-se observar, portanto, que nem todas as sociedades exercem empresa, e que nem toda empresa é exercida apenas por sociedade. Nesse sentido, “enquanto a sociedade é o sujeito de direito, a empresa é o objeto de
direito, ou seja, ao contrário da sociedade, não tem personalidade jurídica,
não é pessoa jurídica” (BERTOLDI; RIBEIRO, 2006, p. 51). Assim, existem sociedades não-empresárias e empresários individuais, que não se constituem
em sociedade para exercer sua atividade.
Feitas essas observações, seria incorreto chamar uma sociedade empresária de empresa, porque esta é unicamente a atividade à qual aquela
se dedica, ou mesmo denominar os sócios de tal sociedade de empresários,
porque essa denominação é exclusiva daqueles que exercem atividade empresarial de forma individual (empresários individuais).
Ainda em relação ao conceito de empresa, convém fazer referência à lição
de Rubens Requião, que conceitua empresa do ponto de vista econômico,
como organização dos fatores de produção voltada à obtenção de resultado
econômico, e jurídico, assentado no conceito anterior. Conforme já ressaltado
no começo da presente exposição, “a disciplina jurídica de empresa é a disciplina da atividade do empresário, e a tutela jurídica da empresa é a tutela jurídica
dessa atividade” (REQUIÃO, 2003a, p. 51), de forma que empresa, na acepção
jurídica, é justamente a atividade exercida pelo empresário, seja este individual
ou uma sociedade.
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O Direito Empresarial no contexto da gestão
Sócios e empresários
As sociedades são formadas por sócios, denominados acionistas em uma
sociedade anônima. Com a aquisição de quotas ou ações, inicia-se a relação jurídica entre o sócio e a sociedade. Os sócios são proprietários de uma
fração ideal do capital social, com a qual contribuem para sua formação; não
são proprietários do patrimônio da sociedade, tampouco são proprietários
da própria sociedade.
Túlio Ascarelli desenvolveu, no Brasil, a teoria de estado de sócio. Para essa
teoria, o sócio é um sujeito de direito que tem uma relação especial frente ao
ordenamento jurídico. Ao se tornar sócio, o indivíduo passaria a portar uma
condição especial, que lhe garante direitos e lhe impõe obrigações: direitos
patrimoniais como o recebimento de dividendos, direitos pessoais como o
direito de deliberar (direito a voto), e obrigações como o dever de cumprir a
subscrição, efetuando a integralização do capital social, ou mesmo o dever
de sempre votar em benefício da sociedade.
Os sócios são essenciais para o reconhecimento da existência de uma sociedade e, no caso brasileiro, sempre plurais, uma vez que, conforme já afirmado acima, não se admite a existência de sociedade contratual unipessoal,
salvo quando em caráter transitório, até a reposição do número mínimo de
dois, pelo prazo de 180 dias.
Além do empresário individual, também se equipara a empresário o sócio
administrador de determinada sociedade.
Capital social
O valor trazido pelos sócios para permitir o desenvolvimento inicial da
atividade empresária é chamado de capital social, embora o termo possa ter
outros significados. A respeito, diga-se que capital social também indica o
porte do empreendimento. Vale dizer, gera uma presunção quanto ao porte
do empreendimento por estar relacionado ao montante necessário para a
instalação e o início das atividades empresariais. Por conseqüência, em tese,
sociedades com capital social maior seriam sociedades de maior porte. Não
há no direito brasileiro indicação de um mínimo de capital social para a constituição de uma sociedade.
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Direito Empresarial
O capital social é intangível, não podendo ser partilhado entre os sócios
durante a vida da sociedade, já que é o que representa a última garantia dos
credores, uma espécie de reserva patrimonial da empresa que será recomposta contabilmente, a cada balanço.
Com a subscrição, os sócios se comprometem, no contrato social ou no
boletim de subscrição para a sociedade anônima, a efetuar a integralização
do capital social nos prazos estabelecidos, o que pode se dar em dinheiro ou
em bens. Somente a sociedade de modalidade simples admite sócio que não
participe da formação do capital social, o sócio de indústria ou de trabalho.
Outra característica que se deve reconhecer ao capital social é a da realidade. Significa garantir-se a correta e justa avaliação dos bens transferidos à
sociedade a título de realização das quotas sociais, assim como um constante entrosamento entre o capital real e o contratual. Os bens devem ser recebidos pelos seus reais valores, ou seja, o capital constante do contrato deve
corresponder ao efetivo aporte patrimonial levado a efeito pelos sócios. Na
sociedade anônima há normas específicas para avaliação do capital social e,
quanto à sociedade limitada, o CC estabelece a responsabilidade dos sócios
pela estimativa atribuída aos bens quando de sua transferência para fins de
integralização do capital social.
Nome empresarial
A sociedade ou o empresário individual são designados por um nome
empresarial, pelo qual se faz a identificação das empresas no país, sendo necessário para o exercício da atividade econômica e obrigatoriamente indicado em seu contrato social ou estatuto.
O nome empresarial poderá ser da modalidade firma (assinatura do comerciante singular, não se permitindo um “nome fantasia”), firma social
(nome comercial) e denominação, obrigatória para as sociedades anônimas,
não sendo obrigatório, nessa última modalidade, que figure nome de sócio.
As normas para composição do nome empresarial são definidas pela lei
que determina as modalidades societárias que devem optar por firma, as que
devem optar por denominação, e a possibilidade de escolha para outras. Identificando-se o nome empresarial, é possível reconhecer a modalidade societária a que ele corresponde.
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O Direito Empresarial no contexto da gestão
Estabelecimento: noção e transferência
Estabelecimento
Elemento importantíssimo para o exercício de empresa é o fundo de comércio ou estabelecimento comercial, definido por Rubens Requião (2003a, p. 270)
como “instrumento da atividade do empresário. Com ele o empresário comercial aparelha-se para exercer sua atividade. Forma o fundo de comércio a base
física da empresa, constituindo um instrumento da atividade empresarial”.
O estabelecimento é o conjunto de bens organizados pelo empresário
para o exercício da atividade econômica. Os bens que compõem o estabelecimento também integram o patrimônio da empresa, e poderão ser
objeto de trespasse, que significa a cessão ou transmissão daquela universalidade de bens materiais e imateriais (propriedade industrial) a outrem. A
venda deste transfere a sua titularidade: quem adquire o estabelecimento
poderá dar continuidade ao exercício da atividade empresária a partir da
utilização dos bens organizados pelo empresário, antigo proprietário dos
bens. O CC disciplina o estabelecimento, a possibilidade de sua transferência e as conseqüências daí decorrentes a partir do artigo 1.142. Dá-se
destaque para o artigo 1.146, que determina ao adquirente do estabelecimento a assunção das obrigações contabilizadas do alienante.
Transferência do estabelecimento,
da sociedade e da empresa
Idevan Rauen Lopes (in RIBEIRO; GONÇALVES, 2006) apresenta distinções
entre trespasse do estabelecimento, alienação da sociedade empresária e alienação da empresa, entendida como atividade. Nesse último caso, tem-se a
possibilidade de ser transferida a atividade desempenhada pelo agente econômico, por exemplo, pelo usufruto da empresa.
A alienação da sociedade, por sua vez, tem outro significado. Pode o sócio,
diante de seu desinteresse em prosseguir no vínculo societário, alienar a participação que detém na sociedade, na forma da transferência de suas ações
ou cotas. Os condicionamentos à aceitação da transferência da participação
acionária deverão ser avaliados na disciplina das diversas modalidades so-
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Direito Empresarial
cietárias. Como regra, na sociedade anônima, a transmissibilidade das ações
será facilitada. Na sociedade limitada será necessário observar o disposto no
artigo 1.057 do CC que prevê, no caso de omissão do contrato social, a inexistência de oposição superior a um quarto do capital social.
Essencialidade e características
Não pode o empresário ou a sociedade, por mais singela que seja a atividade, exercê-la sem um pequeno estabelecimento empresarial, seja ele material, como balcões de demonstração de mercadorias, ou imaterial, como o
know-how a ser empregado na produção de um determinado produto ou na
prestação de um serviço. Esse complexo de bens, voltados para o desenvolvimento da atividade social, é chamado de estabelecimento empresarial.
O estabelecimento é formado por bens corpóreos (materiais) e/ou incorpóreos (imateriais) que o empresário deve reunir para poder desenvolver sua
atividade empresarial. Esses bens corpóreos ou incorpóreos não perdem sua
individualidade singular, embora unidos formem um novo bem. Mantémse a categoria jurídica própria de cada um deles, mas o fundo de comércio
é classificado como bem móvel, não consumível e não fungível (REQUIÃO,
2003a, p. 270). Resumindo as lições de Rubens Requião (2003a, p. 272), há de
se ter em conta que “o fundo de comércio assim formado se apresenta como
um bem imaterial, pois os elementos materiais que o compõem têm sua conceituação própria, não perdendo suas características singulares quando incorporado ao estabelecimento comercial”. Na visão do comercialista, o fundo
de comércio forma um patrimônio comercial, bem incorpóreo que pode ser
cedido ou vendido.
A conceituação legal do estabelecimento empresarial é novidade do CC
de 2002, cujo artigo 1.142 tem a seguinte redação: “considera-se estabelecimento todo o complexo de bens organizado, para exercício da atividade da
empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”. O código, além de
estabelecer o conceito, também traz regras para a sua cessão.
Em linhas gerais, a cessão do estabelecimento poderá ocorrer por meio da
sua alienação ou de seu arrendamento.
Pautando-se em Francesco Galgano (2001, p. 45), é possível dizer que,
para que haja cessão do estabelecimento, é necessária a transferência dos
bens mínimos, indispensáveis ao desenvolvimento das atividades da em22
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O Direito Empresarial no contexto da gestão
presa. Nesse sentido, é possível que do negócio jurídico de compra e venda
sejam excluídos alguns ou vários bens pertencentes ao estabelecimento,
“desde que essa exclusão não inviabilize a existência do estabelecimento
empresarial como tal” (BERTOLDI; RIBEIRO, 2006, p. 103).
Também se admite que o empresário ou a sociedade possuam mais de
um estabelecimento empresarial, pois poderão ter um estabelecimento
principal (matriz) e outros secundários (filiais, agências ou sucursais), podendo haver a cessão de apenas um ou alguns desses estabelecimentos empresariais de forma independente.
A cessão do estabelecimento empresarial não equivale à transferência da
sociedade, ou seja, não conduz necessariamente à transferência das quotas
ou das ações da sociedade, da pessoa jurídica.
Não se transfere nem mesmo a direção da pessoa jurídica que vendeu
o estabelecimento e que continua a existir.2 O que se transfere são os bens
que compõem o estabelecimento empresarial, ou seja, o estabelecimento
empresarial passa a ser de outro titular, devendo este se inscrever como empresário ou constituir uma sociedade. A operação de alienação chama-se
trespasse e só tem efeitos perante terceiros quando averbado no Registro
Público de Empresas e publicado na Imprensa Oficial (CC, art. 1.144). A publicação revela-se importante para dar conhecimento ao público da realização
daquele negócio, permitindo que terceiros se oponham ao negócio, se for o
caso, evitando-se a transferência fraudulenta de patrimônio (CARVALHOSA,
2003, p. 639).
Deve o alienante notificar os seus credores, caso os bens restantes não
sejam suficientes para o pagamento de seus débitos, com vistas à obtenção
de seu consentimento expresso ou tácito. Decorridos 30 (trinta) dias da notificação, o consentimento será considerado tácito caso não haja nenhuma
impugnação à alienação (CC, art. 1.145). O alienante poderá, ainda, pagar os
seus credores a fim de que não seja preciso fazer a notificação destes.
Como a lei não delimita a forma como deve ser feita a notificação, entende-se que poderá ser feita em jornal (edital) ou em notificação, extrajudicial ou judicial. Modesto Carvalhosa (2003, p. 642) possui entendimento
diferente quanto à publicação de edital, pois argumenta, ao tratar do artigo
1.145 do CC de 2002, que “este artigo não adota o regime de publicidade e
de publicação como faz o Código Civil de 2002 para os artigos subseqüentes.
E retira esse requisito exatamente por se tratar de matéria de confidencialiEsse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A,
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2
Marlon Tomazette (2003, p.
14) entende que pode haver
a transferência da direção da
sociedade.
Direito Empresarial
dade entre o empresário devedor e seus credores”. Realmente, o artigo não
fala em publicidade, mas em notificação, o que parece não impedir que seja
feita por meio de publicação, à escolha do devedor.
A alienação do estabelecimento, sem reserva de bens suficientes à garantia dos credores, é também hipótese autorizadora do pedido de falência do
empresário, nos termos do artigo 90 da Lei 11.101/2005.
O CC de 2002 estabelece em seu artigo 1.146 que o adquirente responde pelos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente
contabilizados. O alienante, por sua vez, responde solidariamente por tais
dívidas pelo prazo de 1 (um) ano a contar da publicação do contrato de
alienação no caso de obrigações já vencidas, ou a contar do vencimento no caso das dívidas vincendas. Tendo em vista essa disposição legal,
alerta Rubens Requião (2003) que, em que pese a ausência de prazo legal
para a publicação do contrato, tal medida é de extremo interesse das
partes, que somente se desobrigam a partir da publicidade em relação
aos créditos vencidos.
Os créditos do alienante, por sua vez, deverão passar automaticamente para o adquirente, quando da publicação no Diário Oficial do registro
do contrato de cessão. Caso o devedor, de boa-fé, venha a quitar o seu
débito, após a publicação do registro da transferência da cessão, junto
ao alienante, caberá ao adquirente somente buscar a satisfação de seu
crédito junto ao alienante.
Poderão, também, os créditos ou parte deles não ser transferidos juntamente com o estabelecimento empresarial, desde que esteja disciplinado
em cláusula contratual expressa. Da mesma forma, o devedor não poderá ser
acionado se fez o pagamento de boa-fé ao adquirente.
O adquirente poderá, por meio de sua própria pessoa jurídica, observando-se todas essas regras, desenvolver sua atividade econômica organizada, como uma empresa, por possuir os elementos necessários. A
lei proíbe que o alienante do estabelecimento faça concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência. No entanto, tal
proibição pode ser suplantada por expressa autorização contratual para
tanto. Afirma Rubens Requião (2003a, p. 280) que se trata de regra “que
visa garantir a efetividade da transferência do estabelecimento e a sua
posse e propriedade, impedindo que o alienante venha a ofendê-la subtraindo-lhe a clientela, p. ex.”.
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O Direito Empresarial no contexto da gestão
Infere-se, então, que a proibição deve cingir-se em relação tão-somente à
atividade transferida que era efetivamente exercida. Qualquer cláusula que
vede a atividade econômica em geral, ou outras que não fazem parte do
estabelecimento empresarial cedido, não terá validade e poderá ser considerada inconstitucional, por contrariar o princípio da livre iniciativa, assim
como se a proibição for por prazo indeterminado ou muito longo, como, por
exemplo, dez anos.
Também é importante que a indicação geográfica seja prevista numa
cláusula de não-restabelecimento; porém, se não estiver contida, o intérprete deverá utilizar o conceito de mercado relevante para possibilitar uma análise pautada no princípio da razoabilidade e da eqüidade.
Seguindo as recomendações acima, o empreendedor poderá colocar em
prática o seu projeto de empresa, formar uma sociedade, obter personalidade jurídica e transferir para ela um estabelecimento empresarial que poderá
até já se fazer acompanhar de uma clientela formada, o que contribuirá para
a perspectiva de bons resultados para o projeto empresarial.
A aceitação do estabelecimento empresarial como uma universalidade,
que adquire valor próprio em razão da organização atribuída pelo empresário, é o que certamente orientou a disciplina legal específica, hoje contemplada na legislação civil. Porém, as normas de responsabilização pelas dívidas
que lá estão expressas incorrem em contradição com o sistema brasileiro,
que atribui personalidade jurídica à sociedade, não ao estabelecimento. Vale
dizer, quando um estabelecimento é transferido, nem por isso a obrigação
deixou de ser do empresário (pessoa física ou jurídica) que a firmou. Logo,
pelo sistema do código, ocorre uma cessão de débitos para a pessoa do adquirente, por força de lei, o que pode trazer consigo uma desconfiança para
o adquirente, com base na perspectiva de assunção de um passivo contraído
por outro empresário.
Se a idéia é de estímulo ao exercício da atividade empresarial, e contando-se com a agilização propiciada pela transferência de um estabelecimento
empresarial em termos de tempo para fixação em dado mercado de uma organização já existente, se cotejada com uma organização totalmente nova,
as normas do CC sobre trespasse representam um contra-senso.
O instituto de cessão de estabelecimento empresarial, em princípio, pode
ser utilizado pelo empreendedor que tiver interesse de que o seu projeto
atinja um amadurecimento mais rápido. Porém, no Brasil, ainda é um instituEsse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A,
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Direito Empresarial
to pouco empregado por desconhecimento do próprio mundo empresarial,
mas que ao passar dos anos poderá ser mais utilizado devido à sua simplicidade, desde que a disciplina normativa não o inviabilize.
Observa-se que, no caso de aquisição de estabelecimento por empresário não constituído, este deverá organizar-se como empresário individual ou
constituir pessoa jurídica para a utilização da organização de bens, a fim de
atuar de forma regular frente ao Direito. A vantagem em optar pela transferência de um estabelecimento está, lembre-se mais uma vez, na possibilidade de acesso a meios de produção já selecionados e organizados a partir da
anterior experiência de um empresário.
Ampliando seus conhecimentos
O empresário no novo Código Civil
(FARACO, 2004, p. 28-32)
O novo Código Civil considera empresário “quem exerce profissionalmente
atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou
serviços” (artigo 966). Trata-se de conceito que reproduz aquele encontrado
no artigo 2.082, do Código Civil Italiano.
A primeira (e talvez mais importante) constatação a ser feita da leitura do
artigo 966 é que não há mais qualquer fundamento, no direito positivo, para
se pretender separar o empresário civil do comercial. O Código trouxe um
conceito geral e unitário, não apresentando qualquer outro dispositivo que
permita afirmar uma intenção do legislador no sentido de separar o regime
das atividades até então reputadas como civis das comerciais.
A caracterização do empresário depende, portanto, do exercício, com caráter de profissionalidade (p. ex., de forma habitual e constante), de uma atividade econômica (de qualquer espécie, exceto pelos casos que serão comentados abaixo), voltada à produção ou circulação de bens e serviços. Central ao
conceito também é a idéia de organização, ou seja, a atividade é exercida a
partir de bens de produção organizados pelo empresário.
A finalidade lucrativa do exercício da atividade econômica pelo empresário
não é expressamente mencionada no artigo 966. Todavia, a própria constru26
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O Direito Empresarial no contexto da gestão
3
Tullio Ascarelli, analisando
o artigo 2.082, do Código
Civil Italiano, destacava que
a finalidade lucrativa seria
inerente à noção de “profissionalidade” (Corso di diritto
commerciale – introduzione
e teoria dell’impresa, 3 ed.,
Milano: Giuffrè, 1962. p. 189).
ção do conceito de empresário no âmbito da teoria da empresa, assim como a
sua função substitutiva em relação ao de comerciante, demonstram que, inequivocamente, o significado jurídico do termo sempre foi utilizado em relação
àquele agente econômico que, numa sociedade capitalista, busca lucros no
exercício de sua atividade3. De qualquer forma, a afirmação é também confirmada pelo próprio artigo 981, ao integrar no conceito de contrato de sociedade a idéia de que as partes visam partilhar, entre si, os resultados decorrentes
do exercício de uma atividade econômica.
4
Universalidade esta que o
Código, também em linha
com o Código Civil Italiano,
conceitua e disciplina em capítulo próprio como “estabelecimento”. Nos termos do artigo
1.142, considera-se estabelecimento “todo o complexo de
bens organizados, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”. É inegável a similitude
deste artigo (e dos demais que
integram o respectivo Título)
com o artigo 2.555, do Código
Civil Italiano (“L’azienda è il
complesso dei beni organizzati dall’imprenditore per
l’esercizio dell’impresa”).
A única passagem que afasta certa parcela do gênero atividade econômica
do conceito de empresário é o parágrafo único, do próprio artigo 966, fazendo
referência às profissões intelectuais. A distinção tem, em princípio, fundamento, pois enquanto para a identificação do empresário é central a existência
de uma organização de bens de produção, que viabilize o exercício de uma
atividade econômica, no caso das profissões intelectuais o aspecto preponderante é o próprio intelecto do indivíduo, não se pressupondo a existência de
uma universalidade de bens organizada4.
5
É vasta a doutrina econômica que procura identificar os
fatores que fazem com que as
empresas sejam organizadas
de determinada forma, integrando na mesma estrutura
um número maior ou menor
de bens e fatores de produção. Ronald H. Coase, em
artigo paradigmático sobre
o assunto, no qual procura
entender porque existem diferentes modos de organização dos agentes econômicos
no mercado, observou que
transações são internalizadas
e organizadas no âmbito de
empresas quando essa forma
de coordená-las envolve um
custo menor do que o recurso
às relações de mercado. Assim,
se os custos de levar a cabo
determinada transação no
mercado forem muito altos, o
empresário tenderá a integrála dentro de sua estrutura empresarial (cf. “The nature of the
firm”, Economica, n. 4, 1937,
pp. 388 e ss.). Tais custos de
transação estão relacionados
não aos custos de produção
em si, mas são decorrência
dos problemas que emergem
das dificuldades encontradas
pelos agentes econômicos
para coordenarem suas ações
em um ambiente de informação assimétrica. Conforme
sintetiza Douglass C. North:
“costs of measuring the valuable attributes of what is being
exchanged” e “costs of protecting rights and policing and
enforcing agreements” (Institutions, institutional change
and economic performance,
Cambridge, Cambridge Uni-
Subjacente à idéia de empresa, enquanto atividade econômica, está a de
que o exercício desta pressupõe a organização de uma série de bens pelo
empresário. É exatamente a criatividade e habilidade deste na organização
de tais fatores de produção que fará com o que o exercício da empresa tenha
sucesso (p. ex., seja lucrativo).5 Já nas profissões intelectuais a reunião de bens
de produção, em regra, assume um caráter secundário ou acidental. O resultado destas atividades depende essencialmente da capacidade intelectual do
respectivo profissional.
O eventual concurso de auxiliares (imagine-se, por exemplo, os aprendizes no ateliê de um escultor ou o assistente de pesquisa de um historiador)
não descaracteriza esta circunstância, conforme expressa o próprio parágrafo
único, do artigo 966.
Também não afeta a distinção o fato de, eventualmente, o resultado da
produção intelectual depender de um empresário para sua difusão. Um escritor pode precisar de um editor que o publique, assim como um cronista
pode depender de uma empresa jornalística para alcançar seus leitores ou um
cientista de uma revista especializada para levar o resultado de suas pesquisas
aos seus pares. Nessas hipóteses é bastante clara a separação que há entre a
atividade intelectual em si e a empresa de edição ou jornalística, voltada a
transformar o resultado daquela numa mercadoria de consumo em massa.
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27
Direito Empresarial
versity Press, 1990, p. 27). Em
outras palavras, a assimetria
de informações entre agentes
no mercado pode tornar custosa a avaliação do valor do
objeto transacionado, assim
como pode aumentar o risco
de comportamentos oportunistas, exigindo o desenvolvimento de mecanismos
para contê-los. O empresário
é, portanto, a pessoa capaz
de identificar o âmbito ótimo
da organização voltada ao
exercício de uma atividade
econômica, optando por internalizar ou não certas etapas
produtivas. O sucesso de uma
empresa estará, em grande
medida, associado à capacidade de o respectivo empresário
perceber quando determinada configuração de custos
de transação exige formas de
organização diversas das relações de mercado entre agentes independentes.
Situação diversa é verificada quando o exercício da profissão intelectual se
integra no âmbito de uma empresa (i.e., é elemento de uma organização voltada ao exercício de uma atividade econômica). É o que consta da parte final
do parágrafo único, do artigo 966.
Trata-se, aqui, da hipótese de um advogado responsável pelo jurídico interno de uma empresa ou de um ilustrador encarregado da concepção das
embalagens de produtos na fábrica em que trabalha. Paralelamente, é possível que a própria essência da atividade empresarial possa estar relacionada
a uma profissão intelectual, mas exercida no contexto de uma organização
empresarial. É o caso dos hospitais, que envolvem uma significativa reunião
de fatores de produção e colaboradores de diversas áreas.6
Ressalvadas as atividades econômicas excluídas do conceito do artigo 966,
nos termos vistos acima, o Código estabelece apenas uma outra distinção,
mas que já se insere no gênero “empresário”. As espécies aqui criadas pelo
Código em nada tem a ver com aquelas a partir das quais se classificavam os
empresários em comerciais ou civis.
6
Tratam-se, portanto, de situações onde o exercício da
atividade intelectual assume
uma forma dependente de
uma estrutura empresarial.
Neste ponto, é impossível
fugir da análise casuística e
tentar, a priori, estabelecer
exaustivamente as situações
em que ocorrerá, ou não, a
descaracterização da hipótese do parágrafo único e a
aplicação do conceito constante do caput.
Em vista da complexidade menor que reveste a organização de certas
atividades empresariais, o artigo 970 estabeleceu que a lei deverá assegurar
tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao
pequeno empresário quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes. A referência ao pequeno empresário, seja qual a natureza da atividade que exerce,
demonstra claramente que esta distinção não tem nenhuma relação com a
dicotomia civil/comercial.
Essa conclusão é reforçada pelo fato de o artigo 971 prever que o empresário rural pode, observadas as formalidades do artigo 968, inscrever-se perante o Registro Público de Empresas Mercantis, caso em que ficará equiparado,
para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro. Assim, aquele empresário que historicamente exercia uma atividade reputada como civil, pode vir
a ser equiparado aos demais empresários que antes eram tratados como da
área comercial.
[...]
O Código Civil abandonou a terminologia “empresário comercial” e a delimitação das atividades típicas deste. Previu a especificidade do regime do pequeno
empresário e do empresário rural, mas sem afastar a possibilidade de o regime
geral do empresário sujeito a registro ser aplicável a estas duas espécies.
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O Direito Empresarial no contexto da gestão
Assim, embora tenha uma inequívoca inspiração no direito italiano, o
Código vigente não é uma mera réplica deste e apresenta particularidades
próprias. Guardada essa perspectiva, no tópico seguinte se pretende aprofundar a análise do que constitui a especificidade de regime do pequeno empresário e do empresário rural.
Atividades de aplicação
Diante da situação abaixo relatada, pense e justifique qual seria a melhor solução em termos de gestão, para o empresário.
1. Início das atividades empresariais, independentemente de formalização.
2. Organização de uma sociedade dotada de personalidade jurídica.
3. Aquisição de um estabelecimento empresarial já consolidado.
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Gabarito
O Direito Empresarial no contexto da gestão
1. O aluno deve retirar do texto as informações sobre as vantagens da
regularização na prática da atividade empresarial. Exemplo: “Embora a
lei indique a obrigatoriedade do registro (art. 967), não há como negar
a existência de empresários e sociedades irregulares, cujos atos serão
considerados válidos, embora não se submetam ao regime de comunhão e a responsabilidade dos sócios será ilimitada e subsidiária ao
patrimônio social.”
2. O aluno deve retirar do texto os efeitos da adoção de modelo de organização personificado. Exemplo: “O reconhecimento da personalidade jurídica implica na separação patrimonial entre a sociedade e
os seus sócios, a assunção de capacidade para ser sujeito de direito
pela sociedade, adquirir direitos e contrair obrigações e, geralmente,
na limitação de responsabilidade dos sócios, embora o seu grau varie
conforme a espécie adotada. Essa limitação de responsabilidade é um
atrativo para a atividade econômica e investimento”.
3. O aluno deve retirar do texto as vantagens da possibilidade de aquisição de um estabelecimento empresarial já organizado. Exemplo: “Observe-se que, no caso de aquisição de estabelecimento por empresário
não-constituído, este deverá organizar-se como empresário individual
ou constituir pessoa jurídica para a utilização da organização de bens,
a fim de atuar de forma regular frente ao Direito. A vantagem em optar
pela transferência de um estabelecimento está, lembre-se mais uma
vez, na possibilidade de acesso a meios de produção já selecionados e
organizados a partir da anterior experiência de um empresário”.
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