Avaliação de parâmetros microbiológicos e toxicológicos de ostras (Crassostrea sp.) do município de Cananéia, São Paulo ALLAN ROGÉRIO DE ALVARENGA ii INSTITUTO BIOLÓGICO PÓS-GRADUAÇÃO Avaliação de parâmetros microbiológicos e toxicológicos de ostras (Crassostrea sp.) do município de Cananéia, São Paulo ALLAN ROGÉRIO DE ALVARENGA Dissertação apresentada ao Instituto Biológico, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, para obtenção do título de Mestre em Sanidade, Segurança Alimentar e Ambiental no Agronegócio. Área de Concentração: Segurança Alimentar e Sanidade no Agroecossistema. Orientadora: Dra. Edviges Maristela Pituco São Paulo 2016 iii iv SECRETARIA DE AGRICULTURA E ABASTECIMENTO AGÊNCIA PAULISTA DE TECNOLOGIA DOS AGRONEGÓCIOS INSTITUTO BIOLÓGICO Pós-Graduação Av. Cons. Rodrigues Alves 1252 CEP 04014-002 - São Paulo – SP [email protected] FOLHA DE APROVAÇÃO Nome do candidato: ALLAN ROGÉRIO DE ALVARENGA Título: Avaliação de parâmetros microbiológicos e toxicológicos de ostras (Crassostrea sp.) do município de Cananéia, São Paulo Orientadora: Dra. Edviges Maristela Pituco Dissertação apresentada ao Instituto Biológico da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios para obtenção do título de Mestre em Sanidade, Segurança Alimentar e Ambiental no Agronegócio. Área de Concentração: Segurança Alimentar e Sanidade no Agroecossistema Aprovada em: Banca Examinadora Assinatura: Profa. Dra.: Edviges Maristela Pituco. Instituição: Instituto Biológico de São Paulo. Assinatura: Profa. Dra.: Eliana de Fatima Marques de Mesquita. Instituição: Universidade Federal Fluminense – UFF. Assinatura: Profa. Dra.: Eliana Scarcelli Pinheiro. Instituição: Instituto Biológico de São Paulo. v À minha mãe, Ana Maria de Alvarenga, minha melhor amiga, que sempre me apoiou e que é a única pessoa capaz de acreditar na minha capacidade, mais do que eu mesmo. vi AGRADECIMENTOS À Deus, pela vida e pela certeza de que nela terei o seu conforto nas horas difíceis. À minha mãe, pessoa indispensável em minha vida, minha melhor amiga e maior incentivadora, a quem devo tudo que sou até hoje. À minha avó, pelo carinho e dedicação que me ajudaram a ser quem sou e chegar até aqui. À minha irmã, com a qual dividi tantos momentos de alegrias intensas e conflitos passageiros, e que além de tudo me deu dois grandes presentes, meus sobrinhos, meus afilhados, minhas paixões, Lucas e Gabriel. À toda minha família, por serem exatamente como são e, por isso, terem se tornado a pedra fundamental da minha vida. À minha orientadora, Maristela Pituco, um grande exemplo de pessoa e profissional, por ter generosamente me acolhido com amizade em São Paulo, por ter aceitado o desafio de me orientar em uma área nova, por tudo que me ensinou e contribuiu para meu desenvolvimento profissional e pela confiança depositada. À toda equipe do Laboratório de Viroses de Bovídeos, pelo apoio e atenção, em especial a Dra. Liria Hiromi Okuda que tanto ajudou no desenvolvimento das análises moleculares, à Alisete por estar sempre disposta ajudar nas questões administrativas e à Michele que mesmo da Itália sempre que pode ajudou no desenvolvimento do projeto e à Vivian e Mayra que sempre estiveram por perto prontas para ajudar. À Dra. Alessandra Nassar, pelo apoio, pela constante atenção nas análises bacteriológicas e por ter aceito participar da banca examinadora deste trabalho. À toda equipe do Laboratório de Bacteriologia Geral, em especial a Bê e a Rô, por todo apoio e momentos de descontração. Ao Dr. Luiz Carlos Luchini e seu irmão Dr. Paulo Dirceu Luchini, por ter aceito contribuir no desenvolvimento desse trabalho e ter me orientado nas análises químicas de metais pesados. À toda equipe do Centro de Virologia do Instituto Adolfo Lutz, que me permitiu realizar as análises virais, especialmente à Dra. Regina Célia Moreira, Dra. Adriana Parise Compri, Dra. Rita de Cássia Compagnoli Carmona e Dra. Fabiana Cristina Pereira dos Santos, que foram de uma atenção e compreensão sem igual e que ajudaram em todos os momentos possíveis. À Dra. Isabel Oba do Centro de Virologia do Instituto Adolfo Lutz, com quem fiz meu primeiro contato na instituição e desde então sempre foi extremamente atenciosa e colaborativa comigo e meu trabalho, sendo fundamental para conclusão do mesmo. À Noemi Rovaris e ao Dr. Marcelo Alves Pinto da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) pelo auxílio e treinamento nas análises virais. À professora Eliana Mesquita, por todo o apoio, compreensão, confiança e ensinamentos que vem desde a época da graduação e por ter aceito o convite de participação na banca examinadora o que só contribuiu para o melhor desenvolvimento desse trabalho. À professora Eliana Scarcelli, pela sua leveza, pelos ensinamentos durante o curso de vii mestrado e por ter aceito o convite de participação na banca examinadora o que contribuiu para melhoria da qualidade desse trabalho. À professora Dolores Úrsula Mehnert, que desde o primeiro contato foi muito atenciosa e prestimosa e ainda por ter aceito o convite de participação na banca examinadora o que, com seu largo conhecimento em virologia ambiental, só irá melhorar a qualidade desse trabalho. À Dra. Adriana Corrêa, pela contribuição e treinamentos fundamentais para elaboração desse trabalho. A todos os grandes professores que passaram na minha vida, pelos ensinamentos, conselhos, e pela incrível contribuição que deram para meu desenvolvimento o que com certeza os tornaram figuras inesquecíveis para mim. Ao Daniel Rocha, chefe e amigo, e aos demais amigos de trabalho do SVA-Santos, pela generosidade, onde desde o início da minha decisão de cursar o mestrado me apoiaram e contribuíram para minha liberação. À querida amiga Rogéria Conceição, pelo carinho e ajuda sempre constante até mesmo quando o assunto era a minha licença. Aos amigos Adriano e Jaqueline, com os quais formo o Trio Carioca do SVA-SNT e que desde os primeiros contatos as afinidades levaram a uma amizade tão boa, que mesmo no período de licença estávamos sempre juntos. Aos meus queridos amigos de Escola Técnica, pela amizade por todo esse tempo que tende ao infinito, pela constante alegria na minha vida e por todas as mensagens de whatsapp perguntando se eu já tinha terminado ou se precisava de mais alguma ajuda na correção do que eu já não enxergava mais. À amiga Luciana pela dedicação com que me ajudou, mas não só por isso, por todos esses anos de convívio, amizade, parceria que nunca vai passar. Aos amigos de pós-graduação, pelo incentivo, convívio e caminhada firme. À Adeline companheira de viagem até campinas, companheira de laboratório, companheira de perrengues experimentais, pela amizade e por tudo que me ajudou durante o mestrado. À Josemara, companheira de madrugadas no laboratório, pela amizade e companheirismo. Ao Mário de Cananéia que tanto ajudou nas colheitas de amostras. Ao Instituto Biológico e a sua Pós-Graduação, pelo apoio sem o qual não seria possível realizar esse trabalho. E a todos os envolvidos direta ou indiretamente no desenvolvimento desse trabalho. viii RESUMO ALVARENGA, A.R. AVALIAÇÃO DE PARÂMETROS MICROBIOLÓGICOS E TOXICOLÓGICOS DE OSTRAS (CRASSOSTREA SP.) DO MUNICÍPIO DE CANANÉIA, SÃO PAULO. São Paulo – SP. 2016. Dissertação (Mestrado em Sanidade, Segurança Alimentar e Ambiental no Agronegócio) – Instituto Biológico. O município de Cananéia-SP é o maior produtor de ostras do Estado e essa produção tem grande importância para a população local. Ostras são organismos filtradores capazes de acumular em seus tecidos diversos tipos de contaminantes químicos e biológicos. São amplamente descritos, pelo mundo, surtos de gastroenterites relacionados ao consumo de ostras provenientes de águas contaminadas por fezes. A poluição por esgoto doméstico compromete o ambiente aquático e possui reflexos nos alimentos nele produzido uma vez que é capaz de introduzir bactérias e vírus patogênicos nesse meio, além de contaminantes inorgânicos como metais pesados. O presente estudo avaliou a presença de coliformes termotolerantes pelo NMP em 100g; Norovírus GII e Vírus da Hepatite A, por RT-qPCR e metais pesados (Pb, Cd, Zn e Cu) por espectrofotometria de absorção atômica em ostras de quatro regiões do estuário de Cananéia e revelou contaminação em graus variados para todas as regiões de coliformes termotolerantes, inclusive com contagens que implicariam na suspensão da retirada dos animais para o comércio. Revelou também a ausência de Vírus da Hepatite A e a presença de Norovírus em 18,3% das amostras distribuídas em todas as áreas de amostragem e, por fim, revelou teores de metais pesados dentro dos limites fixados na legislação vigente exceto para o zinco que apresentou valores muito superiores aos vigentes estabelecidos. Desta forma frente a inexistência de legislação que contemple um escopo mais completo de análises que possam garantir a adequada fiscalização e, por conseguinte, a devida inocuidade do alimento ostra, recomenda-se que medidas sejam adotadas para atualização da legislação vigente nesse sentido. Palavras-chave: Bivalves; Contaminação; Coliformes Termotolerantes; Norovírus, Vírus da Hepatite A; Metais Pesados. ix ABSTRACT ALVARENGA, A.R. MICROBIOLOGICAL AND TOXICOLOGICAL PARAMETERS ASSESSMENT OF OYSTERS (CRASSOSTREA SP.) FROM CANANÉIA CITY, SÃO PAULO STATE. São Paulo – SP. 2016. Dissertação (Mestrado em Sanidade, Segurança Alimentar e Ambiental no Agronegócio) – Instituto Biológico. Cananéia city is the São Paulo state's largest oyster producer and this production is very important for local people. Oysters are filter organisms able to accumulate in their tissues various types of chemical and biological contaminants. Are widely described, the world, gastroenteritis outbreaks related to consumption of oysters from water contaminated by feces. Pollution by domestic sewage commits the aquatic environment and has reflections in foods producedtherein once that is able to introduce in this means pathogenic bacteria and viruses, as well as inorganic contaminants such as heavy metals. This study evaluated the presence of thermotolerant coliforms by NMP/100g; Norovirus GII and Hepatitis A Virus by RT-qPCR and heavy metals (Pb, Cd, Zn and Cu) by spectrophotometry of atomic absorption in oyster from four regions of Cananéia estuary and revealed contamination for coliforms thermotolerant in varying degrees to all regions, including scores that would entail the suspension of the withdrawal of animals for trade. Also revealed the absence of Hepatitis A virus and the presence of Norovirus in 18.3% of the samples distributed in all sampling areas, and finally revealed heavy metal content within the limits specified in current legislation except for zinc, which showed much higher than the current set values. Thus front the lack of laws addressing a more complete scope of analysis that can ensure proper supervision and therefore the due safety food, it is recommended that measures be taken to update current legislation in this regard. Keywords: Bivalves; Contamination; Thermotolerant Coliforms; Norovirus, Hepatitis A Virus; Heavy metals. x LISTA DE FIGURAS Figura 1: Riscos, benefícios e oportunidades dos oceanos e saúde humana ...................... 18 Figura 2: Produção mundial de pescado a partir da pesca de captura e da aquicultura ....... 22 Figura 3: Mapa do Litoral do Estado de São Paulo .............................................................. 25 Figura 4: Mapa do Complexo Estuarino-Lagunar de Cananéia-Iguape ................................ 26 Figura 5: Visão simplificada do processo de absorção de partículas pelos bivalves. ........... 30 Figura 6: Características anatômicas da ostra. .................................................................... 31 Figura 7: Rotas de transmissão de vírus entéricos .............................................................. 37 Figura 8: Fluxograma das atividades experimentais desenvolvidas no presente trabalho. ... 50 Figura 9: Localização das áreas de colheita de amostras no Município de Cananéia .......... 51 Figura 10: Representação gráfica do NMP de coliformes termotolerantes em 100g de ostras, das amostras colhidas nos diferentes locais do município de Cananéia. ............................. 62 Figura 11: Representação gráfica da distribuição das amostras quanto ao critério de retirada de ostras para comercialização. .......................................................................................... 66 Figura 12: Distribuição mensal da carga bacteriana em ostras por NMP/100g .................... 67 Figura 13: Eletroforese em gel de agarose corado com GelRed™ revelando resultado da RTPCR para gene β-actina. ..................................................................................................... 71 Figura 14: Curva de amplificação exibindo o perfil logarítmico da fluorescência emitida durante cada ciclo para uma curva de concentração decrescente para HAV no protocolo com reagente marca DNA Express Biotecnologia®...................................................................... 72 Figura 15: Curva padrão de eficiência do protocolo de PCR em tempo real para HAV com reagente marca DNA Express Biotecnologia®...................................................................... 72 Figura 16: Curva de amplificação exibindo o perfil logarítmico da fluorescência emitida durante cada ciclo para uma curva de concentração decrescente para Norovírus no protocolo com reagente marca DNA Express Biotecnologia®...................................................................... 73 Figura 17: Curva padrão de eficiência do protocolo de PCR em tempo real para Norovírus com reagente marca DNA Express Biotecnologia®. ............................................................. 73 Figura 18: Curva de amplificação exibindo o perfil logarítmico da fluorescência emitida durante cada ciclo para uma curva de concentração decrescente para HAV no protocolo com reagente marca Roche®...................................................................................................................... 74 Figura 19: Curva padrão de eficiência do protocolo de PCR em tempo real para HAV com reagente marca Roche®. ...................................................................................................... 74 xi Figura 20: Curva de amplificação exibindo o perfil logarítmico da fluorescência emitida durante cada ciclo para uma curva de concentração decrescente para Norovírus no protocolo com reagente marca Roche®. ...................................................................................................... 75 Figura 21: Curva padrão de eficiência do protocolo de PCR em tempo real para Norovírus com reagente marca Roche®. .............................................................................................. 75 Figura 22: Curva de amplificação exibindo o perfil logarítmico da fluorescência emitida durante cada ciclo para uma curva de concentração decrescente para HAV no protocolo com reagente marca Invitrogen®. ............................................................................................................... 76 Figura 23: Curva padrão de eficiência do protocolo de PCR em tempo real para HAV com reagente marca Invitrogen®. ................................................................................................ 76 Figura 24: Curva de amplificação exibindo o perfil logarítmico da fluorescência emitida durante cada ciclo para uma curva de concentração decrescente para Norovírus no protocolo com reagente marca Invitrogen®. ................................................................................................ 77 Figura 25: Curva padrão de eficiência do protocolo de PCR em tempo real para Norovírus com reagente marca Invitrogen®. ......................................................................................... 77 Figura 26: Curva de amplificação exibindo o perfil logarítmico da fluorescência emitida durante cada ciclo para as amostras positivas para Norovírus. ........................................... 79 Figura 27: Curva de calibração para Zinco. ......................................................................... 84 Figura 28: Curva de Calibração para Cobre. ........................................................................ 85 Figura 29: Curva de Calibração para Cádmio. ..................................................................... 85 Figura 30: Curva de Calibração para Chumbo. .................................................................... 86 Figura 31: Concentração de zinco nos diferentes períodos de amostragem para cada região amostrada............................................................................................................................ 87 Figura 32: Concentração de cobre nos diferentes períodos de amostragem para cada região amostrada............................................................................................................................ 89 Figura 33: Concentração de cádmio nos diferentes períodos de amostragem para cada região amostrada............................................................................................................................ 89 Figura 34: Concentração de chumbo nos diferentes períodos de amostragem para cada região amostrada............................................................................................................................ 90 xii LISTA DE TABELAS Tabela 1: Perigos associados ao consumo de moluscos bivalves ....................................... 33 Tabela 2: Causas microbianas das enfermidades associadas ao consumo de moluscos bivalves................................................................................................................................ 34 Tabela 3: Preparo do Master mix para RT-qPCR................................................................. 56 Tabela 4: Par de primers e sondas para HAV e Norovírus ................................................... 57 Tabela 5: Parâmetros para programação do Termociclador RT-qPCR. ............................... 58 Tabela 6: Parâmetros para programação do Termociclador para PCR de Actina ................ 59 Tabela 7: Valores de NMP de coliformes termotolerantes/100g das amostras colhidas nos diferentes locais do município de Cananéia. ........................................................................ 63 Tabela 8: Avaliação do desempenho dos protocolos com os diferentes reagentes testados. ............................................................................................................................................ 78 Tabela 9: Resultado da análise qualitativa por RT-qPCR para as amostras testadas para Norovírus. ............................................................................................................................ 80 Tabela 10: Avaliação das concentrações obtidas na determinação dos diferentes metais, em ppm, em base úmida. .......................................................................................................... 86 xiii SUMÁRIO RESUMO ............................................................................................................................ viii ABSTRACT .......................................................................................................................... ix LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................. x LISTA DE TABELAS........................................................................................................... xii SUMÁRIO........................................................................................................................... xiii 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 14 2 OBJETIVOS.................................................................................................................... 16 3 REVISÃO DE LITERATURA .......................................................................................... 17 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 DEGRADAÇÃO AMBIENTAL ANTRÓPICA........................................................... 17 ASPECTOS DA PRODUÇÃO DE CONSUMO DE PESCADO .............................. 20 LITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO .............................................................. 24 MOLUSCOS BIVALVES: CARACTERÍSTICAS E PERIGOS RELACIONADOS ... 28 VÍRUS ENTÉRICOS .............................................................................................. 35 3.5.1 Vírus da Hepatite A ....................................................................................... 38 3.5.2 Norovírus ....................................................................................................... 41 3.6 BACTÉRIAS INDICADORAS DE CONTAMINAÇÃO E SEU MONITORAMENTO . 43 3.7 CONTAMINAÇÃO POR METAIS PESADOS......................................................... 45 3.8 LEGISLAÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL DE CONTROLE HIGIÊNICOSANITÁRIO DE BIVALVES.............................................................................................. 48 4 MATERIAL E MÉTODOS ............................................................................................... 50 4.1 4.2 DESENHO EXPERIMENTAL ................................................................................ 50 METODOLOGIA .................................................................................................... 51 4.2.1 Definição e Processamento Inicial das Amostras ...................................... 51 4.2.2 Análises Bacteriológicas .............................................................................. 52 4.2.3 Análises Virais ............................................................................................... 54 4.2.4 Análises dos Teores de Metais Pesados ..................................................... 59 4.2.5 Análises Estatísticas ..................................................................................... 61 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ...................................................................................... 62 5.1 5.2 5.3 5.4 ANÁLISES BACTERIOLÓGICAS .......................................................................... 62 ANÁLISES VIRAIS ................................................................................................ 71 ANÁLISES DE METAIS ......................................................................................... 84 LEGISLAÇÃO VIGENTE FRENTE AOS RESULTADOS OBTIDOS ...................... 92 6 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 94 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 95 8 APÊNDICES ................................................................................................................. 104 14 1 INTRODUÇÃO A expansão demográfica mundial traz consigo um desafio à humanidade: elevar a produção de alimentos com sustentabilidade e menor impacto ambiental. Este desafio se torna ainda maior quando se observa que ao longo dos anos, o planeta Terra vem experimentando diversas modificações antrópicas que impactam negativamente os mais variados ecossistemas e comprometem a salubridade do ambiente e a saúde do homem. Atualmente, a aquicultura é umas das atividades de produção de alimentos que mais cresce no mundo e é considerada uma alternativa estratégica para segurança alimentar. Além disso, ela reúne vantagens do ponto de vista ambiental, econômico e social, uma vez que reduz a pressão sobre os estoques naturais; aumenta a renda dos produtores e contribui para fixação das populações tradicionais nas áreas de origem. A ostreicultura é um ramo da aquicultura destinado ao cultivo de ostras, que em virtude das características de alimentação desses animais, que não dependem de ração, é de baixo custo de implantação e manutenção, o que garante maior viabilidade econômica na produção se comparado à outras culturas. O cultivo desses organismos reduz a pressão sobre os estoques naturais, por reduzir o extrativismo predatório que ameaça o equilíbrio do ecossistema, está relacionado à sustentabilidade sociocultural, por promover a valorização de saberes tradicionais, o fortalecimento da unidade familiar e a fixação da população na região, ainda garante o fortalecimento da segurança alimentar das comunidades ribeirinhas e aumento da renda familiar, além de promover a abertura de novos mercados como o gastronômico e o de turismo e que geram emprego e renda para a população costeira. No entanto, o ambiente aquático vem sendo altamente impactado ao longo dos anos com o desenvolvimento desordenado e sem planejamento das cidades. Os oceanos são o destino final de todo resíduo gerado pelas atividades humanas, seja por descarga direta ou através do aporte de rios. Portanto, a expansão demográfica desordenada e sem infraestruturas mínimas como as de saneamento básico compromete os ecossistemas aquáticos, o desenvolvimento da aquicultura e a qualidade de vida, bem-estar e saúde da população. A saúde do ambiente aquático está, portanto, intimamente ligada a saúde da população. A descarga de poluentes orgânicos e inorgânicos nesse ambiente interfere na vida marinha e assim na sua capacidade de produzir alimentos, bem como compromete a qualidade desses alimentos, que uma vez contaminados podem gerar agravos a saúde da população. 15 A segurança do alimento está relacionada à sua inocuidade e o pescado, termo genérico que engloba os animais aquáticos destinados à alimentação humana, é um dos alimentos mais relacionados a casos de doenças veiculadas por alimentos. Nesse grupo, os moluscos bivalves (ostras e mexilhões) destacam-se por serem animais filtradores que possuem capacidade de reter e acumular em seus tecidos uma série de contaminantes químicos e biológicos Os principais contaminantes químicos são os óleos, agrotóxicos e metais pesados, e os principais agentes biológicos são os patógenos entéricos de veiculação hídrica os quais são geralmente eliminados em grandes quantidades nas fezes de pessoas infectadas e são altamente resistentes em condições ambientais o que favorece a perpetuação e reciclagem desses patógenos na população susceptível que entra em contato com água e/ou alimentos contaminados por eles. No grupo de patógenos entéricos possuem maior relevância as bactérias de origem fecal, as quais vêm sendo largamente usadas como indicadores da contaminação de alimentos e podem estar associadas a diversas doenças veiculadas por eles, e os vírus entéricos que são atualmente os patógenos mais comuns a causar doenças veiculadas por água e alimentos, onde se destacam o norovírus, apontado como principal causador de doenças diarreicas no mundo e vêm sendo largamente relacionados à surtos envolvendo água e alimentos crus, inclusive moluscos bivalves, e o vírus da hepatite A (HAV) que causa uma doença grave e debilitante que pode levar a morte. Uma vez contaminando as águas onde vivem ou são cultivados moluscos bivalves, esses patógenos podem ser captados e acumulados nos tecidos desses animais, comprometendo sua inocuidade podendo causar surtos/doenças nos indivíduos susceptíveis, situação que vêm sendo relatada em diversos países ao redor do mundo. No Litoral Sul de São Paulo, o município de Cananéia, inserido no vale do Ribeira, uma das regiões mais pobres do estado possui características preservacionistas e revela-se como maior produtor de ostras estadual, ao mesmo passo que convive com o turismo e com áreas povoadas com carência de saneamento básico. Desta forma, a avaliação do grau de contaminação química e biológica das ostras do município de Cananéia se faz importante para avaliar sua inocuidade e possíveis riscos a população. 16 2 OBJETIVOS 2.1 GERAL O presente trabalho possui como objetivo principal a identificação de perigos microbiológicos e toxicológicos oriundos da degradação ambiental antrópica em ostras do município de Cananéia- SP que reflitam riscos à saúde da população. 2.2 ESPECÍFICOS a. Avaliar a presença de bactérias indicadoras de contaminação fecal nos tecidos comestíveis de moluscos bivalves, por meio da técnica de Número Mais Provável (NMP); b. Determinar a prevalência de vírus entéricos (Vírus da Hepatite A e Norovírus) nos moluscos bivalves, por meio de técnicas moleculares; c. Avaliar os teores de metais pesados nos tecidos comestíveis dos moluscos bivalves; d. Correlacionar os dados obtidos com a legislação vigente a fim de avaliar o grau de segurança no consumo desses animais no Brasil. 17 3 REVISÃO DE LITERATURA 3.1 DEGRADAÇÃO AMBIENTAL ANTRÓPICA Ao longo dos últimos anos, a população mundial duplicou enquanto o consumo de água multiplicou-se por sete. O crescimento rápido da população urbana e da industrialização está submetendo a graves pressões os recursos hídricos e a capacidade de proteção ambiental de muitas regiões (MORAES; JORDÃO, 2002) Considerando que, da água existente no planeta, 97% são salgadas (mares e oceanos), e que 2% formam geleiras inacessíveis, resta apenas 1% de água doce, armazenada em lençóis subterrâneos, rios e lagos, distribuídos desigualmente pela Terra. O manejo holístico desta como um recurso finito e vulnerável e a integração de políticas de recursos hídricos aos planos econômicos e sociais tem importância fundamental para o futuro (MORAES; JORDÃO, 2002) Oceanos e seres humanos têm interagido desde a antiguidade e, ao longo de milhares de anos, os oceanos têm servido como uma fonte de alimento, gerado comércio, provido meios de subsistência, bem como conectando civilizações ao redor do mundo, o que por sua vez demonstra que as interações com ambientes costeiros e marinhos podem ter impactos benéficos importantes na nossa saúde e bem-estar. No entanto, ecossistemas costeiros e marinhos danificados, em decorrência de desastres naturais ou como resultado da exploração humana, levaram a uma série de consequências negativas para a saúde humana, incluindo perda de vida (FLEMING et al., 2014). Dentro da íntima relação existente entre os ecossistemas costeiros e marinhos e a saúde e bem-estar da população podemos inferir como influências negativas ou riscos, as alterações climáticas, as condições meteorológicas extremas, os eventos naturais (por exemplo os tsunamis), a acidificação do oceano, a proliferação de algas nocivas, os microorganismos patogénicos, a resistência aos antibióticos, os produtos químicos antrópicos, os plásticos marinhos, os nanomateriais e as espécies exóticas e como fatores benéficos e oportunidades, a pesca sustentável, a aquicultura, os alimentos marinhos (pescado), as comunidades costeiras sustentáveis, a biotecnologia marinha sustentável, os produtos naturais e farmacêuticos, a biodiversidade, a saúde única, as espécies sentinelas, a recreação ao ar livre (Blue Gym), a saúde e o bem-estar da costa, as áreas marinhas protegidas e a energia marinha renovável (Figura 1) (FLEMING et al., 2014) 18 Figura 1: Riscos, benefícios e oportunidades dos oceanos e saúde humana (Extraído de FLEMING et al., 2014) Nesse sentido, torna-se claro que o homem, em particular os moradores do litoral, depende muito do uso das águas marinhas costeiras não poluídas para obtenção de alimentos e para fins recreativos. No entanto, as contaminaçãos microbianas por bactérias e vírus, relacionadas direta e indiretamente à atividade humana e animal, cada vez mais afetam a inocuidade dos alimentos marinhos, bem como o uso comercial e recreativo destas águas. Além disso, a contaminação química predominantemente antrópica das águas marinhas tem levado ao crescente perigo de altos níveis de metais pesados, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e outras substâncias ambientalmente persistentes entrarem na cadeia alimentar marinha (FLEMING et al., 2006). Na maioria das áreas costeiras do mundo foram relatados danos causados pela poluição que afetaram significativamente a obtenção de alimentos de origem marinha. A produção e emissão de poluentes geralmente é derivada da agregação humana, do uso de recursos naturais e de intervenções, como o desenvolvimento de infraestrutura, atividades agrícolas, desenvolvimento industrial, urbanização, turismo, etc sendo os principais contaminantes os poluentes orgânicos persistentes, nutrientes, óleos, radionuclídeos, metais 19 pesados, patógenos, sedimentos, lixos e detritos. De longe, o maior volume de resíduos descarregados para o meio marinho é de esgoto que contém resíduos industriais, resíduos urbanos, restos de animais, resíduos de matadouros, água e resíduos domésticos, dentre outros. Cargas enormes de tais resíduos contendo uma variedade de substâncias prejudiciais, incluindo vírus, bactérias e protozoários patogênicos, produtos químicos tóxicos, tais como organoclorados e os metais pesados, e uma variedade de outros resíduos orgânicos e inorgânicos são gerados diariamente nas cidades altamente povoadas e são finalmente conduzidos pelos sistemas de drenagem que geralmente descarregam em rios próximos ou sistemas aquáticos onde causam grande impacto negativo ao meio ambiente, aos seres que ali vivem e ao homem (SHAHIDUL ISLAM; TANAKA, 2004). Atualmente, a maioria da população mundial vive em regiões costeiras, aproximadamente 50% da população mundial vive em cidades dentro de 100 km da costa e este percentual está aumentando diariamente, particularmente em áreas tropicais e subtropicais. Essas áreas costeiras são afetadas diariamente pelas grandes quantidades de resíduos não tratados gerados pelo homem, bem como pelas mudanças no uso da terra e na hidrologia (FLEMING et al., 2006; STEWART et al., 2008). Um fator agravante da situação é a forma de ocupação urbana pelo homem, a qual ocorre em alta velocidade, mas sem ser acompanhada de planejamento e estruturação urbana adequada. Esta forma improvisada de ocupação caracterizada pela autoconstrução, carência de serviços básicos de urbanização, habitações precárias, vem produzindo impactos ambientais nocivos e com isso, comprometendo a qualidade do meio ambiente (CORRÊA; SILVA, 2015). No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2010), em 2008, pouco mais da metade dos municípios brasileiros (55,2%) tinham serviço de esgotamento sanitário por rede coletora, e apenas 28,5% dos municípios brasileiros fizeram tratamento de seu esgoto. Mesmo na Região Sudeste, onde 95,1% dos municípios possuíam coleta de esgoto, menos da metade desses (48,4%) o trataram, revelando um problema de saneamento básico no país que tem como reflexo a degradação dos ecossistemas aquáticos e a veiculação de doenças. (IBGE, 2010) As condições precárias de saneamento básico permitem que uma série de patógenos contaminem corpos hídricos vulnerabilizando a população mundial ao surgimento de enfermidades em especial as diarreicas, o que segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS (2013) ocasionou no ano de 2011 a morte de 2 milhões de pessoas e causou 4 bilhões de casos de doenças. (OMS, 2013) A contaminação dos recursos hídricos pelo despejo de resíduos não tratados influencia diretamente na inocuidade dos alimentos obtidos dessas águas com reflexo direto na saúde da população que os consome, ora de forma aguda nos casos de vírus e bactérias ou de 20 forma crônica nos casos de contaminação por metais pesados (SHAHIDUL ISLAM; TANAKA, 2004; FLEMING et al., 2006; STEWART et al., 2008). 3.2 ASPECTOS DA PRODUÇÃO DE CONSUMO DE PESCADO A produção pesqueira mundial total – produtos obtidos por pesca extrativa (captura ou extração) e da aquicultura – no ano de 2012 atingiu a marca de 158 milhões de toneladas (t), das quais cerca de 136 milhões foi destinada ao consumo humano. Dados preliminares de 2013 indicam aumento da produção para 160 milhões de toneladas, das quais 138 milhões destinada ao consumo humano. O crescimento contínuo da produção de pescado e a melhoria nos canais de distribuição proporcionaram um considerável aumento no fornecimento de alimentos da pesca e aquicultura nas últimas cinco décadas, com uma taxa média de crescimento de 3,2% no período 1961-2009, superando o índice de crescimento da população de 1,6% (FAO, 2014). Esse constante incremento da produção de pescado denota não só o crescimento da população, mas também o aumento do consumo de pescado pelo homem ao longo dos últimos anos. O consumo mundial per capita de pescado registou um crescimento médio de 9,9 kg em 1960 para 17,0 kg na década de 2000 e 18,9 kg em 2010, as estimativas preliminares apontam para um aumento ainda maior do que 19,2 kg em 2012. Esse aumento impressionante corresponde à combinação de crescimento da população, aumento da renda e urbanização inter-relacionados com o forte crescimento da produção pesqueira e canais de distribuição modernos (FAO, 2014). O pescado é a carne mais demandada mundialmente e a de maior valor de mercado. Contudo, no Brasil no período de 2010 a 2013 o pescado ficou na última posição entre as quatro principais proteínas de origem animal consumidas, com média de 10,31 kg/hab/ano e embora venha aumentando nos últimos anos, o valor ainda está abaixo do mínimo recomendado pela Organização Mundial de Saúde, que é de 12 kg por habitante por ano (ROCHA et al., 2013; MPA, 2015). O pescado e os produtos da pesca representam uma importante fonte de proteínas e micronutrientes essenciais para uma nutrição equilibrada e boa saúde. Em 2009, o pescado representou 16,7% do consumo de proteínas animais pela população mundial e de 6,5% de todas as proteínas consumidas (FAO, 2014). Os produtos derivados de animais aquáticos têm seu consumo recomendado em virtude de suas características nutricionais: 1) um alimento com baixo teor de gordura (incluindo o colesterol) e alto teor proteico; 2) fonte de nutrientes essenciais, como as 21 vitaminas e minerais, e de ácidos graxos poli-insaturados. Ganham especial destaque em países em desenvolvimento, onde são frequentemente a única fonte de proteína animal. O seu consumo fornece proteínas de elevado valor biológico e seus tecidos comestíveis são pobres em gordura saturada e ricos em poli-insaturadas, contendo dois ácidos graxos essenciais do tipo ômega-3: o ácido eicosapentóico (EPA) e ácido docosahexanóico (DHA). Possuem ainda uma proporção adequada entre os ácidos graxos do tipo ômega-3 e do tipo ômega-6, ideal para a alimentação humana. Os moluscos bivalves são também uma fonte de vitaminas (A e D) e minerais essenciais (FAUCONNEAU, 2002; SARTORI; AMANCIO, 2012). Dentre os possíveis benefícios da ingestão de uma ou duas porções de peixe por semana, que contêm cerca de 2 g de ácidos graxos poli-insaturados ômega-3, estão a redução do risco de Acidente Vascular Cerebral, de depressão, do Mal de Alzheimer e de morte por doença cardíaca (SARTORI; AMANCIO, 2012). A experiência de expansão sem precedentes do mercado global de alimentos que vem se tornando mais homogêneo e globalizado e a mudança nos padrões alimentares, que buscam alimentação mais saudável, elevam as previsões do consumo de pescado a cada ano e, além disso, a demanda por produtos à base de pescado também deve aumentar nas próximas décadas, seja por razões socioeconômicas, de saúde ou religiosas. Assim sendo o aumento do consumo per capita de pescado será cada vez mais dependente da disponibilidade dos produtos da aquicultura, e sua capacidade de adequação às exigências do mercado consumidor tendo em vista que atualmente, quase metade da produção de pescado já é originada desta forma de produção que deve suplantar a pesca extrativa em alguns anos (ROCHA et al., 2013) Segundo dados da FAO (2014), desde meados dos anos 1990, a aquicultura tem sido o motor do crescimento da produção pesqueira total visto que a produção global da pesca extrativa tem se estabilizado e vem se mantendo, ao longo dos últimos anos, com valores em torno de 90 milhões de toneladas, enquanto a contribuição da aquicultura vem sofrendo incremento constante, passando de 13,4% em 1990 para 25,7% em 2000 e 42,2% em 2012, quando atingiu a marca recorde de aproximadamente 66,6 milhões de toneladas, o que representou um aumento médio anual de 6,2% no período de 2000 a 2012 (Figura 2). 22 Figura 2: Produção mundial de pescado a partir da pesca de captura e da aquicultura (FAO, 2014). Isto se deve ao fato de que os estoques de pescado de pesca extrativa vêm mostrando uma tendência de declínio nas últimas décadas. Esta tendência tem sido atribuída a exploração dos estoques marinhos sob um regime de livre acesso, que permite a sobre exploração dos recursos pesqueiros, o uso de técnicas predatórias e conta com a falta de fiscalização efetiva do poder público onde esse conjunto promove a redução de renda dos pescadores, ameaça o equilíbrio dos ecossistemas marinhos, e por último, aumenta a vulnerabilidade das comunidades costeiras, colocando em risco sua segurança alimentar e até mesmo sua sobrevivência ao longo das últimas décadas (GOMES et al., 2008). Nesse contexto, a aquicultura desponta como o setor de produção de alimentos que mais cresce no mundo, sendo praticada em vários países, é uma importante fonte de renda e de proteína animal, com papel relevante na segurança alimentar, ainda se destacando na redução da pressão ambiental sobre as espécies obtidas por meio da pesca (IBGE, 2013). O Brasil possui grande potencial para a aquicultura a ser explorado e que poderá gerar novos empregos, renda e alimentos de alto valor biológico. Este potencial se deve ao clima favorável, às condições naturais como, sua vasta dimensão territorial (8,5 milhões de km2), sua extensão costeira de mais de oito mil quilômetros, sua zona econômica exclusiva (ZEE) de 3,5 milhões de km², sua disponibilidade de aproximadamente, 13% da água doce renovável do planeta, sua diversidade de biomas e sua imensa biodiversidade, que abriga inúmeras espécies com potencial zootécnico (IBGE, 2013; ROCHA et al., 2013). 23 Produção em aquicultura pode ser dividida em duas categorias principais: aquicultura continental e maricultura. A produção mundial de pescado comestível obtida a partir de aquicultura continental e maricultura apresentavam o mesmo volume de 2,35 milhões toneladas em 1980. No entanto, o crescimento da aquicultura continental desde então tem sido superior ao crescimento da maricultura, com taxas de crescimento médias anuais de 9,2% e 7,6%, respectivamente (FAO, 2014). A maricultura é reconhecida mundialmente como uma importante alternativa de geração de empregos, renda e alimento, que tem contribuído para a fixação de comunidades tradicionais em seus locais de origem. Vários países vêm desenvolvendo políticas de desenvolvimento sustentável da maricultura, uma vez que essa atividade possui um enorme potencial de contribuição para o desenvolvimento social da zona costeira (BARBIERI et al., 2014) Em 2012, a maricultura (24,7 milhões de toneladas) foi dominada pelos moluscos (malacocultura) (65,4%, 14,9 milhões de toneladas) que na sua maioria são representados pelos bivalves, por exemplo, ostras, mexilhões, berbigões e outros (FAO, 2014). Particularmente, a malacocultura é considerada uma atividade ambientalmente sustentável que promove a preservação e a manutenção dos recursos naturais marinhos, provê uma colheita sustentável de alta qualidade e valor econômico e proporciona a fixação de comunidades tradicionais costeiras em seus locais de origem, gerando empregos e desenvolvimento social local, mas para tanto, no Brasil o seu desenvolvimento deve seguir as orientações do Código de Conduta para o Desenvolvimento Sustentável e Responsável da Malacocultura Brasileira, atendendo às recomendações referentes à instalação e ao posicionamento das áreas aquícolas, à destinação de resíduos; ao impacto visual; ao controle de incrustações de organismos competidores no sistema de cultivo; ao uso de embarcações, veículos e estruturas/equipamentos de cultivo; à prática de cultivo e ao manejo e à coleta de sementes do ambiente marinho, dentre outras, bem como medidas mitigatórias de risco previstas em planos e políticas de desenvolvimento, como o Programa Nacional de Sanidade de Animais Aquáticos (BARBIERI et al., 2014). Na América do Sul, o Brasil ocupa o segundo lugar na produção de moluscos, superado apenas pelo Chile. Esta atividade apresentou elevadas taxas de crescimento em Santa Catarina no decorrer das últimas duas décadas, fazendo com que esse estado atingisse em 2013, 97,2% (18.817 toneladas) de toda produção nacional (IBGE, 2013; EPAGRI, 2014). No Brasil o cultivo de moluscos é um setor da aquicultura que tem um grande potencial de expansão, pois, na prática, a produção está ainda concentrada nas zonas costeiras abrigadas do estado de Santa Catarina e com menor expressão nos estados do Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Sergipe (OSTRENSKY; BORGHETTI; SOTO, 2008). A malacocultura nacional é baseada no cultivo de três espécies: o mexilhão (mitilicultura), a 24 ostra (ostreicultura) e a vieira (pectinicultura). Em 2011, a mitilicultura (15.989 toneladas) apresentou um incremento de 16,4% na produção em relação a 2010, a ostreicultura (2.538 toneladas) de 24,2% e a pectinicultura (13,4 toneladas) apresentou um crescimento de 9,0% na produção (MPA, 2013). O cultivo de ostras se desenvolve principalmente em ambientes estuarinos e regiões costeiras, utilizando diferentes métodos de cultivo (long line, balsas flutuantes e mesas fixas), de acordo com a característica dos ambientes costeiros, condições ambientais e tradição local (LAVANDER et al., 2013). No litoral do Estado de São Paulo, segundo dados do Instituto de Pesca (2015) e do IBGE (2013), a produção de moluscos bivalves está distribuída ao longo de dez municípios do litoral paulista e no município de Cananéia concentra-se a maior parte da produção de ostras, que são produzidas pelo sistema de engorda em tabuleiros de forma artesanal e em pequena escala, envolvendo os moradores das próprias comunidades, o que permite a estes o desenvolvimento de uma atividade de vocação natural, estimulando a fixação das populações no litoral o que contribui para o fortalecimento das comunidades tradicionais e valorização da cultura regional, além de ser uma forma de diversificar as atividades do setor pesqueiro, de preservar os ambientes aquáticos e aumentar as opções ao turismo através do turismo gastronômico (BARBIERI et al., 2014). (IBGE, 2013; INSTITUTODEPESCA, 2015) 3.3 LITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO O litoral paulista, com cerca de 400 quilômetros de extensão, localiza-se entre as latitudes 23°30’ - 25°S e as longitudes 44°30’ - 48°W e pode ser subdividido em três grandes áreas: o Litoral Norte, que inclui os municípios de Ubatuba; Caraguatatuba; Ilhabela e São Sebastião (sendo o limite norte a praia do Camburi e limite sul a praia de Boracéia), a Baixada Santista (do município de Peruíbe até Bertioga) e o Litoral Sul que abrange os municípios de Iguape, Ilha Comprida e Cananéia (Figura 3) (SEIXAS et al., 2014). 25 Figura 3: Mapa do Litoral do Estado de São Paulo (Modificado de SEIXAS et al., 2014) No Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro, os três municípios do Litoral Sul constituem o Complexo Estuarino-Lagunar de Cananéia-Iguape, sendo limitado na porção norte pelo município de Iguape, a leste pela Ilha Comprida, a oeste pela Serra do Mar e na parte sul pelas ilhas de Cananéia e do Cardoso. Essas quatro ilhas (Cardoso, Comprida, Cananéia e Iguape) são separadas entre si por um sistema de canais e rios (canal de Ararapira; baía de Trapandé; mares de Cubatão, Cananéia e Pequeno/ Iguape; Valo Grande e rio Ribeira de Iguape). Este complexo é margeado e protegido por extensas regiões de manguezais e sofre influência constante das águas dos rios vindos do fundo continental da Serra do Mar, principalmente do rio Ribeira de Iguape o rio principal desta região e mesmo do litoral paulista e interliga-se ao oceano na parte norte pela Barra de Icapara e na parte sul pelas Barras de Cananéia e de Ararapira (Figura 4) (SALES; MALDONADO, 2000; BARCELLOS et al., 2005; TESSLER et al., 2006; MENDONÇA; MIRANDA, 2008). 26 Figura 4: Mapa do Complexo Estuarino-Lagunar de Cananéia-Iguape (DOI, 2012) Desde a colonização o litoral paulista esteve em evidência, pois exerceu importante papel de receptor de colonizadores e comerciantes. Ao longo dos anos a ação do homem tem transformado esse ambiente e com a intensa ocupação deste litoral, ocorrida a partir de 1950, a interferência no compartimento costeiro foi acentuada, especialmente, em virtude das modificações constantes na estrutura portuária de Santos e São Sebastião, e ainda com a implantação do polo petroquímico e industrial em Cubatão e a construção de rodovias como Anchieta, Padre Manoel da Nóbrega (na década de 50) e Imigrantes, Tamoios e Rio – Santos (na década de 1970) (TESSLER et al., 2006). As melhorias de acesso e a oferta de empregos com o fortalecimento da atividade portuária e industrial contribuíram para o crescimento demográfico da região, e também atraíram o mercado de turismo o que acabou proporcionando um crescimento urbano irregular e desordenado, causando forte impacto ambiental nestas localidades (TESSLER et al., 2006). O Litoral Sul passou, entre os séculos XVII e XIX, por ciclos de prosperidade temporários, com a mineração, construção naval e a agricultura, que por fim em virtude do aumento de mercado para os produtos pesqueiros deram lugar, especialmente a partir da década de 60, a pesca lagunar, costeira e marinha. A região sempre esteve à margem do desenvolvimento verificado em outras áreas do estado. O isolamento e dificuldades de 27 acesso, em razão das características geográficas, aliado à marginalização econômica, resultou na conservação ambiental e no fortalecimento da cultura caiçara, altamente dependente dos recursos naturais (MACHADO, 2009) O Complexo Estuarino-Lagunar de Cananéia, Iguape e Ilha Comprida é grande remanescente de Mata Atlântica e por seu elevado grau de conservação a região apresenta várias áreas institucionalmente protegidas, como a APA de Cananéia, Iguape e Peruíbe, os Parques Estaduais da Ilha do Cardoso e de Jacupiranga, as Estações Ecológicas de JuréiaItatins e de Chauás e a Reserva Extrativista do Mandira (MACHADO, 2009; BARBIERI et al., 2014). As características geográficas, biológicas e culturais da região estuarina-lagunar de Cananéia as tornam propícia ao desenvolvimento da maricultura, principalmente de moluscos bivalves, conciliando a permanência das comunidades tradicionais e a preservação do ambiente. Assim sendo, a ostreicultura é considerada uma das principais atividades aquícolas de Cananéia (COLLAÇO; SARTOR; BARBIERI, 2015). Cananéia localiza-se aos 25ºS e 48ºW e apresenta 1.242 km2 de área, distribuídos nas partes continental e insular. Possui acesso pelas rodovias BR-116 e SP-226 e está a cerca de 250 km da capital do estado. O município está inserido no Vale do Ribeira e Litoral Sul, uma das áreas mais pobres do Estado de São Paulo (MACHADO, 2009). A ostra de mangue, Crassostrea spp. é um dos mais importantes recursos da pesca artesanal do estuário de Cananéia e é explorada comercialmente no estuário desde a década de 1940, inicialmente para a subsistência, e comercialmente após a década de 1950. Contudo, somente a partir da década de 1970 que essa atividade passou a ter importância econômica como alternativa para os pescadores artesanais da região, que embora possua contribuição menor quando comparada ao total de pescado desembarcado, consiste em um dos principais produtos da área estuarina do município, beneficiando diretamente cerca de uma centena de famílias. O estuário é considerado o maior banco natural do Estado de São Paulo e muitas comunidades do município praticam o extrativismo, nos períodos de maré baixa, em áreas onde predomina o mangue vermelho Rhizophora mangle (MACHADO, 2009; MACHADO et al., 2011). Nos anos 90, um projeto interinstitucional introduziu junto às comunidades da região a “engorda de ostras”, atividade derivada da tecnologia de cultivo integral. Consiste no arranjo de ostras entre 5 e 10cm em estruturas instaladas na zona entremarés, até que atinjam tamanho comercial (> 7cm). A engorda mostrou ser uma alternativa viável, por agregar valor ao produto, reduzindo a pressão sobre o estoque. Além disso, a prática aumenta as oportunidades reprodutivas dos indivíduos retirados do manguezal e dispostos nos viveiros, ajudando a recompor os bancos naturais. Atualmente, apenas 40% da produção total de ostras de Cananéia são provenientes de viveiros de “engorda”, sendo o restante da produção 28 proveniente do extrativismo (MACHADO, 2009; MACHADO; FAGUNDES; HENRIQUES, 2013; COLLAÇO; SARTOR; BARBIERI, 2015). Economicamente, para o município de Cananéia, a maricultura gera impacto positivo, uma vez que os produtores, apesar de na maioria das vezes não terem essa atividade como única fonte de renda, aumentam seus rendimentos, melhorando, assim, sua qualidade de vida, principalmente nas ocasiões do defeso de espécies tradicionalmente pescadas (BARBIERI et al., 2014). Dentre as comunidades que exploram comercialmente a ostra, se destaca a comunidade Mandira, que está localizada na parte continental do município de Cananéia e é composta por cerca de 70 pessoas distribuídas em 18 famílias, que exploram a ostra, sua principal fonte de renda, desde os anos 70, quando a agricultura tradicional e o extrativismo vegetal, passaram a ser constrangidas pelas leis ambientais. No ano 2002, cerca de 1200 ha de mangue utilizados pela comunidade Mandira foram transformados em Reserva Extrativista (Resex), isto é, uma unidade de conservação de uso sustentável, com utilização permitida às populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo ou em outras atividades de baixo impacto e visa assegurar os meios de vida destas populações e o uso sustentável dos recursos naturais (BRASIL, 2002; MACHADO, 2009; MACHADO; FAGUNDES; HENRIQUES, 2013). A criação do Resex na comunidade Mandira conecta-se diretamente ao fato de que em paralelo ao crescimento da maricultura, aumenta a cada dia a consciência de que, para o desenvolvimento responsável e sustentável dessa atividade, é necessário um cuidadoso planejamento participativo quanto ao ordenamento dos cultivos e um criterioso manejo destes, de forma a prevenir e reduzir os impactos ambientais e socioeconômicos na região, uma vez que as regiões litorâneas são, em geral, extremamente vulneráveis a ações com pouco ou nenhum planejamento, devido ao crescente aumento da população residente, à grande variação da população flutuante e à ampla variedade de atividades econômicas desenvolvidas nessas áreas, como as pesqueiras, as portuárias e o turismo (BARBIERI et al., 2014). 3.4 MOLUSCOS BIVALVES: CARACTERÍSTICAS E PERIGOS RELACIONADOS O termo ostra é comumente utilizado para denominar diversas espécies de moluscos bivalves dos gêneros Ostrea e Crassostrea, sendo mais aplicado àquelas espécies que pelo seu sabor e conteúdo de carne, são empregadas em larga escala na alimentação humana (LOURENÇO et al., 2006). 29 Pertencentes ao Filo Mollusca, grupo dividido em seis classes que incluem distintos animais como bivalves, cefalópodes e gastrópodes, que possui mais de 120 mil espécies viventes, sendo superado somente pelos insetos e nematódeos quanto à diversidade de animais, classe Bivalvia, possui animais distribuídos em distintos ambientes aquáticos alcançando grande diversidade nas regiões costeiras. Esses animais possuem os corpos comprimidos lateralmente e as partes moles do corpo encontram-se completa ou parcialmente encerradas em uma concha calcária, composta por duas valvas articuladas unidas por ligamentos e músculos adutores. As brânquias dos animais desta classe são bem desenvolvidas e especializadas tanto para a alimentação, quanto para a respiração (HELM; BOURNE; LOVATELLI, 2004; POLI et al., 2004; BAQUEIRO-CÁRDENAS et al., 2007). Os moluscos bivalves podem ser encontrados tanto em água salobra como em água doce. No entanto, são maioritariamente marinhos, bênticos infaunais ou epifaunais, alimentando-se por filtração da água, graças ao movimento ciliar de células das brânquias. Apresentam-se geralmente como suspensívoros e micrófagos que ingerem por filtração o plâncton e a grande diversidade de material particulado suspenso na água ou como detritívoras ou sedimentívoras, que ingerem o material orgânico em decomposição que está sedimentado no substrato onde habitam. (POLI et al., 2004; BERGONCI, 2005). Os moluscos bivalves são organismos sedentários que devido às características fisiológicas do seu processo de alimentação, no qual são capazes de filtrar grandes volumes de água (de 5 até 20 litros por hora), com a finalidade de reter e concentrar as partículas em suspensão (fitoplâncton) presentes na água podem acumular, nos seus tecidos comestíveis, níveis muito mais altos do que os encontrados no ambiente aquático, não só de nutrientes, mas também de outras partículas, substâncias e microrganismos, os quais podem potencialmente provocar agravos à saúde de seres humanos (LEES, 2000; GOSLING, 2003; KOOPMANS; DUIZER, 2004). O bivalve primitivo era consumidor seletivo do material depositado no sedimento, coletando as partículas do substrato através dos tentáculos palpares. As brânquias no seu estado mais primitivo tinham função respiratória, e minoritariamente alimentar, a característica mais marcante na evolução dos bivalves é a modificação da estrutura deste órgão. À medida que o novo sistema branquial se desenvolve, a corrente ventilatória passa a filtrar partículas em suspensão, incorporando-as como alimento. Atualmente, esses animais captam o alimento da água que flui atrás da cavidade do manto pelas brânquias, as quais se apresentam pregueadas, alongadas e ciliadas, capazes de concentrar o material particulado. A seleção se dá por tamanho (tipicamente entre 1 μm e 7 μm dependendo da espécie) e também por critérios bioquímicos e de palatabilidade. A triagem seletiva das partículas durante o mecanismo de alimentação ocorre paralelamente em diferentes órgãos e se inicia pela retenção nas brânquias, seguida da triagem nas mesmas ou nos palpos labiais, que 30 rejeitam as partículas não selecionadas, via pseudofezes e, por fim, a partícula é absorvida no estômago (Figura 5) (BEECHAM, 2008; GALVÃO et al., 2009). Figura 5: Visão simplificada do processo de absorção de partículas pelos bivalves. (Adaptado de BEECHAM, 2008) Desta forma, como a fonte de alimento destes animais é reconhecida como substrato de adsorção para os contaminantes químicos e biológicos, como os vírus, o material particulado atua como via de transferência destes para a biota que pode acumular nos seus tecidos, especialmente no tecido digestivo (estômago, intestino e divertículo digestivo) (Figura 6) concentrações de 100 a 10.000 vezes superiores às verificadas na água. (BEECHAM, 2008; GALVÃO et al., 2009; MCLEOD et al., 2009). 31 Figura 6: Características anatômicas da ostra. Imagem superior indicando em (A) o tecido digestivo que foi alvo desse estudo para pesquisa de vírus e em (B), (D) e (E) o músculo adutor, brânquias e palpos labiais, respectivamente (Acervo pessoal do autor, Alvarenga A.R., 2015). Na Imagem inferior uma representação esquemática das principais estruturas anatômicas de uma ostra. (Adaptado de MCLEOD et al, 2009) Desta forma, bivalves marinhos possuem características especialmente interessantes para avaliar as concentrações ambientais dos contaminantes: ocorrem em estuários e zonas costeiras; são sésseis, o que não lhes permite escapar da poluição se deslocando para outras áreas; possuem tempo de vida relativamente longo, o que permite estudos de longo prazo; ampla distribuição geográfica, facilitando a intercomparação dos dados obtidos de regiões diferentes; aparecem frequentemente em alta densidade e são de fácil coleta; acumulam concentrações de contaminantes em seus tecidos acima do encontrado na fonte de contaminação, sem efeitos tóxicos; etc (GALVÃO et al., 2009). Assim, como consequência de seu crescimento em áreas costeiras onde esgoto não tratado ou tratado inadequadamente é despejado, os moluscos são capazes de concentrar microrganismos durante a filtração da água (LA ROSA; FRATINI; SPURI VENNARUCCI; et al., 2012; NIETO; LÓPEZ; ESPIGARES, 2013). Como agravante, várias espécies de moluscos bivalves são consumidas preferencialmente cruas ou vivas (ostras) ou malcozidas (mexilhões), o que as leva a uma categoria de alimentos de alto risco que exigem medidas de controle adequadas para eliminar 32 ou reduzir para níveis aceitáveis os perigos biológicos, químicos e físicos. Além disso, a distribuição de produtos crus congelados tem prolongado o período de oferta para consumo de moluscos bivalves contaminados (WEBBY et al., 2007; LEE; LOVATELLI; ABABOUCH, 2010). Os principais perigos relacionados aos moluscos bivalves estão associados a microrganismos – bactérias e vírus – contaminantes do ambiente aquático; a organismos que estão naturalmente presente no meio marinho, como víbrios marinhos patogênicos e biotoxinas produzidas por certas algas unicelulares e ainda aos contaminantes químicos, como os metais pesados, praguicidas, organoclorados, ou substâncias petroquímicas que constituem um perigo potencial em algumas áreas, porém não existem provas de que estes últimos representem um problema significativo (LEE; LOVATELLI; ABABOUCH, 2010). Ainda nesse sentido, Hernroth et al. (2002) descrevem que as intoxicações humanas relacionadas ao consumo de moluscos bivalves estão ligadas a estes animais quando contaminados por produtos químicos e biotoxinas, provenientes, respectivamente, de efluentes industriais e resíduos agrícolas e de áreas com elevada floração de algas. Enquanto que as infecções humanas estão relacionadas ao consumo de moluscos bivalves contaminados por protozoários, vírus e bactérias, que podem ter sua origem em descargas de esgotos domésticos e vazamentos de tanques sépticos, entre outras. (HERNROTH et al., 2002) Em um contexto mundial, os principais perigos associados ao consumo de moluscos derivam da contaminação microbiológica das águas onde são criados. Esta contaminação está diretamente relacionada com a contaminação do meio aquático, sendo que as atividades humanas e as alterações climáticas são os principais fatores que podem alterar a qualidade da água, as quais uma vez poluídas ocasionam agravos à saúde da população (FLEMING et al., 2006; LEE; LOVATELLI; ABABOUCH, 2010). As Tabelas 1 e 2 a seguir foram adaptados de Lee et al. (2010) e descrevem, respectivamente, os principais perigos associados ao consumo de moluscos bivalves e as causas microbianas das enfermidades, em seres humanos, associados ao consumo desses animais. 33 Tabela 1: Perigos associados ao consumo de moluscos bivalves Tipo de Perigo Tipo de Agente Contaminante Salmonella spp., Shigella spp., Vibrio parahaemolyticus, Vibrio Bactérias vulnificus, Vibrio cholerae, Campylobacter spp., Listeria Infecções monocytogenes Vírus Norovírus e HAV Química Metais pesados: Hg, Cd, Pb. Orgânicos: Dioxinas, Bifenilas policloradas (PCB), Hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAH), praguicidas Biotoxinas Toxina paralisante dos moluscos (PSP), Toxina diarreica dos moluscos (DSP), toxina amnésica dos moluscos (ASP), Neurotoxina dos moluscos (NSP) Intoxicações (Adaptado de LEE, et al., 2010). 34 Tabela 2: Causas microbianas das enfermidades associadas ao consumo de moluscos bivalves. Período de incubação Duração Sinais Clínicos Fonte principal de contaminação dos moluscos Salmonella typhi e S. paratyphi 7 a 28 dias, em média 14 dias S.typhi: Até 4 semanas, S. paratyphi: 2-3 semanas Mal-estar, cefaleia, febre, tosse, náuseas, vômitos, constipação, dor abdominal, calafrios, erupções cutâneas, fezes com sangue Fezes humanas/ esgoto Outras Salmonellas 6 a 72 horas, em média 18 a 36 horas 4-7 dias Dor abdominal, diarreia, calafrios, febre, náuseas, vômitos, mal-estar Fezes humanas/ esgoto ou esterco de aves/chorume Campylobacter 2 a 7 dias 3-6 dias Diarreia (geralmente com sangue), dor abdominal, febre, anorexia, mal-estar, cefaleia, vômitos Esterco de animais/aves/ chorume Shigella 24-72 horas 5-7 dias Dor abdominal, diarreia, fezes com sangue e muco, febre Fezes humanas/esgoto Vibrio parahaemolyticus 2 a 48 horas, em média 12 horas 2-14 dias, em média 2,5 dias Dor abdominal, diarreia, náuseas, vômitos, febre, calafrios, cefaleia Ambiente Marinho Vibrio vulnificus < 24 horas 2-3 dias Mal-estar, calafrios, febre, prostração, lesões cutâneas, mortalidade Ambiente Marinho Vibrio cholerae sorotipos O1 e O139 1-5 dias, geralmente 2-3 dias 2-5 dias Diarreia abundante e aquosa, fezes em “água de arroz”, vômitos, dor abdominal, desidratação Fezes humanas/ esgoto Vibrio cholerae não-O1/não O139 2 a 3 dias Até 1 semana Diarreia aquosa (de fezes amolecidas a diarreia colérica) Ambiente Marinho Norovírus 1-3 dias, em média 36h 20 a 72 horas Diarreia, náuseas, vômitos, dor abdominal, cólicas abdominais Fezes humanas/ esgoto Vírus da Hepatite A 10 a 50 dias, em média 25 dias 10 a 30 dias (10% dos infectados 6-9 meses) Febre, mal-estar, cansaço, anorexia, náusea, dor abdominal, icterícia Fezes humanas/ esgoto Astrovírus 1 a 2 dias 48 a 72 horas Diarreia, algumas vezes acompanhada por um ou mais sintomas entéricos Fezes humanas/ esgoto Microrganismos Bactérias Vírus (Adaptado de LEE, et al., 2010) 35 O incremento no consumo global de produtos do mar tem conduzido a um aumento da distribuição internacional do pescado e também vem sendo observado o crescimento no número de surtos de doenças transmitidas por alimentos associados com peixes e bivalves, o que pode estar relacionado à melhoria da vigilância, mas que tem implicações internacionais para investigações de surtos (WEBBY et al., 2007). Dados do CDC – “Centers for Disease Control e Prevention” – (2013) apontam o pescado como uma commodity muito importante nas doenças transmitidas por alimentos e destaca que moluscos bivalves são altamente relacionados aos casos de viroses veiculadas por alimentos em especial as relacionadas aos norovírus. (CDC, 2013) 3.5 VÍRUS ENTÉRICOS Os vírus são microorganismos muito pequenos, variando em tamanho de 15 a 400°nm e são capazes de causar uma grande variedade de doenças em plantas, animais e seres humanos. Estas infecções não ocorrem ao acaso e cada grupo de vírus tem a sua própria gama de hospedeiros e tropismo celular. Os vírus podem ser transmitidos de várias maneiras:por perdigoto, pela contaminação com amostras de fezes de uma pessoa infectada com um vírus intestinal, por relações sexuais, por contato com o sangue de pessoas infectadas com o vírus transmitido por via sanguínea, pelo contato com animais infectados com vírus zoonóticos, ou por vetores, como mosquitos ou carrapatos (arbovírus). Os vírus mais relevantes em infecções de origem alimentar são aqueles que infectam as células que revestem o trato intestinal e são excretados através das fezes ou do vômito (KOOPMANS; DUIZER, 2004). Esses vírus são genericamente denominados de vírus entéricos que engloba um grande e variado grupo de vírus transmitidos por via fecal-oral e que primariamente infectam e se replicam no trato gastrintestinal do hospedeiro, com consequente eliminação fecal de partículas virais (FONG; LIPP, 2005). São geralmente vírus não envelopados, o que lhes confere uma elevada estabilidade frente a potenciais inativadores como temperatura, dessecação, detergentes e ácidos, isto porque seu revestimento primário é composto de proteínas, ao contrário dos vírus envelopados que possuem primariamente uma membrana lipídica, que é facilmente destruída pelo calor, ácidos, detergentes, solventes e secagem uma vez que o envelope viral se mantém estruturado somente em meio aquoso, o que os leva a serem geralmente transmitidos em fluidos, gotículas respiratórias e sangue, tendo em vista que a maioria não resiste às 36 condições adversas do trato gastrointestinal (BOZKURT; D’SOUZA; DAVIDSON, 2015).(BOZKURT; D'SOUZA; DAVIDSON, 2015) No ambiente, vírus entéricos podem sobreviver sob uma ampla faixa de pH (3 a 10) e durante longos períodos a baixas temperaturas. Em água do mar permanecem infectantes por até 130 dias, por até 120 dias em água doce e esgoto, e por até 100 dias em solo com temperatura entre 20 a 30°C. Estes períodos de sobrevivência superam os relatados para coliformes fecais e outras bactérias indicadoras em ambientes similares (FONG; LIPP, 2005). Possuem ainda características epidemiológicas que podem representar um importante risco para saúde pública como: são patógenos espécie-específicos e não replicam no ambiente fora do hospedeiro; sua dose infectante é baixa (<101-103); são eliminados, por longos períodos, quantidades de partículas virais extremamente elevadas nas fezes (105-1011) e no vômito (107); ocorre eliminação de partículas virais em períodos assintomáticos prolongados (3-4 semanas) e são ácido-resistentes (KOOPMANS; DUIZER, 2004; GIBSON, 2014; KOTWAL; CANNON, 2014). Vírus entéricos podem estar presentes naturalmente em ambientes aquáticos ou, mais comumente, são introduzidos através de atividades humanas, tais como vazamento de esgoto e sistemas sépticos, escoamento urbano, escoamento agrícola, e, no caso dos estuários e oceanos, emissários de esgoto e descargas de águas residuais de navios. Em grandes quantidades no efluente bruto e com as práticas atuais de tratamento que não eliminam completamente estes agentes, os vírus se tornam poluentes ambientais e na água o destino dos patógenos entéricos pode assumir múltiplas rotas que originam diversas vias de transmissão. Esses vírus podem ser transportados no ambiente através de águas subterrâneas, águas estuarinas, água do mar, rios, aerossóis emitidos a partir de estações de tratamento de esgoto, água insuficientemente tratada, água potável e poço e chegar até o homem por meio de moluscos bivalves cultivados em águas contaminadas, de cultivo de alimentos realizados com irrigação com água contaminada e/ou fertilizados com dejetos, águas recreacionais contaminados por esgoto, água potável contaminada e ainda pelo contato direto pessoa a pessoa e pelo contato com superfícies contaminadas (Figura 7) (FONG e LIPP 2005, BOSCH 1998, BOZKURT, D'SOUZA, DAVIDSON 2015). .(BOSCH, 1998; FONG; LIPP, 2005; BOZKURT; D'SOUZA; DAVIDSON, 2015). 37 Figura 7: Rotas de transmissão de vírus entéricos (Adaptado de BOSCH, 1998). No meio hídrico, estes vírus podem ainda se associar a sólidos em suspensão e posteriormente acumular-se nos sedimentos, onde eles persistem mais tempo do que na coluna de água e desta forma, os sedimentos funcionam como um reservatório a partir do qual os vírus são ressuspendidos na coluna de água por diversos fenômenos naturais ou artificiais, permitindo a manutenção do ciclo (BOSCH, 1998). As infecções humanas por vírus entéricos são frequentemente assintomáticas, mas também podem induzir vários quadros clínicos sintomáticos, tais como gastroenterites, doenças respiratórias, hepatite, conjuntivite e doenças do sistema nervoso central, sendo ainda possível apresentar um alto risco de morbidade e mortalidade em populações de alto risco, como crianças, pacientes imunodeprimidos e idosos (LA ROSA; FRATINI; DELLA LIBERA; et al., 2012; PREVOST et al., 2015). Esse amplo espectro clínico está relacionado a diversidade de vírus que está inserida no grupo dos vírus entéricos. Grupo que pode ser dividido em três grupos principais de acordo com o tipo de doença produzida: vírus que causam gastroenterite (astrovírus, rotavírus, norovírus, adenovírus entérico); vírus da hepatite transmitidos por via fecal-oral (vírus da hepatite A e vírus da hepatite E) e vírus que replicam no intestino humano, mas que causa doença após migrar para outros órgãos, tal qual sistema nervoso central (enterovírus) (KOOPMANS et al., 2002; KOOPMANS; DUIZER, 2004). Os vírus entéricos são atualmente reconhecidos como os principais patógenos envolvidos em doenças transmitidas por água e alimentos, tanto em países desenvolvidos, 38 quanto nos em desenvolvimento (BELLOU; KOKKINOS; VANTARAKIS, 2013; ARTHUR; GIBSON, 2015; PREVOST et al., 2015). Alimentos em situação de risco para a presença de vírus entéricos incluem aqueles sujeitos principalmente à manipulação, tais como vegetais folhosos, itens de delicatessen, e outros alimentos prontos-para-comer que não sejam objeto de tratamento posterior, e aqueles sujeitos a contaminação ambiental, tais como frutos do mar e produtos frescos (BOZKURT; D'SOUZA; DAVIDSON, 2015). Evidências epidemiológicas sugerem que os vírus entéricos humanos são os patógenos mais comuns transmitidas por moluscos bivalves (LEES, 2000; BELLOU; KOKKINOS; VANTARAKIS, 2013). Moluscos bivalves concentram passivamente partículas virais durante o processo de filtração de água e ao contrário de espécies bacterianas entéricas, vírus entéricos persistem em moluscos por um período de tempo prolongado e esta persistência parece resultar em seu impacto significativo na saúde pública. Os vírus são principalmente concentrados no tecido pancreático, também chamado divertículo digestivo e essa acumulação depende de fatores como temperatura da água, produção de muco, conteúdo de glicogênio no tecido conjuntivo e desenvolvimento gonadal (MAALOUF; POMMEPUY; LE GUYADER, 2010). Surtos de doenças virais transmitidas por moluscos bivalves têm ocorrido em muitos países apesar das estratégias existentes para evitar a contaminação de áreas de cultivo desses animais. O tipo mais frequente de molusco bivalve consumido que estava envolvido em surtos foram as ostras (58,4%) e os patógenos virais mais comuns envolvidos foram norovírus (83,7%) e vírus da hepatite A (12,8%) (MAALOUF; POMMEPUY; LE GUYADER, 2010; BELLOU; KOKKINOS; VANTARAKIS, 2013; GIBSON, 2014). 3.5.1 Vírus da Hepatite A A hepatite A, que representa um grande problema de saúde em todo o mundo, é causada pelo vírus da hepatite A (HAV), o qual pertence a família Picornaviridae que inclui os géneros Rhinovirus, Cardiovirus, Enterovirus, Aphthovirus e Hepatovirus, sendo o HAV o único membro do gênero Hepatovirus (VAUGHAN et al., 2014; BOZKURT; D'SOUZA; DAVIDSON, 2015). O HAV é um vírus não-envelopado, com 27 a 32 nm de diâmetro, de formato icosaédrico no qual o capsídeo é composto por 12 pentâmeros cada um consistindo de 5 copias de VP1, VP2 e VP3. Seu material genético é composto por uma única fita de RNA de 39 polaridade positiva com aproximadamente 7,5kb, com uma única sequência aberta de leitura (ORF), que é precedida por uma região não traduzível (UTR) 5’ e seguida por uma 3’-UTR com uma pequena cauda poli A. A ORF é dividida em três regiões (P1, P2, P3) e codifica uma poliproteína) (DEBING; NEYTS; THIBAUT, 2014; VAUGHAN et al., 2014; BOZKURT; D'SOUZA; DAVIDSON, 2015). A região P1 é traduzida em três proteínas estruturais do capsídeo viral (VP1, VP2 e VP3) e na VP4 a qual é essencial para formação do virion, mas não está presente na partícula madura. As proteínas estruturais são clivadas pela protease viral 3C, que é codificada na região P3, que também codifica as proteínas 3A, 3B e 3D. As proteínas não estruturais são processadas a partir das regiões P2 e P3 e são necessárias para síntese do RNA e montagem do virion (VAUGHAN et al., 2014; BOZKURT; D'SOUZA; DAVIDSON, 2015). Com base na caracterização molecular da VP1 um único sorotipo de HAV é descrito sendo este dividido em sete genótipos (I-VII). Os genótipos G1, G2, G3 e G7 estão relacionados à humanos e os demais aos símios. O genótipo mais prevalente em humano é o G1 (DEBING; NEYTS; THIBAUT, 2014; BOZKURT; D'SOUZA; DAVIDSON, 2015). O HAV possui ciclo entero-hepático que envolve inicialmente a entrada oral do vírus, seguida da sua adsorção e replicação inicial nas células do estômago/intestino e a partir daí atinge a corrente sanguínea, para finalmente chegar ao fígado, onde penetra nos hepatócitos interagindo com um receptor presente na superfície da célula (HAVCR1). Após replicação nos hepatócitos, o vírus é liberado através do canalículo biliar para o intestino e para fora do corpo nas fezes (PINTÓ et al., 2012; VAUGHAN et al., 2014). Nos casos de infecção sintomática, o aparecimento de sintomas se dá de forma abrupta e começa geralmente 28 dias após a exposição, num período de incubação que pode variar de 15 a 50 dias e os sinais clínicos duram ao longo de 5 semanas. Os sinais e sintomas de infecção podem incluir náuseas, vômitos, diarreia, urina escura, icterícia, febre, dor de cabeça, perda de peso, e dor abdominal. Entre os sinais clínicos, os aumentos na atividade da ALT sérica são notáveis e a resposta imunológica inclui resposta humoral com IgM e IgG anti-HAV e, embora a resposta de IgM seja normalmente de curta duração, a imunidade conferida pela IgG anti-HAV permanece ao longo da vida (MATHENY; KINGERY, 2012; PINTÓ et al., 2012). Em relação à evolução dos títulos virêmicos de HAV, estes se desenvolvem antes do início dos sintomas e permanecem até 3 semanas após este início, atingindo picos de aproximadamente 106 cópias genômicas por mililitro de soro. Do mesmo modo, a eliminação do vírus nas fezes ocorre antes do aparecimento dos sintomas permanecendo até, aproximadamente, 3 semanas após o início, com picos de até 1011 cópias genômicas por grama de fezes (PINTÓ et al., 2012). 40 O vírus excretado em grandes quantidades nas fezes de pessoas infectadas pode contaminar o solo, água (doce ou água do mar) e alimentos, incluindo moluscos bivalves (mexilhões e ostras) provenientes de água contaminada o que servirá de fonte de infecção para indivíduos susceptíveis (LA ROSA; FRATINI; DELLA LIBERA; et al., 2012). Soma-se a isso, a dose infectante muito baixa (10 a 100 partículas de vírus) do HAV que contribui para a propagação do vírus na população (BOZKURT; D'SOUZA; DAVIDSON, 2015). A ausência de envelope viral garante estabilidade no ambiente, conferindo um elevado grau de resistência a baixo pH e temperatura, especialmente quando associado com a matéria orgânica. O vírus pode se manter viável por até 60 dias em água corrente, por 6 semanas na água de rios, por 8 semanas em lençóis freáticos e até 30 semanas na água do mar, características que potencializam a transmissão fecal-oral e a transmissão através da água e alimentos contaminados com fezes (LA ROSA; FRATINI; DELLA LIBERA; et al., 2012; VAUGHAN et al., 2014). Estima-se que cerca de 1,4 milhões de novos casos de infecções por vírus da hepatite A (HAV) ocorrem anualmente no mundo com 11-22% requerendo hospitalização. A gravidade e o curso clínico da infecção pelo HAV estão fortemente relacionados com a idade no momento da infecção. Nos países em alta endemicidade, quase todos os indivíduos são infectados na infância, quando a infecção é principalmente assintomática e a imunidade duradoura permanece protetora na vida adulta. Contudo, em países de baixa endemicidade, a taxa de incidência é muito baixa e poucos indivíduos são infectados na infância, por isso a maioria das crianças e muitos adultos permanecem suscetíveis à infecção que ocorre principalmente como consequência de viajar para regiões endêmicas, ter práticas sexuais de risco ou consumir água ou alimentos contaminados. Sendo, nessa situação (infecção não infantil), maior o risco de desenvolver infecção sintomática pelo HAV, podendo até mesmo conduzir à insuficiência hepática aguda e morte, embora em raras ocasiões, com as taxas de mortalidade atingindo 1,8% entre aqueles com mais de 60 anos de idade (JACOBSEN; WIERSMA, 2010; PINTÓ et al., 2012; MELHEM et al., 2014). Além disso, a taxa de incidência HAV está fortemente associada com indicadores socioeconômicos e de acesso à água potável onde o aumento da renda e do acesso a água potável diminuem a incidência do HAV (MELHEM et al., 2014). A Infecção pelo HAV é altamente endêmica em regiões em desenvolvimento, onde as práticas de tratamento de esgoto e de higiene podem ser menores enquanto é muito menos frequente nas regiões desenvolvidas (LA ROSA; FRATINI; DELLA LIBERA; et al., 2012; MELHEM et al., 2014; VAUGHAN et al., 2014). Contudo, surtos de origem alimentar são predominantes tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento. Frutos do mar podem ser uma importante fonte de infecção, porque o esgoto é principalmente eliminado sem tratamento e 41 água e ostras, por exemplo, podem concentrar estes vírus e, quando as pessoas ingerem esses alimentos crus ou malcozidos correm o risco de desenvolver infecção pelo HAV (TAHAEI, MOHEBBI, ZALI 2012). Têm sido relatados muitos surtos de vírus da hepatite A em todo o mundo associados ao consumo de moluscos bivalves (LEES, 2000). (TAHAEI; MOHEBBI; ZALI, 2012) 3.5.2 Norovírus O norovírus humano (HuNoVs), previamente descrito como vírus Norwalk, foi inicialmente identificado em amostras de fezes coletadas durante um surto de gastroenterite em Norwalk em Ohio, Estados Unidos da América e foi o primeiro agente viral demonstrado como causa de gastroenterite (ROBILOTTI; DERESINSKI; PINSKY, 2015). Atualmente os HuNoVs são a causa mais comum de gastroenterites epidêmicas e a principal causa de doenças transmitidas por alimentos. HuNoVs são responsáveis por aproximadamente 50% de todos os surtos de gastroenterite reportados nos Estados Unidos da América e nos países da Europa (DESAI et al., 2012). Pertencentes a família Caliciviridae que engloba vírus pequenos, não-envelopados com genoma em fita simples de RNA com polaridade positiva e que é constituída por cinco gêneros, incluindo Norovirus, Sapovirus, Lagovirus, Nebovirus, e Vesivirus, dos quais somente os dois primeiros causam gastroenterites em humanos, os norovírus são divididos em seis genogrupos (GI-GVI), baseados na sequência da principal proteína do capsídeo VP1. Os genogrupos GI, GII e GIV infectam humanos causando gastroenterites agudas, enquanto os genogrupos GII, GV e GVI, infectam animais(THORNE; GOODFELLOW, 2014). Os três genogrupos que infectam humanos são ainda subdivididos em genótipos, definidos com base na sequência da RNA polimerase dependente de RNA ou da sequência do capsídeo, sendo 11 genótipos definidos para os GI, 22 para o GII e apenas dois para o GIV e segundo dados epidemiológicos o genótipo 4 do GII (GII.4) é o mais prevalente nos surtos ao redor do mundo (MORILLO; TIMENETSKY, 2011; THONGPRACHUM et al., 2016). Os HuNoVs são vírus RNA não-envelopados com cerca de 27 a 38 nm de diâmetro, com simetria icosaédrica e seu genoma é composto de fita simples de polaridade positiva variando em tamanho de 7,4 para 8.3 kb e ligado covalentemente a proteína do genoma viral (VPg) na extremidade 5’ e poliadenilado na extremidade 3’. Este genoma contém três ORFs denominadas, ORF-1, ORF-2, e ORF-3 que codificam oito proteínas estruturais e não estruturais. A ORF-1 é a maior e codifica seis proteínas não estruturais (NS): p48 (responsáveis pela replicação), NTPase (trifosfatase nucleósidica), p22 (precursora na via de processamento proteolítico), VPg (proteína viral que se liga à extremidade 5' para iniciar a 42 tradução), 3CLpro (protease), e de RdRp (RNA polimerase dependente de RNA) que são proteoliticamente processadas pela protease cisteína viral (Pro). As ORF-2 e ORF-3 codificam os componentes estruturais do vírus, proteína viral 1 (VP1) e VP2, respectivamente (ROBILOTTI, DERESINSKI, PINSKY 2015, BOZKURT, D’SOUZA, DAVIDSON 2015).(BOZKURT; D'SOUZA; DAVIDSON, 2015; ROBILOTTI; DERESINSKI; PINSKY, 2015) No hospedeiro humano é sabido que os HuNoVs se ligam as células epiteliais intestinais por meio de receptores, mas seu local de replicação não foi ainda estabelecido, embora se assuma que seja no intestino delgado (BOZKURT, D’SOUZA, DAVIDSON 2015). Além disso, a base patológica da causa da diarreia também não é clara uma vez que o epitélio intestinal parece permanecer intacto durante a infecção e se sugere que a diarreia é causada por alterações nos processos secretório/absortivos do órgão (KARST; ZHU; GOODFELLOW, 2015). A infecção com HuNoVs geralmente tem um início súbito após um curto período de incubação de 1 a 2 dias. Os sintomas são variáveis e podem incluir diarreia, náuseas, vómitos (em> 50% dos casos), cólicas abdominais, e mal-estar. A duração dos sintomas é geralmente inferior a 7 dias, em torno de 2 dias. Na maioria dos casos, a excreção do vírus nas fezes dura cerca de 1 a 2 semanas, mas pode ser mais longo, dependendo do vírus e do hospedeiro. As fezes diarreicas são geralmente aquosas ou amolecidas, sem sangue ou muco, e leucócitos estão tipicamente ausentes. A doença é autolimitada em indivíduos bem nutridos com sistema imunológico normal. Infecções assintomáticas ou doença leve são comuns, mas podem ocorrer doenças graves em crianças, idosos e imunocomprometidos, resultando em significativa morbidade. Diarreia crônica, excreção viral prolongada por meses, e aumento da mortalidade são vistos em pacientes imunodeficientes (BOZKURT; D'SOUZA; DAVIDSON, 2015; PANG; LEE, 2015; ROBILOTTI; DERESINSKI; PINSKY, 2015). A excreção viral prolongada nas fezes após recuperação clínica, somada a quantidade vital excretada (108 a 1010 cópias de RNA por grama de fezes) e baixa dose infectante (< 20 partículas virais) proporcionam ao HuNoVs forte patogenicidade (MORILLO; TIMENETSKY, 2011). Além dessas importantes características, destaca-se sua elevada resistência às condições ambientais adversas que permite que o vírus permaneça infectante por semanas ou meses no ambiente, tendo sido descrita a persistência por 1 a 3 meses em diferentes tipos de água (mineral, água de torneira e fluviais) e em condições de temperaturas que variam desde abaixo de 0°C a 60°C, aliados à sua resistência a desinfetantes comuns, a exemplo de sua resistência à cloração em concentrações de até 10ppm, favorecem a perpetuação desse vírus infeccioso nos ambientes (LA ROSA; FRATINI; SPURI VENNARUCCI; et al., 2012; KARST; ZHU; GOODFELLOW, 2015). 43 Desta forma, a via fecal-oral em consequência do contato pessoa a pessoa e da contaminação de alimentos, água ou fômites por fezes e/ou vômito de indivíduos infectados é a forma de transmissão mais comum. Os alimentos comumente implicados em surtos de HuNoVs incluem moluscos bivalves, vegetais frescos e frutas vermelhas, pois são consumidos crus e podem ser contaminados por HuNoVs através da água contaminada. Ainda é descrito como um relevante ponto de entrada na cadeia alimentar, a contaminação pelos manipuladores de alimentos infectados por HuNoVs (KARST; ZHU; GOODFELLOW, 2015). O consumo de moluscos bivalves crescendo em ambientes aquáticos impactados por efluentes de esgoto ou esgoto não tratado tem sido associado a numerosos surtos de gastroenterite causada por HuNoVs em todo o mundo (OKOH; SIBANDA; GUSHA, 2010). 3.6 BACTÉRIAS INDICADORAS DE CONTAMINAÇÃO E SEU MONITORAMENTO As bactérias do grupo coliforme têm sido utilizadas há vários anos na avaliação da qualidade microbiológica de amostras ambientais e atendem a vários dos requisitos de um bom indicador de contaminação fecal. A definição desses grupos de coliformes teve seus critérios baseados nas técnicas utilizadas para as análises e não o da taxonomia clássica. Assim, utiliza-se características tais como capacidade de fermentação da lactose em presença de agentes tensoativos, nas temperaturas de 35°C (coliformes totais) ou 44-45°C (coliformes termotolerantes), com formação de ácido, gás e aldeído para classificar os grupos (CETESB, 2008). Para serem considerados bons indicadores, os micro-organismos devem: ser de fácil distinção; estar associados com a fonte do agente patogênico e estar ausentes em áreas não poluídas; ocorrer em número correlacionável ou maior do que o agente patogênico; não devem multiplicar fora do hospedeiro; devem ser pelo menos tão resistentes à inativação natural e artificial como o agente patogênico, de preferência com uma sobrevivência levemente maior; devem ser detectáveis por meio de processos simples, rápidos e de baixo custo; e não devem ser patogénicos (BOSCH, 1998; FRANCO; LANDGRAF, 2008). Além das características anteriores, para serem considerados bons indicadores de contaminação fecal, é necessário que os micro-organismos tenham como habitat exclusivamente o trato gastrointestinal do homem e outros animais, e ocorram em grandes quantidades nas fezes, além se apresentarem alta resistência ao ambiente extra enteral (FRANCO; LANDGRAF, 2008). 44 As bactérias mais comumente usadas como indicadores de contaminação fecal são o grupo dos coliformes termotolerantes, Escherichia coli e os enterococos (TRAN; GIN; NGO, 2015). No entanto, o monitoramento para estes indicadores nem sempre é eficaz para determinar que as águas costeiras estão contaminadas com esgoto. Uma vez que algumas das bactérias que compõem o grupo de indicadoras de contaminação fecal podem passar a residir no ambiente e podem até mesmo multiplicar sob certas condições não estão assim, necessariamente ligadas a contaminação fecal (STEWART et al., 2008). Outro fato relevante é que a bactéria E. coli, que faz parte da microbiota intestinal do homem e de outros animais de sangue quente e por esse motivo, tem sido usada como indicadora de contaminação de origem fecal a fim de predizer a probabilidade de contaminação com patógenos bacterianos e virais tem tido sua eficácia como indicadora fecal questionada devido a fatores como o tempo de sobrevivência desse micro-organismo fora do trato intestinal e sua fraca correlação com vírus entéricos, principalmente em ambientes tropicais (SOUZA et al., 2014). A sobrevivência de bactérias fecais no ambiente aquático é determinada por vários fatores ambientais, como variações de temperatura, salinidade, níveis de oxigenação, irradiação ultravioleta e pluviosidade. Além dessas variáveis ambientais, a maré também tem grande influência na hidrodinâmica local, provocando a dispersão desses micro-organismos e consequentemente variando a sua densidade no ambiente (DOI; BARBIERI; MARQUES, 2014). A correlação entre presença de bactérias indicadoras e de diversos agentes patogênicos na água e nos moluscos bivalves tem sido bastante questionada. A concentração de micro-organismos nos moluscos filtradores varia de um animal para o outro e também depende de condições meteorológicas, da temperatura e da atividade geral do molusco (RAMOS et al., 2010). Os gêneros Escherichia, Enterobacter, Citrobacter e Klebsiella pertencem a família Enterobacteriaceae e compõem o grande grupo dos coliformes totais onde se enquadram as bactérias que possuem formato de bacilos, são Gram-negativas e não esporuladas, e no seu metabolismo fermentam a lactose, quando incubadas de 35-37° por 48 horas, com produção de gás. Desses gêneros, as bactérias que são capazes de fermentar a lactose com produção de gás, quando incubadas de 44-45° por 48 horas, correspondem ao grupo dos coliforme termotolerantes. Nessas condições, cerca de 90% das culturas de E. coli são positivas, enquanto nos demais gêneros, apenas algumas cepas de Enterobacter e Klebsiella mantém essa característica (FRANCO; LANDGRAF, 2008). Do grupo de coliformes termotolerantes somente a E. coli possui como habitat primário o trato intestinal do homem e animais, enquanto Klebsiella e Enterobacter podem ser encontradas também em outros ambientes, como vegetais e solo, onde persistem por tempo superior ao das bactérias patogênicas de origem intestinal. Portanto, não é absoluta a relação 45 direta da presença de coliformes termotolerantes em alimentos e água com a contaminação de origem fecal (SILVA; CAVALLI; OLIVEIRA, 2006). Embora já na década de 70 fossem conhecidas as limitações dos coliformes termotolerantes como indicadores da contaminação fecal de amostras ambientais, os métodos para identificação de E. coli eram ainda caros, complexos e demorados. Na década de 80, o desenvolvimento de métodos analíticos baseados na presença de enzimas de determinados grupos de micro-organismos, como por exemplo a ß-D-glicuronidase, que está presente em 95% das linhagens de E. coli, permitiu a análise específica dessa bactéria. No entanto, o uso do grupo dos coliformes termotolerantes como indicadores de contaminação fecal ainda vem sendo empregado. Isto se deve ao fato de que os coeficientes de correlação e de explicação comprovam a linearidade entre as concentrações de coliformes termotolerantes e E. coli, e pelo fato de a proporção de E. coli/coliformes termotolerantes, serem elevadas variando de 84% a 104% (CETESB, 2008). 3.7 CONTAMINAÇÃO POR METAIS PESADOS Uma das grandes preocupações ecológicas atuais refere-se ao impacto ambiental causado pela liberação antrópica de metais pesados nos diversos ambientes naturais, especialmente, naqueles de maior interação com a população humana (JESUS et al., 2004). Os metais pesados são elementos não-degradáveis que ocorrem naturalmente em áreas oceânicas e costeiras. Contudo, a degradação do ambiente marinho pode elevar a concentração desses elementos em níveis preocupantes. Para tanto, as principais fontes antrópicas desses metais são: água de drenagem agrícola contendo pesticidas e fertilizantes; efluentes das atividades industriais; despejo de esgoto e contaminação por petróleo, que carreiam, em geral para o ambiente marinho, quantidades variáveis de diferentes ânions inorgânicos e metais pesados (SHAHIDUL ISLAM; TANAKA, 2004; SAEED; SHAKER, 2008). A água oceânica é considerada como a última etapa do ciclo hidrológico dos metais aonde chega por três vias: contribuição continental pelos rios, entrada atmosférica e fontes hidrotermais. Uma vez na coluna d’água, os metais tendem a associar-se ao material particulado em suspensão, que posteriormente precipita-se e deposita-se no sedimento. Contudo, processos de remobilização abióticos e/ou bióticos, podem disponibilizar os metais do sedimento novamente para a coluna d’água. Assim, o material particulado em suspensão e o sedimento são, para os moluscos bivalves, as duas vias de exposição aos metais, tendo em vista seu mecanismo fisiológico de alimentação (GALVÃO et al., 2009). 46 A acumulação de metais pesados nos organismos marinhos pode afetar vários processos fisiológicos, incluindo inibição do crescimento, danos ao DNA, inabilidade de regeneração tecidual e alteração na reprodução e no desenvolvimento. Estas manifestações patológicas possuem como principais mecanismos de toxicidade: a capacidade dos metais tóxicos em causar distúrbios osmóticos e alterações de síntese e atividade de enzimas (MARQUES et al., 2010). Os efeitos tóxicos dos metais nos organismos estão associados com interferências nos processos metabólicos que envolvem constituintes sulfurados, uma vez que a maior parte dos metais pesados amplamente distribuídos (por exemplo, mercúrio, prata e cobre) possuem afinidades elevadas para o enxofre e tendem a ligar-se com grupos sulfidrila de proteínas e enzimas em seres vivos (SHAHIDUL ISLAM; TANAKA, 2004). Embora as fontes contaminantes de metais no ambiente marinho sejam numerosas e diversas, poucas evidências dos efeitos biológicos adversos conhecidos, largamente difundidos, são observadas, exceto para os riscos para a saúde humana pelo consumo de animais aquáticos contaminados com metais pesados (FLEMING et al., 2006). Tanto elementos essenciais quanto não essenciais são tóxicos aos organismos vivos, quando presentes em altas concentrações. Muitos metais pesados podem ser acumulados no organismo marinho até níveis que podem ser prejudiciais às pessoas que os consomem. A presença de metais pesados em peixes, crustáceos e ostras está associada a riscos em relação à saúde pública pelo fato destes contaminantes também se acumularem no ser humano (CAVALCANTI, 2003). Determinar as concentrações dos contaminantes nos organismos marinhos proporciona o conhecimento da biodisponibilidade dos metais nos diferentes ambientes, e permite avaliar de forma direta os riscos potenciais aos quais a população está exposta, principalmente através da alimentação (GALVÃO et al., 2009; DA SILVA FERREIRA et al., 2013). Nos moluscos bivalves, assim como para os demais animais aquáticos, cada tecido assume um papel diferenciado no metabolismo dos metais. As brânquias estão em contato direto com os metais presentes no meio circundante, sendo a principal interface para a incorporação destes elementos dissolvidos na água. Este processo é facilitado pelo muco presente na superfície do tecido, que concentra o metal e favorece a incorporação por um gradiente de difusão, desta forma este tecido é um indicador de exposição recente. Em contrapartida, as concentrações de metais encontradas no hepatopâncreas indicam um tempo prolongado de exposição, sendo este parâmetro recomendável para o biomonitoramento ambiental (GALVÃO et al., 2009). Os metais considerados tóxicos e que causam preocupação são, quase que exclusivamente, restritos aos dez que apresentam maior toxicidade para vida marinha. São 47 eles em ordem decrescente de toxicidade: mercúrio, cádmio, prata, níquel, selênio, chumbo, cobre, cromo, arsênio e zinco. Eles não são particularmente tóxicos como os elementos livres condensados, mas são perigosos para os seres vivos na forma de cátions, que possuem capacidade de se ligar com cadeias carbônicas curtas. Nesta forma, eles acumulam nos organismos marinhos e concentram-se ao longo dos anos (SHAHIDUL ISLAM; TANAKA, 2004). Alguns metais desempenham papel importante no metabolismo dos seres vivos e são tidos como metais essenciais (micronutrientes), podendo ser bioacumulados em concentrações elevadas, sem que o organismo indique sinal de toxicidade aparente. Exemplo disto é o zinco que é constitutivo de proteínas e enzimas e atua como cofator em várias metaloenzimas e proteínas reguladoras, incluindo a biossíntese e reparo do DNA e RNA. E ainda o ferro, o manganês e o cobre que participam de importantes processos metabólicos. Já para os metais sem função biológica conhecida, como o cádmio, as elevadas concentrações encontradas estão em três ordens de grandeza abaixo da observada para zinco (GALVÃO et al., 2009). O tributil-estanho (usado como um componente de tintas anti-incrustantes em barcos) e metil-mercúrio (formado pela metilação microbiana de mercúrio inorgânico) são dois compostos altamente tóxicos que foram responsáveis por incidentes de poluição marinha por metais pesados (FLEMING et al., 2006). O consumo de pescado é considerado a principal fonte de absorção de mercúrio por pessoas não ocupacionalmente expostas (CAVALCANTI, 2003). Esse metal quando lançado junto aos rejeitos industriais, acumula-se primariamente nos sedimentos que podem servir como uma fonte para a cadeia alimentar marinha. Este metal bioacumula e biomagnifica na cadeia alimentar aquática podendo ter efeitos adversos no organismo humano, incluindo nefro e neurotoxicidade (CAVALCANTI, 2003; FLEMING et al., 2006). O cádmio pode bioacumular no ambiente, incluindo o ambiente marinho, e sua absorção pelos seres humanos tem como maior risco a sua nefrotoxicidade (proteinúria e insuficiência renal), embora esse elemento seja considerado também um carcinógeno humano (FLEMING et al., 2006). O chumbo e o arsênio são metais altamente tóxicos, relacionados respectivamente com desenvolvimento neural deficiente em crianças e complicações hemorrágicas gastrointestinais. Contudo, não são conhecidas intoxicações por estes elementos relacionadas ao consumo de alimentos marinhos. Ambos, chumbo e arsênio, ocorrem em sedimentos marinhos como resultado de descarga industrial. Assim como o mercúrio, o arsênio pode ser convertido em uma forma metílica mais lipofílica e tóxica (FLEMING et al., 2006). 48 3.8 LEGISLAÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL DE CONTROLE HIGIÊNICOSANITÁRIO DE BIVALVES A regulamentação sanitária internacional relacionada aos controles de saúde pública e a produção comercial de moluscos bivalves foram iniciadas no princípio do século XX, especialmente na Europa e nos Estados Unidos da América, especialmente em virtude da febre tifoide relacionada ao consumo de moluscos bivalves (LEE; LOVATELLI; ABABOUCH, 2010). Na Europa, as zonas de produção são classificadas de acordo com o NMP de E. coli em 100g de carne de moluscos bivalves e de líquido intravalvar, como A (<230 E. coli em 100g) onde não é exigido tratamento para comercialização, B (<4.600 E. coli em 100g) onde é exigida depuração ou cozimento prévios à comercialização, C (<46.000 E. coli em 100g) onde é exigida a reinstalação em zona A por longo período ou cozimento prévio. A comercialização é PROIBIDA (>46.000 E. coli em 100g) (LEE; LOVATELLI; ABABOUCH, 2010; OLIVEIRA et al., 2011). Nos Estados Unidos da América os critérios de classificação de zonas de produção e retirada de moluscos bivalves se baseiam na contagem de coliformes totais e termotolerantes em 100 mL da água do cultivo e definem três zonas distintas: ZONA AUTORIZADA, onde não se requer tratamento para comercialização; ZONA RESTRITA, onde deve ser realizada a depuração ou reinstalação na zona autorizada e ZONA PROIBIDA, onde a retirada é proibida (LEE; LOVATELLI; ABABOUCH, 2010). Na cidade de Hiroshima no Japão, onde se concentra a maior parte da produção de ostras no país, estas quando destinadas ao consumo cru devem ser retiradas de águas onde o número mais provável de coliformes não exceda 70/100 mL de água do mar. Se a retirada for realizada em águas com contagem superiores, as ostras devem ser submetidas a depuração (LEE; LOVATELLI; ABABOUCH, 2010). No Brasil, a legislação referente ao controle de contaminação microbiológica em bivalves possui ramos em diferentes órgãos. A resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) n°. 357 de 2005, versa sobre a classificação e qualidade de água, fixando águas salinas e águas salobras destinadas à aquicultura e à atividade de pesca na Classe 1. Nesta classe, para o cultivo de moluscos bivalves destinados à alimentação humana, a média geométrica de coliformes termotolerantes, de um mínimo de 15 amostras coletadas no mesmo local, não deverá exceder 43 por 100 mL, e o percentual de 90% não deverá ultrapassar 88 coliformes termotolerantes por 100 mL e esses índices deverão ser mantidos em monitoramento anual com um mínimo de 5 amostras (BRASIL, 2005). 49 De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em sua resolução RDC n°. 12 de 2001, que versa sobre padrões microbiológicos de alimentos, os moluscos bivalves in natura, resfriados ou congelados, não consumidos crus devem ser negativos para Salmonella em 25g e apresentar no máximo 103 de Estafilococos coagulase positivo por grama. Contudo, não é estabelecido limite para coliformes termotolerantes, que são limitados somente para os moluscos bivalves cozidos, temperados e não industrializados, resfriados ou congelados, em 5x10 Coliformes a 45ºC por grama (BRASIL, 2002). De acordo com Evangelista-Barreto et al. (2008), a Portaria n°451 de 19 de setembro de 1997, que foi revogada e substituída pela resolução supracitada, especificava limites de NMP (Número Mais Provável) para coliformes de 102 por grama para pescados consumidos crus. Onde se enquadrariam os moluscos bivalves que, em geral, são consumidos sem qualquer tipo de tratamento. Por este fato, a resolução RDC n°12 da ANVISA possui caráter limitado na avaliação da qualidade microbiológica do alimento em questão. (EVANGELISTA-BARRETO; DE SOUSA; DOS FERNANDES VIEIRA, 2008) No entanto, no ano de 2012 foi publicada a Instrução Normativa Interministerial n°. 7 de 2012, que envolve a atuação do extinto Ministério da Pesca e Aquicultura e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que estabelece o Programa Nacional de Controle Higiênico-Sanitário de Moluscos Bivalves. O documento é dividido em dois anexos: o Anexo I estabelece as diretrizes para o monitoramento e controle de microrganismos contaminantes e biotoxinas marinhas em moluscos bivalves; e o Anexo II estabelece os requisitos de inspeção industrial e sanitária dos estabelecimentos de processamento de moluscos bivalves. Ainda em 2012, foi publicada a Portaria no 204 do extinto Ministério da Pesca e Aquicultura, que complementou o programa, estabelecendo a metodologia de coleta de moluscos e água para análises microbiológicas e de biotoxinas. Em 2013, o extinto Ministério da Pesca e Aquicultura publicou a portaria no 175, complementando a anterior com tabelas para interpretação dos resultados gerados pelo monitoramento (SOUZA et al., 2014). De acordo com o estabelecido na legislação, o monitoramento de micro-organismos contaminantes em bivalves deve ser realizado pela estimativa da densidade média de Escherichia coli em 100g da parte comestível dos animais (NMP/100g), e os resultados desse monitoramento devem orientar a retirada dos bivalves, que passou a ser definida como LIBERADA (NMP de E. coli em 100g da parte comestível dos bivalves <230); LIBERADA SOB CONDIÇÃO (NMP de E. coli em 100g da parte comestível dos bivalves >230 e <46.000) e SUSPENSA (NMP de E. coli em 100g da parte comestível dos bivalves >46.000) (BRASIL, 2012). 50 4 MATERIAL E MÉTODOS 4.1 DESENHO EXPERIMENTAL O desenvolvimento do presente trabalho foi iniciado em novembro de 2014 e concluído em maio de 2016 e compreendeu a colheita das amostras, as análises bacteriológicas, virais e de teores de metais pesado seguindo o fluxograma apresentado na Figura 8, abaixo Figura 8: Fluxograma das atividades experimentais desenvolvidas no presente trabalho. 51 4.2 METODOLOGIA 4.2.1 Definição e Processamento Inicial das Amostras O Município de Cananéia se destaca no estado de São Paulo como maior produtor de ostras, nele foram definidas quatro áreas de amostragem. A área da Reserva Extrativista do Mandira, local onde se concentra a maior parte da produção do município; a área da Ilha da Casca (ponto de colheita localizado mais ao sul) que possui exploração comercial; a área da Ponte Euclides Figueiredo (ponto de colheita localizado mais ao norte) e a região da Balsa Continente-Ilha de Cananéia, área sem exploração comercial, mas onde existe maior adensamento populacional. Para melhor compreensão do texto a partir desse momento, as áreas serão chamadas de Mandira; Ilha da Casca; Ponte e Balsa, respectivamente, e sua localização pode ser observada na Figura 9. Figura 9: Localização das áreas de colheita de amostras no Município de Cananéia (Fonte: Google, 2016) . Dada a definição das áreas de amostragem iniciou-se a colheita de amostras de cada um dos pontos. O período de colheita se estendeu de janeiro de 2015 a janeiro de 2016. A 52 colheita foi realizada com frequência inicialmente quinzenal e posteriormente mensal para cada uma das áreas. Para cada colheita foram retirados pelos menos 30 ostras adultas de tamanho comercial de cada ponto, o que compunha, então, a amostra de cada uma das áreas, que eram identificadas com a data de colheita seguida da área de amostragem, como por exemplo: 130115-Mandira. Cada uma das amostras foi acondicionada em sacos de malha plástica vazada. Posteriormente estes foram depositados individualmente em sacos plásticos que foram lacrados e acondicionados em caixa isotérmica de isopor, contendo gelo de água potável, e imediatamente transportados para o Laboratório de Bacteriologia Geral do Instituto Biológico, onde foi realizado o processamento inicial das amostras. O processamento inicial das amostras ocorreu sempre em um período não superior a 24 horas contados do momento de colheita. Assim, as ostras vivas e com as valvas firmemente fechadas eram lavadas em água corrente com auxílio de uma escova para remoção de sujidades. Após a lavagem de todos os exemplares que compunham a amostra, estes eram separados em três lotes distintos para posterior uso nas diferentes análises. O lote que compunha os exemplares destinados à análise bacteriológica recebia quantidade suficiente de moluscos bivalves para obtenção de uma massa total, após abertura, de 200g, a qual era obtida em média com 11 a 14 animais e, então, era processada imediatamente conforme método de análise bacteriológica estabelecido para o presente trabalho. Para as análises virais o lote separado era composto de 12 animais que foram imediatamente congelados inteiros para posterior processamento conforme método de análise viral estabelecido para o presente trabalho. Os animais restantes compunham o lote destinado a análises dos teores de metais pesados e foram igualmente congelados inteiros para posterior processamento e análises. 4.2.2 Análises Bacteriológicas (NEWZEALAND, 2013) As análises bacteriológicas foram realizadas em sua totalidade no Laboratório de Bacteriologia Geral do Instituto Biológico. Neste trabalho adotou-se, para realização de tais análises, a combinação do método descrito no manual do Ministério de Industrias Primárias da Nova Zelândia intitulado Método MPI para enumeração de Escherichia coli em moluscos bivalves do ingês “Enumeration of 53 Escherichia coli in Bivalve Molluscan Shellfish: MPI Method”, em sua nona versão, de 07 de fevereiro de 2013, que tem como base a ISO/TS 16649-3: 2005 e da metodologia descrita na Instrução Normativa SDA-MAPA no 62 de 2003 (BRASIL, 2003; NEWZEALAND, 2013). O princípio do método resultante desta combinação foi uma metodologia de enumeração de coliformes termotolerantes pelo Número Mais Provável (NMP) em um ensaio de dois estágios de cinco tubos em três diluições. Onde no primeiro estágio, uma etapa de enriquecimento seletivo, a amostra é inoculada em caldo lauril sulfato de sódio (LST). Este sal, um agente surfactante aniônico, confere seletividade ao meio uma vez que inibe o crescimento de microrganismos Gram positivos e, assim, a presença de coliformes (Gram negativos) é evidenciada pela formação de gás, após incubação em estufa a 36 +/- 1°C por 24 a 48 horas. No segundo estágio ocorre a confirmação da presença de coliformes termotolerantes por meio do subcultivo dos tubos positivos do primeiro estágio em caldo EC com incubação em temperaturas seletivas de 45 +/- 1°C por 24 a 48 horas. Além da seletividade por temperatura a presença de sais biliares no caldo EC inibe o desenvolvimento de microrganismos Gram positivos e a formação de gás evidencia a fermentação da lactose presente no meio confirmando a presença de coliformes termotolerantes. Para realização da metodologia proposta as amostras foram processadas da seguinte forma: com auxílio de uma faca estéril, os moluscos bivalves foram assepticamente abertos e removidos de suas conchas em quantidade suficientes para completar no mínimo 200g de conteúdo total (líquido intervalvar e tecidos comestíveis). Volume igual de água peptonada tamponada (Difco®) foi adicionado e procedeu-se a homogeneização em liquidificador em velocidade máxima por dois minutos. Da suspensão resultante retirou-se 20mL que foram diluídos e vigorosamente agitados com 80mL de água peptonada tamponada para formar o homogenato base 10-1. A suspensão 10-2 foi obtida pela diluição de 1mL do homogenato base 10-1 em 9mL de água peptonada. A partir destas suspensões foram feitas as inoculações em tubos contendo 10mL de caldo LST (Difco®). Para a primeira diluição, inoculou-se cinco tubos de caldo LST duas vezes concentrado com 10mL de homogenato base 10-1, desta forma cada tubo continha 1g de tecido. Para a segunda diluição, inoculou-se cinco tubos de caldo LST uma vez concentrado com 1mL de homogenato base 10-1, desta forma cada tubo continha 0,1g de tecido. Para terceira diluição, inoculou-se cinco tubos de caldo LST uma vez concentrado com 1mL de suspensão 10-2, desta forma cada tubo continha 0,01g de tecido. Procedeu-se a incubação em estufa a 36 +/- 1°C e realizou-se a leitura dos resultados em 24 e em 48 horas pós incubação. Foram considerados positivos os tubos que apresentaram formação de gás nos tubos de Durhan (mínimo 1/10 do volume total) ou efervescência quando agitado suavemente. 54 Os tubos considerados positivos foram repicados em tubos contendo 10mL de caldo EC (Difco®), com auxílio de uma alça de 10μL e incubados em estufa a 45 +/- 1°C, realizandose a leitura de resultados em 24 e em 48 horas pós incubação. Foram considerados positivos os tubos que apresentaram formação de gás nos tubos de Durhan (mínimo 1/10 do volume total) ou efervescência quando agitado suavemente. Os resultados foram anotados e a combinação dos positivos no caldo EC, em suas respectivas diluições, foi comparada a tabela que consta no manual neozelandês Método MPI para enumeração de Escherichia coli em moluscos bivalves (Anexo 01) para obtenção do número mais provável de coliformes termotolerantes em 100g de molusco bivalve. 4.2.3 Análises Virais As análises virais foram realizadas no Laboratório de Viroses de Bovídeos do Instituto Biológico e no Núcleo de Doenças Sanguíneas e Sexuais do Centro de Virologia do Instituto Adolfo Lutz, sendo utilizada a metodologia proposta por Jothikumar et al. (2005) com adaptações. (JOTHIKUMAR et al., 2005) Os moluscos bivalves, ainda congelados, foram assepticamente abertos, com auxílio de uma faca estéril; removidos de suas conchas; depositados em placa de petri e dissecados com auxílio de um bisturi e uma pinça para remoção de todos os tecidos e obtenção somente do divertículo digestivo dos animais. O “pool” de divertículo digestivo foi imediatamente processado ou congelado a -20°C até processamento. No processamento o “pool” de divertículo digestivo foi homogeneizado e uma alíquota de 2mL do homogenato foi adicionado a igual volume de solução de proteinase K (100μg/mL) e incubado a 37°C por uma hora sob agitação. Em seguida a mistura foi incubada a 65°C por 15 minutos para inativação da proteinase K e a porção solúvel (sobrenadante) foi obtida por centrifugação a 3.000g por 5 minutos. Para clarificação, ao sobrenadante recolhido foi adicionado a 2 mL de clorofórmio, com posterior agitação. A mistura foi centrifugada a 13500 x g a 4ºC por 15 minutos, recolhendo-se, por fim, a porção aquosa que foi levada para extração de RNA ou congelada a -20ºC até processamento Para extração do RNA foi utilizado o método de purificação em coluna (Kit QIAGEN – QIAamp Viral RNA Mini Kit®) onde 140μL da porção aquosa da amostra foram adicionados a 560μL de tampão AVL contendo carreador de RNA e incubados por 10 minutos em temperatura ambiente. Foi realizada, então, rápida centrifugação para remover gotículas dispersas na tampa e adicionou-se 560μL de etanol (96-100%) agitando-se em vórtex por 15 segundos com posterior rápida centrifugação novamente para remover gotículas dispersas na 55 tampa obtendo-se então a solução de amostra tratada para purificação do genoma. As colunas foram montadas em seus coletores e 630μL da solução de amostra tratada foi cuidadosamente pipetada no topo da coluna que foi centrifugada a 6.000xg por um minuto. Trocou-se o tubo coletor por um novo e no topo da coluna foram pipetados os e 630μL da solução de amostra tratada restante seguindo nova centrifugação a 6.000xg por um minuto. Após a troca do tubo coletor foram adicionados ao topo da coluna 500μL de tampão AW1 seguindo nova centrifugação a 6.000xg por um minuto. Novamente o tubo coletor foi trocado e adicionou-se ao topo da coluna 500μL de tampão AW2 seguindo nova centrifugação a 20.000xg por três minutos, então descartou-se o tubo coletor e a coluna foi depositada em um tubo de microcentrífuga para eluição. A eluição foi realizada com 60μL de tampão AVE (incubação de um minuto em temperatura ambiente) e centrifugação por um minuto a 6.000xg obtendo-se, então os ácidos nucleicos virais purificados que foram imediatamente congelados a -20ºC. Para detecção do genoma viral foi utilizada a técnica de PCR qualitativo em tempo real, etapa a qual foi desenvolvida do Instituto Adolfo Lutz, sob coordenação da Pesquisadora Científica Isabel Takano Oba. A primeira etapa foi de construção da curva padrão para cada vírus e nesta etapa foram avaliados três protocolos com reagentes (Master Mix) diferentes. O primeiro NextGeneration ECO One-Step RT-qPCR Kit, da marca DNA Express Biotecnologia®, o segundo LightCycler 480 RNA Master Hydrolysis Probes, da marca Roche® e o terceiro SuperScript III Platinum One-Step Quantitative RT-PCR System, da marca Invitrogen® (Life Technologies). Para todos os diferentes protocolos o Master mix foi preparado em gelo para um volume final de reação de 25μL seguindo as indicações dos seus respectivos fabricantes conforme Tabela 3. Os pares de primer e sondas adotados nos experimentos foram baseados nas sequências descritas por Jothikumar et al. (2005) para norovírus e por Amado et al. (2010) para HAV e foram sintetizados pela IDT (Integrated DNA Technologies®) estando suas sequências dispostas na Tabela 4. 56 Tabela 3: Preparo do Master mix para RT-qPCR. NextGeneration ECO One-Step RT-qPCR, Dna Express Biotecnologia® Componentes Volume Tampão de RT-PCR (2x) 12.5μL Master mix de RT-PCR Primer (Senso) Primer (Anti-senso) Sonda TaqMan® (Vírus específicos) 1μL 0,5μL 0,5μL 1,0 μL 4,5μL Amostra 5 μL Volume total 25μL LightCycler 480 RNA Master Hydrolysis Probes, Roche® Componentes Volume Master mix LightCycler 480 7,8μL Enzima One-Step Corante Rox MgSO4 Água ultrapura Master mix de RT-PCR Primer (Senso) Primer (Anti-senso) Sonda TaqMan® (Vírus específicos) 1μL 1,5μL 1,2μL 8,5μL Amostra 5 μL Volume total 25μL SuperScript III Platinum One-Step Quantitative RT-PCR System, Invitrogen® Componentes Volume 2x Reaction Mix 12.5μL Activator Enhancer Água ultrapura Master mix de RT-PCR Primer (Senso) Primer (Anti-senso) Sonda TaqMan® (Vírus específicos) SuperScript III RT/Platinum MgSO4 Corante Rox Água ultrapura Amostra Volume total 1μL 0,5μL 1,5μL 0,5μL 4,0μL 5 μL 25μL 57 Tabela 4: Par de primers e sondas para HAV e Norovírus Primers e Sondas Sequências Vírus da Hepatite A Sonda HAV 5’-/56-FAM/ACTCATTTT/ZEN/TCACGCTTTCTC/3IABkFQ/-3’ Primer senso HAV 5’-CTGCAGGTTCAGGGTCTTAAATC-3’ Primer anti-senso HAV 5’-GAGACCCTGGAAGAAAGAAGA-3’ Norovírus (GII) Sonda RING2 5’-/56-FAM/TGGGAGGGC/ZEN/GATCGCAATCT/3IABkFQ/-3’ Primer senso COG2R 5’-CAAGAGTCAATGTTTAGGTGGATGAG-3’ Primer anti-senso COG2F 5’-TCGACGCCATCTTCATTCACA-3’ Para cada um dos protocolos calculou-se o volume a ser utilizado em cada reação e a mistura (mix) foi preparada e homogeneizada. O volume de 20μL do mix foi adicionado às cavidades de uma placa ótica de 96 cavidades mantida em gelo. Uma amostra de RNA extraído, conforme protocolo aqui descrito, de Vírus da Hepatite A da cepa do Instituto Adolfo Lutz (cepa H.N175 crescido em cultivo de células SRhK-4) foi diluída seriadamente na base 10 até 10-6, obtendo-se sete concentrações (concentrado, 10-1, 10-2, 10-3, 10-4, 10-5 e 10-6), sendo o procedimento de diluição da amostra mais concentrada repetido sempre antes de cada reação, para evitar desvios nas curvas, uma vez que a degradação do RNA não é equivalente nas diferentes concentrações. O volume de 5μL de cada uma das sete soluções de RNA extraído (concentrado até 10-6) foi adicionado em triplicata, quadriplicata e quintuplicata, em diferentes ensaios, às cavidades da placa e homogeneizado com o mix previamente depositado. O controle negativo foi realizado em triplicata com a adição de somente água ultrapura às cavidades correspondentes. A placa foi selada com selo óptico brevemente centrifugada e levada ao Termociclador para realização da reação de PCR e avaliação do protocolo mais adequado às análises. Procedimento idêntico foi realizado para as reações envolvendo norovírus, para as quais foram utilizadas amostras de RNA extraído de norovírus de cepas do Instituto Adolfo Lutz (cepa de isolado de amostra clínica de fezes). O Termociclador utilizado foi o StepOnePlus™ Real-Time PCR System, que foi programado de acordo com as recomendações dos fabricantes dos reagentes conforme Tabela 5 a seguir e ao final dos ciclos as análises foram realizadas no programa do equipamento StepOnePlus™ Real-Time PCR System. 58 Tabela 5: Parâmetros para programação do Termociclador RT-qPCR. Etapas Temperatura Tempo Repetições NextGeneration ECO One-Step RT-qPCR, DNA EXPRESS BIOTECNOLOGIA® Transcrição Reversa 55ºC 30 min. 1 Desnaturação (RT) e Ativação da Taq 95ºC 2 min. 1 Desnaturação 95ºC 15 segs. 45 Hibridização e extensão 60ºC 1 min. 45 ® LightCycler 480 RNA Master Hydrolysis Probes, Roche Transcrição Reversa 63ºC 03 min. 1 Desnaturação (RT) e Ativação da Taq 95ºC 30 segs. 1 Desnaturação 95ºC 15 segs. 45 Hibridização e extensão 60ºC 1 min. 45 SuperScript III Platinum One-Step Quantitative RT-PCR System, Invitrogen® Transcrição Reversa 50ºC 15 min. 1 Desnaturação (RT) e Ativação da Taq 95ºC 2 min. 1 Desnaturação 95ºC 15 segs. 45 Hibridização e extensão 60ºC 30 segs. 45 A partir dos resultados obtidos com os protocolos dos diferentes reagentes e estando com as curvas padrão estabelecidas realizou-se a análise das amostras de campo das ostras. Foi preparado Master Mix em quantidade suficiente para análise das amostras, seguindo o protocolo recomendado fabricante sendo o mesmo distribuído nas cavidades da placa óptica. Um volume de 5,0μL de cada uma das amostras de RNA extraído a partir do homogenato de divertículo digestivo foi adicionado e homogeneizado a cada uma das cavidades da placa, em duplicata. Como controle positivo foi adicionado em duplicata 5,0μL da solução de RNA extraído, do vírus correspondente ao analisado, da cepa do Instituto Adolfo Lutz e como controle negativo foi adicionado somente 5,0μL de água ultrapura nas cavidades e homogeneizado ao Master Mix previamente depositado. A placa foi selada com selo óptico, brevemente centrifugada e levada ao Termociclador para realização da reação de PCR e obtenção dos resultados que foram analisados no programa do equipamento StepOnePlus™ Real-Time PCR System. Como forma de controle do procedimento de extração de RNA e da presença de possíveis inibidores da RT-qPCR foi realizado reação de RT-PCR para as amostras de RNA extraído a partir do homogenato de divertículo digestivo para o gene β-actina uma vez que este está presente em todas as células de animais e é um “housekeeping gene”, gene constitutivo nomalizador proteico importante para a manutenção de funções celulares, e que dificilmente sofre alteração na sua expressão. Para tanto, o procedimento iniciou-se com a síntese de DNA complementar (c-DNA), onde, em microtubos, 5µL de cada amostra do RNA extraído a partir do homogenato de divertículo digestivo foi adicionado a um Mix contendo 1 µL de random primer (50ng/µL) e 4 µL de água ultrapura esterilizada seguido de desnaturação a 65ºC durante 5 minutos e 59 resfriamento em gelo por 1 minuto. Em seguida a essa mistura adicionou-se 15µL de outro Mix contendo 10 X RT Buffer, 25mM MgCl, 0,1 M DTT, 10mM de cada dNTPs, 1 µL de SuperScript III (Invitrogen®) (200 U/µL), 1µL de inibidor de RNAses (40U/µL) e 1,75 µL de água ultrapura esterilizada. Os microtubos foram dispostos em um termociclador para realização de reação de transcrição reversa em um ciclo a 25ºC por10 min, 50ºC por 50min e 85ºC por 5min. Após a obtenção do c-DNA foi realizada a reação de PCR. Um Mix contendo 5µL de Tampão de PCR 10x (Invitrogen®), 1µL de dNTPs 10mM, 1µL de cada primer a 10pmol (Actin senso - 5’-TTCTACAATGAGCTGCGTGT-3’ - e Actin Anti-senso - 5’- GCCAGACAGCACTGTGTTGG-3’), 1,5µL de MgCl2 (50 mM), 35 µL água ultrapura esterilizada e 0,5µL de Taq DNA polimerase 2,5U/µL de (Invitrogen®), foi preparado e 45µL deste foram distribuídos em microtubos. Adicionou-se a cada microtubo 5 µL de cada c-DNA. Os microtubos foram dispostos em um termociclador para realização de reação de PCR seguindo o ciclo disposto na Tabela 6 a seguir. Tabela 6: Parâmetros para programação do Termociclador para PCR de Actina Etapas Temperatura Tempo Repetições Desnaturação 94ºC 3 min. Desnaturação 94C 1 min. Hibridização 53ºC 1 min. Extensão 72ºC 2 min. Extensão Final 72ºC 5 min 1 40 1 Ao final da reação de PCR 2µL do produto amplificado foram analisados por eletroforese (100mA por 01 hora) em gel de agarose a 1,5 % corado com GelRed™ (1:150) e observado sob luz ultravioleta. Foram consideradas positivas as amostras que apresentaram banda de 636pb. 4.2.4 Análises dos Teores de Metais Pesados A metodologia utilizada para análise dos teores de metais pesados nos moluscos bivalves foi obtida pela combinação do método descrito por Rojas et al. (2007) com o método descrito por Cavalcanti (2003) que resultou em metodologia onde a amostra é inicialmente dessecada e em seguida digerida com ácidos para mineralização e por fim a quantificação dos teores de metais pesados Zinco (Zn), Cobre (Cu), Chumbo (Pb) e Cádmio (Cd) foi 60 realizada por espectrofotometria de absorção atômica no modo chama ar/acetileno. Para avaliação dos teores de metais pesados as amostras foram agrupadas em conjuntos da seguinte forma: Amostragem de 24/03/15, 07/04/15 e 21/04/15 compuseram o conjunto amostral 01 (Março/Abril); Amostragem de 05/05/15, 19/05/15, 02/06/15, 16/06/15 e 30/06/15 compuseram o conjunto amostral 02 (Maio/Junho); Amostragem de 14/07/15, 28/07/15, 11/08/15 e 25/08/15 compuseram o conjunto amostral 03 (Julho/Agosto); Amostragem de 15/09/15, 06/10/15 e 02/11/15 compuseram o conjunto amostral 04 (Setembro/Outubro/Novembro) e Amostragem de 01/12/15 e 05/01/16 compuseram o conjunto amostral 05 (Dezembro15/Janeiro16), este procedimento foi realizado para cada um dos pontos de amostragem individualmente o que gerou um total de 20 conjuntos de amostras, sendo cinco para cada ponto de amostragem. Para realização da metodologia proposta cada conjunto de amostras foi processado da seguinte forma: Procedeu-se o descongelamento e homogeneização do conjunto de moluscos bivalves, em temperatura ambiente e realizou-se a pesagem, em balança analítica, para obtenção do peso úmido. Em seguida, efetuou-se a secagem do material em placa aquecedora a 200 +/- 1°C, até que se atingisse peso constante. Depois de secas, as amostras foram novamente pesadas para obtenção do peso seco. Tomou-se 0,5g do homogeneizado seco, transferindo-o para tubos digestores (Teflon®) contendo 10mL de HNO3 MERCK®). Para decomposição da amostra, os tubos foram mantidos em um bloco digestor a uma temperatura de 180°C por duas horas, até a completa mineralização da amostra. Para o controle branco, foi realizada a digestão somente dos reagentes. Após o término da digestão as amostras e o branco foram resfriados a temperatura ambiente e em seguida avolumados para 50mL com água ultrapura em balões volumétricos e as soluções obtidas foram armazenadas para análises. O cádmio e o cobre foram lidos de maneira direta, enquanto que para leitura de zinco foi necessário efetuar a diluição da amostra 125x em água ultrapura. Para leitura do chumbo foi necessária realização de pre-concentração por meio da complexação com pirrolidinaditiocarbamato de amônio (APDC) e posterior extração com metilisobutil cetona (MIBK). Uma solução de APDC 2% foi adicionada a igual volume de solução de Triton 100x a 5%, obtendo-se a solução de complexação. Em 25mL de solução de amostra pronta para análises foram adicionados 1,6mL de solução de complexação e após vigorosa agitação adicionou-se 4mL de MIC seguindo nova agitação. Os tubos com a solução resultante foram centrifugados por 2 min a 1000 rpm e a porção sobrenadante foi recolhida em tubos para leitura. As determinações de concentração dos metais foram realizadas utilizando-se curvas de calibração externas com base em padrões monoelementares (Sigma®), 1.000mg/L com 61 nas seguintes concentrações: 0,125 a 2mg/L para Zn; 0,125 a 6,0mg/L para Cu; 0,1 a 1,0mg/L para Pb e 0,0125 a 0,4mg/L para Cd. As análises foram efetuadas por espectrofotometria de absorção atômica no modo chama ar/acetileno por meio do equipamento da marca Perkin Elmer® 5100 PC, no Laboratório de Ecologia de Agroquímicos do Instituto Biológico sob orientação do Dr. Luiz Carlos Luchini, utilizando-se para as leituras os comprimentos de onda 213,9nm, 324,8nm, 228,8nm e 283,3nm, para Zn, Cu, Cd e Pb, respectivamente. Todas as amostras e o branco foram mineralizados em triplicada e para determinar a concentração considerou-se o valor médio das três leituras de cada amostra. Como não possuíamos material de referência certificado para ostras, o controle do método utilizado quanto a precisão na recuperação de metais foi realizado através do método de adição de padrões dos metais pesquisados em concentrações conhecidas de modo que após a diluições as concentrações estivessem dentro da faixa de calibração e assim estimouse as taxas de recuperação para cada metal. 4.2.5 Análises Estatísticas Todas as análises estatísticas foram realizadas no programa GraphPad Prism, pelo teste t-student, onde foram consideradas significativas as diferenças com valor de p<0,05. 62 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1 ANÁLISES BACTERIOLÓGICAS A enumeração de coliformes termotolerantes nas ostras pela técnica de número mais provável em 100g, revelou que as amostras da comunidade do Mandira possuem grau de contaminação significativamente (p<0,05) menores do que àquelas colhidas na Ilha da Casca (p=0,0491), na Ponte (p=0,0260) e na Balsa (p=0,0078), conforme pode ser observado na Figura 10 e na Tabela 07. Figura 10: Representação gráfica do NMP de coliformes termotolerantes em 100g de ostras, das amostras colhidas nos diferentes locais do município de Cananéia. 63 Tabela 7: Valores de NMP de coliformes termotolerantes/100g das amostras colhidas nos diferentes locais do município de Cananéia. NMP Coliformes Termotolerantes/100g Locais de Colheita Data de Colheita Cananéia Mandira Ilha da Casca Ponte Balsa 13/01/2015 20 Nt Nt Nt 27/01/2015 130 1100 18000 Nt 10/02/2015 Nt 490 Nt 330 24/02/2015 20 70 170 9200 10/03/2015 50 1100 3500 5400 24/03/2015 700 490 90 1700 07/04/2015 1300 3500 940 230 21/04/2015 140 790 700 1100 05/05/2015 490 9200 9200 490 19/05/2015 170 5400 5400 5400 02/06/2015 220 460 140 490 16/06/2015 20 170 260 140 30/06/2015 170 330 220 18000 14/07/2015 80 5400 3500 9200 28/07/2015 230 700 220 1400 11/08/2015 330 230 90 170 25/08/2015 20 1100 2400 5400 15/09/2015 20 20 90 260 06/10/2015 20 20 90 330 02/11/2015 130 170 170 260 03/12/2015 230 18000 18000 18000 05/01/2016 5400 2400 3500 2200 Média 471 2435 3334 3985 * Nt = Não Testado 64 Por ser uma área de proteção ambiental, as contagens de coliformes termotolerantes em níveis baixos, estão dentro do esperado para a região. Os resultados evidenciam o baixo grau de contaminação das ostras e podem indicar, no que diz respeito a contaminação por esses agentes, uma maior segurança quando comparadas as ostras produzidas nas outras regiões estudadas. Vale destacar que a região da balsa não é uma região de exploração de ostras, mas foi adotada como área de amostragem devido a sua localização junto a área com maior interferência humana e desta forma maior possibilidade de contaminação, o que de fato foi constatado nas análises que revelaram 35% de amostras com níveis extremamente elevados de coliformes termotolerantes. No entanto, mesmo sendo área com suposto nível superior de contaminação algumas amostragens revelaram valores de coliformes termotolerantes baixos, que inclusive permitiriam a liberação do consumo, o que pode indicar que outros fatores, como pluviosidade, temperatura e níveis de maré, podem interferir diretamente no nível de contaminação das ostras. As áreas da Ilha da Casca e da região da Ponte possui exploração de ostras, tanto de engorda quanto do extrativismo, mas em um grau inferior ao de Mandira. Os resultados de NMP de coliformes termotolerantes nessas regiões revelaram índices elevados de contaminação indicando que as regiões não são ideais para produção, e que devem ser adotadas medidas de mitigação de risco de contaminação e veiculação de patógenos no consumo das ostras produzidas naquelas regiões. O trabalho de Doi et. al. (2015) ao analisarem coliformes em água do município de Cananéia em diferentes pontos de amostragem descreve que as áreas com menores médias colimétricas foram Ilha da Casca, Mandira, Retiro e Pedrinhas, que apresentaram valores de coliformes entre 2 e 130 NMP/100mL de coliformes totais e de termotolerantes entre 2 e 170 NMP/100mL, com pouca variação na amplitude entre os dados coletados nas localidades e que as áreas mais contaminada foram Píer, Mosquiteiro, Itapitangui e Taquari ..(DOI; OLIVEIRA; BARBIERI, 2015) No mesmo sentido Mignani et al. (2013) ao analisarem o NMP de coliformes em água de três regiões de Cananéia (Mandira, Itapitangui e Cooperostra), entre os anos de 2007 e 2008 relatou que as menores medias geométricas de coliformes totais e termotolerantes ocorreram no Mandira. (MIGNANI et al., 2013) Os dois estudos supracitados corroboram com os achados deste trabalho ao indicarem a região do Mandira como uma área com águas com menor presença de coliformes, portanto mais limpa e adequada ao cultivo de moluscos, capaz de fornecer alimento seguro a poupulação, no entanto Doi et. al. (2015) também descreveram a Ilha da Casca como uma região com presença pequena de coliformes, o que vai de encontro com os resultados do presente trabalho. 65 Grande parte dos trabalhos realizados em Cananéia fez avaliação da contaminação da água, no entanto, a correlação entre contagem de coliformes em água e nos bivalves é controversa. Ramos et al. (2010) avaliando o NMP de coliformes totais e termotolerantes em águas e ostras na Baía Sul da Ilha de Santa Catarina encontraram correlação positiva entre as contagens na água e em ostras, porém as amostras onde foram obtidas as maiores contagens de coliformes termotolerantes nas ostras, as águas apresentaram contagens inferiores às observadas na carne dos moluscos. Dos Santos et al. (2015) encontraram em análises microbiológicas de águas de cultivo e de ostras no estado da Bahia valores de bactérias mesófilas cultiváveis e de coliformes termotolerantes significantemente maiores nas ostras do que na água de cultivo. (DOS SANTOS et al., 2016) Esses achados relacionam-se com a fisiologia do animal que é capaz de concentrar esses agentes em seus tecidos, onde a sobrevida dos agentes também é maior (RAMOS et al., 2010). Desta forma a avaliação somente dos parâmetros de contaminação das águas de cultivo possuem caráter limitado quanto a avaliar a segurança da ostra como alimento. Os estudos de Ballesteros et al. (2016) ao analisarem contaminação bacteriana de águas e ostras de Cananéia observaram nas ostras da comunidade Mandira a maior média de densidade de Staphylococcus coagulase positiva, a maior média de densidade de coliformes totais e termotolerantes e ainda em relação a água os maiores índices de contaminação por coliformes totais e termotolerantes também na comunidade do Mandira, em relação aos demais pontos amostrados, o que diverge dos achados deste trabalho. No entanto, o período de amostragem do trabalho de Ballesteros et al. (2016) data de 2010 e 2011 e tendo em vista que as condições ambientais tem grande influência no nível de contaminação das ostras, isto pode ter gerado tal discrepância. (BALLESTEROS et al., 2016) Instrução Normativa Interministerial n°. 7 de 2012 (BRASIL, 2012), estabelece o monitoramento de micro-organismos contaminantes em moluscos bivalves por meio da estimativa da densidade média de Escherichia coli em 100 gramas (NMP de E. coli/100g) e os resultados desse monitoramento devem ser utilizados para orientar a retirada de moluscos bivalves que passou a ser definida como LIBERADA; LIBERADA SOB CONDIÇÃO e SUSPENSA. O presente trabalho não teve como objetivo efetuar o monitoramento previsto na referida instrução, mas sim traçar um perfil da possível situação de contaminação das ostras produzidas em Cananéia em relação à agentes patogênicos e tóxicos que têm origem da degradação ambiental antrópica, por isso não foi adotada a pesquisa de E. coli e sim do grupo coliformes termotolerantes, do qual a E. coli é a grande representante (de 84% a 104%) (CETESB, 2008). Embora não se tenha adotado a metodologia proposta na Instrução Normativa como um todo, a técnica utilizada baseou-se nesta para ser desenvolvida e permitiu expressar os 66 resultados precisos em NMP de Coliformes Termotolerantes/100g que possui grande correlação com a unidade NMP de E. coli/100g. Desta forma, foi realizada estrapolação dos valores de NMP de coliformes termotolerantes para avaliação dos resultados quanto aos critérios de retirada previsto na Instrução Normativa. Assim, foi possível observar que 41,5% das amostras foram classificadas como liberada; 39% como liberada sob condições (condicionada) e 19,5% como suspensa. A região do Mandira foi a única que apresentou apenas um caso de suspensão e ao mesmo tempo a que apresentou o maior número de amostras liberadas em oposição a região da balsa que apresentou elevado número de suspensão e o menor número de amostras liberadas, conforme representado na Figura 11. Figura 11: Representação gráfica da distribuição das amostras quanto ao critério de retirada de ostras para comercialização. Esses dados indicam não somente que a região do Mandira é a mais adequada à produção e exploração de ostras, dentre as estudadas, mas apontam também a necessidade de fiscalização constante a fim de se garantir a comercialização do alimento inócuo à população consumidora, pois mesmo está região considerada mais segura, em relação a contaminação bacteriana, apresentou alguns resultados que requereriam medidas de mitigação de risco. Nesse mesmo sentido, Doi et. al. (2015) analisando contaminação bacteriana de ostras em Cananéia relataram que suas amostras foram classificadas, segundo a legislação 67 vigente a época, como “liberadas sob condições”, sendo necessário passar pelo processo de depuração antes de serem liberadas para o consumo, uma vez que demonstraram contagem de coliformes totais variando de 0,43 a 240 NMP/g e dos termotolerantes de 0,24 a 240 NMP/g, com valores médios de 18,78 e 15,53 NMP/g, respectivamente. Os autores não realizaram nenhuma análise comparativa entre as áreas de amostragem uma vez que todas foram adquiridas antes de passarem pelo processo de depuração, na Cooperativa dos Produtores de Ostras de Cananéia (Cooperostra) e ainda informam que segundo padrões internacionais o número de coliformes nas ostras estavam inferiores aos recomendados, apresentando-se em condições microbiológicas satisfatórias. Foi realizada a avaliação da distribuição temporal da contaminação bacteriana, que não revelou diferenças significativas em relação a meses ou estações do ano apesar de ser possível verificar que existe uma tendência de diminuição da contaminação no inverno e de aumento no final do verão início do outono, conforme pode ser observado na Figura 12. Figura 12: Distribuição mensal da carga bacteriana em ostras por NMP/100g Esses dados corroboram com os estudos de Doi et. al. (2015) que encontraram valores mais elevados de NMP/g de coliformes totais e termotolerantes em ostras no mês de abril e ainda apontaram o mês de novembro como o de menor média colimétrica, tanto para totais quanto para termotolerantes (NMP/g) e segundo os autores densidade de micro-organismos nos bivalves filtradores indica o nível de contaminação do momento da coleta, variando de um animal para outro e também depende de condições ambientais, meteorológicas e da atividade geral do organismo. 68 Barbieri et al. (2012) ao avaliarem a qualidade microbiológica das águas de cultivo de Cananéia entre os anos de 2005 e 2011 observaram uma grande flutuação temporal na concentração de coliformes influenciada principalmente pela dinâmica de marés e também pelos índices pluviométricos relatando ainda que a concentração em NMP de coliformes totais e termotolerantes tende a diminuir no inverno, o que também foi observado em relação a contaminação de ostras nesse trabalho. Cananéia é caracterizada por alta pluviosidade, com média anual de 2670 mm, apresentando verão chuvoso e inverno seco, com a média máxima mensal é de 266,9 mm no verão e no inverno de 95,3 mm. (BARBIERI et al., 2012). O fato das chuvas serem capazes carrear esgoto e resíduos sólidos para cursos de água e estas estarem menos presentes no inverno pode guardar correlação com índices menores de contaminação nesse período do ano. Ainda em avaliações da contaminação bacteriana nas águas de cultivo de Cananéia Mignani et al. (2013) descrevem que a densidade de coliformes termotolerantes tendeu a ser menor no outono e no inverno e maior na primavera, ainda, que não houve correlação entre a temperatura da água e concentrações de coliformes totais e termotolerantes, possivelmente devido a uma insuficiente gama de variação da temperatura da água e que houve uma correlação positiva entre as densidades de coliformes totais e taxas de precipitação e que coliformes termotolerantes aumentaram em relação à precipitação. A qualidade da água e de bivalves foi estudada por Da Silveira Moreira et al. (2011) em Paraty-RJ e foi observado que o NMP de coliformes totais e termotolerantes tende a ser maior nos moluscos do que na água no verão, enquanto que no inverno os valores para ambos coliformes são equiparáveis, relacionando esse fato ao aumento da população flutuante em cidade litorânea na época de verão o que contribui para o aumento de despejo de esgoto. Observou também que não houve correlação entre o índice de pluviosidade e a contaminação do ambiente e dos moluscos analisados, provavelmente, devido à baixa pluviosidade observada na época das coletas. Por fim, o estudo demonstrou que nos períodos de maré baixa a concentração de coliformes foi mais alta, na água e principalmente nos bivalves, quando comparado aos períodos de maré alta, sustentando que quando o nível da maré abaixa, as águas correm em direção ao mar carreando maior poluição para áreas estuarinas onde se encontram os bivalves, que concentram a contaminação decorrente dos despejos de dejetos no ambiente, enquanto que na maré alta ocorre o contrário, a chegada de grandes volumes de água do mar em direção ao estuário, favorecendo a diluição, e, podendo ainda contribuir para barragem dos cursos de água contaminada.(DA SILVEIRA MOREIRA et al., 2011) Doi et al. (2014) em um estudo da densidade colimétrica das áreas de extrativismo de ostra em Cananéia verificaram valores de coliformes maiores na maré baixa e que os dados colimétricos também aumentaram conforme aumentou o nível pluviométrico. No inverno, 69 constatou-se a menor média de coliformes e a menor média pluviométrica. No verão, ao contrário, mensurou-se a maior média pluviométrica, com elevada densidade de coliformes, concluindo que as variações ambientais influenciam nas flutuações das concentrações dos microrganismos nos locais de produção de ostras. Frente ao exposto uma série de fatores pode contribuir para o aumento da contaminação, e a pluviosidade, que está intimamente ligada as estações do ano, parece possuir grande influência no grau de contaminação do ambiente devido a sua capacidade de arrastar resíduos orgânicos para os corpos hídricos contribuindo para o aumento da concentração de bactérias em águas de crescimento e cultivo de moluscos. Além disso, fatores como, salinidade, temperatura e mesmo a pluviosidade podem influenciar também no metabolismo das ostras acarretando em um aumento ou diminuição da taxa de filtração de água. Durante o verão esses organismos encontram-se na sua faixa de conforto térmico e é nessa estação que reproduzem necessitando acumular reservas filtrando mais água e assim retendo maior quantidade de patógenos (DOI; OLIVEIRA; BARBIERI, 2015) A ocupação desordenada do solo, os loteamentos irregulares, o avanço imobiliário sobre as regiões de mangues e restingas e a falta de saneamento básico constituem fonte permanente de poluição do estuário por resíduos orgânicos e esgotos domésticos, tornando alguns locais sujeitos à contaminação, principalmente em determinadas épocas do ano. Cananéia é uma cidade de 11.000 habitantes, tendo 50% do esgoto tratado, o que torna difícil justificar altos níveis de coliformes. A eficácia do tratamento pode ser questionada ou se pode assumir que estes valores são naturais, no entanto, o que se faz primordial é o monitoramento constante das condições microbiológicas em várias áreas onde há cultivo ostras para evitar riscos para a saúde do consumidor (BARBIERI et al., 2012; MIGNANI et al., 2013; DOI; BARBIERI; MARQUES, 2014). O ótimo desempenho em relação a contaminação bacteriológica da região produtora de ostras do Mandira pode a caracterizar como uma área apropriada para produção de bivalves, de acordo com os dados do presente trabalho, no entanto a presença de amostras, mesmo que em baixo número, com graus de contaminação que chegam a suspenção indicam que deve ser realizado o monitoramento constante do grau de contaminação das ostras, a fim de que se oferte ao consumidor, um alimento seguro e que se avalie as condições de contaminação do ambiente de criação. Considerando a região da balsa como não explorada para ostras, esses resultados não teriam grande impacto na região em relação as questões de fiscalização, mas indicam que as condições de contaminação da região são elevadas o que pode repercutir na vida marinha local e mesmo na contaminação de outras áreas. 70 Por outro lado, as análises de ostras das regiões da Ilha da Casca e da Ponte que, possuem exploração de ostras para comércio e consumo local, mesmo que de forma menos expressiva, levaram à classificação da maioria das amostras como Liberada Sob Condição e Suspensa, isso revela que as referidas regiões sofrem influencias de contaminações humanas que podem comprometer a inocuidade dos alimentos produzidos ali, o que requer maiores cuidados e controles para utilização dessas áreas em produção de ostras. Fato primordial para garantia de que medidas adequadas de mitigação do risco de veiculação de doenças por esses alimentos sejam efetivamente adotadas é a implantação de fiscalização de cultivos, beneficiamento (depuração) e do comércio de bivalves. No entanto, é fato que praticamente a totalidade dos cultivos, inclusive o do Mandira, funciona sem fiscalização e o comércio desses animais também se dá de forma clandestina, o que aumenta o risco para população. 71 5.2 ANÁLISES VIRAIS As análises virais se iniciaram com o processamento do tecido digestivo das ostras seguido da extração do RNA e posterior amplificação e revelação por RT-qPCR. Como controle do protocolo de extração, as amostras de RNA extraído foram testadas em reação de PCR para o gene β-actina um “housekeeping gene”, que serve de marcador de células eucarióticas que dificilmente sofre alteração na sua expressão. O protocolo de extração foi considerado válido (Figura 13) tendo em vista que as amostras apresentaram banda de 636pb, conforme esperado. Figura 13: Eletroforese em gel de agarose corado com GelRed™ revelando resultado da RT-PCR para gene β-actina. Coluna PM: padrão de peso molecular (ladder 100pb); Colunas 1-11: amostras testadas; Coluna 12: controle positivo do kit SuperScript III Reverse Transcriptase (He-la); Coluna 11: controle negativo. Para realização da RT-qPCR foi construída uma curva padrão para cada vírus e nesta etapa foram avaliados três protocolos com reagentes (Master Mix) diferentes. A seguir estão registrados os resultados obtidos na avaliação da eficiência de cada protocolo. As Figuras 14 e 15 constituem o resultado obtido na avaliação do reagente da marca DNA Express Biotecnologia® para reação de detecção do vírus da hepatite A, onde a primeira apresenta o perfil logarítmico da absorbância, durante cada ciclo, na confecção de curva de concentração decrescente do vírus alvo e a segunda a curva padrão de eficiência da reação. 72 Figura 14: Curva de amplificação exibindo o perfil logarítmico da fluorescência emitida durante cada ciclo para uma curva de concentração decrescente para HAV no protocolo com reagente marca DNA Express Biotecnologia®. Figura 15: Curva padrão de eficiência do protocolo de PCR em tempo real para HAV com reagente marca DNA Express Biotecnologia®. As Figuras 16 e 17 constituem o resultado obtido na avaliação do reagente da marca DNA Express Biotecnologia® para reação de detecção do norovírus, onde a primeira apresenta o perfil logarítmico da absorbância, durante cada ciclo, na confecção de curva de concentração decrescente do vírus alvo e a segunda a curva padrão de eficiência da reação. 73 Figura 16: Curva de amplificação exibindo o perfil logarítmico da fluorescência emitida durante cada ciclo para uma curva de concentração decrescente para Norovírus no protocolo com reagente marca DNA Express Biotecnologia®. Figura 17: Curva padrão de eficiência do protocolo de PCR em tempo real para Norovírus com reagente marca DNA Express Biotecnologia®. 74 As Figuras 18 e 19 constituem o resultado obtido na avaliação do reagente da marca Roche® para reação de detecção do vírus da hepatite A, onde a primeira apresenta o perfil logarítmico da absorbância, durante cada ciclo, na confecção de curva de concentração decrescente do vírus alvo e a segunda a curva padrão de eficiência da reação. Figura 18: Curva de amplificação exibindo o perfil logarítmico da fluorescência emitida durante cada ciclo para uma curva de concentração decrescente para HAV no protocolo com reagente marca Roche®. Figura 19: Curva padrão de eficiência do protocolo de PCR em tempo real para HAV com reagente marca Roche®. 75 As Figuras 20 e 21 constituem o resultado obtido na avaliação do reagente da marca Roche® para reação de detecção do norovírus, onde a primeira apresenta o perfil logarítmico da absorbância, durante cada ciclo, na confecção de curva de concentração decrescente do vírus alvo e a segunda a curva padrão de eficiência da reação. Figura 20: Curva de amplificação exibindo o perfil logarítmico da fluorescência emitida durante cada ciclo para uma curva de concentração decrescente para Norovírus no protocolo com reagente marca Roche®. Figura 21: Curva padrão de eficiência do protocolo de PCR em tempo real para Norovírus com reagente marca Roche®. 76 As Figuras 22 e 23 constituem o resultado obtido na avaliação do reagente da marca Invitrogen® para reação de detecção do vírus da hepatite A, onde a primeira apresenta o perfil logarítmico da absorbância, durante cada ciclo, na confecção de curva de concentração decrescente do vírus alvo e a segunda a curva padrão de eficiência da reação. Figura 22: Curva de amplificação exibindo o perfil logarítmico da fluorescência emitida durante cada ciclo para uma curva de concentração decrescente para HAV no protocolo com reagente marca Invitrogen®. Figura 23: Curva padrão de eficiência do protocolo de PCR em tempo real para HAV com reagente marca Invitrogen®. 77 As Figuras 24 e 25 constituem o resultado obtido na avaliação do reagente da marca Invitrogen® para reação de detecção do norovírus, onde a primeira apresenta o perfil logarítmico da absorbância, durante cada ciclo, na confecção de curva de concentração decrescente do vírus alvo e a segunda a curva padrão de eficiência da reação. Figura 24: Curva de amplificação exibindo o perfil logarítmico da fluorescência emitida durante cada ciclo para uma curva de concentração decrescente para Norovírus no protocolo com reagente marca Invitrogen®. Figura 25: Curva padrão de eficiência do protocolo de PCR em tempo real para Norovírus com reagente marca Invitrogen®. 78 A observação do perfil de absorbância emitida e do perfil de eficiência das curvas padrão para cada reagente permite inferir que os reagentes da marca Invitrogen® apresentaram melhor performance do que os demais, o que pode ser constatado de forma mais expressiva na Tabela 8, onde estão tabulados os dados de desempenho das curvas (inclinação da curva; intercepto com eixo Y; linearidade; eficiência e Ct médio inicial e final), para cada um dos reagentes avaliados. Tabela 8: Avaliação do desempenho dos protocolos com os diferentes reagentes testados. Reagentes Agente DNA Express Biotecnologia® Norovírus Roche® Invitrogen® HAV HAV Norovírus HAV Norovírus Inclinação da curva (Slope) Intercepto com eixo Y -3,88 -1,53 -2,62 -1,47 -3,49 -3,34 32,2 27,15 40,91 34,66 36,70 37,47 Lineariadade (R2) 0,96 0,51 0,92 0,71 0,99 0,99 Eficiência (%) 81,1 350,53 140,47 377,00 93,56 99,31 Ct médio Inicial /Final 17,5/32,9 22,5/28,8 30,8/41,5 28,8/34,1 19,1/33,3 24,3/34,6 Analisando os resultados tabulados para cada um dos reagentes avaliados, o desempenho do SuperScript III Platinum One-Step Quantitative RT-PCR System, Invitrogen® foi o mais adequado para as análises pretendidas. Acredita-se que isto está relacionado ao fato do equipamento utilizado ser o StepOnePlus™ Real-Time PCR System da marca Thermo Fisher Scientific, mesmo conglomerado que fabrica o Master Mix. Tendo sido definido o protocolo a ser utilizado todas as amostras foram avaliadas quanto a presença de Vírus da Hepatite A e Norovírus GII separadamente. Nenhuma amostra testada foi positiva para Vírus da Hepatite A, enquanto 15 amostras do total de 82 foram positivas para Norovírus GII (18,3%) (Figura 26). Estando estas amostras positivas distribuídas em todas as áreas de amostragem: Mandira, 03 amostras (n=21; 14,3%); Ilha da Casca, 03 amostras (n=21; 14,3%); Ponte, 07 amostras (n=20; 35%) e Balsa, 02 amostras (n=20; 10%), conforme tabulado na Tabela 9. 79 Figura 26: Curva de amplificação exibindo o perfil logarítmico da fluorescência emitida durante cada ciclo para as amostras positivas para Norovírus. 80 Tabela 9: Resultado da análise qualitativa por RT-qPCR para as amostras testadas para Norovírus. Data de Colheita Locais de Colheita Mandira Ilha da Casca Ponte Balsa 13/01/2015 NEG Nt Nt Nt 27/01/2015 NEG NEG NEG Nt 10/02/2015 Nt NEG Nt NEG 24/02/2015 NEG NEG NEG NEG 10/03/2015 NEG NEG POS NEG 24/03/2015 NEG NEG POS NEG 07/04/2015 NEG NEG NEG NEG 21/04/2015 NEG NEG POS NEG 05/05/2015 NEG NEG NEG NEG 19/05/2015 POS NEG NEG NEG 02/06/2015 NEG NEG NEG NEG 16/06/2015 NEG NEG POS NEG 30/06/2015 NEG NEG NEG NEG 14/07/2015 POS POS POS POS 28/07/2015 NEG NEG NEG NEG 11/08/2015 NEG POS NEG NEG 25/08/2015 NEG NEG POS NEG 15/09/2015 NEG NEG NEG NEG 06/10/2015 NEG NEG NEG NEG 02/11/2015 POS NEG NEG POS 03/12/2015 NEG POS POS NEG 05/01/2016 NEG NEG NEG NEG % de Positivos 14,3% 14,3% 35% 10% NEG = Negativo; POS = Positivo; Nt = Não testado. 81 Frente aos dados obtidos é possível notar que mesmo a região considerada mais limpa como a reserva do Mandira apresentou resultados positivos para Norovírus GII, o que mostra a capacidade de dispersão desses agentes por via hídrica e sua elevada resistência as condições ambientais. Esse resultado alerta para inclusão de agentes virais no escopo de monitoramento de condições higiênico-sanitárias de moluscos bivalves. Outro aspecto importante a ser destacado é que não foi possível estabelecer correlação entre a contaminação bacteriana e a viral, uma vez que, a área que apresentou maior contaminação bacteriana (Balsa) foi aquela que apresentou menor índice de contaminação viral, ao mesmo tempo que uma outra área também com contagem eleva de coliformes termotolerantes (Ponte) apresentou alto índice de contaminação viral. Nesse mesmo sentido, ainda se observou que a área de menor contaminação bacteriana (Mandira) apresentou índice de contaminação viral idêntico a área de contaminação bacteriana intermediária alta (Ilha da Casca). Os Indicadores bacterianos clássicos não são eficientes em prever o risco de agentes patogênicos, como vírus. A presença e os níveis de indicadores bacterianos nem sempre se correlacionam com a presença e concentração de vírus, especialmente quando estes estão presentes em baixas concentrações. Indicadores bacterianos são mais sensíveis à inativação por meio de processos de tratamento da água e pela luz solar do que os vírus, eles não têm uma fonte fecal exclusiva e eles podem se multiplicar em alguns ambientes, o que dificulta a correlação de dados (RODRIGUEZ-MANZANO et al., 2014) Por tanto, deve-se incluir no monitoramento das ostras para consumo humano a pesquisa de vírus e de indicadores de contaminação fecal para garantir a qualidade sanitária e menor risco de contaminação das pessoas. Fusco et al. (2013) pesquisaram agentes bacterianos e virais em bivalves da Itália, verificaram ausência de Salmonella spp. e vírus de hepatite A e presença de Norovírus e E. coli e relataram que não existe previsão de ser inserido na legislação italiana cláusula sobre a pesquisa de vírus para bivalves comestíveis e que por não existir correlação entre bactérias indicadoras de contaminação fecal e a contaminação por vírus é impossível avaliar o risco de exposição a população aos vírus de forma indireta pela avaliação de Salmonella spp. e E. coli.(FUSCO et al., 2013) Os relatos de Fusco et al. (2013) corroboram a situação encontrada pelo presente trabalho, uma vez que foi encontrado norovírus contaminando moluscos sem relações com o grau de contaminação bacteriana e que não existe, até o momento legislação que comtemple a pesquisa viral em bivalves, o que vulnerabiliza a população que consome esses alimentos. Até o momento, não existem dados que possam confirmar que todos os bivalves contaminados por vírus irão causar infecção nos consumidores. O desenvolvimento de uma infecção viral vai depender de uma série de fatores, entre os quais os seguintes: 1) a carga 82 viral presente no alimento, 2) a forma como o alimento é processado, o que pode ajudar a inativar o vírus, 3) a estabilidade do vírus durante o processamento, 4) a dose infecciosa do vírus, e, obviamente, 5) da susceptibilidade do consumidor, quase todos os fatores são iguais para todos menos a resposta individual do consumidor e a dose infecciosa que para norovírus e, particularmente, do HAV é muito baixa (ROVIRA et al., 2012). Norovírus é o vírus mais frequentemente implicado como agente etiológico de casos esporádicos e surtos em comunidades de gastroenterites virais associadas como o consumo de moluscos contaminados com poluição fecal (CAMPOS; LEES, 2014). Os dados obtidos nesse trabalho concordam parcialmente com trabalho de Leal Diego et al. (2013) sobre qualidade sanitária de bivalves em Cananéia usando um sistema de depuração baseado em UV. Ostras e água foram analisadas para diversos agentes, dentre eles os vírus: adenovírus, Vírus da Hepatite A e Norovírus GI e GII. O referido trabalho demostrou em ostras da região do Mandira, uma maior prevalência de adenovírus e também relatou a presença de Norovírus GI na mesma região e por fim relatou a presença de Vírus da hepatite A, que não foi observado neste trabalho e de Norovírus GII, também observado no presente trabalho em ostras de tanques de depuração de Cananéia (LEAL DIEGO et al., 2013). Souza et al. (2012) pesquisando vírus e outros agentes em ostras e água em Florianópolis-SC relataram a presença de adenovírus, Norovírus GI e GII, Vírus da hepatite A e JC poliomavírus, sendo o adenovírus o mais prevalente e norovírus GII e vírus da hepatite A somente encontrados em ostras. (SOUZA et al., 2012) La Rosa et al. (2012) avaliaram a presença de vírus entéricos: norovírus, adenovírus, enterovírus, astrovírus, vírus da hepatite A e E em bivalves por nested PCR e cultivo celular, encontrando nas amostras norovírus GII(4) e GIV(1), adenovítus tipo 1 e 2, vírus da hepatite A e echovírus tipo 7 inclusive em co-contaminação, sendo o norovírus o mais frequente. Os moluscos bivalves são filtradores que concentram o material particulado presente em grandes quantidades de água que filtram diariamente, a fim de obter alimento. Este material em partículas pode conter protozoários, bactérias e vírus que infectam os seres humanos se as águas de cultivo contêm matéria fecal de origem humana. Embora os agentes patogénicos estejam diluídos na água, depois da filtragem, moluscos bivalves concentram os vírus nos seus tecidos, especialmente nos tecidos digestivos. Atualmente, não existe nenhum tratamento cem por cento eficaz na eliminação de vírus a partir de tecidos de moluscos bivalves, e os mais eficazes prejudicam as propriedades sensoriais dos bivalves. Por conseguinte, a prevenção de infecção associados com o consumo de bivalves significa controlar as águas de cultivo. No entanto, os critérios microbiológicos clássicos baseados em valores de E. coli na água ou no tecido bivalve não garantem completa ausência de vírus nos bivalves (ROVIRA et al., 2012). 83 A contaminação viral de bivalves é um sério problema e vem sendo descrita em diferentes moluscos bivalves no mundo. Atualmente são conhecidos ligantes específicos em ostras para norovírus e que a expressão desses ligantes possuem grande impacto na bioacumulação desses agentes o que agrava a situação epidemiológica desses veiculadores (BENABBES et al., 2013) Significativas quantidades de norovírus pode ser introduzido no ambiente marinho a partir das descargas de esgoto, provenientes de fossas sépticas e por transbordamento de alguns sistemas. As descargas podem ser introduzidas diretamente nas águas de crescimento dos bivalves ou em cursos de água mais elevados. Estirpes clínicas de norovírus (GI e GII) rastreados em amostras ambientais demonstraram claramente as ligações entre norovírus em esgoto, água doce, e moluscos bivalves e doenças gastrointestinais (CAMPOS; LEES, 2014). Melhorias das condições de saneamento básico, assim como práticas de higiene adequadas constituem medidas preventivas importantes contra infecções pelo norovírus, principalmente pela ausência de tratamento específico ou vacina disponível comercialmente (PRADO; MIAGOSTOVICH, 2014). 84 5.3 ANÁLISES DE METAIS Nas amostras de ostras foi pesquisada a concentração do metais Chumbo, Cádmio, Zinco e Cobre por meio de espectrometria de absorção atômica. A precisão na recuperação de metais pela técnica utilizada, com base na análise de ostras adicionadas de padrões conhecidos, revelou porcentagens médias de recuperação de 95%, 96%, 98% e 103% para chumbo, cádmio, cobre e zinco. Nas Figuras 27, 28, 29 e 30 estão apresentadas as curvas de calibração traçadas com padrões monoelementares para Zinco, Cobre, Cádmio e Chumbo, respectivamente, onde ainda constam os seus coeficientes de linearidade (R²) e equação da reta. Com base na equação da reta de cada uma das curvas, onde “x” representa a concentração e “y” a absorbância, foi possível calcular as concentrações de cada um dos metais analisados, para cada conjunto de amostra de ostras. Substituindo-se “y” pelos valores de absorbância encontrados nas leituras de cada amostra determinou-se a concentração inicialmente em mg/L e posteriormente em mg/kg, em base seca e base úmida, a partir dos registros das pesagens de cada conjunto de amostra antes (peso úmido) e depois (peso seco) da secagem do material. Figura 27: Curva de calibração para Zinco. 85 Figura 28: Curva de Calibração para Cobre. Figura 29: Curva de Calibração para Cádmio. 86 Figura 30: Curva de Calibração para Chumbo. . Calculou-se a média, desvio-padrão, valor máximo e valor mínimo em ppm, em base úmida, para cada metal pesquisado, considerando todas as amostras e os resultados podem ser observados na Tabela 10. Tabela 10: Avaliação das concentrações obtidas na determinação dos diferentes metais, em ppm, em base úmida. Parâmetro Chumbo Cádmio Cobre Zinco Média 0,268 0,061 3,17 453,6 Desvio Padrão 0,156 0,013 1,06 144,8 Valor Máximo 0,535 0,091 6,20 820,4 Valor Mínimo ND 0,041 2,04 301,0 n= 20 *ND = Não detectado Com base na Resolução RDC Nº 42 de 29 de agosto de 2013 da ANVISA, que estipula como valores máximos permitidos para bivalves de ârsenio em 1,00mg/kg , chumbo em 1,50mg/kg, cádmio em 2,00mg/kg e mercúrio em 0,50mg/kg, foi possível observar que os valores médios, assim como os valores máximos de chumbo (0,268mg/kg e 0,535mg/kg, respectivamente) e cádmio chumbo (0,061mg/kg e 0,091mg/kg, respectivamente) abaixo dos limites fixados.(BRASIL, 2013). estão 87 Em relação aos teores de cobre e zinco foi tomado como base o Decreto nº 55.871, de 26 de março de 1965 que estabelece como limite máximo em alimentos 30mg/kg de cobre e 50mg/kg de zinco. Desta forma observa-se que os valores de cobre estão abaixo do limite fixado, contudo para o zinco o valor mínimo encontrado nas amostras supera o limite fixado em seis vezes. (BRASIL, 1965). A Figura 31 representa as concentrações de zinco para cada conjunto de amostras (período) nas diferentes áreas de amostragem. Não foi observada diferença significativa entre as concentrações nas áreas de amostragem ou quanto ao período de amostragem. Figura 31: Concentração de zinco nos diferentes períodos de amostragem para cada região amostrada. Dados semelhantes ao do presente trabalho foram relatados por Machado et al. (2002), que ao pesquisarem ostras de diferentes pontos de Cananéia (Mandira, Itapitangui, Porto e Retiro), encontraram valores máximos de zinco 844 ppm e médios de 402ppm, sem qualquer diferença entre pesquisadas..(MACHADO et al., 2002) as concentrações entre as diferentes localidades 88 Barros e Barbieri (2012) no entanto, relataram concentrações de zinco em valores dentro do limite fixado de 50ppm, em trabalho desenvolvido com ostras de quatro regiões de Cananéia (Mandira, Ilha da Casca, Itapitangui e Retiro). Rojas et al. (2007) pesquisando zinco em ostras em São Luís do Maranhão encontraram valores de zinco muito acima do estabelecido na legislação, o que corrobora com os achados do presente trabalho. Os autores afirmam ainda que o elevado teor de zinco nas ostras se deve às suas necessidades metabólicas por este metal, uma vez que, nestes organismos, o zinco é requerido em grandes concentrações para o seu metabolismo, mas ressalvam que o zinco, se consumido por pessoas em concentrações elevadas pode determinar vários efeitos tóxicos, como congestão, edemas, náuseas, diarreia, cólicas, choque e pneumonia; mas que, no entanto, a deficiência deste metal pode ocasionar atraso no crescimento. Segundo Galvão et al. (2009), o zinco é um metal essencial constitutivo de proteínas e enzimas como carbopeptidase A e B e anidrase carbônica, sendo bioacumulados em concentrações extremamente altas em tecidos de ostra sem que o organismo indique sinal de toxicidade aparente e que por isso é difícil avaliar a contaminação ambiental através dos dados de bioacumulação deste elemento em bivalves.(GALVÃO et al., 2009) Desta forma, a presença significativa de zinco nas ostras é um dos fatores que aumentam seu valor nutritivo em relação a outras fontes alimentares. O consumo de ostras pode, desta forma, contribuir para a melhoria do estado nutricional dos indivíduos na medida em que repõe os estoques de zinco necessários ao bom funcionamento do organismo (CAVALCANTI, 2003) As concentrações de cobre, cádmio e chumbo para cada conjunto de amostras (período) nas diferentes áreas de amostragem, estão representadas nas figuras 32, 33 e 34 respectivamente. Não foram observadas diferenças significativas entre as concentrações nas áreas de amostragem ou quanto ao período de amostragem. 89 Figura 32: Concentração de cobre nos diferentes períodos de amostragem para cada região amostrada. Figura 33: Concentração de cádmio nos diferentes períodos de amostragem para cada região amostrada. 90 Figura 34: Concentração de chumbo nos diferentes períodos de amostragem para cada região amostrada. Cavalcanti (2003) estudando contaminação de metais em ostras comercializadas em Recife-PE encontrou valores médios de cobre próximos aos descritos no presente trabalho e sustentou que os valores encontrados não implicam em riscos imediatos à saúde, de forma que, em relação ao suprimento das necessidades diárias destes elementos, o consumo de ostras é recomendado. Em contraponto, Rojas et al. (2007) identificaram em ostras de São Luís valores de cobre muito acima do estabelecido pela legislação brasileira e sustentaram que a ingestão do cobre em concentrações superiores ao limite máximo permissível pela legislação brasileira pode provocar intoxicação grave com aparecimento de vômitos, icterícia, coma, hipertensão, entre outros. Cerca de 40% a 70% do cobre ingerido oralmente são retidos no organismo, sendo o restante eliminado através das fezes e urina. (ROJAS et al., 2007) Machado et al. (2002) relataram valores comparáveis aos obtidos neste trabalho e também não observa, assim como o presente, diferenças entre as distintas áreas de amostragem. O mesmo autor descreve concentrações de cádmio e chumbo que corroboram com os achados desse trabalho, tendo para esse último elemento relatado valores mais baixos do que os aqui descritos, mas que, contudo, permanecem dentro dos limites estabelecidos na legislação. Descreve ainda que os valores encontrados para chumbo na localidade do Mandira são significativamente menores do que das do Porto e Retiro e para cádmio a 91 concentração no Retiro é significativamente menor do que em Mandira, o que não foi observado neste trabalho. (MACHADO et al., 2002) Barros e Barbieri (2012) não detectaram cádmio em ostras colhidas em Cananéia e observaram concentração média de chumbo em ostras bastante semelhante a descrita no presente trabalho e desta forma, dentro dos limites estabelecidos na legislação. Ainda descreveram que o Pb, em relação a outros estudados (Zn, Ni, Cu e Cd), foi o mais predominante metal encontrado em sedimentos dos pontos amostrados (Mandira, Ilha da Casca, Itapitangui e Retiro) e que a concentração nas ostras foi praticamente o dobro, para o referido metal, quando comparada a concentração encontrada nos sedimentos, destacando que estes animais estão bioacumulando o Pb, tornando-se motivo de preocupação ambiental e de saúde pública. (BARROS; BARBIERI, 2012) O Complexo Estuarino-lagunar de Iguape e Cananéia mostra ao longo de anos ser uma região que não apresenta teores metais pesados em águas e sedimentos capazes de comprometer o ecossistema, embora já se tenha detectado a presença de níveis elevados de Pb em pontos do Vale do Ribeira, especialmente na região norte, devido a atividades mineradoras, as quais poderiam contribuir de maneira significativa para contaminação do complexo estuarino de Cananeia localizado no setor sul, principalmente no que se diz respeito ao Pb. No entanto, notadamente a contaminação tende a decair gradualmente ao longo do rio até a sua desembocadura, pelo efeito da diluição o que, por sua vez diminui o impacto na região estuarina (MACHADO et al., 2002; BARROS; BARBIERI, 2012). Devido à interação dos bivalves com o sedimento de manguezais e sua forte capacidade de regularem a concentração interna de elementos essenciais a partir de quantidades crescentes no ambiente, eles podem ser considerados ótimos biomonitores ambientais para contaminação por metais pesados, todavia, devido à importância das ostras na alimentação, a avaliação dos teores de metais assume papel de vital importância social (BARROS; BARBIERI, 2012). Os metais, quando presentes em elevadas concentrações, apresentam toxicidade tanto no organismo humano quanto no animal, mas não somente quando em concentrações elevadas, pois teores de metais abaixo do estabelecido por agências internacionais também vêm sendo associadas a problemas à saúde humana. Baixas concentrações de chumbo e cádmio foram associadas ao aumento da prevalência de doença arterial periférica. Diversos outros problemas de saúde como perda de memória, déficit de atenção, distúrbios sensoriais, problemas nos sistemas motor, renal, cardiovascular, imune e reprodutivo, doença de Alzheimer e de Parkinson, entre outros, vem sendo associados a baixas concentrações de mercúrio em alimentos (DA SILVA FERREIRA et al., 2013). Atualmente a legislação de monitoramento de bivalves não prevê a pesquisa dos teores de metais pesados nesses animais, no entanto a Instrução Normativa Nº 42 de 20 de 92 dezembro de 1999 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que versa sobre o controle de resíduos em Produtos de Origem Animal, prevê a análise fiscal de metais pesados para pescado, grupo no qual os bivalves estão inseridos, embora exista essa previsão a realidade de análises não permite uma avaliação da real situação dos bivalves, tendo em vista que o grupo pescado é muito grande, envolvendo diversas espécies, ficando os bivalves diluídos nesse grupo, assim considerando que esses animais pelas suas características fisiológicas possuem maiores riscos, é plausível que a legislação de monitoramento da qualidade higiênico-sanitária de bivalves agrupe todos os perigos relacionados ao seu consumo e que essas análises possuam periodicidade proporcional ao seu risco. (BRASIL, 1999) E tendo em vista que, especificamente quanto aos metais pesados em ostras, determinação de suas concentrações permite avaliar de forma direta os riscos de exposição da população a estes agentes tóxicos, além de informar quanto à distribuição destas substâncias no ambiente conforme defendido por Galvão et al., (2009), é primordial que análises de metais esteja no escopo analítico de um programa de monitoramento previsto em legislação.(GALVÃO et al., 2009) 5.4 LEGISLAÇÃO VIGENTE FRENTE AOS RESULTADOS OBTIDOS As exigências dos consumidores por alimentos mais seguros e ambientalmente sustentáveis aumentam a cada dia, ao mesmo passo que também aumentam a produção e o consumo dos produtos da aquicultura, que possui na ostreicultura é um dos ramos com relevante papel socioeconômico-ambiental, pois garante renda e alimentos aos ostreicultores; movimenta mercados e preserva os ecossistemas. Considerando a capacidade de filtração e retenção de partículas que é característica fisiológica dos moluscos bivalves e a crescente degradação antrópica do ambiente, fica claro que há necessidade de monitoramento de perigos químicos e biológicos que coloquem em risco a saúde do consumidor. Neste trabalho foi identificada a presença de coliformes termotolerantes acima dos limites estabelecidos na legislação vigentes, bem como a presença de norovírus GII, que não possuem limites estabelecidos na legislação, em várias amostras de diferentes regiões de extração e engorda de ostras do município de Cananéia-SP, situação também já descrita por outros autores, conforme já citado anteriormente. O vírus da hepatite A também pesquisado não foi encontrado em nenhuma amostra e os teores de metais pesados das amostras se mantiveram dentro dos limites estabelecidos 93 na legislação com exceção ao zinco que apresentou valores extremamente elevados, porém este fato é considerado normal por se tratar da fisiologia do animal. A identificação de agentes patogênicos com grande impacto na saúde da população em ostras, mesmo as provenientes de locais de preservação, acentua a necessidade de monitoramento e fiscalização da qualidade higiênico-sanitária desses animais e mesmo a não identificação de algum agente ou identificação dentro dos padrões não extingue a necessidade de pesquisa, apenas indica que devem ser realizadas dentro de uma análise de risco, onde aquele perigo com maior probabilidade de ocorrência deve ser monitorado com frequência mais elevada. Nesse sentido, uma vez que para atuação da fiscalização são necessárias legislações robustas e atualizadas a fim de garantir execução precisa e coerente que cumpra o papel de proteger a saúde da população, se faz necessária a atualização constante da legislação vigente, a qual atualmente não prevê a pesquisa de outro agente que não a bactéria E. coli como indicador de inocuidade dos bivalves, mesmo com diversos estudos mostrando a importância da pesquisa de outros agentes como por exemplo, os vírus, o que ficou demonstrado neste trabalho. Além do constante monitoramento e da fiscalização é importante o desenvolvimento de políticas públicas no sentido de fornecer educação sanitária e ambiental para população, tendo em vista que a contaminação aqui abordada é reflexo da atividade humana sobre o ambiente, além do desenvolvimento e ampliação das redes de saneamento básico, bem como políticas de desenvolvimento para o produtor, para que o mesmo possa produzir com qualidade e ofertar o alimento inócuo que a população deseja, e ser recompensado por isso. Portanto, a presença de agentes patogênicos em ostras que se destinam a alimentação da população, demonstrada no presente trabalho, é uma forte evidência da necessidade de aprimoramento da legislação, da fiscalização e do controle higiênico-sanitário de moluscos bivalves, assim como é um indicativo de que a degradação do ambiente possui sérios reflexos nos alimentos nele produzidos. 94 6 CONCLUSÃO A ostreicultura ao mesmo tempo que possui importante papel socioeconômicoambiental sofre a pressão de fornecer alimentos inócuos a população. Nas ostras de Cananéia foram identificados contaminantes biológicos como coliformes termotolerantes e norovírus GII, mesmo em áreas de reserva ambiental. O vírus da hepatite A não foi identificado em nenhuma amostra, bem como não foram observados teores de metais (Cu, Pb e Cd) acima dos valores estabelecidos na legislação. Os valores de Zn encontrados estão acima dos limites estabelecidos, no entanto estão de acordo com o metabolismo normal das ostras. Ficou evidenciado que a fiscalização e o monitoramento da qualidade higiênicosanitária dos bivalves se fazem necessários. O monitoramento deve ser feito em relação a uma análise de risco de ocorrência. A legislação necessita de robustez e atualização para execução precisa e coerente no seu papel de proteger a população. Necessidade do desenvolvimento de políticas públicas no sentido de fornecer educação sanitária e ambiental a população e políticas voltadas ao produtor. 95 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMADO, L. A., MARCHEVSKY, R. S., DE PAULA, V. S., HOOPER, C., FREIRE, M. D. S., GASPAR, A. M. C., & PINTO, M. A. Experimental hepatitis A virus (HAV) infection in cynomolgus monkeys (Macaca fascicularis): evidence of active extrahepatic site of HAV replication. International journal of experimental pathology, v. 91, n. 1, p. 87-97, 2010. ARTHUR, S. E.; GIBSON, K. E. Comparison of Methods for Evaluating the Thermal Stability of Human Enteric Viruses. 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