Hospital do Servidor Público Municipal GESTAÇÃO DE TERMO NA VIGÊNCIA DE MIOMA UTERINO GIGANTE: RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA KELLY CHRISTINA SINATRA SÃO PAULO 2012 Hospital do Servidor Público Municipal GESTAÇÃO DE TERMO NA VIGÊNCIA DE MIOMA UTERINO GIGANTE: RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA KELLY CHRISTINA SINATRA MIGUEL ARCANJO PEDROSA SÃO PAULO 2012 KELLY CHRISTINA SINATRA GESTAÇÃO DE TERMO NA VIGÊNCIA DE MIOMA UTERINO GIGANTE: RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Comissão de Residência Médica do Hospital do Servidor Público Municipal para obter o Título de Residência Médica Área: Ginecologia e Obstetrícia Orientador: Professor Doutor Miguel Arcanjo Pedrosa São Paulo 2012 AUTORIZO A INCLUSÃO APENAS DO RESUMO DO TCC DE MINHA AUTORIA NA BIBLIOTECA VIRTUAL EM SAÚDE DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO/SP __________________________________ KELLY CHRISTINA SINATRA Hospital do Servidor Público Municipal KELLY CHRISTINA SINATRA GESTAÇÃO DE TERMO NA VIGÊNCIA DE MIOMA UTERINO GIGANTE: RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Comissão de Residência Médica do Hospital do Servidor Público Municipal para obter o Título de Residência Médica na área de Ginecologia e Obstetrícia Aprovado em: Banca Examinadora: ______________________________________ Examinador 1 Instituição ______________________________________ Examinador 2 Instituição ______________________________________ Examinador 3 Instituição Dedicatória Dedico este trabalho à minha querida família e ao ilustre mestre e orientador Dr. Miguel Arcanjo Pedrosa. Agradecimentos À Deus, sempre e por tudo. À minha amada mãe, Rosmeire, incentivadora e companheira em todos os momentos, sempre me auxiliando a superar as adversidades. À minha querida irmã, Keilla, que sempre teve muito orgulho das minhas vitórias e teve grande participação nas mesmas. Ao meu amado noivo, Fábio, que nunca desistiu das minhas causas, tomando-as para si e agindo sempre em meu benefício. À minha grande amiga, Tatiana, que me ofereceu grandes oportunidades tendo refletido em melhorias para mim e minha família. Aos meus estimados mestres, Dr. Miguel Arcanjo Pedrosa, Dr. Luiz Alberto Pereira Soares, Dra. Ida Maria Badin, Dr. José Roberto Miele, Dr. Cláudio Furtado Verdadeiro, Dra. Lígia Guarilla, Dr. Franklin Albert Shoji Kono (in memoriam), Dr. Gonçalo Peinado, Dr. João Baptista Santos Jr., Dr. Roberto Lojelo, que contribuíram decisivamente para minha formação médica e ascensão profissional e pessoal. À todos os médicos assistentes e amigos da enfermagem do Hospital do Servidor Público Municipal, que generosamente me acolheram e auxiliaram durante essa jornada. Às pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para a elaboração deste trabalho, destacando a paciente que foi generosa e permitiu tal realização. Resumo O leiomioma uterino é o tumor benigno mais comum do trato genital feminino, principalmente entre os 30 e 40 anos de idade, momento da vida feminina que tem sido escolhido, atualmente, para que ocorra a gestação. A associação de miomatose uterina à gestação leva ao aumento de casos de abortamentos, partos prematuros, restrição de crescimento fetal, apresentações anômalas, descolamento placentário, acretismo placentário, maior número de cesáreas e hemorragia no pós-parto, além de quadros de dor abdominal e até mesmo abdome agudo atribuídos à miomatose, que levam, inclusive, à necessidade de procedimento cirúrgico de urgência durante a gestação. A diversidade e a gravidade das complicações de tal associação deveriam gerar maior número de pesquisas na área, entretanto, realizando revisão de literatura, encontram-se poucos artigos sobre o tema, sendo a maioria deles relatos de caso ou experiências individuais de cada serviço, não existindo um consenso sobre a conduta a ser seguida. Este trabalho tem como objetivo relatar um caso de gestação que chegou a termo na vigência de miomatose uterina gigante e realizar revisão literária sobre o tema, utilizando-se para tal, de revisão de prontuário médico e pesquisa bibliográfica nos diversos bancos de dados disponíveis na internet. Palavras-chave: Leiomioma uterino, Miomatose uterina, Gestação. Abstract Uterine leiomyoma is the most common benign tumour in the female genital tract, especially between 30 and 40 years old, the moment in feminine life that has been nowadays commonly chosen for pregnancy. The association between uterine myomatosis and pregnancy results on an increase of the numbers of abortions, preterm births, fetal growth restriction, anomalies, placental abruption, placenta accreta, higher numbers of caesarean and post birth haemorrhaging, besides the cases of abdominal pain as well as acute abdomen attributed to myomatosis, which requires urgent surgical procedure during pregnancy. The variety and severeness of the complications caused by this association should result in a higher amount of researches on the subject. However, carrying out a literature review, just a few articles about this subject were found, being the major part of it case studies or individual experiences of each service, not providing a consensus about the conduct to be followed. This essay has objected to narrate a case of gestation that came to an end during a period of giant uterine myomatosis and to attain literature review about the subject, applying for that sake, a survey of medical record and bibliographical research through databases available in the internet. Keywords: Uterine leiomyoma, uterine myomatosis, pregnancy. Sumário 1. Introdução 1 1.1 Indicações de miomectomia na gestação 11 1.2 Indicações de miomectomia durante a cesárea 12 2. Relato do caso 15 3. Discussão 26 4. Referências bibliográficas 28 5. Anexos 30 5.1 Aprovação do relato de caso pelo C.E.P. do HSPM 30 1. Introdução O leiomioma uterino é o tumor mais comum do trato genital feminino. É um tumor benigno estrógeno-dependente e ocorre em 40% das mulheres, sendo o mais comum do trato reprodutivo feminino 1. Comum em mulheres entre 30 e 40 anos e é cerca de 3 a 9 vezes mais frequente na raça negra (Parker, 2007). Menos que 25% das pacientes com mioma têm sintomas. O sintoma mais comum é o sangramento uterino anormal. Pacientes com mioma comumente apresentam dismenorréia e/ou menorragia e podem ter sintomas compreensivos incluindo urgência urinária, distensão abdominal e constipação. Os leiomiomas são os tumores benignos mais comuns nas mulheres, são também chamados de miomas ou fibromas. São tumores de músculo liso e estroma conjuntivo vascular, dependentes de estrogênio 2. São classificados de acordo com a localização anatômica em submucoso (Figura 1), intramural e subseroso. Os submucosos são os que distorcem a cavidade uterina. Os intramurais não distorcem a cavidade e tem menos de 50% abaulando a serosa. Já os subserosos têm 50% ou mais do nódulo abaulando a serosa do útero, podendo ser sésseis ou pediculados 2. Figura 1. Imagem ultra-sonográfica transabdominal de uma gestação de 16 semanas mostrando um mioma distorcendo a cavidade uterina. A placenta está localizada anteriormente enquanto um grande (4,8 x 4,3 cm) mioma submucoso pode ser 2 visto na parede posterior. Adaptado de Ouyang et al . A incidência do leiomioma durante a gravidez varia de 0,09 a 3,9% e é mais frequente na atualidade que no passado 1. Tal fato seria a tendência atual da mulher moderna em postergar suas gestações, sobretudo após os 30 anos, ocasião em que os leiomiomas são mais comuns 1. Em decorrência da hipertrofia miometrial, da maior vascularização, existe, na gravidez, a possibilidade de crescimento do leiomioma. No entanto, a própria atividade uterina no trabalho de parto e a atuação de fatores de crescimento juntamente com a atuação de princípios endócrinos relacionados à lactação são fatores favorecedores da degeneração do mioma. Miomas e gravidez se manifestam com dores abdominais, mal-estar, sangramento genital e até abortamento espontâneo no 1º trimestre. Nos 2º e 3º trimestres, a presença do leiomioma é fator de risco para o parto prematuro, descolamento prematuro da placenta, restrição de crescimento fetal. As indicações de miomectomia durante a gestação são a ocorrência de dor abdominal severa, síndrome do mioma doloroso, crescimento rápido do tumor e nódulo localizado no segmento uterino inferior distorcendo o sítio placentário. No momento do parto, podem ser ressecados os miomas subserosos ou pediculados e aqueles localizados no segmento uterino, inferior devendo ser evitados os miomas fúndicos, volumosos e intramurais. A análise com ultra-sonografia permite o diagnóstico e monitora o leiomioma durante a gravidez, sua relação com a placenta deverá ser complementada com ultra-sonografia Doppler após a 26ª semana de gestação, visando não somente estudar a circulação feto-placentário, mas também a eventual presença do acretismo placentário. O avanço da ultra-sonografia obstétrica durante o pré-natal facilitou o diagnóstico 2. No passado, o diagnóstico na gestação era feito clinicamente e somente para grandes miomas palpáveis, estando o tratamento cirúrgico frequentemente empregado 2. Atualmente, porém, com a identificação de muitos casos pouco sintomáticos ou assintomáticos de diagnóstico exclusivo ultrasonográfico, o acompanhamento clínico ambulatorial é suficiente na maioria das vezes e a cirurgia não é uma constante na abordagem das leiomiomas durante a gravidez 2. A ultra-sonografia é uma arma propedêutica de fundamental importância na avaliação ginecológica, com grande papel na idade reprodutiva. Nos casos de leiomioma uterino é o primeiro método diagnóstico, tanto nos casos de infertilidade quanto na gestação. Apresenta alta sensibilidade (90% a 100%) e especificidade (87% a 98%), com altos valores preditivos positivos e negativos 2. A via transvaginal é a mais indicada, complementada ou não com a transabdominal, sobretudo em úteros volumosos e para melhor definir a topografia. Ao estudo ecográfico o leiomioma uterino se apresenta como um nódulo hipoecóico, de limite bem definido, sem efeito acústico posterior, com vascularização periférica ao estudo Doppler, o que o diferencia do miométrio, principalmente na gestação, em que não há a interface endometrial 2. Na gestação, a identificação da posição da placenta em relação ao mioma também é de grande importância, sendo realizada através da ultra-sonografia (Figura 2). Além do diagnóstico, o seguimento na gestação tanto do crescimento do nódulo quanto do desenvolvimento e apresentação fetal serão também realizados pela ultra-sonografia, permitindo um planejamento obstétrico adequado 2. Figura 2. Imagem ultra-sonográfica por via transabdominal de uma gestação de 18 semanas mostrando um mioma retroplacentário. A placenta está localizada anteriormente e o feto está em apresentação pélvica. Um grande (3,6 x 3,3 cm) mioma 2 submucoso pode ser visto atrás da placenta. Adaptado de Ouyang et al . Em casos de dor abdominal, o estudo ultra-sonográfico pode demonstrar a presença de leiomiomas volumosos (acima de 200 cm³) e achados de degeneração, com ecos heterogêneos e áreas anecóicas 2. O leiomioma degenerado poderá também perder sua característica ao Doppler, de vascularização periférica, em anel, dificultando ainda mais o diagnóstico 2. A ultra-sonografia também desempenha importante papel em guiar procedimentos invasivos na gestação, como a amniocentese e biópsia de vilo corial, os quais se tornam tecnicamente mais difíceis em úteros miomatosos 2. A gestação tem um efeito variado e inesperado sobre o crescimento do mioma, dependente da genética, de fatores de crescimento na circulação sanguínea e de receptores localizados no mioma. Observou-se em um estudo realizado em Los Angeles que em 69% dos casos dos miomas na gestação não ocorreu aumento e em 31% aumentaram seu tamanho principalmente no período compreendido até 10 semanas de gestação. Concluíram que o crescimento do mioma na gestação não está relacionado com seu volume inicial e seu decréscimo ocorre após 4 semanas do parto3. O mioma na gestação pode ser assintomático ou causar sintomas clínicos dependentes do tamanho e da localização do tumor, podendo provocar abortamento, descolamento ou retenção placentária, restrição do crescimento fetal, síndrome da compressão fetal e trabalho de parto prematuro. Em 5 % dos casos pode ocorrer degeneração do mioma na gestação, relacionado com a obstrução venosa tumoral periférica, levando a dor abdominal intensa. A influência da gravidez sobre os miomas não tem sido completamente estabelecida. As duas principais alterações que ocorrem no leiomioma durante a gravidez são: a alteração em seu tamanho e a degeneração vermelha ou degeneração rubra. Diz-se que os leiomiomas aumentam de tamanho durante a gravidez, fato este devido: aos altos níveis de esteróides sexuais durante o ciclo gestatório e a presença de hormônio lactogênico placentário (HPL) que tem atividade semelhante à do hormônio do crescimento (GH) que, por sua vez tem uma atuação sinérgica junto ao 17β-estradiol, promovendo o aumento destes tumores. Porém, em trabalhos atuais, não foi este o comportamento encontrado. Apenas 20% dos leiomiomas aumentaram de tamanho durante a gestação, enquanto nos restantes, 60% permaneceram inalterados e 20% diminuíram de tamanho. A degeneração rubra que atinge cerca de 10% dos leiomiomas quando associados à gravidez, ocorreria devido à ruptura de arteríolas no interior do tumor devido à obstrução venosa na periferia do tumor, dificultando a drenagem sanguínea 1. Os efeitos relatados do leiomioma sobre a gestação dependem do tamanho, do número e da localização dos tumores. É descrito aumento da incidência de abortamento, de partos prematuros, de apresentações fetais e distócicas, aumento da incidência de cesarianas, descolamento placentário, acretismo placentário e hemorragia no pós-parto. Outras consequências menos comuns: gestação cervical, inversão uterina, coagulação intravascular disseminada, retenção urinária e anomalias fetais 1. Miomas uterinos causam principalmente dor durante a gravidez 1 também chamada “síndrome dolorosa dos leiomiomas na gravidez”, presente em 10% dos casos. Consiste classicamente de dor localizada, náusea, vômito, febre baixa, leucocitose e aumento da atividade uterina, principalmente no segundo e início do terceiro trimestre de gravidez, seu tratamento é eminentemente clínico, com o uso de antiinflamatórios não esteroidais 1. Sangramento no 1º trimestre é comum em mulheres com miomas. O risco de aborto espontâneo pode estar aumentado 1. Em um estudo observacional de 113 gestantes com miomas, os abortos precoces foram mais comuns com miomas localizados no corpo uterino quando comparados àqueles em seguimentos mais baixos 1. Gestantes com miomas têm índices de parto pré-termo em mais de 21,5% e os fatores predisponentes incluem volume do mioma acima de 600cm3 e a presença de miomas múltiplos 1. A incidência de restrição de crescimento fetal é de, aproximadamente, 14 %, em gravidezes com miomas submucosos, retroplacentários, e de 6,6% em gravidezes onde não se detectou miomas. Este elevado índice de restrição de crescimento fetal não foi evidenciado com miomas intramurais ou subserosos 1. No entanto, em estudo com 670 mulheres submetidas ao parto cesárea, não houve diferença no índice de restrição de crescimento fetal entre gestantes com miomas e outras sem a patologia 1. O estudo mais amplo com 12.708 mulheres não demonstrou nenhum aumento no índice de restrição de crescimento fetal nas 492 gestantes com miomas 1. Miomas grandes podem exercer efeitos de pressão sobre o feto. Em um estudo recente da chamada síndrome da compressão fetal, em um mioma de grande volume (11.1 x 6,67 cm) resultou em dolicocefalia, moldando a cabeça fetal, assimetria de ventrículos cerebrais e restrição de crescimento fetal 1. A dolicocefalia foi evidenciada após estudo ultra-sonográfico nas primeiras 24 semanas de gravidez e amniocentese confirmaram cromossomos fetais normais. Em 1971, Beacham y col., definiram como "gigantes" os miomas que pesam mais de 11,3 kg. Em 2001 Briceño y col., reportaram uma série de 11 casos que pesaram menos de 11,3 kg em gestações com mais de 12 semanas e os catalogaram como "grandes" miomas uterinos. O índice de cesárea é dobrado nas mulheres com miomas. Com base no estudo em 2000 gestantes o parto disfuncional e distócia de apresentação foram mais comuns com miomas localizados em segmento uterino quando comparados em outra localização 1. Há trabalhos que elegem a incisão segmentar corporal como a indicada em casos de miomas grandes. Indicações atuais de cesárea corporal ► cesárea corporal prévia ► cesárea com histerectomia programada ► cesárea postmorten ► segmento inferior inacessível (aderências, miomas, etc.) ► grandes varizes no segmento inferior ► carcinoma de colo uterino comprometendo o segmento inferior ► situação transversa irredutível, especialmente dorso inferior ► prematuridade extrema com fatores desfavoráveis associados Tabela 1. Indicações atuais de cesárea corporal4 Da mesma forma que os miomas causam menorragia em paciente ginecológicas, os miomas também resultam em hemorragias no pós-parto. Porém, as incidências ainda são limitadas. Num estudo controlado de 183 gestantes, o índice de hemorragia pós-parto foi similar em ambos grupos, bem como o índice de retenção placentária 1. No entanto, um estudo anterior de 113 mulheres grávidas com mioma constatou elevado índice de retenção placentária e sugeriu que isto pode ser resultado de baixo desenvolvimento do mioma obstruindo a dequitação placentária 1. A metástase benigna de um leiomioma é uma condição rara caracterizada por tumores benignos das mais diferenciadas células musculares e de tecido conjuntivo, a maioria, geralmente, localizados nos pulmões,porém, pode ser encontrada em sistema renal, peritôneo, pericárdio. Pode ser diagnosticada após radiografia de tórax ou através de clínica como disfunção respiratória, tosse não produtiva, dispnéia e taquipnéia 1. Pode, no entanto, prejudicar a gravidez levando a um parto cesárea de emergência 1. O tratamento pode ser clínico, geralmente envolvendo tratamento hormonal com estrógeno e receptores de progesterona incluindo acetato de medroxiprogesterona, tamoxifeno e análogos de GnRH. O tratamento cirúrgico envolve ooforectomia bilateral, que geralmente resulta em regressão ou estabilização das lesões pulmonares 1. O tratamento tradicional dos miomas em gestantes é conservador, com controle da dor e monitorização fetal. Entretanto, o tratamento cirúrgico durante a gravidez foi considerado saudável levando ao bem-estar materno-fetal. A segurança dos procedimentos cirúrgicos para miomas durante a gravidez se dá, principalmente, ao controle das hemorragias para que o feto não sofra riscos 1. Entretanto, a decisão pela indicação cirúrgica para o tratamento dos leiomiomas concomitantes à gravidez é difícil 1 porque além dos riscos anestésicos e cirúrgicos para a mãe, há um pior prognóstico fetal. A técnica cirúrgica a ser utilizada deve ser individualizada para cada paciente e a experiência do cirurgião é fundamental. A laparoscopia diagnóstica ou mesmo cirúrgica em alguns casos é considerada segura e menos agressiva durante o primeiro e o segundo trimestre da gestação. A retirada dos leiomiomas durante o parto operatório é interessante e pode ser realizada, principalmente se forem subserosos ou pediculados, já que não há diferença entre os riscos cirúrgicos de sua retirada ou a sua permanência em pacientes previamente selecionadas 1. 1.1 Indicações de miomectomia na gestação A miomectomia é indicada em três condições selecionadas: (1) na dor abdominal severa não responsiva a antiinflamatórios não hormonais; (2) no rápido crescimento da tumoração causando dor; (3) dependendo de sua localização 3. Segundo Phelan 3, a dor abdominal pode ocorrer devido à alteração degenerativa do mioma em 5 a 8% dos casos, caracterizando a síndrome do mioma doloroso que compreende dor associada a náuseas, vômitos, febre, ocorrendo principalmente no segundo trimestre na gestação. Há casos relatados de dor decorrente do encarceramento do mioma em hérnia umbilical e por torção do pedículo do mioma subseroso 3. O mioma localizado no segmento inferior uterino distorcendo o sítio placentário e distando mais que 5 mm do endométrio tem sua indicação cirúrgica. Estudo realizado na Grécia por Lolis com 622 gestantes com miomas, observou que 2,6% destas tiveram complicação necessitando de internação e 2,1% foram submetidas à miomectomia. Nos casos de miomectomia, receberam internação por 72 horas, com uterolítico, retirando-se o dreno intrabdominal no primeiro dia pósoperatório. Após a alta, fizeram seguimento ultra-sonográfico de 2/2 semanas. Este caso de abortamento foi relatado na paciente com 40 anos de idade cujo mioma se localizava em segmento uterino inferior e intramural, com um volume de 1570 g. Concluíram que as duas complicações mais comuns da miomectomia na gestação eram aborto e hemorragia 3. 1.2 Indicações de miomectomia durante a cesárea Ainda é muito controversa a realização da miomectomia na cesariana, é um dilema de muitos obstetras por medo de hemorragia intra e após cirurgia com consequente indicação de histerectomia, assim muitos são treinados a evitar a miomectomia durante a cesariana. Realizado levantamento de estudos, nos quais os autores indicaram a miomectomia dependente da localização, do número e tamanho dos miomas e sua proximidade com grandes vasos. Estudos comparativos entre dois grupos, os que foram submetidas à miomectomia durante a cesariana e apenas cesariana. Kant , em 2007, relatou 9 casos de miomectomia na cesariana, dois miomas eram submucosos e 7 intramurais. Foi realizada histerorrafia em dois planos, com fio Vicryl 0, administrado ocitocina intra e pós-operatória, associados antibióticos e analgésicos. Observando variação de apenas 10% dos valores de hemoglobina. Michalas et al 3, relataram 18 casos de miomectomia na gestação, sendo 8 localizados em segmento inferior uterino. Não observaram complicações. Ehigieba 3 relatou 25 casos, sendo mais frequentes os miomas subserosos, intramurais e submucosos por ordem decrescente, 12 não tiveram complicações e os demais constataram anemia. Kwawukume 3 relatou 12 casos de miomectomia na cesariana sem complicações. Roman relatou 111 casos 3, 24% eram intramurais, 24% subserosos, 25% pediculados e os demais com localizações múltiplas. Concluindo que não havia diferença significativa em relação à hemorragia intraoperatória, tempo operatório, estados febris e estadias hospitalares. Kaymark 3 relatou 40 pacientes operadas, com miomas maiores que 8,1 cm, notando uma diferença de hemorragia de 12,5% nas cesarianas com miomectomia comparado a 11,3% naquelas com cesariana relacionando este valor com valores hematométricos iniciais com o pós-operatório. Li 3 estudou 1242 gestantes divididas em 3 grupos: 200 submetidas à cesariana, 145 de cesarianas com miomas, 51 cesarianas com miomectomia. Observando que no grupo em que se realizou a miomectomia, as pacientes tinham idades maiores às demais, com partos mais precoces e miomas múltiplos. Não foi realizado miomectomia nos casos de miomas em região cornual que eram únicos. Nos estudos, os autores observaram que não houve diferenças em relação à morbidade, febre no período pós-cirurgia, tempo de estadia no hospital, necessidade de transfusão e em relação a variações significativas dos valores de hematócrito no pós-operatório entre os grupos controles. A miomectomia na cesariana apresenta o benefício de reduzir custos de internação, menor exposição aos anestésicos para as pacientes. Trata-se de um procedimento seguro quando realizado por cirurgiões hábeis, dependente da localização, principalmente nos casos de miomas subserosos ou pediculados e os localizados no segmento uterino inferior que dificulta a histerotomia segmentar transversa. Deve ser evitada nos casos de miomas volumosos, fúndicos, intramurais e os localizados na região cornual podendo comprometer a fertilidade futura 3. Tipo de parto deverá seguir padrões obstétricos excetuando-se nos casos de miomas volumosos ou cervicais 3. A embolização da artéria uterina (EAU) é recente modalidade terapêutica conservadora do mioma sintomático, que pode ser uma alternativa para as mulheres que desejam preservar o útero. A EAU foi primeiramente descrita em 1995 1 e, em 1997, foi publicado o resultado do primeiro ensaio clínico americano 1. É um procedimento radiológico intervencionista, que utiliza a angiografia para visualização da circulação sanguínea. Subsequentemente, o fluxo da artéria uterina é bloqueado ou interrompido, causando infarto do mioma 1. É aceito que o crescimento do mioma é restringindo pela vascularização. Consequentemente, os miomas são mais sensíveis à redução do fluxo arterial do útero. Entretanto, a integridade do útero geralmente não é afetada por causa da adequada circulação colateral proveniente da artéria ovárica e vaginal 1. As complicações têm sido comparáveis a histerectomia e o grau de satisfação da paciente é alto. As complicações da EAU são várias. As duas mais comuns são: amenorréia e dor pós-operatória. É importante ressaltar que há maior incidência de acretismo placentário e atonia uterina no 3º e 4º período do parto independente da via de parto. A assistência ao parto obedecerá preceitos básicos obstétricos sendo reservada a indicação primária para cesárea de extensa miomatose ou de leiomioma cervical atuando como tumor prévio. 2. Relato do Caso Paciente: E.O.S.N, 33 anos, união estável, professora, branca. Queixa e Duração: Deu entrada no Pronto Socorro Obstétrico deste Serviço em 23/02/10 referindo sangramento genital há 15 dias. Anamnese: Secundigesta, com 1 parto normal prévio. Data da Última Menstruação: 18/12/09 Trazia Ultra-som realizado em 04/02/10 que mostrava miomatose uterina, com volume uterino estimado em 870ml. Ao exame: Bom estado geral, corada, hidratada, eupnéica Especular: sangramento coletado moderado Toque: colo grosso, posterior, impérvio, útero com volume aumentado, palpável na altura da cicatriz umbilical Hipóteses Diagnósticas: Miomatose uterina Gestação em curso Ameaça de abortamento Conduta: Solicitado exame de B-HCG sérico. Evolução: Após cerca de 1 hora, foi liberado o resultado de B-HCG como positivo, o que confirmou a hipótese de gestação em curso com ameaça de abortamento. Foi realizado ultra-som pélvico na mesma data, o qual evidenciou saco gestacional presente, com embrião presente e batimento cardíaco fetal presente, na vigência de miomatose uterina (ultra-som realizado sem laudo, pelo plantonista). Devido diagnóstico de ameaça de abortamento, optou-se pela internação da paciente para avaliação do sangramento. Em 24/02/10, a paciente apresentou melhora do sangramento e encontrava-se assintomática, tendo recebido alta hospitalar, já com encaminhamento para retorno no dia seguinte no Pré-Natal de Alto Risco (neste mesmo Serviço). Pré-Natal: Em 25/02/10, ocorreu a primeira consulta de Pré-Natal, com 9 semanas e 6 dias de gestação e altura uterina de 20cm. A paciente realizou 6 consultas de Pré-Natal ao todo, sendo a última em 26/08/10, quando encontrava-se com 35 semanas e 6 dias de gestação e altura uterina de 43cm. Cabe ressaltar que durante toda a gestação, a paciente manteve altura uterina incompatível com a idade gestacional, sendo sempre uma medida que suplantava o valor de normalidade adequado à idade gestacional, o que foi atribuído à presença de miomatose uterina diagnosticada anteriormente. Intercorrências: Retornou ao Pronto Socorro Obstétrico em 09/09/10 referindo "contrações" a cada 20min, encontrava-se então com 38 semanas e 4 dias de gestação (calculada pelo ultra-som precoce de 12 semanas e 5 dias realizado em 12/03/2010). Ao Exame: Altura Uterina: 43cm; Batimento Cardíaco Fetal: + 142bpm; Movimentação Fetal presente; Dinâmica Uterina presente; Toque: colo grosso, posterior, impérvio. Conduta: Internação para resolução via alta (cesárea) em virtude da miomatose uterina gigante. Intra-operatório: A cesárea foi realizada, tendo sido extraído feto único, vivo, feminino, peso 2745g, Apgar 8/9. Durante tentativa de dequitação, diagnosticou-se presença de acretismo placentário (placenta increta), tendo-se indicado histerectomia subtotal, a qual foi realizada sem intercorrências, tendo sido ressecado o corpo uterino ainda contendo a placenta, cujo peso foi 3995g (enviado para exame anatomopatológico). Figura 3. Útero miomatoso contendo placenta increta. Fotografado por Kelly C. Sinatra. Figura 4. Corpo uterino contendo placenta após histerectomia puerperal. Fotografado por Kelly C. Sinatra Figura 5. Área de acretismo placentário identificada após ressecção de corpo uterino e abertura do mesmo por incisão mediana. Fotografado por Kelly C. Sinatra Figura 6. Placenta após dequitação. Em destaque a área de acretismo. Fotografado por Kelly C. Sinatra Figura 7. Miomas submucosos. Fotografado por Kelly C. Sinatra Puerpério imediato: No pós-parto, aventou-se possibilidade de trissomia do cromossomo 21 no recém-nascido, tendo sido realizado cariótipo do mesmo, cujo resultado não confirmou a suspeita. A paciente e o recém-nascido evoluíram bem, sem complicações, tendo ambos recebido alta hospitalar após 3 dias de internação. Resultado de exame anatomopatológico: Em 13/09/10 recebemos o resultado do exame Anatomopatológico: - exame macroscópico: 1. útero puerperal previamente aberto no sentido longitudinal pela face posterior, com 3200g e 20cm de comprimento e cerca de 15x15cm de diâmetro, com colo apagado, serosa lisa, endométrio adelgadaçado de 0,1cm e vinhoso, miométrio amolecido e espessado com até 12cm de espessura e com múltiplos nódulos miomatosos de 0,5 a 7,0cm de diâmetro. 2. placenta discóide monocoriônica e monoamniótica que mede 19x15x3cm e pesa 625g. O cordão umbilical tem inserção paracentral, mede 37cm de comprimento e 1,3cm de diâmetro médio com 3 vasos identificáveis à macroscopia. A membrana corial está parcialmente lacerada, é translúcida e mede 0,1c m de espessura. Na face interna há diferenciação em 3 cotilédones mal delineados. - exame microscópico: 1. útero puerperal (mioipertrofia miometrial, edema intersticial, endométrio decidualizado e congestão) 2. leiomiomas intramurais múltiplos, dissociado por edema 3. coto tubário congesto 4. não há indícios de malignidade 5. placenta monocoriônica e monoamniótica do terceiro trimestre, com congestão 6. membrana corial e cordão umbilical sem particularidades. 3. Discussão Tal caso é de extrema importância pelo fato de envolver duas condições tão comuns às mulheres, como a gestação e a miomatose uterina, condições essas que, individualmente, são bem discutidas na literatura, porém quando associadas, geram condutas ainda não protocoladas, justamente pela falta de trabalhos publicados provando que uma ou outra conduta traga melhores resultados. É certo que realmente o melhor seja avaliar cada caso isoladamente e aplicar uma conduta adequada a cada um, já que nem todos os casos encontrados na literatura têm as mesmas características. O objetivo de se relatar este caso é divulgar nossa experiência e o resultado positivo que obtivemos, já que pelo fato de a paciente já ter prole constituída a histerectomia foi uma solução adequada e de fato resolutiva. A revisão da literatura realizada nos permitiu ter acesso à experiência de outros serviços tanto em nosso país, como no exterior. Percebemos que a miomectomia durante a gestação tem sido umas das condutas mais executadas 4,8,9, principalmente nos casos em que as pacientes acabam desenvolvendo a "síndrome dolorosa" ou entram em quadro de abdome agudo durante a gestação devido torção de miomas subserosos. Não encontramos relatos de miomectomia preventiva, ela só é indicada quando a paciente se torna sintomática. A grande maioria dos casos de gestação associada à miomatose não necessita de maiores cuidados, desde que a paciente esteja fazendo um Pré-Natal adequado e que avalie a gestação e a evolução da miomatose. Miomas submucosos estão mais associados a quadros de abortamentos e trabalho de parto prematuro, além de quadros como placenta acreta, que foi o que aconteceu com a nossa paciente e que foi algo decisivo para que optássemos pela histerectomia. Precisamos ressaltar que a histerectomia, por ser uma conduta extremista, deve ser bem avaliada. Em nosso caso, tornou-se a única conduta cabível, pela presença do acretismo placentário. A paciente foi notificada em sala cirúrgica, durante a cesárea, que seria necessário a histerectomia e, no caso dela, era uma boa solução, já que a mesma já tinha prole constituída e o recém-nascido nasceu em ótimas condições, mesmo porque tratava-se de uma gestação de termo. Nos casos de primiparidade ou prematuridade há de se optar, se possível, por conduta conservadora, a fim de manter a capacidade reprodutiva da paciente. O diagnóstico de miomatose prévio à gestação permitiria instituir uma terapêutica clínica ou até mesmo cirúrgica, por histeroscopia nos casos de miomas submucosos e por videolaparoscopia e/ou laparotomia exploradora nos casos de miomas subserosos e, portanto, melhorar as condições de uma possível gestação, diminuindo riscos de intercorrências gestacionais. 4. Referências Bibliográficas 1. Martins, Welington; Nastri, Carolina; Mauad, Francisco. 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