A FORMAÇÃO DO ESPÍRITO PÚBLICO do Estado de Cortes ao

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A FORMAÇÃO DO ESPÍRITO PÚBLICO
do Estado de Cortes ao Estado Legal
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)1
Neste tópico veremos que a história de afirmação do Estado Moderno deu-se em dois
sentidos: 1) contra as formas autocráticas e absolutistas próprias ao Antigo Regime; 2) como
conversão da ideia de soberania do poder, para a edificação da soberania popular, especialmente
porque a legalidade derivava sua força da legitimidade. O chamado Estado Legal deveria superar
uma fase monolítica do Poder Político e se apresentou pela primeira vez a coisa pública como
sinônimo de popular; a primeira vez em que o povo passaria a integrar uma política de Estado
que não fosse como peões que caminham para a guerra, mas sim integrando-se a soberania
popular como matriz das políticas públicas. O texto está dividido em duas partes.
1ª PARTE
A SOBERANIA ABSOLUTISTA
Na vigência do feudalismo temos a figura do Estado só no nome, uma vez que as
estruturas políticas não estão definidas. Nesta fase do Estado Feudal - período que compreende a
Idade Média - não temos os marcos históricos mais estimulantes para analisar as tipologias do
Estado e nem há grandes formulações ou teorias políticas. Evidentemente, há alguns elementos
que caracterizam esse chamado Estado Medieval: cristianismo; invasões bárbaras; feudalismo.
Pode-se dizer que no período há uma Filosofia Política católica, de certo modo embasada na
moral cristã, mas certamente não chega a compor a realidade da política e do Poder Público da
época. Por seu turno, há outros elementos ou circunstâncias que conformam o Estado Feudal:
A – permanente instabilidade política, econômica e social; B – distinção
e choque entre poder espiritual e poder temporal; C – fragmentação do
poder, mediante a infinita multiplicação de centros internos de poder
político, distribuídos aos nobres, bispos, universidades, reinos,
corporações etc; D – sistema jurídico consuetudinário embasado em
regalias nobiliárquicas; E – relações de dependência pessoal, hierarquia
de privilégios (Streck, 2001, p. 21 – grifos nossos).
A história desse Estado Medieval é longa e tortuosa, mas pode-se dizer que, do final do
Estado Romano até que se estruturasse um novo tipo de Estado ou sistema de produção, entre
feudalismo e capitalismo, transcorreram outros mil anos, agora sob a dominação do poder
1
Professor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia.
espiritual estabelecido no correr da Idade Média. Temos aqui um longo período em que, todavia,
apenas duas questões foram constantes: a oposição entre Estado x Igreja; tirania x justiça. Na
Idade Média como um todo predominara certa visão negativa do Estado2, pois o Estado acabara
sendo definido de forma limitada ou restritiva como se estivesse destinado à repressão, ao passo
que a salvação deveria provir da religião, da fé e mais especificamente da Igreja Católica.
O autor católico Isidoro de Sevilha (550-636) seria um exemplo claro do que se chama de
Estado negativo, ou seja, um tipo de Estado que não age senão sob a forma da ameaça e do
terror. O Estado também seria negativo porque não agiria de forma propositiva, mas só restritiva
e, principalmente, negativa quanto aos direitos. Temos, enfim, um Estado elitista e atento às
conveniências do poder e do modo de produção feudal ou estamental. Neste caso, a pena imposta
pelo Estado negativo seria a restrição da liberdade:
“Pela vontade de Deus, a pena de servidão foi imposta à humanidade
devido ao pecado do primeiro homem; quando ele nota que a liberdade
não convém a alguns homens, misericordiosamente lhes impõe a
escravidão. E, embora todos os fiéis possam ser redimidos do pecado
original pelo batismo, Deus, na sua eqüidade, fez diferente a vida dos
homens, ‘determinando que alguns fossem servos, outros senhores’, de
modo que o arbítrio que têm os servos de agir mal fosse limitado pelo
poder dos que dominam. Com efeito, se ninguém temesse, quem poderia
impedir alguém de cometer o mal? Por isso são eleitos príncipes e reis,
para que ‘com o terror’ livrem seus súditos do mal, ‘obrigando-os, pelas
leis, a viver retamente” (Sententiae, III, 47)3 (Bobbio, 1985, p. 78).
Veja-se que tanto a regra econômica (servidão) quanto a primazia de dizer o certo ou o
errado (moral) era de domínio religioso – uma prerrogativa da Igreja e não exatamente do
Estado. A frase Deus na sua equidade determinou que alguns fossem servos e outros senhores,
ilustra bem a função do poder religioso. As leis que devemos seguir para viver retamente
derivam desse poder espiritual, não do Estado e, por isso, não há poder secular.
Mil anos depois das afirmações de Isidoro de Sevilha, e já com Lutero 4, a pregação ainda
seria a mesma, com conselhos semelhantes para que se usasse da força com o mesmo intuito do
2
Se bem que esta também não é uma ideia comum, pois na Idade Média, sob os auspícios do catolicismo,
desenvolveu-se a noção de que o Estado deve buscar o bem comum.
3
A forma de governo alegada é claramente a monarquia despótica.
4
É preciso o compromisso e a promessa de Deus, tal qual se apresenta resumida na fé. O surgimento do Outro,
portanto, está associado a esta mesma fé: “A fé é feita de tal modo que quem crê num outro, crê justamente porque
considera o outro justo e verdadeiro” (Lutero, 1998, p. 35). Aquele que crê, reconhece o direito e a liberdade. A fé
une a alma a Cristo, como uma noiva ao noivo: “Assim, a alma traz consigo todos os vícios e pecados que
pertencerão a Cristo” (Lutero, 1998, p. 37). É a fé que honra os mandamentos. Nisto também está a soberania
amedrontamento (Bobbio, 1985, p. 79). É interessante notar que posteriormente Bobbio
desagravou a crítica endereçada à concepção negativa que se formou em torno do Estado
Medieval, porque igualmente ia ter-se desenvolvido uma concepção racional do Estado. Como
podemos ver, Bobbio chega a inverter os polos, chamando agora de concepção positiva do
Estado:
Concepção positiva é certamente aquela que remonta a Aristóteles, e
torna-se dominante na Europa da segunda metade do século XIII em
diante, quando se difunde o Aristóteles latino: o fim da comunidade
política, a koinonía politiké, a societas civilis na predominante tradução
latina, não é apenas o viver ou sobreviver, mas o bonum vivere, o viver
bem (Bobbio, 2000, p. 120).
O Estado é coerção e punição, e nisto é negativo, mas os filósofos do Estado e os
teólogos (da Moral) dirão aos servos que o Estado deve prover a vida boa e justa. Agora resta
saber para quem a vida seria boa e justa. De certo modo, Bobbio trata da Filosofia Política
católica alegada por muitos autores. Já o segundo grande problema alegado destaca a tirania ou
os cuidados a fim de que seja evitada, porque com tiranos não há segurança e nem justiça. Aliás,
o tema do novo príncipe, colocado por Maquiavel, inferia diretamente nesta grave questão da
tirania, como forma de abuso de poder e que, gerando descontentamento e resistência, acabaria
por provocar desestabilização do poder e do Estado5. Ainda com Bobbio temos um resumo
instigante das obras e dos autores centrais dessa temática:
Dos comentários medievais sobre a tirania, o mais célebre é o de Bartolo
(1314-1357); no De Regimine Civitatis, que introduz a distinção
(destinada ao êxito) entre o tirano que exerce abusivamente o poder –
“tyrannus ex parte exercitti” – e o que conquistou o poder sem ter direito
– “tyrannus ex defectu tituli”. Possivelmente o mais completo dos
tratados sobre a tirania é o de Coluccio Salutati, e Tratado sobre o
Tirano, escrito no fim do século XV... (Bobbio, 1985, p. 81).
Entretanto, Coluccio Salutati não será em nada originário e acabará promovendo quase
que uma cópia das fórmulas propostas por Aristóteles e depois retomadas por São Tomás, além
de Ptolomeu de Luca e Egídio Romano. As três formas de principatus ou exemplos de casos
espiritual, uma vez que o cristão serve a todos: “Onde ele for livre nada precisará fazer; onde for servo, deverá fazer
todo tipo de coisa” (Lutero, 1998, p. 49). O homem honesto, prudente em si mesmo, é o que tem boas obras para
justificar sua fé.
5
Ao contrário do que se pensa, mesmo em Maquiavel, a força tem de ser usada com parcimônia, ponderação e
sempre se demonstrando claramente que o fim último é a sobrevivência do próprio Estado.
concretos de tirania são: principatus regius; politicus e despoticus6. Porém, não devemos nos
esquecer que todo esse debate visava alertar para o perigo de instaurar a tirania e para saldar o
príncipe sábio e justo. Esse Príncipe sábio, não-tirano, é justamente aquele que se utiliza da força
de forma não abusiva ou indiscriminadamente7:
No que concerne à tirania, Coluccio retoma a distinção entre suas duas
formas, definidas por Bartolo: tirano é tanto o que “invadit imperium et
iustum non habet titulum dominandi” (o príncipe que conquista o poder
sem justo título a ele, sendo portanto um príncipe usurpador, ilegítimo)
quanto o que “superbe dominatur aut iniustitiam facit vel iura legesque
non observat” (o príncipe que, embora tenha título justo para exercer o
poder, o exerce em violação das leis, abusando de seus privilégios,
tratando cruelmente os súditos, etc). Por antítese, o príncipe legítimo e
justo – não tirano – é o que tem ao mesmo tempo um título justo (“cui iure
principatus delatus est”) e governa com justiça (“qui iustitiam ministrat et
leges servat”) (Bobbio, 1985, pp. 81-2).
Enfim, o grande tema político da Idade Média se pautava em como delimitar e evitar – o
quanto possível – a tirania. Portanto, ao contrário disso, o governo não-tirânico, não-despótico,
era o governo estabelecido com parcimônia. E estas eram exatamente as lições prolatadas pela
Filosofia Política católica – mais uma moral política, um guia do bem e do mal, do que
exatamente Ciência Política. Neste sentido, a Ciência Política não é moral, nem imoral, é
simplesmente amoral.
Nesta fase, Filosofia Política e Ciência Política se distanciam porque, enquanto a
Filosofia Política indicava como se deveria regular o Poder Público, a Ciência Política –
especialmente depois de Maquiavel – indicava a realidade dura e nua do poder e dos poderosos.
Como diz Darcy Azambuja (2001), a respeito das ideias que circundavam o grande preceito da
soberania, entre filosofia e realidade há uma grande distância:
Bigne de Villeneuve assim as resumiu no que respeita à ideia de Estado.
Existe um Direito Natural, de origem divina, ao qual toda a atividade
humana, e conseqüentemente a do Estado é subordinada. Existe um Direito
Positivo de que o Estado é o criador, mas que também se deve harmonizar
com o Direito Natural e tende a realizar o bem público. Seus preceitos
mais gerais são obrigatórios também para o chefe do Estado. A direção do
Estado compete ao Príncipe ou a uma Assembleia, que devem procurar o
6
“O principatus regius é aquele em que o rei governa como o pai sobre os filhos; o politicus, aquele em que governa
como o marido sobre a esposa; o despoticus, como o senhor sobre os escravos” (Bobbio, 1985, p. 81).
7
“Daí ameaçar o Senhor tais governantes por Ezequiel (34,2): ‘Ai dos homens que a si mesmos se apascentavam
(como procurando os seus próprios interesses) – porventura não são os rebanhos apascentados pelos pastores”
(Aquino, 1995, p. 128-129).
bem público, são responsáveis perante Deus e até certo ponto perante os
homens. A essa ideia de Estado, contida nos grandes sistemas filosóficos
medievais, opunha-se a noção de Estado, a realidade (p. 144).
Isto é o que preceituava, diremos outra vez, a Filosofia Política católica da época, porém
não era o que se encontrava na ação diretiva daqueles que exerciam o poder. Entre o dever-ser
dos atores sociais e o resultado final das múltiplas forças políticas atuantes (o Rei ou Príncipe
eram apenas uma das forças em questão), havia uma distância considerável com muitos
obstáculos, e este governante acabava, em geral, refém dos vários polos em conflito. Mas,
vejamos mais um pouco das condições propriamente políticas em que gravitava este pretenso
Estado Feudal.
TODO PODER PROVÉM DE DEUS
Fala-se ainda de um pretenso Estado Medieval porque, na Idade Média, a figura do
Estado como centro de poder desaparece – a política se esfacela, surgindo muitos concorrentes
ao Estado e ao rei, a começar da própria Igreja Católica e dos demais estamentos sociais. O
Estado se mostra enfraquecido e/ou impotente diante de tanta concorrência pela hegemonia do
poder político. Aliás, se a política e o poder eram tão fragmentados e distribuídos pela sociedade
é porque faltava justamente hegemonia e controle unificado. Porém, mesmo com esta estrutura
política, há a passagem da insegurança geral à pequena segurança local – o senhor feudal deveria
garantir a segurança dos servos em cada feudo, em troca de parte de seu tempo disponível para o
trabalho. É curioso lembrar que, em caso real de guerra, os servos é que deveriam lutar.
Já o Cristianismo, como Filosofia Política, acenava com o poder do bem comum 8 –
certamente como forma ideológica que camuflasse todas as contradições e/ou conflitos sociais e
políticos. De todo modo, a Igreja tentava impor certos limites ao exercício do poder – até para
que não soasse como o uso do poder nu e cru: Non est potestas nisi a Deo (algo como: em última
instância, “o poder pertence a Deus”).
De qualquer forma, o poder deveria ser exercido com sabedoria e um mínimo de
aquiescência ou de legitimidade dos servos: Regnum non est propter regem, sed rex propter
regnum (“o rei existe para o reino” e não o contrário). Deste modo, pode-se dizer que se
almejava o consenso: “É nesse elemento de ordem objetiva em que reside a principal garantia
8
João XXIII, na Encíclica Pacem in Terris, em 1963, dirá: “o bem comum consiste no conjunto de todas as
condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”.
das pessoas” (Miranda, 2000, p. 60). É interessante frisar que, mesmo o poder religioso buscava
formas de legitimação de seus atos e editos de poder.
A desorganização experimentada no Estado germânico serve como um bom referencial
desse período, pois é ilustrativo do que se vivia em termos políticos nesta era, o tempo de
florescerem as concepções cristãs e germânicas. A formação histórica do Estado Germânico nos
indica a conturbação de forças e poderes que assolavam o Estado medieval. Como bem diz
Jellinek: “...a princípio o Estado germânico é uma associação de povos a quem falta a relação
constante com um território fixo, o enlace permanente do território com o povo só muito
lentamente se levou a cabo em sua história” (2000, p. 307 – tradução livre). Neste sentido,
faltava ao Estado Germânico e ao Estado Feudal um enlace entre povo e território, ou seja, o que
chamamos de adensamento e de identidade cultural.
A base do poder era móvel, não havia plena identificação entre o Poder Público e o
território, bem como ainda se lidava com grande variedade de costumes e de interesses. Não é
fácil de se supor, mas a desordem política e a resistência ao poder central produziam inclusive a
mobilidade física do Príncipe. Vejamos, novamente com Jellinek (2000), o exemplo da
Alemanha:
A residência do Príncipe era algo completamente contingente e
independente da organização do Estado. Por conseguinte, faltava-lhe desde
o início a centralização. A dificuldade de organização para um povo que se
estendeu por um vasto território e carece de um centro, é ainda maior em
uma época em que as comunicações eram rudimentares e predominava a
economia agrícola (Jellinek, p. 307).
Além da escassez econômica – que só começou a se modificar com o desenvolvimento da
maquinaria e da produção que conduziu à Primeira Revolução Industrial –, o próprio Príncipe ou
Rei (enquanto representantes do Poder Público) não fortaleciam a identificação territorial. Diz-se
que a ideia de Estado não sobreviveu ao feudalismo, porque o eixo do poder já não passava pelo
Estado, estando antes, sobretudo, dirigido às relações mantidas entre Igreja e sociedade. Às
vezes, o Estado até se interpunha (ou tentava), mas sempre como intermediário, não como centro
destacado de soberania.

No feudalismo, além de ser dissolvida a noção de Estado, ao invés de IMPERIUM
(“poder como faculdade soberana de mandar” – e que provém do Estado) passou a
vigorar a noção de DOMINIUM (família e propriedade 9: a política migra do geral
para as particularidades sociais). Com isso, temos também o que se configura, desde
Max Weber, como Estado Patrimonial: o Estado é parte do patrimônio particular
dos que detêm o controle do Poder Público – a política é posse privada. É como se
o Patrimônio Público se torna-se gradativamente propriedade privada dos
mandatários e poderosos que controlam a máquina pública10.
Por fim, outra vez comparativamente ao Império Romano, há um dualismo na base
política e jurídica: “O reino germânico nasce, pois, como um poder limitado; por conseguinte,
desde seu início traz consigo um dualismo: o direito do Rei e o direito do povo, dualismo jamais
superado na Idade Média11” (Jellinek, 2000, p. 308). Outros autores encontraram uma fase
intermediária entre o feudalismo e a própria unificação do poder, como se terá sob a égide do
Estado Moderno. Esta fase intermediária será apelidada de Estado de Cortes.
Estado de Cortes
O Estado de Cortes não foge muito à estrutura fragmentária do poder havida no
feudalismo – apenas se coloca numa fase intercalada entre o Estado Feudal esfacelado e o
Estado Moderno, dominado pelas Monarquias Absolutas (Estado Absoluto – também indicado
como Estado de Polícia).
No nosso caso, o Estado de Cortes não passa de um Estado Estamental, dividido em
estamentos12, na medida em que predominam as mesmas dualidades políticas - tipicamente a
oposição entre Rei x estamentos. Nessa estrutura de comando, o Rei tem algum poder de fato
(não é somente um mero coadjuvante ou enfeite), mas trata-se de um comando exercido em
conjunto. Em suma, no Estado de Cortes, o Rei tem legitimidade e poder, mas só conseguiria
governar com o auxílio das cortes: um tipo de Estado dual ou bipartido.
O Estado de Cortes não é mera extensão do feudalismo, porque com certo poder o Rei já
não é só marionete, mas também não é soberano porque tinha que negociar em tudo o que
9
É como se os centros de poder tivessem migrado do Estado, do Poder Público, para a instância da família,
enquanto referência do Poder Privado.
10
Deve-se perguntar: o que sempre foi o coronelismo no Brasil?
11
Em outro momento, como a reforçar o já dito: “...o Estado nos aparece como um duplo Estado em que o príncipe
e as Cortes têm cada um seus funcionários particulares, tribunais e até exército e embaixadores” (Jellinek, 2000, pp.
309-310).
12
Estamentos são nivelamentos sociais que não permitem mobilidade social, nem como ascensão e nem declínio
brusco. Os nobres falidos da Corte seriam mantidos pelos demais membros dessa Corte, para demonstrarem que a
Corte mantinha o poder e o prestígio de sempre.
realmente fosse importante. Como diz Radbruch, além de lutarem contra o rei, porventura, as
Cortes ainda desafiavam os senhores feudais:
... o Estado de Cortes se afigura, contudo, como uma duplicidade de
Estados entrelaçados: de um lado o senhor feudal, soberano irrestrito
apenas em seu domínio; de outro lado, as Cortes com soberania quase tão
irrestrita sobre os pequenos proprietários, cobrando-lhes impostos,
julgando-os, chamando-os às armas; reunindo-se em assembleias sem
serem convocadas e negociando com o senhor feudal em pé de igualdade,
a ele se submetendo apenas à medida que se tenham submetido
espontaneamente, atendendo ao chamado às armas por contrato de
vassalagem, comprometendo-se a apoio financeiro através de atributos
por ele solicitados; provavelmente tratando com potências estrangeiras
através de enviados próprios, contrariando a política do senhor feudal. A
dupla soberania anárquica do Estado de Cortes conduziu
obrigatoriamente a uma luta constante pela soberania única (1999, p. 38).
A principal característica do Estado de Cortes, portanto, é a política de Estado negociada
com as cortes. Ainda são características desse Estado de Cortes a existência de direitos
fragmentados e estratificados, além de que há representação por estamentos. Isto é, dependendo
do estamento a que pertencessem, vigoravam determinados direitos e capacidades sociais e
políticas – daí se falar em Estado Estamental. Por isso, vê-se que o Estado de Cortes ainda pode
ser chamado de Estado Corporativo, ou seja, a política de interesses está dividida em estamentos.
Mas também as corporações (tipicamente relacionadas à produção) iriam disputar seu quinhão ou
parcela de poder.
Estado Corporativo
Sob a expressão Estado de Cortes, pode-se ver um Estado que precisa negociar
extensamente com as muitas corporações, sejam elas de ofício (de trabalho e de produção), sejam
as destinadas à participação política da nobreza13. No estudo do Estado Corporativo, trata-se da
análise da estrutura administrativa do Estado Medieval que permite certa autonomia política,
administrativa e jurídica às localidades territoriais. De todo modo, quase que reprisando o que já
vimos, o Estado Medieval é um tipo de Estado que se caracterizava especialmente pela
atomização do poder e da política. Assim, quando comparado à herança política romana é ainda
mais evidente a existência dessas dicotomias no acento do poder:
13
Pode-se dizer que há representação do poder em assembleias estamentais, sob a forma de Parlamentos, Estados
Gerais, Dietas e /ou Cortes (Miranda, 2000, p. 77).
Onde quer que dominasse a Constituição municipal romana, acentuandose a substantividade política das cidades, algumas chegam em certas
ocasiões, como na Itália, a alcançar uma absoluta independência.
Posteriormente, e dotadas de privilégios reais, fundam-se na Alemanha e
na França cidades que chegam a conseguir, ao menos parte delas, um
caráter de corporações soberanas. Por isto, a divisão dual da natureza do
Estado significa por sua vez a atomização do poder público, e toda a
história dos Estados da Idade Média é ao mesmo tempo uma história do
ensaio para chegar a vencer este desmembramento ou, ao menos, para
minorar suas consequências (Jellinek, 2000, p. 309 – tradução livre).
Neste Estado Corporativo, a sociedade aparece claramente dividida em grupos, camadas
ou setores sociais (chamados de estamentos) sem que haja possibilidade concreta de mobilidade
social. Um exemplo clássico da luta pelo Direito e pela participação vem da Inglaterra, quando
os estamentos lutavam contra o Rei, a fim de que este admitisse as garantias individuais (Bill of
Rights). Dentre outras garantias, este documento, o Bill of Rights, propugnava pela defesa de
alguns direitos individuais. É o caso preciso da liberdade individual, ainda restrita ao comércio,
mas que deveria ser assistida juridicamente, agora por meio de um instrumento jurídico chamado
Habeas Corpus. Em regra, contudo, temos aqui um Estado que serve à Igreja, que lhe é
submisso. Esta tipologia que interpõe o Estado de Cortes entre o feudalismo e o absolutismo,
também é partilhada por Bobbio (1987):
À base do critério histórico, a tipologia mais corrente e mais acreditada
junto aos historiadores das instituições é a que propõe a seguinte
sequência: Estado Feudal, Estado estamental, Estado absoluto, Estado
representativo. A configuração de um Estado de estamentos, interposto
entre o Estado Feudal e o Estado absoluto, data de Otto von Gierke e
Max Weber, e após Weber foi retomada pelos historiadores das
instituições sobretudo alemães (p. 114).
Em termos semelhantes ao que já viemos analisando, para Bobbio, o Estado Estamental é
um tipo de Estado que não aglutina forças políticas suficientes para controlar os demais setores
políticos e religiosos e tampouco as classes sociais dessa época. Portanto, trata-se de uma fase
intermediária e que irá desembocar no Estado Moderno – este, absoluto em sua primeira
configuração:
Como forma intermediária entre o Estado Feudal e o Estado absoluto, o
Estado estamental distingue-se do primeiro por uma gradual
institucionalização dos contra-poderes e também pela transformação das
relações de pessoa a pessoa, próprias do sistema feudal, em relações entre
instituições: de um lado as assembleias de estamento, de outro o rei com
seu aparato de funcionários que, onde conseguem se afirmar, dão origem
ao Estado burocrático característico da monarquia absoluta. Distingue-se
do segundo pela presença de uma contraposição de poderes em contínuo
conflito entre si, que o advento da monarquia absoluta tende a suprimir
(Bobbio, 1987, p. 115).
A disputa acirrada pelo controle do Estado, da burocracia, do exército, das instituições
regulatórias só se dará, contudo, na passagem ao Estado Moderno. De certo modo, esta também
será uma fase apenas iniciada pelo absolutismo, uma vez que era necessária a divisão dos
poderes14 para que o perfil institucional do Estado Moderno estivesse mais bem definido. O
perfil definido é aquele que aponta para um Estado unitário, fortalecido e reconhecido por todos.
O Estado Feudal, todavia, ainda será conhecido por seu pluralismo jurídico porque, não havendo
centralização política, também não há uniformização jurídica:
Dizendo que a sociedade medieval tinha um caráter pluralista, queremos
afirmar que o direito segundo o qual estava regulada originava-se de
diferentes fontes de produção científica, e estava organizado em diversos
ordenamentos jurídicos. No que diz respeito às fontes, operavam na
sociedade medieval ao mesmo tempo, ainda que com diferente eficácia, os
vários fatos ou atos normativos que, numa teoria geral das fontes, são
considerados como possíveis fatos constitutivos de normatividade jurídica,
quer dizer o costume (direito consuetudinário), a vontade da classe política
que detém o poder supremo (direito legislativo), a tradição doutrinária
(direito científico), a atividade das cortes de justiça (direito
jurisprudencial) (Bobbio, 1992, p. 11).
Esta foi, sem dúvida, uma intensa e extensa experiência do chamado pluralismo jurídico,
pois tivemos, como fontes do Direito, os costumes, a política, a religião e o Judiciário, o que,
certamente, não convinha a quem mantivesse aspirações de centralizar o poder e o Estado. Além
disso, pode-se dizer que o pluralismo jurídico e político medieval era capaz de produzir
interpretações variadas, múltiplas do Direito. Ora os clérigos buscando o Direito a partir da
Moral e da Teologia Oficial, ora os senhores feudais (muitas vezes em litígio com o Rei) que
viam no Direito a mera extensão de seus próprios hábitos pessoais, familiares ou nobiliárquicos.
Ou os próprios servos que tinham sua noção de Direito extraída da cultura, das tradições (muitas
vezes tradicionalismo, como no caso do senhor feudal que tinha direitos sobre a primeira noite
das noivas) e/ou dos valores familiares. Então, tanto as fontes quanto as interpretações do Direito
eram variadas e isto, é claro, não favorecia a uniformização do poder. Por isso, não é difícil de se
14
Ou das funções, uma vez que o poder soberano é uno.
perceber que havia imensos conflitos jurídicos com os vários segmentos sociais, políticos e
religiosos disputando entre si o controle legal:
Com a autoridade central enfraquecida, as atividades legislativas, judicial
e administrativa serão disputadas entre os reis, a Igreja, os senhores, as
corporações e explicadas com o recurso a ideias variadas [...] Os poderes
militares, administrativos, fiscais e jurisdicionais dos senhores feudais
serão explicados pela situação patrimonial, pela posse da terra, regulada
pelo direito privado (Sundfeld, 2004, p. 33).
Portanto, a primeira centralização e unificação que se deu a partir daí foi exatamente em
relação às fontes jurídicas legítimas – quando o Estado passasse a ser fonte reconhecida do
Direito. O Estado será a fonte única do Direito, a fonte jurídica monista, e com isto vamos ao
próximo capítulo, tratar justamente do Estado Moderno. Mas antes vejamos um breve resumo do
Estado Medieval.
RESUMO: Estado Medieval - características

Fases do Estado Medieval: Feudal – Estamental - Cortes – Corporativo.

Modo de Produção Feudal:
a) Vassalagem: os proprietários menos poderosos são submetidos.
b) Benefício: contrato entre o senhor feudal e o chefe de família – o servo
recebia terras para produzir, mas teria que trabalhar para o senhor feudal.
c) Imunidade: algumas glebas estão isentas da aferição de tributos.
1. Permanente instabilidade institucional: política, econômica e social.
2. Oposição entre poder espiritual e poder temporal.
3. Fragmentação e multiplicação de centros internos do Poder Público: nobres, bispos,
universidades, reinos, corporações.
4. Pluralismo Jurídico - base consuetudinária embasada em regalias nobiliárquicas.
5. Relações de dependência pessoal, hierarquia de privilégios.
6. Não está em vigência o IMPERIUM (“poder como faculdade soberana de mandar”:
Estado).
7. Vigora a noção de DOMINIUM (família e propriedade – a política migra para o
doméstico).
Estado Patrimonial – características

Hereditariedade, primogenitura e inalienabilidade da propriedade rural.

Relações de sujeição, domínio, posse.

Relações de clientelismo:
- Favoritismo - favorecimento pessoal.
- Punição exemplar dos adversários (não há neutralidade).

A relação jurídica se baseia em privilégios (leis de caráter privado), regalias,
imunidades, salvo-condutos.

Privatização da política – o espaço público cede às pressões do espaço privado. O
geral se enfraquece diante do particular.

Tirania: principatus regius (pais e filhos) - politicus (marido e esposa) - despoticus
(senhor e servo).
2ª PARTE
ESTADO LEGAL
o direito como dominação ou liberdade?
Veremos agora um acerto de contas com as formas desorganizadas, mas absolutistas que
formaram o Antigo Regime.
Direito e Dominação no Estado Legal
Neste momento, o objetivo é relacionar Direito e Política de um ponto de vista mais
orgânico e menos formal, destacando alguns momentos históricos, especialmente o século XIX e
a afirmação de novos direitos – agora já tendo em pauta a passagem do Estado Legal para o
Estado de Direito moderno. O Estado Legal exprimirá o próprio processo histórico de
constitucionalização do Poder Político e que Jorge Miranda (2000) denominou de auto-regência
do Direito ou do jurídico, frisando que é uma das garantias ou das conquistas trazidas pelo curso
do liberalismo: a outra base do Estado Constitucional. As conquistas e as transformações
perpetradas pelo liberalismo, na ordem constitucional, serão de duas maneiras ou formas
distintas e complementares:
Diretamente: a abolição da escravatura, a transformação do Direito e do
processo penais, a progressiva supressão de privilégios de nascimento, a
liberdade de imprensa. Indiretamente: a prescrição de princípios que,
ainda quando não postos logo em prática, viriam, pela sua própria lógica,
numa espécie de auto-regência do Direito, a servir a todas as classes, e
não apenas à classe burguesa que começara por os defender em proveito
próprio (assim, a partir da liberdade de associação a conquista da
liberdade sindical e a partir do princípio da soberania do povo e do
sufrágio universal) (Miranda, 2000, p. 89).
Vemos que mesmo o desenvolvimento liberal do Direito permitirá que, em algum
momento posterior, outros grupos ou classes sociais façam uso dos principais institutos jurídicos.
Não há uma diferenciação substancial quanto à auto-regulação do jurídico, mas é bom dizer que
isto não implica em autonomia ou desligamento do jurídico em relação ao político. De todo
modo, há a sugestão de que este é o fundamento político em que está assentado o Estado de
Direito15. Miranda ainda irá frisar o seguinte:
É justamente por efeito desta auto-regência do jurídico que até as
próprias classes inferiores podem vir a ter interesse na realização do
direito estabelecido pelas classes superiores. É esta a razão que nos
explica por que, tantas vezes, na luta pelo direito as classes oprimidas se
tenham convertido em defensoras da ordem jurídica estabelecida que as
classes superiores impuseram sobre elas. É que esse direito, apesar de ser
de classe, é sempre direito e, sendo direito, jamais ousará apregoar
francamente o interesse da classe dominante. Encobri-lo-á sob a
roupagem duma forma jurídica, redundando assim, qualquer que seja o
seu conteúdo, em benefício de todos os oprimidos (Miranda, 2000, p. 89).
O Estado Legal, como estrutura político-jurídica posterior à Revolução Francesa, é
exemplo de uma dessas fases de inversão, subversão do Direito Posto. Isto é, o mesmo Direito
que outrora tinha sido criado para o estrito cumprimento do exercício legal (simples e direto) da
dominação de uma classe social sobre outras, agora permite ou deixa em aberto a possibilidade
de os oprimidos utilizarem-se daquele mesmo Direito para a sua libertação. O fato é que, em
regra, o Direito sempre falará em liberdade e só raramente demonstrará as armas de dominação
empregadas. Talvez por isso o mais correto seja dizer que as demais classes e grupos sociais de
oprimidos passem a reivindicar e requerer mais exatamente a ideia de direito, esse ideal de
justiça, do que propriamente os direitos já instrumentalizados. A dominação produzida pelo
Direito será doravante mais ideológica, e não tanto coercitivamente, porque a classe dominante
se vê obrigada a maquiar, esconder os reais propósitos da própria dominação econômica.
15
Com isso, pode-se seguir uma real análise dialética do Direito, pois tendo sido elaborado para atender a fins
específicos de uma determinada classe ou grupo social, o Direito acaba sendo apropriado por outra classe que lhe é
antagônica e contrária: é o que se verifica hoje com os direitos liberais consoante o Estado Democrático de Direito.
Essa situação, no entanto, lembra-nos de que essa artimanha de trazer o Direito para si é
uma tarefa ou iniciativa que sempre esteve a cargo dos oprimidos – porque o objetivo do Direito
se aproxima muito da dominação. Este é o caso preciso de toda a legislação social e trabalhista
(os direitos público-subjetivos) que, literalmente, foi arrancada do sistema capitalista sob a
intervenção estatal: a fim de que os anéis não fossem embora com os dedos. A própria fonte
original dessa legislação, portanto, é a política e não exatamente alguma racionalidade ou
objetividade embutida na atividade política legislativa. O que força a conquista do direito é a luta
política dos esquecidos pelo direito.
Mas não será só uma política indefinida, ou seja, trata-se sem dúvida de dominação: a
soma ou reunião de Estado de Direito, Constituição e burocracia independente resultará no que
Max Weber (1979; 1993) denominava de dominação legítima ou dominação racional-legal. É
certo que apregoava aqui uma forma de dominação justa, mas é ainda correto dizer que Weber
(1979; 1993) não se tenha dedicado a analisar detidamente o Direito como Liberdade, ou a
questionar a distância existente entre Direito e Justiça: seu foco será o Direito como Dominação.
Aliás, esse é o curso histórico do Estado de Direito que viria a substituir o predecessor Estado
Legal.
Nessa mesma linha, devemos recordar que quando Weber define o Estado como o
organismo político que detêm o monopólio estatal do uso legítimo da força física, está em
destaque a relação interna entre Direito e dominação estatal. Entretanto, naquele ambiente
conhecido do Estado Legal, os trabalhadores acabaram agrupados na realidade do chão de
fábrica, ou seja, para alimentar a linha de produção foi necessário o deslocamento de milhares de
trabalhadores para o interior das fábricas: o que também corresponde à fórmula da consciência
social em si, como descrita por Marx16, além de destacar o necessário exame das Leis de Fábrica.
Esse contato levou a que passassem a reconhecer as necessidades mais gerais e coletivas da
classe trabalhadora, compartilhando e comparando as dores do mundo do trabalho.
Desse modo, o trabalhador pode ampliar sua consciência individual pela comparação,
pelo diálogo, pela verificação dos problemas e mazelas comuns. Assim, de posse dessa
consciência social para si, quer dizer, a consciência individual do trabalhador que já perscruta as
relações sociais ampliadas pelo trabalho e todas as consequências daí decorrentes, o trabalhador
16
O tema Direito como dominação, portanto, está dado seja pelo referencial marxiano – da dominação e da busca da
hegemonia de uma classe sobre outra -, seja pela premissa sociológica de Max Weber ao sinalizar a dominação
racional-legal. De um modo ou de outro, o Direito servirá à dominação e quer seja estatal, quer seja econômica.
se tornou agente social. (Vai-se, portanto, da consciência individual em si, à consciência social
para si). De modo complementar, pode-se dizer que o Estado Legal favoreceu o
desenvolvimento da consciência global do trabalho, especialmente quanto ao respeito e ao uso
possível do Direito:
O Estado Legal, já mencionado como antecessor do Estado
Constitucional e do Estado de Direito, fora concebido como ordem
jurídica hierárquica. No vértice da pirâmide hierárquica situava-se a
Déclaration de 26 de agosto de 1789 consagrando os “droits naturels et
sacrés de l’homme”. Esta Déclaration era, simultaneamente, uma
“supraconstituição” e uma “pré-constituição”: supra-constituição porque
estabelecia uma disciplina vinculativa para a própria constituição (1791);
pré-constituição porque, cronologicamente, precedeu mesmo a primeira
lei superior. A constituição situa-se num plano imediatamente inferior à
Declaração. A lei ocupa o terceiro lugar na pirâmide hierárquica e, na
base, situam-se os atos do executivo de aplicação das leis (Canotilho, s/d,
p. 95).
Ressaltamos esse aspecto jurídico do Estado Legal porque no topo do ordenamento
estava a Declaração Francesa e ali repousava a declaração de interesses ditos universais e de
salvaguarda do direito ao trabalho: o reconhecimento do direito natural e a consciência social de
que o mesmo direito deveria ser considerado na prática e coletivamente, visto que o direito ao
trabalho é a garantia homogênea e concreta ao processo de hominização. De certo modo, a
primazia da lei, império da lei, não poderia se furtar a esta progressiva humanização da
legislação social:
O princípio da primazia da lei servia para a submissão ao direito do poder
político “sob um duplo ponto de vista”: (1) os cidadãos têm a garantia de
que a lei só pode ser editada pelo órgão legislativo, isto é, o órgão
representativo da vontade geral (cfr. Déclaration de 1789, artigo 6º); (2)
em virtude da sua dignidade – obra dos representantes da Nação – a lei
constitui a fonte de direito (Canotilho, s/d, p. 95).
Historicamente, de um modo ou de outro, os oprimidos sempre procuraram avariar os
impeditivos factuais à transformação do Estado e da sociedade. E não fosse pela resistência e
insistência dos adversários dos vários Estados absolutos, nada teria saído do lugar durante esse
tempo todo. Não fosse pela pressão dos que de alguma forma sempre acabavam oprimidos, e o
direito do opressor jamais se teria alterado substancialmente, a ponto de agasalhar os direitos e os
interesses deles que antes eram simplesmente oprimidos e relegados a um quinto plano da
cidadania. Por outro lado, o Estado Legal se mostrava um autêntico herdeiro do processo
revolucionário de 1789 e o Estado de Direito (liberal, formal) viria a interromper esse fluxo
histórico de reivindicação e de participação popular17:
A teoria do “Estado de Direito” [...] foi construída em grande parte contra
a de “Estado Legal”, o Estado do império da lei herdado da Revolução
Francesa, que dava preponderância ao Parlamento e aos eleitos pelo
sufrágio universal no sistema político e de elaboração de normas. A partir
do começo do século XX a doutrina desejou submeter a lei ao Direito e
confiar o Estado de Direito ao controle pelo Judiciário, para evitar os
“desbordamentos” dos Legislativos e dos eleitores. Isso porque se
confiava mais no juiz do que na norma escrita e no cidadão para controlar
o Estado [...] se refere a um período em que movimentos populares – os
cidadãos – começavam a gerar o temor da queda do edifício social
burguês [...] a teoria do Estado de Direito foi construída, em grande parte,
para barrar a possibilidade de extensão do papel dos cidadãos (Dallari,
2003, pp. 195-6).
Daí se conclui que o Estado Legal era mais afeto à participação popular e, portanto, mais
social do que o Estado de Direito. Mas, mesmo que o Estado de Direito viesse a ser postado
como instrumento conservador de privilégios de classes ou de grupos sociais, a luta pelo Direito
passaria a ter uma conotação de isonomia e equidade. Este foi e tem sido o papel e o desenlace
extremamente positivos demonstrados pelos princípios da igualdade formal e da legalidade, uma
vez que, ao equiparar juridicamente opressores e oprimidos, o Estado e sua lei permitiram – pela
primeira vez na história do Direito – que os oprimidos requeressem para si o Estado de Direito,
em pé de igualdade, fazendo valer todas as consequências da isonomia, os direitos que antes só
serviam ao opressor. Agora em benefício do lado mais fraco, procurando-se equiparar/equilibrar
a balança jurídica, política e social.
O Estado Legal, portanto, foi um desses raros momentos em que a soberania legislativa
resgatou seus laços, seus elos com a soberania popular, sendo que aí repousara por instantes a
força social e jurídica legítima. Pois só assim a soberania popular seria capaz de legitimar a
soberania legislativa. Hoje, porém, sabemos que é necessário (urgente) ultrapassar os limites da
igualdade formal. Pois, se levada ao pé da letra, a igualdade jurídica acarretaria ainda mais
desigualdade, uma vez que se tratam os desiguais, igualmente, sem capacidade de diferenciação
em virtude das melhores condições ofertadas a uns do que a outros.
17
E aqui se dá o mesmo processo dialético, de constante relação de oposição entre contrários, só que agora com um
revés para os adeptos da interpretação socializante do Direito, porque no Estado de Direito, sob a imposição da
igualdade formal, os direitos sociais acabaram solapados na sua base popular.
Esta situação é tão clara que a matemática nos auxilia a exemplificar essa questão:
imaginemos uma situação hipotética em que o sujeito A receba 100 unidades monetárias por
trabalho mensal realizado e que um sujeito B receba somente 10: é fácil constatar que a diferença
entre ambos é de 90 unidades. Pois bem, aplicando-se equitativamente a regra do reajuste de
10% aos dois envolvidos, o sujeito A passaria a receber 110 unidades monetárias mensais e o
sujeito B apenas 11 unidades. Ou seja, a partir do reajuste, a distância salarial entre ambos
chegaria a 99 unidades monetárias. No exemplo, a concentração de renda passou de 90 para 99
unidades salariais.
Enfim, é esta consciência do Direito Justo ou da Justiça Material que ainda nos resta
adquirir, a fim de percebermos que só haverá justiça quando se tratar os iguais igualmente, e os
desiguais, desigualmente. Essa consciência de justiça material é ausente no formalismo abstrato
do Estado de Direito, porque o modelo não fora preparado para recepcionar as medidas sociais de
discriminação positiva ou de ação afirmativa.
Por essa via, a igualdade formal, diante da lei, seleciona uma imensa desigualdade no
ponto de partida, diante das oportunidades e/ou condições materiais da vida social. De outro
modo, a igualdade material ou econômica pressupõe um forte igualitarismo no ponto de partida
mas, em compensação, admite uma também substancial desigualdade no ponto de chegada – de
acordo com as potencialidades e méritos próprios de cada um.
Por isso, da mesma forma como o Estado Legal rompeu com a estrutura dos privilégios
do Ancien Régime, ao Estado de Direito resta romper os diques capitalistas que represam a
justiça real. Desse modo, essa limitação burocrática formal do Estado de Direito realmente
reforça a validade das críticas de Marx, no Crítica ao Programa de Gotha e nos Manuscritos
Econômico-Filosóficos. Como diz Raymond Aron (2003), esta é uma das leituras possíveis do
jovem Marx analítico do Direito. Mesmo apropriado pela classe trabalhadora, o Direito tem seus
marcos na dominação social de classe, pois que seu objetivo inicial era este e não outro. Esta será
a matriz marxiana envolvendo Estado e Direito. Lembremo-nos de que a crítica de Marx ao
Estado e ao Direito é uma crítica dirigida ao que poderíamos chamar de Estado de Direito
Moderno. Trata-se, em suma, do Estado de Direito que se afirmou com as fundações políticas e
institucionais do próprio Estado Moderno.
O Direito Como Limitação à Liberdade Real
Aron (2003) cita literalmente Marx na Crítica ao Programa de Gotha, a fim de destacar
que Marx teria percebido os elementos formais de formação do Estado (como enunciado pelas
Teorias do Estado), e ainda que fosse em tom mais crítico:
“A ‘sociedade atual’ é a sociedade capitalista existente em todos os países
civilizados, mais ou menos livre dos elementos medievais, mais ou menos
modificada pela evolução histórica particular parcialmente desenvolvida
em cada país. O ‘Estado atual’, pelo contrário, muda com a fronteira (...)
O ‘Estado atual’ é uma ficção. “No entanto, os diversos Estados dos
diversos países civilizados, não obstante a múltipla diversidade de suas
formas, têm todos em comum repousar sobre o terreno da sociedade
burguesa moderna, mais ou menos desenvolvida do ponto de vista
capitalista. Isso faz com que certas características essenciais lhes sejam
comuns. Neste sentido, pode-se falar de ‘Estado atual’ como expressão
genérica, em contraste com o do futuro, quando a sociedade burguesa,
que hoje é sua raiz, não mais existirá” (Aron, pp. 461-2 – grifos do autor).
Por Estado Atual entende-se a forma possível do Estado, neste momento histórico. Já os
elementos do Estado em destaque são de ordem jurídica, administrativa, organizacional,
institucional. Outra questão derivada é: saberia a classe popular, proletária, trabalhadora se
apropriar desses instrumentos do Estado Burguês para redimensioná-los em seu favor?
Sem dúvida essa é uma questão das mais controversas e que acompanhou toda a história
do Socialismo Realmente Existente. Porém, de acordo com um Marx (1989) mais agudo, agora
na Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, talvez encontremos algum ponto de
resposta no processo de surgimento e de formação do Estado Moderno. E a resposta não parece
ser muito satisfatória:
A crítica da filosofia alemã do direito e do Estado, que teve a mais lógica,
profunda e complexa expressão em Hegel, surge ao mesmo tempo como a
análise crítica do Estado moderno e da realidade a ele associada e como a
negação definitiva de todas as anteriores formas de consciência na
jurisprudência e na política alemã, cuja expressão mais distinta e mais
geral, elevada ao nível de ciência, é precisamente a filosofia especulativa
do direito. Só a Alemanha poderia produzir a filosofia especulativa do
direito – este pensamento extravagante e abstrato acerca do Estado
moderno cuja realidade permanece no além (mesmo se este além fica
apenas no outro lado do Reno) -, o representante alemão do Estado
moderno, pelo contrário, que não toma em linha de conta o homem real, só
foi possível porque e na medida em que o próprio Estado moderno não
atribui importância ao homem real ou unicamente satisfaz o homem total
de maneira ilusória (Marx, 1989, p. 85).
É certo, então, que não teria vez uma Teoria Geral do Estado, pois que, a partir dessa
leitura filosófica do Estado, se privilegia por demais uma abstração do Estado e não
propriamente o homem real. A leitura do Direito como processo de dominação, portanto, parece
ainda mais forte.
A condição do Direito que se espraia ao conjunto dos Direitos Humanos, portanto,
também não seria diferente e é isso que vemos em muitas passagens da Condição Judaica. Mas
tomemos uma como exemplo dessa acidez de Marx (1989): “Constatemos, em primeiro lugar, o
fato de que os chamados direitos do homem, enquanto distintos dos direitos do cidadão,
constituem apenas os direitos de um membro da sociedade civil, isto é, do homem egoísta, do
homem separado dos outros homens e da comunidade” (p. 56).
É claro como o Direito é produto direto do homem egoísta, para satisfazer seus interesses
pessoais no tocante ao direito à propriedade. A ideia de que a propriedade é base da soberania do
Estado, aliás, principia com Hobbes (1983, p. 110), o clássico pensador político e formulador da
síntese do Estado Moderno. No mesmo sentido, no Manifesto do Partido Comunista, Marx
tornará explícita a relação entre burguesia e Estado: “O poder político do Estado moderno nada
mais é do que um comitê (Ausschuss) para administrar os negócios comuns de toda a classe
burguesa” (1993, p. 68). Deste modo, será que as diferenças seriam assim tão sensíveis entre esse
tipo de Estado de Direito Moderno (substituto do Estado Legal) descrito por Marx, até o
chamado Estado Social, de inspiração popular, no século XX?
Com o Estado Social, já no século XX, esse procedimento de reapropriação do Direito
pela classe trabalhadora é ainda mais evidente – porque é um Estado quase-socialista (de
inspiração social-socialista, mas radicado na Europa capitalista e no México de economia rural).
Aliás, é o protótipo do Estado Capitalista que gera uma legislação específica para os
trabalhadores e inicia a compreensão coletiva do Direito. Metaforicamente, é como se o Estado
mudasse de lado ou, talvez, estivesse de cabeça para baixo. Essa mesma situação irá ocorrer no
transcurso do Estado Democrático, em meados do século XX e, posteriormente, com o chamado
Estado Democrático de Direito, em que a figura do Estado, paulatinamente, vai se distanciando
desse recorte ideológico que se mitifica no binômio Estado-coerção. A Comuna de Paris, então,
é uma fase ainda mais acirrada ou prelúdio popular do Estado Social.
Outra coisa é saber se o povo será capaz de tomar para si a racionalidade jurídica
capitalista, nos dias atuais e, se isso acontecesse, se seria uma espécie de reinvenção do Estado e
do Direito. Ou seja, trata-se de revelar esse Direito que se presta à dominação, à opressão, à mera
coerção, para não mais se relevar essa condição de injustiça e pobreza jurídica. Para que o
Direito não sirva só aos ricos, é preciso fortificar o socialismo jurídico presente no Princípio da
Justiça Social e que forma o eixo central do Estado Democrático de Direito Social.
Atualização do debate
Dois grandes julgamentos seguidos trazem à tona a história das “penas duras”. A pena de
antecipação da morte, bem
como
as
penas
cruéis
e
degradantes são
proibidas
constitucionalmente no Brasil. Nenhum projeto de emenda constitucional ganhará êxito porque o
direito à vida, como direito fundamental, garante que essas penas sejam afastadas do cotidiano
jurídico nacional. Mas, o que garantiria que as próprias cláusulas pétreas são sofreriam mudanças
em sua substância a fim de que essas garantias fossem removidas e, em seu lugar, fossem
incluídas as tais penas duras e finalizadoras?
Ao contrário do que se debate em termos de impedimentos legais a essas mudanças
profundas na ordem constitucional, o que garante o direito à vida é o nível de profundidade
republicana que já alcançamos. Este alicerce republicano, estampado na defesa de um mínimo de
moralidade e de racionalidade evolutiva impediria que déssemos um passo atrás. O Brasil já
conheceu a pena de morte na época do Império, então, voltar a esta pena seria o equivalente de
retroagir. Juridicamente, republicanamente, seria um processo involutivo.
A moral republicana, descontados os debates ideológicos inesgotáveis, pode ser
sumariada como uma fase de amadurecimento dos valores públicos em que o Estado não mais se
resume a um aplicador da vingança pública. O Estado Republicano não mais se vê como refém
da cultura popular, como um microfone aberto ao queixume e ao senso comum. O Estado
Republicano é um profundo indutor de cultura pública, modificando o direito e a atividade
política. Este pensamento republicano tem um extenso papel modificador da sociedade, movido
por um princípio educativo. Este tipo de Estado tem um aporte civilizatório, socializador.
Herdeiro do jusnaturalismo, do Iluminismo, o Estado da República é elucidativo, esclarecedor da
condição humana. Não é, portanto, um mero extensor das práticas institucionais focadas no
controle social.
O Estado repressor – hoje aplica-se a pena de morte, amanhã haverá redução nos níveis
de liberdade política, sindical, social – é o oposto da perspectiva propriamente republicana da
política. Ao contrário de se estimular a inclusão social por meio do fortalecimento da autonomia,
invoca-se a heteronomia a ser impulsionada por esse tipo de Estado Penal. Um Estado Penal que,
como se estampa no nome, conhece sua sobrevida na paralisia e no represamento do
esclarecimento e da extensão da responsabilidade social. Essas penas, obviamente, não motivam
a consciência republicana, não aprofundam o senso de responsabilidade pública, logo, não
concorrem para a inclusão social.
Neste sentido, o Estado Penal lastreado nas penas cruéis e degradantes é um Estado de
Exceção, uma vez que são penas que seguem a lógica da exclusão social. Ninguém será
humanizado com a prática da tortura pública, do mesmo modo que ninguém será incluído pelo
banimento social ou pela execução autorizada pelo Estado. As penas definitivas, cruéis são uma
degradação da moralidade pública, constituem uma depreciação dos ganhos civilizatórios e
evolutivos que a duras penas conseguimos alcançar. Permitir este retrocesso seria pouco
inteligente e um desserviço à Humanidade. Essas penas são uma degradação moral do ponto de
vista do aprofundamento dos pressupostos do pensamento e das práticas sociais e institucionais
republicanas.
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