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Análise dos Efeitos Terapêuticos
dos Electrões de Auger em
Culturas de Células
Adriana Alexandre dos Santos Tavares
Julho de 2008
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos
Electrões de Auger em Culturas de Células
Trabalhos Práticos do Curso de Mestrado em Engenharia
Biomédica da Universidade do Porto
Adriana Alexandre dos Santos Tavares
Licenciada em Medicina Nuclear pela Escola Superior de Tecnologia da
Saúde do Porto (2007)
Orientador:
João Manuel R. S. Tavares
Professor Auxiliar do Departamento de Engenharia Mecânica e Gestão
Industrial da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
Co-Orientador:
Luís F. Metello
Professor Adjunto do Curso de Medicina Nuclear na Escola Superior de
Tecnologia da Saúde do Porto
Agradecimentos
Ao Professor João Manuel R. S. Tavares pelo apoio fornecido ao longo deste trabalho,
particularmente pela orientação, disponibilidade e apoio, fundamentais para a correcta e
construtiva elaboração do mesmo.
Ao Professor Luís F. Metello pelo apoio prestado a este trabalho, bem como, pelo auxílio
e motivação fornecidos para a realização do mesmo.
Aos meus pais e irmão por terem demonstrado, como sempre, um apoio incondicional.
A todos os que possibilitaram o desenvolvimento deste trabalho.
i
Sumário
O objectivo principal do presente trabalho (Análise dos Efeitos Terapêuticos dos
Electrões de Auger em Culturas de Células) é determinar o eventual impacto dos electrões de
Auger produzidos aquando do decaimento do 99mTc em diferentes culturas de células.
Sabe-se que um agente ideal para radioterapia tumoral dirigida deve apresentar, entre
outras características, electrões de Auger com energias inferiores a 40 keV, semi-vida física
entre 30 minutos e 10 dias, nuclideo filho estável (semi-vida superior a 60 dias) e química
adequada aos processos de marcação. O
99mTc
preenche alguns dos requisitos enumerados,
sendo por isso cada vez mais considerado um potencial agente terapêutico com electrões de
Auger.
Para elaboração desta Dissertação é necessário realizar uma recolha de estudos
científicos prévios desenvolvidos na área dos electrões de Auger, bem como, da informação
sobre algumas técnicas a utilizar para a execução prática do trabalho envolvido, das quais se
destaca a citometria de fluxo. Uma vez finalizada essa pesquisa, realiza-se a definição do
projecto a desenvolver; nomeadamente, pela abordagem ao protocolo a utilizar, os
equipamentos mais importantes para a realização do projecto e os materiais a experimentar.
Serve o presente documento como planificação dos Trabalhos Práticos a realizar no âmbito
desta Dissertação.
ii
Índice
Capítulo I. Introdução ao Tema e à Estrutura do Relatório ............................................................ 1
1.1. Introdução ............................................................................................................................... 3
1.2. Principais Objectivos ............................................................................................................... 3
1.3. Estrutura Organizativa ............................................................................................................ 4
1.4. Contribuições Principais.......................................................................................................... 6
Capítulo II. Cultura de Células – Princípios Gerais ........................................................................ 7
2.1 Introdução ................................................................................................................................ 9
2.2 Tipos de Culturas ................................................................................................................... 10
2.3 Morfologia e Características Funcionais ................................................................................ 12
2.4 Meios de Cultura .................................................................................................................... 14
2.5 Avaliação e Contaminação da Cultura ................................................................................... 16
2.6 Sumário ................................................................................................................................. 21
Capítulo III. Ciclo Celular e Apoptose .......................................................................................... 23
3.1 Introdução .............................................................................................................................. 25
3.2 Ciclo Celular – Princípios Gerais ........................................................................................... 26
3.3 Apoptose ................................................................................................................................ 30
3.3.1 Processo Apoptótico ....................................................................................................... 31
3.3.2 Regulação da Apoptose e Relação com Ciclo Celular ................................................... 34
3.3.3 Necrose e Apoptose ....................................................................................................... 37
3.4 Sumário ................................................................................................................................. 38
Capítulo IV. Principais Características do 99mTc .......................................................................... 39
4.1 Introdução .............................................................................................................................. 41
4.2 Radiofármaco Ideal para Terapia com Electrões de Auger.................................................... 41
4.3 Principais Características Físicas do 99mTc ............................................................................ 43
4.4 Sumário ................................................................................................................................. 44
Capítulo V. Citometria de Fluxo ................................................................................................... 47
5.1 Introdução .............................................................................................................................. 49
5.2 Citómetro de Fluxo – Principais Características .................................................................... 50
5.3 Vantagens e Desvantagens da Citometria de Fluxo .............................................................. 52
5.4 Citometria de Fluxo para Avaliação dos Efeitos da Radiação em Culturas de Células.......... 54
5.5 Sumário ................................................................................................................................. 57
Capítulo VI. Materiais e Métodos ................................................................................................. 59
6.1 Introdução .............................................................................................................................. 61
6.2 Culturas Celulares e Procedimento de Irradiação .................................................................. 61
6.3 Estudos de Efluxo/Influxo Celular .......................................................................................... 62
6.4 Análise da Apoptose Radioinduzida ...................................................................................... 62
6.5 Sumário ................................................................................................................................. 63
Capítulo VII. Conclusões Finais e Perspectivas Futuras ............................................................. 65
7.1 Conclusões Finais.................................................................................................................. 67
7.2 Perspectivas Futuras ............................................................................................................. 68
Referências .................................................................................................................................. 69
iii
Capítulo I. Introdução ao Tema e à Estrutura do
Relatório
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
1.1. Introdução
A Terapia Metabólica com utilização de isótopos radioactivos é cada vez mais encarada
com maior atenção, dado o reconhecimento do seu inegável interesse e potencial,
particularmente pela elevada especificidade que a caracteriza, podendo ser considerada como
uma “cirurgia” com radiação. Dos múltiplos isótopos disponíveis e utilizados para terapêutica
pela radiação, salientam-se os emissores beta, para destruição tecidular (“beta knife”), os
emissores alfa, que funcionam como cirurgia celular (“alfa knife”) e finalmente os emissores de
electrões de Auger, os quais visam a destruição molecular, nomeadamente a nível do ADN
(“Auger knife”). É neste cenário que se insere este estudo dos efeitos terapêuticos dos electrões
de Auger em culturas de células.
Actualmente o conhecimento dos efeitos terapêuticos dos electrões de Auger emitidos
pelo Tecnécio-99m (99mTc) é relativamente escasso, pois trata-se de um novo campo de
investigação, dado que, durante muitos anos este agente foi utilizado, continuando ainda hoje a
ser utilizado, como agente diagnóstico. Esta nova perspectiva sobre um agente sobretudo
utilizado no campo de diagnóstico tem despertado atenções na comunidade científica à medida
que mais peso e importância é dada aos electrões de Auger, até agora apontados como
partículas de baixa eficiência biológica, ou seja, baixa capacidade de induzir danos biológicos
nas células.
O presente trabalho realizado no âmbito da disciplina de Trabalhos Práticos, do Curso
de Mestrado em Engenharia Biomédica da Universidade do Porto, visa explanar os principais
métodos e técnicas a utilizar para o desenvolvimento experimental da Dissertação com o tema
“Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células”. Pretende-se
assim, realizar uma descrição introdutória de alguns conceitos e equipamentos essenciais para a
compreensão dos planos de trabalho/protocolos a utilizar aquando da investigação prática,
nomeadamente, pela explicação de conceitos de ciclo celular, apoptose, culturas de células e
citometria de fluxo.
1.2. Principais Objectivos
Estudos recentes documentam o interesse da terapêutica por radiação, com aplicação
em múltiplas patologias oncológicas, constituindo um tema cada vez mais actual. Neste sentido,
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
3
Capítulo I. Introdução ao Tema e Estrutura do Trabalho
os estudos radiobiológicos, como os que se pretendem realizar, são absolutamente pertinentes e
necessários para caracterizar melhor a natureza dos efeitos produzidos pelos electrões de Auger
em culturas de células e ainda a obtenção de dados necessários à caracterização do potencial
do 99mTc enquanto agente terapêutico, isto é, em contexto de (Rádio) Terapia Metabólica. Assim,
uma vez concluída esta Dissertação com o tema “Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões
de Auger em Culturas de Células”, espera-se contribuir para um maior conhecimento científico
sobre:
•
O eventual potencial do
99mTc
enquanto agente terapêutico, nomeadamente
através da análise dos efeitos radiobiológicos dos electrões de Auger emitidos
por este radionuclídeo;
•
A avaliação dos efeitos radiobiológicos dos electrões de Auger do
99mTc
em
culturas celulares, durante diferentes períodos de tempo e com uso de múltiplas
doses de irradiação.
Por outro lado, após a conclusão dos Trabalhos Práticos, espera-se conseguir abordar
de forma correcta e global o plano de trabalhos a empreender, no que toca ao uso de electrões
de Auger em culturas de células, pela recolha de informação científica que funciona como
explicação introdutória de alguns dos métodos utilizados, seguida de esclarecimento dos
procedimentos a levar a cabo para realização da presente Dissertação.
1.3. Estrutura Organizativa
Pretende-se organizar o presente documento de uma forma autónoma e independente,
para facilitar o acesso aos diversos temas estruturados em sete capítulos. Assim, descreve-se
de seguida muito sucintamente o que será tratado em cada capítulo:
•
Capítulo II. Cultura de Células – Princípios Gerais
Neste capítulo realiza-se uma descrição dos principais conceitos a conhecer aquando do uso
de culturas de células, nomeadamente o conceito de culturas de células primárias e linhas
contínuas, principais formas de avaliação e quantificação da cultura de células e principais
grupos de células, conforme a sua morfologia.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
4
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
•
Capítulo III. Ciclo Celular e Apoptose
Neste terceiro capítulo são abordados, de forma global, os princípios do ciclo celular, com
concomitante relação deste com a morte celular programa, isto é, a apoptose. Este capítulo
reveste-se de particular importância pois para o desenvolvimento desta Dissertação é
fundamental o conhecimento das diferentes fases do ciclo celular e, em particular, as suas
relações com o processo apoptótico.
•
Capítulo IV. Principais Características do 99mTc
Neste quarto capítulo são explicados os conceitos básicos associados ao uso do
99mTc,
enquanto agente irradiante do trabalho, esclarecendo-se conceitos como radiofármaco,
radiofármaco ideal para terapia com electrões de Auger e principais características físicas do
99mTc.
•
Capítulo V. Citometria de Fluxo
Neste capítulo explica-se as principais características de um citómetro de fluxo, compara-se
a técnica de citometria de fluxo com outras técnicas, através da análise das vantagens e
desvantagens da citometria de fluxo e, finalmente, expõe-se o seu princípio de funcionamento e
a sua aplicabilidade na detecção de efeitos da radiação em cultura de células.
•
Capítulo VI. Materiais e Métodos
Neste capítulo são enumerados os materiais e métodos que se prevê utilizar para a
realização desta Dissertação, explicando-se como se pretende realizar a irradiação das células,
que culturas e técnicas se perspectiva utilizar para compreender melhor os efeitos da radiação
nas culturas de células.
•
Capítulo VII. Conclusões Finais e Perspectivas Futuras
No último capítulo (capítulo VII) são apresentadas algumas conclusões finais sobre o
trabalho desenvolvido, indicando igualmente quais as perspectivas futuras da continuação do
desenvolvimento deste trabalho para posterior apresentação como dissertação.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
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Capítulo I. Introdução ao Tema e Estrutura do Trabalho
1.4. Contribuições Principais
Como principais contribuições dos Trabalhos Práticos, enquanto trabalho guia para a
execução prática dos procedimentos para finalização desta Dissertação, salientam-se o estudo
de técnicas de citometria de fluxo, processo apoptótico e ciclo celular, a revisão bibliográfica,
mas também a descrição dos métodos e materiais que se pretende utilizar durante um projecto
deste tipo.
No que respeita à Dissertação espera-se que esta contribua, como já referido, para
aumentar/melhorar o conhecimento científico face a este tema em particular, pois é um campo
de intensa pesquisa e interesse crescente. As contribuições exactas do trabalho só serão
conhecidas, com maior profundidade, uma vez finalizado o processo de investigação e redigida a
respectiva Dissertação.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
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Capítulo II. Cultura de Células – Princípios Gerais
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
2.1 Introdução
Cultura de células tem vindo a afirmar-se como uma ferramenta muito útil em múltiplas
áreas de investigação das ciências da saúde.
O termo cultura tecidular refere-se ao processo de extracção de tecidos ou órgãos de um
animal ou planta, com consequente colocação num ambiente artificial capaz de sustentar e
proporcionar o crescimento destes. Este ambiente é, geralmente, criado num vaso de plástico ou
vidro com um meio de cultura líquido ou semi-sólido capaz de fornecer nutrientes essenciais
para a sobrevivência e crescimento do tecido ou órgão. Quando se removem células de
fragmentos de órgãos antes ou durante a cultura, com concomitante separação das células
vizinhas, diz-se que se está a realizar uma cultura de células.
Apesar das culturas de células animais terem sido realizadas com sucesso por Ross
Harrison em 1907, só na década de 40 e 50 do século XX, e após vários desenvolvimentos, é
que ocorrem as primeiras culturas de células amplamente disponíveis como ferramenta de
pesquisa para os cientistas, (Ryan 2008). As principias razões para isso incluem: primeiro, o
desenvolvimento de antibióticos, que facilitaram o processo de cultura celular e evitaram muitos
dos problemas inerentes a contaminações da cultura celular; segundo, verificou-se a melhoria
das técnicas, nomeadamente, aquelas relacionadas com o uso de tripsina para remoção de
células dos vasos de cultura e fundamentais para a obtenção de linhas celulares em crescimento
contínuo (tais como, células HeLa); finalmente, como terceira razão, surgem as linhas de
culturas de células padronizadas, com meios de cultura quimicamente definidos, o que facilitou o
trabalho padronizado entre diferentes grupos de cientistas, bem como, facilitou o processo de
cultura celular, tornando-o mais ágil, (Ryan 2008).
O presente capítulo tem como principais objectivos abordar conceitos de culturas de
células necessário para a compreensão do restante trabalho, nomeadamente o conceito de linha
celular, meio de cultura, avaliação da cultura e da morfologia celular. Para tal estruturou-se o
presente capítulo da seguinte forma: primeiro, aborda-se os principais tipos de células; de
seguida, algumas das características funcionais e morfológicas das culturas; posteriormente,
expõe-se técnicas para avaliação da cultura; e, finalmente, apresenta-se o sumário do mesmo.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
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Capítulo II. Cultura de Células – Princípios Gerais
2.2 Tipos de Culturas
As culturas primárias derivam directamente de tecido animal normal exisado, o qual é
posteriormente transplantado para uma cultura ou, após dissociação por enzimas digestivas, é
colocado sob a forma de células únicas em suspensão. Estas culturas são inicialmente
heterogéneas, contudo com o passar do tempo tornam-se dominadas por fibroblastos. A
preparação destas culturas ditas primárias é um processo que requer trabalho minucioso e
demorado, apresentando como principal desvantagem um tempo de sobrevivência in vitro
limitado. Apesar desta desvantagem, durante o seu curto período de vida, estas células têm
como vantagem a capacidade de reter muitas das características de diferenciação observáveis
em células in vivo, (SIGMA 2008). As culturas primárias obtidas pelo método de explantação são
obtidas pela recolha cirúrgica de pequenas peças de tecido, que são posteriormente colocadas
no vaso de cultura (de plástico ou vidro) emergido num meio de cultura. Alguns dias após, as
células individuais são movidas do tecido explantado e colocadas num outro vaso de cultura com
substracto, onde se dividirão e crescerão. O segundo método para realização de culturas de
células primárias, que é o mais amplamente utilizado, acelera o processo pela adição de
enzimas digestivas (enzimas proteolíticas), como é o caso da tripsina e da colagenase, que vão
fragmentar o tecido e clivar as ligações entre as células. Desta forma, cria-se uma suspensão de
células únicas que é depois colocada num vaso de cultura com meio de cultura adequado para
crescimento e divisão celular. Este método é denominado dissociação enzimática, Figura 2.1.
Remover tecidos
Separar tecidos
Digestão com
enzimas
proteolíticas
Colocar no meio cultura
Figura 2.1. Reprsentação do processo de dissociação enzimática para cultura primária de células
(adaptado de (Ryan 2008)).
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
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Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
Quando as células resultantes de culturas primárias crescem e utilizam todo o substracto
disponível na cultura, estas devem ser subculturadas para que possam continuar a crescer. Este
processo é geralmente realizado com recurso a enzimas que gentilmente separam as células do
substrato da cultura. Estas enzimas são similares às utilizadas durante o processo de
dissociação enzimática a que as culturas primárias são submetidas e, uma vez, terminado o
processo, a suspensão de células pode ser subdividida e colocada em novos vasos de cultura,
(Ryan 2008).
Dado que as culturas primárias de células são isoladas de seres humanos ou de
animais, estas apresentam populações heterogéneas, por exemplo, apresentam diferentes
populações celulares e diferentes estados de diferenciação celular. Cada amostra removida do
dador é, por isso mesmo, única e impossível de reproduzir exactamente. O processo de
diferenciação deste tipo de células inicia-se no momento em que estas células são removidas do
dador, pelo que tais culturas são dinâmicas e estão em constante alteração. Assim, as culturas
primárias de células requerem comummente meios de cultura complexos e são sistemas
extremamente difíceis de padronizar, (Hartung 2002).
Culturas de células contínuas são constituídas por um único tipo de células que se
propagam em série durante um número limitado de divisões celulares (geralmente cerca de
trinta) ou, em alguns casos, de forma ilimitada. O primeiro grupo (divisões celulares limitadas)
usa, geralmente, células diplóides e mantém, habitualmente, um certo grau de diferenciação. O
facto destas linhas celulares apresentarem senescência ao fim de trinta divisões celulares
significa que práticas rigorosas de trabalho devem ser empregues para que estas consigam
sobreviver períodos de tempo tão longos. Por outro lado, o grupo das células que se propagam
indefinidamente possui, frequentemente, esta capacidade devido ao facto de terem sido
transformadas em células tumorais. As linhas de células tumorais derivam, frequentemente, de
tumores reais, contudo, podem ser criadas por indução, utilizando oncogenes virais ou
tratamentos químicos. Estas linhas apresentam como vantagem a disponibilidade quase
ilimitada, contudo, retêm muito poucas características das células originais in vivo, (SIGMA
2008). Para além disso, as linhas celulares contínuas, por serem mais homogéneas e mais
estáveis são, portanto, mais reprodutíveis que as populações de células primárias. Estas
características advêm do facto de ocorrerem alterações fundamentais no fenotipo das células,
logo após o isolamento do tecido animal do dador, (Hartung 2002).
Em suma, pode-se definir cultura de células como um tipo de cultura de tecidos que
envolve um conjunto de técnicas que permitem cultivar e/ou manter células isoladas fora do
organismo de origem. Existem basicamente dois grandes grupos de culturas celulares: culturas
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Capítulo II. Cultura de Células – Princípios Gerais
primárias, as quais são obtidas directamente de tecidos, são heterogéneas, mantém-se pouco
tempo em cultura e são mais propícias ao desenvolvimento de contaminações; e linhas
celulares, que são obtidas a partir de culturas primárias, podem ser células imortalizadas (devido
a alterações genéticas), apresentam crescimento rápido e contínuo e proliferação ilimitada ou
limitada a um número elevado de divisões celulares, Figura 2.2, (Coimbra 2008).
Figura 2.2. Células de culturas primárias (à esquerda) e linhas celulares (à direita) (retirado de (Coimbra
2008)).
As principais vantagens do uso de culturas de células incluem o controlo de condições
ambientais, a análise independente de parâmetros, elevado número de testes num reduzido
intervalo de tempo, redução dos ensaios com animais e técnica menos dispendiosa que a
experimentação animal. Por outro lado, as principais desvantagens incluem: perda de
características fenotípicas, sistema biológico fora do ambiente natural e ausência de sinais
importantes, (Coimbra 2008).
O processo de criação de uma cultura de células in vitro envolve, de forma sucinta, o
dador, as células ou tecido, o meio de cultura e o substrato. Estes componentes interagem e as
propriedades do sistema na sua totalidade, bem como as suas variações, são o resultado
indubitável de tais interações, (Hartung 2002).
2.3 Morfologia e Características Funcionais
As culturas de células podem apresentar-se em duas formas: em suspensão e em
monocamada aderente. A forma como esta se dispõem refelecte o tecido no qual tiveram
origem, pelo que, culturas de células derivadas do sangue tendem a crescer em suspensão,
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
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Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
enquanto que células derivadas de tecidos sólidos (como por exemplo: pulmão e rim) tendem a
crescer em monocamadas aderantes, (SIGMA 2008).
As culturas celulares podem ser descritas com base na sua morfologia (forma e aspecto)
ou com base nas suas características funcionais. Assim, podem ser dividias em três grandes
grupos, (Ryan 2008):
ƒ Epiteliais: células que aderem ao substrato e apresentam forma achatada e
poligonal;
ƒ Linfoblásticas: células que, normalmente, não aderem ao substrato, permanecendo
em suspensão com uma forma esférica;
ƒ Fibroblásticas: células que estão aderidas ao substrato e apresentam-se alongadas,
bipolares e frequentemente formam “remoinhos”.
O uso de técnicas de fusão tornou possível o desenvolvimento de células híbridas pela
junção de dois tipos de células diferente. Estas podem exibir características de uma das células
mãe ou das duas. Esta técnica foi utilizada em 1975 para criar células capazes de produzir
anticorpos monoclonais específicos, (Ryan 2008). As referidas células, denominadas hibridomas,
são formadas pelo uso de duas células diferentes, mas relacionadas entre si. A primeira é um
linfócito derivado do baço com capacidades de produzir o anticorpo desejado; enquanto, a
segunda é uma célula de melanoma com grande capacidade de proliferação, a qual é
programada para produzir grandes quantidades de anticorpos, mas não para produzir o
anticorpo.
As características das culturas de células resultam da relação entre a sua origem e a
forma de adaptação destas às condições da cultura celular. Marcadores bioquímicos podem ser
utilizados para determinar se as células continuam a desempenhar funções especializadas, da
mesma forma que enquanto presentes nos tecidos in vivo. Marcadores morfológicos e
ultraestruturais podem também ser examinados. Frequentemente, estas características são
perdidas ou alteradas como resultado do processo de colocação no ambiente artificial da cultura
de células. Algumas linhas celulares podem, eventualmente, parar a sua divisão celular,
demonstrando sinais de envelhecimento contínuos. Estas células são denominadas finitas.
Outras linhas, ditas “imortais” continuam a dividir indefinidamente, sendo denominadas linhas
celulares contínuas. Quando uma linha celular dita “normal” se transforma numa linha imortal,
realizando deste modo, uma alteração irreversível ou transformação, quer intencionalmente (pela
utilização de fármacos, radiação ou vírus) quer de forma espontânea, diz-se que são células
transformadas. Como características principais, estas células apresentam um crescimento,
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
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Capítulo II. Cultura de Células – Princípios Gerais
geralmente, mais fácil e rápido; contudo, apresentam, frequentemente, cromossomas anormais e
extranumerários. As células que apresentam número normal de cromossomas são denominadas
células diplóides, enquanto que aquelas que apresentam número alterado de cromossomas são
denominadas aneuplóides, (Ryan 2008).
2.4 Meios de Cultura
Um meio de cultura consiste numa solução base definida, normalmente constituída por
sais, açúcares e aminoácidos, bem como, alguns suplementos misturados, dependendo do tipo
de células, (Hartung 2002).
Para muitos cientistas, um ambiente saudável para a sobrevivência das células em
cultura deve ser aquele que permita, pelo menos, um aumento do número de células devido à
divisão celular (mitose). Adicionalmente, quando as condições do meio de cultura são as ideais,
as células podem apresentar funções fisiológicas e bioquímicas similares às que apresentam in
vivo, tais como, contracção muscular ou secreção de enzimas ou hormonas. Para alcançar este
meio de cultura ideal é importante considerar a temperatura, o substrato para adesão da camada
de células e o meio de cultura.
A temperatura do meio é, geralmente, colocada à temperatura corporal do dador de
onde foram retiradas as células; atendendo a que, vertebrados de sangue frio apresentam
temperaturas entre 18 e 25ºC, enquanto que os mamíferos exibem uma temperatura entre 36 e
37ºC. A manutenção da temperatura na cultura de células é conseguida pelo uso de incubadoras
bem calibradas e ajustadas.
Para células que necessitam de um substrato para suporte este deve ser capaz de
fornecer capacidade de suporte, mas também crescimento. Os substratos mais comuns são o
vidro e alguns tipos de plástico tratados. Para além disso, devem ser adicionados factores de
adesão, tais como, o colagénio, gelatina, fibronectina e laminina, que melhorarão o crescimento
e função normal de células derivadas do cérebro, vasos sanguíneos, rins, fígado, pele e muitos
outros. Muitas vezes, as células que aderem podem funcionar melhor quando a superfície de
adesão é permeável ou porosa, pois deste modo podem polarizar de forma similar ao que
sucede no interior do corpo.
Como referido, o meio de cultura é um factor importante e complexo em termos de
controlo para alcançar um meio de cultura desejado pois, para além dos requisitos nutricionais, o
meio de cultura necessita de factores de crescimento, regulação do pH e osmolalidade e
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
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Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
fornecimento de gases essenciais (como oxigénio e dióxido de carbono). Os nutrientes
fornecidos possibilitam às células a produção de proteínas e outros componentes essenciais
para o crescimento e funcionamento, bem como, a produção de energia necessária para o
metabolismo. Por outro lado, os factores de crescimento e as hormonas auxiliam na regulação e
controlo da taxa de crescimento celular e das características funcionais. É comum, em vez de se
adicionarem estes componentes directamente ao meio de cultura, adicionar-se 5 a 20% de soro
animal ao meio. Contudo, tal procedimento acrescenta variabilidade, dado que, os soros são
fornecidos por diferentes produtores e dentro do mesmo produtor por diferentes animais, pelo
que muitas vezes surgem problemas em controlar o crescimento e função celular. Quando as
células normais funcionais estão em crescimento, o soro é geralmente substituído por factores
de crescimento específicos. No meio deve-se também controlar o pH, para evitar alterações
abruptas deste. Usualmente um buffer (solução tampão) de CO2-bicarbonato ou um buffer
orgânico são utilizados para manter o pH do meio num intervalo de 7.0 a 7.4, dependendo do
tipo de células. Quando se utiliza o buffer CO2-bicarbonato é necessário controlar e regular a
quantidade de CO2 dissolvida no meio. Tal procedimento é, geralmente, realizado pelo incubador
com controlos de CO2 e deve fornecer uma atmosfera com cerca de 2 a 10% de CO2. Por outro
lado, alguns meios com CO2-bicarbonato não necessitam de CO2 adicional; contudo, nestes
casos deve-se utilizar um vaso de cultura selado, (Ryan 2008). A maioria dos meios de cultura
disponíveis comercialmente inclui fenol vermelho como indicador de pH, cuja função é
monitorizar constantemente o estado do pH em culturas celulares pela mudança de cor.
Geralmente, o meio de cultura deve ser mudado quando a cor muda para amarelo (meio ácido)
ou púrpura (meio alcalino), (SIGMA 2008).
Por último, a osmolalidade (pressão osmótica) do meio de cultura é importante, pois
auxilia a regular o fluxo de substâncias do interior para o exterior das células. Assim, a
evaporação observada em meios de cultura em vasos abertos vai diminuir rapidamente a
osmolalidade resultando em células danificadas, mortas ou em stress. Nestes casos os
incubadores com altos níveis de humidade podem reduzir a evaporação ao estritamente
essencial, (Ryan 2008).
Os constituintes básicos de um meio de cultura incluem: sais inorgânicos, carbohidratos,
aminoácidos, vitaminas, ácidos gordos e lípidos, proteínas e péptidos e soro. As principias
funções destes constituintes serão descritas em seguida.
Os sais inorgânicos ajudam a manter o equilíbrio osmótico entre células e regulam o
potencial de membrana pelo fornecimento de iões cálcio, sódio e potássio. Todos estes iões são
igualmente requeridos pela matriz de adesão celular, assim como co-factores enzimáticos.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
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Capítulo II. Cultura de Células – Princípios Gerais
Os carbohidratos, geralmente na forma de açúcares, são a maior fonte de energia das
culturas de células. Os açúcares mais utilizados em culturas celulares incluem a glucose e a
galactose, contudo alguns meios podem necessitar de maltose ou frutose. A concentração de
açúcares no meio basal varia entre 1 e 4.5 g/L em meios mais complexos. Um meio com
elevadas concentrações de açúcares é capaz de sustentar o crescimento de um vasto espectro
de tipos de células.
O soro da cultura de células é frequentemente a fonte de vitaminas para a cultura de
células; contudo, muitos meios podem ser enriquecidos com vitaminas de forma a tornarem-se
mais capazes de suportar um vasto número de células. As vitaminas são precursoras de
inúmeros co-factores, sendo que muitas vitaminas, particularmente as do grupo B, são
essenciais para o crescimento e proliferação celular e, nalguns tipos de células, a vitamina B12 é
primordial. Alguns meios de cultura apresentam também níveis aumentados de vitamina A e E,
mas as vitaminas mais utilizadas num meio de cultura são a riboflavina, tiamina e biotina.
As proteínas e os péptidos são utilizados para repor aqueles que estavam normalmente
presentes no ambiente celular normal, pela adição de soro ao meio. As proteínas e péptidos
mais comuns incluem a albumina, a transferrina, a fibronectina e a fetuína. À semelhança das
proteínas e péptidos, os ácidos gordos e lípidos são importantes constituintes do soro e os mais
comuns incluem o colesterol e os esteróides essenciais para células especializadas.
Alguns elementos vestigiais podem ser encontrados no soro, tais como, zinco, cobre,
selénio e ácido tricarboxílico, que apresentam as mais variadas funções. O selénio, por exemplo,
é um desintoxicante que ajuda na remoção dos radicais livres do oxigénio.
O soro é uma mistura complexa de albumina, factores de crescimento e inibidores de
crescimento, sendo muito provavelmente um dos componentes mais importantes nos meios de
cultura celulares. O mais comummente utilizado é o soro fetal bovino. Como principais funções
apresenta: protecção mecânica, capacidade tampão em culturas com taxas de proliferação
reduzidas e ligação e neutralização de toxinas, (SIGMA 2008).
2.5 Avaliação e Contaminação da Cultura
A avaliação do desempenho da cultura de células é geralmente baseada em quatro
características celulares importantes: morfologia, crescimento celular, eficácia da cultura e
expressão de funções especiais, (Ryan 2008).
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
16
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
A morfologia ou forma da célula é o mais fácil de determinar, contudo é frequentemente
pouco útil. Apesar de alterações da morfologia celular serem muitas vezes observadas em
culturas de células, é contudo difícil relacionar essas observações com as condições que as
causaram. Por outro lado é, igualmente, difícil quantificar ou medir precisamente essa alteração.
O primeiro sinal de que algo não está bem na cultura de células ocorre, quando, ao serem
examinadas ao microscópio, as células apresentam padrões de adesão ou crescimento pobres
ou pouco usuais. Quando existem suspeitas de problemas, pulverizar o vaso de cultura com
violeta cristal ou outro corante histológico demonstra qual o padrão de crescimento e, deste
modo, indica o problema.
A contagem de células ou qualquer outro método para estimar o número de células
permite determinar a taxa de crescimento celular. Esta determinação possibilita um desenho da
experiência mais detalhado para determinar quais as condições (meio de cultura, soro, substrato,
entre outras características) são melhores para as células; isto é, as condições que produzem
uma maior taxa de crescimento. Esta técnica de contagem de células pode também ser utilizada
para medir a sobrevida celular ou a morte celular, sendo frequentemente utilizada nos ensaios
citotóxicos in vitro, (Ryan 2008).
De forma a analisar as características de crescimento celular de um tipo particular de
células, pode-se traçar uma curva de crescimento a partir da qual se pode obter o tempo de
duplicação da população, o tempo em lag fase e a densidade de saturação. Esta curva de
crescimento demonstra a lag fase, que representa o tempo que a célula demora a recuperar da
subcultura, juntamente com o tempo de aderência e de disseminação celular (cerca de 48 horas,
embora por volta das 12-24 horas as células já recuperaram da tripina e reconstruíram o seu
citoesqueleto, segregaram matriz para adesão e espalharam-se pelo substrato); a log fase é o
momento do gráfico em que o número de células começa a aumentar exponencialmente; e
finalmente, a fase de plateau, na qual a cultura se torna mais densa e diminui ou interrompe a
sua taxa de crescimento. Apesar das curvas de crescimento, Figura 2.3, apresentarem muita
informação, estas são muito morosas e trabalhosas para serem utilizadas na monitorização da
cultura de células. Assim, o uso de um hemocitómetro ou um contador de partículas electrónico
fornece uma medição mais directa e simples do número de células e, portanto, do crescimento
celular. As células podem ser contadas antes, durante e após a experiência para, de uma forma
eficaz e precisa, quantificar e padronizar as condições experimentais. Adicionalmente, o uso de
azul tripano quando se utiliza do hemocitómetro, Figura 2.4, fornece ao investigador uma
avaliação quantitativa da viabilidade celular pelo cálculo das contagens diferenciais das células
que excluem o azul tripano (células doentes ou normais) das que captam (células
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
17
Capítulo II. Cultura de Células – Princípios Gerais
indubitavelmente mortas). Este método é o menos dispendioso, mas exige trabalho para a
aplicação do método completo; contudo, fornece informação fiável do número total de células e
ainda o número de células viáveis, (Mather 1998; Freshney 2006).
Células/ml
Mudança meio
Subcultura
e
Próxima
Subcultura
Tempo
Duplicação
Células/cm-2
Células/ml
Densidade de
Saturação
Dias após subcultura
Figura 2.3. Curvas de crescimento celular: (a) Aumento do número de células numa escala logarítmica
em função dos dias decorridas após subcultura; (b) Parâmetros cinéticos que podem ser derivados da
curva (a) (adaptado de (Freshney 2006)).
a)
b)
Figura 2.4. Hemocitómetro e determinação do número de células ((a) adaptado de (Mather 1998;
Coimbra 2008) e (b) de (Mather 1998)).
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
18
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
A eficácia da cultura é um método de teste no qual um reduzido número de células
(entre 20 e 200) é colocado num vaso de cultura, medindo-se o número de colónias que se
formam. A percentagem de colónias que se formam constitui uma medida de sobrevivência
celular, enquanto que o tamanho das colónias representa a taxa de crescimento. Este método de
teste é similar ao aplicado na análise da taxa de crescimento celular; contudo, é mais sensível a
pequenas variações em condições de cultura celular, (Ryan 2008).
No método de determinação da eficácia da cultura, dado que a razão volume do
meio/volume de células é muito elevada, existe um impacto mínimo das células sobre o
ambiente; por isso, a possibilidade das células metabolizarem e converterem os aminoácidos em
compostos tóxicos ou secretarem factores de crescimento autócrinos é muito reduzida. Assim,
este parâmetro é considerado muito útil na avaliação dos requisitos nutricionais das células, para
comparação dos lotes de soro e avaliação dos componentes tóxicos a testar. Existem ainda
muitos investigadores que preferem este método ao método de determinação da taxa de
crescimento na avaliação dos efeitos dos factores de crescimento. Apesar disto, as
concentrações óptimas de nutrientes e factores de crescimento obtidas por este teste, podem
não ser adequadas para suportar elevadas densidades celulares. A eficácia da cultura é
determina pelo quociente entre as colónias formadas e as colónias cultivadas, (Mather 1998).
A última característica a avaliar é a expressão de funções especializadas. Este é
geralmente mais difícil de medir e de observar, pelo que, testes bioquímicos e imunológicos
podem ser utilizados para a sua determinação. Apesar de algumas culturas de células poderem
crescer em condições subóptimas, funções altamente especializadas requerem, frequentemente,
condições de cultura quase perfeitas.
A contaminação de culturas de células divide-se em dois grandes grupos: químicas e
biológicas. Os contaminantes químicos são os mais difíceis de detectar, dado que, são causados
por agentes como as toxinas, iões metálicos e vestígios de desinfectantes químicos. Os
contaminantes biológicos na forma de bactérias ou fungos apresentam, frequentemente, efeitos
visíveis sobre a cultura de células (alterações de pH, por exemplo), sendo por isso mais fáceis
de detectar, principalmente quando os antibióticos são omitidos do meio de cultura. Contudo,
duas formas de contaminação biológica, por micoplasmas e vírus, não são facilmente detectados
visualmente e requerem métodos especiais de detecção.
As principais regras para evitar contaminação de cultura de células são: treino adequado
e técnicas assépticas por parte do investigador e equipamento esterilizado e correctamente
monitorizado, (Ryan 2008).
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
19
Capítulo II. Cultura de Células – Princípios Gerais
As contaminações biológicas detectáveis a olho nu podem, por isso, ser controlada com
rigor através de uma observação diária da cultura de células ao microscópio; contudo, no caso
de infecção da cultura de células por micoplasmas ou vírus, as alterações podem passar
despercebidas, mas podem por outro lado incluir: redução da taxa de crescimento, alterações
morfológicas, aberrações dos cromossomas e alterações do metabolismo dos aminoácidos e
ácidos nucleicos, (SIGMA 2008).
A investigação utilizando culturas de células ou os bancos de células devem apresentarse livres de contaminações e em estado saudável. O uso continuado de antibióticos e agentes
anti-fungicos pode, por vezes, mascarar a presença destes organismos, conduzindo ao
desenvolvimento de estirpes mais resistentes e, portanto, mais difíceis de eliminar. Por este
motivo, é importante avaliar periodicamente a presença de contaminação da cultura de células.
O primeiro passo para detectar contaminação bacteriana ou fúngica consiste na
observação macroscópica e microscópica. Uma vez detectada a contaminação, todos os
reagentes e soros utilizados na cultura de células, bem como, a própria cultura têm que ser
destruídos com hipoclorito de sódio e, posteriormente, descartados.
Dado que se utiliza soro e tripsina natural como suplementos aos meios de cultura, bem
como, para a realização de subculturas, o risco de contaminação por estes agentes deve ser
sempre considerada. Para além disso, a contaminação por vírus pode surgir de outras fontes,
tais como, o tecido ou órgão do dador ou factores de crescimento contaminados por outras
culturas infectadas. A eliminação das contaminações por vírus é difícil e não existe um teste
universal para identificação deste tipo de contaminantes, pelo que, os vírus podem ser
identificados utilizando um vasto leque de testes moleculares e imunológicos. Estes testes
incluem, usualmente, os patogenes potencialmente perigosos para os humanos, como por
exemplo, o HIV. A monitorização de vírus deve ser realizada cada 3 a 4 meses.
O micoplasma é um organismo sub-microscópico que atravessa os filtros de 0.22 µm
utilizados para a filtração estéril dos reagentes e soros utilizados nas culturas celulares. Ao
contrário das infecções por bactérias comuns, as provocadas pelo micoplasma não resultam em
alterações visíveis da cultura. Actualmente, têm surgido testes dedicados ao teste de
micoplasma em culturas de células, sendo que, estes devem ser realizados cada dois meses,
(Besta 2004).
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
20
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
2.6 Sumário
Pretende-se, uma vez finalizada a leitura do presente capítulo, que se compreenda e
retenha os conceitos básicos de culturas de células, com particular importância aqueles
relacionados com os diferentes tipos de culturas de células, a morfologia de diferentes células e
os principais processos de avaliação da cultura de células.
Os conceitos abordados neste capítulo visaram principalmente orientar e facilitar a
compreensão do capítulo VI, que versa sobre os materiais de métodos utilizados no estudo dos
efeitos dos electrões de Auger em culturas de células.
Do capítulo verificou-se que o uso de linhas celulares face às culturas primárias
apresenta algumas vantagens, nomeadamente a sua maior padronização e facilidade de
manipulação e desenvolvimento em meio laboratorial. Verificou-se ainda que existem diferentes
morfologias de células, que podem ser, geralmente, classificadas em três grupos, que são:
epiteliais, linfoblásticas e fibroblásticas. Adicionalmente, observou-se que o meio de cultura é um
componente muito importante na cultura de células e que uma avaliação de contaminações, bem
como a monitorização da cultura devem ser realizadas periodicamente.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
21
Capítulo III. Ciclo Celular e Apoptose
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
3.1 Introdução
De um modo geral, as células crescem, aumentam o seu conteúdo e depois dividem-se.
Cada célula origina duas células-filhas que, se tudo se processar conforme esperado, serão
geneticamente iguais à célula-mãe. As células-filhas, por sua vez, podem tornar-se células-mães
de uma outra geração celular. Assim, a vida de uma célula começa quando ela surge a partir da
célula-mãe e acaba, quando ela própria se divide para originar duas células-filhas.
A multiplicação das células segue assim o interessante carácter cíclico da vida,
intercalando períodos de crescimento com períodos de divisão. O conjunto de transformação que
decorre desde a formação da célula até ao momento em que ela própria, por divisão, origina
duas células-filhas constitui um processo dinâmico e contínuo, denominado ciclo celular.
Durante a divisão celular, os organelos, as enzimas e outros constituintes que fazem
parte das células são distribuídos pelas células-filhas. O ADN é exactamente auto-duplicado e as
cópias rigorosamente distribuídas. É esta fidelidade na duplicação e na distribuição de material
genético pelas células-filhas que assegura a continuidade genética da vida.
A unidade básica de um cromossoma eucariótico é uma longa molécula de ADN que se
encontra ligada a proteínas. Em alguns períodos da vida celular, cada cromossoma contém, para
além das proteínas, apenas uma molécula de ADN. Noutros períodos, contudo, esta molécula
duplica e o cromossoma fica constituído por dois cromatídios, isto é, duas moléculas de ADN
associadas a proteínas. Dois cromatídeos apresentam-se ligados por uma estrutura sólida e
resistente chamada centrómero (que significa corpo central), (Silva 2000).
A irradiação de uma célula pode resultar em nove possíveis destinos finais:
•
Ausência de efeito;
•
Atraso na divisão: a célula atrasa a entrada no processo de divisão (estádio G0);
•
Apoptose: a célula morre antes de se dividir ou após divisão por fragmentação em
pequenos corpos, que são posteriormente absorvidos pelas células vizinhas;
•
Falha reprodutiva: a célula morre na tentativa de executar mitose pela primeira ou
subsequentes vezes;
•
Instabilidade genómica: caracteriza-se por um atraso da falha reprodutiva como
resultado da introdução de instabilidade genómica;
•
Mutação: a célula sobrevive, mas está mutada;
•
Transformação: a célula sobrevive, mas a mutação leva a alterações de fenotipo e
possibilidade de carcinogénese;
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
25
Capítulo III. Ciclo Celular e Apoptose
•
Efeito bystander: uma célula irradiada envia sinais às células vizinhas não irradiadas,
induzindo nestas danos genéticos;
•
Respostas adaptativas: a célula irradiada é estimulada para reagir e torna-se mais
resistente à radiação subsequente, (Suntharalingam 2002).
Dos destinos finais explicados anteriormente, aquele que é mais interessante do ponto
de vista de radioterapia metabólica dirigida, nomeadamente pelo uso de electrões de Auger, é a
apoptose, pois este destino induz menos danos às células vizinhas, sendo um processo sem
resposta inflamatória e, adicionalmente, impede a propagação de aberrações cromossómicas
radioinduzidas. Por estes motivos, será abordado com maior detalhe neste capítulo, e após
explicação do ciclo celular, a apoptose, ou morte celular programada.
Para exposição dos princípios gerais do ciclo celular e da apoptose, organizou-se este
capítulo em dois grandes temas, sendo abordado, em primeiro lugar, o ciclo celular e depois a
apoptose. No tema da apoptose referem-se aspectos como a regulação da apoptose e sua
relação com o ciclo celular e ainda comparação da apoptose com a necrose.
3.2 Ciclo Celular – Princípios Gerais
Baseando-se na actividade das células que é visível no microscópio óptico, consideramse, num ciclo celular duas fases: interfase e fase mitótica ou periódo de divisão celular. A
primeira (interfase) corresponde ao período compreendido entre o fim de uma divisão celular e o
início da divisão seguinte; enquanto que, a fase mitótica diz respeito ao período durante o qual
ocorre divisão celular, (Silva 2000; Suntharalingam 2002).
Na interfase os cromossomas não são visíveis ao microscópio óptico. Os complexos
ADN-Proteínas que constituem a cromatina estão pouco condensados e dispersos pelo núcleo,
por isso, a fase mitótica constituiu, durante muitos anos, o principal ponto de interesse e a
interfase foi considerada uma fase de repouso.
Na interfase existem um ou mais nucléolos em cada núcleo. A replicação de ADN de
uma célula ocorre durante uma parte limitada da interfase, denominada fase S ou fase de
síntese, que é precedida e seguida por dois intervalos, respectivamente, G1 e G2 (G de gap, que
significa intervalo). Assim:
•
Intervalo G1 ou pós-mitótico – corresponde ao período que decorre entre o fim da
mitose e o início da síntese de ADN. Caracteriza-se por uma intensa actividade
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
26
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
biossintética, nomeadamente, de proteínas, enzimas e ARN, ocorrendo ainda
formação de organismos celulares e consequentemente um notório crescimento da
célula.
• Fase S – ocorre a autoreplicação de cada uma das moléculas de ADN (processo
explicado previamente). Estas novas moléculas associam-se às respectivas
proteínas e a partir desse momento cada cromossoma passa a ser constituído
por dois cromatídeos ligados pelo centrómero. Nas células animais, ao nível do
citoplasma, dá-se ainda a duplicação dos centríolos (feixes curtos de
microtúbulos localizados no citoplasma das células eucariontes – Figura 3.1).
Figura 3.1. Representação gráfica 3D de um centríolo (retirado de (Wikipedia 2008)).
•
Intervalo G2 ou pré-mitótico – ocorre entre a final da síntese de ADN e o início da
mitose. Neste período dá-se sobretudo a síntese de biomoléculas necessárias à
divisão celular.
Na fase final da etapa G1 as células fazem uma avaliação interna relativamente ao
prosseguimento do ciclo celular. Se a avaliação é negativa, as células não se dividem,
permanecendo num estádio denominado G0. O tempo de permanência em G0 depende não só
do tipo de célula, mas também das circunstâncias que a rodeiam. As células que não voltam a
dividir-se permanecem num estádio G0 semanas ou mesmo anos até que morrem (por exemplo,
os neurónios e fibras musculares de um indivíduo adulto). Se, pelo contrário, a avaliação
efectuada pelas células é positiva, estas iniciam a síntese de ADN, completando o ciclo celular
de uma forma irreversível.
A duração das subfases G1, S e G2 varia com as espécies, com o tipo de tecido e com o
estádio de desenvolvimento do organismo, Figura 3.2. Num mesmo tecido, a variabilidade da
duração do ciclo celular depende sobretudo do tempo de permanência em G1. Por exemplo, nas
células de um embrião, o período G1 é muito curto, contudo, nas células de um indivíduo adulto o
período G1 é muito mais longo, (Silva 2000). Geralmente, para células de mamíferos em cultura
a fase S tem uma duração de sensivelmente 6 a 8 horas, a fase M tem duração inferior a uma
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
27
Capítulo III. Ciclo Celular e Apoptose
hora, G2 varia entre 2 a 4 horas e G1 entre 1 e 8 horas, o que perfaz um ciclo celular com
duração normal de 10 a 20 horas. Para além disso, tem-se verificado que o ciclo celular em
células malignas ou danificadas é mais acelerado que nas células normais, (Suntharalingam
2002).
Figura 3.2. Duração de ciclos celulares de diferentes espécies (adaptado de (Silva 2000)).
Relativamente à fase mitótica esta pode ser dividida em duas etapas principais, que
embora possam apresentar alguma variabilidade para diferentes espécies, globalmente seguem
um processo similar que inclui: a mitose, a qual corresponde à divisão do núcleo e a citocinese
(divisão do citoplasma). A primeira (mitose), embora seja um processo contínuo, apresenta
convencionalmente quatro estádios: a profase, a metafase, a anafase e a telofase, Figura 3.3.
A profase é, de um modo geral, a etapa mais longa da mitose. Nesta fase, os
cromossomas enrolam-se, tornando-se cada vez mais espessos, curtos e com grande afinidade
para alguns corantes; cada cromossoma é constituído por dois cromatídeos unidos pelo
centrómero; os dois pares de centríolos começam a afastar-se em sentidos opostos, formandose entre eles o fuso acromático ou fuso mitótico, constituído por um sistema de microtúbulos
proteicos que se agregam para formar fibrilas. Adicionalmente, algumas fibrilas dispõem-se
radialmente nos pólos da célula, constituindo o áster e, quando os centríolos atingem os pólos, a
membrana nuclear fragmenta-se e os nucléolos desaparecem.
Na metafase os cromossomas atingem o máximo de encurtamento devido a uma
elevada condensação; os pares de centríolos estão nos pólos da célula; o fuso acromático
completa o seu desenvolvimento, notando-se que, algumas das suas fibrilas se ligam aos
cromossomas (fibrilas cromossómicas), enquanto que outras vão de pólo a pólo (fibrilas
contínuas). Para além disso, os cromossomas dispõem-se com os centrómeros no plano
equatorial (plano equidistante entre os dois pólos celulares), voltados para o centro desse plano
e com os “braços” para fora. Os cromossomas assim imobilizados constituem a chamada placa
equatorial e estão prontos para se dividir.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
28
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
A anafase caracteriza-se pela clivagem de cada um dos centrómeros, separando-se os
dois cromatídeos que passam a constituir dois cromossomas independentes. Ainda nesta fase
da mitose, as fibrilas ligadas aos cromossomas encurtam e estes começam a afastar-se,
migrando para pólos opostos da célula – ascensão dos cromossomas filhos. No final da anafase
os dois pólos da célula têm colecções completas e equivalentes de cromossomas e, portanto, de
ADN.
Durante a telofase a membrana nuclear reorganiza-se em torno dos cromossomas de
cada célula-filha; os nucléolos reaparecem; dissolve-se o fuso mitótico; os cromossomas
descondensam e alongam-se, tornando-se menos visíveis; a célula fica constituída por dois
núcleos, terminado assim a mitose.
Figura 3.3. Células nas diferentes fases da mitose. Da esquerda para a direita: profase, metafase,
anafase e telofase (adaptado de (Silva 2000)).
A citocinese caracteriza-se pela divisão do citoplasma e consequente individualização
das duas células-filhas. Geralmente, nos dois últimos estádios da mitose (fim da anafase e
telofase), forma-se na zona do plano equatorial um anel contráctil de filamentos proteicos, Figura
3.4. Estes contraem-se e puxam a membrana para dentro, causado um sulco de clivagem, que
vai lentamente estrangulando o citoplasma até separar as duas células filhas, (Silva 2000).
Figura 3.4. Citocinese numa célula animal, aspecto ao microscópio (retirado de (Silva 2000)).
Para além da divisão das células somáticas, isto é a mitose, existe outro processo de
propagação e divisão celular denominado meiose, que ocorre aquando da fecundação; contudo,
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
29
Capítulo III. Ciclo Celular e Apoptose
tal processo não será explicado no presente trabalho, pois não é fundamental para a
compreensão do tema principal do mesmo, (Suntharalingam 2002).
3.3 Apoptose
Apoptose, ou morte celular programada, foi reconhecida morfologicamente como um
processo distinto de outros tipos de morte celular há mais de 30 anos por Kerr, Wyllie e Durrie
(1972), (Anazetti 2007). Basicamente, esta caracteriza-se por ocorrer de forma individual, não
infligindo, por isso, morte às células vizinhas. A morte celular por apoptose participa em múltiplas
situações fisiológicas, tais como, o colapso endometrial durante a menstruação, a depleção de
células nas criptas intestinais e a embriogénese, (Anazetti 2007). A combinação da apoptose
com a proliferação celular é responsável pelo delineamento de tecidos e órgãos nos embriões,
por exemplo, a apoptose regula a separação entre os dedos dos fetos. Problemas com a
regulação da apoptose podem conduzir ao aparecimento de inúmeras patologias,
nomeadamente cancro. Por estes motivos, a apoptose é um mecanismo rigidamente controlado
por expressões genéticas decorrentes da interacção célula/meio externo, levando à produção de
várias moléculas com actividades específicas que conduzem a alterações celulares funcionais
expressas morfologicamente pela condensação e fragmentação da cromatina e formação de
protuberâncias na superfície celular, (Dash 2008).
Após o reconhecimento do processo apoptótico como um mecanismo celular
fundamental, a biologia da apoptose continuou a ser investigada avaliando-se as alterações
morfológicas e bioquímicas características, a natureza das vias intracelulares, a complexa
biologia molecular de genes e elementos efectores, a sua relação no desenvolvimento
embrionário, o seu papel na homeostasia celular e o seu envolvimento na patogénese de várias
doenças;
tais
como,
doenças
auto-imunes,
infecções
por
parasitas,
doenças
neurodegenerativas, lesões isquémicas e cancro.
Com o aparecimento de novos conhecimentos na biologia associada ao cancro e,
consequentemente, na indução química da apoptose, os tratamentos tornam-se mais eficazes
face às terapêuticas tradicionais, (Anazetti 2007).
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
30
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
3.3.1 Processo Apoptótico
As células, após receberem o sinal para entrarem em apoptose, realizam um vasto
conjunto de alterações. Uma família de proteínas denominada caspase, é tipicamente activada
nas fases inicias da apoptose, sendo responsável pela quebra de componentes celulares
importantes que são fundamentais para o funcionamento celular normal, incluindo proteínas
nucleares, tais como as enzimas responsáveis pela reparação do ADN. Por outro lado, as
caspases podem activar enzimas destruidoras, tais como, ADNases, que iniciam a quebra do
ADN nuclear. Kerr, Wyllie e Durrie, já em 1972, caracterizaram as caspases como enzimas com
um resíduo de cisteína activo, sendo capazes de clivar substratos que possuem resíduos de
ácido aspártico em sequências específicas. A especificidade pelos seus respectivos substratos é
determinada por quatro resíduos amino-terminal no local de clivagem, (Anazetti 2007; Dash
2008).
A célula em apoptose apresenta uma morfologia distinta, Figura 3.5, que se caracteriza
por, (Dash 2008):
•
Encurtamento celular devido a destruição dos filamentos de actina e lâminas do
citoesqueleto (caso A da Figura 3.5);
•
Quebra da cromatina no núcleo que conduz frequentemente a condensação nuclear e,
muitas vezes, o núcleo celular toma uma aparência em “ferradura” (situação B da Figura
3.5);
•
Contínuo encurtamento celular para permitir posterior remoção pelos macrófagos (caso
C da Figura 3.5);
•
Na fase final da apoptose surgem pequenas “esferas membranadas”, que formam
pequenas vesículas, denominadas corpos apoptóticos (exemplo D da Figura 3.5).
Figura 3.5. Alterações morfológicas observadas num trofoblasto em apoptose. Imagem recolhida com
microscópio durante um período de 6 horas (retirado de (Dash 2008)).
Estas alterações são comuns a todas as células em apoptose explícita,
independentemente do agente indutor do processo. Quer isto dizer que a acção das caspases
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
31
Capítulo III. Ciclo Celular e Apoptose
representa uma via final comum, que opera em todas as células programadas para morrer,
(Anazetti 2007).
Existe um vasto número de mecanismos que induzem apoptose nas células, sendo que
a sensibilidade da célula face a um dado estímulo depende de um número de factores como a
expressão de proteínas pró e anti-apoptóticas (por exemplo, o Bcl-2 e as proteínas inibidoras de
apoptose), a severidade do estímulo e o estádio do ciclo celular. Alguns dos estímulos que
podem induzir a apoptose incluem: infecções com vírus, stress celular e danos ao ADN. Na
Figura 3.6 apresenta-se um esquema representativo do processo de apoptose no global.
Nalguns casos, o estímulo para o processo apoptótico inclui sinais extrínsecos, tais
como, a ligação de indutores de apoptose a receptores da membrana da célula, denominados
receptores de morte. Estes ligandos podem ser factores solúveis ou podem ser expressos à
superfície da membrana celular, como é o caso dos linfócitos T. Este segundo processo ocorre
quando a célula T reconhece células infectadas com vírus ou danificadas, sendo iniciado o
processo apoptótico para impedir que os danos das células se tornem neoplásicos ou ocorra a
dispersão da infecção. Adicionalmente, a apoptose induzida por linfócitos T citocóxicos pode ser
conseguida pelo uso de enzimas.
Para além dos processos supracitados, a apoptose pode ser induzida por sinais
intrínsecos que produzem stress celular, devido à exposição à radiação, a químicos ou vírus.
Pode igualmente resultar de uma privação de factor de crescimento ou stress oxidativo induzido
pela formação de radicais livres. Em geral os sinais intrínsecos capazes de iniciar a apoptose
envolvem a mitocôndria. As razões relativas de várias proteínas bcl-2 são geralmente capazes
de quantificar o stress celular necessário para induzir apoptose, (Dash 2008).
Receptores de
Morte Celular
Radiação
ionizante
Célula T
Infecção virús
Receptores de
Morte Celular
Stress Celular (exemplo:
radicais livres e depleção
factor crescimento)
Figura 3.6. Representação esquemática de algumas das vias de indução de apoptose e transmissão do
sinal apoptótico (adaptado de (Dash 2008)).
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
32
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
Apesar de existirem várias rotas distintas para a activação de caspases (como exemplificado
da Figura 3.6), dependendo do estímulo que desencadeia a morte celular, a evidência científica
parece apontar para, essencialmente, duas vias distintas activas para o início da apoptose,
(Anazetti 2007):
ƒ
A apoptose iniciada via receptores de morte, Figura 3.7, tais como Fas, também
chamado de CD95 ou Apo-1 e TNF-R1 (receptor/factor de necrose tumoral), requerem
pró-caspase-8 ou –10 no complexo;
ƒ
Apoptose iniciada devido a estímulos induzidos por agentes externos, nomeadamente,
quimioterapêuticos ou radiação.
Figura 3.7. Representação das duas principais vias de activação das caspases num processo de
apoptose celular (retirado de (Anazetti 2007)).
De seguida aborda-se com maior detalhe a segunda via de activação das caspases num
processo apoptótico; isto é, a via mitocôndial iniciada por estímulos externos, pois esta é a via
que se reveste de maior interesse para compreensão do restante trabalho.
A via mitocondrial é activada predominantemente, com envolvimento de alterações de
permeabilidade de membrana mitocondrial e liberação do Citocromo C para o citoplasma, que se
liga ao dATP, Apaf-1 e pró-caspase-9, formando o complexo apoptossomo. A caspase-9 activa
(iniciadora) pode então clivar as caspases efectoras subsequentes (-2, -3, -6, -7, -8, -9, e -10).
Portanto, a activação da caspase-9 mediada pelo Citocromo C serve como um mecanismo de
amplificação de sinais durante o processo apoptótico. Membros pró-apoptóticos e
antiapoptóticos da família Bcl-2 regulam a liberação de Citocromo C a partir da membrana
mitocondrial interna. A via mitocondrial é, frequentemente, activada em resposta a danos no
ADN, envolvendo a activação de um membro pró-apoptótico da família Bcl-2 (Bax, Bid). Por
outro lado, os membros anti-apoptóticos da família Bcl-2 inibem a morte celular por apoptose
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
33
Capítulo III. Ciclo Celular e Apoptose
impedindo a formação de poros na membrana mitocondrial, com consequente inibição da
libertação do Citocromo C para o citoplasma.
Uma vez iniciada a cascata das caspases, o processo apoptótico culmina na clivagem
de substratos específicos e, finalmente, na morte celular, Figura 3.8, (Anazetti 2007).
Sinais Apoptóticos
Desfosforilação
Libertação Bad
Poros
Citocromo C
Formação do Apoptossomo
Cascata de
Caspases
Figura 3.8. Representação da via mitocôncrial presente num processo apoptótico (adaptado de (Dash
2008)).
Um dos principias objectivos da apoptose é fragmentar o ADN em pequenas unidades
nucleossomáticas. As caspases são fundamentais para este processo, realizando-o de três
possíveis formas: activação das ADNases, inibição das enzimas de reparação do ADN e quebra
das proteínas estruturais no núcleo celular, (Dash 2008).
3.3.2 Regulação da Apoptose e Relação com Ciclo Celular
A homeostasia tecidular depende do balanço entre proliferação e morte celular, que são
eventos intimamente acoplados. Alguns reguladores do ciclo celular participam em ambos os
processos, morte celular programada e divisão celular. A relação entre ciclo celular e apoptose é
reconhecida pelos genes que codificam as proteínas c-Myc, p53, pRb, Ras, PKA, PKC, Bcl-2,
NF-κB, CDK, ciclinas e CKI. Após estimulação, estas proteínas podem induzir proliferação
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
34
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
celular, interrupção do ciclo celular ou morte celular. O background genético, o micro-ambiente
celular, a extensão de danos ao ADN e o nível presente de diferentes proteínas são factores
importantes e interligados na resposta celular.
Como descrito anteriormente, algumas das proteínas da família Bcl-2 apresentam uma
importante função anti-apoptótica, que é regulada por fosforilação envolvendo interacções entre
várias proteínas da família; contudo, se níveis elevados de proteínas dessa família de genes
bloqueiam a apoptose (Bcl-2 e Bcl-x), outras promovem-na (Bax, Bad e Bak). Os genes antiapoptóticos da família Bcl-2 são promotores da sobrevivência celular, porque inibem a ocorrência
da apoptose. A proteína Bcl-2 está localizada na membrana mitocondrial externa de diferentes
tipos celulares, como por exemplo, epitélios capazes de proliferação e morfogénese. As suas
funções incluem o bloqueio da liberação de Citocromo C pela mitocôndria após estímulo
apoptótico, impedindo assim, a activação de caspases. A proteína Bax pode produzir
heterodímeros com a Bcl-2 (Bax/Bcl-2) ou homodímeros (Bax/Bax), suprimindo, desta forma, a
morte celular quando heterodimerizada com Bax; e promovendo a apoptose enquanto
homodímero Bax/Bax. O mecanismo de controlo da apoptose pelos genes da família Bcl-2
envolve a formação de poros na membrana mitocondrial, permitindo a interacção de várias
proteínas envolvidas na regulação da morte celular.
A proteína c-Myc é uma fosfoproteína nuclear que funciona como um factor de
transcrição, estimulando a progressão do ciclo celular e a apoptose. A expressão de c-Myc é
regulada por fosforilação e interacção com outras proteínas celulares. É um gene de resposta
inicial, ou seja, responde directamente a sinais de mitose, estimulando o avanço das células da
fase G1 do ciclo celular. Além disso, pode exercer seu efeito na progressão do ciclo celular pela
transcrição de genes importantes no controle do ciclo celular, tais como ciclinas, quinases e
outros factores de transcrição. Simultaneamente, funciona como regulador negativo da
interrupção do ciclo celular, suprimindo a transcrição de alguns genes envolvidos. Além do seu
papel no ciclo celular, c-Myc também apresenta um papel chave na regulação do processo
apoptótico. Apesar dos eventos moleculares envolvidos no processo de apoptose induzida por cMyc não serem bem compreendidos, tem-se observado que, tanto a super-expressão quanto a
diminuição da expressão de c-Myc pode levar a morte celular. Em geral, a indução de apoptose
por c-Myc parece ocorrer quando há privação de factores de sobrevivência celular. Também se
considera a possibilidade do c-Myc poder estar envolvido em vias independentes ou
dependentes do p53, bem como, na liberação de Citocromo C envolvendo proteínas Bax (próapotóticas) funcionalmente activas e ainda, na expressão de Fas ligante e de receptor Fas.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
35
Capítulo III. Ciclo Celular e Apoptose
Um outro importante gene envolvido no processo de morte e proliferação celular é o
supressor tumoral p53. Este gene é o mais frequentemente mutado em todos os tipos de cancro
humano e é um sensor universal de stress genotóxico. A frequência de mutações do gene p53
varia dependendo do tipo de tumor mas, em média, 50% dos tumores apresentam uma lesão no
locus p53. A proteína p53, cujo nome se refere à massa molecular, é amplamente conhecida
como indutora da interrupção do ciclo celular e de apoptose. Esses processos são regulados por
transactivação de genes envolvidos em diferentes funções celulares, mas também pela
activação de mecanismos independentes de transcrição genética. Normalmente, a proteína p53
é encontrada nas células em níveis reduzidos, sugerindo que, esta proteína é requerida,
ocasionalmente, pelas células em circunstâncias especiais.
A indução de aumento nos níveis da proteína p53 em culturas celulares inibe a
proliferação celular. Assim, a célula permanece na fase G1 do ciclo celular, o chamado ponto de
“verificação” da integridade do material genético, impedindo sua passagem para a fase S. As
células expostas a irradiação e que não codificam a proteína p53 continuam dividindo-se e
replicando o DNA sem qualquer interrupção para realizar reparações de lesões no ADN,
propagando deste modo, o erro.
O gene p53 foi inicialmente identificado em estudos de células tumorais, pois o cancro
surge quando as células recém-fomadas apresentam mutações simultâneas em genes que
controlam o crescimento e a sobrevivência celular. Estes defeitos, se pouco extensos, podem ser
corrigidos por enzimas especializadas. Em geral, se a mutação é irreparável, ocorre o
desencadeamento do processo de morte celular por apoptose. Ao contrário do gene Bcl-2, o p53
pára o ciclo celular e desencadeia a apoptose. Contudo, em células mutantes (como é o caso
das células tumorais), que não codificam este gene, a apoptose não ocorre, pelo que, estas
células sobrevivem por mais tempo, acumulam mais mutações e multiplicam-se sem controlo,
gerando tumores. Por impedir a proliferação de células mutadas, protegendo o organismo de
células cancerosas, o p53 é denominado gene supressor tumoral.
A proteína retinoblastoma (Rb) inibe a progressão do ciclo celular pela interacção com
factores de transcrição, como por exemplo, o E2F. Quando a pRb se torna fosforilada, o factor
E2F é liberado, estimulando a proliferação celular. Por outro lado, esta proteína pode actuar
também na regulação negativa do processo apoptótico. O factor E2F induz a expressão do factor
pró-apoptótico Apaf-1 e evidências sugerem um papel para o factor E2F em apoptose após
ocorrência de dano no ADN.
O p53 e pRb/E2F podem estar directamente ligados na proliferação celular e apoptose,
porque, a proteína p53 activada causa interrupção do ciclo celular na fase G1, o que implica que,
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
36
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
nestas condições, a proteína Rb não seja fosforilada e as células não possam progredir no ciclo
celular. Por outro lado, o pRb fosforilado libera o factor E2F, que induz directamente a
transcrição do gene que codifica a p53. Portanto, a via apoptótica dependente de p53 está
intimamente relacionada com o par pRb/E2F, pelo que, cada um dos supressores tumorais (p53
e pRb) podem ser capazes de compensar a perda do outro, (Anazetti 2007).
3.3.3 Necrose e Apoptose
O padrão de alterações morfológicas e bioquímicas celulares associadas à programação
normal de morte celular em certos processos patológicos in vivo inclui: formação de vacúolos
citoplasmáticos, encolhimento e diminuição do contacto entre células vizinhas, fragmentação da
membrana nuclear e condensação cromatínica, despolarização de membrana mitocondrial,
fragmentação internucleossomal do ADN e alterações na assimetria de fosfolípidos da
membrana plasmática. Por outro lado, a morte celular por necrose ocorre, geralmente, em
resposta à injúria severa às células e é caracterizada, morfologicamente, por um aumento do
volume citoplasmático e mitocondrial, ruptura da membrana plasmática e liberação do conteúdo
extracelular. Consequentemente, gera-se uma resposta inflamatória, que pode causar injúria e
até morte de células vizinhas, Figura 3.9; ou seja, nesta condição um grande número de células
são afectadas e lesadas ao mesmo tempo e devido ao desencadeamento do processo
inflamatório há alterações irreversíveis no tecido e/ou órgão afectado.
Normal
Edema reversível
Edema Irreversível
Desintegração
Normal
Condensação
Fragmentação
Corpos Apoptóticos
Figura 3.9. Esquema da morfologia celular em processos de necrose (em cima) e apoptose (em baixo)
(adaptado de (Anazetti 2007)).
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
37
Capítulo III. Ciclo Celular e Apoptose
No processo de morte celular por necrose ocorrem alterações da função mitocondrial,
diminuindo drasticamente a produção de ATP e interferindo na função da bomba Na+/K+, o que
conduz à tumefação (ou edema) celular devido ao aumento de Na+ presente no citoplasma. O
aumento do Ca2+ no citoplasma provoca a activação de fosfolipases e de proteases que,
juntamente com o aumento de espécies reactivas de oxigénio, induzem ruptura da membrana
plasmática, activam as proteases, com consequente indução do extravasamento do conteúdo
celular, sinalizando, deste modo, a migração de macrófagos e activando uma resposta
inflamatória do sistema imunitário. Ao contrário da retracção celular observada em células
apoptóticas, na necrose observa-se um edema celular devido às lesões no citoesqueleto e
inibição da bomba de Na+/K+, o que origina a perda da permeabilidade selectiva da membrana.
Em contraste, o processo apoptótico envolve a participação activa das células afectadas na
cascata de autodestruição que culmina em degradação do ADN via activação de endonucleases,
desintegração nuclear e formação de corpos apoptóticos. Estes são rapidamente retirados do
tecido por macrófagos, esta sinalização ocorre devido a translocação da fosfotidilserina do lado
interno para o lado externo da membrana “assinalando” as células que deverão ser fagocitadas,
(Anazetti 2007).
Em suma, na apoptose, ou morte celular programada, as células morrem como resultado
de um grande variedade de estímulos, contudo o processo é controlado e regulado, sendo
comummente denominado por “suicídio” celular. Contrariamente à apoptose, a necrose, que
corresponde à morte celular descontrolada, conduz ao aparecimento de lise celular e
concomitante resposta inflamatórias, (Dash 2008).
3.4 Sumário
Deste capítulo concluiu-se que a célula começa a sua vida quando resulta da divisão da
célula-mãe e termina quando ela própria se divide em duas células-filhas, daí que se denomine
esta existência cíclica das células por ciclo celular. O ciclo celular desempenha um papel
fundamental na resposta celular à irradiação, pois aquando de um dano pode repará-lo, pode
ordenar a morte celular (apoptose) ou pode retirar essas células do ciclo celular, colocando-as
num estádio de paragem (denominado G0). A apoptose é o processo de morte celular que
menos danos causa às células vizinhas, sendo o processo ideal de fim celular aquando da
irradiação.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
38
Capítulo IV. Principais Características do 99mTc
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
4.1 Introdução
Os radiofármacos marcados com tecnécio-99m (99mTc) tornaram-se, nos últimos 30
anos, importantes ferramentas para o diagnóstico de várias doenças ou disfunções de órgãos e
sistemas que compõem o corpo humano. Actualmente, existem aproximadamente 30 compostos
utilizados na Medicina Nuclear, criando um volume de exames correspondente a 80% da rotina
clínica de um serviço de Medicina Nuclear. O elevado índice de utilização deste radionulcídeo
resulta das propriedades físicas e químicas ideais que este apresenta, tais como: semi-vida
física de aproximadamente 6 horas; decaimento por emissão de radiação gama, com fotões de
140 keV; a facilidade da obtenção a partir de um sistema gerador de molibdénio-99/tecnécio-99m
(99Mo/99mTc); a possibilidade do metal atingir vários estados de oxidação e de coordenação,
dando origem a diferentes radiofármacos, a partir da simples reconstituição de conjuntos de
reactivos liofilizados (“kits”), (Marques 2001).
A utilidade indubitável do
99mTc
no contexto diagnóstico já tem sido provada nestes
últimos 30 anos, contudo a sua eventual utilidade enquanto agente terapêutico começa agora a
colocar-se, devido, muito em parte, ao crescente interesse nos emissores de electrões de Auger,
dois quais o
99mTc
faz parte. Assim, neste capítulo aborda-se as principais características dos
radiofármacos ideais para terapia com electrões de Auger, focando mais atenção nas
características do 99mTc nesse contexto.
Para melhor compreensão dos temas a tratar no presente capítulo organizou-se este do
seguinte modo: primeiro aborda-se as principais características de um radiofármaco, definindose o que se entende por radiofármaco, de seguida, expõe-se as principais características de um
radiofármaco para terapia com electrões de Auger, para que, depois se possa interligar estas
com as características do 99mTc.
4.2 Radiofármaco Ideal para Terapia com Electrões de
Auger
Um radiofármaco é um composto radioactivo utilizado no diagnóstico e tratamento de
múltiplas patologias humanas. À excepção dos utilizados em terapia, os radiofármacos não
apresentam efeito farmacológico, pois são administrados em quantidades reduzidas. Outras
designações podem ser dadas aos radiofármacos, nomeadamente, radiotraçador ou
simplesmente traçador.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
41
Capítulo IV. Principais Características do 99mTc
O radiofármaco é constituído por dois componentes: um radionuclídeo e um fármaco,
sendo as características e utilidade deste determinadas com base nestes dois componentes.
Aquando do desenho de um radiofármaco novo, um fármaco deve ser seleccionado, com base
na sua localização preferencial num dado tecido ou órgão ou na participação fisiológica que terá
sobre dadas células, receptores, tecidos ou órgãos. De seguida, um radionuclídeo é adicionado
ao fármaco, devendo as suas emissões energéticas corresponder aos objectivos esperados e ao
detector de radiação utilizado. Considerando estas premissas, compreende-se que, a avaliação
da função fisiológica e da estrutura morfológica de um dado sistema, órgão ou tecido, seja
alcançada.
De uma forma geral, um radiofármaco ideal deve possuir várias características, das
quais se destaca: elevada disponibilidade, ou seja, deve ser facilmente produzido, deve ter um
custo reduzido e apresentar-se rapidamente disponível, nomeadamente pela existência de um
gerador de radionuclídeos in situ; deve ainda apresentar uma semi-vida efectiva reduzida;
emissão de partículas em caso de terapia e elevada relação alvo-não alvo, isto é, elevada
especificidade para um dado local de ligação, (Saha 1998). No caso particular da radioterapia
tumoral dirigida, algumas das características acrescem às referidas e incluem (Humm 1994):
•
Electrões emitidos pelos radionuclídeos com menos de 40 keV;
•
Razão entre a emissão fotónica/electrão inferior a 2;
•
Semi-vida física entre 30 minutos e 10 dias;
•
Nuclídeo-filho estável e com semi-vida física superior a 60 dias;
•
Química adequada aos processos de radiomarcação.
Por outro lado, dentro dos radiofármacos emissores de electrões de Auger, os que
apresentam potencial terapêutico incluem, (Unak 2002):
•
O radionuclideo que o compõe dispõe de um perfil de decaimento radioactivo
adequado (descrito anteriormente);
•
O radionuclídeo é economicamente preparado com elevada actividade
específica;
•
O radionuclídeo deve ser eficientemente incorporado numa molécula
transportadora;
•
A molécula transportadora deve apresentar uma biodistribuição selectiva para o
tecido alvo;
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
42
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
•
No tecido alvo, o agente deve associar-se com o complexo do ADN durante um
determinado período de tempo consistente com a semi-vida física do
radionuclídeo.
4.3 Principais Características Físicas do 99mTc
O 99mTc – Tecnécio-99 metastável, é um metal de transição do Grupo VIIB da Tabela Periódica,
com o número de massa 99 e o número atómico 43 que, tratando-se de um emissor gama puro, com a
emissão principal de energia a 140 keV e uma semi-vida física de 6.02 horas, decai para 99Tc através
de uma transição por conversão interna seguida de outra transição por conversão interna em
10% das desintegrações, ou seguida de emissão de um fotão gama de 140 keV em 90%,
(Humm 1989). As principais características do espectro de radiação do
99mTc
foram
apresentadas no relatório número 2 da AAPM, de 1992, e encontram-se na Tabela 4.1, (Howell
1992).
Tabela 4.1. Espectro de Energia do 99mTc (Continua) (adaptado de: (Howell 1992)).
Energia Média (MeV)
Rendimento/Decaimento
Gama 2
1.41×10-1
8.89×10-1
IC 1 M,N …
1.82×10-3
9.91×10-1
1.65×10-1
IC 2 K
1.19×10-1
8.43×10-2
1.93×102
IC 2 L
1.37×10-1
1.36×10-2
2.44×102
IC 2 M,N…
1.40×10-1
3.70×10-3
2.51×102
IC 3 K
1.22×10-1
5.90×10-3
1.99×102
IC 3 L
1.40×10-1
2.50×10-3
2.50×102
Auger KLL
1.53×10-2
1.26×10-2
5.57
Auger KLX
1.78×10-2
4.70×10-3
7.25
CK LLX
4.29×10-5
1.93×10-2
2.83×10-3
Auger LMM
2.05×10-3
8.68×10-2
1.99×10-1
Auger LMX
2.32×10-3
1.37×10-2
2.41×10-1
Auger LXY
2.66×10-3
1.20×10-3
3.00×10-1
CK MMX
1.16×10-4
7.47×10-1
5.89×10-3
Auger MXY
2.26×10-4
1.10
1.05×10-2
CK NNX
3.34×10-5
1.98
2.05×10-3
Raios X Kα1
1.84×10-2
3.89×10-2
Raios X Kα2
1.83×10-2
2.17×10-2
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
Alcance (microns)
43
Capítulo IV. Principais Características do 99mTc
Tabela 4.1. Espectro de Energia do 99mTc (Conclusão) (adaptado de: (Howell 1992)).
Energia Média (MeV)
Rendimento/Decaimento
Raios X Kβ1
2.06×10-2
7.60×10-3
Raios X Kβ2
2.10×10-2
1.50×10-3
Raios X Kβ3
2.06×10-2
2.70×10-3
Raios X L
2.45×10-3
4.90×10-3
Raios X M
2.36×10-4
1.20×10-3
Alcance (microns)
Rendimento Total de Auger e electrões CK por decaimento = 4.0
Rendimento Total de electrões de Conversão Interna por decaimento = 1.1
Rendimento Total de raios X por decaimento = 0.079
Rendimento Total de raios gama por decaimento = 0.89
Energia Total Libertada por decaimento = 142646 eV
Energia dos electrões de Auger e CK libertada por decaimento = 899 eV
Energia dos electrões de conversão interna libertada por decaimento = 15383 eV
Energia de raios X libertada por decaimento = 1367 eV
Energia de raios gama libertada por decaimento = 124997 eV
Legenda:
Gama 2 – emissão de raios gama da transição nuclear número 2;
IC – b K, IC – b L, IC – b M,N… - Conversão interna, em que a letra b denota o número da transição nuclear. A notação K, L e
M,N… indicam que o electrão foi ejectado das orbitais K, L e M,N… respectivamente;
Auger KLL – Transição Auger da orbital K com duas lacunas na orbital L;
Auger KLX – Transição Auger da orbital K onde uma das duas lacunas se situa na orbital L;
CK LLX – Transições de Coster-Kroning e Super-Coster-Kroning na orbital L;
Auger LMM – Transições de Auger em que ambas as lacunas são na orbital M;
Auger LMX - Transição Auger da orbital L onde uma das duas lacunas se situa na orbital M;
Auger LXY - Transição Auger da orbital L onde nenhuma das duas lacunas se situa na orbital M;
CK MMX – Transições Coster-Kroning e Super-Coster-Kroning na orbital M;
Auger MXY – Transições de Auger na orbital M;
CK NNX - Transições Coster-Kroning e Super-Coster-Kroning na orbital N.
4.4 Sumário
Neste quarto capítulo foram explicados os conceitos básicos associados ao uso do
99mTc,
enquanto agente irradiante do trabalho, sendo de salientar as suas características físicas.
Sabendo que um radiofáramaco emissor de electrões de Auger apresenta potencial terapêutico
quando o radionuclídeo que o compõe possui um perfil de decaimento radioactivo adequado, isto
é, electrões emitidos com menos de 40 keV, razão emissão fotónica/electrão inferior a 2, semivida física entre 30 minutos e 10 dias e nuclídeo-filho estável e com semi-vida física superior a
60 dias. Assim, compreende-se porque o
99mTc
se perfila como um agente com eventual
potencial terapêutico, pois apresenta electrões emitidos com energias compreendidas entre 0.9 e
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
44
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
15.4 keV, a sua semi-vida física é de 6 horas (incluída no intervalo de 30 minutos a 10 dias) e o
nuclídeo-filho resultante do seu decaimento é estável.
Por outro lado, um radionuclídeo emissor de electrões de Auger deve ser
economicamente preparado com uma elevada actividade específica, sendo que, mais uma vez o
99mTc
preenche com sucesso este requisito, apresentando, também neste ponto, potencial
interesse enquanto emissor de Auger para radioterapia metabólica.
As outras características que um radiofármaco emissor de electrões de Auger deve
possuir, para ser considerado promissor enquanto agente terapêutico, incluem: radionuclídeo
eficientemente incorporado numa molécula transportadora, a qual deverá apresentar uma
biobistribuição selectiva do tecido alvo e ligar-se ao ADN durante um período de tempo
consistente com a semi-vida física do radionuclídeo; e vão depender, como referido, da
biodistribuição da molécula transportadora (fármaco), pois, diferentes moléculas expressarão
diferentes biodistribuições e, consequentemente, diferentes capacidades de penetrar a
membrana celular.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
45
Capítulo V. Citometria de Fluxo
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
5.1 Introdução
Dois modelos distintos de morte celular, necrose e apoptose, distinguem-se com base
nas diferenças morfológicas, bioquímicas e alterações moleculares que ocorrem nas células
aquando do seu processo de morte, (Hanon E. 1996). A necessidade de obter informação dos
processos biológicos, nomeadamente processos de morte celular, tem conduzido ao
aparecimento e utilização de múltiplos equipamentos e técnicas para o efeito, (Silva 2004). Uma
das técnicas utilizadas para avaliar os processos biológicos é a citometria de fluxo.
Sabe-se que, a radiação ionizante é um agente potencialmente danificador do ADN, quer
seja por efeitos directos, quer seja por efeitos indirectos sobre as células irradiadas. A indução
de aberrações cromossómicas, bem como, de alterações no ciclo celular, mitose aberrante ou
morte celular podem aumentar com o aumento da dose de irradiação, (Baatout 2004).
Assim, para que se possam estudar os efeitos da radiação em termos de biologia
celular, nomeadamente, indução de apoptose, a citometria de fluxo apresenta-se como uma
ferramenta muito útil, de fácil utilização, sendo capaz de fornecer informações sobre células em
fases iniciais de apoptose, células em fase final de apoptose, células necróticas, entre outras
informações.
A citometria de fluxo é uma técnica quantitativa de análise celular, tendo-se desenvolvido
o primeiro citómetro de fluxo em 1970 e, a partir daí, este tem-se tornado um instrumento
essencial nas ciências biológicas. De entre as suas mútliplas aplicações salientam-se aquelas
relacionadas com hematologia, enumeração reticulócita, análise da função celular, cinética do
ciclo celular, genética, biologia molecular e microbiologia, (Riley 2005; Nolla 2008).
No presente capítulo pretende-se expor alguns dos conceitos chave para a
compreensão da citometria de fluxo; nomeadamente, pela enumeração de algumas
características do citómetro de fluxo e pela comparação desta técnica com a microscopia
tradicional. Para além disso, pretende-se ainda expor a utilidade da citometria de fluxo na
avaliação dos efeitos da radiação em culturas de células. Assim, o presente capítulo foi
organizado começando pelo citómetro de fluxo, posteriormente vantagens e desvantagens da
citometria de fluxo e a sua utilidade na avaliação dos efeitos da radiação em células.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
49
Capítulo V. Citometria de Fluxo
5.2 Citómetro de Fluxo – Principais Características
Um citómetro de fluxo é um sistema constituído por 5 elementos: fonte de radiação,
(lâmpada de mercúrio ou laser), uma câmara de fluxo, unidades de filtros ópticos para selecção
de um intervalo de comprimento de onda específico, a partir duma gama espectral mais vasta,
fotodíodos ou fotomultiplicadores para a detecção sensível e processamento dos sinais com
interesse e uma unidade que processa os dados recolhidos, Figura 5.1.
A suspensão celular é injectada e atravessa a câmara onde se dá a passagem célula a
célula através do feixe de radiação, perpendicular ao fluxo. A passagem individual das células é
obtida através da focagem hidrodinâmica do fluxo de amostra, sendo esta injectada no seio de
uma solução salina (sheath fluid) que também atravessa a câmara, Figura 5.2. A diferença de
velocidades entre os dois fluidos faz com que o fluxo se processe em regime laminar. A
velocidade de escoamento da solução de revestimento (sheath fluid) é superior à da amostra, e
ajustável, o que permite reduzir e controlar a espessura da solução da amostra para que possa
passar uma célula de cada vez. Desta forma, podem detectar-se até 10000 células (eventos) por
segundo. O feixe de radiação de excitação ao interceptar a célula na câmara, sofre dispersão
quer na direcção frontal (forward scattering), quer lateral (side scattering). A radiação assim
dispersa é detectada directamente por fotodíodos (dispersão frontal) ou pode ser desviada a 90º
por lentes, espelhos dicróicos e filtros ópticos e focada em fotomultiplicadores.
Filtros Dicróticos
Fluxo Células
Tubos
Fotomultiplicadores
Figura 5.1. Esquema da constituição interna de um citómetro de fluxo; de notar o sistema de lentes
(adaptado de (Caprioglio 2008)).
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
50
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
Amostra células
Sheat Fluid
Câmara de Fluxo
Lente do Laser
Figura 5.2. Representação de uma câmara de fluxo. A passagem individual das células (eventos) é
conseguida pela focagem hidrodinâmica do fluxo de amostra no seio da solução salina (sheat fluid)
(adaptado de (Nolla 2008)).
A combinação dos dois tipos de radiação dispersa revela informações importantes,
nomeadamente, a dimensão celular, a granularidade/complexidade e a morfologia.
Compostos intracelulares com fluorescência intrínseca (ex: clorofilas, ficobiliproteínas,
NAD(P)H, etc.) ou passíveis de se ligarem a corantes fluorescentes (fluorocromos), permitem a
diferenciação selectiva de subpopulações com base na combinação de vários fluorocromos. A
fluorescência destes compostos é também detectada por fotomultiplicadores, através de um
sistema de lentes, espelhos dicróticos e filtros ópticos, Figura 5.1.
Os citómetros actuais mais sofisticados podem possuir até 16 detectores em simultâneo
(radiação dispersa e fluorescente), o que permite analisar múltiplas possibilidades de
características celulares e/ou componentes celulares de um elevado número de células de forma
individual. Esta versatilidade designa-se por análise multiparamétrica, (Silva 2004).
Em suma, a preparação de suspensões e células é necessária para a realização da
análise por citometria de fluxo. Vários corantes imunoflurescentes ou anticorpos são adiconados
aos antigenes ou às proteínas de interesse. A suspensão de células é “aspirada” para um fluxo
de células, o qual se encontra envolvido numa corrente de fluído, e vai passando ao longo de um
feixe laser. A luz pode ser absorvida ou desviada assim que embate na célula, sendo que,
aquela que é absorvida, quando apresenta o comprimento de onda apropriado, é re-emitida
como fluorescência, caso a célula apresente substância fluorescente ou mais do que um
anticorpo marcado com fluorocromo na superfície da célula ou no seu interior. Por sua vez, a
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
51
Capítulo V. Citometria de Fluxo
dispersão da luz depende da estrutura interna da célula, do seu tamanho e forma. As substância
fluorescentes absorvem luz com um dado comprimento de onda e re-emitem diferentes
comprimentos de onda. Finalmente, a luz e/ou sinais desviados fluorescentes são detectados por
uma série de fotodíodos, sendo posteriormente amplificados. Alguns filtros ópticos presentes são
essenciais para bloquear radiação indesejada, permitindo que apenas a radiação com o
comprimento de onda desejado atinja o fotodetector, (Riley 2005).
5.3 Vantagens e Desvantagens da Citometria de Fluxo
A informação que se pode retirar dos ensaios de viabilidade clássicos, sobre os estados
fisiológicos das células, é limitada a dois níveis extremos de actividade metabólica: o saudável,
presente em células viáveis com capacidade para se dividirem, e o correspondente à morte
celular. Contudo, por vezes, as células encontram-se num estado fisiológico intermédio entre o
metabolicamente activo e a morte celular, sendo que, o método tradicional não contabiliza as
células. A vantagem da citometria de fluxo em analisar células individualmente consiste na
detecção de uma variedade de estados fisiológicos celulares intermédios que realmente existem
numa determinada população, descobrindo assim uma heterogeneidade nunca antes revelada.
Para além disso, os dados obtidos através das técnicas clássicas são relativos à cultura como
um todo, ou seja, uma amostra representativa da cultura apresenta um único valor, referente à
média dos valores de um determinado parâmetro, de todas as células. Contudo, numa
população celular, as células não se encontram todas no mesmo estado metabólico e fisiológico,
pelo que se torna necessário detectar e descrever as várias subpopulações de forma
diferenciada. Mais uma vez, a citometria de fluxo permite a avaliação da heterogeneidade de
culturas, à escala da célula individual. Desta forma, dados “discretos” representando
subpopulações diferentes podem fornecer uma “imagem” mais detalhada e real da complexidade
e heterogeneidade que ocorre num determinado bioprocesso. Por estes motivos, a citometria de
fluxo tem tido, cada vez mais, impacto na comunidade científica.
A combinação de vários fluorocromos em citometria de fluxo permite a diferenciação de
diferentes subpopulações numa determinada população, correspondentes a diferentes níveis de
funcionalidade das células. Esta diferenciação levou à introdução do termo “viável, mas não
culturável”, aplicado a células que não estando metabolicamente activas, também não estão
mortas e, evidentemente, não são reveladas através dos ensaios de viabilidade celular. A
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
52
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
utilização de critérios do funcionamento celular tais como o potencial da membrana
citoplasmática e a integridade da mesma, permitem caracterizar estes estados metabólicos.
De forma geral, a utilização da mistura de diversos corantes permite a diferenciação dos
seguintes estados metabólicos funcionais: células saudáveis (com capacidade para se
dividirem), “vitais”, intactas e permeabilizadas. Pensa-se que quando uma célula se encontra sob
stress, alguns dos sistemas de transporte activo são afectados (células “vitais”), seguindo-se a
despolarização da membrana citoplasmática (células intactas) e, mais tarde, a sua
permeabilização (células mortas). Células sem a membrana citoplasmática intacta não
conseguem manter ou gerar o gradiente de potencial electroquímico que origina o potencial de
membrana. Além disso, a sua estrutura interna, não estando protegida por uma membrana
citoplasmática intacta, encontra-se livremente exposta ao meio ambiente, pelo que estas células
acabarão por se decompor. Todas estas etapas conduzem à morte celular.
Assim, é possível diferenciar o estado fisiológico de uma célula individual, para além do
clássico e estrito conceito de viabilidade, baseado no funcionamento de alguns sistemas de
transporte activo, ou na presença ou ausência da membrana citoplasmática intacta e polarizada.
A citometria de fluxo surge assim como uma técnica consistente e fiável na detecção das
verdadeiras percentagens de células viáveis e mortas, numa determinada população de células.
Uma comparação entre a microscopia pelo método clássico e a citometria de fluxo
permite distinguir estas duas técnicas em seis pontos fundamentais. Em primeiro lugar, na
microscopia são utilizadas células imobilizadas, realizando-se uma contagem manual; por outro
lado, na citometria de fluxo, as células são analisadas em suspensão e vão passando em fila
única pela frente do laser. A detecção, no método clássico, é visual, enquanto que, na citometria
de fluxo é realizada uma detecção electrónica. No método clássico detectam-se centenas de
células, com uma taxa de análise de 100 células por minuto, enquanto que, na citometria de
fluxo se detectam milhares a milhões de células, com uma taxa de 2000-5000 células por
segundo. A sensibilidade do método clássico é reduzida, detectando-se apenas expressões
proteicas marcadas, o que contrasta com a sensibilidade do método por citometria de fluxo, que
apresenta elevada sensibilidade, mesmo para expressões proteicas diminuídas. Finalmente, no
método clássico a avaliação é quantitativa, mas descreve apenas duas possibilidades, célula
viva ou célula morta; o que apresenta desvantagens, como explicado anteriormente. A citometria
de fluxo, por sua vez, é um método quantitativo, mas a fluorescência de cada célula é
classificada, (Silva 2004).
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
53
Capítulo V. Citometria de Fluxo
5.4 Citometria de Fluxo para Avaliação dos Efeitos da
Radiação em Culturas de Células
Para além das múltiplas vantagens da citometria de fluxo previamente explicadas, esta
permite ainda, uma rápida análise do ADN, da expressão fenotípica e da função celular. A
avaliação quantitativa desta técnica tem sido muito utilizada na avaliação do transporte de
fármacos, fluxo do cálcio, proliferação e apoptose celular. Sabendo destas potencialidades da
citometria de fluxo, e de muitas outras, alguns investigadores passaram a utilizar a citometria de
fluxo para monitorizar os efeitos da radiação na distribuição de ADN pelo ciclo celular em células
de mamíferos. O conteúdo de ADN de cada célula pode ser medido, podendo ser utilizado para
estimar a distribuição celular no ciclo celular. Como explicado no capítulo III, o ciclo celular
divide-se em várias fases: fase G1/G0, fase S (síntese ADN), fase G2 e fase M (mitose). O
conteúdo de distrbuição de ADN numa população celular típica em crescimento celular
caracteriza-se por dois picos em G1/G0 e G2/M e um vale na fase S. As células na fase G2/M
apresentam o dobro da quantidade de ADN que a fase G1/G0, sendo que a fase S apresenta
variações da quantidade de ADN entre as fases G1 e G2, Figura 5.3. A monitorização do ciclo
celular, bem como a sua regulação, é fundamental para compreensão dos efeitos da radiação na
célula.
Nº células
G1/G0
Fase S
G2/M
Conteúdo de ADN
Figura 5.3. Representação do ciclo celular medido por citometria de fluxo com uso de iodeto de propídio
(adaptado de (Baatout 2004)).
Nas células eucarióticas, a radiação ionizante causa atrasos na divisão, nomeadamente
no período G2, sendo este atraso proporcional ao tipo de célula, posição da célula no ciclo
celular e dose absorvida. Este atraso, serve frequentemente para que a célula repare os danos
ao ADN, Figura 5.4.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
54
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
Células Irradiadas com 2.5Gy
Número de Células
Células Controlo
Conteúdo de ADN
Figura 5.4. Representação gráfica obtida com citometria de fluxo em células controlo e células irradiadas,
de notar o atraso na fase G2; resultados obtidos com uso de iodeto de propídio (adaptado de (Baatout
2004)).
A apoptose caracteriza-se, basicamente, como referido no capítulo III, por alterações
morfológicas, que incluem aumento da granularidade citoplasmática, retracção celular,
condensação da cromatina e formação de corpos apoptóticos. Esta morte celular programada
pode surgir espontaneamente ou por agressões de estímulos externos, nomeadamente, pela
radiação ionizante. A citometria de fluxo permite também detectar apoptose radioinduzida pelo
uso de iodeto de propídio e anexina V, Figuras 5.5 e 5.6, (Baatout 2004).
Células Controlo
Células Irradiadas
Número de Células
Pico G0/G1
Sub-pico
G0/G1
Células
apotóticas
Conteúdo de ADN
Figura 5.5. Detecção de apoptose em linfócitos humanos irradiados, utilizando o iodeto de propídio
(adaptado de (Baatout 2004)).
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
55
Capítulo V. Citometria de Fluxo
Células mortas
Células vivas
Células apoptóticas
Figura 5.6. Avaliação da integridade da membrana de leucócitos com anexina V; verifica-se um aumento
do número de células apoptótica com o aumento da dose (adaptado de (Baatout 2004)).
A anexina V é utilizada para reconhecer fosfatidilserina translocada e, uma vez
associada ao iodeto de propídio, que funciona como corante de exclusão de viabilidade celular,
permite detectar células apoptóticas e discriminar entre apoptose (precoce e tardia) e necrose,
(Baatout 2004). A viabilidade celular pode ser avaliada com base em alterações morfológicas ou
alterações na permeabilidade da membrana e/ou estado fisiológico inferido a partir da exclusão
de certos corantes ou a retenção de outros. As células vivas apresentam membranas intactas e
podem ser avaliadas pela sua capacidade de excluir corantes que rapidamente entram para
células mortas ou danificadas. O uso de iodeto de propídio tem sido utilizado na maioria das
culturas celulares para a avaliação de células não viáveis. A sua vasta aplicação tem por base o
facto do seu procedimento de realizar ser simples, pois as células danificadas coram de
vermelho vivo, sendo por isso facilmente identificadas, (Coder 1997). Em suma, o idodeto de
propídio não atravessa a barreira da membrana celular em situações normais; contudo, quando
penetra na célula significa que a membrana está danificada, o que implicará a presença de uma
célula danificada ou morta.
Um dos sinais mais precoces de apoptose é a translocação de fosfolípidos da membrana
celular, a fosfatidilserina, da camada interna da membrana celular para a camada externa. Uma
vez exposta ao ambiente extracelular, os locais de ligação da fosfatidilserina translocada tornamse disponíveis para a anexina V, a qual apresenta dependência do ião cálcio (Ca2+), Figura 5.7.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
56
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
Anexina V
Apoptose
Externalização da
fosfatidilserina
Membrana
Plasmática
Citoplasma
Citoplasma
Figura 5.7. Representação esquemática da ligação da anexina V à membrana plasmática em células
apoptóticas (à direita) e a ausência de ligação em células normais (à esquerda) (adaptado de (BD 2007)).
Uma vez que a translocação da fosfatidilserina também ocorre em situações de necrose,
a anexina V não é um marcador absoluto de apoptose, pelo que, deve ser utilizada em conjunto
com corantes essenciais, nomeadamente o iodeto de propídio, os quais penetram na células
quando a integridade membrana plasmática está afectada, o que ocorre apenas nos estádios
finais da apoptose ou em casos de necrose celular. Assim, células que sejam negativas à
anexina V e, simultaneamente, ao iodeto de propídio, são células sem indícios de apoptose,
verificando-se ainda que não correu translocação da fosfatidilserina e a membrana plasmática
ainda está intacta. Por outro lado, se as células forem positivas à anexina V, mas negativas ao
iodeto de propídio, estas encontram-se em estádios inicias de apoptose, pois já ocorreu
translocação da fosfatidilserina, mas a membrana plasmática ainda está intacta. Finalmente, se
as células forem positivas a ambos (anexina V e iodeto de propídio), então assume-se que as
células estão em estádios tardios de apoptose ou em morte celular confirmada; nestes casos,
quer a translocação da fosfatidilserina, quer a perda de integridade da membrana plasmática já
ocorreram, (BD 2007).
5.5 Sumário
Do presente capítulo conclui-se que a citometria de fluxo é uma técnica superior à
microscopia clássica, particularmente no que respeita à determinação de células apoptóticas,
necróticas e viáveis, pois apresenta como principais vantagens a possibilidade de analisar
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
57
Capítulo V. Citometria de Fluxo
milhares a milhões de células, com uma taxa de 2000 a 5000 células por segundo, o que se
traduz numa elevada sensibilidade de detecção e ainda a possibilidade de avaliar
individualmente cada célula. Por estes motivos, se seleccionou esta técnica para a realização da
investigação inerente à presente Dissertação. Como método a utilizar para detecção de
apoptose e viabilidade celular seleccionou-se a citometria de fluxo com iodeto de propídio e
anexina V.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
58
Capítulo VI. Materiais e Métodos
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
6.1 Introdução
Actualmente várias linhas celulares encontram-se disponíveis e são utilizadas como
valiosas ferramentas no estudo de múltiplas patologias, mas também no estudo da resposta
celular a agentes químicos e físicos. Pretende-se, uma vez finalizada esta Dissertação,
compreender melhor qual a resposta celular à radiação. Prevê-se que os efeitos a estudar se
centrem nos efeitos dos electrões de Auger emitidos pelo radionuclídeo
99mTc
em diferentes
culturas de células, de forma a melhor compreender a resposta radiobiológica da célula.
Neste capítulo abordam-se os procedimentos e técnicas que se pretendem aplicar para
a realização desta Dissertação, bem como os materiais essenciais para a sua realização, tendose organizado da seguinte maneira: primeiro, culturas celulares e procedimentos de irradiação,
seguida de estudos de efluxo e influxo e, finalmente, a técnica prevista para análise da apoptose
radioinduzida.
6.2 Culturas Celulares e Procedimento de Irradiação
Para a realização do presente trabalho, cujo tema central é análise dos efeitos dos
electrões de Auger em culturas de células pretende-se utilizar culturas de células humanas que
serão submetidas a irradiação com
99mTc.
As culturas a utilizar deverão ser linhas de
fibroblastos, pois este tipo de células apresenta grande resistência e sobrevivência em meio de
cultura, pelo que, permitirá, à partida, interpretar os resultados obtidos como efeitos da
irradiação.
O
99mTc
será obtido pela eluição de um gerador de radionuclídeos, neste caso um
gerador 99Mo-99mTc, sob a forma de
99mTc-Pertecnetato
de sódio e de seguida adicionado aos
meios de cultura celular em estudo de forma a se obter diferentes concentrações finais.
As culturas de fibroblastos serão expostas a actividades de 740, 1480, 2220, 2960 e
3700 MBq/ml (20, 40, 60, 80 e 100 mCi/ml). Uma vez concluído o processo de irradiação e
depois de determinar quais as doses ideais de irradiação; isto é, eliminado as doses que
destroem todas as culturas celulares ou as que não causam quaisquer alterações às células,
pretende-se irradiar apenas com as doses ideais e para diferentes doses absorvidas, que se
prevê situarem entre 1 e 2 Gy, utilizando-se intervalos cada 0.5 Gy. A actividade a adicionar ao
meio de cultura será determinada em calibrador de doses ou em contador de poço.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
61
Capítulo VI. Materiais e Métodos
6.3 Estudos de Efluxo/Influxo Celular
A avaliação da dinâmica do 99mTc-Pertecnetato de Sódio será levada a cabo pela análise
do influxo e efluxo deste as células em cultura. Para tal, proceder-se-á a uma centrifugação de
uma amostra da cultura de células, de forma a separar as células do meio de cultura, medindose de seguida a radioactividade de cada porção (células e meio cultura) num contador de poço e
determinando-se a presença de
99mTc-Pertecnetato
de Sódio no interior das células; ou seja, a
quantidade que penetrou a membrana celular - estudo do influxo. O estudo do efluxo, por outro
lado, pretenderá avaliar a quantidade de 99mTc- Pertecnetato de Sódio que entrou na célula, mas
foi de seguida expulso para o seu exterior. Esta avaliação reveste-se da maior importância, pois
só depois de se compreender a capacidade de difusão do radiofármaco pela membrana celular e
sua consequente captação por parte da célula é que se consegue analisar e concluir os
resultados obtidos, nomeadamente aqueles referentes à dimensão dos fenómenos de apoptose.
6.4 Análise da Apoptose Radioinduzida
Conforme descrito nos pressupostos teóricos no capítulo anterior, a citometria de fluxo
assume um papel crucial na determinação de apoptose. Para a avaliação desse fenómeno de
morte celular e sua distinção de necrose celular e células viáveis, utilizar-se-á a citometria de
fluxo com recurso à técnica da dupla marcação com anexina V e iodeto de propídio. Se por um
lado, a anexina V é utilizada para reconhecer fosfatidilserina translocada, que constitui um dos
sinais precoces de apoptose, por outro lado, o iodeto de propídio funciona como corante de
exclusão de viabilidade celular, pela análise de alterações na permeabilidade da membrana e/ou
estado fisiológico inferido a partir da exclusão de certos corantes ou a retenção de outros.
Uma vez que a translocação da fosfatidilserina também ocorre em situações de necrose,
a anexina V não é um marcador absoluto de apoptose, pelo que, deve ser utilizada em conjunto
com o iodeto de propídio, o qual tem sido utilizado na maioria das culturas celulares para a
avaliação de células não viáveis, porque é um procedimento simples, que se caracteriza pela
impossibilidade de atravessar a barreira da membrana celular em situações normais. A Tabela
6.1 expõe os possíveis resultados a obter pelo uso desta técnica de dupla marcação, (Coder
1997; BD 2007).
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
62
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
Tabela 6.1. Representação dos possíveis resultados a obter pela aplicação da técnica de dupla marcação
com anexina V e iodeto de propídio, utilizada em citometria de fluxo.
Reagente
Diagnóstico Celular
Anexina V
Iodeto de Propídio
Células Viáveis
2
2
Início de Apoptose
3
2
Final Apoptose e Necrose
3
3
Legenda: 3- Positivo; 2 - Negativo
6.5 Sumário
Neste capítulo realizou-se a planificação do projecto que se pretende executar,
abordando quais os principais materiais a utilizar para a realização da investigação,
nomeadamente o agente irradiante e os tipos de culturas celulares que se prevê utilizar; tendose ainda apontado quais os métodos e técnicas a aplicar para a quantificação e análise dos
efeitos dos electrões de Auger em culturas de células. De entre as múltiplas técnicas disponíveis
para análise de culturas de células, seleccionou-se aquelas que permitem avaliar de forma mais
circunstanciada e direccionada os efeitos da radiação em culturas de células, das quais se
destaca a citometria de fluxo.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
63
Capítulo VII. Conclusões Finais e Perspectivas Futuras
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
7.1 Conclusões Finais
O mecanismo ideal de morte celular é, como explicado no capítulo III, a apoptose. Este
não invoca o processo inflamatório, o que constitui uma enorme vantagem face à necrose, pois
permite a morte selectiva de células e não a morte generalizada em torno da célula danificada;
pelo que, a terapia tumoral procura cada vez mais induzir apoptose de células danificadas
(nomeadamente as cancerosas), evitando o dano das células vizinhas. Nesta perspectiva, uma
radioterapia dirigida com electrões de Auger pode invocar a apoptose, pela indução de danos ao
ADN irreparáveis, pois quando colocados perto do ADN comportam-se como radiação de alto
LET, activando deste modo os processos apoptóticos, conforme explicado no capítulo III.
Para estudar os efeitos da radiação no ADN utiliza-se muitas vezes culturas de células,
particularmente linhas celulares, pela sua grande disponibilidade e elevada capacidade de
reprodutibilidade, conseguida pela padronização das células (capitulo II). Se a esta informação
se adicionar o crescente interesse da comunidade científica relativamente aos radionuclídeos
emissores de electrões de Auger, dos quais o 99mTc faz parte (capítulo IV), então, facilmente se
depreende a relevância e pertinência do presente trabalho e, em particular, da Dissertação que
será construída com base neste.
A citometria de fluxo, na perspectiva da presente Dissertação, afigura-se como uma
técnica superior à microscopia clássica, pois apresenta como principais vantagens a
possibilidade de analisar milhares a milhões de células, com uma taxa de 2000 a 5000 células
por segundo, o que se traduz numa elevada sensibilidade de detecção e ainda a possibilidade de
avaliar individualmente cada célula, para além disso, possibilita a avaliação do fenómeno de
apoptose. Aproveitando estas características vantajosas que a técnica de citometria de fluxo
possui e utilizando o iodeto de propídio em conjunto com a anexina V, consegue-se determinar
de forma rápida e correcta o número de células viáveis, o número de células em estádios inicias
de apoptose e as células em estádios finais de apoptose ou em necrose presentes numa cultura
de células. Assim, espera-se que este seja o principal método a utilizar para a avaliação dos
efeitos dos electrões de Auger do 99mTc em culturas de células seleccionadas.
De forma sucinta, as técnicas que se pretende utilizar para a execução prática deste
tema de Dissertação serão a citometria de fluxo e a avaliação do efluxo e influxo do radiofármaco
nas células em cultura. Pretende-se, por um lado, avaliar qual o grau de difusão do radiofármaco
a utilizar (99mTc-Pertecnetato de Sódio) a nível celular, ou seja, se o radiofármaco consegue
penetrar a membrana celular e ficar retido no interior das células e, portanto, mais perto do ADN.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
67
Capítulo VII. Conclusões Finais e Perspectivas Futuras
Este estudo é importante, pois sabe-se, de estudos prévios, que a colocação de um emissor de
electrões de Auger no interior da célula, próximo do núcleo celular e do ADN, irá,
consequentemente, originar efeitos a nível celular típicos de radiação de elevado LET, e
portanto, maior será a probabilidade de indução de apoptose. Assim, os estudos de efluxo e
influxo permitirão determinar o nível de captação celular do radiofármaco. Por outro lado, o uso
da citometria de fluxo para quantificar a apoptose, necrose e células viáveis, em conjunto com os
estudos de efluxo/influxo permitirá estabelecer relações entre a proximidade ao AND e a indução
de apoptose, e deste modo, conhecer melhor qual o efeito de diferentes doses e períodos de
incubação do 99mTc em culturas de células, clarificando um pouco mais, de uma forma dirigida,
os efeitos dos electrões de Auger do 99mTc em culturas de células e eventualmente sugerir qual o
possível papel deste no contexto de radioterapia metabólica.
7.2 Perspectivas Futuras
O presente documento traça o esquema do projecto que se prevê colocar em prática
para a respectiva Dissertação, pois expõe informação sobre o agente irradiante a utilizar, o
99mTc,
informação sobre culturas de células e apoptose, processos essenciais para a finalização
da mesma.
Como perspectivas futuras que se pretendem alcançar com a realização desta
Dissertação destacam-se: contribuição para a criação de um texto de revisão actualizado e
completo sobre o estado da arte dos electrões de Auger no contexto de radioterapia metabólica,
com particular incidência os relativos ao
99mTc
99mTc;
melhorar o conhecimento actual do papel do
enquanto agente irradiante no contexto terapêutico, pela análise dos efeitos
radiobiológicos em culturas de células seleccionadas; utilização de técnicas de citometria de
fluxo para avaliação dos efeitos da radiação na célula, nomeadamente, a indução da apoptose;
estudo do efluxo e influxo do
99mTc-Pertecnetato
de Sódio em culturas de células, de forma a
relacionar o seu papel enquanto agente terapêutico com a sua dinâmica celular.
Assim, espera-se que, com este estudo, se clarifique um pouco mais os efeitos
radiobiológicos dos electrões de Auger do
99mTc
em culturas celulares, o que poderá constituir
um caminho inicial para avaliação deste enquanto agente terapêutico.
Adicionalmente perspectiva-se a realização de um trabalho de investigação com
interesse científico, pois versa sobre uma temática ainda pouco aprofundada e onde se registam
dúvidas e lacunas por explicar.
Trabalhos Práticos de Adriana Alexandre dos Santos Tavares
68
Referências
Análise dos Efeitos Terapêuticos dos Electrões de Auger em Culturas de Células
Referências
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