Relato de Caso

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Relato de Caso
Carcinoma papilífero de cisto de ducto tireoglosso
Papillary carcinoma of thyroglossal duct cyst
Resumo
Isabel Cristina Pinheiro de Almeida 1
Marcos Sabóia Cardozo Pires 2
Maraly Oliveira de Santana 2
Marianna Soares de Lima 2
Priscilla Leite Antunes 2
Summary
Introdução: Carcinoma de Cisto de Ducto Tireoglosso é um
achado raro, menos de 250 casos têm sido descritos na literatura
mundial. Objetivo: Demonstrar a incidência do carcinoma
papilífero em cisto de ducto tireoglosso, assim como discutir seu
quadro clínico, diagnóstico, tratamento e prognóstico. Relato
de Caso: Paciente, sexo feminino, 75 anos, com queixa de
nodulação em pescoço, apresentando uma ultrassonografia
com uma imagem sugestiva de Cisto de Ducto Tireoglosso. Foi
realizada uma Citopunção que não evidenciou malignidade.
Foi submetida a tratamento cirúrgico e o anatomopatológico
evidenciou Carcinoma Papilífero. Foi iniciada a terapia de
supressão tireoidiana e nenhuma complementação cirúrgica foi
considerada necessária. A paciente retorna ao serviço, realiza
uma ultrassonografia que apresenta uma imagem nodular em
Tireoide, sendo indicada uma PAAF cujo resultado foi Carcinoma
Papilífero. A paciente foi submetida a uma Tireoidectomia Total
e atualmente encontra-se em seguimento, sem intercorrências.
Conclusões: Após uma ampla pesquisa sobre o tema, observouse que a apresentação clínica Carcinoma Papilífero de Cisto de
Ducto Tireoglosso é idêntica ao do cisto benigno; seu diagnóstico
é estabelecido após a ressecção cirúrgica do cisto, através da
anatomia patológica; e o tratamento, geralmente curativo, consiste
na remoção cirúrgica, reservando a tireoidectomia total para os
casos de nódulos tireoidianos ou linfonodos comprometidos.
Introduction: Carcinoma of Thyroglossal duct cyst is a rare
find, fewer than 250 cases have been reported in the literature.
Purpose: To determine the incidence of papillary carcinoma
in thyroglossal duct cyst, and discuss its clinical presentation,
diagnosis, treatment and prognosis. Case Report: Patient,
female, 75 years, complaining of a nodule on the neck, with
an ultrasound picture suggestive of a cyst Thyroglossal duct.
We performed a Citopunção that showed no malignancy. She
underwent surgery and pathology revealed papillary carcinoma.
Was initiated thyroid suppression therapy and no surgical
complementation was deemed necessary. The patient returns to
the service, which performs an ultrasound image shows a nodular
thyroid, FNA is indicated the result was a papillary carcinoma. The
patient underwent a total thyroidectomy and currently is being
followed up uneventfully. Conclusions: After extensive research
on the subject, it was observed that the clinical presentation of
papillary carcinoma of thyroglossal duct cyst is identical to the
benign cyst, the diagnosis is established after surgical resection of
the cyst by pathology; and treatment usually curative, consists of
surgical removal, reserving total thyroidectomy in cases of thyroid
nodules or lymph nodes.
Key words: Thyroglossal Cyst; Carcinoma, Papillary; Review
Literature as Topic.
Descritores: Cisto Tireoglosso; Carcinoma Papilar; Literatura de
Revisão como Assunto.
Introdução e revisão de literatura
Cistos do ducto tireoglosso são os cistos não odontogênicos mais comuns do pescoço. Compreendem as
anormalidades congênitas que se originam de restos
do ducto tireoglosso, sendo esses remanescentes presentes em 7% da população adulta1. Esse ducto é dependente do aparelho faríngeo, formado a partir de um
espessamento do endoderma da faringe primitiva 24
dias após a fecundação, e é também conhecido como
primórdio da glândula tireoide. Com o crescimento da
língua, esse primórdio desce para a região do pescoço e ai adquire sua forma definitiva na 7º semana do
desenvolvimento embrionário. Caso haja um remanescente desse ducto em qualquer ponto ao longo do trajeto seguido pelo ducto durante a descida da tireoide, há
formação do cisto do ducto tireoglosso, o qual, devido
a sua origem embrionária, pode conter tecido tireoidiano1,3,5,13.
Depois do primeiro caso relatado por Bretano, em
1)Mestrado em andamento. Cirurgiã de Cabeça e Pescoço.
2)Graduação de Medicina em andamento.
Instituição: Liga Norte Riograndense Contra o Câncer.
Natal / RN - Brasil.
Correspondência: Isabel Cristina Pinheiro de Almeida - Rua Dr. Mário Negócio, 2267, Quintas - Natal / RN - Brasil - CEP: 59040-000 - E-mail: [email protected]
Recebido em 14/09/2011; aceito para publicação em 06/02/2012; publicado on line em 27/06/2012.
Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há.
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Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 2, p. 96-98, abril / maio / junho 2012
Carcinoma papilífero de cisto de ducto tireoglosso.
1911, 162 casos foram descritos na literatura mundial3.
A maioria tem localização medial; entretanto,10% a
24% dos casos encontram-se localizados lateralmente,
mais frequentemente à esquerda1. Apesar da ocorrência de cisto de ducto tireoglosso ser comum, o desenvolvimento de câncer na parede do cisto é muito raro,
ocorrendo em menos de 1% dos casos1.
O cisto é geralmente assintomático e a apresentação clínica de pacientes com carcinoma é idêntica a
de pacientes com cisto tireoglosso benigno. Uma massa cervical solitária,em região hioídea, assintomática,
de consistência cística, indolor a palpação e móvel à
deglutição e à protusão da língua são os achados em
70% das ocorrências. São também relatados sintomas
de disfagia, disfonia e perda de peso1,2,3.
Em uma revisão de 40 casos, Bhagaran4 encontrou
apenas três de massa dolorosa e seis de massa endurecida. Em outro estudo de 43 casos, Joseph e Komorowski encontraram uma duração da evolução bastante
variável, com uma mediana de um ano e média de 4,7
anos, com extremos de 10 dias e 40 anos.Existe uma
predominância do sexo feminino em relação ao masculino de 1,5:1 no carcinoma de cisto tireoglosso. O pico
de incidência para mulheres e homens é na terceira e
sexta décadas de vida, respectivamente1.
A avaliação pré-operatória consiste de um exame físico detalhado da cabeça e do pescoço, com palpação
do cisto,da tireoide e das cadeias linfonodais, além da
dosagem dos hormônios tireoidianos e ultra-sonografia
cervical, principalmente nos casos de suspeita de malignidade1,3.
O diagnóstico é raramente feito antes da cirurgia e
deve ser suspeitado se à palpação é encontrada uma
zona endurecida,fixa ou irregular ao nível do cisto, o
qual mudou seu aspecto recentemente, ou quando há
linfadenopatia cervical satélite. Um rápido aumento do
volume do cisto pode indicar malignidade; porém, isto
também ocorre quando há infecção aguda espontânea
do cisto.
Katz6 descreveu um caso diagnosticado pré-operatoriamente por citopunção. No entanto, o papel da punção aspirativa por agulha fina (PAAF) no diagnóstico
pré-operatório não tem sido estabelecido no carcinoma
de cisto tireoglosso,dada a dificuldade de se obter material suficiente para citologia, uma vez que o tumor é
confinado a parede do cisto7.
O diagnóstico é, quase sempre, um achado no exame anatomopatológico pós-operatório. Felizmente, o
tratamento cirúrgico ideal para o carcinoma de cisto do
ducto tireoglosso é o mesmo para o cisto benigno, e
consiste em cirurgia com ressecção da lesão pela técnica de Sistrunk1,2,3,7. Tal técnica consiste uma incisão
elíptica entre o osso hioide e cartilagem tireoide, um
pouco abaixo do cisto, que é dissecado do plano profundo, tracionado pela base, com a exérese se processando em direção a base da língua, incluindo a porção
central do osso hioide e um cone muscular base lingual1,3,7,8.
Almeida et al.
Figura 1. Exame anatomopatológico - Carcinoma papilífero em cisto
de ducto tireoglosso.
Relato do Caso
NLM, sexo feminino, 75 anos de idade, viúva, procedente e natural de Arês-RN-Brasil. Procurou o serviço de
Cabeça e Pescoço da Liga Norte Rio Grandense Contra o Câncer em 12/12/2007 com queixa de “caroço no
pescoço” há um ano, sem sintomas associados. Nega
tabagismo e etilismo. É hipertensa e faz uso de captopril
25mg.
No exame físico foi observada uma massa de dois
(02) centímetros de diâmetro, profunda, em linha média,
de consistência cística, indolor a palpação, em região hióidea, móvel à deglutição e à protrusão da língua.
O exame ultrassonográfico evidenciou presença
de imagem nodular em região submentoniana, medindo 1,5x1,1 cm, com ecogenicidade mista, sugestiva de
Cisto de Ducto Tireoglosso. A citopunção não evidenciou
malignidade.
Foi submetida a tratamento cirúrgico em março de
2008 pela técnica de Sistrunk. O exame anatomopatológico evidenciou carcinoma papilífero. Os hormônios
tireoidianos e tireoestimulante (TSH) encontravam-se
normais. Foi iniciada terapia de supressão tireoidiana e
nenhuma cirurgia adicional foi considerada necessária.
A paciente retornou em julho de 2008 sem queixas,
mas ao exame físico foi detectado nódulo, confirmado
em uma Ultrassonografia, medindo 0,9 cm, de contorno
bem delimitado, localizado no terço médio da tireoide.
Foi solicitada uma PAAF que teve como resultado: Carcinoma papilífero. A conduta foi programar tireoidectomia
total, sendo realizada em março de 2009. Em abril de
2009 foi encaminhada ao Serviço de Medicina Nuclear
para realizar Radioiodoterapia.
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Carcinoma papilífero de cisto de ducto tireoglosso.
Discussão
Quando nos deparamos com câncer tireoidiano desenvolvido na parede do cisto de ducto tireoglosso uma
dúvida persiste: trata-se de um câncer primário da parede do cisto ou metástase de um câncer de tireoide?
A parede do cisto pode conter revestimento epitelial
pavimentoso estratificado ou cúbico de tecido de glândula salivar, do trato gastrintestinal ou tireoidiano, a partir
dos quais pode haver desenvolvimento de câncer2. O
carcinoma papilífero de tireoide está presente em 80% a
90% dos casos, seguido do carcinoma misto (folicular e
papilífero) e do carcinoma escamocelular1,2,3,7. Carcinoma folicular puro e carcinoma anaplásico são extremamente raros.
Dois casos de adenocarcinoma não foram bem especificados. E o carcinoma medular de tireoide nunca
foi descrito7. Na realidade, a etiopatogenia deste raro
tipo de câncer permanece obscura. Existem duas teorias
para explicar sua origem.
Katz6, Judd9 e Nuttal10 consideram que se trata de
metástase de um carcinoma oculto de tireoide e deve
ser tratado com tireoidectomia total profilática e iodoterapia, além da cirurgia de Sistrunk. Entretanto, para a
maioria dos autores, trata-se de câncer primário desenvolvido na parede do cisto a partir de tecido tireoidiano
ectópico1,3,7,11,12. Esta teoria é a mais aceita, posto que
o tecido tireoidiano ectópico é encontrado em 60% das
peças operatórias e a grande maioria desses cânceres é
do tipo papilífero1,3,11.
O fato de células parafoliculares serem regularmente
ausentes em tecidos tireoidianos ectópicos explica porque carcinoma medular nunca foi relatado e corrobora
com a teoria de origem primária do câncer na parede do
cisto7. Geralmente o câncer se limita à parede do cisto, mas uma invasão de tecidos adjacentes ocorre em
20,8% dos casos2,12 e metástase ganglionar em 8% a
11,5% dos casos. Bosh, em uma revisão de 108 pacientes, encontrou apenas dois com metástase hepática ou
pulmonar2,12.
A cirurgia de Sistrunk é geralmente curativa. Michael14,
em uma revisão de 48 pacientes, não encontrou nenhuma recorrência em quatro anos. Em outro estudo com 35
pacientes, Weiss12 encontrou apenas quatro (11,4%) que
apresentavam também carcinoma de glândula tireoide.
Allard15 em um estudo com 15 pacientes submetidos a tireoidectomia total profilática, encontrou apenas três com
foco tireoidiano. O que nos deixa pensar que em 80% a
88,6% dos casos o carcinoma é primário da parede do
cisto. Portanto, para a maioria dos autores, com os quais
concordamos, a tireoidectomia total e/ou esvaziamento
cervical só são indicados em caso de nódulo tireoidiano
ou de linfonodos comprometidos encontrados ao exame
clínico, exames complementares ou no trans-operatório1,2,3,7,15.
Por ser um tumor de tecido tireoidiano hormônio-dependente, é prudente fazer, em todos os casos a supressão do hormônio tireoestimulante (TSH), mesmo com
Almeida et al.
exames tireoidianos normais ou tireoidectomia1,2,3,7. Uma
dose diária de tiroxina (T4) sintética é necessária para
manter os níveis de TSH entre 0,5 mU/mL e 1,0 mU/mL.1
O prognóstico é bom e mais favorável que o dos carcinomas papilíferos tireoidianos, e a maioria dos autores não
observaram recidiva local após a cirurgia1,2,3.
Os pacientes devem ser acompanhados semestralmente durante o primeiro ano e depois, anualmente1.
Para o tratamento de recidivas ou de metástases, a depender do caso, devem ser consideradas as possibilidades de cirurgia, radioterapia ou iodoterapia1,2.
Conclusão
Mesmo sabendo que o desenvolvimento de carcinoma em parede de cisto de ducto tireoglosso é evento
muito raro e sua apresentação clínica é idêntica àqueles
com cisto benigno, um rápido aumento do volume do cisto pode sugerir malignidade, sendo o diagnóstico raramente feito antes da cirurgia e sobrevindo com o exame
anatomopatológico pós-operatório. A cirurgia de eleição,
geralmente curativa, é a de Sistrunk. Tireoidectomia total e esvaziamento cervical só são indicados nos casos
de nódulos tireoidianos ou linfonodos comprometidos. O
prognóstico é favorável e o seguimento deve ser feito
semestralmente no primeiro ano e depois anualmente.
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Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 2, p. 96-98, abril / maio / junho 2012
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