Lesão traumática na papila incisiva: relato de caso

Propaganda
Relato de Caso / Case Report
Lesão traumática na papila incisiva: relato de caso
Traumatic lesion in the incisive papilla: case report
Otávio Pagin 1, Lúcia Helena Caetano Ferreira2, Alexandre Simões Garcia3, Ana Lúcia Álvares Capelozza4
1. Mestrando em Estomatologia da Faculdade de Odontologia de Bauru – USP
2. Aluna de graduação da Faculdade de Odontologia de Bauru – USP
3. Biólogo
4. Professora associada do Departamento de Estomatologia da Faculdade de Odontologia de Bauru – USP
DESCRITORES:
RESUMO
Anamnese; Palato; Inflamação; Diagnóstico.
A papila incisiva, localizada abaixo do forame incisivo, é uma estrutura anatômica propensa a traumas
que podem vir a apresentar sinais de inflamação, gerando confusão e erros de diagnóstico, caso não
seja realizado um exame clínico detalhado, levando, assim, o paciente a uma terapia inadequada. Dessa
forma, por meio da apresentação de um relato de caso, os autores buscam salientar a importância do
exame clínico detalhado, além da avaliação e do conhecimento das imagens clínicas e radiográficas para
a realização de um diagnóstico diferencial adequado. Abordam, mais precisamente, o diagnóstico diferencial entre traumatismo físico e cisto do ducto nasopalatino, discutindo, ainda, como a falta de anamnese e o exame físico criterioso levaram a um erro de diagnóstico e tratamento incorreto do paciente.
Keywords:
ABSTRACT
medical history taking; palate; inflammation; diagnosis
The incisive papilla, located beneath the incisive foramen, is an anatomical structure that, when it is exposed
to trauma, shows signs of inflammation, leading the problem to a misdiagnosis an inadequate therapy due to
a mistake and confusion during the clinical examination. Thus, by a case report, the authors highlight the importance of a detailed clinical examination besides the evaluation and knowledge of clinical and radiographic
images for an appropriated differential diagnosis. That can address, more precisely, the differential diagnosis
between physical trauma and the nasopalatine duct cyst, beyond discuss how the lack of anamnesis and accurate physical examination led to a misdiagnosis and a wrong treatment.
Endereço para correspondência
Otávio Pagin
Alameda Dr. Octávio Pinheiro Brisolla, 9-75 – Bauru/SP CEP 17012-901 Departamento de Estomatologia
E-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO
As estruturas da boca podem apresentar lesões de etiologia diversa. Dentre as causas prováveis de lesões bucais, está
o trauma decorrente de hábitos, uso de alimentos duros, queimaduras, lesões causadas por mordida, mau posicionamento e
fratura de dentes e a falta de adaptação de peças protéticas. Definida como uma estrutura anatômica localizada sobre o forame
incisivo, a papila incisiva pode sofrer injúrias que resultam em
sinais clássicos de edema e inflamação, que podem dificultar o
diagnóstico, confundir o cirurgião-dentista e conduzir o profissional ao tratamento incorreto.
Neste artigo, propusemo-nos a apresentar o relato de um
caso clínico, discutir o diagnóstico diferencial de traumatismo
físico com cisto do ducto nasopalatino mediante uma anamnese detalhada e uma avaliação criteriosa das imagens clínicas
e radiográficas, ressaltando a importância do reconhecimento
dos reparos anatômicos pelo cirurgião-dentista.
73
O paciente se mostrava bastante temeroso em relação ao câncer
bucal e estava sendo medicado há cinco dias por um cirurgião-dentista consultado previamente, com antibiótico, antifúngico e
bochechos com água oxigenada.
Ao exame físico, observamos edema e eritema na região
das rugas palatinas e papila incisiva, característicos de inflamação (Figura 1). A gengiva inserida apresentava características de
normalidade, sem sangramento e presença de bolsas durante a
sondagem, evidenciando, assim, ausência de gengivite e doença
periodontal.
RELATO DE CASO
Paciente de 28 anos, gênero masculino foi encaminhado à
clínica de Estomatologia da Faculdade de Odontologia de Bauru
da Universidade de São Paulo, com queixa principal de “inchaço
na região anterior do céu da boca” com evolução de sete dias.
Durante anamnese, paciente relatou fumar cerca de dois
maços de cigarro por dia, ter o hábito de ingerir alimentos quentes, sem esfriá-los previamente e de chupar balas constantemente.
Figura 1. Aspecto inicial
Odontol. Clín.-Cient., Recife, 12 (1)73-75, jan./mar., 2013
www.cro-pe.org.br
REVISTA_CRO_JAN2013.indd 73
15/03/2013 15:23:42
Lesão traumática na papila incisiva: relato de caso
Pagin O, et al.
Durante a interpretação radiográfica periapical da região de
incisivos superiores, foi possível observar o forame incisivo com
contorno nítido, integridade da lâmina dura e crista alveolar junto aos incisivos, características compatíveis com normalidade do
osso alveolar (figura 2).
Figura 2. Imagem radiográfica periapical
74
Após o exame clínico e radiográfico, o diagnóstico presuntivo foi de trauma devido aos hábitos alimentares. Foi feita uma
orientação para que o indivíduo parasse ou diminuísse o consumo
de cigarros, não se alimentasse com alimentos quentes e não consumisse balas. Foi prescrito anti-inflamatório durante 3 dias para
que houvesse um melhor conforto para o paciente. No retorno de
uma semana (Figura 3), já se percebia grande melhora do quadro e
nenhuma sintomatologia, confirmando nosso diagnóstico inicial.
Figura 3. Aspecto final
DISCUSSÃO
A maioria das lesões traumáticas diagnosticadas
pelos profissionais está relacionada com danos físicos
acidentais, além de má oclusão, próteses removíveis mal
adaptadas, higienização agressiva ou realizada com técnicas incorretas, uso de piercing bucal e traumas causados
pelo próprio indivíduo1.
Tanto o terço anterior da língua como do palato duro
são as áreas de maior acometimento de queimaduras por
alimentos quentes. A diferença de temperaturas externa e
interna, especialmente dos alimentos congelados aquecidos em fornos de microondas, muitas vezes, causa queimaduras pelo fato de não oferecer sensação imediata do
quão quente pode estar um determinado alimento2.
As lesões por queimaduras podem ocorrer devido
a diversos tipos de fatores, sendo eles calor, frio, eletricidade, agentes químicos, radiação ou atrito. São altamente variáveis de acordo com o tipo de tecido acometido,
a severidade e as complicações resultantes. Exposições
prolongadas a temperaturas acima de 40º C geram uma
desnaturação das proteínas e perda da integridade da
membrana plasmática. Por outro lado, uma exposição a
temperaturas superiores a 60º C torna o processo bem
mais rápido, quando, em apenas um segundo, ocorrem os
danos celulares citados3.
O cisto do ducto nasopalatino se apresenta de forma
assintomática, nos primeiros estágios do seu desenvolvimento, entretanto, na medida em que a lesão aumenta,
surgem sinais comuns, como tumefação do palato e dor 4.
Há uma variante incomum desse tipo de cisto originada no
interior do tecido epitelial da papila, denominado cisto da
papila incisivo não podendo ser observado em radiografias, uma vez que não remodela o osso palatino5.
A etiologia do cisto do ducto nasopalatino está relacionada com traumas durante a mastigação, trauma de
próteses, infecções bacterianas e proliferação espontânea4-6. Sua apresentação clínica mais comum se dá por
meio de tumefação assintomática no palato, mas, quando
há sintomatologia, os sinais mais comuns podem ser dor,
drenagem e inchaço, e a vitalidade dos dentes da região
não deverá estar comprometida 7.
O exame radiográfico, no caso de um cisto do ducto nasopalatino, mostraria uma região bem delimitada, apresentando-se com radiolucidez circunscrita ou em forma de coração
junto à região mediana8. Dessa forma, a hipótese de um possível cisto de pequenas proporções foi descartada, uma vez que
a radiografia evidenciou total normalidade das estruturas.
No caso apresentado, a falta de uma anamnese e de
um exame físico mais criterioso fez com que houvesse um
tratamento desnecessário e incorreto, visto que a administração tanto de antibiótico como de antifúngico foi realizada sem qualquer benefício para o paciente.
Assim, o diagnóstico de trauma gengival pode ser
confirmado, já que a região em questão não apresentava
sinais clínicos e radiográficos que pudessem conduzir o
caso para qualquer outro tipo de lesão.
CONCLUSÃO
Lesões completamente distintas podem, muitas vezes,
confundir os profissionais menos experientes, levando, muitas
vezes, a condutas desnecessárias. Uma anamnese bem detalhada e um exame físico adequado conduzem o profissional a um
correto diagnóstico e, consequentemente, ao tratamento correto.
Odontol. Clín.-Cient., Recife, 12 (1)73-75, jan./mar., 2013
www.cro-pe.org.br
REVISTA_CRO_JAN2013.indd 74
15/03/2013 15:23:43
Lesão traumática na papila incisiva: relato de caso
Pagin O, et al.
REFERÊNCIAS
1. Rawal SY, Claman LJ, Kalmar JR, Tatakis DN. Traumatic lesions
of the gengiva: a case series. J Periodontol. 2004; 75(5): 762769.
2. Nahlieli O, Eliav E, Shapira Y, Baruchin AM. Central palatal
burns associated with the eating of microwaved pizzas. Burns.
1999; 25: 465-466.
3. Evers LH, Bhavsar D, Mailänder. The biology of burn injury.
Exp Dermatol. 2010; 19: 777–783.
4. Gnanasekhar JD, Walvekar SV, Al-Kandari AM, Al-Duwairi Y.
Misdiagnosis and mismanagement of a nasopalatine duct cyst
and its corrective therapy. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral
Radiol Endod. 1995; 80(4): 465-70.
5. Shafer WG, Hine MK, Levy BM. A textbook of oral pathology.
4th ed. Philadelphia: WB Saunders; 1983. 917p.
6. Oliveira MTF, Freire DR, Bicalho AA, Santos CRR, Soares JA.
Cisto do ducto nasopalatino: relato de caso clínico. Rev Odontol UNESP. 2009; 38(6): 371-374.
7. Nelson BL, Linfesty RL. Nasopalatine Duct Cyst. Head and
Neck Pathol. 2010; 4:121–122.
8. Francolí JE, Marqués NA, Aytés LB, Escoda CG. Nasopalatine
duct cyst: report of 22 cases and review of the literature. Med
Oral Patol Oral Cir Bucal. 2008; 13(7):E438-443.
75
Recebido para publicação: 14/02/11
Aceito para publicação: 29/12/11
Odontol. Clín.-Cient., Recife, 12 (1)73-75, jan./mar., 2013
www.cro-pe.org.br
REVISTA_CRO_JAN2013.indd 75
15/03/2013 15:23:43
Download