ADESÃO À TERAPIA ANTIRRETROVIRAL EM PACIENTES INFECTADOS PELO HIV EM UMA CIDADE DA GRANDE FLORIANÓPOLIS Lucas Carlini Ogliari¹; Luiza Leonardi2; Luís Gustavo Albuqurque2; Dra. Karina Valerim Teixeira Remor (orientadora)3. INTRODUÇÃO Com o advento dos medicamentos antirretrovirais, em meados da década de 1980, foi observado considerável avanço na qualidade de vida dos pacientes portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV). Com isso, a visão de que a infecção era sinônimo de morte foi superada e a inserção dos antirretrovirais no tratamento trouxe novas possibilidades e perspectivas1. Em termos epidemiológicos, dados publicados indicam que no ano de 2011 existiam por volta de 34 milhões de pessoas infectadas pelo vírus no mundo. A maioria vivia em países em desenvolvimento e poucos faziam uso de terapia antirretroviral (TARV)2. Segundo as estimativas realizadas pelo Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais, aproximadamente 718 mil pessoas vivem com HIV/AIDS no Brasil. Desde a descoberta dos primeiros casos de AIDS até o ano de 2012, foram declarados 265.698 óbitos classificados como causa básica “doenças pelo vírus HIV” (CID10: B20-B24)3. O cumprimento do tratamento preconizado é um desafio compartilhado por diversos pacientes. No ano de 2011, apenas 28% dos indivíduos HIV positivos tinham o ácido ribonucleico (RNA) viral suprimido4. A falta de adesão ao tratamento está intimamente relacionada à não supressão da carga viral. Adesão pode ser definida como “compromisso de colaboração ativa e intencionada do paciente, com a finalidade de produzir um resultado preventivo ou terapêutico desejado”. Nessa concepção, o comprometimento do paciente ao tratamento é essencial para a obtenção de bons resultados terapêuticos5. Percebendo a importância do tema para a Medicina no sentido de oferecer cuidado integralizado e humanizado, e auxiliar no tratamento da enfermidade, desenvolveu-se um estudo que buscou avaliar a adesão aos medicamentos antirretrovirais em um centro de atenção terciária de uma cidade da Grande Florianópolis. Palavras-chave: Antirretrovirais. AIDS. HIV. MÉTODOS Realizou-se um estudo transversal por meio de entrevista de pacientes infectados pelo HIV que realizam acompanhamento no ambulatório de Infectologia do Hospital Regional de São José Dr. 1 Graduando em Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Bolsista do PUIC. E-mail: [email protected] 2 Graduandos em Medicina da UNISUL. Colaboradores. 3 Professora doutora em Farmacologia da UNISUL. E-mail: [email protected] Homero de Miranda Gomes (HRSJ), São José – SC. O formulário foi dividido em partes: variáveis demográficas e sociais (idade, gênero, escolaridade, naturalidade, procedência, renda mensal, estado civil), perfil de saúde (última consulta médica e convênio particular de saúde), utilização da terapia antirretroviral (presença ou não de efeitos colaterais, interrupção anterior do tratamento por conta própria, adesão, local de aquisição, se mediante prescrição médica ou automedicação) e variáveis clínicas (forma mais provável de contágio, como e quando foi realizado o diagnóstico e presença de infecções oportunistas). Para identificar o grau de adesão deste grupo de pacientes ao tratamento farmacológico, adotou-se o Teste de Morisky, Green e Levine, utilizado para a análise do grau de aderência à terapia farmacológica de qualquer doença, que neste estudo foi direcionado à TARV. A participação dos membros foi regularmente autorizada pelo comitê de ética das instituições envolvidas. Os pacientes tiveram participação efetivada com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A aplicação do formulário foi realizada na forma de entrevista por pesquisadores auxiliares treinados, para todos os pacientes HIV positivos que aceitaram participar do estudo. Foram realizadas 16 visitas no ambulatório e entrevistados 54 pacientes. Sete pacientes negaram-se a serem entrevistados. Os dados foram digitados de forma numérica em planilhas do programa EXCEL e apresentados utilizando estatística descritiva, utilizando frequência relativa (F%) e absoluta (FA) das médias. RESULTADOS E DISCUSSÕES Participaram efetivamente da pesquisa 54 pacientes. VARIÁVEIS DEMOGRÁFICAS E SOCIAIS: Observa-se que 57,4% (31) dos pacientes são do sexo masculino e 42,6% (23) do sexo feminino. 3,7% (2) tem idade de 18-29 anos, 81,5% (44) tem de 30-59 anos e 14,8% (8) tem 60 anos ou mais. Brancos são 72,2% (39), pardos são 18,5% (10) e negros são 9,3% (5). Naturais de Santa Catarina são 72,2% (39), Rio Grande do Sul 11,1 (6) e 16,6% (9) de outros estados. Todos são procedentes do estado de Santa Catarina, sendo que da Grande Florianópolis são 92,6% (50), do Planalto Serrano 3,7% (2), da região Sul de Santa Catarina 1,8% (1) e do Vale do Itajaí 1,8% (1). Quanto a escolaridade, 46,3% (25) tem menos de 9 anos de escolaridade, 37% (20) tem de 9 a 12 anos de escolaridade e 16,7% (9) tem mais de 12 anos de escolaridade. A renda mensal média dos participantes é de 2,8 salários mínimos. Solteiros são 40,75% (22), casados são 40,75% (22), viúvos 3,7% (2) e divorciados 14,8% (8). PERFIL DE SAÚDE: Um número de 83,3% (45) realizou a última consulta médica no 1º semestre de 2014, 13% (7) no 2º semestre de 2013, 1,85% (1) no 1o semestre de 2013 e 1,85% (1) no ano de 2009. Com relação a convênio particular de saúde, 25,9% (14) possuem. USO DA TERAPIA ANTIRRETROVIRAL: 92,5% (50) dos entrevistados fazem uso da TARV, enquanto que 7,5% (4) pacientes não utilizam. Todos os pacientes retiram seus medicamentos antirretrovirais via Sistema Único de Saúde (SUS) por prescrição médica. Quanto aos efeitos colaterais, 46% (23) relatam ter tido algum efeito colateral. Destes 23 pacientes, 34,8% (8) relatou ter tido náuseas, 17,4% (4) tontura, 13% (3) alucinações, 8,7% (2) diarreia, 8,7% (2) epigastrialgia, 4,35% (1) perda de peso, 4,35% (1) aumento de peso, 4,35% (1) visão turva, 4,35% (1) unhas escuras, 4,35% (1) cansaço, 4,35% (1) dermatite. Dos 50 entrevistados em TARV, 30% (15) já interromperam o tratamento por conta própria, 40% (6) deles porque decidiram parar, 20% (3) por esquecimento, 20% (3) porque ficou sem receita e 20% (3) devido aos efeitos colaterais. ADESÃO (TESTE DE MORISKY, GREEN E LEVINE): 54% (27) dos pacientes já esqueceu de tomar os medicamentos. 40% (20) é descuidado quanto ao horário da administração dos remédios. 8% (4) deixam de tomar as drogas quando se sentem bem e 14% (7) deixam de tomar os antirretrovirais quando sentem-se mal. Analisando, 70% (35) dos pacientes foi classificado no grupo de “baixo grau de adesão” e 30% (15) no grupo de “alto grau de adesão”. Na coorte cujo grau de adesão foi baixo, 80% (28) foram caracterizados como comportamento de baixo grau de adesão do tipo não-intencional, enquanto 20% (7) foram identificados como comportamento de baixo grau de adesão do tipo intencional e do tipo não-intencional concomitantemente. A taxa de adesão ao tratamento na vida foi de 30%. ADESÃO REFERIDA: 20% (10) dos pacientes relatam que não realizaram a terapia de maneira correta nos 30 dias precedentes à entrevista, 12% (6) não a fizeram nos 15 dias pregressos à entrevista, 2% (1) nos três dias antecedentes e nenhum deixou de tomar o medicamento no dia anterior à entrevista. Quando indagados sobre o porquê da não realização da TARV de maneira ótima, 40% (4) destes responderam que esqueceram, 10% (1) que ficou sem medicamento, 10% (1) que adoeceu e parou o tratamento momentaneamente, 10% (1) que ingeriu bebidas alcoólicas e também parou o tratamento momentaneamente, 10% (1) devido aos efeitos colaterais do medicamento, 10% (1) pelo tamanho dos comprimidos e 10% (1) que decidiu parar o tratamento por conta própria. A taxa de adesão no último mês foi de 80%, nos últimos 15 dias de 88%, nos últimos três dias de 98% e 100% no dia anterior à entrevista. VARIÁVEIS CLÍNICAS: Um número de 75,9% (41) acredita que o contágio tenha ocorrido via relação sexual desprotegida, 3,7% (2) via uso de droga injetável, 3,7% (2) via transfusão sanguínea, 1,85% (1) via assalto com grande troca de sangue, 1,85% (1) via transmissão vertical e 13% (7) não sabia a forma de contágio mais provável. 55,55% dos pacientes já tiveram infecções oportunistas sendo a pneumonia a mais comum – 31,5% (17), seguida pela tuberculose 15% (8) e neurotoxoplasmose 9,25% (5), outras afecções ocorreram em 30,25% (16). Dos pacientes entrevistados, 48,5% disseram que o diagnóstico da infecção pelo vírus HIV foi acidental, 48,5% que foi realizado por meio de suspeita clínica e 3% não lembravam de como ele foi realizado. O diagnóstico foi realizado antes do ano 2000 em 22,9% dos pacientes, entre o ano 2000 e 2010 em 65,7% dos pacientes e a partir do ano 2010 em 11,4% dos pacientes. 9,25% (5) dos pacientes tinham co-infecção HIV e Hepatite C. CONCLUSÕES Os resultados apresentados no presente estudo mostram que maioria dos pacientes que faz tratamento no centro é do sexo masculino, adultos, entre 30 e 59 anos, caucasianos, naturais do estado de Santa Catarina, procedentes da Grande Florianópolis, com ensino fundamental incompleto. Todos os entrevistados retiram seus medicamentos pelo SUS via prescrição médica. Os efeitos colaterais dos medicamentos estiveram presentes em pouco menos da metade da coorte, sendo náusea a preponderante. Três quartos dos pacientes diz ter se infeccionado via relação sexual desprotegida e mais da metade já teve infecções oportunistas, principalmente pneumonia e tuberculose. Foi constatado que os pacientes tratados no centro que utilizam TARV apresentam baixa taxa de adesão ao tratamento segundo o Teste de Morisky, Green e Levine (que mensura a adesão desde que o tratamento foi iniciado). A taxa de adesão encontrada pelo teste foi de 30% - dados menores que os observados em estudos precedentes6-8. Entretanto, observou-se que 80% dos pacientes teve alta adesão ao tratamento no último mês, 88% nos últimos 15 dias e 98% nos três dias precedentes à entrevista, sendo a adesão total no dia anterior à entrevista. Em estudo realizado em uma cidade do Sul do Brasil8, foi observada adesão nos últimos 15 dias de 80,4%, nos últimos três dias de 76,1% e no último dia de 70%, dados de adesão inferiores aos encontrados no presente estudo. 30% dos pacientes já interromperam o tratamento por conta própria. Desta forma, conclui-se que os pacientes do ambulatório de Infectologia do Hospital Regional de São José têm baixa adesão a longo prazo (na vida) aos medicamentos antirretrovirais, mas boa adesão a curto prazo (no último mês). Para melhorar tal realidade deve-se reconhecer que a enfermidade necessita de uma visão mais ampla, que vai além do simples atendimento médico e tratamento farmacológico. Deve-se sugerir atenção por parte das políticas públicas, profissionais de saúde e familiares, para que os pacientes saibam da importância de uma aderência ótima, com o objetivo de suprimir a carga viral, melhorar o perfil imunológico, realizando, assim, a profilaxia contra infecções oportunistas. REFERÊNCIAS 1. Vella S, Schwartlander B, Sow S, Eholie S, Murphy R. The history of antiretroviral therapy and of its implementation in resource-limited areas of the world. AIDS. 2012; 26(10): 123141. 2. Global report. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (UNAIDS); 2012. 3. Boletim Epidemiológico – Aids e DST. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais; 2013. 4. Havlir D; Beyrer C. The beginning of the end of AIDS?. N Engl J Med., 2012; 367(8): 685-7. 5. Seidl EMF, Melchíades A, Farias V, Brito A. Pessoas vivendo com HIV/AIDS: variáveis associadas à adesão ao tratamento anti-retroviral. Cad Saúde Pública. 2007; 23(10): 2305-16. 6. Lima VD, Harrigan R, Bangsberg DR, Hogg RS, Gross R, Yip B, Montaner JSG. The combined Effect of Modern Highly Active Antiretroviral Therapy Regimens and Adherence on Mortality Over Time. JAIDS, 2009; 50(5): 529-36. 7. Malta M, Magnanini MMF, Strathdee SA, Bastos FI. Adherence to Antiretroviral Therapy Among HIV-Infected Drug Users: A Meta Analysis. AIDS Behav, 2010; 14: 731-47. 8. Blatt CR, Citadin CB, de Souza FG, de Mello RS, Galato D. Avaliação da adesão aos antiretrovirais em um município no Sul do Brasil. Rev Soc Bras Med Trop. 2009; 42(2): 131-6. FOMENTO O trabalho teve a concessão de Bolsa pelo Programa UNISUL de Iniciação Científica (PUIC), da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).