EMPREGOS DOS SUFIXOS NOMINALIZADORES NO PORTUGUÊS BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO (Use of nominalizing suffixes in contemporary Brazilian Portuguese) Bruno Oliveira MARONEZE (Doutorando-Universidade de São Paulo) ABSTRACT: Neological lexical units formed by the nominalization process were extracted from a contemporary Brazilian Portuguese press corpus. It was intended to analyze the use of the various nominalizing suffixes, in order to verify if they present usage restrictions or connotations not described in grammars and other reference works. KEYWORDS: nominalization, suffix, suffixal derivation, regressive derivation, neologism. 1. Introdução A nominalização consiste na formação de um substantivo abstrato a partir de um verbo. Neste trabalho, entenderemos nominalização na acepção estrita de Rocha (1999: 5): A nominalização stricto sensu é um fenômeno morfológico que consiste na formação de nomes a partir de verbos. Em outras palavras, podemos dizer que, dado um verbo, é possível prever a existência de um nome abstrato, derivado, sufixado, correspondente, com o sentido de ‘ato, processo, fato, resultado, estado, evento ou modo de X’, (Gunzburger, 1979), sendo X o verbo que constitui a base do processo (consagrar/consagração, julgar/julgamento, contar/contagem, etc.). A nominalização, entendida dessa forma, é um fenômeno derivacional que, em português, se realiza por meio do emprego de determinados sufixos. As gramáticas, em geral, limitam-se a listar tais sufixos, apresentando a classe gramatical a que se unem e a classe gramatical resultante: 2) Para formação de nomes de ação ou resultado de ação, estado, qualidade, semelhança, composição, instrumento, lugar: a) Derivados de verbo: -ame: gravame -ção, -ção: coroação, perdição, compreensão, ascensão (...) -mento: casamento, descobrimento -ura, -dura, -tura: feitura, mordedura, formatura -ança (-ancia), -ença (-encia): mudança, esperança, parecença, abundância, convalescença, (ou convalescência) -ata: passeata -ada: estada (estadia na norma de Portugal) -ida: (verbos da 2.ª e 3.ª conjugações): acolhida, partida -agem: vadiagem -ário: lapidário (Bechara, 1999: 358) Também se deve considerar como nominalização, de acordo com a definição de Rocha (1999), anteriormente referida, a chamada derivação regressiva, pois também consiste na formação de substantivos abstratos a partir de verbos. Alguns autores, como Rocha (1999), optam por analisá-la como uma derivação sufixal, em que o sufixo seria um sufixo-zero. Neste trabalho, apresentaremos os resultados de uma pesquisa que visa a analisar o emprego dos sufixos nominalizadores e da derivação regressiva num corpus do português brasileiro escrito contemporâneo. Após a descrição da metodologia empregada (seção 2), serão abordadas as características de cada sufixo que foram levantadas na análise (seção 3) e, por fim, algumas considerações finais a respeito da nominalização de maneira geral. 2. Metodologia Como fonte de dados para esta pesquisa, foi utilizada a Base de Neologismos do Português Contemporâneo do Brasil, integrante do Projeto Observatório de Neologismos Científicos e Técnicos do Português Contemporâneo do Brasil (Projeto Integrado de Pesquisa CNPq n.º 550520/2002-3, coordenado pela Prof.ª Dr.ª Ieda Maria Alves). Esta Base é constituída por unidades lexicais neológicas extraídas dos jornais O Globo e Folha de S. Paulo e das revistas IstoÉ e Veja nos anos entre 1993 e 20001. Utilizando-se o método de coleta por amostragem, são analisados quatro periódicos por mês, um em cada semana: O Globo (primeiro domingo do mês), IstoÉ (segunda semana), Folha de S. Paulo (terceiro domingo) e Veja (quarta semana). A Base conta com 13.572 unidades lexicais neológicas, que constituem mais de 24.600 ocorrências. Desse total, cerca de 1% são formas nominalizadas: cento e doze formações com o sufixo -ção (cf. 3.1), trinta formações com o sufixo -mento (cf. 3.2), treze formações com o sufixo -agem (cf. 3.3), cinco formações com o sufixo -da (cf. 3.4), sete formações com o sufixo -nc(i)a (cf. 3.5) e quatro derivações regressivas (cf. 3.6). São consideradas como neológicas as unidades lexicais que não estão incluídas no corpus de exclusão, o conjunto de dicionários da língua geral que serve de parâmetro para a determinação do caráter neológico, ou não-neológico, de uma unidade lexical. Assim, integram o corpus de exclusão os seguintes dicionários: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 1 ed. 1975 (para o corpus correspondente ao período de 1993 a 1999); ___. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 1 ed. 1975 (para o corpus coletado em 2000); 1 O Projeto não se encerrou nesse ano: os dados coletados a partir de 2001 estão sendo registrados em outra base de dados, que não foi utilizada no presente trabalho. WEISZFLOG, Walter. Michaelis: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998. (para o corpus coletado a partir de 1999). Integram também o corpus de exclusão os vocabulários ortográficos publicados pela Academia Brasileira de Letras, que apresentam na macroestrutura um grande número de unidades lexicais que não integram outros repertórios: ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Vocabulário ortográfico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Bloch, 1981 (para o corpus correspondente ao período de 1993 a 1997); ___. Vocabulário ortográfico da língua portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Academia, 1998. 1 ed. 1981 (para o corpus coletado a partir de 1999); ___. Vocabulário ortográfico da língua portuguesa. 3 ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1999. 1 ed. 1981 (para o corpus coletado em 2000). A partir desses dados, passa-se à descrição dos resultados obtidos de cada sufixo. 3. Análise dos sufixos 3.1. Sufixo -ção Este sufixo está entre os sufixos mais freqüentes da Base, e é o que mais forma nominais neológicos (cento e doze ao todo). Nesse ponto, as formações neológicas se conformam às formações já assentadas na língua: tal sufixo é também o mais freqüente em nominais consagrados (cf. Rocha, 1999: 26). A primeira característica que se pode notar é que este sufixo vem sendo usado, contemporaneamente, com verbos da segunda conjugação, fato recente na língua. No entanto, apenas um caso desse tipo foi registrado na Base: o neologismo ferveção. O sufixo -ção é o único que pode se unir a verbos formados com os sufixos izar e -ficar. Dos cento e doze nominais neológicos em -ção, noventa e cinco são formados a partir de verbos em -izar (exemplos: globalização, terceirização), e cinco, a partir de verbos em -ficar (exemplos: guetificação, serbificação). Ao todo, cem nominais, ou seja, a grande maioria dos formados com o sufixo -ção, estão nesse caso. Muitos dentre esses são formados a partir de verbos não-atestados ou neológicos: amorfização, bicicletização, fujimorização etc. O sufixo -ção também vem sendo utilizado, muitas vezes, com o significado de repetição, iteração. É o chamado -ção iterativo (cf. Rocha, 1999 e Maroneze, 2005: 53). Alguns exemplos encontrados na Base são: Em tempo: para acabar com a <tocação> de campainha, Andréa organizou para essa semana uma tarde de autógrafos no condomínio. Público não vai faltar. (IE, 17-set-97) Dir-se-á que somos cada vez menos cristãos, cada vez menos católicos. Mas não perdemos o vício dessa <choramingação> masoquista. (G, 01-out-00) Por fim, também foi observada uma tendência bastante forte a se usar o sufixo -ção em formações que apresentam conotações familiares ou jocosas. Observe-se o exemplo de montação: "<Montação> é a gíria que sai do universo dos travestis de rua para significar também um modo mais extravagante, fashion ou caprichado de se vestir", explica Erika. (V, 01-dez-99) Da mesma forma, há também embananação, ensebação, saração etc. 3.2. Sufixo -mento Em relação ao sufixo -mento, observa-se que, em primeiro lugar, ele é praticamente o único a ser usado com verbos em -ear (cf. Gamarski, 1984): carreamento, desbloqueamento, jateamento, macaqueamento, patenteamento e sucateamento são alguns dos exemplos presentes na Base. Sendo o segundo sufixo nominalizador mais freqüente, em muitos casos concorre com o -ção, como em dilapidamento e monitoramento (cf. os substantivos não-neológicos dilapidação e monitoração). Outra tendência de uso que se nota com este sufixo é o seu freqüente emprego com verbos parassintéticos: avistamento, empalidecimento, enlutamento são alguns dos exemplos presentes na Base. Também é relativamente comum o emprego de -mento com verbos prefixados (cf. desatrelamento, reaparelhamento e reassentamento). Também é importante notar que, ao contrário de -ção, o sufixo -mento não apresenta conotações familiares ou jocosas, sendo, dessa forma, um sufixo de significado mais “neutro”. 3.3. Sufixo -agem O sufixo -agem apresenta outros significados além do significado nominalizador. Em tucanagem, por exemplo, o significado é o de coletivo; já em marquetagem e peruagem, o significado pode ser parafraseado como “modo de agir típico de X”. Quanto ao uso nominalizador desse sufixo, observa-se que ele se une exclusivamente a verbos da primeira conjugação, e seus derivados apresentam claramente o significado de “ação”. À semelhança do sufixo -ção, o sufixo -agem também apresenta um uso bastante informal. Os exemplos que mais revelam isso são arapongagem, bebericagem, bisbilhotagem, crocodilagem e xeretagem. O mesmo pode ser dito em relação aos usos não-nominalizadores de -agem, o que aponta para uma tendência geral de uso. Também à semelhança de -ção, este sufixo pode ocorrer com derivados de verbos não-atestados: discotecagem, splintagem, telecinagem. 3.4. Sufixo -da Da mesma forma que o sufixo -agem, o sufixo -da também é bastante polissêmico. É bastante empregado com o significado de coletivo (companheirada, parentada, tucanada) e também com o de “modo de agir típico de X” (euricada, paulistada). Em seu emprego como nominalizador, é comum aparecer associado ao verbosuporte dar, como neste exemplo: /.../ Shakespeare é de grande força descritiva ao lidar com bala estourando miolos, gente enterrada viva, morte, estupro e contusões generalizadas. Shakespeare (vamos dar uma <contornada> nisso que é para evitar possível e conturbador malentendido), Nicholas, para ser mais preciso, de prosa clara e enxuta, evita com muita inteligência a tentação de cair na esparrela de, só por causa do clima - ah, esse sol, essa fauna, essa flora, esse Euclides da Cunha, esse García Márquez! -, botar o turbante tuttifrutti na cabeça e sair por aí sambando e cuecando (a cueca é uma dança chilena) na exuberância barroca do subcontinente. Antes muito pelo contrário. (V, 24-set-97) Mesmo quando o verbo-suporte não ocorre de maneira explícita, é possível supor o seu apagamento: O empresário paulista descendente de italianos costuma dizer em um elétrico português macarrônico que carro importado é um negócio de risco. "Com uma <canetada>, o presidente pode acabar com a festa". (IE, 26-mai-93) O emprego desse sufixo tende a ser bastante coloquial, informal, razão pela qual talvez tenha sido pouco freqüente no corpus analisado, de língua escrita. 3.5. Sufixo -nc(i)a Os sufixos -nça e -ncia foram considerados, na presente análise, formas alomórficas de um mesmo sufixo, representado por -nc(i)a. Das sete ocorrências na Base, três são formadas pela variante -nça (gastança, governança e roubança) e quatro, pela variante -ncia (assumência, derivância, flanância e refrescância). Os três neologismos em que foi empregada a variante dita popular -nça apresentam um significado claramente pejorativo, o que pode ser observado pelo contexto a seguir. Tal conotação não aparece nos neologismos em -ncia. ''Referente ao editorial 'Segundo tempo', de 30/12, no trecho '...Banespa, uma instituição financeira que só tem causado prejuízos à população e ao Estado...': não posso calar protesto e indignação face à colocação acima. Injusta e infeliz, no mínimo. Não é a instituição que merece ser tripudiada. Responsáveis da cúpula é que merecem punição. Ou tudo se passou no Banespa por obra e graça do Espírito Santo? Não, Folha, o Banespa nunca foi um banco nocivo. Nocivos à sociedade, ao rincão paulista e à própria nação têm sido alguns 'politiqueiros' de plantão na <governança> do Estado.'' José Carlos Amadei (Bauru, SP) (FSP, 19-jan-97) O emprego de -nc(i)a é em geral associado ao emprego do sufixo adjetival -nte. Nos dados analisados, observa-se que dois neologismos (derivância e refrescância) apresentam contrapartes adjetivais em -nte (derivante e refrescante, respectivamente). Curiosamente, ambos apresentam a forma -ncia. 3.6. Derivação regressiva Embora a derivação regressiva seja extremamente freqüente em formas já consagradas na língua, aparece somente em quatro lexias neológicas: agito, aplique, desaninho e despiste. Como já observado por outros autores (cf. Gamarski, 1984), a derivação regressiva tende a formar substantivos de significado mais concreto. É o caso, aqui, de agito e aplique, como se pode observar pelos seguintes contextos: Reúnem-se principalmente para <agitos> (festas em clubes suburbanos) e adoram pichar muros. (Paulo Mota) (FSP, 16-mai-93) Xuxa também tem a sua coleção. Só que de <apliques>. Ela não sabe dizer quantos que já contabiliza, mas para guardá-los precisa de uma grande mala. As "xuquinhas" surgiram no "Xou", segundo ela, como uma homenagem ao seriado "Jeannie é um gênio". /.../ - Todos sabem que meu sonho sempre foi ter uma vasta cabeleira. Como não tenho boto os <apliques>, que me caem bem - confessa. (G, 06-dez-98) Os dados da Base confirmam a afirmação de Basílio (2004: 44) segundo a qual a vogal temática -a é usada apenas em derivados regressivos já consagrados, ao contrário das vogais temáticas -o e -e, ainda produtivas. 4. Considerações finais A análise efetuada revelou características dos sufixos nominalizadores que não são descritas em gramáticas e outras obras de referência. Entre elas, está o uso iterativo do sufixo -ção e os empregos conotativos de -ção, -mento, -agem e -nça. Em relação aos dois sufixos mais freqüentes, -ção e -mento, Basílio (2004: 42) aponta o seguinte: Uma das razões para o uso mais freqüente de -ção e -mento em oposição aos demais processos é o fato de que esses sufixos são semanticamente vazios, enquanto sufixos como -da e -agem apresentam especificações semânticas que restringem suas possibilidades de combinação com diferentes bases ou radicais. A análise dos neologismos nos mostra que o sufixo -ção vem ganhando conotações que contrariam essa afirmação. Tal sufixo parece ser semanticamente “vazio” apenas quando se une a verbos em -izar; apesar de isso constituir a esmagadora maioria dos casos, procuramos mostrar que é possível, de fato, afirmar que -ção vem formando substantivos com conotações familiares ou jocosas. Dentre os sufixos aqui analisados, apenas -mento parece ser semanticamente “neutro”. A análise do sufixo -nc(i)a revela que suas duas variedades, -nça e -ncia, vêm adquirindo usos divergentes. Como foi apontado, a forma -nça parece ter uma carga pejorativa muito forte, como nos exemplos gastança, governança e roubança (cf. as formas não-neológicas gasto, governo e roubo). O mesmo não se observa nos derivados com o sufixo -ncia. Isso pode apontar para uma análise em que as duas formas sejam consideradas sufixos diferentes. O estudo de unidades lexicais neológicas pode revelar importantes aspectos dos processos de formação de palavras. Especificamente em relação à nominalização, tal estudo pode ajudar a compreender melhor os processos de mudança de classe e também a derivação regressiva, fenômeno pouco compreendido do português. RESUMO: A partir de um corpus da imprensa brasileira contemporânea, foram extraídas unidades lexicais neológicas formadas pelo processo de nominalização. Buscou-se analisar o emprego dos diversos sufixos nominalizadores, verificando se apresentam restrições de uso ou conotações não-descritas em gramáticas e outras obras de referência. PALAVRAS-CHAVE: nominalização, sufixo, derivação sufixal, derivação regressiva, neologismo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Vocabulário ortográfico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Bloch, 1981. ___. Vocabulário ortográfico da língua portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Academia, 1998. ___. Vocabulário ortográfico da língua portuguesa. 3 ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1999. BASÍLIO, Margarida. Formação e classes de palavras no Português do Brasil. São Paulo: Contexto, 2004. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. ___. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. GAMARSKI, Léa. A derivação regressiva: um estudo da produtividade lexical em português. 1984. Tese de doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1984. MARONEZE, Bruno Oliveira. Um estudo da nominalização no Português do Brasil com base em unidades lexicais neológicas. 2005. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. ROCHA, Luiz Carlos de Assis. A nominalização no português do Brasil. 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