GT 8: Mídia, sociedade e neoliberalismo: desafios e

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GT 8: Mídia, sociedade e neoliberalismo: desafios e perspectivas para a democracia
A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL PARA O PLENO EXERCÍCIO DA
CIDADANIA EM TEMPOS NEOLIBERAIS
Mylena Serafim da Silva
Universidade Federal da Paraíba – UFPB
[email protected]
RESUMO
O presente artigo, composto de uma revisão bibliográfica, tem por objetivo relatar o
exercício da cidadania na sociedade contemporânea, mais especificamente no Brasil.
A história da democracia está interligada a cidadania, e ambas, perpassam por
constantes mudanças para se readequar ao contexto atual. No decorrer do texto,
serão discutidas as diferenças das duas categorias: cidadania e democracia, assim
como será feito um relato crítico, ao demonstrar que a democracia se posiciona ao
lado do sistema vigente – capitalismo – e que, em tempos neoliberais, o exercício da
cidadania fica cada vez mais mistificado e se categoriza como uma difícil
concretização. A ideologia neoliberal surgiu, no país, nos anos 1990 intervindo na
economia e também nos direitos sociais, já alcançados e garantidos pela Constituição
Federal de 1988, privatizando e terceirizando os serviços públicos, ameaçando assim
a execução dos mesmos e retirando a responsabilidade do Estado de efetivá-los.
Todavia no percurso da democracia brasileira, vários foram os progressos alcançados
pelas lutas sociais, que utilizaram da liberdade de expressão, da livre associação e
das mídias para revogar seus direitos. Não diferente dos nossos dias, a inserção dos
cidadãos na política para além do voto, foi de bastante importância para as conquistas
sociais até aqui almejadas. No Brasil, o qual tem como tipo de governo a democracia
representativa, a participação social através de movimentos sociais,
institucionalizados ou não, de mecanismos e instâncias, atualmente é regulamentada
e produz influência direta nas decisões tomadas pelos representantes da sociedade.
Dentre os dispositivos legais estão os conselhos de políticas públicas, os quais reúne
a sociedade civil com os representantes do território, possui caráter permanente e
deliberativo com a função de gestar sobre as políticas públicas, tendo assim o poder
de representar a vontade da maioria. A utilização desses meios se faz necessária para
enfrentar a problemática do neoliberalismo e reivindicar pela efetivação da garantia
dos direitos constituídos em lei. Ao mesmo tempo em que contribui para a
consolidação do exercício da cidadania de forma plena.
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Palavras-chave: Democracia. Cidadania. Participação Social.
1 INTRODUÇÃO
O assunto aqui abordado é complexo e entende-se que também polêmico, pois
várias são as teses e opiniões formas diante de tal. O exercício da cidadania no Brasil
está atrelado a forma de governo e de Estado, que atualmente é neoliberal e
democrático, respectivamente. Com a constituição de 1988, popularmente designada
como Constituição Cidadã, garante-se ao indivíduo os direitos fundamentais - no
artigo 6º - dentre os quais estão os direitos sociais, no artigo 14º os direitos políticos
e os direitos civis no artigo 5º. Por sua vez, está inserido o direito á cidadania no artigo
1º. De acordo com Carvalho (2008), a cidadania diz respeito a efetivação desses
direitos em conjunto, acima citados.
Todavia, apesar da Constituição (1988) e da democracia garantir a participação
popular nas decisões políticas, os direitos sociais não são efetivamente cumpridos no
Estado, por causa da influência de uma doutrina econômica que foi inserida no país
desde a década de 1990: o neoliberalismo que propõe uma ampla abertura de
mercado e a mínima intervenção do Estado nas decisões que tange a organização
social. (BEHRING; BOSCHETTI, 2011)
Neste sentido, pretende-se expor sobre o exercício da cidadania em meio a
política neoliberal no Brasil. A partir da história percorrida pela cidadania no país e de
direitos conquistados nas luta de classes, percebe-se que ocorreram avanços sociais
significativos. Em contrapartida, recentemente há alguns retrocessos no que tange a
efetivação desses direitos na prática, os quais são consequências da reforma
executada na política nos anos 1990, a qual teve como intuito precarizar os direitos
sociais e passar a responsabilidade que, na Constituição (1988) declara que está sob
o Estado, para as empresas terceirizadas, privatizando setores antes estatais e
terceirizando serviços que, em tese são públicos, integrais, universais e
descentralizados. (BEHRING; BOSCHETTI, 2011)
Todavia há indícios - como será relatado -, de conquistas sociais efetivadas
pela participação social nas decisões políticas. Os meios que mediam os direitos
políticos e que constituem a participação da sociedade estão cada vez mais influentes
na redemocratização do país e, quando promovidos de forma integral e
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universalizada, atinge a todas as camadas sociais, tendo o poder de representação
democrática. O Plano Nacional de Participação Social - PNPS (Decreto nº 8.243/2014)
institui mecanismos e instâncias que mediam a participação social no governo. Como
exemplo, destaca-se os conselhos de políticas públicas, os quais reúne a sociedade
civil e representantes do governo e têm o arbítrio de decidir sobre a gerência de
políticas públicas.
2 CIDADANIA E DEMOCRACIA
Ser cidadão, de uma forma popular, é exercer direitos e deveres. São atitudes
conceituadas junto a construção da sociedade e que, em conjunto, formam tanto a
organização social quanto dignifica a existência humana de modo generalizado. A
democracia promove a cidadania, uma vez que, proporciona espaços para a
ampliação do exercício desta. Antes de aprofundar essa diferença, faz-se necessário
relembrar o surgimento desses construtos. A princípio vejamos sobre democracia,
pois a cidadania é um reflexo da mesma.
O conceito de democracia é amplo e pode ser entendido de diversas formas a
partir de colocações distintas que se complementam e, por vezes, se contrapõem.
Neste sentido, o conceito de democracia será observado a partir da concepção de
Bobbio que a entende como:
Em particular, é a forma de governo na qual o poder é exercido por
todo o povo, ou pelo maior número , ou por muitos, e enquanto tal se
distingue da monarquia e da aristocracia, nas quais o poder é
exercido, respectivamente, por um ou por poucos. (BOBBIO, 2007, p.
137).
Um governo democrático abre espaço para as decisões, que dizem respeito á
sociedade, serem discutidas e resolutivas por todos. Governo demócratico em um
estado liberal é evidente pela proposta de participação do povo. No que tange aos
direitos civis, estes são garantidos no liberalismo, melhor dizendo neoliberalismo –
política predominante em quase todo o mundo, inclusive em nosso país – pois além
de ser lei a organização política propicia a efetivação desses direitos. (BOBBIO, 2000)
Em contraponto, os direitos sociais são, apesar de garantidos por lei, seletivos como
será visto no próximo tópico.
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Ainda sobre o Estado democrático, vale a pena ressaltar o conceito de
democratização que prima pela efetivação da soberia popular na organização estatal.
A democratização está ligada ao tipo de democracia aqui explicado: a democracia
representativa, na qual os cidadãos sentem-se representados por um governante que
terá como obrigação respeitar e trabalhar pelo bem comum daqueles que o elegeram.
(BOBBIO, 1998)
A democracia representativa promove aos participantes da sociedade não
somente o exercício pleno na política, mas também que os seus direitos sociais sejam
garantidos através das decisões governamentais, regulamentadas por seus
representantes. Sendo assim, o execercício da cidadania está intimamente ligado ao
estado democrático representativo e de direito, como é o caso do Brasil. Para o
entendimento desta correlação vejamos o que se entente por cidadania.
O termo cidadania pode ser compreendido a partir de diferentes concepções e,
pode ser conceituado sob distintas circunstâncias a depender do modo de
organização de Estado daquele território que promove determinada cidadania. Ser
cidadão requer que o indivíduo seja provido de direitos e deveres simultaneamente.
Designa a pessoa que é denominada cidadã ser soberana e súdita no meio em que
vive. (CERQUIER-MANZINI, 2010)
Na Constituição Federal (1988) estão descritos os direitos e deveres, não
somente no título II que intitula-se “dos direitos e deveres indivíduo”, mas em todo o
seu texto há regras que, se postas em prática proporcionam ao brasileiro cidadania.
Ser cidadão neste país, é gozar dos direitos sociais, civis e políticos e respeitar a
legislação vigente cumprindo deveres tais como: respeitar os direitos do próximo,
preservar o meio ambiente bem como o patrimônio público, como por exemplo.
Caso ocorra algum descumprimento das leis vigentes, o indivíduo pode ser
condenado a pena privativa de liberdade, situação na qual será restringido alguns
direitos que refletem a sua cidadania, como o direito de ir e vir e o direito ao voto.
Entretanto direitos sociais (educação, trabalho e saúde) bem como os direitos civis (a
vida) permanecem inalterados. Esta é a única exceção que retira alguns direitos do
cidadão com base legislativa. Exceto julgamento transitado em julgado, todo brasileiro
possui o direito a exercer a cidadania plena.
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Para chegar a este nível de cidadania, muito se foi percorrido nas lutas sociais
no território brasileiro. Na mesma linha, a democracia no Brasil demorou séculos para
ser conquistada e ainda assim sofreu recuos após sua inserção na organização
política do governo.
3 PERCURSO DA DEMOCRACIA E DA CIDADANIA NO BRASIL
A década de 1980 é considerada como o período de redemocratização no país,
uma vez que ocorreram (re)conquistas políticas e sociais no âmbito do Estado, sendo
assim denominado de redemocratização. Para adentrarmos nesse período histórico,
façamos uma breve análise de alguns marcos na trajetória política do Brasil, com base
nos estudos feitos por Carvalho (2008) e registrados em seu livro intitulado “Cidadania
no Brasil um longo caminho”.
No período colonial, pouquíssimos avanços aconteceram no território. Dos
direitos sociais ainda sequer eram falados. Quem definitivamente tomava as decisões
na época eram os imigrantes, mais precisamente os portugueses. Os índios que aqui
já se encontravam, muitos foram dizimados pelas doenças trazidas do continente
europeu e outros escravizados. A população indígena foi a mais vitimada com a
chegada dos imigrantes as terras, uma vez que foram retirados de sua cultura e
reorganizados ao modo de vida dos europeus. Sobre a economia, essa era tanto de
subsistência quanto de exportação, chegando a ter como trabalhadores os
escravizados, sendo tanto os índios quanto a população africana. No poder e decisões
políticas ficavam os portugueses. Essa situação gerou revoltas, e dentre elas está a
de 1817, onde já iniciava-se a busca pelos direitos sociais, civis e políticos.
Em 1824 tivemos nossa primeira constituição, a qual legalizou o voto, mas
somente para as pessoas que possuíam condições financeiras e que eram ligados e
exerciam influência na religião, no caso ao catolicismo. Ainda sendo uma monarquia,
poucos foram os avanços nesse período, principalmente a ideia de cidadania que
ainda não era sequer colocada em questão. Um fato marcante foi a abolição da
escravatura em 1988 que proibiu a comercialização e a escravidão humana. Apesar
de ter sido proibida a exploração da vida dos negros, estes saíram da época
escravocrata sem direitos e ao mesmo tempo sem chances de deixarem os vínculos
passado de dependência que tinham com os seus senhores, uma vez que não tinham
acesso a moradia, educação e ao trabalho digno pela falta de acessibilidade histórica
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e inclusive pelo preconceito. Sendo assim, muitos voltavam ás terras de seus antigos
senhores para poderem, ao menos, sobreviver.
Em 1891 foi promulgada outra constituição brasileira, a qual proporcionou maior
autonomia aos estados e extinguiu o poder moderador (quarto poder existente que o
imperador poderia tomar decisões de modo subjetivo). Nesta nova constituição foi
expandido o direito ao voto para a população, mas ainda assim com exceções. Vale
ressaltar que o coronelismo predominava a política, onde a maioria dos votos eram
comprados, propiciando o “voto de cabestro”. Até o início do século XX, com essa
constituição, o Estado perdeu responsabilidade que antes tinha com a população, ou
seja, podemos considerar que houve regressos na política. O acesso à educação
básica já não era mais responsabilidade do Estado, bem como a assistência social
era caso de política e ainda subsidiada pela filantropia. Percebe-se a influência da
política liberal nesse ínterim, onde o Estado, apesar de ter independência e liberdade
de governar, deixa de ter responsabilidade nas decisões sociais que diz respeito a
todo o povo.
Na década de 1930, mas conhecida também como a Era Vargas, o Brasil
possuiu
duas
constituições,
sendo
estas
decretadas
em
1934
e
1937
respectivamente. A diferença entre as duas são poucas, o que vale destacar aqui é
que esse período foi uma ditadura civil onde o então presidente Getúlio Vargas utilizou
estratégias para chegar e manter-se no poder. Dentre os acontecimentos que
marcaram, podemos destacar os direitos trabalhistas, tais como férias, repouso
semanal remunerado e o salário mínimo, garantidos na Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT) em 1943 e os avanços na previdência, como por exemplo, a sua
ampliação da aposentadoria para outras categorias de trabalho. Foi também nesse
governo, que ocorreu abertura para os sindicatos. Em contrapartida, apesar de ter
conquistas consideradas como a base dos direitos sociais, a ampliação da previdência
ainda deixava muitos excluídos e o sindicalismo predominava, sendo sempre os mais
favorecidos que possuíam “voz e vez”.
Em 1946 tivemos uma nova constituição, a qual veio para reorganizar o país,
passada mais de uma década do período da ditadura civil. Podemos citar como
marcos no avanço da cidadania a consolidação dos direitos civis, como por exemplo,
o direito à liberdade de expressão, a greve e a livre associação sindical. Os direitos
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políticos tiveram sua extensão, passando a ter direito e obrigação ao voto homens e
mulheres com mais de dezoito anos de idade, fazendo com que a participação política
dos cidadãos se estendesse, não somente com o acesso ao voto, mas também com
reivindicações através de greves e lutas sindicais e camponesas.
Em 1964 houve um golpe militar, passando o governo a ter novas modificações
em seu organizar e efetivação. Como estamos enfatizando os avanços dos direitos
sociais, civis e políticos com base nas constituições brasileiras promulgadas, vale aqui
destacar a Constituição de 1967, que por sinal é considerada um retrocesso na
democracia do Brasil, uma vez que a mesma extingue os partidos políticos, proíbe a
liberdade de expressão e o direito à greve. Nessa constituição foi também instituída a
legalização de atos constitucionais, o que garante modificações na lei maior e que
pode ser feita de forma simplificada. E foi justamente o que de fato aconteceu no
período militar (1964-1985). Como coquista social pode-se citar os direitos trabalhistas
que continuaram a ser garantidos para os cidadãos e, inclusive, foram estendidos para
a população agrícola.
Após a ditadura militar, considerada como o período brasileiro mais opressor e
tomado de retrocesso, ocorreu a redemocratização do país com a Constituição de
1988, conhecida também como Constituição Cidadã e que é a lei maior até os nossos
dias. Essa foi uma conquista da população que foi ás ruas reivindicar pela volta dos
direitos políticos, sociais e inclusive os civis com a luta denominada de “Diretas Já”.
Em 1985, foi formada uma assembleia constituída de pessoas de diversas camadas
sociais, que reuniram-se para a construção dessa constituição que, desde a sua
criação, planejava atender a todas as pessoas que residiam no território, tendo como
base a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1944) e outras constituições de
países que visavam a melhoria social.
Dentre as conquistas promulgadas, podemos destacar o direito ao voto,
ampliado agora para os analfabetos e para pessoas a partir dos dezesseis anos de
idade, novos direitos trabalhistas, o racismo considerado como crime, aos indígenas
foi colocado a posse de terras como garantia, o direito à moradia, educação, saúde,
lazer e assistência como direitos sociais e o direito à vida como garantia fundamental
do cidadão. Cabe aqui destacar a Seguridade Social composta pela saúde,
previdência e assistência social. A saúde passou a ser universal e integral a partir do
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Sistema Único de Saúde (SUS), a previdência passou a ser de responsabilidade do
Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e a assistência social passou a ser de
responsabilidade total do estado, deixando de ser de competência da polícia ou
assistida pela caridade.
Agora que temos uma constituição que estende e garante os direitos sociais,
civis e políticos a todos os cidadãos, por que ainda falar sobre cidadania? Por que
esses direitos não são postos em prática, se a lei os garantem?
Nos anos de 1990, um princípio foi instaurado na política do Brasil, o qual
interferiu diretamente na efetivação dos direitos conquistados nos anos de 1980. Esta
doutrina econômica que se estende e predomina por grande parte é a política
neoliberal. Antes de comentarmos essa interferência, vejamos como a mesma
funciona e como foi inserida no Estado.
4 NEOLIBERALISMO: SEU IMPACTO DE FORMA RECESSIVA NO BRASIL
A ideologia neoliberal situa-se entre o modo de produção que rege atualmente
o país: o capitalismo. No sistema capitalista as relações de produção se dão entre a
classe burguesa e operária, onde aquela detém o maior pode sobre esta, uma vez
que é proprietária dos meios de produção, tornando-se assim a classe predominante.
O produto do capital é a mercadoria, a qual possui grande poder de influência no meio
social. (LESSA, 2007) Dito isto, o neoliberalismo propõe uma liberdade econômica,
onde o Estado tem força mínima para intervir nas relações comerciais e
consequentemente, sociais.
Por neoliberalismo se entende hoje, principalmente, uma doutrina
econômica consequente, da qual o liberalismo político é apenas um
modo de realização, nem sempre necessário; ou em outros termos,
uma defesa intransigente da liberdade econômica, da qual a liberdade
política é apenas um corolário. (BOBBIO, 2000, p. 87)
Deste modo, entende-se a partir da leitura de Bobbio, que a liberdade de
decisão política torna-se uma consequência natural da liberdade econômica proposta,
e no caso do Brasil também imposta, pelo neoliberalismo. A ampliação dos direitos
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garantidos na Constituição de 1988 foi, na realidade, negada nos anos subsequentes,
e a contrarreforma do Estado contribuiu para esta problemática. Denomina-se
contrarreforma o processo que o país passou no governo de Fernando Henrique
Cardoso em meados nos anos 1990, o qual tinha a intenção de retirar o país da crise
econômica que vinha sofrendo desde os anos 1980. Tal reforma privilegiava a
privatização e precarizou a seguridade social. (BEHRING; BOSCHETTI, 2011) Nas
palavras das autoras:
Reformando-se o Estado, com ênfase especial nas privatizações e a
previdência social, e, acima de tudo, desprezando as conquistas de
1988 o terreno da seguridade social e outros – a carta constitucional
era vista como perdulária e atrasada -, estaria aberto o caminho para
o novo “projeto de modernidade”. (BEHRING; BOSCHETTI, 2001, p.
148)
Como se pode observar, não foi somente a política social que foi fragmentada,
e sim as políticas públicas como um todo, onde o Estado deixa a responsabilidade de
garantir os direitos para instituições privadas e filantrópicas. A função social e estatal
sendo passada para serviços terceirizados privilegiava o mercado e as pessoas que
detém o capital, uma vez que, acaba por atender e suprir as necessidades dos
indivíduos. Termina que sendo uma estratégia do sistema vigente destacar no meio
social a classe dominante, oportunizando assim o livre comércio e a ascensão
burguesa, pois, para o neoliberalismo, a efetivação da proteção social pode trazer
prejuízos ao mercado.
Ora, os programas sociais – isto é, a provisão de renda, bens e
serviços pelo Estado – constituem uma ameaça aos interesses e
liberdades individuais, inibem a atividade e concordância privadas,
geram indesejáveis extensões do controle da democracia. (DRAIBE,
p. 90, 1993)
A perda da garantia de direitos pelo Estado estende-se até os dias atuais. De
certo, o governo Lula (2002-2008) trouxe mudanças significativas na proteção social,
ao garantir a transferência de renda para as pessoas que de fato necessitavam,
retirando milhares de brasileiros da linha da pobreza e miséria. Entretanto, a
desigualdade e exclusão social são problemáticas bastante atuais e que perpassam
a questão do exercício da cidadania plena.
Neste sentido, apesar da influência neoliberal, não somente na economia mas
também no exercício político, faz-se necessário a utilização da democracia, que como
já foi aqui afirmado, é o governo do povo. Na constituição federal de 1988, temos
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diversos mecanismos que garantem a participação social nas decisões políticas como
estratégias para o exercício da cidadania ativa.
5 PARTICIPAÇÃO SOCIAL COMO REPRESENTAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL
Quando pensamos em democracia, lembramos logo da participação do povo
nas decisões que diz respeito ao interesse geral. O exercício da cidadania está
intimamente ligado a consolidação democrática logo, a presença da sociedade nos
segmentos comuns e intrínsecos a todos. A participação é parte integrante de um
território democrático, e nós, que vivemos num Estado democrático de direito, temos
como princípio básico da representatividade, a participação da sociedade civil.
Para entender-se um pouco melhor, faz-se necessário destacar o conceito de
participação. Todavia, esse é um termo difícil de conceituar, uma vez que, pode ser
interpretado de diferentes formas. Há diversos autores que tratam o tema, entretanto
como aqui trata-se da participação social, recorda-se as explicações utilizadas por
Sayago (2000), a qual atribui conceitos ideológicos. É fundamental interesse destacar
dois deles, que estão diretamente ligados ao princípio da cidadania, os quais são a
participação coletiva, quando as decisões são tidas no coletivo e a participação ativa
a qual dá-se quando os indivíduos se comprometem na luta e na conquista para
alcançar os seus objetivos de modo coletivo e humanitário.
No Brasil, a participação dos indivíduos, com base na coletividade, deu-se
principalmente pelas lutas sociais. Não diferente de outras regiões, movimentos
organizados por classes - mais precisamente a classe trabalhadora -, no começo do
século XX intensificaram-se e tinham como principal objetivo a reivindicação dos
direitos sociais e trabalhistas, sendo estes conquistados no decorrer deste período,
como aqui já descrito. Analisando a história, conclui-se que a contribuição da
participação social foi importante e decisiva para os avanços que foram crescentes
nesta fase, e solidificados na década de 1980.
Com a Constituição Cidadã (1988), meios de inserir a sociedade nas decisões
políticas foram oficial e regulamentados, assegurando os meios de reivindicações e a
possibilidade das mesmas serem respondidas e solucionadas. As lutas sociais, que
antes, mesmo sendo importantes não eram validadas, passaram a ser parte essencial
na consolidação do governo, visto como um Estado democrático e de direito. A
sociedade civil entendida como “o cidadão, o coletivo, os movimentos sociais
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institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”
(Decreto nº 8.243, 2014, artigo I), passa a ter acesso a meios de participação social,
os quais propiciam o exercício da cidadania.
Nas últimas três décadas, a “Constituição Cidadã” ainda vigora, tendo na
mesma apenas readequações para entrar em conformidade com as necessidades
atuais como o uso de emendas, portarias, decretos e regulamentos associados a sua
legislação. No que tange ao aprimoramento da participação social, em 2014, tivemos
a sanção do decreto que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS), a
qual conceitua alguns meios existentes de participar social e ativamente, e atribui suas
organizações. Dentre os serviços, estão disponibilizados instâncias, como por
exemplo, o conselho de políticas públicas e também mecanismos, como o ambiente
virtual de participação social.
Em contrapartida temos a ideologia neoliberal que dificulta não só a
consolidação democrática e cidadã, mas também a participação social. Os meios de
reivindicar pelas melhorias acabam por ter pouca relevância nas decisões políticas.
Ao mesmo tempo em que foram criados diversos conselhos e
processos de conferências para o debate e deliberação das políticas
sociais, nenhum mecanismo participativo foi implementado nos
espaços decisórios da política econômica. Aliás, cada vez mais as
decisões econômicas estão concentradas nas mãos de poucos. Isso
tem se revelado uma verdadeira contradição e uma barreira para o
avanço da participação, uma vez que as restrições determinadas pelas
políticas macroeconômicas afetam o alcance e o próprio desenho das
políticas sociais. (CIONELLO, 2008, p. 10)
Lamentavelmente a realidade da ampliação e consolidação da participação
social tornou-se bastante árdua em tempos neoliberais no Brasil. A precarização do
trabalho, mesmo com a legislação trabalhista em vigor, o aumento da inflação, os
direitos previdenciários sendo retardados, são exemplos da negação de direitos
constituídos e regulamentados, que comprometem diretamente a vida do cidadão
brasileiro.
Todavia, não podemos negar que a participação social conseguiu prevalecer e
inclusive ampliar seus mecanismos (como exemplo o decreto 8243/2014) ganhando
assim cada vez mais força e autonomia - mesmo ainda dependente. As evoluções no
que concerne as políticas, tanto sociais quanto públicas, não cessaram na década de
1980 com a Constituição, mas são geradas e inovadoras até os nossos dias. Uma
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conquista recente, que podemos citar, por exemplo, é o direito ao casamento
homoafetivo.
A união entre pessoas do mesmo sexo até há pouco tempo atrás não era
reconhecido perante a lei. Por mais que as pessoas tivessem o livre arbítrio, essas
relações não eram legalizadas e por isso não tinham os mesmos direitos que os casais
heterossexuais possuem, como a adoção e comunhão de bens. Alguns casamentos
ainda foram realizados por meio da jurisprudência, mas somente em 2013 o Conselho
Nacional de Justiça aprovou uma resolução que veta “a recusa da habilitação,
celebração de casamento civil ou de conversão em união estável em casamento entre
pessoas do mesmo sexo”. (Resolução Nº 175, 2013, artigo I)
Analisando a Constituição (1988) é visto que, em seu artigo 226 já e
reconhecida a união estável e o artigo 5º criminaliza qualquer tipo de preconceito,
vindo a Resolução nº 175/2013 apenas regulamentar o que na lei já era garantido.
Percebe-se que a participação social nessa conquista, através de movimentos sociais,
institucionalizados ou não, contribuíram positivamente para essa progressão nos
direitos sociais que contribui para o exercício da cidadania.
6 CONSELHOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS COMO CONSOLIDAÇÃO DA
DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E CIDADANIA ATIVA
Os conselhos de políticas públicas objetivam a participação social e, como
marco democrático, proporcionam aos cidadãos novas possibilidades de poder para
reivindicar seus direitos de acordo com as suas prioridades. De acordo com Ciconello
(2008) são órgãos organizados de forma paritária, ou seja, possui representantes do
governo e da sociedade civil de forma igualitária, e também são deliberativos, o que
significa que possuem o poder de decidirem sobre a elaboração e a organização
política.
O conselho possui diversas atribuições legais, dentre elas, a de
formular as estratégias e definir as prioridades da política de saúde,
incluindo a aprovação dos recursos públicos destinados á execução
dos programas e ações governamentais. (CICONELLO, p. 4, 2008)
Os conselhos de políticas públicas, também chamados de conselhos de gestão
ou conselhos de direitos, são essências para a cidadania de forma ativa. Sendo
atribuição dos direitos políticos, pode contribuir simultaneamente para a possível
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garantia ou mesmo melhorias nos direitos sociais bem como os civis. A participação
social, não somente das pessoas influentes nas decisões públicas, mas de toda a
sociedade, abrangendo as comunidades locais, é fundamental para que as decisões
tomadas nesses conselhos de direitos sejam condizentes com a vontade popular e o
desejo da maioria.
Há vários autores que argumentam as deficiências e as dificuldades que são
enfrentadas nos conselhos de políticas públicas. Consoante, é visível a evolução que
tivemos com a institucionalização desse mecanismo em nossa legislação, uma vez
que, a sociedade civil possui um lugar que pode planejar, organizar e até implementar
políticas relacionadas com o seu bem-estar e com a cidadania. De certo, a maioria da
população participa da política apenas com a votação eleitoral e não utiliza, sequer
conhece, os outros recursos que, de forma indireta, contribuem para as decisões
governamentais futuras:
(...) é possível afirmar que o processo de deliberação, característico
dos conselhos, favorece duas condições essenciais à responsividade
às preferências e à responsabilização do governo ou, mais
propriamente, à ação corretiva sobre os rumos da política: a redução
da assimetria de informações e o aumento da capacidade cognitiva
para sua interpretação e julgamento. Primeiramente, a interlocução
argumentada com os conselheiros da sociedade civil permite à
burocracia do Estado precisar e apurar melhor as preferências
sinalizadas, o que favorece a aderência destas com as políticas
adotadas. (GRANHA, p. 64, 2003)
É importante perceber que, mesmo sendo o poder executivo responsável por
decidir e escolher as estratégias futuras, a participação social se faz necessária para
influenciarem as mesmas, não somente pelos conselhos de direitos, mas também
pelos outros mecanismos que vão para além do voto e que existem justamente para
fins da democracia representativa e para o exercício da cidadania de forma eficaz e
ativa.
7 CONCLUSÃO
A democracia como forma de governo foi disseminada pelo mundo a partir do
seu surgimento na Grécia e foi instaurada por vários países, dentre eles o Brasil. Uma
gerência democrática almeja a soberania do povo sobre as decisões tomadas pelo
governo daquele território. Deste modo, a governabilidade diz respeito a todos que
compõem aquela sociedade.
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Percebe-se que o exercício da cidadania está intimamente ligado ao da
democracia, por ambas designar direitos e deveres ao indivíduo. Constitui-se cidadão
de acordo com Cerquier e Manzini (2010) a pessoa que tem, simultaneamente, o
poder de decidir e o dever de respeitar sobre as leis que regem a sociedade. Logo,
ser cidadão requer ter direitos individuais e coletivos e que, de forma direta, propiciam
a dignidade da pessoa humana e o bem coletivo.
A construção e consolidação da democracia no Brasil é uma conquista histórica
que, foi progressivamente elaborada e dinâmica. Em nosso país o tipo de democracia
que foi instaurado e que vigora é a democracia representativa, que tem como princípio
o povo eleger seus representantes, os quais, por sua vez, têm o dever de legislar e
garantir o bem comum. Todavia, para chegar-se a organização que hoje é
estabelecida, vários foram os desafios percorridos na trajetória do Brasil, tendo sido
até o início do século XIX colônia e monarquia, e atualmente uma república. Só em
1824 foi decretada a primeira constituição, sendo esta modificada por seis vezes até
os nossos dias, prevalecendo a Constituição Federal de 1988.
O Brasil como um Estado Democrático de Direito estabelece em sua
constituição e garante o exercício da cidadania através de deveres e também de
direitos, os quais podem se categorizar em direitos políticos, sociais e civis.
(CARVALHO, 2008) Como exemplo de direito político podemos citar a participação
das decisões governamentais para além do voto, como direito civil tem-se a garantia
de liberdade de expressão e como direito social, pode-se citar o acesso a moradia
digna.
Entretanto, uma reforma ocorrida nos anos 1990 na política e economia
brasileira, tendo como ideal doutrinário o neoliberalismo - o qual tem o princípio de
intervenção mínima do Estado nas decisões econômicas -, refletiu na garantia desses
direitos que compõe a consolidação da cidadania, precarizando o acesso a bens e
serviços públicos e minimizando as garantias sociais e civis dos cidadãos brasileiros.
(BERINHG; BOSCHETTI, 2011)
Contudo, se faz necessário ressaltar que, no ínterim desse desgaste na
economia e da crise dos direitos sociais, a participação política fortaleceu ainda mais
e conquistou espaços para além do voto. Em 2014, com o Plano Nacional de
Participação Social - PNPS, concretizou-se os mecanismos e instâncias que abrem
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espaços para a participação dos cidadãos nas decisões que tange a sociedade e o
interesse coletivo.
A participação social ganhou oportunidades para envolver-se na esfera política
de forma deliberativa, permanente coletiva e regulamentada, inclusive com
movimentos sociais, sendo estes institucionalizados ou não. Pode-se citar como
conquista desse avanço político o direito a constituição familiar entre pessoas do
mesmo sexo reconhecida e garantida por lei através do Decreto nº 175 de 2013 de
responsabilidade do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Para além, os conselhos de políticas públicas de caráter permanente e
deliberativo, têm o poder de reunir os ideais dos governantes e da sociedade civil,
podendo formular e gestar sobre políticas públicas, tendo assim, a possibilidade de
abranger a toda a população e atender as necessidades da comunidade, garantindo
consequentemente a consolidação do exercício da cidadania.
Utilizar-se dos direitos políticos condiciona o exercício da cidadania de forma
ativa e coletiva. (SAYAGO, 2000) É perceptível os avanços conquistados com a
participação social através de meios que propiciam esse diálogo entre Estado e
sociedade civil. A promoção dos mecanismos e instâncias que garantem essa
participação social se faz necessária, uma vez que, tem-se a necessidade de todas
as classes sociais, de todas as comunidades locais - não somente das pessoas que
estão no centro das decisões e que representam o todo -, mas de todos os cidadãos
obterem o acesso ao poder de decidir o futuro da democracia e da cidadania em seu
território.
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