É benéfico para a zona euro não ter países como Portugal

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ID: 55606686
E
08-09-2014
Tiragem: 17042
Pág: 6
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 23,95 x 27,98 cm²
Âmbito: Economia, Negócios e.
Corte: 1 de 5
ENTREVISTA FRANCISCO LOUÇÃ E JOÃO FERREIRA DO AMARAL
“É benéfico para a zona
euro não ter países
como Portugal”
Moeda única Francisco Louçã e João Ferreira do Amaral defendem que os tratados são para
negociar e que “os países que visivelmente não têm condições para estar no euro devem sair”.
Bruno Faria Lopes
[email protected]
João Ferreira do Amaral, o economista que desde o início do projecto de moeda única europeia batalha contra a adesão portuguesa,
volta à carga – e, desta vez, traz reforços. Com Francisco Louçã, economista e ex-líder do Bloco de Esquerda, co-assina “A Solução
Novo Escudo”, sobre “o que fazer
no dia seguinte à saída do euro”.
“O que fazer” – e o choque que
o país sofreria – depende muito do
modelo de saída. Os dois autores
desvalorizam a impossibilidade
actual de abandonar a zona euro
sem o custo muito alto de sair da
União Europeia (UE) – e consideram cada vez mais negativa para
Portugal a arquitectura da moeda
única que vai resultando do combate à crise.
Fazem várias referências no livro
a um governo com mandato democrático para sair do euro ou
para pôr fim à austeridade. A verdade é que maioria das pessoas
ainda vota de uma forma expressiva nos chamados partidos do
arco da governação. E a maior
parte dos portugueses ainda suporta - se bem que identifiquem
problemas - de forma clara a presença no euro. Não temem estar a
interpretar mal o sentimento comum das pessoas?
Francisco Louçã (FL) – Estamos a
interpretar o nosso sentimento.
Estamos a apresentar a nossa proposta e achamos que quem se
preocupa com Portugal deve elevar-se para uma exigência que
não tem sido comum na sociedade portuguesa: apresentar propostas. Temos a obrigação, para
nós próprios, de apresentar propostas com contas feitas. Queremos exigir aos outros o mesmo.
Pode haver propostas melhores
do que a nossa. Mas apresentem-nas com contas feitas. O que vai
resultar, que riscos tem, como se
resolvem os problemas. No livro
não tratamos nunca das condições políticas ou partidárias.
João Ferreira do Amaral (JFA) –
Pessoalmente gostaria muito que
este livro - e outros - contribuíssem para informar as pessoas.
Penso que progressivamente se
vão apercebendo que não há horizonte de esperança para esta situação a não ser que haja uma
mudança clara da nossa inserção
comunitária.
A pergunta preliminar para Portugal, que tratam no livro, seria
esta: é possível sair do euro sem
sair da UE?
FL – Depende de haver um acordo. Havendo um acordo é possível. Até porque, repare, há países
que estão na UE e não estão na
zona euro: a Inglaterra a e Dinamarca. Fixaram isso nos seus tratados.
Mas isso é diferente…
FL – É diferente porque fixaram
“
Perante vantagens
mútuas pode haver
uma negociação.
O problema é saber
o que convém
à União Europeia
e à zona euro e o que
convém a Portugal.
Francisco Louçã
Desde o tratado de
Versalhes que se sabe
que quando um tratado
não corresponde à
realidade, o resultado
é sempre mau.
João Ferreira do Amaral
nos seus tratados. Tudo é diferente
quando se chega a uma determinada posição. No caso de Chipre, a
UE tomou decisões que não estavam previstas nos tratados. Mantém, por exemplo, um controlo
sobre movimento de capitais que
não é previsto nos tratados. Perante vantagens mútuas pode haver uma negociação. O problema
é saber o que convém à União Europeia e à zona euro e o que convém a Portugal. Defendemos que
essa negociação deve ser feita.
Mas o direito de secessão previsto
no Tratado de Lisboa permite apenas sair da UE, não da zona euro.
Creio que um dos princípios inscritos é precisamente o compromisso dos Estados-membros com
o aprofundamento constante da
integração europeia. Sair do euro é
um retrocesso - o Reino Unido e a
Dinamarca negociaram não avançar, o que são coisas diferentes.
Não seria forçoso sair da UE?
FL – No levantamento que fazemos no livro há entendimentos
jurídicos diferentes. Evidentemente há uma tentativa de bloquear a presença dos países que
fazem parte de uma zona monetária. Esse é o conceito de estabilidade de uma zona monetária. Mas
a zona euro é abalada por si própria, pelas condições estruturais
que impôs aos vários países. E,
portanto, é uma condição nova
haver um governo com um mandato popular que negoceie com as
autoridades europeias a possibilidade de uma vantagem mútua
numa separação. Isso está totalmente em aberto.
JFA – Os tratados são justamente
isso. São tratados. Não é uma
Constituição. Desde o tratado de
Versalhes que se sabe que quando
um tratado não corresponde à
realidade, o resultado é sempre
mau. Na política não se pode dizer
“era bom que se fizesse isso para
ambas as partes, mas não se
pode”. Tem de haver uma nego-
ciação que seja de benefício mútuo para ambas as partes. É benéfico para a zona euro não ter países
lá dentro que não estão bem. Isso
causa instabilidade. Portugal não
era para entrar na zona euro. A
Alemanha sempre esteve convencida que Portugal não entrava.
E, portanto, para a Alemanha –
que é hoje quem manda – também não é de estranhar que Portugal tenha de sair.
A questão é que se Portugal saísse,
provavelmente não seria a única
saída…
JFA – Os países que visivelmente
não têm condições para estar no
euro devem sair. Houve uma sugestão dentro da própria Alemanha, a certa altura, de se criar no
tratado disposições que previssem
a saída da zona euro. Não é um assunto que deva ser considerado
tabu. E quando se criam tabus na
política internacional o resultado
é sempre péssimo.
A União Europeia é um projecto
estruturante da nossa sociedade.
E de resto acho que as pessoas têm
receio dessa saída. Estão comprometidas com esse projecto de sociedade.
JFA – Fala de que pessoas, exactamente?
Falo da maioria das pessoas.
JFA – A maioria das pessoas está
comprometida porque não sabe
nada da UE, porque lhe esconderam sempre as questões da UE. A
grande maioria das pessoas pura e
simplesmente tem medo porque
desconhece a situação. Há depois
uma elite, pode chamar-se assim,
uma minoria, que apesar de tudo
acompanha os assuntos comunitários. Creio que as pessoas, o cidadão comum português, foi posto demasiado à margem das questões comunitárias. Agora, que
sente que algo não está bem, tem
medo de se pronunciar porque
não conhece. Uma das missões de
quem se preocupa com o futuro
do país é informar as pessoas. ■
“A zona euro é abalada por si
própria, pelas condições estruturais
que impôs aos vários países”,
defendem os economistas.
ID: 55606686
08-09-2014
PONTOS
CHAVE
● “A outra tentativa de simular é
através da desvalorização interna.
O problema é que é muitíssimo pouco
eficaz, cria grandes sacrifícios e tem
rapidamente o seu limite porque a
Paulo Alexandre Coelho
Tiragem: 17042
Pág: 7
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Period.: Diária
Área: 23,74 x 27,60 cm²
Âmbito: Economia, Negócios e.
Corte: 2 de 5
sociedade não aguenta”, diz João
Ferreira do Amaral.
● “A grande maioria das pessoas pura
e simplesmente tem medo porque
desconhece a situação”.
● “Acho muito interessante ver os
defensores da economia de mercado a
defenderem o euro. É a maior
distorção que se pode pôr a uma
economia de mercado e ao comércio
livre”, diz Francisco Louçã.
● “O investidor de que precisamos
é o que investe em nova capacidade
produtiva em Portugal, em bens
transaccionáveis”, diz Francisco Louçã.
“Podemos chegar a uma situação
em que mesmo uma saída
não negociada faça sentido”
A impossibilidade de
reestruturar a dívida pública
não deixaria outra alternativa
senão sair do euro.
“Não advogaria” uma saída
não negociada do euro, reconhece João Ferreira do Amaral, embora admita que isso
“resolvesse o problema”.
Contudo os custos seriam
enormes. O economista dá
mesmo o exemplo da Argentina, mas admite que não gostaria de “ver reproduzido em
Portugal o que foi o ajustamento argentino durante um
ano ou dois, que foi um desastre do ponto de vista social”.
Em pontos diferentes têm
sempre criticado bastante
quer o Governo, quer a
‘troika’, por experimentalismo, que foi usado na receita
portuguesa. Seria uma aventura a saída do euro. Os riscos
não seriam absolutamente
controlados. Não receiam ser
criticados pelo mesmo ponto?
FL – Quando atravessamos a
rua não temos os riscos controlados. Qualquer acção governativa tem uma margem de
incerteza. Resta defini-la bem
e saber se há políticas que podem compensar e corrigir os
problemas. Estamos perante a
certeza do empobrecimento
durante 20 anos. Isto não é alternativa. Uma alternativa
cria uma mudança que tem
efeitos sociais e, sobretudo,
económicos. Dá-nos a certeza
de que a economia portuguesa
começa a recuperar e a corrigir a sua dependência externa.
Teria que compensar os efeitos novos - evitar que haja
uma inflação que não esteja
controlada, controlar movimentos internacionais de capitais. Tem de ter, consoante
as circunstâncias, uma estrutura da banca que esteja totalmente subordinada à exigência da confiança dos depositantes, portanto que evite
processos especulativos perigosos. Tem de compensar todos os riscos.
Quando referem a não dependência externa, concordam
que a falta de investimento,
“Não temos uma
agenda escondida”
A saída do euro ditaria
a nacionalização da banca
e potencialmente de algumas
grandes empresas que estão
ligadas à banca. Não seria uma
oportunidade para a esquerda
concretizar uma agenda de
sempre, que hoje parece muito
improvável? A saída do euro
seria uma oportunidade do ponto
de vista político?
Francisco Louçã – No caso de
haver uma reestruturação da
dívida imposta, se não houver
acordo [para a saída do euro],
o efeito nos balanços dos
bancos implica que exista uma
intervenção pública. Qual será
o seu futuro, deixamos em
aberto no livro. Não é disso
que o livro trata, mas da forma
como se compensam e se
corrigem os problemas [de uma
saída do euro], para ter a
garantia que a política tem os
efeitos que queremos: a criação
de emprego e a recuperação da
economia. Não temos nenhuma
agenda escondida. Não citamos
a nacionalização de nenhuma
empresa em especial.
nomeadamente externo, é um
problema português. Mas
numa saída, a reestruturação
da dívida seria um ponto incontornável…
JFA – Não necessariamente.
FL – Num dos casos absolutamente incontornável, noutro
não tanto.
JFA – Numa saída negociada,
não será necessária. Pode suceder, mas não é algo radicalmente necessário. Enquanto
na não negociada será provavelmente necessário.
Não advogaria uma saída não
negociada?
JFA – Não advogaria. Embora
resolvesse o problema, passaríamos um certo…
Entre o que temos agora e uma
saída não negociada, estamos
melhor agora?
JFA – Pelo menos no momento
actual. Dentro de dois ou três
anos não sei. Podemos chegar
a um extremo tal que mesmo
uma saída não negociada faça
sentido. Mas será muito mau
chegarmos a esse extremo.
FL – Não se pode fazer essa
comparação. Se for necessário
sair do euro, coisa que o livro
deixa em aberto – e do meu
ponto de vista a impossibilidade de reestruturar a dívida
pública não deixaria outra alternativa – a saída teria sempre que ser negociada. Pode
ser uma negociação mais ou
menos difícil. Mas a própria
União Europeia teria vantagem em negociar para travar
instabilidade e um efeito dominó.
A saída unilateral, sem acordo, seria um cenário extremo.
JFA – Temos um caso parecido
– tanto quanto estes cenários
se podem parecer – que é o da
Argentina. Embora a Argentina tenha saído de forma não
negociada e ainda em piores
condições, a meu ver, que
Portugal sairia mesmo num
cenário desses. Seria muito
penalizante embora o problema acabasse por ser resolvido.
Embora não gostasse de ver
reproduzido em Portugal o
que foi o ajustamento argentino durante um ano ou dois,
que foi um desastre do ponto
de vista social. ■
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08-09-2014
Tiragem: 17042
Pág: 8
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Period.: Diária
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Âmbito: Economia, Negócios e.
Corte: 3 de 5
ENTREVISTA FRANCISCO LOUÇÃ E JOÃO FERREIRA DO AMARAL
“Com a ajuda cambial Portugal
poderia ser um verdadeiro
tigre da Europa”
DOIS ECONOMISTAS QUE
Investimento Os economistas defendem a necessidade de criar um ambiente mais amigo
da produção de bens transaccionáveis.
Bruno Faria Lopes
[email protected]
Ferreira do Amaral defende a sua
tese contra os riscos que as empresas enfrentariam num cenário
de saída do euro.
Ao sair do euro não teríamos de
provar a nossa credibilidade de
alguma forma a quem investe cá
e, para isso, não teríamos de recorrer a medidas duras?
FA – A nossa credibilidade depende da potencialidade de crescimento económico que tivermos.
Não prevê um receio natural dos
investidores estrangeiros no início por parte de um país que sai do
euro?
FA – No início há aquelas políticas
de transição que desenvolvemos
no livro. Naturalmente que esse é
um ambiente excepcional, mas
penso que não terá de ser uma
transição muito prolongada. Um
ano ou ano e meio e penso que a
desvalorização começa a ter efeitos políticos. O investidor de que
precisamos é o que investe em
nova capacidade produtiva em
Portugal, em bens transaccionáveis. A confiança desses investidores está ligada à potencialidade
de crescimento que a economia
portuguesa tenha. Se crio um ambiente mais propício, mais amigo
da produção de bens transaccionáveis, estou convencido que esse
investimento vai surgir. Aliás, não
tenho isto estudado é apenas um
‘feeling’, mas Portugal até poderia
ser um caso sério de crescimento
económico na União Europeia se
tivesse esta ajuda cambial. Podia
ser um verdadeiro tigre da Europa
como foi a Irlanda, que aliás desvalorizou muito a sua moeda antes de entrar na moeda única e
antes do tal milagre económico
irlandês.
Mas reconhece que, no princípio
de uma era com o escudo, teria de
haver um sinal de disciplina, de
que não haveria o risco do país
descarrilar?
FA – Com certeza. Por um lado,
um sinal de que vai manter os seus
compromissos claros. Por isso, a
boa vontade comunitária de ajudar a que essa credibilidade se
mantenha é importante. E, por
outro lado, evitar que se recorra
demasiado à emissão monetária,
que gere um processo inflacionista sem sentido e que acabará por
prejudicar o próprio crescimento.
E as pensões?
E os depósitos?
E os salários?
Ao longo da entrevista foram
sendo feitas perguntas sobre
o que aconteceria aos salários, às
pensões, aos depósitos bancários
e ao preço das casas – no fundo,
o que aconteceria a quase tudo
o que toca no rendimento dos
portugueses. À excepção dos
salários e das pensões, a resposta
em relação ao restante é: nada.
A garantia depende, em primeiro
lugar, da verificação de um
pressuposto: Portugal sai do euro
com um acordo benéfico com a
União Europeia, da qual continua
a fazer parte. Mesmo assim,
haveria perda imediata de poder
de compra motivada pela subida
da inflação – para os salários, por
exemplo, a perda estimada pelos
autores seria de 6,5%. “Penso que
se pode manter, mesmo no período
pior, uma inflação abaixo dos 20%
e que esteja até mais próxima dos
10%”, afirma Ferreira do Amaral,
que fala num período de transição
entre um ano e um ano e meio.
Para não comprarem o que
indicam ser a “agenda da
direita” – a saída do euro permitira
desvalorizar os salários sem que as
pessoas percebam – indicam uma
série de medidas de compensação,
sobretudo de política fiscal (via
IRS, entre outros). Os autores
calculam em 10,8% do PIB o
impacto orçamental – um “efeito
significativo” que poderia ser
financiado por “emissão de títulos
junto do público” ou de emissão
de moeda do Banco de Portugal
(com impacto na inflação).
Como é que se compensaria a
perda de acesso ao mercado europeu por parte dos nossos exportadores, com esse tumulto
inicial?
FA – Não estou a ver porquê [porque haveria perda], mesmo se
saindo da União Europeia. Nós e a
Europa estamos obrigados aos
acordos da Organização Mundial
do Comércio, não acabaria o comércio livre pelo facto de sairmos
da União Europeia. Mas como não
vejo que teríamos de sair da
União Europeia, continuaríamos
a funcionar como o Reino Unido e
a Dinamarca, com a liberdade de
comércio que existe. O que não
acho que seja exequível é haver
liberdade de comércio com fixação da taxa de câmbio. Isso é contrário à economia de mercado,
aliás, acho muito interessante ver
os defensores da economia de
mercado a defenderem o euro. É a
maior distorção que se pode pôr a
uma economia de mercado e ao
comércio livre.
Em relação às empresas, um risco
que vejo é que todo esse investimento que seria feito na reconversão da economia precisaria de
bens intermédios que seriam sobretudo importados…
JFA – Sobretudo não… Mas isso
está tratado no livro.
Mas como se resolveria o problema da importação dos bens intermédios, que seriam muito mais
caros?
JFA – O conteúdo importado pelas exportações – directamente e
indirectamente, importado em
produtos intermédios – é cerca de
40%. Há uma margem de 60%
que tem a ver com produtos nacionais e conteúdo nacional de
valor acrescentado, que é uma
percentagem semelhante à que
havia nos anos 80. Portanto, dá
resultado.
Mas para que estrutura produtiva? Para bens de valor mais médio/alto…
JFA – Estou a falar em média para
a totalidade das exportações. É
evidente que dependerá de alguns
sectores. Por exemplo, um sector
que conheço bem, que é o da filei-
ra e da indústria florestal, tem um
conteúdo importado muito menor, o agro-alimentar tem um
muito maior, um sector como o da
Autoeuropa tem um conteúdo
importado maior, depende. Mas,
em média, o conteúdo importado
é de 40%.
O que vos leva a concluir que o
que aconteceu no passado, em
que houve várias desvalorizações
cambiais como panaceia única
para a competitividade, não voltará a acontecer?
JFA – No passado desvalorizámos
o que tínhamos de ter desvalorizado. Tivemos dois choques petrolíferos e a entrada de 6% de
portugueses vindos das ex-colónias. Gostava de saber o que teria
sido o nosso ajustamento se estivéssemos no euro na altura. A
desvalorização cambial fez-se
bem. Em 83 e 84 foi talvez exagerada. A desvalorização de que
precisamos agora é compensar a
valorização que tivemos desde o
início da caminhada para o euro.
A partir daí preferia tomar como
referência da taxa de câmbio uma
moeda mais fraca que o euro,
eventualmente o dólar ou outra
qualquer. ■
“
A nossa credibilidade
depende
da potencialidade
de crescimento.
Francisco Louçã
A desvalorização
de que precisamos
agora é compensar
a valorização
que tivemos desde
o início da caminhada
para o euro.
João Ferreira do Amaral
A mudança de Louçã
Francisco Louçã sublinha que
a sua participação no livro
não significa uma defesa à
partida da saída do euro –
contudo, sem reestruturação
significativa da dívida (além
da que vai sendo feita) o
economista considera que
não sobra outra alternativa.
Como se é hoje contra o euro
quando a moeda tem agora
uma arquitectura que faltava
há três anos?
“Mudou para pior, quando
defendi pela primeira vez a
ID: 55606686
08-09-2014
Tiragem: 17042
Pág: 9
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 23,74 x 25,66 cm²
Âmbito: Economia, Negócios e.
Corte: 4 de 5
DEFENDEM A SAÍDA DO EURO
Paulo Alexandre Coelho
Paulo Alexandre Coelho
João Ferreira
do Amaral
A dias de fazer 66 anos,
é economista e foi
professor catedrático
no ISEG, em Lisboa,
durante 15 anos. Já
dirigiu o gabinete
de estudos económicos
do INE e foi assessor
de Jorge Sampaio em
Belém. O combate à
entrada e participação
de Portugal no euro
é a sua bandeira – este
é o segundo livro
que dedica ao assunto.
A certa altura, politicamente,
vai ter de se correr o risco
de discutir a saída do euro.
Hoje já há muita gente – mesmo
dentro dos países do arco da governação – que encara a saída
do euro como uma alternativa
válida que vale a pena discutir,
diz Ferreira do Amaral, embora
reconheça que isso não quer
dizer que concordem.
Francisco Louçã
58 anos, é professor
catedrático de
Economia na
Universidade de Lisboa.
Foi fundador, dirigente
e deputado pelo
Bloco de Esquerda,
dedicando-se agora
mais ao ensino e à
produção de livros –
em co-autoria este é
o quinto que publica
desde 2012.
– e as razões de Ferreira do Amaral
reestruturação da
dívida não havia
Tratado Orçamental”,
responde Louçã. “E o
Tratado Orçamental
significa que Portugal
fica ainda mais
atingido pelo facto de
não poder ter política
orçamental”,
acrescenta. A questão
da reestruturação não
é a que mais preocupa
Ferreira do Amaral –
desde o início do seu
“Há uma forma de
simular a saída,
mas não é possível”
Ficha: “A Solução
Novo Escudo”,
O que fazer no dia
seguinteà saída de
Portugal do euro
Editora: Lua de Papel
Páginas: 164
combate à participação
portuguesa na moeda única
que coloca o cerne da sua
análise na desadequação
entre uma moeda forte
(e as respectivas regras)
e a estrutura produtiva
de uma pequena economia
aberta como a portuguesa.
Prioridades diferentes –
assumidas logo na primeira
linha do livro – que não
anularam a análise conjunta
do que aconteceria no
“dia seguinte”.
Não vê nenhum caminho intermédio?
JFA – Não. Há uma forma de simular a saída do euro sem sair.
Não é exactamente a mesma
coisa, mas era parecido: pôr
uma sobretaxa às importações e
um subsídio às exportações no
montante da desvalorização.
Mas isso não é possível pela legislação comunitária. E até
acho bem porque a liberdade de
comércio é um bom valor. Mesmo assim não seria idêntico,
porque não haveria os efeitos
riqueza, haveria só os efeitos de
fluxo sobre as exportações. A
outra tentativa de simular é
através da desvalorização interna. O problema é que é muitíssimo pouco eficaz, cria grandes sacrifícios e tem rapidamente o seu limite porque a sociedade não aguenta. Não tenho
qualquer dúvida que se o FMI
estivesse a lidar com um país
que tivesse moeda própria teríamos desvalorizado a moeda
30 ou 40% e já teríamos resolvido o problema.
Já falámos das condições externas para sair. Nas condições internas por enquanto, politicamente, não se vê aqui grande
vontade para falar sobre o assunto. Os partidos do arco do
poder fogem da ideia a sete pés.
Não teme estar um pouco a falar
sozinho?
JFA – Como deve calcular tenho
alguma experiência em falar
sozinho. Mas o que hoje se passa
não tem nada a ver com o que se
passava há quatro ou cinco
anos. Hoje há muita gente já que
encara a saída – não quer dizer
que concorde, mas que a encara
como uma alternativa válida
que vale a pena discutir.
Dentro dos partidos?
JFA – Mesmo dentro dos partidos do arco da governação. Cla-
ro que não há pressa porque sabem que para a sua carreira política é complicado, mas há
muita gente que começa a perceber que é uma alternativa que
vai ter de se pôr a certa altura.
Eu tinha muita dificuldade em
passar a mensagem da dificuldade de estarmos no euro antes
da crise. E isso de facto mudou
completamente.
Politicamente parece-me que
ninguém vai correr o risco desse choque enorme.
JFA – A certa altura vai ter de
correr, se calhar da pior maneira. A sociedade encontra
sempre formas de fazer aquilo
que é necessário. Quando se
verificar que não há horizonte
nenhum de vida para ninguém,
nem para novos, velhos e meia-idade, a sociedade vai encontrar formas de fazer emergir
uma solução alternativa. E só
espero que não seja uma solução anti-democrática. As elites
ou sabem encabeçar isto ou serão cilindradas. Disso não tenho dúvidas. ■
“
A própria União
Europeia teria
vantagem
em negociar para
travar instabilidade
e um efeito dominó.
Francisco Louçã
Não tenho qualquer
dúvida que se o FMI
estivesse a lidar com
um país que tivesse
moeda própria
teríamos
desvalorizado
a moeda 30 ou 40%.
João Ferreira do Amaral
08-09-2014
Pág: 1
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 5,90 x 11,04 cm²
Âmbito: Economia, Negócios e.
Corte: 5 de 5
GRANDE ENTREVISTA
“É benéfico
para a zona euro
não ter países
como Portugal”
João Ferreira do Amaral e Francisco Louçã
defendem que a impossibilidade de reestruturar a dívida pública não deixa outra alternativa senão sair do euro. ➥ P6 A 9
Economistas lançam livro
em defesa do “novo escudo”
Paulo Alexandre Coelho
ID: 55606686
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