ID: 55606686 E 08-09-2014 Tiragem: 17042 Pág: 6 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 23,95 x 27,98 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 1 de 5 ENTREVISTA FRANCISCO LOUÇÃ E JOÃO FERREIRA DO AMARAL “É benéfico para a zona euro não ter países como Portugal” Moeda única Francisco Louçã e João Ferreira do Amaral defendem que os tratados são para negociar e que “os países que visivelmente não têm condições para estar no euro devem sair”. Bruno Faria Lopes [email protected] João Ferreira do Amaral, o economista que desde o início do projecto de moeda única europeia batalha contra a adesão portuguesa, volta à carga – e, desta vez, traz reforços. Com Francisco Louçã, economista e ex-líder do Bloco de Esquerda, co-assina “A Solução Novo Escudo”, sobre “o que fazer no dia seguinte à saída do euro”. “O que fazer” – e o choque que o país sofreria – depende muito do modelo de saída. Os dois autores desvalorizam a impossibilidade actual de abandonar a zona euro sem o custo muito alto de sair da União Europeia (UE) – e consideram cada vez mais negativa para Portugal a arquitectura da moeda única que vai resultando do combate à crise. Fazem várias referências no livro a um governo com mandato democrático para sair do euro ou para pôr fim à austeridade. A verdade é que maioria das pessoas ainda vota de uma forma expressiva nos chamados partidos do arco da governação. E a maior parte dos portugueses ainda suporta - se bem que identifiquem problemas - de forma clara a presença no euro. Não temem estar a interpretar mal o sentimento comum das pessoas? Francisco Louçã (FL) – Estamos a interpretar o nosso sentimento. Estamos a apresentar a nossa proposta e achamos que quem se preocupa com Portugal deve elevar-se para uma exigência que não tem sido comum na sociedade portuguesa: apresentar propostas. Temos a obrigação, para nós próprios, de apresentar propostas com contas feitas. Queremos exigir aos outros o mesmo. Pode haver propostas melhores do que a nossa. Mas apresentem-nas com contas feitas. O que vai resultar, que riscos tem, como se resolvem os problemas. No livro não tratamos nunca das condições políticas ou partidárias. João Ferreira do Amaral (JFA) – Pessoalmente gostaria muito que este livro - e outros - contribuíssem para informar as pessoas. Penso que progressivamente se vão apercebendo que não há horizonte de esperança para esta situação a não ser que haja uma mudança clara da nossa inserção comunitária. A pergunta preliminar para Portugal, que tratam no livro, seria esta: é possível sair do euro sem sair da UE? FL – Depende de haver um acordo. Havendo um acordo é possível. Até porque, repare, há países que estão na UE e não estão na zona euro: a Inglaterra a e Dinamarca. Fixaram isso nos seus tratados. Mas isso é diferente… FL – É diferente porque fixaram “ Perante vantagens mútuas pode haver uma negociação. O problema é saber o que convém à União Europeia e à zona euro e o que convém a Portugal. Francisco Louçã Desde o tratado de Versalhes que se sabe que quando um tratado não corresponde à realidade, o resultado é sempre mau. João Ferreira do Amaral nos seus tratados. Tudo é diferente quando se chega a uma determinada posição. No caso de Chipre, a UE tomou decisões que não estavam previstas nos tratados. Mantém, por exemplo, um controlo sobre movimento de capitais que não é previsto nos tratados. Perante vantagens mútuas pode haver uma negociação. O problema é saber o que convém à União Europeia e à zona euro e o que convém a Portugal. Defendemos que essa negociação deve ser feita. Mas o direito de secessão previsto no Tratado de Lisboa permite apenas sair da UE, não da zona euro. Creio que um dos princípios inscritos é precisamente o compromisso dos Estados-membros com o aprofundamento constante da integração europeia. Sair do euro é um retrocesso - o Reino Unido e a Dinamarca negociaram não avançar, o que são coisas diferentes. Não seria forçoso sair da UE? FL – No levantamento que fazemos no livro há entendimentos jurídicos diferentes. Evidentemente há uma tentativa de bloquear a presença dos países que fazem parte de uma zona monetária. Esse é o conceito de estabilidade de uma zona monetária. Mas a zona euro é abalada por si própria, pelas condições estruturais que impôs aos vários países. E, portanto, é uma condição nova haver um governo com um mandato popular que negoceie com as autoridades europeias a possibilidade de uma vantagem mútua numa separação. Isso está totalmente em aberto. JFA – Os tratados são justamente isso. São tratados. Não é uma Constituição. Desde o tratado de Versalhes que se sabe que quando um tratado não corresponde à realidade, o resultado é sempre mau. Na política não se pode dizer “era bom que se fizesse isso para ambas as partes, mas não se pode”. Tem de haver uma nego- ciação que seja de benefício mútuo para ambas as partes. É benéfico para a zona euro não ter países lá dentro que não estão bem. Isso causa instabilidade. Portugal não era para entrar na zona euro. A Alemanha sempre esteve convencida que Portugal não entrava. E, portanto, para a Alemanha – que é hoje quem manda – também não é de estranhar que Portugal tenha de sair. A questão é que se Portugal saísse, provavelmente não seria a única saída… JFA – Os países que visivelmente não têm condições para estar no euro devem sair. Houve uma sugestão dentro da própria Alemanha, a certa altura, de se criar no tratado disposições que previssem a saída da zona euro. Não é um assunto que deva ser considerado tabu. E quando se criam tabus na política internacional o resultado é sempre péssimo. A União Europeia é um projecto estruturante da nossa sociedade. E de resto acho que as pessoas têm receio dessa saída. Estão comprometidas com esse projecto de sociedade. JFA – Fala de que pessoas, exactamente? Falo da maioria das pessoas. JFA – A maioria das pessoas está comprometida porque não sabe nada da UE, porque lhe esconderam sempre as questões da UE. A grande maioria das pessoas pura e simplesmente tem medo porque desconhece a situação. Há depois uma elite, pode chamar-se assim, uma minoria, que apesar de tudo acompanha os assuntos comunitários. Creio que as pessoas, o cidadão comum português, foi posto demasiado à margem das questões comunitárias. Agora, que sente que algo não está bem, tem medo de se pronunciar porque não conhece. Uma das missões de quem se preocupa com o futuro do país é informar as pessoas. ■ “A zona euro é abalada por si própria, pelas condições estruturais que impôs aos vários países”, defendem os economistas. ID: 55606686 08-09-2014 PONTOS CHAVE ● “A outra tentativa de simular é através da desvalorização interna. O problema é que é muitíssimo pouco eficaz, cria grandes sacrifícios e tem rapidamente o seu limite porque a Paulo Alexandre Coelho Tiragem: 17042 Pág: 7 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 23,74 x 27,60 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 2 de 5 sociedade não aguenta”, diz João Ferreira do Amaral. ● “A grande maioria das pessoas pura e simplesmente tem medo porque desconhece a situação”. ● “Acho muito interessante ver os defensores da economia de mercado a defenderem o euro. É a maior distorção que se pode pôr a uma economia de mercado e ao comércio livre”, diz Francisco Louçã. ● “O investidor de que precisamos é o que investe em nova capacidade produtiva em Portugal, em bens transaccionáveis”, diz Francisco Louçã. “Podemos chegar a uma situação em que mesmo uma saída não negociada faça sentido” A impossibilidade de reestruturar a dívida pública não deixaria outra alternativa senão sair do euro. “Não advogaria” uma saída não negociada do euro, reconhece João Ferreira do Amaral, embora admita que isso “resolvesse o problema”. Contudo os custos seriam enormes. O economista dá mesmo o exemplo da Argentina, mas admite que não gostaria de “ver reproduzido em Portugal o que foi o ajustamento argentino durante um ano ou dois, que foi um desastre do ponto de vista social”. Em pontos diferentes têm sempre criticado bastante quer o Governo, quer a ‘troika’, por experimentalismo, que foi usado na receita portuguesa. Seria uma aventura a saída do euro. Os riscos não seriam absolutamente controlados. Não receiam ser criticados pelo mesmo ponto? FL – Quando atravessamos a rua não temos os riscos controlados. Qualquer acção governativa tem uma margem de incerteza. Resta defini-la bem e saber se há políticas que podem compensar e corrigir os problemas. Estamos perante a certeza do empobrecimento durante 20 anos. Isto não é alternativa. Uma alternativa cria uma mudança que tem efeitos sociais e, sobretudo, económicos. Dá-nos a certeza de que a economia portuguesa começa a recuperar e a corrigir a sua dependência externa. Teria que compensar os efeitos novos - evitar que haja uma inflação que não esteja controlada, controlar movimentos internacionais de capitais. Tem de ter, consoante as circunstâncias, uma estrutura da banca que esteja totalmente subordinada à exigência da confiança dos depositantes, portanto que evite processos especulativos perigosos. Tem de compensar todos os riscos. Quando referem a não dependência externa, concordam que a falta de investimento, “Não temos uma agenda escondida” A saída do euro ditaria a nacionalização da banca e potencialmente de algumas grandes empresas que estão ligadas à banca. Não seria uma oportunidade para a esquerda concretizar uma agenda de sempre, que hoje parece muito improvável? A saída do euro seria uma oportunidade do ponto de vista político? Francisco Louçã – No caso de haver uma reestruturação da dívida imposta, se não houver acordo [para a saída do euro], o efeito nos balanços dos bancos implica que exista uma intervenção pública. Qual será o seu futuro, deixamos em aberto no livro. Não é disso que o livro trata, mas da forma como se compensam e se corrigem os problemas [de uma saída do euro], para ter a garantia que a política tem os efeitos que queremos: a criação de emprego e a recuperação da economia. Não temos nenhuma agenda escondida. Não citamos a nacionalização de nenhuma empresa em especial. nomeadamente externo, é um problema português. Mas numa saída, a reestruturação da dívida seria um ponto incontornável… JFA – Não necessariamente. FL – Num dos casos absolutamente incontornável, noutro não tanto. JFA – Numa saída negociada, não será necessária. Pode suceder, mas não é algo radicalmente necessário. Enquanto na não negociada será provavelmente necessário. Não advogaria uma saída não negociada? JFA – Não advogaria. Embora resolvesse o problema, passaríamos um certo… Entre o que temos agora e uma saída não negociada, estamos melhor agora? JFA – Pelo menos no momento actual. Dentro de dois ou três anos não sei. Podemos chegar a um extremo tal que mesmo uma saída não negociada faça sentido. Mas será muito mau chegarmos a esse extremo. FL – Não se pode fazer essa comparação. Se for necessário sair do euro, coisa que o livro deixa em aberto – e do meu ponto de vista a impossibilidade de reestruturar a dívida pública não deixaria outra alternativa – a saída teria sempre que ser negociada. Pode ser uma negociação mais ou menos difícil. Mas a própria União Europeia teria vantagem em negociar para travar instabilidade e um efeito dominó. A saída unilateral, sem acordo, seria um cenário extremo. JFA – Temos um caso parecido – tanto quanto estes cenários se podem parecer – que é o da Argentina. Embora a Argentina tenha saído de forma não negociada e ainda em piores condições, a meu ver, que Portugal sairia mesmo num cenário desses. Seria muito penalizante embora o problema acabasse por ser resolvido. Embora não gostasse de ver reproduzido em Portugal o que foi o ajustamento argentino durante um ano ou dois, que foi um desastre do ponto de vista social. ■ ID: 55606686 E 08-09-2014 Tiragem: 17042 Pág: 8 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 24,00 x 27,79 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 3 de 5 ENTREVISTA FRANCISCO LOUÇÃ E JOÃO FERREIRA DO AMARAL “Com a ajuda cambial Portugal poderia ser um verdadeiro tigre da Europa” DOIS ECONOMISTAS QUE Investimento Os economistas defendem a necessidade de criar um ambiente mais amigo da produção de bens transaccionáveis. Bruno Faria Lopes [email protected] Ferreira do Amaral defende a sua tese contra os riscos que as empresas enfrentariam num cenário de saída do euro. Ao sair do euro não teríamos de provar a nossa credibilidade de alguma forma a quem investe cá e, para isso, não teríamos de recorrer a medidas duras? FA – A nossa credibilidade depende da potencialidade de crescimento económico que tivermos. Não prevê um receio natural dos investidores estrangeiros no início por parte de um país que sai do euro? FA – No início há aquelas políticas de transição que desenvolvemos no livro. Naturalmente que esse é um ambiente excepcional, mas penso que não terá de ser uma transição muito prolongada. Um ano ou ano e meio e penso que a desvalorização começa a ter efeitos políticos. O investidor de que precisamos é o que investe em nova capacidade produtiva em Portugal, em bens transaccionáveis. A confiança desses investidores está ligada à potencialidade de crescimento que a economia portuguesa tenha. Se crio um ambiente mais propício, mais amigo da produção de bens transaccionáveis, estou convencido que esse investimento vai surgir. Aliás, não tenho isto estudado é apenas um ‘feeling’, mas Portugal até poderia ser um caso sério de crescimento económico na União Europeia se tivesse esta ajuda cambial. Podia ser um verdadeiro tigre da Europa como foi a Irlanda, que aliás desvalorizou muito a sua moeda antes de entrar na moeda única e antes do tal milagre económico irlandês. Mas reconhece que, no princípio de uma era com o escudo, teria de haver um sinal de disciplina, de que não haveria o risco do país descarrilar? FA – Com certeza. Por um lado, um sinal de que vai manter os seus compromissos claros. Por isso, a boa vontade comunitária de ajudar a que essa credibilidade se mantenha é importante. E, por outro lado, evitar que se recorra demasiado à emissão monetária, que gere um processo inflacionista sem sentido e que acabará por prejudicar o próprio crescimento. E as pensões? E os depósitos? E os salários? Ao longo da entrevista foram sendo feitas perguntas sobre o que aconteceria aos salários, às pensões, aos depósitos bancários e ao preço das casas – no fundo, o que aconteceria a quase tudo o que toca no rendimento dos portugueses. À excepção dos salários e das pensões, a resposta em relação ao restante é: nada. A garantia depende, em primeiro lugar, da verificação de um pressuposto: Portugal sai do euro com um acordo benéfico com a União Europeia, da qual continua a fazer parte. Mesmo assim, haveria perda imediata de poder de compra motivada pela subida da inflação – para os salários, por exemplo, a perda estimada pelos autores seria de 6,5%. “Penso que se pode manter, mesmo no período pior, uma inflação abaixo dos 20% e que esteja até mais próxima dos 10%”, afirma Ferreira do Amaral, que fala num período de transição entre um ano e um ano e meio. Para não comprarem o que indicam ser a “agenda da direita” – a saída do euro permitira desvalorizar os salários sem que as pessoas percebam – indicam uma série de medidas de compensação, sobretudo de política fiscal (via IRS, entre outros). Os autores calculam em 10,8% do PIB o impacto orçamental – um “efeito significativo” que poderia ser financiado por “emissão de títulos junto do público” ou de emissão de moeda do Banco de Portugal (com impacto na inflação). Como é que se compensaria a perda de acesso ao mercado europeu por parte dos nossos exportadores, com esse tumulto inicial? FA – Não estou a ver porquê [porque haveria perda], mesmo se saindo da União Europeia. Nós e a Europa estamos obrigados aos acordos da Organização Mundial do Comércio, não acabaria o comércio livre pelo facto de sairmos da União Europeia. Mas como não vejo que teríamos de sair da União Europeia, continuaríamos a funcionar como o Reino Unido e a Dinamarca, com a liberdade de comércio que existe. O que não acho que seja exequível é haver liberdade de comércio com fixação da taxa de câmbio. Isso é contrário à economia de mercado, aliás, acho muito interessante ver os defensores da economia de mercado a defenderem o euro. É a maior distorção que se pode pôr a uma economia de mercado e ao comércio livre. Em relação às empresas, um risco que vejo é que todo esse investimento que seria feito na reconversão da economia precisaria de bens intermédios que seriam sobretudo importados… JFA – Sobretudo não… Mas isso está tratado no livro. Mas como se resolveria o problema da importação dos bens intermédios, que seriam muito mais caros? JFA – O conteúdo importado pelas exportações – directamente e indirectamente, importado em produtos intermédios – é cerca de 40%. Há uma margem de 60% que tem a ver com produtos nacionais e conteúdo nacional de valor acrescentado, que é uma percentagem semelhante à que havia nos anos 80. Portanto, dá resultado. Mas para que estrutura produtiva? Para bens de valor mais médio/alto… JFA – Estou a falar em média para a totalidade das exportações. É evidente que dependerá de alguns sectores. Por exemplo, um sector que conheço bem, que é o da filei- ra e da indústria florestal, tem um conteúdo importado muito menor, o agro-alimentar tem um muito maior, um sector como o da Autoeuropa tem um conteúdo importado maior, depende. Mas, em média, o conteúdo importado é de 40%. O que vos leva a concluir que o que aconteceu no passado, em que houve várias desvalorizações cambiais como panaceia única para a competitividade, não voltará a acontecer? JFA – No passado desvalorizámos o que tínhamos de ter desvalorizado. Tivemos dois choques petrolíferos e a entrada de 6% de portugueses vindos das ex-colónias. Gostava de saber o que teria sido o nosso ajustamento se estivéssemos no euro na altura. A desvalorização cambial fez-se bem. Em 83 e 84 foi talvez exagerada. A desvalorização de que precisamos agora é compensar a valorização que tivemos desde o início da caminhada para o euro. A partir daí preferia tomar como referência da taxa de câmbio uma moeda mais fraca que o euro, eventualmente o dólar ou outra qualquer. ■ “ A nossa credibilidade depende da potencialidade de crescimento. Francisco Louçã A desvalorização de que precisamos agora é compensar a valorização que tivemos desde o início da caminhada para o euro. João Ferreira do Amaral A mudança de Louçã Francisco Louçã sublinha que a sua participação no livro não significa uma defesa à partida da saída do euro – contudo, sem reestruturação significativa da dívida (além da que vai sendo feita) o economista considera que não sobra outra alternativa. Como se é hoje contra o euro quando a moeda tem agora uma arquitectura que faltava há três anos? “Mudou para pior, quando defendi pela primeira vez a ID: 55606686 08-09-2014 Tiragem: 17042 Pág: 9 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 23,74 x 25,66 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 4 de 5 DEFENDEM A SAÍDA DO EURO Paulo Alexandre Coelho Paulo Alexandre Coelho João Ferreira do Amaral A dias de fazer 66 anos, é economista e foi professor catedrático no ISEG, em Lisboa, durante 15 anos. Já dirigiu o gabinete de estudos económicos do INE e foi assessor de Jorge Sampaio em Belém. O combate à entrada e participação de Portugal no euro é a sua bandeira – este é o segundo livro que dedica ao assunto. A certa altura, politicamente, vai ter de se correr o risco de discutir a saída do euro. Hoje já há muita gente – mesmo dentro dos países do arco da governação – que encara a saída do euro como uma alternativa válida que vale a pena discutir, diz Ferreira do Amaral, embora reconheça que isso não quer dizer que concordem. Francisco Louçã 58 anos, é professor catedrático de Economia na Universidade de Lisboa. Foi fundador, dirigente e deputado pelo Bloco de Esquerda, dedicando-se agora mais ao ensino e à produção de livros – em co-autoria este é o quinto que publica desde 2012. – e as razões de Ferreira do Amaral reestruturação da dívida não havia Tratado Orçamental”, responde Louçã. “E o Tratado Orçamental significa que Portugal fica ainda mais atingido pelo facto de não poder ter política orçamental”, acrescenta. A questão da reestruturação não é a que mais preocupa Ferreira do Amaral – desde o início do seu “Há uma forma de simular a saída, mas não é possível” Ficha: “A Solução Novo Escudo”, O que fazer no dia seguinteà saída de Portugal do euro Editora: Lua de Papel Páginas: 164 combate à participação portuguesa na moeda única que coloca o cerne da sua análise na desadequação entre uma moeda forte (e as respectivas regras) e a estrutura produtiva de uma pequena economia aberta como a portuguesa. Prioridades diferentes – assumidas logo na primeira linha do livro – que não anularam a análise conjunta do que aconteceria no “dia seguinte”. Não vê nenhum caminho intermédio? JFA – Não. Há uma forma de simular a saída do euro sem sair. Não é exactamente a mesma coisa, mas era parecido: pôr uma sobretaxa às importações e um subsídio às exportações no montante da desvalorização. Mas isso não é possível pela legislação comunitária. E até acho bem porque a liberdade de comércio é um bom valor. Mesmo assim não seria idêntico, porque não haveria os efeitos riqueza, haveria só os efeitos de fluxo sobre as exportações. A outra tentativa de simular é através da desvalorização interna. O problema é que é muitíssimo pouco eficaz, cria grandes sacrifícios e tem rapidamente o seu limite porque a sociedade não aguenta. Não tenho qualquer dúvida que se o FMI estivesse a lidar com um país que tivesse moeda própria teríamos desvalorizado a moeda 30 ou 40% e já teríamos resolvido o problema. Já falámos das condições externas para sair. Nas condições internas por enquanto, politicamente, não se vê aqui grande vontade para falar sobre o assunto. Os partidos do arco do poder fogem da ideia a sete pés. Não teme estar um pouco a falar sozinho? JFA – Como deve calcular tenho alguma experiência em falar sozinho. Mas o que hoje se passa não tem nada a ver com o que se passava há quatro ou cinco anos. Hoje há muita gente já que encara a saída – não quer dizer que concorde, mas que a encara como uma alternativa válida que vale a pena discutir. Dentro dos partidos? JFA – Mesmo dentro dos partidos do arco da governação. Cla- ro que não há pressa porque sabem que para a sua carreira política é complicado, mas há muita gente que começa a perceber que é uma alternativa que vai ter de se pôr a certa altura. Eu tinha muita dificuldade em passar a mensagem da dificuldade de estarmos no euro antes da crise. E isso de facto mudou completamente. Politicamente parece-me que ninguém vai correr o risco desse choque enorme. JFA – A certa altura vai ter de correr, se calhar da pior maneira. A sociedade encontra sempre formas de fazer aquilo que é necessário. Quando se verificar que não há horizonte nenhum de vida para ninguém, nem para novos, velhos e meia-idade, a sociedade vai encontrar formas de fazer emergir uma solução alternativa. E só espero que não seja uma solução anti-democrática. As elites ou sabem encabeçar isto ou serão cilindradas. Disso não tenho dúvidas. ■ “ A própria União Europeia teria vantagem em negociar para travar instabilidade e um efeito dominó. Francisco Louçã Não tenho qualquer dúvida que se o FMI estivesse a lidar com um país que tivesse moeda própria teríamos desvalorizado a moeda 30 ou 40%. João Ferreira do Amaral 08-09-2014 Pág: 1 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 5,90 x 11,04 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 5 de 5 GRANDE ENTREVISTA “É benéfico para a zona euro não ter países como Portugal” João Ferreira do Amaral e Francisco Louçã defendem que a impossibilidade de reestruturar a dívida pública não deixa outra alternativa senão sair do euro. ➥ P6 A 9 Economistas lançam livro em defesa do “novo escudo” Paulo Alexandre Coelho ID: 55606686 Tiragem: 17042