A Grécia e as “infelizes dicotomias” continentais

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A17
ID: 60027883
06-07-2015
Tiragem: 33425
Pág: 45
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 19,76 x 23,32 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 1
A Grécia e as “infelizes
dicotomias” continentais
João Carlos Espada
Cartas do Atlântico
a altura em que escrevo
este artigo, não são ainda
conhecidos os resultados do
referendo na Grécia. Esta
aparente desvantagem pode
constituir uma oportunidade
para manter um prudente
distanciamento face à
radicalização de posições
opostas.
Somos hoje bombardeados com apelos
exaltados para apoiar um dos lados — como
se houvesse apenas dois lados. Ou temos
de ser contra a chamada austeridade
imposta por Berlim e Bruxelas a Atenas, ou
somos contra o chamado antieuropeísmo
despesista e irresponsável de Atenas.
Nunca tive qualquer simpatia pela
extrema-esquerda do Syriza, nem pelos
seus aliados da extrema-direita — que aliás
aqui denunciei em devido tempo, mal
chegaram ao poder. Recordei na altura que
o primeiro gesto oficial do sr. Tsipras foi
receber o embaixador da Rússia.
Mas não me parece normal a agitação
que por aí anda, denunciando a alegada
enorme ameaça à União Europeia causada
pela Grécia.
Ameaça porquê? Porque não pode a
União Europeia oferecer à Grécia uma
ordeira saída do euro? Por que motivo
não quer o Syriza que a Grécia se junte
ordeiramente aos países-membros da
União Europeia que não são membros
do euro? Por que motivo não previu o
tratado de constituição do euro uma
cláusula de saída ordeira da chamada
“moeda única”?
Estas perguntas geram novas perguntas.
Por que motivo se verifica uma enorme
divisão entre países do Norte e do Sul
na zona euro? O projecto do euro não
visava, segundo foi anunciado, reforçar a
convergência e a unidade — a famosa evercloser union — entre os países-membros?
N
Por que motivo os resultados têm sido os
opostos do que tinham sido anunciados?
Receio ter de recordar que houve quem
na devida altura tivesse alertado para
os efeitos não intencionais da criação
de uma “moeda única” sem existir um
“país único”. Foi então observado que
uma moeda única requer transferências
automáticas entre os seus membros, o que
supõe uma política orçamental única e,
por consequência, um governo único.
Mas pode haver um orçamento único e
um governo único, quando não existe um
país único na zona euro? Existe certamente
uma escola que acredita que sim (embora,
na verdade, essa escola não saiba que
acredita, apenas acredita que sabe).
Acreditam eles que os Estado-nação foram
simples produto de decisões políticas.
Acreditam também que as instituições e
outros artefactos sociais são basicamente
produto de decisões políticas.
Acontece que não são. É certo que as
decisões políticas são um importante
ingrediente das instituições sociais. Mas
não são o único e, frequentemente, não são
o decisivo. As instituições sociais não são
fabricadas especificamente por ninguém.
Emergem de um longo e complexo
processo de interacção descentralizada
que não é susceptível de comando central
— mesmo que esse comando central
seja exercido pela chamada “Razão”,
ou mesmo pela “Razão libertadora de
preconceitos e tradições não racionais”
(como seria o caso dos “preconceitos e
tradições nacionais”).
Não pretendo com isto concluir
que a criação do euro tenha sido
necessariamente um erro. Mas foi
seguramente um erro gigantesco ter
criado o euro sem uma cláusula de saída
ordeira. E é um erro gigantesco identificar
a moeda única com a União Europeia.
A moeda única deve ser apenas uma
opção possível para aqueles países que
queiram subscrevê-la. Por isso mesmo,
esses mesmos países devem poder sair
ordeiramente do euro quando maiorias
eleitas preferirem políticas divergentes das
do euro.
Receio bem que a dogmática interpretação
do euro como projecto de engenharia social
irreversível, como diria Karl Popper, tenha
criado um colete de forças. Infelizmente,
coletes de forças tendem a ser recorrentes
na tradição política do continente europeu.
Alexis de Tocqueville descreveu-os
como “o perpétuo e estéril conflito entre
o Antigo Regime e a Revolução”. Ralf
Dahrendorf designou-os como a recorrente
tendência continental para gerar “infelizes
dicotomias”.
Manda a
prudência que
nos mantenhamos
tão longe quanto
possível dessa ilusão
continental sobre
a inevitabilidade
de escolhas
dicotómicas. Existe
sempre uma via
media. Talvez tenha
chegado o momento
de introduzir
maior flexibilidade
marítima na União
Europeia.
Talvez tenha
chegado o
momento
de introduzir
maior
flexibilidade
marítima na
União Europeia
Maria Barroso:
O estado de
saúde de Maria
Barroso é motivo
de consternação
para todos os
portugueses que
amam a liberdade e a democracia. Maria
Barroso ensinou-nos que é possível
resistir à tirania, de direita e de esquerda,
sem ficar refém do extremismo, do ódio,
ou da intolerância. Nestes momentos
difíceis, recordemos com ternura o seu
exemplo de infatigável defensora da
liberdade e responsabilidade pessoal.
Professor universitário, IEP-UCP
Escreve à segunda-feira
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