Sofrimento Humano nas Organizações

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A motivação e o sofrimento humano
nas organizações
Por Flavia A. N. P. Simões, Gestora Governamental
Com o crescimento das novas tendências sociais,
econômicas, políticas e tecnológicas mundiais – ao que se
atribui o conceito de Globalização – surgiu também a era da
empregabilidade, que se caracteriza por dinamismo institucional,
diminuição de hierarquia, terceirizações, empresas virtuais e
cultura de aprendizado amplo e contínuo. Uma empresa que
hoje mantém seu quadro de funcionários composto em grande
parte por profissionais de 10, 15 ou 20 anos “de casa” é
considerada “fadada ao fracasso”. Essa linha de pensamento
que, em um primeiro momento, pode parecer exclusividade da
gestão em organizações privadas, vem sendo, paulatinamente,
difundida no setor público.
Nesse contexto, entretanto, no que se refere à
administração de recursos humanos, observa-se que muitas
vezes a estrutura organizacional tem, de um lado, funcionários
que não se sentem preparados para assimilar as mudanças e
incertezas do mercado de trabalho e que muitas vezes não
encontram fatores motivadores de autoinvestimento. De outro
lado, gestores que diante das novas necessidades institucionais
se vêem diante da delicada missão de identificar pessoas que
podem ser aproveitadas em detrimento de outras que serão
fatalmente substituídas. Além disso, de forma recorrente nesses
processos de seleção do capital humano, pouca ou nenhuma
atenção é dada à forte interação que existe entre as
características do trabalho e os fatores externos a ele. Tais
características do trabalho referem-se à cultura da organização,
quer dizer, a tudo aquilo que é transmitido a seus integrantes,
seja como normas, rituais ou costumes.
A maneira de pensar e a visão da organização, bem
como seus princípios, são incessantemente repassados aos seus
funcionários, buscando uma influência constante e direta sobre
o perfil comportamental desses indivíduos, moldando-os dentro
do “padrão” desejado e esperado pela instituição. Essa é uma
atitude bastante eficiente, mas somente se torna eficaz e
permanente quando são levados em consideração a maneira de
pensar, a visão, os princípios e os sentimentos inerentes ao
trabalhador como indivíduo. Estes seriam exatamente os fatores
externos ao trabalho.
Durante anos, a literatura registrou várias teorias
sobre motivação e estudos que associavam os processos
mentais humanos ao processamento de informação, à resolução
de problemas e à tomada de decisão nas organizações. Nesse
diapasão, estudiosos encontraram o alicerce para desenvolver o
que futuramente seria conhecido como a Psicodinâmica do
Trabalho, que se tornou uma disciplina clínica apoiada na
descrição e no conhecimento das relações entre trabalho e
saúde mental. Trata-se de uma linha de estudo que coloca o
sofrimento no centro da relação psíquica entre o homem e o
trabalho. Ela faz do sofrimento um operador da inteligibilidade
que vale, não apenas no domínio da subjetividade e do
comportamento, mas também no domínio da produtividade. O
modelo de homem construído pelos estudiosos é inteiramente
centrado no sofrimento e em seu destino, em função da situação
real de trabalho e das características inerentes à cultura
organizacional.
O grande desafio proposto pela Psicodinâmica do
Trabalho é, portanto, de reconciliar saúde mental e trabalho,
assim como se faz necessário reconciliar segurança e
produtividade. A famosa motivação para o trabalho ficaria então
“problematizada” segundo outra lógica. É possível inclusive que,
com o passar do tempo, não se faça mais referência às
categorias abstratas de Maslow, nem a qualquer outra hierarquia
universal das necessidades. O próprio conceito de motivação
seria substituído pela noção mais dinâmica de sofrimento. Essa
última traz a vantagem de articular a história individual com a
situação atual, isto é, o passado do trabalhador com os dados
reais do ambiente organizacional no qual ele está inserido.
A realidade do trabalho é um terreno propício para se
manipular o sofrimento, na esperança de que esse mesmo
sofrimento gere um ambiente favorável a descobertas e criações
socialmente e humanamente úteis. Dessa forma é que, com
efeito, o sofrimento iria adquirir um sentido. Verifica-se assim
que o sofrimento faz, também, parte da natureza humana e que
é uma variável “saudável” desde que tenha sentido. A
criatividade, por exemplo, confere sentido porque ela traz, em
contrapartida ao sofrimento, reconhecimento e identidade. E o
sentido afasta o sofrimento porque, em contrapartida ao
ressurgimento do sofrimento, permite o acesso a toda uma
história de vida onde cada inovação é diferente das outras.
Nessa perspectiva, compreende-se facilmente o erro que
significaria querer eliminar o sofrimento do trabalho.
O problema posto para a Administração seria, antes,
conseguir criar condições nas quais os trabalhadores tivessem a
oportunidade de gerir, eles mesmos, seu sofrimento em proveito
de sua saúde e, consequentemente, em proveito da
produtividade. As organizações lidam com pessoas que
precisam ser ouvidas, precisam ter seu valor e esforço
reconhecidos e, mais ainda, precisam se sentir realizadas com as
atividades que exercem. Essas pessoas são indivíduos altamente
capazes que precisam estar inseridos em um ambiente
adequado para se autodesenvolverem e desenvolverem sua
automotivação.
Se o problema fundamental colocado para a
Administração é o da natureza e da gestão dos recursos
humanos, essa nova visão do sofrimento humano nas
organizações, nascida na Psicodinâmica do Trabalho, poderia
trazer importantes contribuições. A nova concepção de sujeitotrabalhador é certamente menos simples que as precedentes,
em contrapartida, ela tem a vantagem de propor, no campo do
trabalho, uma problemática que leva em consideração
conhecimentos adquiridos com a experiência clínica, o que
poderia possibilitar um redesenho da organização mais próximo
à realidade daqueles que efetivamente fazem parte dela.
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