CENTRO HISTÓRICO DE COIMBRA: CARACTERIZAÇÃO DAS ARGAMASSAS DE REVESTIMENTOS A. PEDRO PROVIDÊNCIA Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) / Centro de Estudos Sociais (CES) [email protected] B. MARTHA TAVARES FCTUC/CES [email protected] C. LÍDIA CATARINO FCTUC [email protected] D. SANTOS SILVA Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) [email protected] E. ROSÁRIO VEIGA LNEC [email protected] Resumo: O acabamento, usualmente, executado nas paredes dos edifícios antigos consiste em aplicar revestimentos de argamassa de cal destinados a protegê-las contra as intempéries, assumindo, em simultâneo, uma função decorativa. O presente estudo de caso tem por objectivo caracterizar os diferentes tipos de argamassas de reboco de cal que se encontram no Centro Histórico de Coimbra (CHC), no sentido de identificar técnicas de execução, e conhecer as características químicas e mineralógicas destas argamassas, como também, o seu estado de conservação. Este conhecimento, além da sua importância como registo histórico, fundamentará o plano de conservação dos revestimentos. Palavras–chave: Argamassas de Cal, Revestimentos Antigos, Patologia, Património Urbano, Centro Histórico de Coimbra. 1. INTRODUÇÃO A conservação do núcleo urbano histórico da cidade de Coimbra, como estudo de caso, é importante na medida em que, sendo esta uma cidade milenar com vestígios arqueológicos de uma ocupação que remonta ao período romano e onde alguns dos edifícios existentes correspondem a habitações medievais, não se encontra ainda excessivamente descaracterizada. Por outro lado, subsistem edifícios de outros períodos históricos de igual importância para a identidade da imagem deste núcleo urbano. A caracterização dos revestimentos e acabamentos históricos e sua conservação é importante para a salvaguarda da imagem do centro histórico [1]. Neste contexto, foram feitas observações in situ aos edifícios que preservavam os revestimentos históricos, identificadas as principais anomalias e as especificidades da arquitectura, nomeadamente dos revestimentos e elementos decorativos. Em seguida, procedeu-se a uma campanha de extracção de amostras, com preenchimento de fichas de caracterização do edifício, incluindo a estratigrafia dos revestimentos e respectivo levantamento fotográfico. Por último, em laboratório, foram efectuados ensaios de caracterização química e mineralógica das amostras recolhidas. No presente estudo seleccionaram-se cinco edifícios de arquitectura civil de habitação corrente, datados, aparentemente, de períodos diferentes1 , entre meados do séc. XVIII e meados do séc. XX. A escolha dos edifícios para análise dos revestimentos e respectiva extracção de amostras obedeceu aos seguintes critérios: tipo de argamassa, técnica e época. Destes edifícios, cujos revestimentos de cal são, de algum modo, representativos dos revestimentos identificados no Centro Histórico de Coimbra (CHC), foi seleccionado um edifício (antigo conservatório), para caracterização laboratorial, cuja estratigrafia dos revestimentos de cal, quando analisada à vista desarmada, apresenta nas diferentes camadas características idênticas às que se identificam nos outros quatro edifícios, embora com sequências estratigráficas diferentes. Estes cinco edifícios fazem parte de um conjunto de cerca de 50 edifícios, que foram inspeccionados e devidamente identificados, por registo escrito e levantamento fotográfico, em fichas de caracterização, no âmbito de um estudo mais alargado ao CHC (Projecto FCT PTDC/AUR-URB/113635/2009 – FCOMP – 01 0124 – FEDER - 014163 – “Os revestimentos e os acabamentos nos centros históricos entre tradição e modernidade – bases para um plano de acção e de salvaguarda do Centro Histórico de Coimbra”). 2 OS REVESTIMENTOS DOS EDIFICIOS DO CHC: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES “Os revestimentos que cobrem as superfícies murárias das fachadas exteriores de um edifício histórico, são elementos fundamentais da estrutura edificada, pois além de terem uma função protectora, através das primeiras camadas [emboço, reboco e esboço], designadas por camadas de regularização e protecção, são constituídos por várias camadas sobrepostas que garantem, pela sua espessura e composição, a durabilidade da alvenaria. Muitas vezes, também possuem uma função decorativa relevante [barramento e pintura], através das camadas denominadas de camadas de acabamento, protecção e decoração [2].” “Até há relativamente pouco tempo atrás, o acabamento final dos rebocos mais comum era, em geral, muito liso, executando-se com uma ou duas camadas de um guarnecimento de cal e pó de pedra, ou com areia fina, deixado à cor natural ou pintado [3].” A riqueza de cor do CHC não é apenas devida aos rebocos e pinturas, existindo ainda outros elementos decorativos das fachadas com relevante impacto colorido: esgrafitos, 1 A datação de um edifício é um processo complexo que, para além da análise da tipologia de alçado, requer estudos às suas estruturas, nomeadamente tipo de aparelho, revestimentos, etc. [1, 2 e 4] grafitos, guarnições dos vãos em pedra policromada, socos das fachadas marcados por cores diferentes do resto do pano. Como revestimento, em alternativa ao reboco, importa também apontar o recurso ao azulejo [1]. Contudo, no presente estudo, a nossa atenção foi focalizada nos revestimentos de cal (rebocos, barramentos e pinturas), nomeadamente com a caracterização dos seus constituintes (agregados, ligantes, etc.), visando identificar as suas técnicas de execução, e descobrir a proveniência dos materiais utilizados, nomeadamente o tipo de rocha e de ligante. Nesta análise, foi, ainda, tido em consideração o factor humidade enquanto um dos principais agentes responsáveis pela degradação dos edifícios (antigos)2 . “A humidade constitui uma das principais causas de degradação dos edifícios, nomeadamente a humidade ascensional. [5]”. O tipo de alteração (a sua morfologia) identificado numa parede proporciona informação sobre o tipo de humidade que atinge essa parede, que pode corresponder a águas pluviais infiltradas no terreno ou a águas que provenham do lençol freático [6]. A humidade é uma das anomalias comummente encontrada nos edifícios estudados no CHC. 2.1 Caracterização geológica A cidade de Coimbra localiza-se na Orla Meso-Cenozoica Ocidental, formação geotectónica dominada por rochas sedimentares de vários tipos. Considerando a zona urbana da cidade e seus arredores é possível encontrar calcário, calcários margosos, margas, calcários dolomíticos, dolomitos, arenitos, cascalheiras e depósitos aluvionares. O CHC situa-se sobre as chamadas Camadas de Coimbra s.s. [7] ou mais recentemente, designadas em conjunto com as Camadas de S. Miguel, por Formação de Coimbra [8] pertencentes ao Jurássico inferior (Sinemuriano-Carixiano inferior). As Camadas de Coimbra s.s. são constituídas essencialmente por bancadas dolomíticas e de calcários dolomíticos de cor amarelo acastanhado com estruturação convoluta, por vezes com aspecto brechoide e com intercalações de lentículas margosas [7]. No seu conjunto definem as zonas mais elevadas da cidade e foram utilizadas para a edificação de muitos dos monumentos do CHC mas também para as construções menos imponentes. São actualmente poucos os locais onde se conseguem observar afloramentos desta formação devido à ocupação urbana da cidade de Coimbra. Um deles está, integrado na Muralha da Cidade na subida da Couraça da Estrela para a Couraça de Lisboa, junto à antiga porta da cidade denominada de "Porta de Belcouce" onde é possível verificar que a inclinação das camadas tem um sentido inverso ao da encosta que sobe até à Alta da cidade. Nesta zona a rocha in situ foi aproveitada como alicerce e suporte da muralha e algumas das casas estão adossadas à muralha. O desnível desde a Couraça de Lisboa até ao patamar do rio é bastante acentuado, sendo possível de visualizar nas escadas que a ligam à Rua da Alegria com cerca de 32m, apresentando lateralmente pequenos patamares de solo ocupados por hortas em épocas anteriores mas actualmente abandonados. Nestes patamares está presente uma formação geológica recente denominada Areias Vermelhas do Estádio, do período Quaternário, constituída por depósitos terrígenos. Da Rua da Alegria até ao nível do Parque Dr. Manuel Braga a variação de cota é de aproximadamente mais 10m originando um total de diferença de cotas de cerca de 40m mas que atinge 70m na zona mais a Este. 2 As anomalias estruturais e construtivas em edifícios (antigos) decorrem da conjugação de vários factores adversos, podendo ser motivadas por causas humanas - erro nas fases de concepção de projecto e de execução de obra, como também de ausência de acções de manutenção do edifício, após a sua construção - e/ou não humanas - acções naturais (físicas, químicas e biológicas), desastres naturais e desastres devidos a causas humanas imprevisíveis [9]. 3. METODOLOGIA DO ESTUDO Apresenta-se uma metodologia de trabalho assente na participação de uma equipa multidisciplinar, envolvendo um processo de análise e caracterização estratigráfica dos revestimentos e acabamentos (tipo de agregados identificados na sua constituição) e de outras estruturas (tipo de rocha identificado no aparelho e em alguns elementos arquitectónicos). O estudo caracteriza, cinco edifícios pertencentes, aparentemente, a diferentes períodos históricos, que, em articulação com investigação documental escrita, gráfica e iconográfica, procura interpretar as técnicas de execução de alguns revestimentos de cal e avaliar o estado de conservação dos mesmos. A primeira fase do trabalho incidiu numa análise visual e de reconhecimento dos edifícios, compilada através do preenchimento de fichas, onde foram descritos o estado de conservação, as técnicas de construção e as técnicas de acabamentos observadas. Posteriormente foram extraídas amostras dos revestimentos com as diversas camadas de rebocos e acabamentos. As amostras foram extraídas dos panos de fachada dos edifícios seleccionados, sendo que no presente artigo apresenta-se a caracterização laboratorial dos revestimentos de cal do edifício correspondente ao antigo conservatório, pelo facto de as diferentes camadas identificadas na estratigrafia dos rebocos serem representativas das identificadas nos revestimentos dos quatro outros edifícios. Durante as observações aos edifícios procedeu-se à identificação da sua localização; caracterizaram-se as tipologias de alçado e procurou-se identificar o período histórico a que estes pertencem; identificaram-se eventuais anomalias e interpretaram-se os respectivos agentes responsáveis pela degradação; caracterizaram-se, à vista desarmada, os tipos de revestimentos identificados, nomeadamente cor, composição e estratigrafia (Tabelas de 1 a 5). 3.1 Os revestimentos e os edifícios estudados Como já foi referido em secção anterior, no presente estudo seleccionaram-se cinco edifícios de arquitectura civil de habitação corrente, datados de períodos diferentes, entre meados do séc. XVIII e meados do séc. XX. Três dos edifícios localizam-se na Rua da Alegria, um deles, de meados do séc. XX (A.1, Figs. 1, 2 e 3), tem o alçado principal orientado para norte/nascente e os outros dois, de meados do séc. XIX (A.2, Figs. 4, 5 e 6, e A.3, Figs. 7, 8 e 9), estão expostos a sul/poente. Relativamente aos outros dois, um, do séc. XVIII (B.1, Figs. 10, 11 e 12), situa-se na Rua Fernandes Tomás, e está exposto a norte, e o outro, de finais do séc. XIX (C.1, Figs. 13, 14 e 15), no Largo da Sé Velha, está virado a sul. Apresenta-se em forma de Tabelas (1 a 5) uma breve caracterização dos edifícios, nomeadamente a descrição dos revestimentos e acabamentos e o seu estado de conservação. Tabela 1 – Caracterização do edifício A1 Caracterização do edifício e revestimentos Identificação do Edifício Localização Época Técnica de construção Tipologia de Alçado Moldura dos vãos A.1 Rua da Alegria: Residência Universitária Meados do séc. XX Paredes mistas: alvenaria de pedra e tijolo Dois pisos Calcário Estratigrafia do Revestimento Camada 1* Argamassa de cal, cor escura/parda (NCS pano de fachada *próxima da alvenaria 2005-Y60R), com aproximadamente 22mm (observação à vista desarmada) de espessura, aplicada em várias camadas (duas/três camadas), com bastante agregado de dimensões grandes, com formas que atingem cerca de 8 mm de diâmetro, médias e pequenas, e de cores diferentes; Camada 2 Argamassa de cal, cor escura/parda (NCS 2005-Y70R), com aproximadamente 6mm, aplicada em uma só camada, com agregados de diferentes cores, de tamanho pequeno; Camada 3 Pintura, provavelmente uma caiação na cor ocre; Camada 4 Pintura, provavelmente tinta acrílica na cor creme; Observações Os elementos arquitectónicos – soco, remate e cunhal – correspondem a fingidos de pedra, executados em argamassa de cal. As características da camada 1 da estratigrafia dos elementos arquitectónicos são idênticas à do pano de fachada; camada 2, argamassa de cal, cor clara (1502-R/ 1502-Y50R); camada 3, barramento de cal; camada 4, caiação. Estado de conservação As superfícies expostas a norte apresentam-se húmidas; em algumas zonas, a pintura encontra-se em destacamento e as argamassas apresentam perda de coesão. Fig. 1 Alçados norte e poente Fig. 2 Caracterização Fig. 3 Caracterização colorimétrica de revestimentos colorimétrica de revestimentos do pano de fachada que constituem o cunhal (fingido de pedra) Tabela 2 – Caracterização do edifício A 2 Caracterização do edifício e revestimentos Identificação do Edifício Localização Época Técnica de construção Tipologia de Alçado Moldura dos vãos Estratigrafia do Revestimento pano de fachada (observação à vista desarmada) Estado de conservação Fig. 4 Alçado sul A.2 Rua da Alegria: 13-15 Meados do séc. XIX Paredes mistas: alvenaria e cantaria Três pisos Calcário Camada 1 Camada 1, argamassa de cal, cor escura/parda (NCS 2005-Y60R), com aproximadamente 26mm, aplicada em várias camadas (três camadas), com bastante agregado de tamanhos e cores diferentes; Camada 2 Camada 2, argamassa de cal, cor clara (NCS 1502-R/1502-Y50R), com aproximadamente 8mm, aplicada em duas camadas, com agregados de diferentes cores, de tamanho pequeno; Camada 3 Camada 3, barramento de cal estanhado, com aproximadamente 2.5mm; Camada 4 e 5 Camada 4 e 5, caiação na cor ocre. As superfícies expostas a sul/poente apresentam-se, aparentemente, secas; de um modo geral os revestimentos apresentam-se em bom estado de conservação, contudo, em algumas zonas, ao nível do piso térreo, os revestimentos (pintura e argamassas de cal) apresentam alguma fissuração, encontram-se em destacamento, com perda de coesão. Presença de argamassas de cimento ao nível do piso térreo, correspondentes a intervenções recentes. Fig. 5 Caracterização de Fig. 6 Caracterização revestimentos do pano de fachada colorimétrica de revestimentos do pano de fachada Tabela 3 – Caracterização do edifício A 3 Caracterização do edifício e revestimentos Identificação do Edifício A.3 Localização Época Técnica de construção Tipologia de Alçado Moldura dos vãos Estratigrafia do Revestimento pano de fachada (observação à vista desarmada) Estado de conservação Fig. 7 Alçado sul Rua da Alegria: 29-30 Meados do séc. XIX Paredes mistas: alvenaria e cantaria – 1º, 2º e 3º pisos; Paredes homogéneas: taipa de fasquio – 4º piso. Quatro pisos Calcário Camada 1 Camada 1, argamassa de cal, cor escura/parda (NCS 2005-Y60R), com aproximadamente 26mm de espessura, aplicada em várias camadas (três camadas), com bastante agregado de tamanhos e cores diferentes; Camada 2 Camada 2, argamassa de cal, cor clara (NCS 1502-R/1502-Y50R), com aproximadamente 8mm, aplicada, com agregados de diferentes cores, de tamanho pequeno, presença de esboço picado; Camada 3 Camada 3, argamassa de características semelhantes à camada 2, com aproximadamente 6.5mm; Camada 4 Camada 4, barramento de cal estanhado, com aproximadamente 2.5mm; Camada 5 Camada 5, caiação na cor ocre. As superfícies expostas a sul/poente apresentam-se aparentemente secas; de um modo geral os revestimentos apresentam-se em mau estado de conservação, com intensa sujidade, abaulamento e alguma fissuração, destacamento e perda de coesão. Presença de argamassas de cimento ao nível do piso térreo, correspondentes a intervenções recentes. Fig. 8 Pormenor do alçado sul Fig. 9 Caracterização de revestimentos do pano de fachada Tabela 4 – Caracterização do edifício B 1 Caracterização do edifício e revestimentos Identificação do Edifício Localização Época Técnica de construção Tipologia de Alçado Moldura dos vãos Estratigrafia do Revestimento pano de fachada (observação à vista desarmada) Estado de conservação Fig. 10 Alçado norte B.1 Rua Fernandes Tomás: 58-66 Finais do séc. XVIII Paredes mistas: alvenaria e cantaria – 1º e 2º; alvenaria ou tijolo com armação de madeira – 3º piso. Três pisos Calcário / calcário dolomítico / calcário margoso Camada 1 Camada 1, argamassa de cal, cor escura/parda (NCS 2005-Y60R), com aproximadamente 32mm, aplicada em várias camadas (duas/três camadas), com bastante agregado de tamanhos e cores diferentes; Camada 2 Camada 2, barramento de cal picado, com aproximadamente 2.5mm; Camada 3 Camada 3, caiação; Camada 4 Camada 4, argamassa de cal, cor escura, com aproximadamente 12mm, com agregados de diferentes cores e tamanho pequeno; Camada 5 Camada 5, argamassa de cal, cor clara (NCS 1502-R/1502-Y50R), com aproximadamente 6mm, aplicada, com agregados de diferentes cores, de tamanho pequeno; Camada 6 Camada 6, barramento de cal, com aproximadamente 2mm; Camada 7 Camada 7, caiação. As superfícies estão expostas a nascente/norte, apresentam-se húmidas; de um modo geral os revestimentos apresentam-se em pior estado de conservação ao nível do piso térreo, com intensa sujidade e fissuração, destacamento e perda de coesão localizados. Fig. 11 Caracterização de revestimentos Fig. 12 Caracterização colorimétrica de revestimentos Tabela 5 – Caracterização do edifício C. 1 Caracterização do edifício e revestimentos Identificação do Edifício C.1 Localização Época Técnica de construção Tipologia de Alçado Moldura dos vãos Estratigrafia do Revestimento pano de fachada (observação à vista desarmada) Estado de conservação Fig. 13 Alçado sul Largo da Sé Velha/Rua Borges Carneiro: Antigo Conservatório Finais do séc. XIX Paredes mistas: alvenaria e cantaria Três pisos Calcário Camada 1 Camada 1, argamassa de cal, cor escura/parda (NCS 2005-Y60R), com aproximadamente 30mm de espessura, aplicada em várias camadas (três camadas), com bastante agregado de tamanhos e cores diferentes; Camada 2 Camada 2, argamassa de cal, cor clara (NCS 1502-R/1502-Y50R), com aproximadamente 6mm, aplicado em uma só camada, com agregados de diferentes cores e de tamanhos pequenos; Camada 3 Camada 3, reboco pigmentado na cor ocre, com aproximadamente 2.5mm, com agregados claros, de tamanhos bastante pequenos, mas não suficientemente pequenos para ser considerado um barramento; Camada 4 Camada 4, caiação na cor ocre; Camada 5 Camada 5, pintura com tinta acrílica esverdeada. As superfícies estão expostas a sul e a poente, apresentam-se, aparentemente, secas; de um modo geral os revestimentos apresentam alguma sujidade, com alguma desagregação e ligeira perda de coesão, e algumas lacunas de grande dimensão, ao nível do piso térreo, provocadas por um embate de um objecto de grandes dimensões, provavelmente de uma viatura. Fig. 14 Caracterização de revestimentos Fig. 15 Caracterização colorimétrica de revestimentos 3.2 Campanha Laboratorial Seleccionou-se o edifício C.1 para caracterização laboratorial, Tabelas 6 e 7, devido à estratigrafia dos seus revestimentos apresentar nas diferentes camadas características idênticas às que se identificam nos outros quatro edifícios. As amostras foram devidamente inventariadas, através de registo descritivo e fotográfico. Os ensaios laboratoriais efectuados foram os seguintes: (i) observação à lupa binocular, com descrição estratigráfica das camadas de argamassa, identificação das suas cores, aspectos morfológico e óptico; (ii) análise mineralógica por difractometria de raios X (DRX) e análise termogravimétrica e térmica diferencial (TG-ATD); (iii) análise química por via húmida com determinação do traço e teores de sais solúveis [10]. Tabela 6 – Estratigrafia da argamassa do edifício C.1 Estratigrafia das amostras à vista desarmada Identificação do edifício Largo da Sé Velha, 22-26 C1 Identificação da Nº camadas amostra LS/22-26/P/02 1 Largo da Sé Velha (antigo conservatório) Identificação das camadas 5 Reboco de cor creme/cinza, espesso com aproximadamente 30mm (3cm), agregados de tamanho grande de variadas cores escuros (pretos) e claros. Visível a olho nú vazio (poros). Cor NCS índex 2 – S 2005Y30R Reboco de cor clara (branca) com aproximadamente 6mm com agregados de tamanhos menores que a camada anterior com cores variadas, é igualmente visível agregado de cor preta. Fina camada de pintura ou barramento de cor branca (provavelmente caiação) Reboco pigmentado de cor creme com ≅ 2,5mm agregados de cores claras e alguns pretos. Cor NCS índex 2 – S0510Y10R Pintura Ocre – S 2040Y10R 6 Pintura Cinza – S 2010 Y10R 2 3 4 Figs 16 e 17 - Vista geral da amostra Largo da Sé (frente e verso) – LS/22-26/P/02 3.3 Síntese e análise dos resultados dos ensaios laboratoriais Na tabela 7 apresenta-se uma síntese dos ensaios laboratoriais efectuados. Tabela 7 – Síntese dos resultados dos ensaios de caracterização do edifício C. 1 Amostra do revestimento do antigo Conservatório, Largo da Sé Velha, Coimbra Ensaios Observação à lupa binocular da camada de reboco fingindo pedra (reboco 2) (Figs. 22) DRX (reboco 1) - (Fig. 24) DRX (reboco 2) - (Fig. 25) DRX (reboco 3) - (Fig. 26) Análises ATG-DTA e química (reboco 1) Principais resultados Amostra composta por três tipos de argamassas com agregados de vários tamanhos e cores diferentes. Reboco constituído por uma areia de natureza siliciosa, provavelmente de origem granítica, sendo identificados a presença de: quartzo, feldspatos alcalinos, mica e clorite. Na pasta do ligante além de calcite, detectam-se aluminatos e carboaluminatos de cálcio hidratados, magnesite, (MgCO3) e brucite (Mg(OH)2), o que indicia que o ligante é de natureza aérea e de origem calcitomagnesiana (margosa). Amostra de reboco com areia ainda do mesmo tipo do reboco 1, ou seja de origem granítica O ligante desta amostra é só de natureza calcítica. Observa-se uma maior quantidade de cal que o reboco anterior (reboco 1). Amostra de reboco em que se detecta no ligante calcítico a presença de gesso e que está contaminada com oxalatos de cálcio (weddellite), provavelmente em resultado de colonização microbiológica. A pasta é rica em caulinite. A areia é também diferente da dos restantes rebocos, sendo neste caso muito rica em quartzo. Traço ponderal de 1: 6 (ligante: agregado). Fig. 18 Edifício C. 1: Observação à lupa das 3 camadas de reboco Fig. 19 Edifício C. 1: Fig. 20 Edifício C. 1: Outro pormenor da observação àPormenores do reboco 3 e das lupa das 3 camadas de reboco camadas de pinturas Fig. 21 Edifício C. 1: Pormenores do reboco 3 e das camadas de pinturas Fig. 22 Edifício C. 1: Pormenor dos rebocos 2 e 1 Fig. 23 Edifício C. 1: Pormenor do reboco 1 Fig. 24 Edifício C. 1: DRX reboco 1 Fig. 25 Edifício C. 1: DRX reboco 2 Fig. 26 Edifício C. 1: DRX reboco 3 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados dos ensaios in situ e laboratoriais permitiram obter informações relevantes sobre os revestimentos estudados, tais como: as diversas camadas constituintes; a composição das argamassas dos rebocos, barramentos e pinturas; a técnica de execução e o acabamento, como também avaliar o seu estado de conservação. Da análise estratigráfica aos revestimentos dos edifícios em estudo, observa-se que, de um modo geral, todos eles apresentam em comum as seguintes características: A primeira camada (emboço), foi aplicada em duas a três subcamadas, apresentando uma textura grosseira produzida pela diversidade dos agregados quer em dimensões como em cores, alguns dos quais de dimensões consideráveis e maioritariamente de cores escuras. Por outro lado, a cor escura/parda que estas argamassas apresentam está também relacionada com o ligante e os agregados utilizados. Após análise laboratorial da camada 1 do edifício C1 verificou-se que esta camada era constituída por agregados de origem granítica e por um ligante de cal de natureza magnesiana. Aparentemente esta argamassa está presente em todos os edifícios analisados. A segunda camada (reboco de cor clara), foi aplicada em uma a duas subcamadas, apresenta uma textura mais homogénea que a da primeira camada, ou seja, aparentemente com mais ligante, os agregados aparentemente são do mesmo tipo identificado na primeira camada, e de menor dimensão que na camada anterior. A pasta de cal da segunda camada é escura nos edifícios A.1e B.1 e clara nos restantes edifícios (A.2, A.3 e C.1). Após análise laboratorial do segundo reboco do edifício C.1 verificouse que os agregados são de origem granítica e o ligante neste caso de natureza calcítica, observando-se uma maior quantidade de cal. Este reboco está também presente em todos os edifícios estudados. A terceira e quarta camadas são quase sempre o barramento e a caiação, respectivamente, excepto no edifício C.1 que em vez de um barramento apresenta um reboco de cal pigmentado na cor ocre com agregados finos, na sua maioria de cores claras. Nos edifícios antigos, constata-se que as intervenções que lhes foram posteriormente executadas, preservaram os revestimentos antigos, executando, contudo, sobre estes um “picotado” com um objecto pontiagudo de modo a produzir uma rugosidade sobre a superfície que crie aderência para receber e suportar os novos revestimentos de cal. Estes novos revestimentos (esboço), correspondem a uma camada aplicada entre a segunda camada e o barramento, identificada nos revestimentos dos edifícios mais recentes (edifícios A.1 e B.1), executada a partir de técnicas e materiais diferentes, com agregados devidamente calibrados (areias), na sua maioria de cor clara. A cal utilizada também é diferente, produzindo uma pasta clara. Relativamente às anomalias identificadas, recorrendo a métodos de análise de observação visual, constata-se que, de um modo geral, correspondem a manifestações de humidade. Todos os edifícios, excepto o B.1, apresentam manchas de humidade e desenvolvimento de líquenes nas paredes devido a ascensão capilar de água, visível ao longo de uma faixa contínua de cerca de 1,5m de altura, medida a partir do solo; este tipo de anomalias, habitualmente muito localizadas, resulta das águas superficiais [9]. Outro tipo de anomalias são as eflorescências manifestadas á superfície das paredes e as criptoeflorescências manifestadas na forma de crateras no reboco, estas últimas identificadas no edifício A.1 devido ao facto de o edifício ter uma pintura acrílica que, por ser pouco permeável, constitui uma barreira às trocas de vapor de água. Estas anomalias correspondem a manifestações de humidade nas paredes provocadas por águas freáticas, em que de acordo com o nível freático vai ocorrer uma oscilação do nível de ascensão de água nas paredes e, consequentemente, as zonas que estiverem em processo de secagem/humedecimento vão entrar em colapso por causa da cristalização dos sais [5]. Temos, ainda, a registar outros tipos de anomalias provocadas pela humidade de águas superficiais, situação bem ilustrada nos edifícios A.2 e A.3, em resultado das infiltrações pelas coberturas (inclinadas e planas), e a orientação de fachadas a sudeste, por corresponderem, em Portugal,”às mais expostas a chuva incidente acompanhada de vento forte, o que se conjuga negativamente com o facto de a fendilhação resultante dos efeitos da temperatura ser mais expressiva nessas fachadas, em especial junto à zona da cobertura [9]”. O CHC está exposto a sul/poente, motivo pelo qual se identifica este tipo de anomalias em vários edifícios. Na última década tem-se verificado um elevado número de intervenções nos edifícios históricos do CHC. Constata-se que metodologicamente tem-se optado pela substituição integral dos revestimentos históricos (argamassas e tintas de cal) por revestimentos modernos (argamassas de cimento portland, pré-doseadas, tintas acrílicas, etc.). O presente estudo, caracteriza um conjunto representativo do tipo de revestimentos históricos identificados no CHC, e seu estado de conservação. Tendo-se concluído que, de um modo geral, estes revestimentos se apresentam em bom estado de conservação, apresentando problemas na sua grande maioria localizados, corroborando os estudos que indicam os revestimentos de cal como os mais indicados para os edifícios históricos [10]. Estes resultados fundamentam o parecer de conservar os revestimentos históricos, em vez de os substituir, actuando através de soluções de prevenção contra as anomalias, nomeadamente as provocadas pela humidade, e aprofundar os conhecimentos adquiridos no presente estudo, nomeadamente sobre as características dos revestimentos de cal do CHC, visando a conservação e restauro dos mesmos, e, consequentemente, a salvaguarda e preservação deste património histórico. “Os revestimentos de paredes influenciam decisivamente a funcionalidade das paredes e dos próprios edifícios e têm um considerável impacto na imagem das construções ” [10]. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a contribuição durante o estudo das técnicas Paula Menezes e Luzia Barracha do Departamento de Materiais do LNEC no apoio dado aos ensaios laboratoriais. Este trabalho tem o apoio da FCT e FEDER através da bolsa SFRH/BD/ 60389/2009 e do projeto FCT PTDC/AUR-URB/113635/2009 – FCOMP – 01 0124 – FEDER – 014163 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS [1] Providência, Pedro, A Epiderme do Centro Histórico de Coimbra – Estudos Cromáticos e Contributos para a sua Conservação; Dissertação de Mestrado; Universidade de Évora, 2009. [2] TAVARES, Martha Lins – A conservação e o restauro de revestimentos exteriores de edifícios antigos - uma metodologia de estudo e reparação. Faculdade de Arquitectura, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, Novembro de 2009 (Tese de Doutorado). [3] Aguiar, José, Cor e Cidade histórica, Estudos cromáticos e conservação do património. Porto: Grupo Edições FAUP, 2003. [4] Pinho, Fernando F. S.; Paredes de Edifícios Antigos em Portugal, Edifícios, conservação e reabilitação n.º 8; LNEC, Lisboa. 2000. [5] Freitas, Vasco; Torres, Maria; Guimarães, Ana, Humidade Ascensional, Porto, FEUP edições, 2008. [6] Henriques, Fernando M. A. 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