centro de ensino superior do ceará faculdade cearense curso de

Propaganda
1
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
ILANA PORTELA CARDOSO
O ACOMPANHAMENTO FAMILIAR AO PROCESSO DE TRATAMENTO DA
DEPENDÊNCIA QUÍMICA, SOB A ÓTICA DOS RESIDENTES, NO DESAFIO
JOVEM DO CEARÁ DR. SILAS MUNGUBA.
FORTALEZA
2013
2
ILANA PORTELA CARDOSO
O ACOMPANHAMENTO FAMILIAR AO PROCESSO DE TRATAMENTO DA
DEPENDÊNCIA QUÍMICA, SOB A ÓTICA DOS RESIDENTES, NO DESAFIO
JOVEM DO CEARÁ DR. SILAS MUNGUBA.
Monografia apresentada ao curso de graduação
em Serviço Social da Faculdade Cearense, como
requisito para obtenção do título de bacharel em
Serviço Social.
Orientador (a): Verbena Paula Sandy
FORTALEZA
2013
3
ILANA PORTELA CARDOSO
O ACOMPANHAMENTO FAMILIAR AO PROCESSO DE TRATAMENTO DA
DEPENDÊNCIA QUÍMICA, SOB A ÓTICA DOS RESIDENTES, NO DESAFIO
JOVEM DO CEARÁ DR. SILAS MUNGUBA.
Monografia elaborada como pré-requisito
para obtenção do título de Bacharel em
Serviço Social, outorgado pela Faculdade
Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela
banca
examinadora
composta
pelos
professores.
Data de aprovação: ____/ ____/____
________________________________________
Professor (a) Esp. Verbena Paula Sandy
________________________________________
Professor (a) Ms. Virzângela Paula Sandy Mendes
________________________________________
Professor (a) Ms. Rúbia Cristina Martins Gonçalves
4
Aos meus pais, Ana Lúcia
possibilitaram o acesso ao
sempre me apoiaram nessa
vivenciada até aqui. Eles
guerreiros que já conheci
eternamente grata.
e Ivan, que me
conhecimento e
longa caminhada
são os maiores
e por isso sou
Ao meu primo, que teve sua juventude retirada
pelas drogas e que vivencia atualmente o desafio
do processo de recuperação da dependência
química.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, que sempre foi meu refúgio nos momentos de descrença e que sempre me
fortaleceu diante dos obstáculos encontrados nos momentos difíceis;
Ao meu namorado, Glaydson, por ter compreendido meus momentos de estresse,
que não foram poucos, e por ter me apoiado nessa caminhada estando sempre ao
meu lado disposto a ajudar de qualquer forma mesmo que fosse com o silêncio;
A professora Verbena Paula, minha orientadora, exemplo de competência, que foi
responsável por me incentivar na conclusão deste estudo e que estava sempre
disposta a me ouvir e conversar quando me encontrava perdida em meio a tantas
leituras;
A Natalia Fialho, Assistente Social do Desafio Jovem do Ceará, que me recebeu
durante um ano e meio de estágio sempre com muita paciência e compreensão e
que assim também contribuiu para conclusão deste trabalho;
A minhas companheiras Elenice Andrade, Vanessa Kelly e Iana Taygla, as quais
compartilharam de muitas trocas de experiência no período de estágio e de muitas
alegrias e sofrimentos também;
As minhas amigas Ana Thalita Almeida, Maria Delfino e Kayna Honorato, pela
amizade, pelo apoio, carinho e incentivo prestado no decorrer desses quatro anos
de desafios e vitórias;
A todos os professores da Faculdade Cearense, profissionais de excelente nível,
facilitadores do meu conhecimento, e em especial a minha banca examinadora
composta pela professora Virzângela Paula e Rúbia Cristina.
6
Aos meus amigos, Maraiza Ávila e Cristiano Souza, que entenderam meu momento
de estudo, me apoiando na efetivação do meu objetivo, e pelo carinho e tolerância
que tiveram também.
A todos os meus familiares, que colaboraram na minha formação enquanto pessoa e
que impulsionaram positivamente a realização do meu objetivo.
A presidente do Desafio Jovem do Ceará, Teresa Cristina, que permitiu a execução
de minha pesquisa sem restrições.
As minhas amigas, Liliane e Jacinta, secretárias do Desafio Jovem, sinônimos de
alegria e descontração, que acompanharam meu período de estágio me auxiliando
sempre que possível.
Ao meu amigo Jan Diego, psicólogo do Desafio Jovem do Ceará, que esteve
presente comigo inúmeras tardes e pelos diálogos alegres e construtivos que
tivemos.
A todos aqueles que encontram - se em processo de recuperação da dependência
química que participaram desta pesquisa.
7
“Se a aparência e a essência das coisas
coincidissem, a ciência seria desnecessária.”
(Karl Marx)
8
RESUMO
A problemática da dependência química cresce diariamente no Brasil e no mundo
implicando sérias consequências para a vida humana, gerando uma diversidade de
discussões acerca da melhor abordagem de tratamento para os sujeitos que
vivenciam a doença, logo se destaca a importância da pesquisa. Este trabalho tem
como objetivo maior analisar a compreensão dos residentes que estão recebendo
atendimento através do Programa de Acompanhamento Terapêutico, sobre o
significado do acompanhamento familiar para o processo de recuperação da
dependência química, no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba. Dessa forma
procurou-se realizar uma explanação teórica dos assuntos que rodeiam a temática
das drogas, discutindo sobre os conceitos e sobre as legislações e políticas sobre
drogas em vigor. Para tanto realizamos pesquisa bibliográfica, sobre a temática das
drogas e da inclusão familiar no tratamento; pesquisa documental, para análise dos
prontuários na intenção de selecionar o público possivelmente entrevistado;
pesquisa de campo, para apreendermos na realidade a visão dos sujeitos, com a
execução de entrevistas e observação. Ficou evidenciado, que a família inserida no
tratamento representa para os sujeitos um auxílio na recuperação, pois se recupera
a autoestima já perdida, devolve a demonstração de afeto que os familiares já não
mais tinham com o residente e os condicionam a mudar o estilo de vida que
estavam levando e a construir uma nova etapa sem drogas. Com isso, a família
apresentou-se com um elemento transformador no processo de recuperação.
Utilizamos do ponto de vista teórico-metodológico o materialismo histórico dialético,
por acreditarmos oferecer este o suporte de melhor qualidade para a elucidação da
realidade objetivada.
Palavras-chave: Drogas. Dependência Química. Inserção Familiar.
9
ABSTRACT
The problem of drug addiction increases daily in Brazil and throughout the world,
implicating in serious consequences to human life and sparking a variety of
discussions about the best treatment approach for individuals who experience this
illness; therefore the importance of research focused on the theme is highlighted.
This paper aims at analyzing the understanding of the inmates at Desafio Jovem do
Ceará Dr. Silas Munguba about the meaning of family support in the process of
recovery from drug addiction. Thus we sought to perform a theoretical explanation of
the issues surrounding the drugs topic, discussing the concepts, laws and drug
policies in effect. To do so, we conducted bibliographic research on the subject of
drugs and family inclusion in treatment; documentary research, to analyze records, in
order to select possible interviewees; and field research, with interviews and
observation, to grasp the individuals‟ perspectives. It was evident that the families‟
participation in the treatments is seen by the subjects as aid in their recoveries, for it
restores their self-esteem, rebuilds the affection the family could no longer display
towards the inmate and conditions them to change their previous lifestyle and to start
a new phase without drugs. Therewith family stood out as transformative element in
the recovery process. We have used historical and dialectical materialism as our
theoretical-methodological perspective, as we believe it offers the best support to
elucidate the objectified reality.
Keywords: Drugs. Chemical Dependency. Family Relationships.
10
LISTA DE SIGLAS
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária;
APA – Associação Psiquiátrica Americana;
CF-88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988;
CID-10 – 10ª Classificação Internacional de Doenças;
CID-10 – Classificação Internacional de Doenças;
CT – Comunidade Terapêutica;
DMS – IV - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais;
DSM-IV – 4ª Edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais;
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente;
E.F.I – Ensino Fundamental Incompleto;
E.F.C – Ensino Fundamental Completo;
EJA – Educação de Jovens e Adultos;
E.M.I – Ensino Médio Incompleto;
MS – Ministério da Saúde;
NAR-ANON – Narcóticos Anônimos (Grupos Familiares);
OBID – Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas;
OMS – Organização Mundial da Saúde;
RD – Redução de danos à saúde;
SENAD – Secretária Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas;
SISNAD – Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas;
SNC – Sistema Nervoso Central;
SPA – Substâncias Psicoativas;
SUS – Sistema Único de Saúde;
11
LISTA DE TABELAS
TABELA 01
Principais dados referentes ao perfil social dos entrevistados na
pesquisa ................................................................................................................... 80
TABELA 02
Período inicial do uso de drogas e primeira droga de consumo ...... 82
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................... 13
1. DROGAS: CONCEITOS, CONTEXTUALIZAÇÃO E LEGISLAÇÕES................ 19
1.1 Conceituações sobre drogas ...................................................................... 19
1.2 Breve contextualização sobre a evolução do uso de drogas ...................... 30
1.3 O que dispõem as principais leis e políticas contemporâneas sobre
drogas?.............................................................................................................. 37
2. DEPENDÊNCIA QUÍMICA E FAMÍLIA................................................................. 50
2.1 Dependência química................................................................................... 50
2.2 A inserção familiar no tratamento da dependência química........................ 55
2.3 A necessidade efetivação de uma rede integrada para a população usuária
de drogas e o trabalho realizado no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas .......... 64
3. O SIGNIFICADO DO ACOMPANHAMENTO FAMILIAR NO CONTEXTO DA
DEPENDÊNCIA QUÍMICA ...................................................................................... 79
3.1 Análise sobre o acompanhamento familiar ao processo de tratamento da
dependência química sob a ótica dos internos do Desafio Jovem do Ceará Dr.
Silas Munguba .................................................................................................. 79
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 97
APÊNDICES ........................................................................................................... 105
ANEXOS ................................................................................................................ 114
13
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como sujeitos da pesquisa os residentes que
vivenciam o processo de tratamento da dependência química em regime de
residência terapêutica no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba.
Sabemos que os sujeitos que vivenciam a dependência química são
pessoas fragilizadas diante da doença e necessitam restabelecer o equilíbrio em
todas as áreas de sua vida. Com isso, muitos estudiosos dão ênfase à importância
de inclusão da entidade familiar ao processo de tratamento, mas faz-se necessário
também estabelecer um diálogo com os indivíduos envolvidos nessa problemática,
pois são eles os principais alvos das políticas sobre drogas.
O Desafio Jovem do Ceará é uma instituição filantrópica, sem fins
lucrativos que surgiu desde 1975, demandado atendimento para dependentes
químicos do gênero masculino, independente de sua condição social, realizando
atividades para incluir a família no processo de recuperação de seus parentes, que
estão em tratamento por meio da residência terapêutica, buscando fortalecer e/ou
reestabelecer as relações familiares, que sofreram ou tiveram influência na dinâmica
familiar diante do agravamento da doença, fornecendo ainda subsídios por meio do
acesso ao conhecimento da doença, para que a família possa conviver bem com o
dependente químico durante e depois do tratamento e promovendo ainda condições
necessárias para o alcance da autonomia desses sujeitos em tratamento.
Dentro dessa compreensão, identificamos como a presença frequente das
famílias no acompanhamento ao tratamento da dependência química pode repercutir
para a recuperação dos residentes entrevistados, sob a ótica dos mesmos.
O interesse pelo assunto pesquisado surgiu de dois motivos distintos que
facilitaram a apreensão das discussões teóricas e o contato com o campo de
pesquisa, promovendo também a proximidade com os sujeitos a serem
entrevistados e observados no decorrer da coleta de dados.
O primeiro motivo a ser levado em consideração para estudar o tema foi a
vivência pessoal de um caso de dependência química nas relações familiares, em
14
que muitas das vezes a família se viu sem alternativas e acabou optando por um
modelo de tratamento em que a mesma pouco se relacionava com o sujeito em
recuperação e diante ainda de uma falta de integralidade nas atividades
dispensadas pela instituição, ou seja, apenas o aspecto clínico foi priorizado e ao
final não houve êxito, pois ao terminar o período de tratamento o sujeito voltou a
consumir drogas e a família continuava a não entender e nem saber intervir na
doença.
O segundo motivo de aproximação com o tema foi a realização de três
períodos de estágio supervisionado em Serviço Social no Desafio Jovem do Ceará
Dr. Silas Munguba, onde acompanhamos a rotina da assistente social nos
atendimentos à usuários de álcool e outras drogas, incluindo seus familiares.
Por meio do contato direto com as famílias e com os residentes, nas
atividades frequentemente realizadas, percebemos que a presença dessas motivava
os sujeitos e para aqueles que os familiares não apareciam havia uma esperança
constante que viessem. Em muitas situações flagramos alguns deles, no decorrer
das atividades executadas juntamente com a presença da família, com o olhar fixado
no portão de entrada da instituição, ou seja, na esperança de ainda vir alguém para
lhe visitar e participar da atividade, logo foi a percepção dessas questões que
motivaram o interesse na elaboração desse estudo.
Diante dessa temática suscitam algumas dúvidas, como por exemplo: O
que são drogas? Como se dá a classificação entre drogas lícitas e ilícitas? Quais
drogas causam dependência? Todo usuário de drogas é um dependente químico?
Quais são as principais políticas que existem sobre drogas? Elas tratam de que?
Existe tratamento ideal para a dependência química? Por que ainda existem tantas
pessoas usuária de drogas mesmo com as iniciativas do governo? A família está
sendo inserida nos tratamentos da dependência química? A inserção familiar no
tratamento tem aprovação dos sujeitos adoecidos?
Estas entre tantas outras dúvidas que nos incitam ao falarmos de drogas
serão analisados no decorrer deste estudo, na tentativa de facilitar o processo de
reflexão do leitor sobre a temática.
O termo droga, conforme o Observatório Brasileiro de Informações sobre
Drogas (OBID) tem origem na palavra drogg, originado do holandês antigo e tendo
15
como significado a expressão folha seca. Esta definição é devido ao fato de,
antigamente, quase todos os medicamentos utilizavam
vegetais em sua
composição.
As drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, perpassam o desenvolvimento da
humanidade desde seus primórdios e de acordo com Bucher (1992) são elementos
inerentes à própria historia da humanidade, ultrapassando gerações e estando
sempre incorporada a dinâmica histórica com fins diversos e mutáveis. A este
respeito, vale verificar o que nos disse Teixeira:
.
Ao longo da história da humanidade, o homem sempre conviveu com o uso
de drogas ou substâncias psicoativas. As drogas foram consumidas em
várias épocas, assim como em diversas culturas, essa realidade vem se
repetindo ao longo dos tempos (TEIXEIRA, 2009, p. 52).
Visualizamos assim, a relação existente entre as diversas sociedades e o
uso de drogas, nos fazendo compreender que estas estiveram sempre incorporadas
à realidade histórica das diversas demandas sociais e que com o passar dos
tempos adquiriram novos significados para os sujeitos que as consumiam.
Dessa forma, o estudo traz também de uma discussão sobre uso de
drogas e dependência química. Esta é colocada atualmente em cenário mundial
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um problema grave de saúde
pública que necessita de intervenções urgentes. Observamos ainda que atualmente
pesquisas
tratam
dessa
realidade
trazendo
diariamente
o
aumento
dos
consumidores de álcool e outras drogas em idades cada vez mais precoces.
Percebendo dessa forma, apresenta-se a necessidade de efetivação das
políticas sociais e públicas sobre drogas articuladas com outras iniciativas estatais
para demandarem atenção integral a população usuária e dependente de drogas e
que sejam desenvolvidas em consonância com as reais necessidades dessa
demanda.
Diante disso temos como objetivo maior compreender a visão dos
sujeitos que faziam uso e/ou abuso de drogas e que estão sendo tratados no
Programa de Acompanhamento Terapêutico do Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas
Munguba, sobre o significado do acompanhamento familiar para o processo de
recuperação.
Objetivamos ainda com a pesquisa identificar o perfil social dos
16
residentes, verificar como eram estabelecidas as relações sociais destes com seus
familiares nos períodos antes do uso de drogas e depois do uso de drogas e
analisar ainda as perspectivas futuras em relação às relações familiares após o
tratamento.
A realização deste estudo teve como modelos de pesquisa utilizados para
sua concretude: a pesquisa bibliográfica, voltada para a leitura de livros e artigos
que contemplam a temática e que forneceram suporte teórico para nossas
discussões. Esse modelo de pesquisa caracteriza-se, segundo Gil como:
A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado
constituído principalmente de livros e artigos científicos. [...] A principal
vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao
investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do
que aquela que poderia pesquisar diretamente (GIL, 2002, p. 44).
Tendo em vista a existência de documentos na instituição que
contribuíram para a coleta de informações necessárias à pesquisa, que são os
prontuários, foi feito também uma pesquisa documental, que segundo Gil, “trata-se
de uma pesquisa que se debruça sobre documentos existentes que não receberam
ainda um tratamento analítico (2002, p. 46)”, sendo autorizada mediante a
apresentação do termo de fiel depositário dos prontuários (ver nos apêndices, pág.
104).
Assim, realizou-se também uma pesquisa de campo, objetivando um
contato aproximado com a realidade pesquisada, tendo em vista a compreensão
facilitada por esse tipo de pesquisa, conforme assinala Gil,
Tipicamente, o estudo de campo focaliza uma comunidade, que não é
necessariamente geográfica, já que pode ser uma comunidade de trabalho,
de estudo, de lazer ou voltada para qualquer outra atividade humana.
Basicamente, a pesquisa é desenvolvida por meio da observação direta das
atividades do grupo estudado e de entrevistas com informantes para captar
suas explicações e interpretações do que ocorre no grupo (GIL, 2002, p.
53).
A pesquisa de campo foi realizada com os sujeitos tratados em regime de
residência no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba, representado pelo
universo de treze sujeitos, que se encontram submetidos a essas condições de
tratamento. Diante deste número de pessoas a pesquisa contemplou uma amostra
17
de seis desses sujeitos, visando abordar aqueles que estão na instituição há mais
de um mês e já tiveram pelo menos o primeiro contato com seus familiares. Estes
têm suas falas identificadas no presente estudo pela expressão: entrevistado,
seguida de uma numeração que os diferencia, no intuito de resguardar o sigilo da
pesquisa.
Com isso, para o alcance de resultados esclarecedores e reflexivos,
foram utilizados como elementos de coletas de dados a entrevista e a observação
direta, com o intuito de facilitar a compreensão da realidade de tratamento.
A entrevista foi realizada por meio de um roteiro semiestruturado que
composto por perguntas objetivas e discursivas, a fim de alcançar os objetivos
propostos.
A estrutura da entrevista foi dividida em cinco blocos que se
organizavam da seguinte forma: dados do perfil social; das relações familiares antes
do uso de drogas; do período em uso e da convivência familiar antes do tratamento;
do período de tratamento e do relacionamento com a família e das perspectivas
para a vida em família após o tratamento. (Ver a estrutura da entrevista na íntegra
nos apêndices, pág. 107).
As entrevistas foram todas gravadas mediante a autorização dos
entrevistados, autorizadas pelo termo de consentimento livre e esclarecido
(disponível nos apêndices, pág. 105), e realizadas dentro de um tempo máximo de
uma hora com cada participante num mesmo encontro. Após serem concluídas
foram transcritas para iniciar-se o processo de análise dos dados coletados
juntamente com a pesquisa feita previamente nos prontuários disponíveis na
instituição e com as anotações contidas nos diários de campo, possibilitadas pelo
procedimento de observação.
Os processos metodológicos que foram desenvolvidos nesse estudo
tiveram como base o uso de uma abordagem qualitativa dos dados coletados,
visando compreender e interpretar a percepção dos sujeitos envolvidos. Com isso
entende-se por pesquisa qualitativa:
[...] pesquisa [que] tem por objetivo trazer à tona o que os participantes
pensam a respeito do que está sendo pesquisado, não é só a minha visão
de pesquisador em relação ao problema, mas é também o que o sujeito tem
a me dizer a respeito (MARTINELLI, 1999, p. 21, grifo meu).
18
Assim, para a análise dos dados coletados no processo de pesquisa o
método que foi utilizado para facilitar esse procedimento foi o materialismo histórico
dialético de Marx (2008), que ultrapassa as aparências, buscando a essência dos
fenômenos e sua relação com a totalidade em que estão inseridos.
A presente pesquisa embora não tenha sido submetida ao comitê de
ética e pesquisa obteve autorização prévia da presidência da instituição para sua
realização, utilizando os mesmos protocolos exigidos pelo comitê (disponíveis nos
apêndices). Assim concretizou-se com duração de seis meses incluindo a execução
de todos os processos metodológicos para sua realização, e como resultado
elaborou-se o presente estudo para fim de discussão dos conhecimentos adquiridos
no decorrer desse período, com o intuito de serem disponibilizados os resultados
alcançados.
Diante da prévia exposição sobre o conteúdo deste estudo, faz-se
necessário também que esclareçamos um pouco acerca de como foi estabelecida a
divisão dos capítulos e apresentarmos previamente as discursões que os mesmos
contemplam.
O primeiro capítulo está dividido em três tópicos, abordando em seu
desenvolvimento uma discussão sobre os conceitos que rodeiam a temática das
drogas, com o intuito de fornecer uma familiaridade dos termos que foram utilizados
mais adiante no estudo e esclarecer algumas indagações pertinentes às
nomenclaturas usuais contemporaneamente, discutindo um pouco também sobre a
contextualização histórica do uso de drogas, trazendo ainda uma breve
apresentação sobre o que dispõem as principais legislações e políticas sobre
drogas que estão em vigor no Brasil.
O segundo capítulo divide-se também em três tópicos, contemplando
questões sobre a dependência química e sobre a inserção familiar ao processo de
tratamento da doença. Com isso, mostrando também os serviços existentes e os
modelos de tratamento legalizados e mais usuais na contemporaneidade,
apresentando por fim a instituição que foi realizada a pesquisa de campo.
O terceiro capítulo e último apresenta-se a análise realizada diante da
percepção
dos
sujeitos
entrevistados,
no
que
tange
ao
significado
do
acompanhamento familiar para os residentes tratados no Desafio Jovem do Ceará
Dr. Silas Munguba.
19
1. DROGAS: CONCEITOS, CONTEXTUALIZAÇÃO E LEGISLAÇÕES
1.1 Conceituações sobre drogas
Visando a existência de diversas nomenclaturas e abordagens referentes
ao consumo de drogas hoje se faz necessário discutirmos um pouco acerca dos
termos
mais
utilizados
e
relativamente
incorporados
ao
vocabulário
dos
profissionais, estudiosos da área e até mesmo das legislações e políticas que se
referem à temática. Observando assim existem termos científicos, mas também
termos cotidianamente usados no senso comum pela própria sociedade civil e até
mesmo pelos usuários na chamada “vida ativa”, ou seja, nos períodos literalmente
de consumo da droga.
Dessa forma torna-se necessário antes de tudo conceituar o que vem a
ser droga, ou seja, o que é considerado atualmente como drogas na sociedade em
que vivemos. Para tanto iremos nos pautar na definição da Organização Mundial da
Saúde (OMS) de 1981 que está em vigor, considerando droga como toda e qualquer
substância que não sendo produzida pelo organismo, tem a dimensão de atuar
sobre um ou mais de seus sistemas, alterando seu pleno funcionamento. Será por
meio desta definição que o presente estudo estará fundamentado quando abordar a
terminologia droga.
Essa definição encontra-se em disponível acesso no endereço eletrônico
do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID), disponível nas
referencias deste estudo, o qual foi lançado em 2012 durante a Semana Nacional
Antidrogas com o objetivo de “reunir e coordenar o conhecimento disponível sobre
drogas para fundamentar o desenvolvimento de programas e intervenções dirigidas
à redução de demanda e oferta de drogas (OBID, 2013).” E segundo o Decreto nº
5.912/06, no Capítulo V, referente à gestão das informações:
Art.16. O Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas reunirá e
centralizará informações e conhecimentos atualizados sobre drogas,
incluindo dados de estudos, pesquisas e levantamentos nacionais,
20
produzindo e divulgando informações, fundamentadas cientificamente, que
contribuam para o desenvolvimento de novos conhecimentos aplicados às
atividades de prevenção do uso indevido, de atenção e de reinserção social
de usuários e dependentes de drogas e para a criação de modelos de
intervenção baseados nas necessidades específicas das diferentes
populações-alvo, respeitadas suas características socioculturais (BRASIL,
2006).
Existe ainda outra nomenclatura, que embora atualmente não seja mais
utilizada, para conceituar as substâncias que alteram o funcionamento dos sistemas
do corpo humano, sendo esta denominada de fármaco, caracterizada por Tancredi
da seguinte por forma:
Denomina-se fármaco [...] toda substância estranha ao organismo que nele
introduzida provoca alterações no seu funcionamento. Trata-se de um
conceito bem amplo, que compreende todos os medicamentos ou qualquer
outra substância ativa do ponto de vista farmacológico (TANCREDI, p. 07,
1982).
No que se refere à nomeação atribuída aos indivíduos que fazem o uso de
drogas existem muitas designações para conceituá-los, sendo até mesmo criadas
pelos próprios usuários ou pela sociedade, como por exemplo, a utilização dos
termos viciado, noiado e drogado.
Assim atualmente nas literaturas e nos tratamentos destinados a
demandar atenção a problemática das drogas, percebemos que houveram algumas
alterações no que se refere ao uso de nomenclaturas, as quais muitas vezes
estiveram voltadas para a esfera moral e religiosa, como por exemplo, quem nunca
ouviu a expressão “vagabundo” quando alguém se referia a um usuário de drogas
que se aproximava? E a expressão: “Cuidado com os marginais”, também se
referindo aos mesmos indivíduos? Logo é válido ressaltar o que nos diz Duarte e
Morihisa sobre este assunto:
O conceito, a percepção humana e o julgamento moral sobre o consumo de
drogas evoluíram constantemente e muito se basearam na relação humana
com o álcool, por ser ele a droga de uso mais difundido e antigo. Os
aspectos relacionados á saúde só foram mais estudados e discutidos nos
últimos dois séculos, predominando, antesdisso, visões preconceituosas
dos usuários, vistos muitas vezes como „possuídos por forças do mal‟,
portadores de graves falhas de caráter ou totalmente desprovidos de „força
de vontade‟ para não sucumbirem ao „vício‟ (DUARTE; MORIHISA, p.45,
2013).
21
Apesar dos preconceitos em relação aos usuários de drogas ainda ser
realidade posta nos dias atuais, houveram mudanças no que tange ao
relacionamento da sociedade com essa demanda, provenientes das próprias leis e
políticas que dispõem de atenção a esse público.
Ouvimos comumente termos diferentes em relação às drogas e aos
indivíduos que as consomem e que muitas vezes transparece estarmos nos
referindo a situações também diferenciadas, mas em alguns casos estamos tratando
da mesma condição utilizando apenas uma terminologia diferenciada e própria da
sociedade, da instituição ou até mesmo da modalidade de tratamento, como no caso
da instituição que embasou o campo de pesquisa deste estudo onde os sujeitos em
tratamento são chamados de recuperandos. Em relação a essa discursão, Detoni
ressalta que,
Termos usados até recentemente para designar o uso e os usuários de
drogas, como „viciados‟ ou „drogado‟, foram excluídos do vocabulário
médico nos anos 1990 por estarem impregnados de preconceito.
Especialistas e grupos de autoajuda falam agora em adicto, em adicção e
em dependência química. Muitos até preferem „alcoolista‟ ao termo
„alcoólatra‟ por entenderem que a palavra „alcoolista‟ reforça a noção de que
o abuso de bebidas alcoólicas é uma doença (DETONI, 2009, p. 75).
No caso dos tratamentos disponibilizados por meio de grupos de ajuda
mútua/autoajuda, como no caso dos Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos,
existem nomenclaturas próprias para designarem um significado à prática do uso de
drogas. Estas nomenclaturas são: adicto, adicto em recuperação e adicção.
O significado de adicto para essas entidades, de acordo com seus
endereços eletrônicos (disponíveis nas referências), é justamente uma pessoa que
tem sua vida controlada pelas drogas, ou seja, é aquele indivíduo que tem todas as
esferas da sua vivência humana orientada a partir do consumo de drogas. O adicto
em recuperação é considerado como aquele indivíduo que aderiu o tratamento e que
permanece sem utilizar drogas. Já adicção é considerada como uma doença
traiçoeira que se estabelece mediante o uso de drogas e que pode levar a
destruição da vida do indivíduo.
22
É perceptível que se tivermos uma aproximação, mesmo que superficial,
das politicas e legislações sobre drogas iremos nos deparar com duas
nomenclaturas, diferentes daquelas acima citadas, sendo elas usuários e
dependentes de drogas. Diante disto podemos afirmar que esses dois conceitos são
aqueles mais trabalhados hoje na esfera pública e política e representam ainda o
fato de que para consumir drogas não necessariamente o indivíduo é caracterizado
com um dependente, podendo ser apenas um usuário, dependendo da frequência
de uso. Sendo assim no desenvolvimento deste estudo quando formos nos remeter
aos indivíduos utilizaremos esses dois conceitos, qual sejam usuários e
dependentes de drogas.
Para que possa ser feita essa distinção entre usuário e dependente de
drogas é preciso analisar os padrões de consumo de tais substâncias, pois é
mediante a frequência, como já falamos, e a intensidade do uso é que se pode
analisar o grau de envolvimento em tal situação.
É válido ressaltar ainda que, conforme Aratangy (2011), nem todas as
drogas tem a capacidade de desenvolver dependência, pois muitas delas, como os
medicamentos, são usadas em diversas modalidades de tratamentos terapêuticos
de doenças para produzir efeitos benéficos e satisfatórios referentes à condição de
adoecimento da pessoa acometida ao uso de tais substâncias, mas veremos mais
adiante que os abusos no consumo de medicamentos acabam também por gerar
dependência também.
Os padrões de consumo mais usuais atualmente são representados por
duas formas distintas de categorizar e defini-los, sendo elas: CID-10 (10ª Revisão da
Classificação Internacional de Doenças) da Organização Mundial de Saúde e o
DSM-IV (4ª edição do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais)
da Associação Psiquiátrica Americana, que dispõem de critérios para definir o
padrão de consumo de drogas dos indivíduos. É oportuno salientar que,
Na década de 60 do século passado, o programa da saúde mental da
Organização Mundial de Saúde (OMS) tornou-se ativamente empenhado
em melhorar o diagnostico e a classificação de transtornos mentais, além de
prover definições claras de termos relacionados às perturbações mentais.
[...] Numerosas propostas para melhorar a classificação de transtornos
mentais resultaram [...] no rascunho da 8ª Revisão da Classificação
23
Internacional de Doenças (CID-8). Atualmente, estamos na 10ª Revisão da
Classificação Internacional de Doenças (CID-10), a qual apresenta as
descrições clínicas e diretrizes diagnósticas das doenças que conhecemos
e é utilizada por nosso sistema de saúde pública (DUARTE; MORIHISA,
p.46, 2013).
O DSM-IV, segundo o OBID, apresenta-se como um documento
elaborado pela Associação Psiquiátrica Americana (AMA) com finalidades de
favorecer subsídios na atuação clínica, assim também para fins de pesquisa e
educacional, possibilitando um aprimoramento nas relações estabelecidas entre os
diversos profissionais e os pesquisadores sobre o assunto.
Mediante a essas breves apresentações cabe então salientarmos que
padrões são estes. Logo as duas classificações, como citado, são distintas e
apresentam critérios diferenciados para estabelecer o padrão de consumo do
indivíduo que faz uso de drogas.
Os padrões de consumo de drogas estabelecidos e paramentados nessas
duas classificações são: uso de drogas, abuso de drogas e dependência. Conforme
Duarte e Morihisa (2013) o critério do uso de drogas apresenta-se como um modo
de consumir drogas em que o próprio indivíduo tem a capacidade de administrar a
quantidade de drogas que consome, estando esse critério absorvido igualmente
pelas duas classificações.
Em relação ao critério de abuso de drogas, ainda segundo os autores
supracitados, existe uma diferença em relação à classificação da CID-10 e do DSMIV, pois para o CID-10 ele é conceituado como uso nocivo, ou seja, uma modalidade
de consumir drogas que pode ser responsável por gerar danos físicos ou
psicológicos, ou ainda mudanças de comportamento. Já para o DSM-IV esse padrão
de consumo de drogas é reconhecido com a própria nomenclatura, ou seja, abuso
de
drogas,
caracterizado
pelo
preenchimento
de
um
ou
mais
sintomas
preestabelecidos num período de doze meses sem nunca ter chegado ao nível de
abstinência, sendo eles:
1. Uso recorrente resultando em fracasso em cumprir obrigações importantes
relativas a seu papel no trabalho, na escola ou em casa; 2. Uso recorrente em
situações nas quais isso representa perigo físico; 3. Problemas legais recorrentes
relacionados à substância; 4. Uso continuado, apesar de problemas sociais ou
24
interpessoais persistentes ou recorrentes, causados ou exacerbados pelos efeitos
da substância (OBID, 2013).
Ainda de acordo com Duarte e Morihisa também existem parâmetros
diferenciados nas duas classificações que proporcionam a identificação do critério
de dependência dos indivíduos. Para o DSM-IV a dependência caracteriza-se como
“um padrão mal adaptativo de uso, levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente [e
socialmente] significativos (2013, p. 51)”. É necessário que se avalie a manifestação
de três ou mais dos seguintes critérios no mesmo período de doze meses:
1.Tolerância [...], acentuada redução do efeito com o uso continuado da
mesma substância; [...].2. Abstinência [...], a mesma substância (ou uma
substância relacionada) é consumida para aliviar ou evitar os sintomas de
abstinência [de falta da droga no organismo]. 3. A substância é
frequentemente consumida em maiores quantidades ou por um período
mais longo do que o pretendido. 4. Existe um desejo persistente ou
esforços mal-sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso. 5. Muito
tempo é gasto em atividades necessárias para obtenção e utilização de
substância ou na recuperação de seus efeitos. 6.Importantes atividades
sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em
virtude do uso. 7. O uso continua, apesar da consciência de se ter um
problema físico ou psicológico, persistente ou recorrente, que tende a ser
causado ou exacerbado pela substância (DUARTE; MORIHISA, p. 51, 2013,
grifos do autor).
No que tange aos critérios estabelecidos pela CID-10, caracteriza-se
como uma situação de dependência quando se apresentarem três ou mais das
manifestações colocadas a seguir por Duarte e Morihisa, ocorrendo conjuntamente
em um período mínimo de um mês ou que tenha ocorrido em períodos menores,
mas de forma repetida dentro do prazo de doze meses.
1. Forte desejo ou compulsão para consumir a substância. 2.
Comprometimento da capacidade de controlar o início, o término ou
níveis de uso [...]. 3. Estado fisiológico de abstinência quando o uso
é interrompido ou reduzido [...]. 4. Evidência de tolerância aos efeitos,
necessitando de quantidades maiores para se obter o efeito desejado,
ou estado de intoxicação ou redução acentuada destes efeitos com o
uso continuado da mesma quantidade. 5. Preocupação com o uso,
manifestado pela redução ou abandono das atividades prazerosas ou
de interesse significativo, por causa do uso ou do tempo gasto em
obtenção, consumo e recuperação dos efeitos. 6. Uso persistente, a
despeito de evidências claras de consequências nocivas, evidenciadas
pelo uso continuado quando o sujeito está efetivamente consciente[...]
25
da natureza e extensão dos efeitos nocivos (DUARTE; MORIHISA, p.
51, 2013, grifos do autor).
Tratando ainda dos conceitos estabelecidos e utilizados pelas duas
classificações citadas, observa-se também que ambos os sistemas classificatórios
incorporam em seus critérios o conceito de Síndrome da Dependência do Álcool que
se apresenta também conforme o preenchimento de algumas possibilidades, como:
Estreitamento do repertório de beber: O beber se torna mais comum,
com menos variações em termos da escolha da companhia, dos horários,
do local ou dos motivos para beber, ficando ele cada vez mais estereotipado
à medida que a dependência avança. Saliência do comportamento de
busca pelo álcool: A pessoa passa, gradualmente, a planejar seu dia-a-dia
em função da bebida – como vai obtê-la, onde vai consumi-la, e como irá
recuperar-se -, deixando as demais atividades em plano secundário.
Sensação subjetiva da necessidade de beber: A pessoa percebe que
perdeu o controle, que sente um desejo praticamente incontrolável e
compulsivo de beber. Desenvolvimento da tolerância ao álcool: Por
razões biológicas, o organismo do indivíduo suporta quantidades cada vez
maiores de álcool ou a mesma quantidade não produz mais os mesmos
efeitos que no início do consumo. Sintomas repetidos de abstinência: Em
paralelo com o desenvolvimento da tolerância, a pessoa passa a apresentar
sintomas desagradáveis ao diminuir ou interromper a sua dose habitual.
Surgem ansiedade e alterações de humor, tremores, taquicardia, enjôos,
suor excessivo e até convulsões, com risco de morte. Alivio ou evitação
dos sintomas de abstinência ao aumentar o consumo: Nem sempre o
sujeito admite, mas um questionamento detalhado mostrará que está
tolerante ao álcool e só não desenvolve os descritos sintomas na
abstinência, porque não reduz ou até aumenta gradualmente seu consumo,
retardando muitas vezes o diagnóstico. Reinstalação da síndrome de
dependência: O padrão antigo de consumo pode se restabelecer
rapidamente, mesmo após um longo período de não uso (OBID, 2013, grifos
do autor).
Outros termos também são encontrados no Observatório Brasileiro de
Informações sobre Drogas (OBID), estes são: o uso experimental em que o indivíduo
realiza seus poucos contatos com uma droga específica, por ocasiões infrequentes
ou não persistentes; o uso recreativo que se caracteriza pelo uso de uma droga
especifica, e em geral ilícita em circunstâncias sociais ou relaxantes, sem
implicações com dependência ou outros problemas relacionados; o uso controlado
sendo aquele que se refere à manutenção de um uso regular, não compulsivo e que
não interfere com o funcionamento habitual do indivíduo e por fim o uso social que
26
pode ser entendido como uso em companhia de outras pessoas e de maneira
socialmente aceitável.
Existem também termos relacionados à legalidade e ao controle da
fabricação, do uso e do comércio de drogas, sendo eles comumente utilizados pela
mídia e pela esfera de segurança pública, conhecidos como drogas lícitas e ilícitas.
As drogas lícitas são aquelas que têm o consumo, a fabricação e o
comércio liberado mediante o parâmetro das legislações brasileiras sobre drogas,
controle este executado atualmente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA). As principais drogas que compõem essa categoria são o álcool, o tabaco,
os solventes e inalantes e os medicamentos.
Apesar de serem drogas permissivas para o consumo, estas não
correspondem a substâncias que não causam dependência ou mesmo que não seja
a preferência da população usuária de drogas, muito pelo contrário, de acordo com
Nicrastri (2013) o álcool é uma das drogas de uso e abuso mais disseminadas nos
países na atualidade.
Já em relação ao abuso de medicamentos, Bucher nos diz que:
Na evolução recente do uso indevido de drogas, chama ainda a atenção o
consumo crescente de medicamentos, incentivado pela mídia [...]. Trata-se
aí de substâncias perfeitamente lícitas [...] mas que criam dependências, tão
intensas que o abuso de „drogas duras‟ (p. 31, 1992).
Conforme o que foi dito os pressupostos da Política Nacional sobre
Drogas torna-se de suma importância, pois se deve,
Reconhecer o uso irracional das drogas lícitas como fator importante na
indução de dependência, devendo, por esse motivo, ser objeto de um
adequado controle social, especialmente nos aspectos relacionados à
propaganda, comercialização e acessibilidade de populações vulneráveis,
tais como crianças e adolescentes (SENAD, p. 14, 2008).
27
Visto assim, existe um dispositivo legal que dispõe sobre as restrições no
que se refere á utilização de propagandas de produtos fumígenos 1, bebidas
alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, sendo este a Leinº
9.294/96 que sofreu alterações pelas leis nº 10.167/00, 10.702/03, 11.705/08,
12.546/11 e pela medida provisória nº: 2.190-34/01.
As quais modificavam os
elementos que deveriam ser fiscalizados pela lei, mediante o surgimento de novos
complementos advindos das transformações sociais.
No que se refere às drogas ilícitas, são denominadas como aquelas que
estão para além da legalidade, ou seja, que não tem permissão legal para serem
consumidas, produzidas e muito menos comercializadas, diante disso estão
intimamente ligadas as políticas de saúde, de segurança, bem como a de
fiscalização da ANVISA, já citada e mais tarde comentada, visando um controle
social mais acentuado sobre suas manifestações. As drogas de maior visibilidade
que incorporam essa classificação são: maconha, cocaína, crack.
Dessa forma segundo a Política Nacional sobre Drogas deve-se “tratar de
forma igualitária, sem discriminação, as pessoas usuárias ou dependentes de
drogas lícitas ou ilícitas” e ainda, conforme Detoni (2009, p.75), “todas [drogas lícitas
e ilícitas] agem no sistema nervoso central, prejudicam a saúde e podem provocar
dependência e destruição”.
Tratando agora das próprias substâncias/ drogas, comumente ouvimos
falar sobre as chamadas drogas psicotrópicas ou substâncias psicoativas e logo
associamos a drogas que trazem alguns males para o ser humano, mas sabemos
pouco sobre o que de fato são essas drogas, e tratamos rapidamente de
associarmos uma condição de negatividade.
De acordo com a definição contida no Observatório Brasileiro de
Informações sobre Drogas (OBID) “o termo psicotrópica é formado por duas
palavras: psico e trópico, estando o psico relacionado com psiquismo e trópico
significando em direção a”, assim as drogas psicotrópicas representam aquelas que
proporcionam modificações no funcionamento cerebral possibilitando alterações no
estado mental do indivíduo que faz uso. Dessa forma são drogas que atuam
diretamente sobre o cérebro alterando de alguma forma os seus sistemas,
1
São produtos que podem ser fumados, sendo estes derivados ou não do tabaco.
28
principalmente o Sistema Nervoso Central (SNC), sendo também chamadas de
substâncias psicoativas (SPA). Utilizaremos essas nomenclaturas no decorrer do
estudo para caracterizar as drogas.
Visto assim, ainda conforme o OBID, as drogas psicotrópicas se
subdividem em três categorias visando seu poder ativo no organismo humano, são
elas: drogas depressoras do sistema nervoso central, drogas estimulantes do
sistema nervoso central e drogas perturbadoras do sistema nervoso central.
As drogas depressoras do sistema nervoso central compreendem aquelas
que possibilitam o funcionamento lento do cérebro, minimizando a atividade de
coordenação motora, de atenção, concentração, a capacidade de memorização e a
capacidade intelectual do individuo. Entre essas drogas estão: o álcool,
benzodiazepínicos, inalantes e opiáceos. Dentre elas o álcool, conforme Detoni
(2009) aparece como a droga mais popular e quando ingerido,
[...] age primeiro sobre algumas funções cerebrais complexas, como
julgamento e autocrítica, anulando inibições e provocando estado de
euforia. Isso tem levado muita gente a pensar que o álcool é um
estimulante. Mas, conforme o usuário aumenta as doses, a bebida age
também como um depressor do sistema nervoso central (sedativo). O
usuário fica menos alerta, sua coordenação muscular se deteriora e o sono
é facilitado (DETONI, 2009, p. 17).
Já as drogas estimulantes do sistema nervoso central, ainda de acordo
com o OBID, “aceleram a atividade de determinados sistemas neuronais, trazendo
como consequências um estado de alerta exagerado, insônia e aceleração dos
processos psíquicos”. Estão incluídas nessa classificação as drogas como:
anfetaminas, cocaína (pó, farinha, branquinha) e tabaco (cigarro). A esse respeito
Detoni (2009, p. 29) destaca que,
A cocaína é um estimulante poderoso. Ela atua no sistema nervoso central,
provocando um estado de onipotência. A pessoa se sente mais ativa, mais
alerta, mais confiante. Isso ocorre porque a cocaína provoca um aumento
no nível de três neurotransmissores no sistema nervoso central:
norepinefrina, serotonina e dopamina, ligados á sensação de motivação,
saciedade e bem-estar.
29
No caso das drogas perturbadoras do sistema nervoso central, também
chamadas de alucinógenas, mediante a definição do OBID (2013), são drogas que
“produzem uma série de distorções qualitativas no funcionamento do cérebro, como
delírios, alucinações e alteração na senso-percepção e por essa razão é que são
também chamadas de alucinógenos”. Algumas delas são: maconha, alucinógenos,
LSD2, êxtase e anticolinérgicos. Caracterizadas conforme Detoni e Aratangy da
seguinte forma:
[...] a maconha produz efeitos diversos em pessoas diversas. Esses efeitos
vão desde um estado de entorpecimento e calma até euforia, inquietação e
alucinações. A maioria dos usuários de maconha relata uma experiência de
relaxamento, desinibição, riso fácil, uma percepção mais aguda e
capacidade de falar de forma mais aberta sobre as coisas da vida. Em
muitos casos, a percepção do tempo também é distorcida, fazendo que dez
minutos pareçam uma hora (DETONI, 2009, p. 50).
[...] as chamadas drogas alucinógenas, que formam o grupo mais intrigante
dos modificadores químicos do comportamento, não inventam nada de
dono; mas acentuam, a um grau elevado, um processo que ocorre
naturalmente em todas as cabeças. [...] Todas as outras drogas, em algum
grau, também fazem uma distorção do real – o álcool, a cocaína, as
anfetaminas provocam alguma alteração da percepção, ainda que este não
seja seu principal efeito (ARATANGY, 2011, p. 43).
Diante de todas essas conceituações sobre drogas percebe-se que o
universo que abrange a temática é amplo e devido a isto se fez necessário
apresentar as nomenclaturas que encontraremos no decorrer do estudo para que
possamos compreender as principais terminologias que estão dispostas adiante.
No tópico que segue faremos uma breve explanação da contextualização
do uso de drogas, bem como discutindo um pouco sobre a evolução desse uso e
sobre a dependência química.
2
De acordo com Detoni, LSD é o ácido lisérgico dietilamida caracterizado como “um alucinógeno
sintético que provoca alterações no funcionamento da mente, distorcendo a realidade e a percepção
do mundo (DETONI, p. 48, 2009)”.
30
1.2 Breve contextualização sobre a evolução do uso de drogas
O uso de drogas entre as sociedades do mundo não é um fato recente, ao
contrário faz parte de uma construção histórica que vem se desenvolvendo a cada
dia e que ganha visibilidade de acordo com sua abrangência na vida humana. Já as
repercussões negativas que esse uso trouxe para os homens é algo contemporâneo
e que ganha hoje os grandes espaços de discussões políticas, econômicas e
sociais, tendo em vista sua magnitude de representações e sua frequente
associação com a criminalidade, seja pela mídia ou mesmo pelos populares.
Com isso, observa-se que a utilização de drogas nas primeiras formas de
organização social é algo inegável, pois segundo muitos registros existentes na
literatura atual, as drogas utilizadas inicialmente eram provenientes das plantas,
devido o efeito anestésico de alguns vegetais e a facilidade que eram extraídos na
natureza. Assim especificamente essas substâncias eram utilizadas, por exemplo,
para realização de rituais religiosos ou mesmo para a cura de doenças. Segundo
Mota (2009, p. 25).
O uso de substâncias psicoativas é fato recorrente em toda a história da
humanidade e provém, basicamente, da relação do homem com as plantas.
Além da alimentação, do abrigo e dos remédios, os primeiros hominídeos
descobriram que algumas plantas possuíam a capacidade de produzir
estados alterados de consciência desejáveis.
É notório, portanto, que as drogas faz parte da história humana, da
cultura, dos costumes, das crenças, mas seu uso não foi preservado com as
mesmas finalidades, modificando-se de acordo com os períodos históricos em que
eram consumidas, alterando não só as formas de uso mais também as práticas
sociais a ela ligadas.
Com as transformações sociais as drogas foram sendo incorporadas
como elementos necessários a suprir algumas necessidades específicas, como por
exemplo, as de fins terapêuticos. Assim conforme Mota:
31
[...] Nunca houve na história da humanidade um período de total
temperança, quando grandes contingentes populacionais decidissem por
livre vontade permanecer abstêmios do consumo de drogas de qualquer
natureza. [...] a busca do homem por estas experiências sensoriais gerou
aprendizados culturais que acompanharam boa parte da evolução da
espécie humana, no início com fins ritualísticos e medicinais e agora cada
vez mais com finalidades recreativas (2009, p. 26).
Dessa forma, a evolução no uso de drogas é acompanhada pelo próprio
desenvolvimento social, assumindo novas facetas e gerando novas modalidades de
consumo e novas finalidades de acordo com as diversas conjunturas.
Visto assim, é imprescindível considerar a relação entre drogas e
mudança social. Logo as diversas drogas que circulam atualmente em nossa
sociedade tiveram seu aparecimento em outros contextos sociais, outros territórios,
outras nomenclaturas, para então chegarem ao patamar de uso/consumo que se
tem hoje.
No caso do álcool é conhecido como uma substância que proporciona
alterações no metabolismo do homem se consumido abusivamente, possibilitando
assim, de acordo com a frequência do uso, a dependência. Essa substância, como
as demais substâncias psicoativas, passou por um desenvolvimento histórico, tento
em vista a evolução da tecnologia associada às vias de produção e de consumo.
Com isso os estados de embriaguez experimentados pelo homem, segundo Mota
(2009, p.39), inicialmente tinham fins ritualísticos e transcendentais, onde:
[...] as sessões de embriaguez guardavam uma profunda relação com a
guerra e a vingança entre tribos. Nessas bebedeiras, os índios recordavam
suas vitórias em batalhas contra tribos inimigas e, em algumas ocasiões,
ocorria também o canibalismo.
Ainda sobre o consumo de álcool, o estado de embriaguez nas tribos
indígenas, era controlado por parte dos líderes para que o consumo dessa
substância não fosse utilizado fora dos momentos ritualísticos, e para tanto haviam
castigos destinados àqueles que descumprissem as normas. Nesse período as
bebidas que facilitavam ao homem encontrar-se embriagado ainda não eram as
32
bebidas destiladas que conhecemos hoje, como a cachaça, mas sim as bebidas
fermentadas, como o cauim tupinambá3.
As sociedades indígenas já consumiam bebidas alcoólicas por uma tribo
denominada Maxakali4, em que, conforme Pena (2006), desenvolveu um consumo
mais intenso a partir do contato com estrangeiros viajantes, por volta de 1939, que
tinham o objetivo de realizar estudos sobre determinadas regiões e sociedades e
para tanto se fixavam próximo aos índios munidos de bebidas com alto nível de teor
alcóolico, e a partir desse contato os índios passaram a aproximar-se dessas
substâncias acreditando que a bebida possibilitava o contato com os deuses yãmiy5.
Diante desse interesse os viajantes facilitavam as bebidas aos índios com o intuito
de embriagá-los para conseguir seus objetivos, que muitas vezes era a pretensão de
manter relações sexuais com as índias. Foi então a partir dessa relação social que
os índios Maxakali tiveram contato com as bebidas destiladas, tais como a cachaça.
É relevante salientar ainda o que nos disse Pena (2006, p.221).
[...] Era praxe, tanto dos colonizadores como dos viajantes estrangeiros,
oferecer aguardente aos índios, principalmente, como um meio de seduzilos a desempenhar algum tipo de atividade que lhes interessava. Desse
modo, acreditamos que é factível especular que os Maxakali, ao longo de
suas interações com esses não-índios, também tenham experimentado
essa bebida destilada [anteriormente] (grifo meu).
Podemos observar com isso que as bebidas fazem parte do próprio
contexto histórico do país que vivemos e que é uma cultura apreendida e
disseminada por toda a sociedade brasileira há um longo período de tempo.
Conforme destacamos, o uso de álcool é um processo que acompanha o
desenvolvimento da humanidade. Visto assim, podemos encontrar registro da
utilização de tal substância na Bíblia Sagrada sem sofrer nenhuma condenação
explicita, pois em toda literatura bíblica o uso de bebidas alcóolicas é caracterizado
3
Bebida produzida pelos índios brasileiros que tem por ingredientes água e mandioca e que seu
consumo só era efetivado um dia após seu preparo e com isso ficava armazenados em um recipiente
de barro.
4
Grupo indígena que escaparam ao extermínio e à absorção de sua cultura pela sociedade
contemporânea e encontram-se situados nos munícipios de Bertópolis e Santa Helena de Minas, no
Estado de Minas Gerais, próximo da fronteira com a Bahia.
5
Segundo Pena apud Álvares (2006, p. 220) os yãmiy são os seres „ donos do canto, das belas
palavras‟ e „ levam uma vida no além muito semelhante à dos humanos‟.
33
como algo que ao mesmo tempo traz a alegria e o bem-estar, mas também a
violência e o vício (MOTA, 2009).
O consumo do álcool, portanto, sofreu uma diversidade de metodologias e
em algumas organizações sociais havia mecanismos de controle desse uso, mas
nunca houve na história da humanidade um período de total proibição, conforme
Mota (2009). Sendo assim ainda hoje temos a liberalização ativa do consumo, da
produção e do comercio de álcool, embora existam algumas legislações á nível
federal, estadual e municipal que visem combater a utilização do álcool em algumas
circunstâncias específicas, como por exemplo, a chamada Lei Seca vigente hoje no
Brasil, que caracteriza crime o fato de consumir bebida alcoólica e praticar o ato de
dirigir.
Já a maconha, de acordo com Carlini (2006), é uma droga de origem
vegetal nomeada cientificamente por Cannabis sativa, que tem seu aparecimento
em território nacional com a própria descoberta do Brasil, apesar de não ser natural
desse país, mas foi com a chegada das primeiras embarcações que traziam os
escravos às terras brasileiras que a maconha teve o inicio do uso entre os povos
que aqui habitavam, mais precisamente por volta do ano de 1549.
Vale ressaltar ainda, segundo o autor, que a maconha foi trazida pelos
escravos negros, mas que também foi elemento constituinte das caravelas que aqui
desembarcavam, pois as velas e o cordão das embarcações eram produzidos com
fibras de cânhamo, como também é chamada a maconha.
No discurso sobre a maconha, cabe ressaltarmos também que por um
período na historia do Brasil, mais especificamente na passagem da segunda
metade do século XIX para início do século XX, a maconha teve seu
reconhecimento por parte da classe médica, visto que passou a ser incorporada na
prática terapêutica, sendo assim receitada para fins diversos, assim segundo Carlini:
Na segunda metade do século XIX esse quadro [o uso de maconha como
prática das camadas populares] começou a se modificar, pois ao Brasil
chegaram notícias dos efeitos hedonísticos da maconha, principalmente
após a divulgação dos trabalhos de vários escritores e poetas da França.
Mas foi o uso medicinal da planta que teve maior penetração em nosso
meio, aceito que foi pela classe médica. [...] Na década de 1930, a maconha
34
continuou a ser citada nos compêndios médicos e catálogos de produtos
farmacêuticos (2006, p.315, grifo meu).
Desse modo, segundo o OBID, existem referências do uso da maconha
há mais de 12.000 anos, datando assim um período a.c. onde foi descoberta pela
primeira vez na Índia com propósitos similares aqueles utilizados no Brasil, ou seja,
na busca de induzir o sono, de auxiliar na cura de doenças, etc.
Foi então, posterior há um vasto período de consumo da maconha, ainda
pautado nas colaborações do OBID, que a partir de 1930 iniciou-se um momento de
forte repressão sobre a utilização da maconha no Brasil, datando em 1933 as
primeiras prisões pelo comércio ilegal da maconha. Dessa forma foi elaborado em
1938 pelo Governo Federal o Decreto-Lei nº 891 que demandava a proibição total do
plantio, cultura e exploração por particulares da maconha, em todo território
nacional, sendo assim, modificada na época pela Nova Lei dos Tóxicos, Lei
6.368/76, que posteriormente foi revogada pela lei 11.343/06, que iremos discutir
mais adiante.
Voltando-se agora para o uso da cocaína, é válido ressaltar, antes de
tudo, algumas características da droga. Trata-se de uma substância de origem
vegetal, pois é originária das folhas de uma planta que cresce ao leste dos Andes e
acima da Bacia Amazônica em forma de arbusto e que já estão presentes nas
sociedades da América do Sul por um longo período de tempo. Segundo Ferreira e
Martini:
[...] Há mais de 4500 anos, as folhas da coca são usadas por índios da
América do Sul. [...] O envolvimento humano com substâncias psicoativas,
em especial a cocaína, retornam a um passado longínquo. O abuso de
cocaína tem suas raízes nas grandes civilizações pré-colombianas dos
Andes que, há mais de 4500 aos, já conheciam e utilizavam a folha extraída
da planta Erythroxylon coca ou coca boliviana, como testemunham as
escavações do Peru e da Bolívia (2001, p. 96).
Tendo em vista a historicidade dessa droga, conforme os autores
supracitados, a mesma foi utilizada em diversas áreas da vida em sociedade, mais
precisamente no século XIX foi incorporada na medicina por grandes nomes da
35
época, como Freud, para o tratamento de doenças, como depressão, fadiga e
dependência de derivados do ópio (morfina). Assim também esteve presente na
composição de uma bebida muito conhecida e consumida por todo mundo hoje, no
caso a Coca – Cola, que em 1903 utilizava para a fabricação do refrigerante de cola
o xarope de coca, e logo mais tarde foi substituído visando possíveis efeitos de
dependência, pela cafeína.
A cocaína, de acordo com Ferreira e Martini (2001), foi isolada como
princípio ativo das folhas de coca no ano de 1859 por um químico alemão Albert
Niemann, e a partir disso a droga passou a ser considerado um medicamento
milagroso a ser prescrito pelos americanos para as enfermidades de maior
complexidade.
Ainda sobre a cocaína, é a partir dessa droga que surgem também outras
drogas derivadas desse princípio ativo, estando apresentado na forma de pasta
base. É, portanto, em meio a esses derivados da cocaína que se encontra o crack,
ou seja, conforme Detoni “é feito de uma pasta de cocaína não refinada à qual se
adiciona bicarbonato de sódio e solvente (2009, p. 33)” e que favorece um estado
prazeroso de aproximadamente cinco minutos. Visto assim, Perrenoud e Ribeiro
relata que:
Na transição para os anos 1980, surgiu nos Estados Unidos a cocaína na
forma de base livre, ou freebasing, sintetizada a partir da adição de éter
sulfúrico a cocaína refinada em meio aquoso altamente aquecido. Devido ao
risco de explosão, o freebasing era apenas fabricado em escala doméstica
e acabou caindo em desuso. Assim como o consumo da pasta básica, o
freebasing é considerado um precursor do consumo de crack nos Estados
Unidos. [Dessa forma] O crack surgiu entre 1984 e 1985 em bairros pobres
e marginalizados de Los Angeles, Nova York e Miami. Era obtido a partir de
um processo caseiro e utilizado em grupos, em casas abandonadas e
precárias (chamadas crack house) (2012, p. 33, grifo meu).
Visivelmente percebemos que o crack é uma droga recente, tendo sido
encontrada, segundo Ferreira e Martini, em 1985 nas Bahamas, mas percebemos
também, mediante a leitura da realidade, que essa droga tem comprometido a vida
de muitos dependentes químicos rapidamente.
36
É imprescindível também destacar que apesar dessa recente história da
droga, seus padrões de consumo também se alteraram e os motivos pelos quais os
usuários buscavam a droga sofreram modificações. Desse modo, Perrenoud e
Ribeiro, discorrem que:
Os dois levantamentos domiciliares (2001 e 2005) realizados pelo Centro
Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) mostraram
que o consumo dessa droga [crack] quase dobrou. [...] Os motivos dos
usuários para o consumo também se alteraram. Em meados dos anos 1990,
„ a busca por sensação de prazer‟ era a justificativa da maioria. No final da
mesma década, porém, o consumo era estimulado por compulsão,
dependência ou como forma de lidar com problemas familiares e frustrações
[...] (2012, p.35, grifo meu).
Outro derivado da cocaína bastante conhecido é a merla, que conforme
Detoni (2009) é uma droga bastante utilizada em Brasília, aparecendo também como
uma opção barata ao crack e que propicia um prazer mais duradouro de
aproximadamente de quinze minutos.
A droga [merla] é feita a partir da mistura da pasta básica de cocaína com
produtos químicos como querosene, gasolina, benzina, metanol, cal virgem,
éter, pó de giz e solução de bateria de carro. Ela tem consistência pastosa,
cheiro forte e coloração que varia do tom amarelado ao marrom. É fumada
misturada à maconha ao tabaco, mas pode ser consumida pura. Trata-se de
uma droga com alto poder de dependência. O uso compulsivo pode ocorrer
em questão de semanas (DETONI, 2009, p. 55, grifo meu).
Ainda pautado nas considerações da autora, o abuso no consumo de
merla pode levar ao desencadeamento de diversos problemas de saúde, tais como
taquicardia, sudorese6, perda de apetite, perda de peso e dores de cabeça. Assim
mediante os produtos químicos encontrados na composição da droga, esta se torna
ainda mais destrutiva que o crack, mas atualmente a merla é visivelmente pouco
consumida
no
Brasil
tornando
o
crack
a
droga
mais
preocupante
da
contemporaneidade.
6
Sudorese caracteriza-se por uma condição médica cuja principal condição é a transpiração em
excesso.
37
Em relação ao consumo de drogas psicotrópicas, o VI Levantamento
Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Nível
Fundamental e Médio das Redes Públicas e Privadas de Ensino das 27 Capitais
Brasileiras, realizou-se em 2010 com um total de 50.890 estudantes, em que foi
observado nos resultados totais que 25,5% de estudantes declararam uso na vida
de alguma droga (exceto álcool e tabaco), que 9,9% na escola pública e 13,6% na
rede particular afirmaram uso de drogas no ano, sendo 42,4% de álcool e 9,6% de
tabaco e referente ao crack os resultados mostram, que houve uma redução de uso
no ano de 0,7% para 0,4%, mas um aumento de uso da cocaína de 1,7% para 1,9%.
Assim percebemos que as drogas é realidade presente na vida dos adolescentes
brasileiros, sejam elas lícitas ou ilícitas.
Diante do exposto, é notório, que assim como a historia humana que
perpassa por transformações cotidianas, sociais, culturais e econômicas a história
do uso de drogas também sofreu alterações consideráveis e que necessitavam
serem analisadas previamente para então compreendermos o que vem a ser
dependência química.
1.3 O que dispõem as leis e políticas contemporâneas sobre drogas?
O uso abusivo de drogas é caracterizado atualmente pelo Governo como
uma questão epidemiológica de saúde pública que afeta a população brasileira de
maneira multiplicadora e que acarreta danos que necessitam ser minimizados.
Assim, como vimos, os danos devem ser considerados em todas as esferas da vida
do homem, seja no âmbito social, físico, econômico e/ou psicológico, tendo em vista
que a dependência química é uma doença multifatorial podendo ser desencadeada
por infinitos aspectos e devendo ser tratada também enfocando diversos segmentos
da vida.
Deste modo as legislações e políticas que trabalham a questão do uso de
drogas abordam em seus conteúdos a existência de uma rede integral para o
atendimento a demanda usuária de drogas, mas diante da leitura da realidade, o que
podemos perceber é que a efetivação dessa rede ainda não se concretiza
38
completamente realizando-se práticas pautadas pelo viés clínico de recuperação da
saúde sem articulação com outros serviços na tentativa de amenizar os danos
causados pelos indivíduos que usam drogas à sua própria saúde e à sociedade que
vivem, mas diante disso despertam-se alguns questionamentos, como por exemplo:
Que implicações a recuperação da saúde tem na vida dos sujeitos acometidos pelo
uso e dependência de drogas? De que modo o viés da saúde pode contribuir para o
tratamento dos usuários?
A RD [redução de danos] constitui uma estratégia de abordagem das
questões relativas ao uso de drogas, que não pressupõe a extinção do uso
de drogas seja no âmbito do coletivo, seja no de cada indivíduo, mas que
formula práticas que diminuem os danos para aqueles que usam drogas e
para os grupos sociais com os quais convivem (CRUZ, 2006, p. 14, grifos
meus).
Diante disso é necessário lembrar que garantir o acesso à saúde não é
fruto apenas de uma política especifica sobre drogas, mas é um direito universal e
gratuito garantido legalmente a todos os cidadãos brasileiros, fixado na CF-88,
constituindo um dos pilares do tripé da seguridade social.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).
A saúde a partir dessa definição é apresentada como uma obrigação do
Estado de prover as medidas que possibilitem o alcance de uma melhor condição de
vida e bem estar social e que garanta ao cidadão brasileiro viver em consonância
com as condições mínimas para a promoção, proteção e recuperação de sua saúde.
No que tange as condições para promoção, proteção e recuperação da
saúde de que trata CF-88, existe ainda a Lei nº 8.080 para dispor sobre estas, bem
como
para
organizar
também
o
funcionamento
correspondentes. Visto assim de acordo com essa lei:
dos
serviços
de
saúde
39
Art.2º - A saúde é um direto fundamental do ser humano, devendo o Estado
prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.Art.3º - A saúde
tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a
alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho,
a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços
essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização
social e econômica do País (BRASIL, 1990).
Frente a essas legislações é nítido percebermos que tratar a saúde dos
usuários de drogas vai muito além de tratamentos farmacológicos, ambulatoriais e
clínicos, ou seja, é necessário intervir na qualidade de vida dessa demanda
buscando alternativas capazes de superar a condição que se encontram, em que
muitas vezes apresentam a perda dos vínculos familiares, abandono, falta de
moradia, desemprego, falta de alimentação.
De acordo com a pesquisa realizada pela Fiocruz, conforme citada
anteriormente, os usuários de crack e similares:
Quando questionados sobre os motivos que os levaram ao uso de
crack/similares, mais da metade dos usuários disse ter vontade/curiosidade
de sentir o efeito da droga (IC95%: 55,2-61,3). A pressão dos amigos foi
relatada por 26,7% (IC95%: 23,9-29,7) dos usuários e 29,2% dos
entrevistados disseram que um dos motivos para início do uso da droga
foram os problemas familiares ou perdas afetivas (IC95%: 26,7-31,8)
(FIOCRUZ, 2013, p. 15).
Perguntados em relação aos aspectos considerados importantes para que
eles [usuários e usuárias] possam acessar os serviços de saúde, destacamse os serviços associados à assistência social, como distribuição de
alimento, oferta de serviço de saúde e higiene, e apoio para conseguir
emprego, escola/curso e atividades de lazer (FIOCRUZ, 2013, p.25).
Com isso a Lei 8.080/1990 ainda dispõe no parágrafo único do art. 3º que
“Dizem respeito também à saúde às ações que, se destinam a garantir às pessoas e
à coletividade condições de bem estar físico, mental e social (Brasil, 1990)”.
Visando a complexidade que envolve o problema do uso de drogas na
sociedade brasileira faz-se necessário a criação de legislações e políticas, que
visem atuar com a prevenção, ou seja, nas condições que possivelmente venham a
desencadear a dependência química, como por exemplo, o fator da desigualdade
social e por consequente a exclusão social, que por vezes diante do sistema
40
capitalista em que vivenciamos acabam por influenciar de múltiplas as formas a
busca por drogas como refúgio dos problemas cotidianos. Segundo Charbonneau:
[...] O problema se coloca, de hoje em diante, como uma ameaça, porque
não está circunscrito apenas à prática individual, não é mais apenas uma
questão acidental infeliz mais excepcional, não se apresenta como hipótese
eventual e longínqua. Bem ao contrário! Eis que a droga se tornou parte do
nosso universo e um fenômeno de civilização. Atravessa o espaço e o
tempo, ultrapassa as fronteiras, desconhece as idades, oferece-se como
remédio contra a apatia de viver num mundo cujo absurdo estoura
abertamente. Foi dito da droga que ela era um sintoma da crise da
civilização que vivemos. Ora, raramente, para não dizer jamais, na história
das civilizações, viu-se humanidade sofrer crise tão violenta
(CHARBONNEAU, p. 96, 1982).
As legislações e políticas sobre drogas começaram a ganhar visibilidade
social recentemente, tendo em vista o aumento da população usuária e dependente
de drogas, mas as instituições que atuavam com essa demanda já existiam há muito
tempo, como no caso da instituição pesquisada que já existe a trinta e oito anos.
Anterior a CF-88 o uso de drogas já se fazia presente na realidade
brasileira e devido a isto também já existia uma legislação que garantia alguns
direitos mínimos aos usuários de drogas e reprimia o tráfico dessas substâncias, era
a Lei 6.368/76, citada no primeiro capítulo, que foi sancionada pelo então Presidente
da República Ernesto Geisel para dispor “sobre as medidas de prevenção e
repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que
determinem dependência física ou psíquica (BRASIL, 1976)”.
Na constituição dessa lei ainda não se levava em consideração os
serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde da demanda usuária de
drogas, visto que o período histórico em que foi criada era outro e que seus
aspectos epidemiológicos e dimensionais também eram diferentes dos atuais, assim
ainda não havia no discurso desta lei a compreensão de integralidade dos serviços
para lidar com a temática das drogas. Atualmente esta lei foi substituída pela Lei
11.343/06 que iremos falar mais adiante e que se encontra disponível nos anexos
deste estudo.
41
Sendo assim, hoje temos algumas legislações e políticas que foram
criadas e/ou substituídas para atender questões que envolvem a demanda usuária
de drogas, dentre essas está a Lei 10.216 criada em 06 de Abril de 2001 pelo então
Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, disponível na íntegra nos
anexos, e que “dispõe sobrea proteção e os direitos das pessoas portadoras de
transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental (BRASIL,
2001)”.
Esta lei ao entrar em vigor passou a reorganizar o modelo de atenção às
pessoas portadoras de transtornos decorrentes da saúde mental, viés pelo qual são
tratados os usuários de drogas pela Organização Mundial da Saúde (OMS),
possibilitando posteriormente a criação de equipamentos extras – hospitalares, para
atenderem a demanda que necessitava de intervenções para além dos asilos e
manicômios que se tinham anteriores a essa lei.
Dessa forma essas instituições mencionadas acima que privavam os
indivíduos do exercício da vida em comunidade com a lei 10.216/01 passaram
lentamente á ser substituídas, embora não se possa garantir que elas ainda não
existam, pelas unidades de atendimento chamadas Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPS i, CAPS AD) criados a partir da Portaria GM/336
de 19 de fevereiro de 2002 (MS, 2002) e pelos hospitais mentais e especializados
criados pela Portaria SAS/189 de 20 de março de 2002 (MS, 2002) que regulamenta
a Portaria GM/336 e cria no âmbito do SUS serviços de atenção psicossocial para
pessoas com transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas.
Com essa mudança os tratamentos das pessoas portadoras de
transtornos mentais passaram a serem ofertados em instituições diferenciadas de
acordo com a demanda, pois conforme o Ministério da Saúde (MS), o CAPS I é
implantado em cidades de pequeno porte, que deve dar cobertura para toda
demanda com transtornos mentais severos durante o dia (adultos, crianças e
adolescentes e pessoas com problemas devido ao uso de álcool e outras drogas); o
CAPS II é próprio para prestar serviços para cidades de médio porte e atender
durante o dia a demanda adulta; o CAPS III é especializado em demandar serviços
24h, geralmente disponíveis em grandes cidades, que atende os usuários adultos; o
42
CAPS i são serviços para crianças e adolescentes, em cidades de médio porte, que
funcionam durante o dia e os CAPS AD são serviços para pessoas com problemas
pelo uso de álcool ou outras drogas, geralmente disponíveis em cidades de médio
porte e que funcionam durante o dia.
Visto assim, mais uma vez diante da tentativa de integrar os serviços em
relação ao atendimento dos usuários de álcool e outras drogas foi criada a Política
do Ministério da Saúde para Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras
Drogas de 2004 que passou a funcionar em consonância com a lei 10.216/01,
comentada acima, ofertando seus serviços também a partir dos equipamentos
criados com esta lei.
A política, conforme SENAD (2008) trata em suas diretrizes de fatores
relevantes ao tratamento dos usuários de álcool e outras drogas, sendo estes a
intersetorialidade que é pautada na articulação dos serviços com os diversos
segmentos
da
sociedade,
sejam
eles
movimentos
sindicais,
associações,
organizações comunitárias, entidades privadas, enfim uma junção nos esforços e
integração entre os serviços de atenção às pessoas usuárias de álcool e outras
drogas. Faz-se presente também a diretriz da atenção integral respaldada na oferta
de assistência não só a saúde física dos usuários, mas também ao seu bem estar
social, tendo pleno acesso aos seus direitos fundamentais enquanto cidadãos
brasileiros, direitos estes como alimentação, moradia, emprego e renda.
A Política dispõe ainda em relação à prevenção, proteção e promoção da
saúde dos usuários de álcool e outras drogas com vista à criação de estratégias
para a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas, diminuindo os riscos e
garantindo o acesso a informação, contando ainda com o apoio da sociedade civil a
qual estão inseridas.
Diante dessa exposição a política tem como objetivos:
1) Alocar a questão do uso de álcool e outras drogas como problema de
saúde pública; 2) Indicar o paradigma da redução de danos – estratégia de
saúde pública que visa a reduzir os danos causados pelo abuso de drogas
lícitas e ilícitas, resgatando o usuário em seu papel autoregulador, sem a
43
preconização imediata da abstinência e incentivando-o à mobilização social
– nas ações de prevenção e de tratamento, como um método clínico-político
de ação territorial inserido na perspectiva da clínica ampliada; 3) Formular
políticas que possam desconstruir o senso comum de que todo usuário de
droga é um doente que requer internação, prisão ou absolvição; 4) Mobilizar
a sociedade civil, oferecendo a esta condições de exercer seu controle,
participar de práticas preventivas, terapêuticas e reabilitadoras, bem como
estabelecer parcerias locais para o fortalecimento das políticas municipais e
estaduais (MS, 2004).
A partir dessa Política do Ministério da Saúde de 2004 foram criadas
políticas com ações específicas para atenderem as necessidades das demandas
que se apresentavam na sociedade brasileira, dentre elas está a Política Nacional
do Álcool, aprovada pelo decreto nº 6117 de 22 de maio de 2007 que dispõe sobre
medidas para redução do uso indevido de álcool e sua associação com a violência e
criminalidade e mantêm-se em vigor atualmente.
A Política Nacional sobre o Álcool contém princípios fundamentais à
sustentação de estratégias para o enfrentamento coletivo dos problemas
relacionados ao consumo de álcool, comtemplando a intersetorialidade e a
integralidade de ações para a redução dos danos sociais, à saúde e a vida
causados pelo consumo desta substância, bem como as situações de
violência e criminalidade associadas ao uso prejudicial de bebidas
alcoólicas na população brasileira (SENAD, p.78, 2008).
Portanto, esta política trata-se basicamente de atender a demanda
usuária de álcool, trazendo em seu conteúdo as diretrizes necessárias para sua
execução e implementação, assim, também como conceituando bebidas alcoólicas
da seguinte forma:
[...] é considerada bebida alcoólica aquela que contiver 0,5 grau Gay Lussac
ou mais de concentração, incluindo-se aí bebidas destiladas, fermentadas e
outras preparações, como a mistura de refrigerantes e destilados, além de
preparações farmacêuticas que contenham teor alcoólico igual ou acima de
0,5 grau Gay-Lussac (SENAD, p. 78,2008).
No ano seguinte foi também criada a Política Nacional sobre Drogas de
2005, resultado de um realinhamento necessário na antiga política que se
44
denominava Política Nacional Antidrogas de 2001, mediante as transformações
sociais, políticas e econômicas que o pais vinha enfrentando.
A Política Nacional sobre Drogas estabelece os fundamentos, os objetivos,
as diretrizes e as estratégias indispensáveis para que os esforços, voltados
para a redução da demanda e da oferta de drogas, possam ser conduzidos
de forma planejada e articulada (DUARTE; DALBOSCO, p. 220, 2013).
Desse modo:
A política realinhada orienta-se pelo princípio da responsabilidade
compartilhada, adotando como estratégia a cooperação mútua e a
articulação de esforços entre governo, iniciativa privada, terceiro setor e
cidadãos, no sentido de ampliar a consciência para a importância da
intersetorialidade e descentralização das ações sobre drogas no país
(SENAD, p.9, 2008).
A Política Nacional sobre Drogas (2005) está pautada em cinco linhas de
ação, sendo elas: a prevenção, baseada no princípio da responsabilidade
compartilhada, ou seja, da junção de esforços com a sociedade civil e com as
entidades publicas e privadas para a melhoria da qualidade de vida das pessoas; o
tratamento, recuperação e reinserção social:
2.1.2 O acesso às diferentes modalidades de tratamento e recuperação,
reinserção social e ocupacional deve ser identificado,qualificado egarantido
como um processo contínuo de esforços disponibilizados, de forma
permanente, para os usuários, dependentes e seus familiares, com
investimento técnico e financeiro de forma descentralizada (SENAD, 2008
p. 17).
As demais linhas são: a redução de danos sociais e a saúde, visando
criar estratégias para diminuir os danos causados á saúde e aos direitos humanos
dos usuários de drogas; a redução da oferta e a repressão, trabalhando na
repressão ao tráfico de drogas e na garantia da melhoria na segurança das pessoas,
bem como distinguir e tratar de maneira diferenciada o usuário do traficante de
45
drogas, passando a ter este pena mais dura e severa; e por fim encontra-se o eixo
de estudos, pesquisas e avaliações que se compromete em fornecer informações
que servirão de bases teóricas e legais na criação de medidas que visem aprimorar
os serviços de prevenção, proteção, promoção, tratamento e reinserção social da
demanda usuária de drogas.
A política acima abria espaço também para a iniciativa privada, no que
tange a assistência à saúde dos usuários, assim, como já na CF-88 no primeiro
parágrafo do Art.199 lê-se: “As instituições privadas poderão participar de forma
complementar do sistema único de saúde, mediante contrato de direito ou convênio,
tendo preferência às entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos”.
Na realidade atual o que vivenciamos são os serviços públicos de saúde
muitas vezes precários, os usuários ficam a mercê da caridade das instituições
filantrópicas que quase nunca tem convênios estabelecidos com o governo e quando
esses tem uma boa condição financeira são destinados a procura dos serviços na
esfera privada, indo contra a legislação que garante essa atenção a saúde de
maneira universalizada e gratuita. É, portanto, nessa realidade individualizante que
estão inseridos os dependentes químicos necessitados de intervenção integral e
intersetorial, diversas vezes atendidos por um só viés, seja ele o farmacológico, o
religioso, o social ou pela política de redução de danos.
A partir dessa política se iniciaram momentos de elaboração de novos
aparatos legais que passaram a garantir à prevenção, o tratamento, a reinserção
social bem como o combate a criminalização da população usuária de drogas,
estabelecendo como item importante a ser considerada, a diferenciação entre
usuários/dependentes e traficantes.
Dentre essas está a Lei 11.343/06 que instituiu o Sistema Nacional de
Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) e que substituiu a Lei 6.368/76, de acordo
com a SENAD (2008), tendo em vista manter relação de proximidade e semelhança
com os diversos serviços prestados a população usuária e dependente de drogas,
constituindo-se um marco na atenção prestada aos usuários de drogas até então no
território nacional passando ser referenciada em cenário internacional.
46
Essa lei também não descriminaliza nenhum tipo de droga, mas o porte
não autorizado ainda continua evidenciando crime e os usuários e dependentes não
estarão mais sujeitos a detenção, logo cumprirão medidas socioeducativas aplicadas
pelos juizados criminais especiais, criados pela Lei 9.099/95 para lidar também com
essa demanda e dá outras providências. É oportuno salientar ainda o que nos diz
Duarte e Dalbosco: “a justiça retributiva, baseada no castigo, é substituída pela
justiça restaurativa, cujo objetivo maior é a ressocialização por meio de penas
alternativa (2013, p. 221)”.
De acordo ainda com essa Lei, mais especificamente no parágrafo único
do Art.1º, “consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de
causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas
atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”.
Para atender as exigências dessa lei existe uma portaria do Ministério da
Saúde, qual seja Portaria nº 344 de 12 de maio de 1998, que dispõe em seu Anexo I
o conteúdo referente às listas de substâncias entorpecentes, psicotrópicas,
precursoras e outras sob controle especial, cabendo a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA) realizar as atualizações nessas listas e realizar o
controle sobre as substâncias proibidas.
A Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA), de acordo com o portal
virtual da própria entidade, foi criada pela Lei nº 9.782, de 26 de janeiro 1999, e é
uma autarquia sob regime especial, que tem como área de atuação não um setor
específico da economia, mas todos os setores relacionados a produtos e serviços
que possam afetar a saúde da população brasileira, sendo assim é imprescindível
citá-la neste momento, pois estamos tratando de condições que podem interferir na
saúde do homem, bem como na sua vida social.
São por controle da ANVISA que também são regulamentadas as
instituições que prestam serviços de atenção a pessoas com transtornos
decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas por meio da
Resolução – RDC Nº 29 de 30 de junho de 2011(ver resolução na íntegra nos
anexos). Dentre essas instituições estão incluídas as comunidades terapêuticas que
lidam com a problemática das drogas e que representa o campo de pesquisa desse
47
estudo, sendo assim iremos discorrer mais adiante sobre essa regulamentação
específica.
Esta resolução dá um novo direcionamento aos serviços prestados até
então para a demanda usuária de drogas, pois discorre no paragrafo único do seu
Art. 1º que “O principal instrumento a ser utilizado para o tratamento das pessoas
com transtornos decorrentes de uso, abuso ou dependência de substâncias
psicoativas deverá ser a convivência entre os pares”. Sendo assim a reciprocidade
mútua deve manter-se no decorrer do tratamento, entre profissionais, usuários e
familiares. Segundo Fracasso e Landre:
As comunidades terapêuticas são ambientes de internação especializados,
presentes em mais de 60 países, que oferecem programas de tratamento
estruturados e intensivos, visando a obtenção e a manutenção da
abstinência, inicialmente em ambiente protegido, com encaminhamento
posterior para internação parcial e /ou para ambulatório, conforme as
necessidades do paciente (FRACASSO; LANDRE, p. 503, 2012).
Esses ambientes de tratamento em sua maioria atuam na recuperação de
indivíduos acometidos também pelo uso de drogas lícitas como o álcool, que
culturalmente não é visto como droga e não chega até mesmo ser temido na
sociedade, mas de acordo com o I Levantamento Nacional sobre os Padrões do
Consumo de Álcool na População Brasileira (2007), 52% da população podem ser
considerados como bebedores, representando mais da metade dos entrevistados e
demonstrando uma preocupação crescente para o país.
Visto assim faz-se mais uma vez necessário contemplar nesse estudo a
urgência por integração nos serviços ofertados a essa demanda, pois o problema
decorrente da dependência de drogas, seja ela lícita ou ilícita, é multideterminado,
ultrapassando questões que vão além do uso e da substância, perpassando todas
as esferas da vida do homem em sociedade. Trataremos de forma mais detalhada
dessa integralidade no tópico seguinte desse capítulo.
Com essa necessidade cada vez mais nítida foi elaborado em 20 de maio
de 2010 por meio do Decreto 7.179 o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e
Outras Drogas pelo então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, com
vista a melhorar os serviços de prevenção do uso, tratamento e reinserção social
48
dos usuários de drogas, bem como capacitar os profissionais para atuarem com
essa especificidade, fortalecer as ações de enfrentamento ao tráfico de drogas,
fortalecer e ampliar as redes de atenção para usuários de crack e outras drogas.
Atualmente como expressão das medidas propostas nesse plano citado
acima, temos em vigor e ainda em período de construção das atividades
estabelecidas o “Programa Crack, É Possível Vencer!”, que foi lançado em
dezembro de 2011 e que prevê medidas de atenção a demanda usuária de crack e
outras drogas a partir de três eixos norteadores: prevenção, cuidado e autoridade.
O eixo de prevenção, de acordo com o programa, visa trabalhar na
educação, na disseminação de informações sobre drogas e na capacitação de
entidades e profissionais que lhe atuaram com essa demanda (BRASIL, 2011).
Já o eixo do cuidado visa aumentar a disponibilidade de tratamento de
saúde e atenção aos usuários de drogas, criando para isso consultório na rua,
Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) 24hs, enfermarias
especializadas, unidades de acolhimento adulto, unidades de atendimento infantojuvenil e criar convênios com comunidades terapêuticas especializadas.
E no eixo de autoridade tem-se como pretensão atuar no tráfico de drogas
e crime organizado mantendo para isso articulação com as políticas de assistência e
saúde.
O programa citado coloca algumas metas para serem cumpridas até o
ano de 2014 na criação de serviços para atender o público-alvo, mas nitidamente
não percebemos avanços significativos pautados nesse programa, o que vemos de
mais atual é o que foi divulgado no dia 19 de setembro de 2013 pela Secretaria
Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) e realizada pela Fundação Oswald
Cruz (Fiocruz), constituindo-se na maior pesquisa sobre o uso de crack e similares
no Brasil, com grandes números da crescente população usuária de crack e seus
derivados, mas ainda assim nos suscita pensarmos se essa pesquisa representa
realmente a realidade que presenciamos cotidianamente, seja ela nas esquinas dos
bairros periféricos ou mesmo nos grandes eventos da elite burguesa.
49
Portanto, entre as legislações, políticas, planos, programas que estão
direcionados a garantir a prevenção, o tratamento e a reinserção social dos usuários
e dependentes de drogas encontra-se sempre presente a integralidade com outras
políticas, pois a situação em que está acometida essa demanda faz necessitar de
atenção efetiva e de caráter cumulativo, que não tenha pretensão apenas reprimir ou
alcançar bem estar físico, é necessário promover e reproduzir as condições básicas
da vida em sociedade para cada usuário que está em regime de recuperação.
50
2. DEPENDÊNCIA QUÍMICA E FAMÍLIA
2.1 Dependência química
Como já foi visto no primeiro capítulo, existem conceitos para designar os
padrões de uso de drogas, pois não necessariamente o fato de usar tais substâncias
nos remeta uma condição de dependência química, pois a relação da humanidade
com as drogas já existem desde seus primórdios, diante dessa discussão Duarte;
Morihisa (2013, p. 45) nos diz que,
[...] Quer seja por razões culturais ou religiosas, quer por recreação ou
como forma de enfrentamento de problemas, para transgredir ou
transcender, como meio de socialização ou para se isolar, o homem sempre
se relacionou com as drogas. Essa relação do indivíduo com cada
substância psicoativa pode, dependendo do contexto, ser inofensiva ou
apresentar poucos riscos, mas pode assumir, também, padrões de
utilização altamente disfuncionais, com prejuízos biológicos, psicológicos e
sociais.
Tratando-se disso a dependência química é considerada segundo o
Código Internacional de Doenças (CID-10) da Organização Mundial da Saúde
(OMS) como uma doença progressiva, crônica, primária e que gera outras doenças,
mais especificamente caracterizada como um transtorno mental e comportamental
devido ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas.
Sendo assim:
A dependência química é uma doença crônica e recidivante em que o uso
continuado de substâncias psicoativas provoca mudanças na estrutura e no
funcionamento de cérebro. [...] Tais alterações originam ou exacerbam
comportamentos de natureza compulsiva que anteriormente pouco ou nada
interferiam na vida do paciente e de seus grupos de convívio, tornando o
comportamento de dependente cada vez mais dirigido para a obtenção e o
uso dessas substâncias, ao mesmo tempo em que diminui sua capacidade
de parar de usá-las, mesmo quando seu efeito é menos gratificante ou já
interfere significativamente no funcionamento de outras áreas de sua vida
(LARANJEIRA, 2012, p. 23).
O
fenômeno
da
dependência
química
presente
na
sociedade
contemporânea não corresponde à prática do uso de substâncias que alteravam o
51
nível de consciência dos seus usuários nas antigas sociedades, pois esse uso,
baseado em Pratta e Santos (2009), representava hábitos e costumes que
compreendiam a cultura de cada sociedade específica e era esta entidade que
dirigia o consumo dessas substâncias estando sempre destinado a pequenos grupos
e a momentos especiais.
Visto dessa forma podemos perceber que esse uso pautado no respeito
aos momentos a ele destinados sofreu alterações nas sociedades atuais, pois
cotidianamente verificamos que o uso de drogas não tem mais distinção de grupos
sociais, mas segundo o pensamento de Bucher (1992), embora as sociedades
apresentem diferenças culturais em relação à utilização e às finalidades do álcool e
outras drogas, essas substâncias apresentam algumas funções presentes em todos
os lugares: elas oferecem a possibilidade de alterar as percepções, o humor e as
sensações.
Embora o mundo tenha passado por diversas mudanças de caráter social,
cultural, econômico e político o hábito de usar substâncias psicoativas perpassou
todos esses momentos, ganhando novos significados e novas formas de consumo,
adquirindo novos sentidos aos momentos de uso, novos rituais e novas finalidades.
Decorrente dessas transformações ganhou visibilidade o fenômeno da
dependência química, proveniente do uso excessivo de drogas. A dependência
química é uma doença, mas não é caracterizada como qualquer doença que tem
fatores exclusivos, ela engloba vários determinantes, ou seja, tornar-se um
dependente químico não está diretamente ligado ao fato de ser homem ou mulher,
jovem ou adulto, rico ou pobre, pelo contrário um dependente químico na sociedade
atual não tem gênero, idade e nem classe social, podendo estar entre os mais altos
níveis sociais que a sociedade compõe. Ressalta-se o que diz Mota (2009, p. 30):
Defino aqui um dependente químico por um critério sociológico, como um
indivíduo que, em função de sua dependência de álcool e outras drogas
causa uma série de problemas no âmbito de sua interação social. [...] Enfim,
um dependente químico é um indivíduo que não consegue utilizar
substâncias psicoativas de forma moderada, não importando a frequência
deste uso.
52
A partir disso torna-se inegável reconhecer que a dependência química
não é apenas um caso clinico de saúde, mas que em seu desenvolvimento,
agravamento e tratamento estão presentes múltiplos fatores de origem social e
econômica que precisam ser considerados e analisados para então dar um
direcionamento na recuperação do individuo que sofre com a doença. De acordo
com Cruz “entre as formas de adoecer a dependência química se destaca devido
nenhuma outra envolver de modo tão complexo os aspectos biológicos, psicológicos
e socioculturais, pois usar drogas abusivamente é fruto de plurideterminações (2006,
p.14)”.
Tratar a dependência química a partir do viés da saúde, clinicamente
falando, é enveredar por um só caminho e por uma só causa, ou seja, a doença
como se apresenta na sua singularidade. É comumente aceito que toda doença
necessita de tratamento para que possa ser recuperada e controlada, mas no caso
da dependência química não é apenas do tratamento médico que o usuário
necessita tendo em vista suas particularidades. Dentro desse contexto Pratta e
Santos nos fala que,
Não basta, portanto, identificar e tratar os sintomas, mas sim, identificar as
consequências e os motivos que levaram à mesma [dependência química],
pensando o indivíduo em sua totalidade, para que se possa oferecer outros
referenciais e subsídios que gerem mudanças de comportamento em
relação à questão da droga (PRATTA; SANTOS, 2009, p.208, grifos meus).
Visto assim, compreende-se por saúde não apenas um bom estado físico,
mas as condições de vida que o indivíduo está inserido e para tanto é necessário
dispor dos mínimos possíveis para sua sobrevivência.
Compreendemos que o conceito de saúde engloba muito mais do que a
saúde física. Segundo a Constituição Federal Brasileira (CF-88) de 05 de outubro
1988 diz que:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação.
53
Assim apresenta-se a necessidade de efetivação da abordagem
multidisciplinar no tratamento da dependência química, pois precisamos tratar dessa
demanda pensando em seu bem estar social, como nos propõe a CF-88, em relação
as ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde.
Anterior ao pensamento dessa estratégia de atendimento, conforme
Teixeira (2009), as pessoas que sofriam com problemas decorrentes do uso ou
abuso de álcool e outras drogas eram trancadas em asilos e manicômios, e
“tratadas” a partir de um modelo psiquiátrico em que se utilizavam choques elétricos,
fazendo a ingestão de medicamentos diversos que, muitas vezes, nem
correspondiam ao seu problema.
Por muito tempo também, ainda de acordo com a autora supracitada, a
dependência química foi tratada como um caso de polícia, em que os usuários no
lugar de receberem atenção e tratamento eram banidos da sociedade e tratados
com repressão física, pois era uma população caracterizada como marginal e
violenta.
Com o passar do tempo o problema de fato foi se agravando, visto que
essas medidas não minimizavam as causas da patologia e repercutiam novamente
no uso abusivo de drogas. Assim as autoridades políticas do Brasil e do mundo
iniciaram um processo de atenção a essa população usuária de drogas e passaram
a adotar medidas para combater o tráfico, embora alguns países nunca tenham
proibido totalmente a utilização de drogas ilícitas para fins terapêuticos e para
práticas culturais, como o caso da Bolívia em que ainda se masca as folhas da coca
para controlar os efeitos da altitude.
Perrenoud e Ribeiro reforçam nosso pensamento, em relação a crescente
demanda dependente de drogas, quando afirmam que “O histórico do uso de crack
no Brasil passou por consideráveis mudanças nos últimos 20 anos e se tornou uma
realidade grave e perene que necessita de soluções específicas e com durabilidade
(2012, p. 36)”. Visto desse modo, a dependência química cresce rotineiramente em
nossa sociedade e os danos causados por esta também se alargam em todas as
dimensões da vida humana e em comunidade.
54
Ainda sobre a realidade brasileira, no dia 19 de outubro de 2013 foi
divulgada pela Fundação Oswald Cruz (FIOCRUZ) a maior pesquisa sobre o crack
feita no mundo a respeito do número de usuários de crack e similares em 2012. A
partir da estimativa, de 0,81%, encontrada na pesquisa revela-se que existem cerca
de 370 mil usuários de crack e/ou similares7 em todas as 26 capitais do país e no
Distrito Federal, evidenciando também que existe uma proporção de 2,2% de
usuários de drogas ilícitas (exceto a maconha) representando um milhão de
usuários. A pesquisa mostra ainda que,
As capitais da região Nordeste, ainda que estatisticamente apresentem
proporções similares de uso frente às capitais da região Sul foram as que
apresentaram o maior quantitativo de usuários de crack e/ou similares,
quando considerado o uso forma regular dessa droga: cerca de 150 mil
pessoas (FIOCRUZ, 2013, p.5).
O estudo também avaliou o quantitativo de usuários de crack e/ou similares
que são menores de idade. Dessa forma, para as capitais do Brasil,
observou-se que dos 0,81% da população que se estimou ser consumidora
regular de crack e/ou similares, 0,11% eram crianças e adolescentes; e
0,70% eram maiores de idade. Dentre os 370 mil usuários de crack e/ou
similares estimados, tem-se que cerca de 14% são menores de idade, o que
representa aproximadamente 50 mil crianças e adolescentes que fazem uso
dessa substância nas capitais do país (FIOCRUZ, 2013, p.7).
Diante da situação brasileira evidenciada na pesquisa mostra-se que é
urgente destinar atenção para as pessoas acometidas pela dependência química,
pois é uma população que está crescendo e necessitando de intervenções
diariamente perceptíveis.
Na atualidade, o processo de busca de um tratamento efetivo para a
dependência química se faz necessário que sejam levados em consideração os
aspectos sociais, culturais, biológicos, psicológicos, econômicos, familiares, entre
tantos outros passíveis de análises reflexivas.
É então a partir de uma abordagem multidisciplinar que o tratamento será
orientado de maneira a facilitar a recuperação das causas envolvidas no fenômeno
da dependência química, levando em consideração a especificidade de cada caso
7
De acordo com a FIOCRUZ (2013), entendem-se como similares o uso de substâncias como: pastabase, merla e oxi.
55
apresentado nas diversas instituições que oferecem tratamentos aos usuários de
drogas.
Todos os modos de atendimento que privilegiaram uma abordagem em
detrimento da outra se mostraram ineficazes. É preciso diversificar as
opções de atendimento, criando serviços intermediários entre o ambulatório
e a internação, como moradias-assistidas e hospitais – dia (e noite). É
preciso, também integrar melhor a rede existente, incluindo um maior
entrosamento entre a rede pública e os grupos de autoajuda e as
comunidades terapêuticas que souberam se modernizar e adaptar Às
normas mínimas da ANVISA (PERRENOUD; RIBEIRO, 2012, p.36-37).
Para tanto é necessário que seja avaliado cada sujeito em situação de
abuso de drogas, pois múltiplos também são os tratamentos oferecidos hoje e cada
um com sua contribuição para o indivíduo usuário de drogas.
Portanto, tratar o problema da dependência química a partir da
compreensão multifatorial é necessitar de uma relação integral e intersetorial,
composta por uma equipe interdisciplinar disposta a buscar as causas e não apenas
incidir sobre as consequências da doença, trabalhando em rede periodicamente
para oferecer ao indivíduo mecanismos de superação dos fatores desencadeadores
da doença.
2.2 A inserção familiar no tratamento da dependência química
A família atualmente vem sendo incorporada como um elemento
importante e que deve compor o tratamento da dependência química, conforme
Guimarães e Aleluia (2012), tendo em vista o papel de formadora da personalidade
humana e das responsabilidades que lhes são atribuídas enquanto unidade de
aproximação e modelo de interação com o mundo coletivo.
Visto assim, se faz necessário que contemplemos aqui inicialmente o vem
que a ser considerado família legalmente na sociedade em que vivemos, pois
conforme Engels (1895) a família não é uma unidade estacionária, ao contrário disto
ela evolui de acordo com a sociedade em que está inserida.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
56
Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou
qualquer deles e seus descendentes.
Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se
estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada
por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e
mantém vínculos de afinidade e afetividade (1990).
Dessa forma, podemos observar que a unidade família na esfera
brasileira está vinculada aos laços de proximidade das pessoas entre si. Logo não
existe um modelo único para designar a composição familiar atualmente, como
prioriza os artigos do ECA citados. Embora tenha existido no passado, hoje se
encontram na sociedade atual configurações diferenciadas de família, como por
exemplo, duas pessoas do gênero feminino e uma criança passam a formar uma
família. Sendo assim a família contemporânea está para além do conjunto pai, mãe
e filho estabelecido pelo modelo de família nuclear burguesa tempos atrás. Essa
discussão nos remete a compreensão de família do Entrevistado 01:
Para mim quem era minha família nesse período de drogas não eram meus
familiares de fato, pelo contrário eram os amigos que estavam na bagaceira
comigo, ali eram todos próximos. E quando era dia dos pais, dia das mães,
dos namorados eu nem ligava, pra mim tanto fazia, era raro quando eu
lembrava e se eu tivesse perto de casa nem ia lá.
O pensamento de Schenker e Minayo (2004) nos revela que a família em
todas as suas composições é considerada portadora de responsabilidades para com
a constituição da pessoa humana, das suas interações com o meio social e de seu
desenvolvimento pessoal. Diante disso, ainda devemos considerar que:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária (ECA, 1990).
57
Alguns autores acreditam que a dependência química caracteriza-se
como uma doença que não atinge apenas o usuário, mas todos aqueles que os
rodeiam, principalmente seus familiares. De acordo com Guimarães e Aleluia:
O tratamento do usuário de crack, assim como o do usuário de outras
substâncias, apresenta melhor prognóstico e melhores resultados quando a
família é abordada, orientada, incluída no processo terapêutico e auxiliada
na resolução de suas dificuldades específicas (2012, p.430-431).
Precisamos considerar ainda que a família, de acordo novamente com
Schenker e Minayo (2004), pode aparecer no contexto do uso de drogas como um
fator de risco ou como um fator de proteção, pois uma família em que seus membros
já fazem uso abusivo de drogas pode influenciar o uso tardiamente dos demais
aparecendo assim como um fator de risco. É oportuno salientar que,
A família, pelo papel de inserir seus membros na cultura e ser instituidora
das relações primárias, influencia a forma como o adolescente reage à
ampla oferta de droga na sociedade atual. Relações familiares saudáveis
desde o nascimento da criança servem como fator de proteção para toda a
vida e, de forma muito particular, para o adolescente. No entanto,
problemas enfrentados na adolescência, plantados na infância, têm um
contexto de realização muito mais ampliado (SCHENKER; MINAYO; 2004,p.
708).
Assim, podemos verificar na fala dos sujeitos entrevistados que essas
implicações são pertinentes e que de fato tem uma contribuição para o início do uso
de drogas. Os entrevistados dizem :
Meu pai era alcóolatra, minha mãe depois da separação também se
envolveu com o álcool. Eu acho que de influência eu só tive do álcool, mais
depois que eu comecei a usar outro primo meu também passou a usar
drogas e chegamos a consumir juntos(Entrevistado 04).
Antes de usar drogas ninguém na minha família tinha conversado comigo
sobre o assunto, até porque eu me considerava uma criança, tinha apenas
doze anos. Na época que eu comecei a usar drogas meus familiares me
deram muitos conselhos, mais quando eles começaram a ter conhecimento
mesmo eu acho que já era tarde (Entrevistado 05).
Mas é preciso considerar também, embora não seja o objetivo desse
estudo, as condições sociais, econômicas e políticas em que estão inseridas as
58
famílias contemporâneas, pois conforme Charbonneau (1982) a organização familiar
está constantemente em consonância com o movimento das sociedades e das
culturas, mudando para melhor ou para pior, apresentando-se como uma estrutura
dinâmica.
Visto desse modo mais uma vez merece destaque o modo de produção
capitalista em que estamos inseridos, pois de acordo com Marx (2008), a partir dele,
ou seja, conforme o modo como os homens se organizam para produzir a riqueza
social é que as esferas da vida do homem passam também a se organizar pautadas
nesses moldes.
Assim vivemos em um país em que o sistema econômico é orientado pelo
modelo capitalista de produção, caracterizado historicamente por diversos autores,
inclusive Marx (2008), por um sistema em que oprime, individualiza e escraviza o
homem em razão da sua reprodução, repercutindo na vida pessoal e nas relações
sociais estabelecidas na coletividade desses indivíduos.
Dessa forma podemos, mesmo que superficialmente, citar o contexto em
que as famílias dos dependentes químicos estão inseridas, ou seja, um cenário de
busca pelo consumo, de desemprego exacerbado, de desigualdades frente às
condições econômicas dos indivíduos, geradas pelo sistema capitalista. Sobre essa
realidade Büchele e Cruz diz que,
Uma sociedade focada no consumo, na qual o importante é o „ter‟ e não o
„ser‟, e que a inversão de crenças e valores gera desigualdades sociais,
favorece a competitividade e o individualismo e não há mais „ certezas‟
religiosas, morais, econômicas ou políticas. Esse estado de insegurança, de
insatisfação e de estresse constante incentiva a busca de novos produtos e
prazeres – nesse contexto, as drogas podem ser um deles (BÜCHELE;
CRUZ, pp.101-102, 2013).
A família, desse modo, não deve ser a única responsável pelo acesso de
seus membros ao universo das drogas, pois conforme Bucher (1992) os
desdobramentos históricos que vieram a partir da Revolução Industrial e do
amadurecimento do capitalismo na sociedade brasileira também favoreceram para
que esse fenômeno adentrasse na vida dos indivíduos de maneira devastadora e
59
transformadora da personalidade e do comportamento humano, como forma de
aliviar dores que esse sistema passava a causar na vida dos homens.
Diante da experiência vivenciada no ambiente institucional percebemos
que a mudança na organização familiar em relação ao trabalho possibilitou que as
crianças passassem a ficar mais tempo sozinhas em casa, pois os pais
necessitavam trabalhar dia e noite para garantir o sustento da família. Com esse
afastamento dos pais na educação dessas crianças e na regulação de suas relações
com o mundo exterior favoreceram a maturidade precoce de muitas delas nesse
período de expansão capitalista que favoreceu mudanças em todas as esferas da
vida em sociedade. Em relação a esse contexto obtivemos o seguinte relato:
Eu morei com minha avó paterna até os quinze anos, porque a minha mãe
trabalhava na maternidade escola como enfermeira então quando ela
trabalhava a noite e chegava tarde tinha que descansar durante o dia, ai eu
fui me acostumando ficar com minha avó. [...]Eu passei muito tempo longe
da minha família, por escolha minha devido às oportunidades de trabalhoir
surgindo e eu ir abraçando todas, mas hoje eu vejo como isso me fez falta,
a educação que eu tive foi no dia-a-dia mesmo, minha relação familiar
sempre foi muito conturbada devido a separação dos meus pais, longe a
gente aprende, mas o mundo ensina de maneira mais agressiva e difícil (
Entrevistado 04).
Visto assim podemos perceber como as mudanças no mundo do trabalho
também alteram a vida das pessoas, ou seja, as suas relações sociais na
coletividade. Conforme o pensamento de Braz e Netto (2009) o trabalho diante do
modo capitalista de produção passa por alterações consideráveis que modificam o
modo como os homens se organizam em sociedade, adquirindo também um novo
significado social que não mais é o de suprir as necessidades primeiras de
sobrevivência, mas de gerar um excedente econômico que irá possibilitar o acúmulo
da riqueza socialmente produzida privilegiando uma parcela minoritária da
sociedade alienando a classe trabalhadora.
Voltando para o foco de nosso estudo, as discussões contemporâneas
sobre a dependência química apontam para importância de inserir a família também
no processo de tratamento do usuário, pois para Guimarães e Aleluia (2012) alguns
estudos realizados comprovam que a eficácia é significativa quando essa instituição
60
é incluída, mas vale ressaltarmos ainda que são aspectos relevantes também às
substâncias utilizadas pelos sujeitos e o contexto em que estão inseridos.
A família apareceu como co-autora tanto do surgimento do abuso de drogas
quanto como instituição protetora para a saúde de seus membros. Além
disso, os estudos mostram, em sua maioria, que o uso indevido ou abusivo
de drogas se dá, geralmente, na adolescência, sendo esses
comportamentos multideterminados, incluindo-se, aí, vivências de situações
de risco tais como delinquência, precocidade nas atividades sexuais e
abandono dos estudos, entre outros (SCHENKER; MINAYO; 2004, p. 649).
Como já vimos o uso abusivo de drogas não é caracterizado por um fator
determinante, ou seja, seu início tem motivos diversos e variados, diante disso é
preciso considerar a especificidade social de cada sujeito envolvido nessa rotina.
Assim o cotidiano social e as relações familiares dos dependentes químicos devem
ser valorizados como elementos importantes para a recuperação da saúde dos
mesmos, pois podem ser considerados recursos transformadores no tratamento.
Demonstra-se importante ressaltar que,
Geralmente os adictos e os usuários abusivos não mantêm uma família ou
nunca formaram uma e têm dificuldade em sustentar as estruturas familiares
funcionando [...] Isso se deve a sua grande dificuldade na regulação das
relações e dos afetos (SCHENKER; MINAYO;2004, p. 651).
O uso de drogas é um comportamento aprendido pelo indivíduo em seu
contexto [...] é entendido como funcionalmente relacionado aos problemas
da vida do individuo e influenciado por sua vez, pelos fatores sociais e
cognitivos (SCHENKER; MINAYO;2004, p. 652).
A relevância de adesão da instituição familiar ao tratamento do uso de
drogas é algo recorrente hoje, e abrange diversas modalidades de tratamento,
desde aqueles oferecidos nos equipamentos extras - hospitalares, ou seja, nos
CAPs, como também em comunidades terapêuticas destinadas a esses fins, como é
o caso da instituição aqui pesquisada. Desse modo a intervenção familiar mostra-se
cada vez mais relevante na formulação de políticas públicas para atenção ao uso
indevido de drogas. Segundo Laranjeira e Zaleski (2012, p. 634).
61
Com relação à família, os jovens com pais que fazem uso abusivo de
álcool, consomem drogas ou são dependentes químicos também
necessitam de atenção especial, com iniciativas devendo ser tomadas em
nível local. Intervenções direcionadas à família levam a uma redução nos
riscos associados a abuso de drogas, com menor exposição à violência.
No que se refere às políticas públicas que existem atualmente para
atenção a essa população usuária de drogas, a inserção da família vem se fazendo
extremamente necessária, diante muitas vezes do uso abusivo ter decorrido de
conflitos familiares e por outras questões que refletem diretamente nas relações
familiares dos mesmos. Com isso Laranjeira e Zaleski afirmam que “para os que se
tornaram dependentes, o uso contínuo deve ser enfrentado, e o indivíduo e sua
família devem ter o suporte necessário para uma recuperação completa (2012, p.
633)”.
Mediante a isto se encontra fixado nos objetivos da Política Nacional
sobre Drogas que:
Na etapa da recuperação, deve-se destacar e promover ações de
reinserção familiar, social e ocupacional, em razão de sua constituição
como instrumento capaz de romper o ciclo consumo/tratamento, para
grande parte dos envolvidos, por meio de parcerias e convênios com órgãos
governamentais e organizações não-governamentais, assegurando a
distribuição descentralizada de recursos técnicos e financeiros (SENAD, p.
18, 2008).
Por esse caminho é que devem ser efetivadas as políticas publicas
voltadas para o tratamento dos dependentes químicos, visando tratar não só o
mesmo, mas também aqueles que fazem parte do seu convívio familiar e social.
Logo foi revelado na análise dos dados coletados, que a família é adotada como
unidade responsável também pela manutenção do tratamento da dependência
química atualmente. Observa-se assim na seguinte fala:
A minha família está e sempre esteve me apoiando, eles e nem eu nunca
perdemos a esperança. Sempre estou em contato com minha família, já
estou indo em casa e sempre que tem visita elas [irmãs]vem e minhas
sobrinhas também, acho que isso é uma grande ajuda, mas mesmo com o
apoio deles também tenho que ter força de vontade, sem o apoio deles
seria tudo mais difícil (Entrevistado 06, grifos meus).
62
A família, nesse contexto, foi percebida nas entrevistas como mediadora
do dependente químico com o mundo social durante o processo de tratamento,
tendo em vista que o usuário encontra-se restrito de suas relações sociais.
No que se refere aos motivos que envolvem o início do uso de drogas,
apresentaram-se nas entrevistas como principais: a influência através do consumo
de drogas pelos pais, a busca de liberdade e afirmação de uma identidade, a
curiosidade em relação aos efeitos, a facilidade de acesso no ambiente em que
vivem e o incentivo pelas amizades. Assim podemos conferir que não são motivos
desconhecidos, pois já se afirma em outras pesquisas que,
[...] referiram maior uso de substâncias aqueles jovens em cujas famílias
havia algum membro usuário de drogas. [...] O fato de haver um usuário em
casa já pode ser um indicador de disfunção familiar que predisponha ao uso
de drogas. Além disso, a maior proporção de dependentes em
determinadas famílias sugere que fatores genéticos podem modular a
vulnerabilidade ao desenvolvimento das dependências. Por outro lado, para
conquistar sua própria identidade, o adolescente muitas vezes adota os
modelos de comportamento adulto de que dispõe, cabendo aos familiares e
educadores em geral apresentar modelos de comportamento mais
adequados ao adolescente. O uso de drogas também foi mais elevado entre
os adolescentes que referiram ter sido vítimas de maus tratos ( TAVARES;
BÉRIA; LIMA; 2004, p. 795).
Mediante a isto podemos observar mais uma vez o que nos disse
Schenker e Minayo (2004) referente à família aparecer tanto como fator de risco ou
como de proteção, pois percebemos também na seguinte fala:
Existem alguns fatores que contribuíram para que eu usasse drogas, mas
que não me tiram a responsabilidade, mas quando uma pessoa é criada
com uma base de pai e mãe eu creio que a probabilidade de usar drogas é
menor, porque assim quando a gente é criança nossa mente precisa ser
formada, e sei que os pais são essenciais para a vida social da criança, e
sem essa base a mente da pessoa pode vir a ser preenchida com outras
coisas como as drogas (Entrevistado 04).
Portanto, a importância da incorporação e da adesão da família de
usuários de drogas aos tratamentos a eles submetidos torna-se cada vez mais
indispensável, pois são os familiares que possivelmente devem receber os usuários
de volta ao convívio social e é através deles que deverá se iniciar o processo de
reinserção social dos indivíduos acometidos pela dependência química no que
tange as próprias interações com a coletividade e aos ambientes que passarão a
63
estar inseridos novamente.
Logo a instituição que foi delimitada para ser realizada a pesquisa de
campo, o Desafio Jovem do Ceará, também considera a família como um
importante aliado no processo de tratamento do usuário de drogas.
Com isso para contemplar a relevância da instituição familiar existe
atividades direcionadas para esse público realizando-se uma mediação pelo setor
de Serviço Social na interação usuário-família, trabalhando também na construção
de estratégias para a recuperação do indivíduo em processo de tratamento na
instituição, como veremos no próximo tópico.
Uma das primeiras atividades feitas pelo Serviço Social nesta área é
identificar nos atendimentos feitos previamente com o usuário quem serão as
pessoas mais próximas deste que deverão acompanhar o tratamento do mesmo,
pois um dos pré-requisitos da instituição é a existência de um responsável pelo
candidato a tratamento em regime residencial, e quem são aqueles que constituem
os laços familiares do mesmo.
Após essas identificações passam a ser realizadas atividades específicas
para essa demanda evocando assim a necessidade de orientar a família sobre a
doença que seu membro está vivenciando, pois muitas das vezes pude observar
nos momentos de observação que os próprios familiares não compreendem a
dependência química como doença e o que ela compromete ao indivíduo.
Posteriormente é realizado um atendimento individual com o usuário e a
família e/ou os responsáveis, com o intuído de orientar sobre as responsabilidades
que estes deverão cumprir no decorrer no processo de tratamento. Este é realizado
conforme o que dispõe a RDC nº 29, em seu Art. 19, parágrafo terceiro, sobre a
disponibilidade de informações aos sujeitos envolvidos neste processo:
III – orientação clara ao usuário e seu responsável sobre as normas e
rotinas da instituição, incluindo critérios relativos a visitas e comunicação
com familiares e amigos, devendo a pessoa a ser admitida declarar por
escrito sua concordância, mesmo em caso de mandado judicial (ANVISA,
2011).
Entre as atividades propostas para a inserção familiar no tratamento
estão os grupos de família realizados mensalmente, em data pré-estabelecida,
realizados pela assistente social com temáticas diferenciadas para cada encontro,
64
dentre estas: temáticas referentes aos tipos de drogas e possíveis efeitos no
organismo, a convivência familiar que possivelmente foi fragilizada, ao processo de
reinserção social, ao processo de manutenção do tratamento, aos direitos dos
usuários, enfim realizando assim ações socioeducativas 8 características da prática
do assistente social que proporcionam a possibilidade de conhecimento crítico da
realidade que cercam os usuários e seus familiares.
Outra atividade também proporcionada aos familiares é a participação
dos mesmos em momentos de lazer específicos, como por exemplo, datas
comemorativas e feriados com datas também programadas anteriormente. As
famílias ainda são convidadas a participarem do grupo dos Narcóticos Anônimos
para familiares, chamado de NAR-ANON, que acontece às quintas-feiras no
auditório da instituição sendo realizado por uma equipe própria.
Conforme tudo que aqui discutimos, a abordagem familiar aparece
embutida em diversas formas de tratamento, inclusive na instituição pesquisada,
como uma alternativa positiva ao processo de recuperação, e que atualmente
encontra-se imbricada nas políticas que diz respeito à temática.
Visto assim podemos confirmar que existe um consenso no que tange a
relevância da inserção familiar no tratamento dos indivíduos usuários e
dependentes de drogas lícitas ou ilícitas, pelos teóricos da área, mas é preciso que
consideremos também a visão dos próprios usuários sobre o assunto, pois são eles
que vivenciam diretamente a doença, logo é preciso levar em conta a possibilidade
de empoderamento desses sujeitos no que tange as decisões tomadas a seu
respeito.
2.3 A necessidade efetivação de uma rede integrada para a população usuária
de drogas e o trabalho realizado no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas
Munguba
O uso de drogas hoje envolve uma série de discursões, tendo em vista
seu desenvolvimento no contexto histórico, cultural, social, político e econômico do
8
Essas ações consistem em orientações reflexivas e socialização de informações realizadas por
meio de abordagens individuais, grupais ou coletivas ao usuário, família e população de determinada
área programática (CFESS, p. 54, 2010).
65
país. Assim falar de uma rede de atenção para a demanda usuária de drogas é
pautar-se nas configurações sociais contemporâneas a qual estão inseridas essas
pessoas, pois as repercussões acarretadas pelo consumo de drogas são dinâmicas
e multifacetadas, variando em tempo e espaço.
Dessa forma, os motivos que levam o indivíduo a consumir drogas são os
mais diversos possíveis, não existindo um só condicionante universal para
desencadear possivelmente o fenômeno da dependência química.
Estes motivos segundo Detoni (2009) revelam-se em fatores psicológicos
em que as pessoas com problemas emocionais buscam nas drogas formas de aliviar
as dores, angustias e traumas; perpassam também os fatores socioambientais onde
o próprio meio social em que o indivíduo habita pode facilitar e propiciar o uso de
drogas; nos fatores biológicos, em que cada vez mais está sendo revelado nas
pesquisas, a possível predisposição genética para a dependência química, em que
muitas vezes os filhos com pais alcoolistas tem mais facilidade de se tornarem
futuros usuários também; e ainda nos fatores químicos em que as próprias
substâncias não permitem ao usuário estabelecer um uso controlado, pelo alto nível
estimulador da dependência.
Na pesquisa realizada pela Fundação Oswald Cruz (Fiocruz) já neste ano
de 2013, revelou-se que 55,2%, ou seja, mais da metade dos entrevistados
disseram ter usado crack/similares pela vontade e curiosidade de sentir o efeito da
droga, já 26,7% declarou ter sido pela pressão dos amigos e por fim 29,2%
afirmaram ter tido contato com a droga por conflitos familiares ou problemas afetivos.
Diante desses resultados, surge na sociedade em geral a necessidade de
elaboração de uma rede de atenção integrada destinada a atender as pessoas
dependentes do consumo de álcool e outras drogas, pautada em uma abordagem
multidisciplinar da dependência química e que perpasse os diversos setores para
então proporcionar um bem estar físico, mental e social nesses indivíduos
acometidos pelo problema decorrente do uso de drogas. É relevante ressaltarmos
que,
66
[...] não se torna toxicômano [dependente químico] quem o quiser: o
engendramento de drogadições corresponde a um processo complexo onde
intervém, além da substância, o contexto sociocultural e econômico (com
suas pressões e condicionamentos múltiplos) e a personalidade do usuário
(com suas motivações pessoais, conscientes e inconscientes) (BUCHER,
1992, p. 02, grifos meus).
Visto assim é preciso considerar também que a situação epidemiológica
que vivenciamos hoje também, de acordo com Bucher (1992), tem como
condicionante o próprio sistema capitalista, no qual as pessoas vivem moldadas em
padrões pré-estabelecidos, sejam eles de beleza ou de consumo, mais que acabam
estruturando a vida da população por um só viés e aqueles que se encontram fora
desses padrões buscam formas de consolo para esquecer ou para alcançar tais
determinações. Bucher (1992, p.24) salienta ainda que,
Na verdade, o „problema‟ não reside simplesmente no produto, como se
este fosse o diabo, o pecado ou o perigo supremo; a questão crucial reside
na procura de tais produtos, pelos jovens e pelos adultos, a partir de
motivações pessoais, sem esquecer as pressões das estimulações sociais.
Intervenções, pois, medidas, campanhas ou pregações que não levem em
conta estas motivações e pressões, são fadadas ao insucesso, por não se
referir à realidade deste consumo e por preferir a ignorância ao seu
conhecimento aprofundado.
A necessidade de atender a demanda usuária de drogas por meio de uma
rede de atenção integral é passar a compreender a complexidade do problema do
ponto de vista não só dos aspectos clínicos e físicos e nem de medidas paliativas,
mas adentrar nas raízes do problema e buscar soluções eficazes e de longa duração
que possam devolver ao indivíduo a capacidade de viver em sociedade sem gerar
conflitos externos e nem internos a ele próprio.
A integralidade a qual estamos falando aqui se encontra disposta em
todas as nossas políticas brasileiras, tendo sido inaugurada em 1988 na
Constituição Federal, constituindo uma das diretrizes do Sistema Único de Saúde
(SUS). Encontra-se disposta no art. 198 da secção de saúde, no inciso II
“atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízos
dos serviços assistenciais”,ou seja, o atendimento em saúde deve não só recuperar
67
a condição de enfermidade do indivíduo, mas também prevenir que as patologias se
desenvolvam, por meio de ações efetivas e não apenas de caráter repressivo, mas
de informação e educação. Assim também como garante aos indivíduos o acesso a
direitos essenciais que amparem no desenvolvimento social dos usuários, como
alimentação, habitação e lazer. Segundo Behring e Boschetti (2007, p. 51).
As políticas sociais e a formação de padrões de proteção social são
desdobramentos e até mesmo respostas e formas de enfrentamento [...] às
expressões multifacetadas da questão social no capitalismo, cujo
fundamento se encontra nas relações de exploração do capital sobre o
trabalho.
Visto desta maneira é preciso que as políticas sociais, econômicas e de
saúde estejam articuladas para demandar atenção à população usuária de drogas,
com base a intervir nos condicionantes sociais que desenvolveram tal situação de
adoecimento, pois como já falado no início tornar-se um dependente químico é muito
mais que uma escolha é uma condição muitas vezes imposta como alternativa para
diversos problemas sejam eles pessoais, sociais ou econômicos. Bucher nos diz
que,
Dentro do panorama global do uso e abuso de drogas nas sociedades
modernas, recorrer a elas pode, dependendo do contexto socioeconômico,
ter um sentido diferente daqueles evocados até agora- a saber, o de „tapar a
fome‟. É o caso dos jovens dos subúrbios e favelas, de menores
abandonados, de crianças desnutridas – toda aquela população jovem
marginalizada, com frequência sem família, sem apoio, e sem trabalho, que
encontramos em cada esquina das aglomerações urbanas (BUCHER, p. 30,
1992).
Logo, conforme Gonçalves “todo problema social é como um iceberg, do
qual apenas uma pequena parte é visível (1982, p.53)”. E nos diz mais ainda:
Uma posição comum, diante desse fenômeno de massa na civilização
ocidental contemporânea, é considerá-lo como consequência de uma
patologia dos indivíduos que se tornaram dependentes. É fácil reconhecer
que, embora muitas vezes exista um componente de natureza patológica,
tal posição é muito cômoda, porque reduz o problema a dimensões
limitadas e, aparentemente, certas ou identificadas (GONÇALVES, 1982).
68
Assim elaborar um consenso que a dependência química é apenas um
problema de saúde pública que deva ser tratada clinicamente é fechar os olhos para
esse iceberg, é mascarar uma realidade posta contemporaneamente pelas
desigualdades sociais advindas da divisão de classes do sistema capitalista,
reveladas nas múltiplas expressões da questão social. Sobre a questão social
Iamamoto afirma que,
Considerada como uma expressão das desigualdades inerentes ao
processo de acumulação e dos efeitos que produz sobre o conjunto das
classes trabalhadoras e sua organização [...] a questão social não é um
fenômeno recente, típico do esgotamento dos chamados trinta anos
gloriosos da expansão capitalista. Trata-se, ao contrário, de uma „velha
questão social‟ inscrita na própria natureza das relações sociais capitalistas,
mas que, na contemporaneidade, se re-produz sob novas mediações
históricas e, ao mesmo tempo, assume inéditas expressões espraiadas em
todas as dimensões da vida em sociedade (IAMAMOTO, 2008, p. 161,
grifos do autor).
O desenvolvimento da dependência química não deve ser entendido
apenas como um fato isolado, ele está inserido dentro de uma dinâmica social,
econômica e política orientada pelo sistema capitalista que a sociedade vivencia e
com isso faz-se necessário compreendermos seus pormenores para demandarmos
atenção integrada à demanda usuária de drogas. Sobre essa discussão é oportuno
salientar:
As consequências do triunfo capitalista, tão fortemente impulsionado pela
revolução industrial, foram evidentes e trágicas: houve um aumento
assustador da marginalização, prostituição, infanticídio, miséria, fome, e
pobreza absoluta, além de surtos epidêmicos de tifo e coléra, que resultou
em um índice significativo de morte entre a população. Além disso, essa
realidade levou a um aumento de uso de drogas, principalmente do álcool
(TEIXEIRA, p. 24, 2009).
A dependência química, conforme o pensamento de Bucher (1992), muito
mais que uma questão de saúde apenas é também um problema social e
comportamental, em que pessoas estão deixando de consumir drogas e passando a
69
ser “consumidas” por elas, a partir de diversos motivos, sejam elas questões
emocionais, de identidade, econômicas, que poderiam muitas das vezes terem sido
prevenidas por políticas sociais que existem, mas que não são administradas e
exploradas de forma a garantir a autonomia e o bem estar da população. Diante
disso é relevante dizer que:
As condições de vida influenciam fortemente os hábitos de consumo de
uma determinada população; estes fazem parte, portanto, de um contexto
social, econômico, político e cultural que os condiciona e mesmo incentiva,
diante do qual meras medidas repressivas se tornam inoperantes
(BUCHER, p. 24, 1992).
Salientamos ainda que a partir de 1990 temos na esfera brasileira,
conforme Iamamoto (2008), mudanças radicais nas relações entre o Estado e a
sociedade civil advindas da orientação neoliberal que o país vivenciava, observa-se
também uma forte e crescente desresponsabilização do Estado no que se refere aos
gastos sociais, ficando cada vez mais a população trabalhadora a mercê das
entidades filantrópicas, não governamentais e privadas, logo esse processo passou
a impactar de modo negativo na vida dessas demandas.
Tais processos atingem não só a economia e a política, mas afetam as
formas de sociabilidade. Esse cenário, de nítido teor conservador, atinge as
formas culturais, a subjetividade, as identidades coletivas, erodindo projetos
e utopias, Estimula um clima de incertezas e desesperanças. A debilidade
das redes de sociabilidade em sua subordinação às leis mercantis estimula
atitudes e condutas centradas no indivíduo isolado, em que cada um „é livre‟
para assumir riscos, opções e responsabilidades por seus atos em uma
sociedade de desiguais (IAMAMOTO, 2008, p. 144, grifos do autor).
Atualmente podemos confirmar diante da leitura do real, que o Estado
cada vez mais transfere suas responsabilidades para a sociedade e para a esfera
individual, logo na Política Nacional sobre Drogas (2005), no eixo de tratamento,
recuperação e reinserção social acerca do papel do Estado está descrito da seguinte
forma:
2.1.1 O Estado deve estimular, garantir e promover ações para que a
sociedade (incluindo dependentes, familiares e populações específicas),
70
possa assumir com responsabilidade ética, o tratamento, a recuperação e a
reinserção social, apoiada técnica e financeiramente, de forma
descentralizada, pelos órgãos governamentais, nos níveis municipais,
estadual e federal, pelas organizações não-governamentais e entidade
privadas (SENAD, p. 17, 2008).
Mas cabe aqui lembrarmos mais uma vez que a saúde é direito de todos
e dever do Estado, não podendo este repassar a sua responsabilidade aos
indivíduos, mas proporcionar medidas que favoreçam o bem estar geral. E são por
meios das políticas sociais, de saúde e econômicas que devem ser trabalhadas
essas iniciativas do Estado.
É inegável que existam serviços públicos de atenção aos usuários de
álcool e outras drogas, mas a qualidade e o funcionamento desses serviços muitas
vezes tornam-se inoperantes pela falta de integralidade com as políticas sociais
existentes e acabam fazendo com que as medidas de atenção não tenham sentido.
Então é necessário uma complementariedade dos serviços, no que tange à
estabelecer relação com os motivos que condicionaram a dependência e tentar
inseri-los também no processo de tratamento, não sendo dessa forma o indivíduo
possivelmente retornará para a mesma condição, ambiente e sociedade em que se
tornou um dependente, estando propicio a retomar o adoecimento, devido ser a
dependência química uma doença crônica e recidivante. Sobre esse contexto
Bucher relata que,
As políticas em relação às drogas devem ser integradas às políticas sociais
gerais. As políticas de álcool, fumo e outras drogas devem estar em
concordância com as políticas gerais do país, com referência, sempre que
possível, aos princípios das políticas internacionais. Em sua fase de
operacionalização, a política nacional deve utilizar efetivamente estruturas e
programas já existentes, seja no que tange, aos sistemas educacionais,
seja á saúde mental, os cuidados primários de saúde e o serviço social
(BUCHER, p. 04, 1992).
Feitas
essas
explanações
e
considerando
a
importância
da
intersetorialidade na rede de atenção aos usuários de álcool e outras drogas, faz-se
interessante aqui também mostrarmos os tipos de serviços e tratamentos que
existem atualmente. Entre estes estão os serviços de desintoxicação, destinado
àqueles
usuários
que
necessitam
geralmente
de
intervenção
médica
e
71
medicamentosa para aliviar os sintomas da falta do uso. Esse modelo de atenção é
realizado na maioria das vezes em hospitais mentais e em clínicas especializadas.
Segundo Boni e Kessler:
A desintoxicação pode ser realizada em três níveis com complexidade
crescente: tratamento ambulatorial, internação domiciliar e internação
hospitalar. Em qualquer nível, sempre que necessário, podem ser utilizados
medicamentos para alívio dos sintomas [...] Os objetivos da desintoxicação
são: alívio dos sintomas existentes; prevenção do agravamento do quadro
(convulsões, por exemplo); vinculação e engajamento do indivíduo no
tratamento (BONI; KESSLER, p. 184, 2013).
Outro serviço bastante falado atualmente, principalmente nas políticas de
atenção, são os tratamentos realizados nos Centros de Atenção Psicossocial Álcool
e outras drogas (CAPS AD), criados a partir da lei 10.216, que instituía a reforma
psiquiátrica e que reorganizava os serviços de atenção em saúde mental fazendo se
tornar essas instituições a porta de entrada do tratamento das dependências
químicas nos municípios.
De acordo com Ministério da Saúde, as cidades que tiverem população
igual ou maior de 70.000 habitantes. Caracterizados por equipamentos extras hospitalares, pela lei já citada, estas instituições, de acordo com Boni e Kessler
(2013), dispõem de tratamentos ambulatoriais e leitos de internações provisórias,
baseados em terapias, grupos e tratamento medicamentoso quando necessário, tais
como terapia de grupo, terapia familiar, terapia cognitivo-comportamental e
prevenção de recaídas. Em relação a esses equipamentos Azevedo e Miranda nos
diz ainda que:
Um CAPSad tem por finalidade proporcionar atendimento à população,
respeitando-se a adstrição do território, oferecendo-lhe atividades
terapêuticas e preventivas, tais como: atendimento diário aos usuários dos
serviços, dentro da lógica de redução de danos; gerenciamento dos casos,
oferecendo cuidados personalizados; condições para o repouso e
desintoxicação ambulatorial de usuários que necessitem; cuidados aos
familiares dos usuários dos serviços e ações junto aos usuários e familiares,
para os fatores de proteção do uso e da dependência de substâncias
psicoativas (AZEVEDO; MIRANDA,p.57, 2010).
72
Existem também os serviços ofertados pelos grupos de autoajuda,
conforme seus endereços eletrônicos, sendo os mais conhecidos: Alcoólicos
Anônimos (AA) e os Narcóticos Anônimos (NA) que trabalham com a filosofia dos 12
passos e no partilhar das experiências vividas por todos os membros que participam.
Esses grupos acontecem semanalmente em diversos pontos das cidades por meio
de reuniões. Os membros são caracterizados, segundo os sites do AA e do NA
(2013), por adictos em recuperação e o único requisito que encontram para permitir
a entrada de um novo participante é somente a vontade de parar de usar drogas,
pautados pela abstinência total do uso. Sobre essas instituições salientamos que,
NA é uma Irmandade ou sociedade sem fins lucrativos, de homens e
mulheres para quem as drogas se tornaram um problema maior. Somos
adictos em recuperação, que nos reunimos regularmente para ajudarmos
uns aos outros a nos mantermos limpos. Este é um programa de total
abstinência de todas as drogas. Há somente um requisito para ser membro,
o desejo de parar de usar. Sugerimos que você mantenha a mente aberta e
dê a si mesmo uma oportunidade. Nosso programa é um conjunto de
princípios escritos de uma maneira tão simples que podemos segui-los nas
nossas vidas diárias (www.na.com.br).
Alcoólicos Anônimos é uma irmandade mundial de homens e mulheres que
se ajudam mutuamente a permanecerem sóbrios. Eles oferecem a mesma
ajuda a qualquer um que tenha um problema com a bebida e queira para de
beber. Por serem todos alcoólicos, eles tem uma compreensão mutua
especial. Sabem como essa doença os atinge – e aprenderam como se
recuperar do alcoolismo dentro de A.A.( www.aa.com.br).
Os tratamentos farmacológicos também estão presentes nos serviços
atuais, esta metodologia de tratar o dependente químico baseia-se no uso de
medicamentos para conter os sintomas de intoxicação e abstinência. Conforme Boni
e Kessler (2013) esses tratamentos devem ser realizados por profissionais da área
médica a partir da estratégia medicamentosa e com objetivos também de substituir o
efeito da substância, causar efeitos contrários ao prazer quando utilizar drogas e
causar aversão às drogas de modo a perceber que elas passaram a lhe causar
problemas.
Por fim temos os serviços de atenção aos dependentes químicos
ofertados pelas comunidades terapêuticas, que caracteriza inclusive o nosso campo
de pesquisa. Essas instituições são conduzidas e organizadas por algumas
73
normatizações existentes para seu funcionamento, tais como a legislação da
ANVISA RDC Nº29/11 e os elementos essenciais estabelecidos pela Federação
Brasileira de Comunidades Terapêuticas (FEBRACT) para compor o tratamento.
Referente a essas legislações citadas, a legislação RDC nº29/11 em vigor
é uma resolução da ANVISA para a regulamentação do funcionamento e da
segurança sanitária das instituições que prestam serviços à demanda usuária de
drogas, conforme Fracasso e Landre (2012), não foi a primeira criada, pois anterior a
ela foi criada em 2001 também pela ANVISA a RDC nº 101/01 estabelecendo o
regulamento técnico para o funcionamento das comunidades terapêuticas, serviços
de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso ou abuso de substâncias
psicoativas segundo modelo psicossocial, mas:
Em 2011 a Anvisa revogou a RDC 101/01 e criou a RDC 29/11, com o
intuito de se aproximar do modelo de comunidade terapêutica proposto pela
FEBRACT. Dessa forma, as comunidades deixaram de se adequar ás
normas gerais de um serviço de saúde, tal qual um hospital ou centro de
tratamento, em favor de seu caráter residencial e de convívio familiar
(FRACASSO; LANDRE, p. 504, 2012).
Ainda sobre as legislações que compõem o funcionamento e a execução
de serviços de atenção aos dependentes químicos nas comunidades terapêuticas
cabe destacar os elementos essenciais que compõem o tratamento voltado para
abstinência e fixado pela FEBRACT, segundo Fracasso e Landre, sendo eles:
1) prática da espiritualidade sem a imposição de crenças religiosas; 2)
internação e permanência voluntária que objetive auxiliar o dependente de
substâncias psicoativas a reinserir-se e reintegrar-se na sociedade [...]; 3)
ambiente residencial, com características de relações familiares, saudável e
protegido técnica e eticamente, livre de drogas e violência, assim como de
práticas sexuais (temporariamente, neste último caso); 4) convivência entre
pares participando ativamente na vida e nas atividades da comunidade
terapêutica; 5) critérios de admissão, permanência e alta definidos com o
conhecimento antecipado por parte do dependente de substâncias
psicoativas candidato e de seus familiares/responsável; 6) aceitação e
participação ativa no programa terapêutico definido e oferecido pela
comunidade terapêutica tanto pelos dependentes [...] como pelos seus
familiares/responsável; 7) utilização do trabalho como valor educativo e
terapêutico no processo de tratamento [...]; 8) acompanhamento póstratamento, de no mínimo um ano após o episódio da internação. (2012, p.
505).
74
As comunidades terapêuticas ainda pautam-se em um código de ética
próprio dessas instituições e que tem, de acordo com a FEBRACT, como princípios
fundamentais: o trabalho baseado no respeito à dignidade da pessoa humana; a
permanência voluntária e decidida após a informação ter sido repassada ao interno
sobre o encaminhamento e as normas em vigor na instituição, bem como assegurar
para este um ambiente livre de drogas, sexo e violência.
Visto
assim
é
possível
compreendermos
que
uma
comunidade
terapêutica não é simplesmente uma casa em que estão alojados dependentes
químicos, para que se consolide como tal é necessário estar em consonância com
essas disposições legais.
Portanto, após essas explicações, e tendo participado da dinâmica da
instituição pesquisada, não podemos deixar de sentirmos mais uma vez a falta de
uma integralidade entre os serviços, pois temos sim equipamentos que demandam
atenção para os dependentes químicos, mas a falta de articulação entre estes com
as políticas em geral acaba por tratar o problema da dependência química somente
pelo viés do uso e do abuso de drogas, deixando a situação que pode ter
ocasionado esses desdobramentos sem atenção e sem intervenções. Então é por
esse motivo que se torna urgente nos dias atuais um atendimento integral, articulado
diretamente com as políticas de assistência social, saúde, educação, habitação,
trabalho e renda no tratamento de usuários de álcool e outras drogas.
O Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba (DJC) é uma comunidade
terapêutica, filantrópica inserida no terceiro setor9, uma entidade privada sem fins
lucrativos, de orientação evangélica que foi fundada no ano de 1975 pelo Dr. Silas
Munguba e tendo como missão trabalhar o ser humano em toda sua essência na
prevenção e no tratamento ao uso indevido de drogas, baseada na orientação de
abstinência total do uso.
O trabalho realizado na instituição se dedica a prevenção ao uso indevido
de drogas, e a recuperação física, psicológica, social e espiritual do usuário de
drogas e de seus familiares, bem como em sua reintegração social, sem distinção
9
O „terceiro setor‟ seria, para seus autores, o conjunto de organizações mais ou menos formais da
sociedade civil (MONTAÑO, p. 182, 2010).
75
de raça, condição social, política ou denominação religiosa, estando em
consonância com a RDC nº 29 que,
Art. 19 – No processo de admissão do residente, as instituições devem
garantir: I – respeito á pessoa e à família, independente da etnia, credo
religioso, ideologia, nacionalidade, orientação sexual, antecedentes
criminais ou situação financeira [...] III – a permanência voluntária(ANVISA,
2011).
As atividades e serviços ofertados na instituição são organizados de
acordo com as legislações da ANVISA e da FEBRACT, buscando garantir um
atendimento digno e de qualidade aos dependentes químicos tratados neste
ambiente.
A presente instituição desenvolve atividades diversas, entre elas estão
àquelas voltadas para a prevenção do uso de drogas desenvolvidas por ações
como: palestras e oficinas educativas que objetivam trabalhar os fatores de riscos e
proteção no que se refere à temática da dependência química, desenvolvidas na
maioria das vezes em colégios, universidades e empresas, sendo ministradas pelos
próprios profissionais do DJC; apoio aos estudantes pesquisadores, universitários e
pós-graduados, com o intuito de informar e disseminar conhecimentos sobre a
temática das drogas; e capacitação para prevenção ao uso indevido dedrogas, com
o objetivo de capacitar os profissionais de diversos segmentos, numa abordagem
multidisciplinar, trabalhando aspectos científicos, pedagógicos e biopsicossociais do
uso/abuso de drogas.
As atividades referentes ao tratamento oferecido pela instituição
realizam-se por dois programas distintos: o Programa de Acompanhamento
Terapêutico, que é um regime de residência terapêutica, exclusiva para pessoas do
gênero masculino, que tenham idade igual ou maior dezoito anos10, onde
permanecem um período máximo de nove meses. Durante esse período são
apresentadas propostas de mudança de interesses e ampliação do universo que se
situava na droga. O residente participa de grupos terapêuticos, laborterapia, terapia
ocupacional, esporte, jogos (xadrez, futebol), educação física, ensino supletivo,
orientação cristã, atividades do grupo CVV e atendimentos individuais com
10
A idade limite de adesão nesse modelo de tratamento foi modificada em 2013, pois anteriormente
recebiam adolescentes a partir dos dezesseis anos de idade, tendo em vista as dificuldades de lhe
dar com essa demanda em nível de residência.
76
psicólogos e assistentes sociais.
Já no Programa de Atenção Psicossocial, realiza-se a partir de um
modelo ambulatorial terapêutico sem demandar atendimento médico, onde o
usuário participa de grupos temáticos e atendimentos individuais, pautados no
processo de recuperação em que está vivenciando, logo esse programa tem um
diferencial na condução de suas atividades e das temáticas que serão abordadas no
decorrer das mesmas, tendo em vista a compreensão de que o usuário está
diariamente submetido ao convívio social e mantendo a abstinência do uso de
drogas.
Os dois modelos de tratamento oferecidos no DJC são de adesão
voluntária, tendo em vista o respeito à autonomia do sujeito, bem como também é
solicitado que exista um responsável para acompanhar o desenvolvimento da
pessoa em tratamento, priorizando aqueles que tinham contato mais próximo e que
possivelmente conviverá diretamente com o mesmo no período de reinserção
social.
É
realizado
também
nos
dois
modelos
de
atendimento
o
acompanhamento familiar, por meio de atendimentos individuais e de grupos de
família, com o objetivo de promoção do equilíbrio familiar e de orientar acerca da
doença e dos processos que seu parente está submetido diariamente. As famílias
também participam de momentos comemorativos no interior da instituição
juntamente com seus pares.
Hoje, uma equipe multidisciplinar formada por orientadores cristãos,
assistentes sociais, psicólogo, terapeuta ocupacional, professores (Convênio com o
Centro de Educação de Jovens e Adultos – CEJA), educador físico, agentes
terapêuticos, voluntários do Centro de Valorização da Vida (CVV), palestrantes dos
grupos para familiares e amigos de dependentes químicos NAR-ANON, atendem
aos usuários da instituição, bem como à suas famílias. Logo existe apenas uma
diferença em relação a esta equipe nos dois programas do DJC, pois apenas o
educador físico não faz parte das atividades realizadas no Programa de Assistência
Psicossocial.
O DJC tem seu diferencial revelado no desenvolvimento de um programa
biopsicossocial e espiritual que tem como objetivo atuar sobre o corpo, a mente, o
cognitivo, o social e o espiritual dos sujeitos em tratamento, não tendo como
77
pretensão priorizar nenhuma dessas áreas de atuação, mas respeitando sempre a
autonomia de cada sujeito, tendo em vista que são casos específicos que se
apresentam à instituição e que cada indivíduo tem suas necessidades distintas.
Nessa instituição também são realizadas reuniões do grupo de familiares
e amigos de dependentes químicos NAR-ANON, todas as quintas-feiras às oito
horas da manhã. Essas reuniões não são ministradas por profissionais da
instituição, somente o auditório é cedido para que o grupo se realize. O público-alvo
dessas reuniões são os familiares de dependentes químicos, mas não se restringe
apenas para aqueles tratados no DJC, a reunião é aberta a comunidade, possuindo
uma demanda espontânea. Trabalha-se na interação das tradições dos 12 passos e
no partilhar das experiências vivenciadas, com o intuito de amenizar o sofrimento do
outro.
Desse modo, a instituição Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba
corresponde a uma comunidade terapêutica destinada a tratar as pessoas que
fazem o uso indevido de drogas e que foi criada antes mesmo da Constituição
Federal de 1988, da Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral aos
usuários de álcool e outras drogas de 2004, da Política Nacional do Álcool de 2007,
da Política Nacional Sobre Drogas de 2005, como podemos observar na data de
sua criação, correspondente ao ano de 1975.
Fracasso e Landre (2012) afirmam que “o marco que dá início à
expansão das comunidades terapêuticas nos Estados de São Paulo, Minas Gerais,
Goiás, Rio Grande do Sul, entre outros, é a fundação da Fazenda do Senhor Jesus,
pelo Pe. Haroldo J. Rahm, em 1978”, mas logo observamos que o DJC é um dos
pioneiros no trato de dependentes químicos no Brasil, existente há três anos
anteriores a presente instituição, embora não tenha sido amplamente reconhecida.
Diante disso é nítido percebermos, que mesmo antes do direito a saúde
se tornar de fato um direito universal de responsabilidade estatal e de existirem
serviços especializados para atender a demanda usuária de drogas, já existiam
instituições que se preocupava e que dispensava serviços em relação à saúde e ao
bem estar dessa população, como a instituição aqui apresentada.
Embora existam comunidades terapêuticas que, conforme Fracasso e
Landre (2012), se intitulam comunidades sem ter os elementos essenciais nem as
características para ser reconhecida como tal, pautada muitas vezes apenas na
78
orientação religiosa, a instituição aqui relatada tem seu diferencial justamente em
conter o viés espiritual apenas como uma área a sofrer intervenções não deixando
com que essa orientação domine os serviços de recuperação adotados.
A instituição apresenta ainda alguns pontos negativos, como o aspecto
econômico que é bastante fragilizado, ou seja, a mesma não tem condições de se
manter financeiramente e diante disto é auxiliada por doações advindas da própria
sociedade civil. Mas vale ressaltar que isso não compromete o compromisso dos
profissionais com a demanda, mas afeta na qualidade do tratamento, pois
atualmente houve uma redução na equipe multidisciplinar tendo em vista reduzir os
gastos e manter seu funcionamento.
Outro aspecto é a própria estrutura física da mesma que diante dessas
dificuldades econômicas não tem condições de se realizarem reformas frequentes
para a melhoria dos serviços prestados; e ainda há outra dificuldade, em relação a
inexistência de um sistema informatizado que acaba dificultando o trabalho dos
profissionais diversas vezes, como exemplo disso podemos citar o grande
aglomerado de documentos impressos em papel e armazenados, muitas vezes
dificultando a procura de uma informação necessária. Mas apesar dessas questões
a presente instituição continua exercendo suas atividades.
O Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba, portanto, é um marco no
tratamento dos usuários de drogas, sempre tendo seu trabalho desenvolvido por
uma equipe profissional, mesmo que minimamente, sem dispensar serviços de
atenção médica ou medicamentosa, mas comprometido principalmente com o
tratamento, a recuperação e a reinserção dos usuários aos quais atendem na
perspectiva de integralidade das ações ofertadas.
79
3. O SIGNIFICADO DO ACOMPANHAMENTO FAMILIAR NO CONTEXTO DA
DEPENDÊNCIA QUÍMICA
3.1 Análise sobre o acompanhamento familiar ao processo de tratamento
interno da dependência química, sob a ótica dos residentes no Desafio Jovem
do Ceará Dr. Silas Munguba
A inserção familiar é apontada por muitos autores como fator relevante a
ser abordado no decorrer do tratamento da dependência química, estando também
presente nas legislações e políticas sobre drogas como um elemento a ser
considerado de importante abrangência diante das muitas discursões teóricas
existentes sobre o assunto.
Assim, discutiremos baseados nos dados da pesquisa, sobre a percepção
dos sujeitos que vivenciam a realidade de tratamento em regime de residência,
diante do significado no acompanhamento familiar ao processo de recuperação da
dependência de drogas, evidenciando também o perfil social destes e suas relações
familiares antes e depois do tratamento.
A dependência química, como já vimos, é uma doença que não tem um
público específico, ou seja, está para além de uma demanda pré-estabelecida, é um
fenômeno que acomete as pessoas sem fazer distinção de raça, cor, classe sociais
e gênero. Visualizamos essa afirmação nas falas dos entrevistados a seguir:
Tenho atualmente quarenta e seis anos de idade e me considero uma
pessoa branca. Cursei até a sétima série completa e sempre trabalhei a
vida inteira como vendedor autônomo no ramo de calçados adulto e infantil.
Minha renda mensal aproximada era de mil e trezentos reais. Eu morava em
casa própria, mas ultimamente não, pois já tinha perdido tudo (Entrevistado
01).
Eu tenho trinta e quatro anos, me considero uma pessoa de cor parda,
estou estudando aqui e concluindo meu terceiro ano do ensino médio, eu já
trabalhei na área de telecomunicações e antes de vir para o Desafio eu
estava usando drogas, mas trabalhava para não ficar parado e ter como
comprar a droga. [...] Minha renda inicialmente era muito baixa, em torno de
80
trezentos reais, mas ultimamente eu participava de uma associação fora do
Brasil que eu vivia muito bem, eu tinha tudo, roupas de marca, comida,
carro, enfim tudo e ainda recebia uma ajuda de custo para gastos pessoais
(Entrevistado 04).
Conforme o que já nos disse Mota (2009), um dependente químico é que
um indivíduo que consome drogas sem condições de estabelecer um controle e que
independente da frequência deste uso desencadeiam-se problemas em todos os
aspectos de sua vida, seja no âmbito das relações sociais, familiares ou até mesmo
amorosas. Sobre esse contexto ressaltamos o que nos disse dois entrevistados:
Minha relação com minha esposa e minhas filhas nunca foi boa, tinha
problemas constantes, pois era difícil eu aparecer em casa, eu não gostava
do meu lar não. Eu não deixava faltar nada em casa, mas não tinha o prazer
de estar lá era só vontade de estar no mundo. Ao meu ver eu achava que
era uma grande coisa que estava fazendo, mas deixa que eu estava
fazendo meus familiares sofrer e eu pensando que estava feliz, ai quando
eu vim perceber já foi tarde, pois pra mim conseguir sair foi preciso pedir
ajuda (Entrevistado 01).
Eu sou uma pessoa dependente da minha família e nunca levei nada a sério
motivado pelas drogas, eu nunca consegui concluir nada na minha vida,
nunca consegui passar muito tempo no emprego, o máximo que eu
consegui foi passar um ano em um emprego lá no Rio de Janeiro, que eu
morei oito anos lá, mais sempre usando, pois eu nunca deixei de usar. Eu
nunca consegui ter nada na minha vida porque eu não conseguia fazer
planos e cumprir (Entrevistado 05).
Desse modo, percebemos que a relação estabelecida com a droga passa
a interferir na vida pessoal dos sujeitos que dela se utilizam, de maneira negativa e
comprometedora no âmbito de suas inter-relações, criando uma falsa ideia que a
droga lhe traz alegria.
Os dados que obtivemos com as entrevistas em relação ao perfil social
dos residentes revelaram que a idade entre os entrevistados variava de trinta e
quatro à cinquenta e dois anos; em relação a escolaridade dois tinham completado o
ensino fundamental e os quatro restantes havia parado de estudar, mas estavam
cursando o supletivo na instituição; sobre a profissão foram relatadas diversas
especialidades, como: vendedor autônomo, pintor, bombeiro, artesão, fazendeiro,
operador de telemarketing, mas já não estavam trabalhando antes mesmo de
81
iniciarem o tratamento devido o uso de drogas ter comprometido essa relação
profissional; como lazer afirmaram em unanimidade que usar drogas era a única
forma de se divertir; já em termos de renda mensal, variava entre um e dois salários
mínimos, afirmando todos que nunca receberam nenhum tipo de benefício do
Governo; o estado civil de todos era solteiro, mas dois deles mantinham uma relação
de proximidade com antigas companheiras; e por fim dois tinham três filhos, outro
tinha um filho, um tinha seis filhos e os dois restantes não tinham filhos. Disponíveis
na tabela a seguir:
Tabela 01 - Principais dados referentes ao perfil social dos entrevistados na
pesquisa
Idade
Entrevistado
46
01
anos
Entrevistado
34
02
anos
Entrevistado
46
03
anos
Entrevistado
34
04
anos
Entrevistado
42
05
anos
Entrevistado
56
06
anos
Escolaridade
E.F.I
Profissão
Vendedor
Usar
Autônomo
Drogas
E.F.I
Artesão
E.F.C
Pintor
E.M.I
E.F.I
E.F.I
Lazer
Usar
Drogas
Usar
Drogas
Renda
Est. Civil
Filhos
R$1.300,00
Solteiro
06
R$1.200,00
Solteiro
0
R$1.200,00
Solteiro
03
R$ 300,00
Solteiro
0
Solteiro
02
Solteiro
03
Operador de
Usar
Telemarketing
Drogas
Bombeiro
Usar
+/-
Hidráulico
Drogas
R$1.200,00
Fazendeiro
Beber
+/R$680,00
Ainda sobre os dados do perfil social dos sujeitos da pesquisa,
identificamos que em relação à etnia, os mesmos se consideravam de maneira
específica, logo os entrevistados 01 e 05 se reconhecem como pessoas brancas, os
entrevistados 02 e 04 como pardos e os entrevistados 03 e 06 como pessoas
morenas. Outro dado pertinente a nossa discussão foi identificar que os
entrevistados 02 e 05 só tinham pai vivo, já os entrevistados 03 e 06 só a mãe era
viva, o entrevistado 04 já não tinha nenhum de seus pais vivos e o entrevistado 01
tinha os dois em vida.
82
Com isso a repercussão da dependência química na vida de cada sujeito
específico é encarada de maneira diferenciada, assim como o acesso a rede de
atenção aos usuários de álcool e outras drogas. A doença pode ser considerada a
mesma, mas os condicionantes e as consequências desenvolvidas devem ser
tratados de maneira específica em cada caso, buscando alternativas para fortalecer
o que foi fragilizado, perdido em cada situação ou mesmo o que nunca se teve
enquanto sujeitos sociais portadores de direitos.
É então nesse contexto que se apresenta a relevância da atuação do
assistente social na presente temática, pois este é, conforme Pontes (1995), um
profissional capacitado a intervir nas demandas que a ele se apresentem por meio
de sua dimensão investigativa, possibilitando articular a esfera da singularidade, da
particularidade e da universalidade dos fatos apresentados ultrapassando por
conseguinte a imediaticidade dos fenômenos.
Cabe nos aqui remetermos novamente ao que afirma Cruz (2006)
identificando que entre todas as formas de adoecimento do homem, talvez
nenhuma, jamais, seja tão complexa ao ponto de envolver todos os aspectos
pertinentes à vida dos indivíduos que usam drogas.
Na análise das entrevistas podemos observar em todos os casos, no
período em que antecedeu o uso de drogas, os sujeitos moravam com algum
familiar. Em dois casos relataram não manter um bom convívio familiar, mas a
predominância foi de um bom relacionamento. A maioria já trabalhava e alguns só
estudavam. Percebemos ainda que quando se questionava sobre o lazer antes das
drogas todos relataram o período de infância tendo como diversão brincadeiras
como: jogar bola, caçar, pescar. Verificamos ainda que somente em dois casos os
familiares conversaram com seus parentes sobre as drogas antes destes iniciarem o
uso.
83
Tabela 02 - Período inicial do uso de drogas e primeira droga de consumo
SUJEITOS
Entrevistado 01
Entrevistado 02
Entrevistado 03
Entrevistado 04
Entrevistado 05
Entrevistado 06
IDADE QUE USOU DROGA A
PRIMEIRA DROGA
PRIMEIRA VEZ
CONSUMIDA
15 anos
Aranha
14 anos
Álcool
16 anos
Álcool
12 anos
Ripinol
12 anos
Maconha
14 anos
Álcool e Cigarro
Percebemos diante desses dados, que os sujeitos entrevistados iniciaram
o uso de drogas muito precocemente, na fase de adolescência, e que não se
mostram drogas que comumente a sociedade caracteriza como “perigosas”, como
no caso do crack e da cocaína, mas mesmo assim se tornaram dependentes
químicos.
O uso de drogas acarreta para a vida dos sujeitos, segundo o
pensamento de Mota (2009), danos diversos que vão desde as relações familiares
até mesmo às questões individuais, podemos confirmar isso em nossas entrevistas,
pois diante da fala dos sujeitos estabeleceu-se um consenso em relação à mudança
ocorrida após o uso de drogas referente ao lazer, pois este passou a inexistir e as
relações de proximidade com a família e os amigos ficaram fragilizadas e em alguns
casos foram rompidas. Visualizamos nas falas a seguir essa discussão:
Perdi muita coisa boa da minha vida, mas aquilo lá era ilusão e eu pensava
que era lazer viver da maneira que eu vivia, era sofrer sem estar
percebendo, mas com esse tratamento que eu tive aqui aprendi muito
principalmente a dar valor à vida, porque a gente é capaz de ser feliz e fazer
muita gente feliz sem precisar de droga nenhuma, como eu já fui um dia
(Entrevistado 01).
84
Uma das coisas que as drogas me prejudicou muito foi no meu trabalho, eu
não tava conseguindo mais trabalhar. Como lazer na verdade eu achava
que usar drogas era um lazer, o alcoolismo no começo eu achava uma
diversão e depois se tornou uma dependência (Entrevistado 05).
Em relação às primeiras drogas consumidas pelos entrevistados obtevese uma unanimidade nas respostas em relação ao álcool no período de
adolescência. As drogas consumidas pelos entrevistados na vida, verificou-se uma
predominância no consumo do álcool também, mesmo aqueles que já consumiam
crack ainda faziam o uso do álcool associado. Os entrevistados utilizaram ainda
substâncias como: cola, solvente, lança perfume, maconha, cocaína, crack,
comprimidos psicotrópicos. Verificamos essa relação na fala do entrevistado 05:
Usei cigarro, mas não gostei muito não, álcool e eu virei um alcóolatra hoje,
já usei a maconha e substituí a mesma por cocaína, usei o crack. O ritmo
que eu tava ultimamente era assim eu começava o dia bebendo, ai dava
vontade de cheirar e eu ficava cheirando até sete horas da noite e depois eu
ia fumar pedra. Aí no final de noite eu ia para as favelas e lá era mais droga
pedra, pó e maconha, e ficava virando zumbi. Já usei comprimidos e cheirei
cola, antes mesmo da maconha (Entrevistado 05).
Com isso confirmamos o que nos disse Nicrastri (2013) “o álcool é sem
dúvida a droga psicotrópica de uso e abuso mais amplamente disseminada em
grande número”, pois com a análise da realidade pesquisada percebemos que o
álcool, mesmo que em pequenas quantidades, é consumido por todos aqueles
sujeitos em processo de residência terapêutica do Desafio Jovem do Ceará.
A busca pela droga sofreu alterações como vimos no início desse estudo,
diante de mudanças ocorridas na realidade social, que é histórica e dinâmica e que
compreende o ambiente em que os sujeitos pesquisados estão inseridos, logo os
motivos que condicionam essa busca também se modificaram e revelaram na
análise das entrevistas que o uso de drogas hoje na sociedade em que vivemos está
muito mais atrelado a questões da vida cotidiana do que de questões religiosas e/ou
ritualística que eram pertinentes. Referente a esse assunto o entrevistado 04 nos diz
que:
85
Um motivo específico para usar drogas eu não posso dizer conscientemente
que teve, eu acredito que o ambiente que eu vivia facilitou, então eu tinha
um amigo que tinha um irmão que chegou de São Paulo e me chamou para
fumar junto com ele e da primeira vez eu não quis, da segunda vez eu
aceitei, mas não senti nada, não senti nenhum efeito mesmo até porque eu
não sabia nem fumar, depois fumei de novo e senti o efeito ai pronto gostei
e comecei a usar direto, hoje eu vejo dessa maneira, mas na época eu não
pensava assim (Entrevistado 04).
A realidade da qual fazemos parte sofreu alterações consideráveis no
decorrer de sua formação, mas como nos disse Duarte e Morihisa (2013) o homem
sempre se relacionou com as drogas, seja por justificativas diversas, mas essa
proximidade com substâncias que alterassem o nível de consciência dos indivíduos
que delas faziam o uso sempre existiu na realidade brasileira.
Nos momentos em que realizamos a observação podemos perceber que
os familiares não sabiam ou pouco sabiam sobre os motivos que levaram seus
parentes a usar drogas e também não sabiam o período exato de inicio desse uso,
mas revelou-se nas entrevistas que em alguns casos a busca pelo consumo de
drogas foi influenciada no próprio seio familiar, ou que foi estimulada pelo um
sofrimento vivenciado diante de um processo de desconstrução familiar. Em outros
casos também se evidenciou a busca pela liberdade ou pelo desconhecido e até
mesmo o próprio ambiente em que estavam inseridos, como fatores condicionantes.
Eu perdi meu pai quando tinha treze anos de idade e considero que
contribuiu de certa forma para meu uso de drogas, porque assim minha mãe
não bebia, mas quando meu pai faleceu ela começou a beber e andar em
festa e eu era o filho mais velho e tinha que ficar com meus dois irmãos em
casa né, aí ficou assim eu comecei com isso a ter mais liberdade, eu saía,
dava uma volta. Aí tinha um terreno lá perto da minha casa que a gente
jogava bola e o pessoal da casa lá no final de semana fazia uma festinha, aí
tinha bebida e eu com quatorze anos tomei meu primeiro porre e quando
cheguei em casa levei uma pisa né que é natural, mas aí como ela estava
fazendo aquilo ali eu achava que poderia fazer também (Entrevistado 02).
Existem alguns fatores que contribuíram para que eu usasse drogas, mas
que não me tiram a responsabilidade, mas quando uma pessoa é criada
com uma base de pai e mãe eu creio que a probabilidade de usar drogas é
menor, porque assim quando a gente é criança nossa mente precisa ser
formada, e sei que os pais são essenciais para a vida social da criança, e
sem essa base a mente da pessoa pode vir a ser preenchida com outras
coisas como as drogas (Entrevistado 04).
86
Dessa forma confirmamos o que nos disse Schenker e Minayo (2004)
quando afirma que a família pode ser considerada dentro do contexto de
desenvolvimento da dependência química como um fator de risco ou de proteção.
O período em que os familiares tomaram conhecimento da dependência
química de seus parentes variou conforme a substância que utilizavam, revelandose um intervalo de dez à vinte anos quanto tratava-se do consumo de álcool e um
intervalo de um à três anos em relação as outras drogas, principalmente ao crack.
Em todas as entrevistas foi identificado que os sujeitos inicialmente tentaram
esconder de seus familiares que estavam usando drogas abusivamente, como
percebemos nas seguintes falas:
Naquele tempo eles se preocuparam muito e passaram a ter muita
desconfiança em relação a minha bebida. Tentei esconder por vergonha,
pois tinha consciência que estava me prejudicando e a eles também se
soubessem. Foi só quando eu me internei no ano de 1992 que meus
familiares ficaram sabendo e então me ofereceram ajuda e eu logo aceitei
(Entrevistado 06).
Não durou muito tempo para os meus familiares saberem que eu estava
usando drogas, porque eu passei a consumir cola e na época eu era ainda
criança e chegava em casa com aquele cheiro, um cheiro forte, o ripinol eu
cheirava e chegava em casa e apagava. Minha avó me perguntou e eu
neguei, porque eu sabia que era errado, eu tinha medo da reação deles e
eu sabia que ela tinha problemas de coração. [...] Depois de algum tempo
minha tia chegou a me oferecer ajuda, nesse período eu já estava na casa
da minha mãe, só depois de cinco anos que recebi esse tipo de ajuda, mas
aceitei (Entrevistado 04).
Mas precisamos também lembrar aqui que a família não deve ser
responsabilizada isoladamente diante do desenrolar da doença, cabe levar em
consideração o contexto que esta família encontra-se inserida.
Diante das contribuições de Bucher já citadas ele ainda nos diz que:
[...] o consumo de drogas faz parte do contexto global da subnutrição, do
desemprego, da falta de infra-estrutura sanitária e habitacional que, no
Brasil como em outros países do „terceiro mundo‟, mergulham amplas faixas
da população na miséria. Ele não pode ser considerado como um fator
isolado, tampouco que os „menores de rua‟ possam ser abordados como
simples usuários de cola de sapateiro: eles não são meras „vítimas da
droga‟, mas agentes que tentam – às vezes desastradamente- participar de
87
um processo de socialização, apesar de quase tudo contribuir para excluílos, em particular a violência do seu „habitat natural‟, a rua (1992, p. 30).
Com isso não foi difícil observarmos e constatarmos na pesquisa que a
repercussão do sistema capitalista para a vida individual e coletiva das pessoas
contribui para o desenvolvimento da dependência química atrelada a outras
questões como exclusão social e perda dos vínculos familiares. Teixeira reforça
nosso pensamento quando afirma que:
A forte desigualdade social que sustenta o sistema capitalista, a
competitividade, a sociedade individual à qual se faz apologia, a violência,a
sociedade de consumo, que vê o indivíduo, acima de tudo, como um
consumidor em potencial, antes mesmo de vê-lo como um ser humano, bem
como o forte exército de reserva de trabalhadores criado pelas decisões
neoliberais que foram implementadas no mundo inteiro, com efeitos
nefastos principalmente na América Latina, no final da década de 1970,
1980, 1990, são fatores responsáveis pelo aumento assustador de uso de
drogas no mundo inteiro (TEIXEIRA, p. 39, 2009).
Em relação ao tratamento em apenas um caso era a primeira tentativa de
tratar-se da dependência química, nos demais todos já teriam vivenciado
modalidades diferenciadas de tratamento, desde grupos de ajuda mútua a
tratamentos em regime de residência terapêutica. E demonstraram ainda que a
decisão de se direcionar ao DJC foi própria a partir do momento que identificaram
perdas, tanto no nível profissional, quanto familiar e social.
Os sujeitos pesquisados revelaram ainda a existência de uma grande falta
de conhecimento da doença por seus familiares, mostrando ai a precariedade na
falta de informação acerca do assunto. Mesmo diante do grande contingente de
sujeitos usuários de drogas, revelado pela pesquisa da Fiocruz (2013) que já
sinalizamos, as pessoas estão sem instrução a respeito das questões que rodeiam a
doença e acabam em alguns casos não tento orientações necessárias para lhe dar
com um dependente químico no âmbito de sua reinserção social. Verificamos nos
depoimentos a seguir:
Minha família prejudicar não prejudicou, mas minha família não tem
conhecimento total da minha doença, eles acham que é só eu querer e me
88
forçar alguma coisa e me por regras demais. Eu estou me dando muito bem
com minha irmã e ela já entende que eu quero mudar. Eu falei pra ela que
meu medo não é agora não é quando eu tiver a total liberdade, quando eu
tiver lá fora, no primeiro mês não mais depois como eu vou controlar minha
vida (Entrevistado 05).
Meus familiares nunca imaginavam que isso poderia chegar dentro de
nossa casa, por elas serem pessoas do interior então eles não tiveram
noção do tamanho do problema, ouvia falar mais não imaginavam, com isso
eu não lembro de ninguém chegar para falar comigo sobre drogas, nem
mesmo na escola (Entrevistado 04).
A partir da análise das entrevistas e da observação realizada, a atividade
de inclusão da instituição familiar no processo de tratamento da dependência
química realizada no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba destaca-se como
um ponto positivo no tratamento, diante da percepção dos sujeitos envolvidos neste
processo, embora existam pessoas que sentem falta do acompanhamento mais
frequente das pessoas que consideram família.
Considero o meu acompanhamento familiar um pouco crítico, mas eu
entendo que a relação com minha família vai levar um tempo para se
fortalecer, porque estou há dezenove anos sem a família, mas não posso
culpa-los. Eu creio que essa relação só vai ser melhorada quando eu sair
daqui e estiver trabalhando e for visita-los sem estar drogado, acho muito
importante retomar essa relação. Preciso adquirir equilíbrio e estabilidade
como ser humano. O maior inimigo meu sou eu mesmo, não culpo a minha
família, eu tenho conhecimento da minha pessoa e sei que se passar por
um vazio vou procurar me preencher com as drogas (Entrevistado 04).
Desse modo, podemos visualizar nas falas o que nos disse Pratta (2009)
sobre a busca de drogas, no sentido em que o homem pode adentrar nesse mundo
para solucionar conflitos e com isso preencher um vazio, pois quando o entrevistado
04 nos diz que se passar por um vazio irá procurar novamente as drogas ele afirma
que em outros momentos seu uso esteve condicionado a este motivo.
O acompanhamento familiar visto assim apareceu como um suporte
qualitativo ao tratamento, em que os sujeitos mostravam-se satisfeitos com a
preocupação de seus familiares e com a presença frequente dos mesmos, mas
conscientes também de suas responsabilidades com o processo de tratamento.
89
A dinâmica da instituição, como já foi dito, também favorecia para a
execução deste acompanhamento, pois rotineiramente os familiares são convidados
a participarem de atividades designadas a eles e algumas vezes junto com seus
parentes que estão em tratamento. Devido termos participado de momentos como
estes pudemos observar a satisfação de alguns dos sujeitos em tratamento, de
estarem em contato com seus parentes e de vê-los empenhados em ajudar na
recuperação deles, e observar também o sofrimento de outros por não poder contar
com essa relação, como se verifica respectivamente nas falas a seguir:
A minha família está e sempre esteve me apoiando, eles e nem eu nunca
perdemos a esperança. Sempre estou em contato com minha família, acho
que isso é uma grande ajuda, mas mesmo com o apoio deles também tenho
que ter força de vontade, sem o apoio deles seria tudo mais difícil.
(Entrevistado 06).
A gente sente sim a falta da família, de uma tia minha vir me ver, mas é
bom também que isso aconteça porque você vai logo se acostumando a
controlar o lado emocional e se responsabilizando pelo seu tratamento
(Entrevistado 04).
A relevância atribuída à família pelos sujeitos entrevistados perpassa a
esfera do ambiente institucional de tratamento, ou seja, os sujeitos em suas
perspectivas futuras, que também foram analisadas nas entrevistas, comumente
citavam a questão de voltar e/ou continuar a manter uma boa relação com a família,
revelando-se também em muitos casos o reconhecimento do sofrimento vivenciado
pela família no período de uso de drogas e o desejo de não mais contribuírem para
este. Sobre esta questão, identificam-se as seguintes falas:
Eu estou me dando muito bem com minha irmã e ela já entende que eu
quero mudar. Minha irmã lutou contra tudo e contra todos por mim e a filha
dela sempre dizendo que eu não queria nada, que deixasse eu morrer, aí eu
não vou decepcionar ela nem colocá-la em maus lençóis, claro que
primeiramente eu, mas não quero ver mais ela sofrer.Tem outra irmã minha
que sempre tive diferenças com ela e preferi que a minha irmã que me
acompanha não convidasse ela para vir, pois eu quero que ela venha de
vontade própria, porque eu reconheço que eu feri muito ela e quando sair
eu converso com ela e até peço desculpas (Entrevistado 05).
90
Percebo que causei sofrimento para minha família. Minhas filhas não
gostavam que eu bebesse, eu evitava pouco andar na casa de minha filha
que é casada. Pretendo mudar meu lazer, andar em locais que não haja
bebidas, procurar ir ao cinema, ir à igreja (Entrevistado 03).
Verificamos então na prática uma grande semelhança, na mudança dos
sujeitos entrevistados, com o pensamento de Guimarães e Aleluia (2012) que
discorrem sobre a eficácia no tratamento quando o estilo de vida do usuário e de sua
família se modifica e quando os conflitos familiares são reconhecidos e passíveis de
resolução. Assim quando o entrevistado 03 afirma que irá mudar suas formas de
lazer em função de sua recuperação, ele passa a adotar um novo estilo de vida.
A família sempre que citada nas entrevistas foi considerada importante
mesmo para aqueles que a não tinham frequentemente presente. O fato de
reconhecer o sofrimento que causaram para a família e a possibilidade de voltarem
a construir planos e mudanças no estilo de vida retratam como a unidade familiar
significa algo importante para esse processo de recuperação.
Verificou também, por meio da experiência institucional, que existe uma
grande dificuldade em relação à articulação com a rede de serviços aos usuários de
álcool e outras drogas, ou seja, o que existem muitas vezes são encaminhamentos
sem acompanhamento cumulativo de cada caso, de fato não existe um trabalho
efetivado em rede, o que acaba por dificultar o processo de reinserção social dos
sujeitos.
Portanto a análise realizada em torno da percepção dos sujeitos que
participam do processo de tratamento interno no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas
Munguba, revela que a abordagem familiar deve ser incorporada nas diversas
modalidades de tratamento, tendo em vista a contribuição positiva de estímulo e
autonomia que gera para aqueles que estão inseridos nesse contexto.
Salientamos por fim que o contato com a instituição e com os
profissionais que lá atuam por meio da observação de campo e de diálogos
informais nos possibilitou uma riqueza de ideias e conhecimentos, contribuindo de
maneira qualitativa para a construção desse estudo.
Dessa forma podemos afirmar ainda que o tratamento oferecido pela
instituição é visto pelos usuários de maneira positiva e transformadora da realidade
91
de cada um, tendo um significado social de ampla abrangência, pois executam
serviços articulados em diferentes áreas da vida dos sujeitos acometidos pela
dependência química.
92
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por todas as discussões que aqui realizamos e pelas conclusões
baseadas nas falas dos sujeitos que contribuíram com nossa pesquisa, torna-se
relevante reafirmarmos que a dependência química é uma doença que ultrapassa o
aspecto físico e/ou clínico do indivíduo, agravando problemas em outros níveis da
vida individual e em sociedade, seja nas relações pessoais, familiares ou mesmo
nas relações de trabalho.
Visto assim a complexidade desta temática é enorme e demonstra a
necessidade de realização de frequentes estudos sobre o assunto, frente a
crescente demanda usuária de drogas, identificada nas pesquisas abordadas no
interior deste estudo. Dentro de nosso estudo podemos concluir que a dependência
química não tem condicionantes exclusivos, mas se identificaram os principais
motivos na fala dos sujeitos pesquisados, como por exemplo, a dinâmica familiar
que foi colocada como um fator que pode influenciar no inicio do uso de drogas.
Enfatizamos, desse modo, a relevância de nosso estudo aos profissionais
da área e afins, como também para todos aqueles que estão inseridos nas
universidades, locais de ensino, pesquisa e extensão, tendo em vista que é uma
realidade que se apresenta rotineiramente à sociedade brasileira. A pesquisa
também revela grande significado para o assistente social, que comumente está
inserido nas equipes multidisciplinares para tratar da demanda usuária e dependente
de drogas, como no caso da instituição pesquisada. Assim como sabemos que essa
demanda se apresenta nos diversos espaços sócio ocupacionais deste profissional e
com isso a sua aproximação com essa temática, mesmo que minimamente, passa
contemporaneamente ser inerente a prática profissional.
O assistente social como sabemos é um profissional de formação
generalista, que tem sua prática pautada em três esferas articuladas do
conhecimento, qual sejam elas a dimensão teórico-metodológica, ético-política e
técnico-operativa. Dessa forma, mostra-se capacitado para atuar em qualquer área
que se manifestem as expressões da questão social, tendo em vista que essas
constituem sua gênese enquanto profissão. Logo salienta-se a importância da
93
pesquisa para este profissional, pois o uso abusivo de drogas se manifesta
atualmente como uma dessas refrações da questão social.
Assim o presente estudo apresenta uma grande relevância para
refletirmos sobre a ampliação da demanda usuária de drogas frente às legislações e
políticas em vigor.
Voltamos o nosso olhar para o Desafio Jovem do Ceará, que é apenas
um dos locais de atendimento dos dependentes químicos, onde tivemos a
oportunidade de realização do nosso estudo, dentro de um rico processo de
observação e aproximação com os profissionais e com os sujeitos em tratamento,
resultando em um valioso processo de coleta de dados que nos possibilitaram
alcançar nossos objetivos.
A vivência frequente no interior do Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas
Munguba foi de suma importância para compreendermos como se desenvolve o
tratamento da dependência química nesse espaço e como os sujeitos vivenciam
esse processo, identificamos, contudo o significado do acompanhamento familiar
para aqueles sujeitos em regime de internação como um elemento de fortalecimento
e de autoestima na recuperação, bem como de possibilidade para reestabelecer as
relações familiares que se mantiveram enfraquecidas no período do uso de drogas.
Constatamos ainda, nos momentos de observação, que mesmo diante
das leis e políticas priorizarem em seu conteúdo a disseminação de informações
sobre drogas ainda existem muitas pessoas que desconhecem essas substâncias,
seus efeitos e suas consequências. Concluímos também a existência precária de
programas de prevenção ao uso de drogas por parte do Estado, pois nas falas dos
entrevistados a maioria nunca tinha ouvido falar sobre drogas, seus efeitos e
consequências, senão o álcool e o tabaco que são drogas permissíveis e que geram
a falsa noção de não serem prejudiciais ou de não causarem dependências, seja
nas escolas ou na própria comunidade.
Dessa forma vale ressaltar a importância do trabalho realizado na
instituição pesquisada que atua na problemática da dependência química por meio
de um programa biopsicossocial, concretizado por grupos temáticos, laborterapias,
terapia ocupacional, educação formal, atendimentos individuais com psicólogo e
94
assistente social, educação física e orientação cristã, promovendo uma constante
articulação dessas áreas e buscando a recuperação do indivíduo pelo equilíbrio
entre as mesmas, envolvendo os familiares no processo de recuperação e
facilitando para isso o acesso às informações pertinentes a doença e ao convívio
social de seus parentes.
Embora a instituição apresente aspectos que necessitam de melhorias,
como as condições econômicas que promovam a sustentação própria, a melhoria na
estrutura física, a necessidade de um sistema informatizado, os profissionais que lá
atuam são comprometidos com a assistência prestada aos usuários, realizando um
trabalho cultivado pelo respeito entre os pares e desprovidos de qualquer forma de
preconceito, não deixando que essas questões interfiram na efetivação do
tratamento.
Em relação à discussão sobre o que tratam as lei e políticas sobre drogas
não podemos deixar de constatar, diante de nossa análise, um grande avanço no
trato dos usuários de álcool e outras drogas, sendo criados equipamentos para
atenderem especificamente esses sujeitos pautados em práticas terapêuticas,
preservando ainda a utilização medicamentosa em alguns casos. Percebemos
também que as novas leis se modernizaram ao que se refere à diferenciação
realizada entre usuários e traficantes, estabelecendo diferenças no trato destes.
As legislações e políticas sobre drogas dispõem no interior de seus
conteúdos sobre as ações integrais que deveriam ser destinadas a demanda usuária
de drogas, mas o que percebemos na empiria é a falta de efetivação destas no que
tange ao atendimento em rede. Não existe de fato uma articulação entre as políticas
de assistência, saúde, habitação, transferindo a responsabilidade do problema das
drogas para a sociedade civil, que já é portadora desses direitos positivados em lei,
e que assim acabam por ficar a mercê da privatização dos serviços de do terceiro
setor. O que nos remete com essa avaliação é a perda de direitos já legitimados que
a
população
vivencia,
em
que
o
sistema
capitalista
vem
garantindo
a
desregulamentação estatal e a transferência de responsabilidades que lhes dizem
respeito para a esfera privada, com fins lucrativos, e filantrópica.
95
A efetivação da rede integrada de atenção aos usuários de álcool e outras
drogas emergem como necessária diariamente, pois cada vez mais o número de
consumidores de crack e similares vêm aumentando, como bem foi mencionado
pela pesquisa da Fiocruz (2013), revelando que os motivos levados em
consideração na busca pelas drogas também vem se diversificando e apresentando
condicionantes sociais de diversos tipos que precisam ser avaliados e levados em
consideração na escolha do modelo de tratamento, assim também como
compreender as repercussões do uso na vida dos sujeitos.
Constatou-se ainda que a dependência química não é uma doença
gerada em uma demanda específica, pois na análise das entrevistas podemos
observar que existem pessoas com perfis bastante diferenciados uma das outras e
que mesmo assim se encontram na mesma condição, originada pela doença, mas é
válido ressaltar ainda que para algumas existiram motivos peculiares para
adentrarem ao mundo das drogas, logo podemos concluir que todos nós podemos
ser acometidos pela dependência química, mas existem fatores de risco que
facilitam o acesso as drogas e também fatores de proteção, como o caso da
instituição familiar que aqui estudamos.
Ficou bastante evidenciado em nosso estudo que o acompanhamento
familiar é certamente importante para ser inserido no tratamento da dependência
química tanto por parte dos autores que ressaltamos, os quais acreditam serem
gerados melhores resultados quando a família é inserida no tratamento, como
principalmente pelo nossos sujeitos da pesquisa, ou seja, pelos residentes do DJC,
que confirmaram uma melhor fluidez no tratamento diante do acompanhamento
familiar, devido este ter sido por muito tempo abandonado e/ou enfraquecido frente
ao uso de drogas. Assim, com restabelecimento das relações familiares os mesmos
acreditam criar forças para se comprometerem com o tratamento e se manterem
bem no decorrer do processo de recuperação da dependência química.
Enxergamos ainda uma forte relação de proximidade das famílias com o
tratamento de seus parentes, e um envolvimento quase total das mesmas nas
atividades propostas, vivenciando a realidade de tratamento da melhor forma
possível, buscando conhecimentos e orientações sobre a doença.
96
Por fim, afirmamos que o estudo nos possibilitou alcançarmos nossos
objetivos, e esperamos que os resultados desta pesquisa possam oferecer subsídios
que contribuam na melhor compreensão e análise da importância de inserir a família
nos modelos de tratamento destinado a recuperação e a reinserção social de
dependentes químicos.
Concluímos nosso trabalho afirmando que a dependência química é uma
doença multifatorial e por isso perpassa todas as esferas da vida do homem em
sociedade e o tratamento adequado para ela é aquele que melhor se encaixe no
perfil do indivíduo acometido pela doença, pois é preciso levar em consideração as
especificidades de cada caso e relacioná-las com a totalidade, mas certamente a
adesão da família como pilar a ser incluído no tratamento traz resultados positivos,
proporcionando assim o empoderamento dos sujeitos, pois confirmamos sob a ótica
dos residentes, que vivenciam o processo de tratamento, no Desafio Jovem do
Ceará Dr. Silas Munguba.
97
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARATANGY, Lidia Rosenberg. Doces venenos: conversas e desconversas sobre
drogas. São Paulo: Olho d‟Água, 2011.
BEHRING, Elaine Rosseti. BOSCHETI, Ivanete. Política social: fundamentos e
história. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007.
BRAZ, Marcelo. NETTO, José Paulo. Economia política: uma introdução crítica.
5. ed. São Paulo: Cortez, 2009.
BONI, Raquel de; KESSLER, Félix. Tratamento. In: BRASIL. Ministério da Justiça.
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Prevenção do uso de drogas:
capacitação para conselheiros e lideranças comunitárias. 5. ed. Brasília:
SENAD, 2013. Cap. 09. p.178-193.
BÜCHELE, Fátima. CRUZ, Déborah D. O. Álcool e outras drogas: seus aspectos
socioculturais. In: BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Políticas
sobre Drogas. Prevenção do uso de drogas: capacitação para conselheiros e
lideranças comunitárias. 5. ed. Brasília: SENAD, 2013. Cap. 09. p.178-193.
BUCHER, Richard. Drogas e drogadição no Brasil. Porto Alegre: Artes Medicas,
1992.
CARLINI, E. A. et. al . VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas
Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio das Redes
Pública e Privada de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras – 2010. CEBRID Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas: UNIFESP Universidade Federal de São Paulo 2010. SENAD - Secretaria Nacional de Políticas
sobre Drogas. Brasília: SENAD, 2010.
CARLINI, Elisaldo Araújo. A história da maconha no Brasil. Jornal Brasileiro de
Psiquiatria. Rio de Janeiro, p. 341-317. 23 dez. 2006. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S004720852006000400008&script=sci_arttext
> Acesso em: 12 ago. 2013.
98
CFESS. Parâmetros para atuação do assistente social na política de saúde.
Brasília:
CFESS,
2010.
Disponível
em:<http://www.cfess.org.br/arquivos/Parametros_para_a_Atuacao_de_Assistentes_
Sociais_na_Saude.pdf> Acesso em: 02 Dez 2013.
CHARBONNEAU, Paul Eugéne. Juventude, droga e família. In: SANCHEZ, Amauri
M. Tonucci. Drogas e drogados: o indivíduo, a família, a sociedade. São Paulo:
Epu, 1982. Cap. 4. p. 95-139.
CRUZ, Marcelo S. Considerações sobre possíveis razões para a resistência às
estratégias de redução de danos. In: CIRINO, O. MEDEIROS, R. (Orgs.). Álcool e
outras drogas: escolhas, impasses e saídas possíveis. Belo Horizonte:
Autêntica, 2006. p. 13-24.
DETONI, Márcia. Guia prático sobre drogas: conhecimento, prevenção,
tratamento. 2. ed. São Paulo: Rideel, 2009.
DUARTE, Cláudio Elias. MORIHISA, Rogério Shigueo. Experimentação, uso, abuso
e dependência de drogas. In: BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de
Políticas sobre Drogas. Prevenção do uso de drogas: capacitação para
conselheiros e lideranças comunitárias. 5. ed. Brasília: SENAD, 2013. Cap. 02. P.
45-54.
DUARTE, Paulina do Carmo; DALBOSCO, Arruda Vieira. A política e a legislação
brasileira sobre drogas. In: BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de
Políticas sobre Drogas. Prevenção do uso de drogas: capacitação para
conselheiros e lideranças comunitárias. 5. ed. Brasília: SENAD, 2013. Cap. 11. p.
218-234.
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado.
Tradução de Ciro Mioranza. São Paulo: Lafonte, 2012.
FERREIRA, Pedro Eugênio M; MARTINI, Rodrigo K. Cocaína: lendas, história e
abuso. Revista Brasileira de Psiquiatria, Rio Grande do Sul, v. 23, n. 2, p.96-99,
jun.
2001.
Disponível
em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-
44462001000200008&script=sci_arttext > Acesso em: 12 ago.2013.
99
FRACASSO, Laura; LANDRE, Maurício. Comunidade terapêutica. In: RIBEIRO,
Marcelo; LARANJEIRA, Ronaldo. O tratamento do usuário de crack. 2. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2012. Cap. 34. p.503-513.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.
GUIMARÃES, A. ALELUIA, G. Intervenção familiar no tratamento do dependente de
crack. In: RIBEIRO, Marcelo; LARANJEIRA, Ronaldo (Orgs.). O Tratamento do
Usuário de Crack. Porto Alegre: Artmed, 2012. p. 420-433.
IAMAMOTO, Marilda Vilela. Serviço social em tempo de capital fetiche: capital
financeiro, trabalho e questão social. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
LARANJEIRA, R. et al. I levantamento nacional sobre os padrões de consumo
de álcool na população brasileira. Brasília: SENAD, 2007.
LARANJEIRA, Ronaldo. Bases do tratamento da dependência de crack. In:
RIBEIRO, Marcelo; LARANJEIRA, Ronaldo. O tratamento do usuário de crack. 2.
ed. Porto Alegre: Artmed, 2012. Introdução. p. 23-29.
LARANJEIRA, Ronaldo. ZALESKI, Marcos. Políticas públicas. In: _______. Porto
Alegre: Artmed, 2012.cap. 47.p.633-651.
Maior pesquisa sobre crack já feita no mundo mostra o perfil do consumo no
Brasil. Disponível em: < http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/maior-pesquisa-sobrecrack-j%C3%A1-feita-no-mundo-mostra-o-perfil-do-consumo-no-brasil > Acesso em:
03 set. 2013.
MARTINELLI, Maria L (Org.). Pesquisa qualitativa: um instigante desafio. São
Paulo: Veras Editora, 1999.
MARX, Karl. O capital. Tradução e condensação de Gabriel Deville. 3. ed. São
Paulo: Edipro, 2008. (Série ClássicosEdipro)
MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e questão social. 6. ed. São Paulo: Cortez,
2010.
100
MOTA, Leonardo. Dependência química e representações sociais: pecado,
crime ou doença? Curitiba: Juruá, 2009.
NICASTRI, Sérgio. Drogas: Classificação e efeitos no organismo. In: BRASIL.
Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Prevenção do
uso de drogas: capacitação para conselheiros e lideranças comunitárias. 5. ed.
Brasília: SENAD, 2013. Cap. 01. P. 19 - 41.
PENA, João Luiz. Os índios Maxakali: a propósito do consumo de bebidas de alto
teor alcoólico. In: CIRINO, O. MEDEIROS, R. (Orgs.). Álcool e outras drogas:
escolhas, impasses e saídas possíveis. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p. 13-24.
PERRENOUD, Luciane Ogata; RIBEIRO, Marcelo. Histórico do consumo de crack
no Brasil e no mundo. In: RIBEIRO, Marcelo; LARANJEIRA, Ronaldo. O tratamento
do usuário de crack. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012. Cap. 1. p. 33-38.
PONTES, Reinaldo Nobre. Mediação e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1995.
PRATTA, Elisângela Maria M; SANTOS, Manoel Antônio. O processo saúde-doença
e a dependência química: interfaces e evolução. Psicologia Teoria e Pesquisa,
São
Paulo,
v.
25,
n
2,
p.
203-211,
jun.
2009.
Disponível
em:
<
http://www.scielo.br/pdf/ptp/v25n2/a08v25n2.pdf > Acesso em: 19 ago. 2013.
SCHENKER, Mirian. MINAYO, Maria C. A importância da família no tratamento
do uso abusivo de drogas: uma revisão de literatura. Rio de Janeiro: Saúde
Pública, 2004.
TANCREDI, Francisco Bernardini. As toxicomanias do ponto de vista da medicina e
da saúde pública. In: SANCHEZ, Amauri M. Tonucci. Drogas e drogados: o
indivíduo, a família, a sociedade. São Paulo: Epu, 1982. Cap. 1. P. 03-50.
TAVARES, Beatriz Franck; BERIA, Jorge Umberto; LIMA, Maurício Silva. Fatores
associados ao uso de drogas entre adolescentes escolares. Revista de Saúde
Pública, Rio Grande do Sul, v.38, n 6, p.787-796; abr. 2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rsp/v38n6/06.pdf> Acesso em: 15 out. 2013.
101
TEIXEIRA, Dirlândia da S.O centro de convivência elo de vida como uma política
pública de apoio a dependentes químicos: caracterização, possibilidades e
limites. 2009. 112 f. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas e Sociedade) –
Centro de Humanidades e Centro de Estudos Sociais Aplicados, Universidade
Federal do Ceará, Fortaleza, 2009.
Documentos oficiais:
BRASIL. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos.Decreto nº 5.912, de 27 de
setembro
de
2007.
Brasília,
2007.
Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2006/Decreto/D5912.htm> Acesso em: 05 ago. 2013.
_____. Decreto nº 6.117, de 22 de maio de 2007. Aprova a Política Nacional sobre
o Álcool, dispõe sobre as medidas para redução do uso indevido de álcool e sua
associação com a violência e criminalidade, e dá outras providências. Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6117.htm>
Acesso em: 04 set.
_____. Decreto nº 7.179, de 20 de maio de 2010. Institui o plano integrado de
enfrentamento ao crack e outras drogas, cria o seu comitê gestor, e dá outras
providências.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2010/Decreto/D7179.htm> Acesso em: 04 set. 2013.
_____.Lei nº 8.069 de 13 de julgo de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da criança e do
adolescente e dá outras providências. Brasília: Ministério da Justiça, Secretária
Nacional dos Direitos Humanos, 1990.
_____. Legislações e politicas sobre drogas. Brasília: Presidência da República;
SENAD, 2008.
_____. Lei 10.216, de 06 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos
das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial
em saúde mental. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis>
Acesso em: 03 set. 2013.
102
_____. Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de
Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso
indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas;
estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de
drogas;
define
crimes
e
dá
outras
providências.
Disponível
em:
<http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes> Acesso em: 02 set. 2013.
_____. Lei 6.368, de 21 de outubro de 1976. Dispõe sobre medidas de prevenção
e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que
determinem dependência física ou psíquica, e dá outras providências. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6368. htmimpressao.htm> Acesso
em: 03 set. 2013.
_____. Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a
promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços
correspondentes
e
dá
outras
providências.
Disponível
em:
<http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes > Acesso em: 02 set. 2013.
_____. Lei 9.099, de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis
e
Criminais
e
dá
outras
providências.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm> Acesso em: 10 out. 2013.
_____. Lei nº 10.167, de 20 de dezembro de 2000. Brasília, 2000. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L10167.htm> acesso em: 05 ago. 2013.
_____. Lei nº 10.702, de 14 de julho de 2003. Brasília, 2003Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10. 702. htm> Acesso em : 05 ago.
2013.
_____. Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008. Brasília, 2008.Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11705.htm>
Acesso em: 05 ago. 2013.
_____. Lei nº 12.546, de 15 de dezembro de 2011. Brasília, 2011. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12546.htm>Acesso
em: 05 ago. 2013.
103
_____.Lei n° 9.294, de 15 de julho de 1996. Dispõe sobre as restrições ao uso e à
propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e
defensivos agrícolas, nos termos do § 4º do art. 220 da Constituição Federal. Diário
Oficial
da
União,
Brasília,
DF,
16
julho
1996.
Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9294.htm> Acesso em: 05 ago. 2013.
_____. Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999. Define o Sistema Nacional de
Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9782.htm>
Acesso em: 05 set. 2013.
_____. Medida provisória 2.190-34 de 23 de agosto de 2001. Brasília, 2001.
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2190-34.htm>Acesso em:
05 ago. 2013.
_____. Ministério da Justiça. Cartilha crack, é possível vencer. Enfrentar o crack.
Compromisso
de
todos.
Brasília:
MJ,
2013.
Disponível
em:
<http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/biblioteca/documentos/Publicacoes/cartil
has/329302.pdf> Acesso em: 05 set. 2013.
_____. Ministério da Saúde Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral
aos Usuários de Álcool e outras Drogas. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
_____. Ministério da Saúde. Portaria nº 344 de 12 de maio de 1998. Aprova o
Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle
especial. Disponível em:<http://www.anvisa.gov.br/Portaria_344_98.pdf> Acesso em:
09 set. 2013.
_____. Ministério da Saúde. Resolução nº 29, de 30 de junho de 2011. Dispõe
sobre os requisitos de segurança sanitária para o funcionamento de instituições que
prestem serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso
ou
dependência
de
substâncias
psicoativas.
Disponível
em:<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2011> Acesso em: 07 set.
2013.
104
_____.
Política
Nacional
sobre
drogas.
Brasília,
2005.Disponível
em:
<http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/biblioteca/documentos/Legislacao/3269
79.pdf> Acesso em: 03 set. 2013.
_____. Política Nacional sobre o álcool. Brasília, 2007. Disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Decreto_6117_20070522.pdf>
Acesso
em: 03 set. 2013.
_____. Senado Federal. Secretaria Especial de Informática. Constituição da
República Federativa do Brasil. Texto promulgado em 05 de outubro de 1988.
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/legislacao> Acesso em: 02 set. 2013.
Endereços eletrônicos acessados:
http://www.na.org.br
http://www.aa.org.br
http://www.obid.senad.gov.br
http://www.alcoolicosanonimos.org.br
http://www.paho.org/bra
http://portalsaude.saude.gov.br
http://www.febract.org.br
http://www.cfess.org.br
105
APÊNDICES
106
CARTA DE APRESENTAÇÃO DO PROJETO AO DESAFIO JOVEM DO CEARÁ
Fortaleza, _____ de __________de 2013.
Coordenador (a) do Desafio Jovem do Ceará
Estamos encaminhando ao Desafio Jovem do Ceará o protocolo exigido para
aprovação do projeto de pesquisa: O acompanhamento familiar ao processo de
tratamento da dependência química, sob a ótica dos residentes, no Desafio Jovem
do Ceará Dr. Silas Munguba.
Os pesquisadores envolvidos são: Verbena Paula Sandy (Responsável) e
Ilana Portela Cardoso (participante). Este trabalho é pré-requisito para conclusão do
curso de graduação em Serviço Social, da Faculdade Cearense, que está sob
coordenação da assistente social Eliane Nunes de Carvalhos.
Esta pesquisa tem por objetivo compreender a visão dos sujeitos que faziam
uso
e/ou
abuso
de
substâncias
psicoativas,
tratados
no
programa
de
acompanhamento terapêutico do Desafio Jovem do Ceará, sobre a importância da
família para o processo de recuperação. Nesse sentido, temos por objetivos
específicos identificar o perfil sócio – econômico dos participantes da pesquisa,
verificar como eram estabelecidas as relações sociais dos sujeitos com a família no
período anterior ao tratamento, analisar o contexto familiar e as dificuldades de
convivência com a realidade de tratamento.
Ratificamos, enquanto pesquisadores, nossa responsabilidade acerca das
informações teórico-metodológicas, expressas nos documentos apresentados.
Estamos cientes do que nos compete quanto ao objetivo e resultados da pesquisa.
Portanto, solicitamos o parecer e o certificado de aprovação junto à
coordenação da instituição.
_________________________________________
Ilana Portela Cardoso
Eu, ________________________________________, orientador (a), declaro estar
ciente do projeto de pesquisa supracitado, me comprometendo a orientar a
pesquisadora acima.
107
TERMO DE COMPROMISSO PARA UTILIZAÇÃO
DE DADOS DE PRONTUÁRIOS
Os pesquisadores do projeto de pesquisa: O acompanhamento familiar ao
processo de tratamento da dependência química, sob a ótica dos residentes, no
Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba, se comprometem a preservar a
privacidade dos sujeitos cujos dados serão coletados em prontuários, bases de
dados da (o) Desafio Jovem do Ceará, especificamente no setor do Serviço Social.
Concordam, e assumem a responsabilidade, de que estas informações serão
utilizadas
única
e
exclusivamente
para
execução
do
presente
projeto.
Comprometem-se ainda a fazer divulgação das informações coletadas somente de
forma anônima.
Fortaleza, _____ de __________de_____.
___________________________________________
Verbena Paula Sandy
___________________________________________
Ilana Portela Cardoso
108
DECLARAÇÃO DE FIEL DEPOSITÁRIO
SETOR DE ARQUIVO DO SERVIÇO SOCIAL DO DESAFIO JOVEM DO CEARÁ
DR. SILAS MUNGUBA
Eu, Natália de Castro Fialho, Assistente Social, fiel depositário dos documentos dos
usuários residentes no (a) Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba, autorizo
Verbena Paula Sandy e Ilana Portela Cardoso a colher dados dos prontuários para
fins de seu estudo: O acompanhamento familiar ao processo de tratamento da
dependência química, sob a ótica dos residentes, no Desafio Jovem do Ceará Dr.
Silas Munguba.
Fortaleza, _____ de ___________de_____.
_______________________________________________
Assistente Social
CRESS: ________
109
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (OBSERVAÇÃO E
ENTREVISTA)
Convidamos o (a) Senhor (a) para participar da
pesquisa “O
acompanhamento familiar ao processo de tratamento da dependência química, sob
a ótica dos residentes, no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba.”, sob
execução dos (as) pesquisadores (as) Verbena Paula Sandy (responsável) e Ilana
Portela Cardoso (participante), a qual pretende compreender a visão dos sujeitos
que faziam uso e/ou abuso de drogas, tratados no programa de acompanhamento
terapêutico do Desafio Jovem do Ceará, sobre a importância da família para o
processo de recuperação. Sua participação é voluntária e se dará por meio de
observação e entrevista realizadas pesquisadores, sobre a relação estabelecida com
os familiares que acompanham cotidianamente o tratamento desenvolvido em
regime de internamento no Desafio Jovem do Ceará. A finalidade desses
procedimentos é analisar como se desenvolvem ao longo do processo de tratamento
a relação dos internos com seus familiares que acompanham a evolução de sua
recuperação, logo serão realizadas no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba.
Não há riscos decorrentes da sua participação e o Sr. possui a liberdade de retirar
sua permissão a qualquer momento, seja antes ou depois da coleta dos dados,
independente do motivo e sem nenhum prejuízo ao seu atendimento na instituição.
É válido esclarecer que será resguardo o sigilo quanto aos participantes observados
e entrevistados.
Se você aceitar participar, estará contribuindo para a reflexão voltada a
melhoria nos serviços prestados por esta instituição e nos serviços diversos
destinados ao público que é trabalhado nesse estudo. Proporcionará assim também
uma possibilidade de despertar nos profissionais, que na instituição atuam, métodos
de intervenção na questão de fortalecimento dos vínculos familiares e sociais que
por diversos motivos mantiveram-se enfraquecidos em face ao problema da
dependência química. Não há despesas pessoais para o(a) participante em qualquer
fase do estudo. Também não há compensação financeira relacionada à sua
participação. Em qualquer etapa do estudo, poderá contatar os pesquisadores para
o esclarecimento de dúvidas ou para retirar o consentimento de utilização dos dados
coletados com a entrevista: Verbena Paula Sandy, fone: (85) 3052.7230 e Ilana
Portela Cardoso, pelo fone: (85) 8774.9324.
110
Consentimento Pós–Informação
Eu,___________________________________________________________,
fui
informado sobre o que o pesquisador quer fazer e porque precisa da minha
colaboração, e entendi a explicação. Por isso, eu concordo em participar do projeto,
sabendo que não vou ganhar nada e que posso sair quando quiser. Este documento
é emitido em duas vias que serão ambas assinadas por mim e pelo pesquisador,
ficando uma via com cada um de nós.
__________________________________
Assinatura do Participante
____________________________________
Assinatura do Pesquisador
Data: ___/ ____/___
111
Pesquisa de TCC: “O acompanhamento familiar ao processo de tratamento da
dependência química, sob a ótica dos residentes, no Desafio Jovem do Ceará Dr.
Silas Munguba”.
Pesquisadores: Ilana Portela Cardoso; Verbena Paula Sandy (Orientadora).
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Entrevista
nº________Data:_____/_____/_____Duração:__________Gravação_______
1. DADOS DO PERFILSÓCIO - ECONÔMICO
a) Idade:________
b) Etnia: ( ) Branca ( ) Negra ( ) Parda ( ) Amarela ( ) Mestiça
c) Escolaridade:_______________________
d) Profissão:__________________________
e) Trabalha? ( ) Sim ( ) Não. Caso afirmativo, trabalha com o
que?_________________________________
f) Quais são suas formas de lazer?_______________________________
g) Renda mensal aproximadamente?
R$________________Recebe algum tipo de
benefício do governo? Qual?________________________________
h) Estado civil: ( ) Solteiro ( ) Casado ( ) União Estável ( ) Divorciado
( ) Namorando
i)Você tem filhos (as) ? ( ) Sim, quantos?____________( ) Não
j) Seus pais são vivos? ( ) Sim ( ) Não ( ) Só pai ( ) Só mãe.
2. DAS RELAÇÕES FAMILIARES ANTES DO USO DE DROGAS
a) Com quem residia?
b) Como você se relacionava com essas pessoas?
112
c) Trabalhava? Sim ( ) Com o que? _________________ Não ( ) Estudava? Sim (
) Não ( )
d) O que fazia nos momentos de lazer?
e) Você tem irmãos? Sim ( ) Quantos?________Não ( )
f) Alguém na sua família faz ou já fez uso de alguma droga? Sim ( ) Qual seu grau
de parentesco com essa pessoa e qual droga ela consumida ?
________________________________________Não ( )
g) Caso afirmativo como era sua relação com essa pessoa?
h) A família que você citou em algum momento conversou com você sobre drogas?
E você já tinha o conhecimento do que era droga e das suas consequências?
3. DO PERÍODO EM USO DE DROGAS E DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR ANTES
DO TRATAMENTO
a) Qual foi a primeira droga que teve contato?
b) Que idade você tinha? ___________
c) Lazer:__________________________________
d) Existiu algum fato/momento específico que você considera ter sido essencial para
que tivesse lhe levado procurar as drogas?
e) Com quem residia nesse período?
f) Como e quanto tempo depois seus familiares ficaram sabendo do seu
envolvimento com as drogas? Qual a reação deles?
g) Houve mudanças nas relações familiares que eram estabelecidas antes do uso de
drogas? O que mudou?
h) Em algum momento você tentou esconder da sua família que estava usando
drogas? Por quê?
i) Sua família lhe ofereceu ajuda? Você aceitou?
113
4. DO PERÍODO DE TRATAMENTO E DO RELACIONAMENTO COM A FAMÍLIA
a) Quais drogas já fez uso? ( ) Tabaco ( ) Álcool ( ) Maconha ( ) Cocaína ( ) Crack
( ) Outros
b) Já passou por outras formas de tratamento e/ou por outras internações para tratar
a dependência química? Sim ( ) Quantas e onde?
______________________________________Não ( )
c) Em que momento você decidiu se direcionar ao Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas
Munguba para tratar-se do uso indevido de drogas? Alguém lhe aconselhou ou foi
decisão própria?
d) A sua família está lhe apoiando e confiando na sua vontade de se recuperar da
dependência química?
e) Os seus familiares estão sempre que possível em contato com você ?
Sim ( )
Não ( ) .
f) Como você considera essa situação?
g) Em algum momento sua família prejudicou seu tratamento? Qual?
5. DAS PERSPECTIVAS PARA A VIDA EM FAMILIA APÓS O TRATAMENTO
a) O que você pretende mudar em relação a sua convivência familiar?
b) O que você quer proporcionar a sua família ao sair do internamento?
c) Você pretende trabalhar?
Sim ( ) Com o que? ___________________________Não ( )
d) O que pretende mudar em relação a sua vida social? ( Exemplo: lugares que
frequentará, amizades, lazer, etc.)
114
ANEXOS
115
Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001.
Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos
mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de
que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à
raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade,
família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu
transtorno, ou qualquer outra.
Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus
familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados
no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas
necessidades;
II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua
saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na
comunidade;
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a
necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;
VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu
tratamento;
116
VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;
IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
Art. 3º É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental,
a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos
mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada
em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades
que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.
Art. 4º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os
recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
§ 1º O tratamento vis ará, como finalidade permanente, a reinserção social do
paciente em
seu meio.
§ 2º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer
assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços
médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
§ 3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em
instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos
mencionados no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados
no parágrafo único do art. 2º.
Art. 5º O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize
situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de
ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e
reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária
competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo,
assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário.
Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico
circunstanciado que caracterize os seus motivos.
117
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a
pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.
Art. 7º A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente,
deve assinar, no momento da admissão, uma declaração de que optou por esse
regime de tratamento.
Parágrafo único. O término da internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita
do paciente ou por determinação do médico assistente.
Art. 8º A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico
devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde
se localize o estabelecimento.
§ 1º A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas,
ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do
estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser
adotado quando da respectiva alta.
§ 2º O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar,
ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo
tratamento.
Art. 9º A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente,
pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do
estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e
funcionários.
118
Art. 10. Evasão, transferência, acidente, intercorrência clínica grave e falecimento
serão comunicados pela direção do estabelecimento de saúde mental aos familiares,
ou ao representante legal do paciente, bem como à autoridade sanitária
responsável, no prazo máximo de vinte e quatro horas da data da ocorrência.
Art. 11. Pesquisas científicas para fins diagnósticos ou terapêuticos não poderão ser
realizadas sem o consentimento expresso do paciente, ou de seu representante
legal, e sem a devida comunicação aos conselhos profissionais competentes e ao
Conselho Nacional de Saúde.
Art. 12. O Conselho Nacional de Saúde, no âmbito de sua atuação, criará comissão
nacional para acompanhar a implementação desta Lei.
Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 6 de abril de 2001; 180º da Independência e 113º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
119
LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006.
Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve
medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e
dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não
autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
TÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção
social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.
Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou
os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou
relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.
Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio,
a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser
extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou
regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações
Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso
estritamente ritualístico-religioso.
Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais
referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos,
em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas
supramencionadas.
TÍTULO II
DO SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS
Art. 3º O Sisnad tem a finalidade de articular, integrar, organizar e coordenar as
atividades relacionadas com:
I - a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social de usuários e
dependentes de drogas;
II - a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas.
120
CAPÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS E DOS OBJETIVOS
DO SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS
Art. 4º São princípios do Sisnad:
I - o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto à
sua autonomia e à sua liberdade;
II - o respeito à diversidade e às especificidades populacionais existentes;
III - a promoção dos valores éticos, culturais e de cidadania do povo brasileiro,
reconhecendo-os como fatores de proteção para o uso indevido de drogas e outros
comportamentos correlacionados;
IV - a promoção de consensos nacionais, de ampla participação social, para o
estabelecimento dos fundamentos e estratégias do Sisnad;
V - a promoção da responsabilidade compartilhada entre Estado e Sociedade,
reconhecendo a importância da participação social nas atividades do Sisnad;
VI - o reconhecimento da intersetorialidade dos fatores correlacionados com o uso
indevido de drogas, com a sua produção não autorizada e o seu tráfico ilícito;
VII - a integração das estratégias nacionais e internacionais de prevenção do uso
indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de
repressão à sua produção não autorizada e ao seu tráfico ilícito;
VIII - a articulação com os órgãos do Ministério Público e dos Poderes Legislativo e
Judiciário visando à cooperação mútua nas atividades do Sisnad;
IX - a adoção de abordagem multidisciplinar que reconheça a interdependência e a
natureza complementar das atividades de prevenção do uso indevido, atenção e
reinserção social de usuários e dependentes de drogas, repressão da produção não
autorizada e do tráfico ilícito de drogas;
X - a observância do equilíbrio entre as atividades de prevenção do uso indevido,
atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão à
sua produção não autorizada e ao seu tráfico ilícito, visando a garantir a estabilidade
e o bem-estar social;
XI - a observância às orientações e normas emanadas do Conselho Nacional
Antidrogas - Conad.
Art. 5º O Sisnad tem os seguintes objetivos:
I - contribuir para a inclusão social do cidadão, visando a torná-lo menos vulnerável
a assumir comportamentos de risco para o uso indevido de drogas, seu tráfico ilícito
e outros comportamentos correlacionados;
II - promover a construção e a socialização do conhecimento sobre drogas no país;
III - promover a integração entre as políticas de prevenção do uso indevido, atenção
e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão à sua
produção não autorizada e ao tráfico ilícito e as políticas públicas setoriais dos
órgãos do Poder Executivo da União, Distrito Federal, Estados e Municípios;
121
IV - assegurar as condições para a coordenação, a integração e a articulação das
atividades de que trata o art. 3º desta Lei.
CAPÍTULO II
DA COMPOSIÇÃO E DA ORGANIZAÇÃO
DO SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS
Art. 6º (VETADO)
Art. 7º A organização do Sisnad assegura a orientação central e a execução
descentralizada das atividades realizadas em seu âmbito, nas esferas federal,
distrital, estadual e municipal e se constitui matéria definida no regulamento desta
Lei.
Art. 8º (VETADO)
CAPÍTULO III
(VETADO)
Art. 9º (VETADO)
Art. 10. (VETADO)
Art. 11. (VETADO)
Art. 12. (VETADO)
Art. 13. (VETADO)
Art. 14. (VETADO)
CAPÍTULO IV
DA COLETA, ANÁLISE E DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕES
SOBRE DROGAS
Art. 15. (VETADO)
Art. 16. As instituições com atuação nas áreas da atenção à saúde e da assistência
social que atendam usuários ou dependentes de drogas devem comunicar ao órgão
competente do respectivo sistema municipal de saúde os casos atendidos e os
óbitos ocorridos, preservando a identidade das pessoas, conforme orientações
emanadas da União.
Art. 17. Os dados estatísticos nacionais de repressão ao tráfico ilícito de drogas
integrarão sistema de informações do Poder Executivo.
122
TÍTULO III
DAS ATIVIDADES DE PREVENÇÃO DO USO INDEVIDO, ATENÇÃO E
REINSERÇÃO SOCIAL DE USUÁRIOS E DEPENDENTES DE DROGAS
CAPÍTULO I
DA PREVENÇÃO
Art. 18. Constituem atividades de prevenção do uso indevido de drogas, para efeito
desta Lei, aquelas direcionadas para a redução dos fatores de vulnerabilidade e
risco e para a promoção e o fortalecimento dos fatores de proteção.
Art. 19. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas devem observar os
seguintes princípios
e diretrizes:
I - o reconhecimento do uso indevido de drogas como fator de interferência na
qualidade de vida
do indivíduo e na sua relação com a comunidade à qual pertence;
II - a adoção de conceitos objetivos e de fundamentação científica como forma de
orientar as ações dos serviços públicos comunitários e privados e de evitar
preconceitos e estigmatização das pessoas e dos serviços que as atendam;
III - o fortalecimento da autonomia e da responsabilidade individual em relação ao
uso indevido de drogas;
IV - o compartilhamento de responsabilidades e a colaboração mútua com as
instituições do setor privado e com os diversos segmentos sociais, incluindo
usuários e dependentes de drogas e respectivos familiares, por meio do
estabelecimento de parcerias;
V - a adoção de estratégias preventivas diferenciadas e adequadas às
especificidades socioculturais das diversas populações, bem como das diferentes
drogas utilizadas;
VI - o reconhecimento do “não-uso”, do “retardamento do uso” e da redução de
riscos como resultados desejáveis das atividades de natureza preventiva, quando da
definição dos objetivos a serem alcançados;
VII - o tratamento especial dirigido às parcelas mais vulneráveis da população,
levando em consideração as suas necessidades específicas;
VIII - a articulação entre os serviços e organizações que atuam em atividades de
prevenção do uso indevido de drogas e a rede de atenção a usuários e dependentes
de drogas e respectivos familiares;
IX - o investimento em alternativas esportivas, culturais, artísticas, profissionais,
entre outras, como forma de inclusão social e de melhoria da qualidade de vida;
X - o estabelecimento de políticas de formação continuada na área da prevenção do
uso indevido de drogas para profissionais de educação nos 3 (três) níveis de ensino;
XI - a implantação de projetos pedagógicos de prevenção do uso indevido de
drogas, nas instituições de ensino público e privado, alinhados às Diretrizes
Curriculares Nacionais e aos conhecimentos relacionados a drogas;
XII - a observância das orientações e normas emanadas do Conad;
123
XIII - o alinhamento às diretrizes dos órgãos de controle social de políticas setoriais
específicas.
Parágrafo único. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas dirigidas à
criança e ao adolescente deverão estar em consonância com as diretrizes
emanadas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente Conanda.
CAPÍTULO II
DAS ATIVIDADES DE ATENÇÃO E DE REINSERÇÃO SOCIAL
DE USUÁRIOS OU DEPENDENTES DE DROGAS
Art. 20. Constituem atividades de atenção ao usuário e dependente de drogas e
respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas que visem à melhoria da
qualidade de vida e à redução dos riscos e dos danos associados ao uso de drogas.
Art. 21. Constituem atividades de reinserção social do usuário ou do dependente de
drogas e respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas direcionadas para sua
integração ou reintegração em redes sociais.
Art. 22. As atividades de atenção e as de reinserção social do usuário e do
dependente de drogas e respectivos familiares devem observar os seguintes
princípios e diretrizes:
I - respeito ao usuário e ao dependente de drogas, independentemente de quaisquer
condições, observados os direitos fundamentais da pessoa humana, os princípios e
diretrizes do Sistema Único de Saúde e da Política Nacional de Assistência Social;
II - a adoção de estratégias diferenciadas de atenção e reinserção social do usuário
e do dependente de drogas e respectivos familiares que considerem as suas
peculiaridades socioculturais;
III - definição de projeto terapêutico individualizado, orientado para a inclusão social
e para a redução de riscos e de danos sociais e à saúde;
IV - atenção ao usuário ou dependente de drogas e aos respectivos familiares,
sempre que possível, de forma multidisciplinar e por equipes multiprofissionais;
V - observância das orientações e normas emanadas do Conad;
VI - o alinhamento às diretrizes dos órgãos de controle social de políticas setoriais
específicas.
Art. 23. As redes dos serviços de saúde da União, dos Estados, do Distrito Federal,
dos Municípios desenvolverão programas de atenção ao usuário e ao dependente
de drogas, respeitadas as diretrizes do Ministério da Saúde e os princípios
explicitados no art. 22 desta Lei, obrigatória a previsão orçamentária adequada.
124
Art. 24. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão conceder
benefícios às instituições privadas que desenvolverem programas de reinserção no
mercado de trabalho, do usuário e do dependente de drogas encaminhados por
órgão oficial.
Art. 25. As instituições da sociedade civil, sem fins lucrativos, com atuação nas áreas
da atenção à saúde e da assistência social, que atendam usuários ou dependentes
de drogas poderão receber recursos do Funad, condicionados à sua disponibilidade
orçamentária e financeira.
Art. 26. O usuário e o dependente de drogas que, em razão da prática de infração
penal, estiverem cumprindo pena privativa de liberdade ou submetidos a medida de
segurança, têm garantidos os serviços de atenção à sua saúde, definidos pelo
respectivo sistema penitenciário.
CAPÍTULO III
DOS CRIMES E DAS PENAS
Art. 27. As penas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou
cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo, ouvidos o Ministério
Público e o defensor.
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo,
para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia,
cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de
substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à
natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que
se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e
aos antecedentes do agente.
§ 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo
prazo máximo de 5 (cinco) meses.
§ 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste
artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
§ 5º A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas
comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos
congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem,
125
preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e
dependentes de drogas.
§ 6º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput,
nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz
submetê-lo, sucessivamente a:
I - admoestação verbal;
II - multa.
§ 7º O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator,
gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para
tratamento especializado.
Art. 29. Na imposição da medida educativa a que se refere o inciso II do § 6º do art.
28, o juiz, atendendo à reprovabilidade da conduta, fixará o número de dias-multa,
em quantidade nunca inferior a 40 (quarenta) nem superior a 100 (cem), atribuindo
depois a cada um, segundo a capacidade econômica do agente, o valor de um trinta
avos até 3 (três) vezes o valor do maior salário mínimo.
Parágrafo único. Os valores decorrentes da imposição da multa a que se refere o §
6º do art. 28 serão creditados à conta do Fundo Nacional Antidrogas.
Art. 30. Prescrevem em 2 (dois) anos a imposição e a execução das penas,
observado, no tocante à interrupção do prazo, o disposto nos arts. 107 e seguintes
do Código Penal.
TÍTULO IV
DA REPRESSÃO À PRODUÇÃO NÃO AUTORIZADA
E AO TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 31. É indispensável a licença prévia da autoridade competente para produzir,
extrair, fabricar, transformar, preparar, possuir, manter em depósito, importar,
exportar, reexportar, remeter, transportar, expor, oferecer, vender, comprar, trocar,
ceder ou adquirir, para qualquer fim, drogas ou matéria-prima destinada à sua
preparação, observadas as demais exigências legais.
Art. 32. As plantações ilícitas serão imediatamente destruídas pelas autoridades de
polícia judiciária, que recolherão quantidade suficiente para exame pericial, de tudo
lavrando auto de levantamento das condições encontradas, com a delimitação do
local, asseguradas as medidas necessárias para a preservação da prova.
§ 1º A destruição de drogas far-se-á por incineração, no prazo máximo de 30 (trinta)
dias, guardando- se as amostras necessárias à preservação da prova.
§ 2º A incineração prevista no § 1º deste artigo será precedida de autorização
judicial, ouvido o Ministério Público, e executada pela autoridade de polícia judiciária
competente, na presença de representante do Ministério Público e da autoridade
126
sanitária competente, mediante auto circunstanciado e após a perícia realizada no
local da incineração.
§ 3º Em caso de ser utilizada a queimada para destruir a plantação, observar-se-á,
além das cautelas necessárias à proteção ao meio ambiente, o disposto no Decreto
nº 2.661, de 8 de julho de 1998, no que couber, dispensada a autorização prévia do
órgão próprio do Sistema Nacional do Meio Ambiente - Sisnama.
§ 4º As glebas cultivadas com plantações ilícitas serão expropriadas, conforme o
disposto no art. 243 da Constituição Federal, de acordo com a legislação em vigor.
CAPÍTULO II
DOS CRIMES
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender,
expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500
(quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece,
fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de
drogas;
II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima
para a preparação de drogas;
III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse,
administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda
que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
§ 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos)
dias-multa.
§ 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu
relacionamento, para juntos a consumirem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1
(um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa,
sem prejuízo das penas previstas no art. 28.
127
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser
reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de
direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às
atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a
qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário,
aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação,
produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e
pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.
Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente
ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a
1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa
para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.
Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33,
caput e § 1º, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e
pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa.
Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação
destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34
desta Lei: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300
(trezentos) a 700 (setecentos) dias multa.
Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o
paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal
ou regulamentar: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento
de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) dias-multa.
Parágrafo único. O juiz comunicará a condenação ao Conselho Federal da categoria
profissional a que pertença o agente.
Art. 39. Conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a
dano potencial a incolumidade de outrem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3
(três) anos, além da apreensão do veículo, cassação da habilitação respectiva ou
proibição de obtê-la, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade aplicada, e
pagamento de 200 (duzentos) a 400 (quatrocentos) dias-multa.
128
Parágrafo único. As penas de prisão e multa, aplicadas cumulativamente com as
demais, serão de 4 (quatro) a 6 (seis) anos e de 400 (quatrocentos) a 600
(seiscentos) dias-multa, se o veículo referido no caput deste artigo for de transporte
coletivo de passageiros.
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto
a dois terços, se:
I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as
circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;
II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho
de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância;
III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de
estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades
estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de
trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer
natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção
social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de
fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;
V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito
Federal;
VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha,
por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e
determinação;
VII - o agente financiar ou custear a prática do crime.
Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação
policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes
do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de
condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.
Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o
previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do
produto, a personalidade e a conduta social do agente.
Art. 43. Na fixação da multa a que se referem os arts. 33 a 39 desta Lei, o juiz,
atendendo ao que dispõe o art. 42 desta Lei, determinará o número de dias-multa,
atribuindo a cada um, segundo as condições econômicas dos acusados, valor não
inferior a um trinta avos nem superior a 5 (cinco) vezes o maior salário-mínimo.
Parágrafo único. As multas, que em caso de concurso de crimes serão impostas
sempre cumulativamente, podem ser aumentadas até o décuplo se, em virtude da
129
situação econômica do acusado, considerá-las o juiz ineficazes, ainda que aplicadas
no máximo.
Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são
inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória,
vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.
Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento
condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao
reincidente específico.
Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito,
proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da
omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz
de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
Parágrafo único. Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que
este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no
caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento
para tratamento médico adequado.
Art. 46. As penas podem ser reduzidas de um terço a dois terços se, por força das
circunstâncias previstas no art. 45 desta Lei, o agente não possuía, ao tempo da
ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Art. 47. Na sentença condenatória, o juiz, com base em avaliação que ateste a
necessidade de encaminhamento do agente para tratamento, realizada por
profissional de saúde com competência específica na forma da lei, determinará que
a tal se proceda, observado o disposto no art. 26 desta Lei.
CAPÍTULO III
DO PROCEDIMENTO PENAL
Art. 48. O procedimento relativo aos processos por crimes definidos neste Título
rege-se pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições
do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal.
§ 1º O agente de qualquer das condutas previstas no art. 28 desta Lei, salvo se
houver concurso com os crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, será
processado e julgado na forma dos arts. 60 e seguintes da Lei nº 9.099, de 26 de
setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais.
130
§ 2º Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em
flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo
competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer,
lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e
perícias necessários.
§ 3º Se ausente a autoridade judicial, as providências previstas no § 2º deste artigo
serão tomadas de imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar,
vedada a detenção do agente.
§ 4º Concluídos os procedimentos de que trata o § 2º deste artigo, o agente será
submetido a exame de corpo de delito, se o requerer ou se a autoridade de polícia
judiciária entender conveniente, e em seguida liberado.
§ 5º Para os fins do disposto no art. 76 da Lei nº 9.099, de 1995, que dispõe sobre
os Juizados Especiais Criminais, o Ministério Público poderá propor a aplicação
imediata de pena prevista no art. 28 desta Lei, a ser especificada na proposta.
Art. 49. Tratando-se de condutas tipificadas nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37
desta Lei, o juiz, sempre que as circunstâncias o recomendem, empregará os
instrumentos protetivos de colaboradores e testemunhas previstos na Lei nº 9.807,
de 13 de julho de 1999.
Seção I
Da Investigação
Art. 50. Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciária fará,
imediatamente, comunicação ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto
lavrado, do qual será dada vista ao órgão do Ministério Público, em 24 (vinte e
quatro) horas.
§ 1º Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da
materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e
quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea.
§ 2º O perito que subscrever o laudo a que se refere o § 1º deste artigo não ficará
impedido de participar da elaboração do laudo definitivo.
Art. 51. O inquérito policial será concluído no prazo de 30 (trinta) dias, se o indiciado
estiver preso, e de 90 (noventa) dias, quando solto.
Parágrafo único. Os prazos a que se refere este artigo podem ser duplicados pelo
juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade de polícia
judiciária.
Art. 52. Findos os prazos a que se refere o art. 51 desta Lei, a autoridade de polícia
judiciária, remetendo os autos do inquérito ao juízo:
131
I - relatará sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as razões que a
levaram à classificação do delito, indicando a quantidade e natureza da substância
ou do produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação
criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes
do agente; ou
II - requererá sua devolução para a realização de diligências necessárias.
Parágrafo único. A remessa dos autos far-se-á sem prejuízo de diligências
complementares:
I - necessárias ou úteis à plena elucidação do fato, cujo resultado deverá ser
encaminhado ao juízo competente até 3 (três) dias antes da audiência de instrução e
julgamento;
II - necessárias ou úteis à indicação dos bens, direitos e valores de que seja titular o
agente, ou que figurem em seu nome, cujo resultado deverá ser encaminhado ao
juízo competente até 3 (três) dias antes da audiência de instrução e julgamento.
Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta
Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido
o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:
I - a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos
órgãos especializados pertinentes;
II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos
ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território
brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de
integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal
cabível.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida
desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do
delito ou de colaboradores.
Seção II
Da Instrução Criminal
Art. 54. Recebidos em juízo os autos do inquérito policial, de Comissão Parlamentar
de Inquérito ou peças de informação, dar-se-á vista ao Ministério Público para, no
prazo de 10 (dez) dias, adotar uma das seguintes providências:
I - requerer o arquivamento;
II - requisitar as diligências que entender necessárias;
III - oferecer denúncia, arrolar até 5 (cinco) testemunhas e requerer as demais
provas que entender
pertinentes.
132
Art. 55. Oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer
defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.
§ 1º Na resposta, consistente em defesa preliminar e exceções, o acusado poderá
arguir preliminares e invocar todas as razões de defesa, oferecer documentos e
justificações, especificar as provas que pretende produzir e, até o número de 5
(cinco), arrolar testemunhas.
§ 2º As exceções serão processadas em apartado, nos termos dos arts. 95 a 113 do
Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.
§ 3º Se a resposta não for apresentada no prazo, o juiz nomeará defensor para
oferecê-la em 10 (dez) dias, concedendo-lhe vista dos autos no ato de nomeação.
§ 4º Apresentada a defesa, o juiz decidirá em 5 (cinco) dias.
§ 5º Se entender imprescindível, o juiz, no prazo máximo de 10 (dez) dias,
determinará a apresentação do preso, realização de diligências, exames e perícias.
Art. 56. Recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora para a audiência de
instrução e julgamento, ordenará a citação pessoal do acusado, a intimação do
Ministério Público, do assistente, se for o caso, e requisitará os laudos periciais.
§ 1º Tratando-se de condutas tipificadas como infração do disposto nos arts. 33,
caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei, o juiz, ao receber a denúncia, poderá decretar o
afastamento cautelar do denunciado de suas atividades, se for funcionário público,
comunicando ao órgão respectivo.
§ 2º A audiência a que se refere o caput deste artigo será realizada dentro dos 30
(trinta) dias seguintes ao recebimento da denúncia, salvo se determinada a
realização de avaliação para atestar dependência de drogas, quando se realizará
em 90 (noventa) dias.
Art. 57. Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e
a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao
representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para sustentação
oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a
critério do juiz.
Parágrafo único. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se
restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se
o entender pertinente e relevante.
Art. 58. Encerrados os debates, proferirá o juiz sentença de imediato, ou o fará em
10 (dez) dias, ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos.
§ 1º Ao proferir sentença, o juiz, não tendo havido controvérsia, no curso do
processo, sobre a natureza ou quantidade da substância ou do produto, ou sobre a
regularidade do respectivo laudo, determinará que se proceda na forma do art. 32, §
1º, desta Lei, preservando-se, para eventual contraprova, a fração que fixar.
133
§ 2º Igual procedimento poderá adotar o juiz, em decisão motivada e, ouvido o
Ministério Público, quando a quantidade ou valor da substância ou do produto o
indicar, precedendo a medida a elaboração e juntada aos autos do laudo
toxicológico.
Art. 59. Nos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei, o réu
não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons
antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória.
CAPÍTULO IV
DA APREENSÃO, ARRECADAÇÃO E DESTINAÇÃO DE BENS DO ACUSADO
Art. 60. O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante
representação da autoridade de polícia judiciária, ouvido o Ministério Público,
havendo indícios suficientes, poderá decretar, no curso do inquérito ou da ação
penal, a apreensão e outras medidas assecuratórias relacionadas aos bens móveis
e imóveis ou valores consistentes em produtos dos crimes previstos nesta Lei, ou
que constituam proveito auferido com sua prática, procedendo-se na forma dos arts.
125 a 144 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo
Penal.
§ 1º Decretadas quaisquer das medidas previstas neste artigo, o juiz facultará ao
acusado que, no prazo de 5 (cinco) dias, apresente ou requeira a produção de
provas acerca da origem lícita do produto, bem ou valor objeto da decisão.
§ 2º Provada a origem lícita do produto, bem ou valor, o juiz decidirá pela sua
liberação.
§ 3º Nenhum pedido de restituição será conhecido sem o comparecimento pessoal
do acusado, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação
de bens, direitos ou valores.
§ 4º A ordem de apreensão ou sequestro de bens, direitos ou valores poderá ser
suspensa pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata
possa comprometer as investigações.
Art. 61. Não havendo prejuízo para a produção da prova dos fatos e comprovado o
interesse público ou social, ressalvado o disposto no art. 62 desta Lei, mediante
autorização do juízo competente, ouvido o Ministério Público e cientificada a Senad,
os bens apreendidos poderão ser utilizados pelos órgãos ou pelas entidades que
atuam na prevenção do uso indevido, na atenção e reinserção social de usuários e
dependentes de drogas e na repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito
de drogas, exclusivamente no interesse dessas atividades.
Parágrafo único. Recaindo a autorização sobre veículos, embarcações ou
aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de
134
registro e controle a expedição de certificado provisório de registro e licenciamento,
em favor da instituição à qual tenha deferido o uso, ficando esta livre do pagamento
de multas, encargos e tributos anteriores, até o trânsito em julgado da decisão que
decretar o seu perdimento em favor da União.
Art. 62. Os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de
transporte, os maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza,
utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei, após a sua regular
apreensão, ficarão sob custódia da autoridade de polícia judiciária, excetuadas as
armas, que serão recolhidas na forma de legislação específica.
§ 1º Comprovado o interesse público na utilização de qualquer dos bens
mencionados neste artigo, a autoridade de polícia judiciária poderá deles fazer uso,
sob sua responsabilidade e com o objetivo de sua conservação, mediante
autorização judicial, ouvido o Ministério Público.
§ 2º Feita a apreensão a que se refere o caput deste artigo, e tendo recaído sobre
dinheiro ou cheques emitidos como ordem de pagamento, a autoridade de polícia
judiciária que presidir o inquérito deverá, de imediato, requerer ao juízo competente
a intimação do Ministério Público.
§ 3º Intimado, o Ministério Público deverá requerer ao juízo, em caráter cautelar, a
conversão do numerário apreendido em moeda nacional, se for o caso, a
compensação dos cheques emitidos após a instrução do inquérito, com cópias
autênticas dos respectivos títulos, e o depósito das correspondentes quantias em
conta judicial, juntando-se aos autos o recibo.
§ 4º Após a instauração da competente ação penal, o Ministério Público, mediante
petição autônoma, requererá ao juízo competente que, em caráter cautelar, proceda
à alienação dos bens apreendidos, excetuados aqueles que a União, por intermédio
da Senad, indicar para serem colocados sob uso e custódia da autoridade de polícia
judiciária, de órgãos de inteligência ou militares, envolvidos nas ações de prevenção
ao uso indevido de drogas e operações de repressão à produção não autorizada e
ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse dessas atividades.
§ 5º Excluídos os bens que se houver indicado para os fins previstos no § 4º deste
artigo, o requerimento de alienação deverá conter a relação de todos os demais
bens apreendidos, com a descrição e a especificação de cada um deles, e
informações sobre quem os tem sob custódia e o local onde se encontram.
§ 6º Requerida a alienação dos bens, a respectiva petição será autuada em
apartado, cujos autos terão tramitação autônoma em relação aos da ação penal
principal.
§ 7º Autuado o requerimento de alienação, os autos serão conclusos ao juiz, que,
verificada a presença de nexo de instrumentalidade entre o delito e os objetos
utilizados para a sua prática e risco de perda de valor econômico pelo decurso do
tempo, determinará a avaliação dos bens relacionados, cientificará a Senad e
135
intimará a União, o Ministério Público e o interessado, este, se for o caso, por edital
com prazo de 5 (cinco) dias.
§ 8º Feita a avaliação e dirimidas eventuais divergências sobre o respectivo laudo, o
juiz, por sentença, homologará o valor atribuído aos bens e determinará sejam
alienados em leilão.
§ 9º Realizado o leilão, permanecerá depositada em conta judicial a quantia
apurada, até o final da ação penal respectiva, quando será transferida ao Funad,
juntamente com os valores de que trata o § 3º deste artigo.
§ 10. Terão apenas efeito devolutivo os recursos interpostos contra as decisões
proferidas no curso do procedimento previsto neste artigo.
§ 11. Quanto aos bens indicados na forma do § 4º deste artigo, recaindo a
autorização sobre veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à
autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de
certificado provisório de registro e licenciamento, em favor da autoridade de polícia
judiciária ou órgão aos quais tenha deferido o uso, ficando estes livres do
pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, até o trânsito em julgado da
decisão que decretar o seu perdimento em favor da União.
Art. 63. Ao proferir a sentença de mérito, o juiz decidirá sobre o perdimento do
produto, bem ou valor apreendido, sequestrado ou declarado indisponível.
§ 1º Os valores apreendidos em decorrência dos crimes tipificados nesta Lei e que
não forem objeto de tutela cautelar, após decretado o seu perdimento em favor da
União, serão revertidos diretamente ao Funad.
§ 2º Compete à Senad a alienação dos bens apreendidos e não leiloados em caráter
cautelar, cujo perdimento já tenha sido decretado em favor da União.
§ 3º A Senad poderá firmar convênios de cooperação, a fim de dar imediato
cumprimento ao estabelecido no § 2º deste artigo.
§ 4º Transitada em julgado a sentença condenatória, o juiz do processo, de ofício ou
a requerimento do Ministério Público, remeterá à Senad relação dos bens, direitos e
valores declarados perdidos em favor da União, indicando, quanto aos bens, o local
em que se encontram e a entidade ou o órgão em cujo poder estejam, para os fins
de sua destinação nos termos da legislação vigente.
Art. 64. A União, por intermédio da Senad, poderá firmar convênio com os Estados,
com o Distrito Federal e com organismos orientados para a prevenção do uso
indevido de drogas, a atenção e a reinserção social de usuários ou dependentes e a
atuação na repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, com
vistas na liberação de equipamentos e de recursos por ela arrecadados, para a
implantação e execução de programas relacionados à questão das drogas.
136
TÍTULO V
DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL
Art. 65. De conformidade com os princípios da não-intervenção em assuntos
internos, da igualdade jurídica e do respeito à integridade territorial dos Estados e às
leis e aos regulamentos nacionais em vigor, e observado o espírito das Convenções
das Nações Unidas e outros instrumentos jurídicos internacionais relacionados à
questão das drogas, de que o Brasil é parte, o governo brasileiro prestará, quando
solicitado, cooperação a outros países e organismos internacionais e, quando
necessário, deles solicitará a colaboração, nas áreas de:
I - intercâmbio de informações sobre legislações, experiências, projetos e programas
voltados para atividades de prevenção do uso indevido, de atenção e de reinserção
social de usuários e dependentes de drogas;
II - intercâmbio de inteligência policial sobre produção e tráfico de drogas e delitos
conexos, em especial o tráfico de armas, a lavagem de dinheiro e o desvio de
precursores químicos;
III - intercâmbio de informações policiais e judiciais sobre produtores e traficantes de
drogas e seus precursores químicos.
TÍTULO VI
DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 66. Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei, até que seja
atualizada aterminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas
substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle
especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998.
Art. 67. A liberação dos recursos previstos na Lei nº 7.560, de 19 de dezembro de
1986, em favor de Estados e do Distrito Federal, dependerá de sua adesão e
respeito às diretrizes básicas contidas nos convênios firmados e do fornecimento de
dados necessários à atualização do sistema previsto no art. 17 desta Lei, pelas
respectivas polícias judiciárias.
Art. 68. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar
estímulos fiscais e outros, destinados às pessoas físicas e jurídicas que colaborem
na prevenção do uso indevido de drogas, atenção e reinserção social de usuários e
dependentes e na repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de
drogas.
Art. 69. No caso de falência ou liquidação extrajudicial de empresas ou
estabelecimentos hospitalares, de pesquisa, de ensino, ou congêneres, assim como
nos serviços de saúde que produzirem, venderem, adquirirem, consumirem,
137
prescreverem ou fornecerem drogas ou de qualquer outro em que existam essas
substâncias ou produtos, incumbe ao juízo perante o qual tramite o feito:
I - determinar, imediatamente à ciência da falência ou liquidação, sejam lacradas
suas instalações;
II - ordenar à autoridade sanitária competente a urgente adoção das medidas
necessárias ao recebimento
e guarda, em depósito, das drogas arrecadadas;
III - dar ciência ao órgão do Ministério Público, para acompanhar o feito.
§ 1º Da licitação para alienação de substâncias ou produtos não proscritos referidos
no inciso II do caput deste artigo, só podem participar pessoas jurídicas
regularmente habilitadas na área de saúde ou de pesquisa científica que comprovem
a destinação lícita a ser dada ao produto a ser arrematado.
§ 2º Ressalvada a hipótese de que trata o § 3º deste artigo, o produto não
arrematado será, ato contínuo à hasta pública, destruído pela autoridade sanitária,
na presença dos Conselhos Estaduais sobre Drogas e do Ministério Público.
§ 3º Figurando entre o praceado e não arrematadas especialidades farmacêuticas
em condições de emprego terapêutico, ficarão elas depositadas sob a guarda do
Ministério da Saúde, que as destinará à rede pública de saúde.
Art. 70. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei,
se caracterizado ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal.
Parágrafo único. Os crimes praticados nos Municípios que não sejam sede de vara
federal serão processados e julgados na vara federal da circunscrição respectiva.
Art. 71. (VETADO)
Art. 72. Sempre que conveniente ou necessário, o juiz, de ofício, mediante
representação da autoridade de polícia judiciária, ou a requerimento do Ministério
Público, determinará que se proceda, nos limites de sua jurisdição e na forma
prevista no § 1º do art. 32 desta Lei, à destruição de drogas em processos já
encerrados.
Art. 73. A União poderá celebrar convênios com os Estados visando à prevenção e
repressão do tráfico ilícito e do uso indevido de drogas.
Art. 74. Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após a sua publicação.
Art. 75. Revogam-se a Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976, e a Lei nº 10.409, de
11 de janeiro de 2002.
Brasília, 23 de agosto de 2006.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
138
RESOLUÇÃO - RDC Nº 29, DE 30 DE JUNHO DE 2011
Dispõe sobre os requisitos de segurança
sanitária para o funcionamento de instituições
que prestem serviços de atenção a pessoas
com transtornos decorrentes do uso, abuso ou
dependência de substâncias psicoativas.
A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no uso da
atribuição que lhe confere o inciso IV do art. 11, do Regulamento aprovado pelo
Decreto nº. 3.029, de 16 de abril de 1999, e tendo em vista o disposto no inciso II e
nos § § 1º e 3º do art. 54 do Regimento Interno nos termos do Anexo I da Portaria
nº. 354 da Anvisa, de 11 de agosto de 2006, republicada no DOU de 21 de agosto
de 2006, em reunião realizada em 30 de junho de 2011, adota a seguinte Resolução
da Diretoria Colegiada e eu, Diretor-Presidente, determino a sua publicação:
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES INICIAIS
Seção I
Objetivo
Art. 1º Ficam aprovados os requisitos de segurança sanitária para o
funcionamento de instituições que prestem serviços de atenção a pessoas com
transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas
(SPA), em regime de residência.
Parágrafo único. O principal instrumento terapêutico a ser utilizado para o
tratamento das pessoas com transtornos decorrentes de uso, abuso ou dependência
de substâncias psicoativas deverá ser a convivência entre os pares, nos termos
desta Resolução.
Seção II
Abrangência
Art. 2º Esta Resolução se aplica a todas as instituições de que trata o art. 1º,
sejam urbanas ou rurais, públicas, privadas, comunitárias, confessionais ou
filantrópicas.
Parágrafo único. As instituições que, em suas dependências, ofereçam
serviços assistenciais de saúde ou executem procedimentos de natureza clínica
distintos dos previstos nesta Resolução deverão observar, cumulativamente às
disposições trazidas por esta Resolução as normas sanitárias relativas a
estabelecimentos de saúde.
139
CAPÍTULO II
DA ORGANIZAÇÃO DO SERVIÇO
Seção I
Condições Organizacionais
Art. 3º As instituições objeto desta Resolução devem possuir licença atualizada
de acordo com a legislação sanitária local, afixada em local visível ao público.
Art. 4º As instituições devem possuir documento atualizado que descreva suas
finalidades e atividades administrativas, técnicas e assistenciais.
Art. 5º As instituições abrangidas por esta Resolução deverão manter
responsável técnico de nível superior legalmente habilitado, bem como um substituto
com a mesma qualificação.
Art. 6º As instituições devem possuir profissional que responda pelas questões
operacionais durante o seu período de funcionamento, podendo ser o próprio
responsável técnico ou pessoa designada para tal fim.
Art. 7º Cada residente das instituições abrangidas por esta Resolução deverá
possuir ficha individual em que se registre periodicamente o atendimento
dispensado, bem como as eventuais intercorrências clínicas observadas.
§1º. As fichas individuais que trata o caput deste artigo devem contemplar itens
como:
I - horário do despertar;
II - atividade física e desportiva;
III - atividade lúdico-terapêutica variada;
IV - atendimento em grupo e individual;
V - atividade que promova o conhecimento sobre a dependência de
substâncias psicoativas;
VI - atividade que promova o desenvolvimento interior;
VII - registro de atendimento médico, quando houver;
VIII - atendimento em grupo coordenado por membro da equipe;
IX - participação na rotina de limpeza, organização, cozinha, horta, e outros;
140
X - atividades de estudos para alfabetização e profissionalização;
XI -atendimento à família durante o período de tratamento.
XII - tempo previsto de permanência do residente na instituição; e
XIII - atividades visando à reinserção social do residente.
§2º. As informações constantes nas fichas individuais devem permanecer
acessíveis ao residente e aos seus responsáveis.
Art. 8º As instituições devem possuir mecanismos de encaminhamento à rede
de saúde dos residentes que apresentarem intercorrências clínicas decorrentes ou
associadas ao uso ou privação de SPA, como também para os casos em que
apresentarem outros agravos à saúde.
Seção II
Gestão de Pessoal
Art. 9º As instituições devem manter recursos humanos em período integral,
em número compatível com as atividades desenvolvidas.
Art. 10. As instituições devem proporcionar ações de capacitação à equipe,
mantendo o registro.
Seção III
Gestão de Infraestrutura
Art. 11. As instalações prediais devem estar regularizadas perante o Poder
Público local.
Art. 12. As instituições devem manter as instalações físicas dos ambientes
externos e internos em boas condições de conservação, segurança, organização,
conforto e limpeza.
Art. 13. As instituições devem garantir a qualidade da água para o seu
funcionamento, caso não disponham de abastecimento público.
Art. 14. As instituições devem possuir os seguintes ambientes:
I- Alojamento
a) Quarto coletivo com acomodações individuais e espaço para guarda de
roupas e de pertences com dimensionamento compatível com o número de
residentes e com área que permita livre circulação; e
141
b) Banheiro para residentes dotado de bacia, lavatório e chuveiro com
dimensionamento compatível com o número de residentes;
II- Setor de reabilitação e convivência:
a) Sala de atendimento individual;
b) Sala de atendimento coletivo;
c) Área para realização de oficinas de trabalho;
d) Área para realização de atividades laborais; e
e) Área para prática de atividades desportivas;
III- Setor administrativo:
a) Sala de acolhimento de residentes, familiares e visitantes;
b) Sala administrativa;
c) Área para arquivo das fichas dos residentes; e
d) Sanitários para funcionários (ambos os sexos);
IV- Setor de apoio logístico:
a) cozinha coletiva;
b) refeitório;
c) lavanderia coletiva;
d) almoxarifado;
e) Área para depósito de material de limpeza; e
f) Área para abrigo de resíduos sólidos.
§ 1º Os ambientes de reabilitação e convivência de que trata o inciso II deste
artigo podem ser compartilhados para as diversas atividades e usos.
§ 2º Deverão ser adotadas medidas que promovam a acessibilidade a
portadores de necessidades especiais.
142
Art. 15. Todas as portas dos ambientes de uso dos residentes devem ser
instaladas com travamento simples, sem o uso de trancas ou chaves.
CAPÍTULO III
DO PROCESSO ASSISTENCIAL
Seção I
Processos Operacionais Assistenciais
Art. 16. A admissão será feita mediante prévia avaliação diagnóstica, cujos
dados deverão constar na ficha do residente.
Parágrafo único. Fica vedada a admissão de pessoas cuja situação requeira a
prestação de serviços de saúde não disponibilizados pela instituição.
Art. 17. Cabe ao responsável técnico da instituição a responsabilidade pelos
medicamentos em uso pelos residentes, sendo vedado o estoque de medicamentos
sem prescrição médica.
Art. 18. As instituições devem explicitar em suas normas e rotinas o tempo
máximo de permanência do residente na instituição.
Art. 19. No processo de admissão do residente, as instituições devem garantir:
I - respeito à pessoa e à família, independente da etnia, credo religioso,
ideologia, nacionalidade, orientação sexual, antecedentes criminais ou
situação financeira;
II -orientação clara ao usuário e seu responsável sobre as normas e rotinas
da instituição, incluindo critérios relativos a visitas e comunicação com
familiares e amigos, devendo a pessoa a ser admitida declarar por escrito
sua concordância, mesmo em caso de mandado judicial;
III - a permanência voluntária;
IV - a possibilidade de interromper o tratamento a qualquer momento,
resguardadas as exceções de risco imediato de vida para si e ou para
terceiros ou de intoxicação por substâncias psicoativas, avaliadas e
documentadas por profissional médico;
V -o sigilo segundo normas éticas e legais, incluindo o anonimato; e
VI - a divulgação de informação a respeito da pessoa, imagem ou outra
modalidade de exposição somente se ocorrer previamente autorização, por
escrito, pela pessoa ou seu responsável.
143
Art. 20. Durante a permanência do residente, as instituições devem garantir:
I -o cuidado com o bem estar físico e psíquico da pessoa, proporcionando
um ambiente livre de SPA e violência;
II - a observância do direito à cidadania do residente;
III - alimentação nutritiva, cuidados de higiene e alojamentos adequados;
IV - a proibição de castigos físicos, psíquicos ou morais; e
V - a manutenção de tratamento de saúde do residente;
Art. 21. As instituições devem definir e adotar critérios quanto a:
I - Alta terapêutica;
II - Desistência (alta a pedido);
III - Desligamento (alta administrativa);
IV - Desligamento em caso de mandado judicial; e
V - Evasão (fuga).
Parágrafo único. As instituições devem registrar na ficha individual do residente
e comunicar a família ou responsável qualquer umas das ocorrências acima.
Art. 22. As instituições devem indicar os serviços de atenção integral à saúde
disponíveis para os residentes, sejam eles públicos ou privados.
CAPÍTULO IV
DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 23. As instituições de que trata a presente Resolução terão o prazo de 12
(doze) meses para promover as adequações necessárias ao seu cumprimento.
Art. 24. O descumprimento das disposições contidas nesta Resolução constitui
infração sanitária, nos termos da Lei nº. 6.437, de 20 de agosto de 1977, sem
prejuízo das responsabilidades civil, administrativa e penal cabíveis.
Art. 25. Fica revogada a Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA - RDC
nº 101, de 31 de maio de 2001.
Art. 26. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
DIRCEU BRÁS APARECIDO BARBANO
Download