1 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL ILANA PORTELA CARDOSO O ACOMPANHAMENTO FAMILIAR AO PROCESSO DE TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA, SOB A ÓTICA DOS RESIDENTES, NO DESAFIO JOVEM DO CEARÁ DR. SILAS MUNGUBA. FORTALEZA 2013 2 ILANA PORTELA CARDOSO O ACOMPANHAMENTO FAMILIAR AO PROCESSO DE TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA, SOB A ÓTICA DOS RESIDENTES, NO DESAFIO JOVEM DO CEARÁ DR. SILAS MUNGUBA. Monografia apresentada ao curso de graduação em Serviço Social da Faculdade Cearense, como requisito para obtenção do título de bacharel em Serviço Social. Orientador (a): Verbena Paula Sandy FORTALEZA 2013 3 ILANA PORTELA CARDOSO O ACOMPANHAMENTO FAMILIAR AO PROCESSO DE TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA, SOB A ÓTICA DOS RESIDENTES, NO DESAFIO JOVEM DO CEARÁ DR. SILAS MUNGUBA. Monografia elaborada como pré-requisito para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação: ____/ ____/____ ________________________________________ Professor (a) Esp. Verbena Paula Sandy ________________________________________ Professor (a) Ms. Virzângela Paula Sandy Mendes ________________________________________ Professor (a) Ms. Rúbia Cristina Martins Gonçalves 4 Aos meus pais, Ana Lúcia possibilitaram o acesso ao sempre me apoiaram nessa vivenciada até aqui. Eles guerreiros que já conheci eternamente grata. e Ivan, que me conhecimento e longa caminhada são os maiores e por isso sou Ao meu primo, que teve sua juventude retirada pelas drogas e que vivencia atualmente o desafio do processo de recuperação da dependência química. 5 AGRADECIMENTOS A Deus, que sempre foi meu refúgio nos momentos de descrença e que sempre me fortaleceu diante dos obstáculos encontrados nos momentos difíceis; Ao meu namorado, Glaydson, por ter compreendido meus momentos de estresse, que não foram poucos, e por ter me apoiado nessa caminhada estando sempre ao meu lado disposto a ajudar de qualquer forma mesmo que fosse com o silêncio; A professora Verbena Paula, minha orientadora, exemplo de competência, que foi responsável por me incentivar na conclusão deste estudo e que estava sempre disposta a me ouvir e conversar quando me encontrava perdida em meio a tantas leituras; A Natalia Fialho, Assistente Social do Desafio Jovem do Ceará, que me recebeu durante um ano e meio de estágio sempre com muita paciência e compreensão e que assim também contribuiu para conclusão deste trabalho; A minhas companheiras Elenice Andrade, Vanessa Kelly e Iana Taygla, as quais compartilharam de muitas trocas de experiência no período de estágio e de muitas alegrias e sofrimentos também; As minhas amigas Ana Thalita Almeida, Maria Delfino e Kayna Honorato, pela amizade, pelo apoio, carinho e incentivo prestado no decorrer desses quatro anos de desafios e vitórias; A todos os professores da Faculdade Cearense, profissionais de excelente nível, facilitadores do meu conhecimento, e em especial a minha banca examinadora composta pela professora Virzângela Paula e Rúbia Cristina. 6 Aos meus amigos, Maraiza Ávila e Cristiano Souza, que entenderam meu momento de estudo, me apoiando na efetivação do meu objetivo, e pelo carinho e tolerância que tiveram também. A todos os meus familiares, que colaboraram na minha formação enquanto pessoa e que impulsionaram positivamente a realização do meu objetivo. A presidente do Desafio Jovem do Ceará, Teresa Cristina, que permitiu a execução de minha pesquisa sem restrições. As minhas amigas, Liliane e Jacinta, secretárias do Desafio Jovem, sinônimos de alegria e descontração, que acompanharam meu período de estágio me auxiliando sempre que possível. Ao meu amigo Jan Diego, psicólogo do Desafio Jovem do Ceará, que esteve presente comigo inúmeras tardes e pelos diálogos alegres e construtivos que tivemos. A todos aqueles que encontram - se em processo de recuperação da dependência química que participaram desta pesquisa. 7 “Se a aparência e a essência das coisas coincidissem, a ciência seria desnecessária.” (Karl Marx) 8 RESUMO A problemática da dependência química cresce diariamente no Brasil e no mundo implicando sérias consequências para a vida humana, gerando uma diversidade de discussões acerca da melhor abordagem de tratamento para os sujeitos que vivenciam a doença, logo se destaca a importância da pesquisa. Este trabalho tem como objetivo maior analisar a compreensão dos residentes que estão recebendo atendimento através do Programa de Acompanhamento Terapêutico, sobre o significado do acompanhamento familiar para o processo de recuperação da dependência química, no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba. Dessa forma procurou-se realizar uma explanação teórica dos assuntos que rodeiam a temática das drogas, discutindo sobre os conceitos e sobre as legislações e políticas sobre drogas em vigor. Para tanto realizamos pesquisa bibliográfica, sobre a temática das drogas e da inclusão familiar no tratamento; pesquisa documental, para análise dos prontuários na intenção de selecionar o público possivelmente entrevistado; pesquisa de campo, para apreendermos na realidade a visão dos sujeitos, com a execução de entrevistas e observação. Ficou evidenciado, que a família inserida no tratamento representa para os sujeitos um auxílio na recuperação, pois se recupera a autoestima já perdida, devolve a demonstração de afeto que os familiares já não mais tinham com o residente e os condicionam a mudar o estilo de vida que estavam levando e a construir uma nova etapa sem drogas. Com isso, a família apresentou-se com um elemento transformador no processo de recuperação. Utilizamos do ponto de vista teórico-metodológico o materialismo histórico dialético, por acreditarmos oferecer este o suporte de melhor qualidade para a elucidação da realidade objetivada. Palavras-chave: Drogas. Dependência Química. Inserção Familiar. 9 ABSTRACT The problem of drug addiction increases daily in Brazil and throughout the world, implicating in serious consequences to human life and sparking a variety of discussions about the best treatment approach for individuals who experience this illness; therefore the importance of research focused on the theme is highlighted. This paper aims at analyzing the understanding of the inmates at Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba about the meaning of family support in the process of recovery from drug addiction. Thus we sought to perform a theoretical explanation of the issues surrounding the drugs topic, discussing the concepts, laws and drug policies in effect. To do so, we conducted bibliographic research on the subject of drugs and family inclusion in treatment; documentary research, to analyze records, in order to select possible interviewees; and field research, with interviews and observation, to grasp the individuals‟ perspectives. It was evident that the families‟ participation in the treatments is seen by the subjects as aid in their recoveries, for it restores their self-esteem, rebuilds the affection the family could no longer display towards the inmate and conditions them to change their previous lifestyle and to start a new phase without drugs. Therewith family stood out as transformative element in the recovery process. We have used historical and dialectical materialism as our theoretical-methodological perspective, as we believe it offers the best support to elucidate the objectified reality. Keywords: Drugs. Chemical Dependency. Family Relationships. 10 LISTA DE SIGLAS ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária; APA – Associação Psiquiátrica Americana; CF-88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; CID-10 – 10ª Classificação Internacional de Doenças; CID-10 – Classificação Internacional de Doenças; CT – Comunidade Terapêutica; DMS – IV - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais; DSM-IV – 4ª Edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais; ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente; E.F.I – Ensino Fundamental Incompleto; E.F.C – Ensino Fundamental Completo; EJA – Educação de Jovens e Adultos; E.M.I – Ensino Médio Incompleto; MS – Ministério da Saúde; NAR-ANON – Narcóticos Anônimos (Grupos Familiares); OBID – Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas; OMS – Organização Mundial da Saúde; RD – Redução de danos à saúde; SENAD – Secretária Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas; SISNAD – Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas; SNC – Sistema Nervoso Central; SPA – Substâncias Psicoativas; SUS – Sistema Único de Saúde; 11 LISTA DE TABELAS TABELA 01 Principais dados referentes ao perfil social dos entrevistados na pesquisa ................................................................................................................... 80 TABELA 02 Período inicial do uso de drogas e primeira droga de consumo ...... 82 12 SUMÁRIO INTRODUÇÃO......................................................................................................... 13 1. DROGAS: CONCEITOS, CONTEXTUALIZAÇÃO E LEGISLAÇÕES................ 19 1.1 Conceituações sobre drogas ...................................................................... 19 1.2 Breve contextualização sobre a evolução do uso de drogas ...................... 30 1.3 O que dispõem as principais leis e políticas contemporâneas sobre drogas?.............................................................................................................. 37 2. DEPENDÊNCIA QUÍMICA E FAMÍLIA................................................................. 50 2.1 Dependência química................................................................................... 50 2.2 A inserção familiar no tratamento da dependência química........................ 55 2.3 A necessidade efetivação de uma rede integrada para a população usuária de drogas e o trabalho realizado no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas .......... 64 3. O SIGNIFICADO DO ACOMPANHAMENTO FAMILIAR NO CONTEXTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA ...................................................................................... 79 3.1 Análise sobre o acompanhamento familiar ao processo de tratamento da dependência química sob a ótica dos internos do Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba .................................................................................................. 79 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 92 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 97 APÊNDICES ........................................................................................................... 105 ANEXOS ................................................................................................................ 114 13 INTRODUÇÃO O presente estudo tem como sujeitos da pesquisa os residentes que vivenciam o processo de tratamento da dependência química em regime de residência terapêutica no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba. Sabemos que os sujeitos que vivenciam a dependência química são pessoas fragilizadas diante da doença e necessitam restabelecer o equilíbrio em todas as áreas de sua vida. Com isso, muitos estudiosos dão ênfase à importância de inclusão da entidade familiar ao processo de tratamento, mas faz-se necessário também estabelecer um diálogo com os indivíduos envolvidos nessa problemática, pois são eles os principais alvos das políticas sobre drogas. O Desafio Jovem do Ceará é uma instituição filantrópica, sem fins lucrativos que surgiu desde 1975, demandado atendimento para dependentes químicos do gênero masculino, independente de sua condição social, realizando atividades para incluir a família no processo de recuperação de seus parentes, que estão em tratamento por meio da residência terapêutica, buscando fortalecer e/ou reestabelecer as relações familiares, que sofreram ou tiveram influência na dinâmica familiar diante do agravamento da doença, fornecendo ainda subsídios por meio do acesso ao conhecimento da doença, para que a família possa conviver bem com o dependente químico durante e depois do tratamento e promovendo ainda condições necessárias para o alcance da autonomia desses sujeitos em tratamento. Dentro dessa compreensão, identificamos como a presença frequente das famílias no acompanhamento ao tratamento da dependência química pode repercutir para a recuperação dos residentes entrevistados, sob a ótica dos mesmos. O interesse pelo assunto pesquisado surgiu de dois motivos distintos que facilitaram a apreensão das discussões teóricas e o contato com o campo de pesquisa, promovendo também a proximidade com os sujeitos a serem entrevistados e observados no decorrer da coleta de dados. O primeiro motivo a ser levado em consideração para estudar o tema foi a vivência pessoal de um caso de dependência química nas relações familiares, em 14 que muitas das vezes a família se viu sem alternativas e acabou optando por um modelo de tratamento em que a mesma pouco se relacionava com o sujeito em recuperação e diante ainda de uma falta de integralidade nas atividades dispensadas pela instituição, ou seja, apenas o aspecto clínico foi priorizado e ao final não houve êxito, pois ao terminar o período de tratamento o sujeito voltou a consumir drogas e a família continuava a não entender e nem saber intervir na doença. O segundo motivo de aproximação com o tema foi a realização de três períodos de estágio supervisionado em Serviço Social no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba, onde acompanhamos a rotina da assistente social nos atendimentos à usuários de álcool e outras drogas, incluindo seus familiares. Por meio do contato direto com as famílias e com os residentes, nas atividades frequentemente realizadas, percebemos que a presença dessas motivava os sujeitos e para aqueles que os familiares não apareciam havia uma esperança constante que viessem. Em muitas situações flagramos alguns deles, no decorrer das atividades executadas juntamente com a presença da família, com o olhar fixado no portão de entrada da instituição, ou seja, na esperança de ainda vir alguém para lhe visitar e participar da atividade, logo foi a percepção dessas questões que motivaram o interesse na elaboração desse estudo. Diante dessa temática suscitam algumas dúvidas, como por exemplo: O que são drogas? Como se dá a classificação entre drogas lícitas e ilícitas? Quais drogas causam dependência? Todo usuário de drogas é um dependente químico? Quais são as principais políticas que existem sobre drogas? Elas tratam de que? Existe tratamento ideal para a dependência química? Por que ainda existem tantas pessoas usuária de drogas mesmo com as iniciativas do governo? A família está sendo inserida nos tratamentos da dependência química? A inserção familiar no tratamento tem aprovação dos sujeitos adoecidos? Estas entre tantas outras dúvidas que nos incitam ao falarmos de drogas serão analisados no decorrer deste estudo, na tentativa de facilitar o processo de reflexão do leitor sobre a temática. O termo droga, conforme o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID) tem origem na palavra drogg, originado do holandês antigo e tendo 15 como significado a expressão folha seca. Esta definição é devido ao fato de, antigamente, quase todos os medicamentos utilizavam vegetais em sua composição. As drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, perpassam o desenvolvimento da humanidade desde seus primórdios e de acordo com Bucher (1992) são elementos inerentes à própria historia da humanidade, ultrapassando gerações e estando sempre incorporada a dinâmica histórica com fins diversos e mutáveis. A este respeito, vale verificar o que nos disse Teixeira: . Ao longo da história da humanidade, o homem sempre conviveu com o uso de drogas ou substâncias psicoativas. As drogas foram consumidas em várias épocas, assim como em diversas culturas, essa realidade vem se repetindo ao longo dos tempos (TEIXEIRA, 2009, p. 52). Visualizamos assim, a relação existente entre as diversas sociedades e o uso de drogas, nos fazendo compreender que estas estiveram sempre incorporadas à realidade histórica das diversas demandas sociais e que com o passar dos tempos adquiriram novos significados para os sujeitos que as consumiam. Dessa forma, o estudo traz também de uma discussão sobre uso de drogas e dependência química. Esta é colocada atualmente em cenário mundial pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um problema grave de saúde pública que necessita de intervenções urgentes. Observamos ainda que atualmente pesquisas tratam dessa realidade trazendo diariamente o aumento dos consumidores de álcool e outras drogas em idades cada vez mais precoces. Percebendo dessa forma, apresenta-se a necessidade de efetivação das políticas sociais e públicas sobre drogas articuladas com outras iniciativas estatais para demandarem atenção integral a população usuária e dependente de drogas e que sejam desenvolvidas em consonância com as reais necessidades dessa demanda. Diante disso temos como objetivo maior compreender a visão dos sujeitos que faziam uso e/ou abuso de drogas e que estão sendo tratados no Programa de Acompanhamento Terapêutico do Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba, sobre o significado do acompanhamento familiar para o processo de recuperação. Objetivamos ainda com a pesquisa identificar o perfil social dos 16 residentes, verificar como eram estabelecidas as relações sociais destes com seus familiares nos períodos antes do uso de drogas e depois do uso de drogas e analisar ainda as perspectivas futuras em relação às relações familiares após o tratamento. A realização deste estudo teve como modelos de pesquisa utilizados para sua concretude: a pesquisa bibliográfica, voltada para a leitura de livros e artigos que contemplam a temática e que forneceram suporte teórico para nossas discussões. Esse modelo de pesquisa caracteriza-se, segundo Gil como: A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado constituído principalmente de livros e artigos científicos. [...] A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente (GIL, 2002, p. 44). Tendo em vista a existência de documentos na instituição que contribuíram para a coleta de informações necessárias à pesquisa, que são os prontuários, foi feito também uma pesquisa documental, que segundo Gil, “trata-se de uma pesquisa que se debruça sobre documentos existentes que não receberam ainda um tratamento analítico (2002, p. 46)”, sendo autorizada mediante a apresentação do termo de fiel depositário dos prontuários (ver nos apêndices, pág. 104). Assim, realizou-se também uma pesquisa de campo, objetivando um contato aproximado com a realidade pesquisada, tendo em vista a compreensão facilitada por esse tipo de pesquisa, conforme assinala Gil, Tipicamente, o estudo de campo focaliza uma comunidade, que não é necessariamente geográfica, já que pode ser uma comunidade de trabalho, de estudo, de lazer ou voltada para qualquer outra atividade humana. Basicamente, a pesquisa é desenvolvida por meio da observação direta das atividades do grupo estudado e de entrevistas com informantes para captar suas explicações e interpretações do que ocorre no grupo (GIL, 2002, p. 53). A pesquisa de campo foi realizada com os sujeitos tratados em regime de residência no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba, representado pelo universo de treze sujeitos, que se encontram submetidos a essas condições de tratamento. Diante deste número de pessoas a pesquisa contemplou uma amostra 17 de seis desses sujeitos, visando abordar aqueles que estão na instituição há mais de um mês e já tiveram pelo menos o primeiro contato com seus familiares. Estes têm suas falas identificadas no presente estudo pela expressão: entrevistado, seguida de uma numeração que os diferencia, no intuito de resguardar o sigilo da pesquisa. Com isso, para o alcance de resultados esclarecedores e reflexivos, foram utilizados como elementos de coletas de dados a entrevista e a observação direta, com o intuito de facilitar a compreensão da realidade de tratamento. A entrevista foi realizada por meio de um roteiro semiestruturado que composto por perguntas objetivas e discursivas, a fim de alcançar os objetivos propostos. A estrutura da entrevista foi dividida em cinco blocos que se organizavam da seguinte forma: dados do perfil social; das relações familiares antes do uso de drogas; do período em uso e da convivência familiar antes do tratamento; do período de tratamento e do relacionamento com a família e das perspectivas para a vida em família após o tratamento. (Ver a estrutura da entrevista na íntegra nos apêndices, pág. 107). As entrevistas foram todas gravadas mediante a autorização dos entrevistados, autorizadas pelo termo de consentimento livre e esclarecido (disponível nos apêndices, pág. 105), e realizadas dentro de um tempo máximo de uma hora com cada participante num mesmo encontro. Após serem concluídas foram transcritas para iniciar-se o processo de análise dos dados coletados juntamente com a pesquisa feita previamente nos prontuários disponíveis na instituição e com as anotações contidas nos diários de campo, possibilitadas pelo procedimento de observação. Os processos metodológicos que foram desenvolvidos nesse estudo tiveram como base o uso de uma abordagem qualitativa dos dados coletados, visando compreender e interpretar a percepção dos sujeitos envolvidos. Com isso entende-se por pesquisa qualitativa: [...] pesquisa [que] tem por objetivo trazer à tona o que os participantes pensam a respeito do que está sendo pesquisado, não é só a minha visão de pesquisador em relação ao problema, mas é também o que o sujeito tem a me dizer a respeito (MARTINELLI, 1999, p. 21, grifo meu). 18 Assim, para a análise dos dados coletados no processo de pesquisa o método que foi utilizado para facilitar esse procedimento foi o materialismo histórico dialético de Marx (2008), que ultrapassa as aparências, buscando a essência dos fenômenos e sua relação com a totalidade em que estão inseridos. A presente pesquisa embora não tenha sido submetida ao comitê de ética e pesquisa obteve autorização prévia da presidência da instituição para sua realização, utilizando os mesmos protocolos exigidos pelo comitê (disponíveis nos apêndices). Assim concretizou-se com duração de seis meses incluindo a execução de todos os processos metodológicos para sua realização, e como resultado elaborou-se o presente estudo para fim de discussão dos conhecimentos adquiridos no decorrer desse período, com o intuito de serem disponibilizados os resultados alcançados. Diante da prévia exposição sobre o conteúdo deste estudo, faz-se necessário também que esclareçamos um pouco acerca de como foi estabelecida a divisão dos capítulos e apresentarmos previamente as discursões que os mesmos contemplam. O primeiro capítulo está dividido em três tópicos, abordando em seu desenvolvimento uma discussão sobre os conceitos que rodeiam a temática das drogas, com o intuito de fornecer uma familiaridade dos termos que foram utilizados mais adiante no estudo e esclarecer algumas indagações pertinentes às nomenclaturas usuais contemporaneamente, discutindo um pouco também sobre a contextualização histórica do uso de drogas, trazendo ainda uma breve apresentação sobre o que dispõem as principais legislações e políticas sobre drogas que estão em vigor no Brasil. O segundo capítulo divide-se também em três tópicos, contemplando questões sobre a dependência química e sobre a inserção familiar ao processo de tratamento da doença. Com isso, mostrando também os serviços existentes e os modelos de tratamento legalizados e mais usuais na contemporaneidade, apresentando por fim a instituição que foi realizada a pesquisa de campo. O terceiro capítulo e último apresenta-se a análise realizada diante da percepção dos sujeitos entrevistados, no que tange ao significado do acompanhamento familiar para os residentes tratados no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba. 19 1. DROGAS: CONCEITOS, CONTEXTUALIZAÇÃO E LEGISLAÇÕES 1.1 Conceituações sobre drogas Visando a existência de diversas nomenclaturas e abordagens referentes ao consumo de drogas hoje se faz necessário discutirmos um pouco acerca dos termos mais utilizados e relativamente incorporados ao vocabulário dos profissionais, estudiosos da área e até mesmo das legislações e políticas que se referem à temática. Observando assim existem termos científicos, mas também termos cotidianamente usados no senso comum pela própria sociedade civil e até mesmo pelos usuários na chamada “vida ativa”, ou seja, nos períodos literalmente de consumo da droga. Dessa forma torna-se necessário antes de tudo conceituar o que vem a ser droga, ou seja, o que é considerado atualmente como drogas na sociedade em que vivemos. Para tanto iremos nos pautar na definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 1981 que está em vigor, considerando droga como toda e qualquer substância que não sendo produzida pelo organismo, tem a dimensão de atuar sobre um ou mais de seus sistemas, alterando seu pleno funcionamento. Será por meio desta definição que o presente estudo estará fundamentado quando abordar a terminologia droga. Essa definição encontra-se em disponível acesso no endereço eletrônico do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID), disponível nas referencias deste estudo, o qual foi lançado em 2012 durante a Semana Nacional Antidrogas com o objetivo de “reunir e coordenar o conhecimento disponível sobre drogas para fundamentar o desenvolvimento de programas e intervenções dirigidas à redução de demanda e oferta de drogas (OBID, 2013).” E segundo o Decreto nº 5.912/06, no Capítulo V, referente à gestão das informações: Art.16. O Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas reunirá e centralizará informações e conhecimentos atualizados sobre drogas, incluindo dados de estudos, pesquisas e levantamentos nacionais, 20 produzindo e divulgando informações, fundamentadas cientificamente, que contribuam para o desenvolvimento de novos conhecimentos aplicados às atividades de prevenção do uso indevido, de atenção e de reinserção social de usuários e dependentes de drogas e para a criação de modelos de intervenção baseados nas necessidades específicas das diferentes populações-alvo, respeitadas suas características socioculturais (BRASIL, 2006). Existe ainda outra nomenclatura, que embora atualmente não seja mais utilizada, para conceituar as substâncias que alteram o funcionamento dos sistemas do corpo humano, sendo esta denominada de fármaco, caracterizada por Tancredi da seguinte por forma: Denomina-se fármaco [...] toda substância estranha ao organismo que nele introduzida provoca alterações no seu funcionamento. Trata-se de um conceito bem amplo, que compreende todos os medicamentos ou qualquer outra substância ativa do ponto de vista farmacológico (TANCREDI, p. 07, 1982). No que se refere à nomeação atribuída aos indivíduos que fazem o uso de drogas existem muitas designações para conceituá-los, sendo até mesmo criadas pelos próprios usuários ou pela sociedade, como por exemplo, a utilização dos termos viciado, noiado e drogado. Assim atualmente nas literaturas e nos tratamentos destinados a demandar atenção a problemática das drogas, percebemos que houveram algumas alterações no que se refere ao uso de nomenclaturas, as quais muitas vezes estiveram voltadas para a esfera moral e religiosa, como por exemplo, quem nunca ouviu a expressão “vagabundo” quando alguém se referia a um usuário de drogas que se aproximava? E a expressão: “Cuidado com os marginais”, também se referindo aos mesmos indivíduos? Logo é válido ressaltar o que nos diz Duarte e Morihisa sobre este assunto: O conceito, a percepção humana e o julgamento moral sobre o consumo de drogas evoluíram constantemente e muito se basearam na relação humana com o álcool, por ser ele a droga de uso mais difundido e antigo. Os aspectos relacionados á saúde só foram mais estudados e discutidos nos últimos dois séculos, predominando, antesdisso, visões preconceituosas dos usuários, vistos muitas vezes como „possuídos por forças do mal‟, portadores de graves falhas de caráter ou totalmente desprovidos de „força de vontade‟ para não sucumbirem ao „vício‟ (DUARTE; MORIHISA, p.45, 2013). 21 Apesar dos preconceitos em relação aos usuários de drogas ainda ser realidade posta nos dias atuais, houveram mudanças no que tange ao relacionamento da sociedade com essa demanda, provenientes das próprias leis e políticas que dispõem de atenção a esse público. Ouvimos comumente termos diferentes em relação às drogas e aos indivíduos que as consomem e que muitas vezes transparece estarmos nos referindo a situações também diferenciadas, mas em alguns casos estamos tratando da mesma condição utilizando apenas uma terminologia diferenciada e própria da sociedade, da instituição ou até mesmo da modalidade de tratamento, como no caso da instituição que embasou o campo de pesquisa deste estudo onde os sujeitos em tratamento são chamados de recuperandos. Em relação a essa discursão, Detoni ressalta que, Termos usados até recentemente para designar o uso e os usuários de drogas, como „viciados‟ ou „drogado‟, foram excluídos do vocabulário médico nos anos 1990 por estarem impregnados de preconceito. Especialistas e grupos de autoajuda falam agora em adicto, em adicção e em dependência química. Muitos até preferem „alcoolista‟ ao termo „alcoólatra‟ por entenderem que a palavra „alcoolista‟ reforça a noção de que o abuso de bebidas alcoólicas é uma doença (DETONI, 2009, p. 75). No caso dos tratamentos disponibilizados por meio de grupos de ajuda mútua/autoajuda, como no caso dos Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos, existem nomenclaturas próprias para designarem um significado à prática do uso de drogas. Estas nomenclaturas são: adicto, adicto em recuperação e adicção. O significado de adicto para essas entidades, de acordo com seus endereços eletrônicos (disponíveis nas referências), é justamente uma pessoa que tem sua vida controlada pelas drogas, ou seja, é aquele indivíduo que tem todas as esferas da sua vivência humana orientada a partir do consumo de drogas. O adicto em recuperação é considerado como aquele indivíduo que aderiu o tratamento e que permanece sem utilizar drogas. Já adicção é considerada como uma doença traiçoeira que se estabelece mediante o uso de drogas e que pode levar a destruição da vida do indivíduo. 22 É perceptível que se tivermos uma aproximação, mesmo que superficial, das politicas e legislações sobre drogas iremos nos deparar com duas nomenclaturas, diferentes daquelas acima citadas, sendo elas usuários e dependentes de drogas. Diante disto podemos afirmar que esses dois conceitos são aqueles mais trabalhados hoje na esfera pública e política e representam ainda o fato de que para consumir drogas não necessariamente o indivíduo é caracterizado com um dependente, podendo ser apenas um usuário, dependendo da frequência de uso. Sendo assim no desenvolvimento deste estudo quando formos nos remeter aos indivíduos utilizaremos esses dois conceitos, qual sejam usuários e dependentes de drogas. Para que possa ser feita essa distinção entre usuário e dependente de drogas é preciso analisar os padrões de consumo de tais substâncias, pois é mediante a frequência, como já falamos, e a intensidade do uso é que se pode analisar o grau de envolvimento em tal situação. É válido ressaltar ainda que, conforme Aratangy (2011), nem todas as drogas tem a capacidade de desenvolver dependência, pois muitas delas, como os medicamentos, são usadas em diversas modalidades de tratamentos terapêuticos de doenças para produzir efeitos benéficos e satisfatórios referentes à condição de adoecimento da pessoa acometida ao uso de tais substâncias, mas veremos mais adiante que os abusos no consumo de medicamentos acabam também por gerar dependência também. Os padrões de consumo mais usuais atualmente são representados por duas formas distintas de categorizar e defini-los, sendo elas: CID-10 (10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças) da Organização Mundial de Saúde e o DSM-IV (4ª edição do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) da Associação Psiquiátrica Americana, que dispõem de critérios para definir o padrão de consumo de drogas dos indivíduos. É oportuno salientar que, Na década de 60 do século passado, o programa da saúde mental da Organização Mundial de Saúde (OMS) tornou-se ativamente empenhado em melhorar o diagnostico e a classificação de transtornos mentais, além de prover definições claras de termos relacionados às perturbações mentais. [...] Numerosas propostas para melhorar a classificação de transtornos mentais resultaram [...] no rascunho da 8ª Revisão da Classificação 23 Internacional de Doenças (CID-8). Atualmente, estamos na 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), a qual apresenta as descrições clínicas e diretrizes diagnósticas das doenças que conhecemos e é utilizada por nosso sistema de saúde pública (DUARTE; MORIHISA, p.46, 2013). O DSM-IV, segundo o OBID, apresenta-se como um documento elaborado pela Associação Psiquiátrica Americana (AMA) com finalidades de favorecer subsídios na atuação clínica, assim também para fins de pesquisa e educacional, possibilitando um aprimoramento nas relações estabelecidas entre os diversos profissionais e os pesquisadores sobre o assunto. Mediante a essas breves apresentações cabe então salientarmos que padrões são estes. Logo as duas classificações, como citado, são distintas e apresentam critérios diferenciados para estabelecer o padrão de consumo do indivíduo que faz uso de drogas. Os padrões de consumo de drogas estabelecidos e paramentados nessas duas classificações são: uso de drogas, abuso de drogas e dependência. Conforme Duarte e Morihisa (2013) o critério do uso de drogas apresenta-se como um modo de consumir drogas em que o próprio indivíduo tem a capacidade de administrar a quantidade de drogas que consome, estando esse critério absorvido igualmente pelas duas classificações. Em relação ao critério de abuso de drogas, ainda segundo os autores supracitados, existe uma diferença em relação à classificação da CID-10 e do DSMIV, pois para o CID-10 ele é conceituado como uso nocivo, ou seja, uma modalidade de consumir drogas que pode ser responsável por gerar danos físicos ou psicológicos, ou ainda mudanças de comportamento. Já para o DSM-IV esse padrão de consumo de drogas é reconhecido com a própria nomenclatura, ou seja, abuso de drogas, caracterizado pelo preenchimento de um ou mais sintomas preestabelecidos num período de doze meses sem nunca ter chegado ao nível de abstinência, sendo eles: 1. Uso recorrente resultando em fracasso em cumprir obrigações importantes relativas a seu papel no trabalho, na escola ou em casa; 2. Uso recorrente em situações nas quais isso representa perigo físico; 3. Problemas legais recorrentes relacionados à substância; 4. Uso continuado, apesar de problemas sociais ou 24 interpessoais persistentes ou recorrentes, causados ou exacerbados pelos efeitos da substância (OBID, 2013). Ainda de acordo com Duarte e Morihisa também existem parâmetros diferenciados nas duas classificações que proporcionam a identificação do critério de dependência dos indivíduos. Para o DSM-IV a dependência caracteriza-se como “um padrão mal adaptativo de uso, levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente [e socialmente] significativos (2013, p. 51)”. É necessário que se avalie a manifestação de três ou mais dos seguintes critérios no mesmo período de doze meses: 1.Tolerância [...], acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma substância; [...].2. Abstinência [...], a mesma substância (ou uma substância relacionada) é consumida para aliviar ou evitar os sintomas de abstinência [de falta da droga no organismo]. 3. A substância é frequentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido. 4. Existe um desejo persistente ou esforços mal-sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso. 5. Muito tempo é gasto em atividades necessárias para obtenção e utilização de substância ou na recuperação de seus efeitos. 6.Importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso. 7. O uso continua, apesar da consciência de se ter um problema físico ou psicológico, persistente ou recorrente, que tende a ser causado ou exacerbado pela substância (DUARTE; MORIHISA, p. 51, 2013, grifos do autor). No que tange aos critérios estabelecidos pela CID-10, caracteriza-se como uma situação de dependência quando se apresentarem três ou mais das manifestações colocadas a seguir por Duarte e Morihisa, ocorrendo conjuntamente em um período mínimo de um mês ou que tenha ocorrido em períodos menores, mas de forma repetida dentro do prazo de doze meses. 1. Forte desejo ou compulsão para consumir a substância. 2. Comprometimento da capacidade de controlar o início, o término ou níveis de uso [...]. 3. Estado fisiológico de abstinência quando o uso é interrompido ou reduzido [...]. 4. Evidência de tolerância aos efeitos, necessitando de quantidades maiores para se obter o efeito desejado, ou estado de intoxicação ou redução acentuada destes efeitos com o uso continuado da mesma quantidade. 5. Preocupação com o uso, manifestado pela redução ou abandono das atividades prazerosas ou de interesse significativo, por causa do uso ou do tempo gasto em obtenção, consumo e recuperação dos efeitos. 6. Uso persistente, a despeito de evidências claras de consequências nocivas, evidenciadas pelo uso continuado quando o sujeito está efetivamente consciente[...] 25 da natureza e extensão dos efeitos nocivos (DUARTE; MORIHISA, p. 51, 2013, grifos do autor). Tratando ainda dos conceitos estabelecidos e utilizados pelas duas classificações citadas, observa-se também que ambos os sistemas classificatórios incorporam em seus critérios o conceito de Síndrome da Dependência do Álcool que se apresenta também conforme o preenchimento de algumas possibilidades, como: Estreitamento do repertório de beber: O beber se torna mais comum, com menos variações em termos da escolha da companhia, dos horários, do local ou dos motivos para beber, ficando ele cada vez mais estereotipado à medida que a dependência avança. Saliência do comportamento de busca pelo álcool: A pessoa passa, gradualmente, a planejar seu dia-a-dia em função da bebida – como vai obtê-la, onde vai consumi-la, e como irá recuperar-se -, deixando as demais atividades em plano secundário. Sensação subjetiva da necessidade de beber: A pessoa percebe que perdeu o controle, que sente um desejo praticamente incontrolável e compulsivo de beber. Desenvolvimento da tolerância ao álcool: Por razões biológicas, o organismo do indivíduo suporta quantidades cada vez maiores de álcool ou a mesma quantidade não produz mais os mesmos efeitos que no início do consumo. Sintomas repetidos de abstinência: Em paralelo com o desenvolvimento da tolerância, a pessoa passa a apresentar sintomas desagradáveis ao diminuir ou interromper a sua dose habitual. Surgem ansiedade e alterações de humor, tremores, taquicardia, enjôos, suor excessivo e até convulsões, com risco de morte. Alivio ou evitação dos sintomas de abstinência ao aumentar o consumo: Nem sempre o sujeito admite, mas um questionamento detalhado mostrará que está tolerante ao álcool e só não desenvolve os descritos sintomas na abstinência, porque não reduz ou até aumenta gradualmente seu consumo, retardando muitas vezes o diagnóstico. Reinstalação da síndrome de dependência: O padrão antigo de consumo pode se restabelecer rapidamente, mesmo após um longo período de não uso (OBID, 2013, grifos do autor). Outros termos também são encontrados no Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID), estes são: o uso experimental em que o indivíduo realiza seus poucos contatos com uma droga específica, por ocasiões infrequentes ou não persistentes; o uso recreativo que se caracteriza pelo uso de uma droga especifica, e em geral ilícita em circunstâncias sociais ou relaxantes, sem implicações com dependência ou outros problemas relacionados; o uso controlado sendo aquele que se refere à manutenção de um uso regular, não compulsivo e que não interfere com o funcionamento habitual do indivíduo e por fim o uso social que 26 pode ser entendido como uso em companhia de outras pessoas e de maneira socialmente aceitável. Existem também termos relacionados à legalidade e ao controle da fabricação, do uso e do comércio de drogas, sendo eles comumente utilizados pela mídia e pela esfera de segurança pública, conhecidos como drogas lícitas e ilícitas. As drogas lícitas são aquelas que têm o consumo, a fabricação e o comércio liberado mediante o parâmetro das legislações brasileiras sobre drogas, controle este executado atualmente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). As principais drogas que compõem essa categoria são o álcool, o tabaco, os solventes e inalantes e os medicamentos. Apesar de serem drogas permissivas para o consumo, estas não correspondem a substâncias que não causam dependência ou mesmo que não seja a preferência da população usuária de drogas, muito pelo contrário, de acordo com Nicrastri (2013) o álcool é uma das drogas de uso e abuso mais disseminadas nos países na atualidade. Já em relação ao abuso de medicamentos, Bucher nos diz que: Na evolução recente do uso indevido de drogas, chama ainda a atenção o consumo crescente de medicamentos, incentivado pela mídia [...]. Trata-se aí de substâncias perfeitamente lícitas [...] mas que criam dependências, tão intensas que o abuso de „drogas duras‟ (p. 31, 1992). Conforme o que foi dito os pressupostos da Política Nacional sobre Drogas torna-se de suma importância, pois se deve, Reconhecer o uso irracional das drogas lícitas como fator importante na indução de dependência, devendo, por esse motivo, ser objeto de um adequado controle social, especialmente nos aspectos relacionados à propaganda, comercialização e acessibilidade de populações vulneráveis, tais como crianças e adolescentes (SENAD, p. 14, 2008). 27 Visto assim, existe um dispositivo legal que dispõe sobre as restrições no que se refere á utilização de propagandas de produtos fumígenos 1, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, sendo este a Leinº 9.294/96 que sofreu alterações pelas leis nº 10.167/00, 10.702/03, 11.705/08, 12.546/11 e pela medida provisória nº: 2.190-34/01. As quais modificavam os elementos que deveriam ser fiscalizados pela lei, mediante o surgimento de novos complementos advindos das transformações sociais. No que se refere às drogas ilícitas, são denominadas como aquelas que estão para além da legalidade, ou seja, que não tem permissão legal para serem consumidas, produzidas e muito menos comercializadas, diante disso estão intimamente ligadas as políticas de saúde, de segurança, bem como a de fiscalização da ANVISA, já citada e mais tarde comentada, visando um controle social mais acentuado sobre suas manifestações. As drogas de maior visibilidade que incorporam essa classificação são: maconha, cocaína, crack. Dessa forma segundo a Política Nacional sobre Drogas deve-se “tratar de forma igualitária, sem discriminação, as pessoas usuárias ou dependentes de drogas lícitas ou ilícitas” e ainda, conforme Detoni (2009, p.75), “todas [drogas lícitas e ilícitas] agem no sistema nervoso central, prejudicam a saúde e podem provocar dependência e destruição”. Tratando agora das próprias substâncias/ drogas, comumente ouvimos falar sobre as chamadas drogas psicotrópicas ou substâncias psicoativas e logo associamos a drogas que trazem alguns males para o ser humano, mas sabemos pouco sobre o que de fato são essas drogas, e tratamos rapidamente de associarmos uma condição de negatividade. De acordo com a definição contida no Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID) “o termo psicotrópica é formado por duas palavras: psico e trópico, estando o psico relacionado com psiquismo e trópico significando em direção a”, assim as drogas psicotrópicas representam aquelas que proporcionam modificações no funcionamento cerebral possibilitando alterações no estado mental do indivíduo que faz uso. Dessa forma são drogas que atuam diretamente sobre o cérebro alterando de alguma forma os seus sistemas, 1 São produtos que podem ser fumados, sendo estes derivados ou não do tabaco. 28 principalmente o Sistema Nervoso Central (SNC), sendo também chamadas de substâncias psicoativas (SPA). Utilizaremos essas nomenclaturas no decorrer do estudo para caracterizar as drogas. Visto assim, ainda conforme o OBID, as drogas psicotrópicas se subdividem em três categorias visando seu poder ativo no organismo humano, são elas: drogas depressoras do sistema nervoso central, drogas estimulantes do sistema nervoso central e drogas perturbadoras do sistema nervoso central. As drogas depressoras do sistema nervoso central compreendem aquelas que possibilitam o funcionamento lento do cérebro, minimizando a atividade de coordenação motora, de atenção, concentração, a capacidade de memorização e a capacidade intelectual do individuo. Entre essas drogas estão: o álcool, benzodiazepínicos, inalantes e opiáceos. Dentre elas o álcool, conforme Detoni (2009) aparece como a droga mais popular e quando ingerido, [...] age primeiro sobre algumas funções cerebrais complexas, como julgamento e autocrítica, anulando inibições e provocando estado de euforia. Isso tem levado muita gente a pensar que o álcool é um estimulante. Mas, conforme o usuário aumenta as doses, a bebida age também como um depressor do sistema nervoso central (sedativo). O usuário fica menos alerta, sua coordenação muscular se deteriora e o sono é facilitado (DETONI, 2009, p. 17). Já as drogas estimulantes do sistema nervoso central, ainda de acordo com o OBID, “aceleram a atividade de determinados sistemas neuronais, trazendo como consequências um estado de alerta exagerado, insônia e aceleração dos processos psíquicos”. Estão incluídas nessa classificação as drogas como: anfetaminas, cocaína (pó, farinha, branquinha) e tabaco (cigarro). A esse respeito Detoni (2009, p. 29) destaca que, A cocaína é um estimulante poderoso. Ela atua no sistema nervoso central, provocando um estado de onipotência. A pessoa se sente mais ativa, mais alerta, mais confiante. Isso ocorre porque a cocaína provoca um aumento no nível de três neurotransmissores no sistema nervoso central: norepinefrina, serotonina e dopamina, ligados á sensação de motivação, saciedade e bem-estar. 29 No caso das drogas perturbadoras do sistema nervoso central, também chamadas de alucinógenas, mediante a definição do OBID (2013), são drogas que “produzem uma série de distorções qualitativas no funcionamento do cérebro, como delírios, alucinações e alteração na senso-percepção e por essa razão é que são também chamadas de alucinógenos”. Algumas delas são: maconha, alucinógenos, LSD2, êxtase e anticolinérgicos. Caracterizadas conforme Detoni e Aratangy da seguinte forma: [...] a maconha produz efeitos diversos em pessoas diversas. Esses efeitos vão desde um estado de entorpecimento e calma até euforia, inquietação e alucinações. A maioria dos usuários de maconha relata uma experiência de relaxamento, desinibição, riso fácil, uma percepção mais aguda e capacidade de falar de forma mais aberta sobre as coisas da vida. Em muitos casos, a percepção do tempo também é distorcida, fazendo que dez minutos pareçam uma hora (DETONI, 2009, p. 50). [...] as chamadas drogas alucinógenas, que formam o grupo mais intrigante dos modificadores químicos do comportamento, não inventam nada de dono; mas acentuam, a um grau elevado, um processo que ocorre naturalmente em todas as cabeças. [...] Todas as outras drogas, em algum grau, também fazem uma distorção do real – o álcool, a cocaína, as anfetaminas provocam alguma alteração da percepção, ainda que este não seja seu principal efeito (ARATANGY, 2011, p. 43). Diante de todas essas conceituações sobre drogas percebe-se que o universo que abrange a temática é amplo e devido a isto se fez necessário apresentar as nomenclaturas que encontraremos no decorrer do estudo para que possamos compreender as principais terminologias que estão dispostas adiante. No tópico que segue faremos uma breve explanação da contextualização do uso de drogas, bem como discutindo um pouco sobre a evolução desse uso e sobre a dependência química. 2 De acordo com Detoni, LSD é o ácido lisérgico dietilamida caracterizado como “um alucinógeno sintético que provoca alterações no funcionamento da mente, distorcendo a realidade e a percepção do mundo (DETONI, p. 48, 2009)”. 30 1.2 Breve contextualização sobre a evolução do uso de drogas O uso de drogas entre as sociedades do mundo não é um fato recente, ao contrário faz parte de uma construção histórica que vem se desenvolvendo a cada dia e que ganha visibilidade de acordo com sua abrangência na vida humana. Já as repercussões negativas que esse uso trouxe para os homens é algo contemporâneo e que ganha hoje os grandes espaços de discussões políticas, econômicas e sociais, tendo em vista sua magnitude de representações e sua frequente associação com a criminalidade, seja pela mídia ou mesmo pelos populares. Com isso, observa-se que a utilização de drogas nas primeiras formas de organização social é algo inegável, pois segundo muitos registros existentes na literatura atual, as drogas utilizadas inicialmente eram provenientes das plantas, devido o efeito anestésico de alguns vegetais e a facilidade que eram extraídos na natureza. Assim especificamente essas substâncias eram utilizadas, por exemplo, para realização de rituais religiosos ou mesmo para a cura de doenças. Segundo Mota (2009, p. 25). O uso de substâncias psicoativas é fato recorrente em toda a história da humanidade e provém, basicamente, da relação do homem com as plantas. Além da alimentação, do abrigo e dos remédios, os primeiros hominídeos descobriram que algumas plantas possuíam a capacidade de produzir estados alterados de consciência desejáveis. É notório, portanto, que as drogas faz parte da história humana, da cultura, dos costumes, das crenças, mas seu uso não foi preservado com as mesmas finalidades, modificando-se de acordo com os períodos históricos em que eram consumidas, alterando não só as formas de uso mais também as práticas sociais a ela ligadas. Com as transformações sociais as drogas foram sendo incorporadas como elementos necessários a suprir algumas necessidades específicas, como por exemplo, as de fins terapêuticos. Assim conforme Mota: 31 [...] Nunca houve na história da humanidade um período de total temperança, quando grandes contingentes populacionais decidissem por livre vontade permanecer abstêmios do consumo de drogas de qualquer natureza. [...] a busca do homem por estas experiências sensoriais gerou aprendizados culturais que acompanharam boa parte da evolução da espécie humana, no início com fins ritualísticos e medicinais e agora cada vez mais com finalidades recreativas (2009, p. 26). Dessa forma, a evolução no uso de drogas é acompanhada pelo próprio desenvolvimento social, assumindo novas facetas e gerando novas modalidades de consumo e novas finalidades de acordo com as diversas conjunturas. Visto assim, é imprescindível considerar a relação entre drogas e mudança social. Logo as diversas drogas que circulam atualmente em nossa sociedade tiveram seu aparecimento em outros contextos sociais, outros territórios, outras nomenclaturas, para então chegarem ao patamar de uso/consumo que se tem hoje. No caso do álcool é conhecido como uma substância que proporciona alterações no metabolismo do homem se consumido abusivamente, possibilitando assim, de acordo com a frequência do uso, a dependência. Essa substância, como as demais substâncias psicoativas, passou por um desenvolvimento histórico, tento em vista a evolução da tecnologia associada às vias de produção e de consumo. Com isso os estados de embriaguez experimentados pelo homem, segundo Mota (2009, p.39), inicialmente tinham fins ritualísticos e transcendentais, onde: [...] as sessões de embriaguez guardavam uma profunda relação com a guerra e a vingança entre tribos. Nessas bebedeiras, os índios recordavam suas vitórias em batalhas contra tribos inimigas e, em algumas ocasiões, ocorria também o canibalismo. Ainda sobre o consumo de álcool, o estado de embriaguez nas tribos indígenas, era controlado por parte dos líderes para que o consumo dessa substância não fosse utilizado fora dos momentos ritualísticos, e para tanto haviam castigos destinados àqueles que descumprissem as normas. Nesse período as bebidas que facilitavam ao homem encontrar-se embriagado ainda não eram as 32 bebidas destiladas que conhecemos hoje, como a cachaça, mas sim as bebidas fermentadas, como o cauim tupinambá3. As sociedades indígenas já consumiam bebidas alcoólicas por uma tribo denominada Maxakali4, em que, conforme Pena (2006), desenvolveu um consumo mais intenso a partir do contato com estrangeiros viajantes, por volta de 1939, que tinham o objetivo de realizar estudos sobre determinadas regiões e sociedades e para tanto se fixavam próximo aos índios munidos de bebidas com alto nível de teor alcóolico, e a partir desse contato os índios passaram a aproximar-se dessas substâncias acreditando que a bebida possibilitava o contato com os deuses yãmiy5. Diante desse interesse os viajantes facilitavam as bebidas aos índios com o intuito de embriagá-los para conseguir seus objetivos, que muitas vezes era a pretensão de manter relações sexuais com as índias. Foi então a partir dessa relação social que os índios Maxakali tiveram contato com as bebidas destiladas, tais como a cachaça. É relevante salientar ainda o que nos disse Pena (2006, p.221). [...] Era praxe, tanto dos colonizadores como dos viajantes estrangeiros, oferecer aguardente aos índios, principalmente, como um meio de seduzilos a desempenhar algum tipo de atividade que lhes interessava. Desse modo, acreditamos que é factível especular que os Maxakali, ao longo de suas interações com esses não-índios, também tenham experimentado essa bebida destilada [anteriormente] (grifo meu). Podemos observar com isso que as bebidas fazem parte do próprio contexto histórico do país que vivemos e que é uma cultura apreendida e disseminada por toda a sociedade brasileira há um longo período de tempo. Conforme destacamos, o uso de álcool é um processo que acompanha o desenvolvimento da humanidade. Visto assim, podemos encontrar registro da utilização de tal substância na Bíblia Sagrada sem sofrer nenhuma condenação explicita, pois em toda literatura bíblica o uso de bebidas alcóolicas é caracterizado 3 Bebida produzida pelos índios brasileiros que tem por ingredientes água e mandioca e que seu consumo só era efetivado um dia após seu preparo e com isso ficava armazenados em um recipiente de barro. 4 Grupo indígena que escaparam ao extermínio e à absorção de sua cultura pela sociedade contemporânea e encontram-se situados nos munícipios de Bertópolis e Santa Helena de Minas, no Estado de Minas Gerais, próximo da fronteira com a Bahia. 5 Segundo Pena apud Álvares (2006, p. 220) os yãmiy são os seres „ donos do canto, das belas palavras‟ e „ levam uma vida no além muito semelhante à dos humanos‟. 33 como algo que ao mesmo tempo traz a alegria e o bem-estar, mas também a violência e o vício (MOTA, 2009). O consumo do álcool, portanto, sofreu uma diversidade de metodologias e em algumas organizações sociais havia mecanismos de controle desse uso, mas nunca houve na história da humanidade um período de total proibição, conforme Mota (2009). Sendo assim ainda hoje temos a liberalização ativa do consumo, da produção e do comercio de álcool, embora existam algumas legislações á nível federal, estadual e municipal que visem combater a utilização do álcool em algumas circunstâncias específicas, como por exemplo, a chamada Lei Seca vigente hoje no Brasil, que caracteriza crime o fato de consumir bebida alcoólica e praticar o ato de dirigir. Já a maconha, de acordo com Carlini (2006), é uma droga de origem vegetal nomeada cientificamente por Cannabis sativa, que tem seu aparecimento em território nacional com a própria descoberta do Brasil, apesar de não ser natural desse país, mas foi com a chegada das primeiras embarcações que traziam os escravos às terras brasileiras que a maconha teve o inicio do uso entre os povos que aqui habitavam, mais precisamente por volta do ano de 1549. Vale ressaltar ainda, segundo o autor, que a maconha foi trazida pelos escravos negros, mas que também foi elemento constituinte das caravelas que aqui desembarcavam, pois as velas e o cordão das embarcações eram produzidos com fibras de cânhamo, como também é chamada a maconha. No discurso sobre a maconha, cabe ressaltarmos também que por um período na historia do Brasil, mais especificamente na passagem da segunda metade do século XIX para início do século XX, a maconha teve seu reconhecimento por parte da classe médica, visto que passou a ser incorporada na prática terapêutica, sendo assim receitada para fins diversos, assim segundo Carlini: Na segunda metade do século XIX esse quadro [o uso de maconha como prática das camadas populares] começou a se modificar, pois ao Brasil chegaram notícias dos efeitos hedonísticos da maconha, principalmente após a divulgação dos trabalhos de vários escritores e poetas da França. Mas foi o uso medicinal da planta que teve maior penetração em nosso meio, aceito que foi pela classe médica. [...] Na década de 1930, a maconha 34 continuou a ser citada nos compêndios médicos e catálogos de produtos farmacêuticos (2006, p.315, grifo meu). Desse modo, segundo o OBID, existem referências do uso da maconha há mais de 12.000 anos, datando assim um período a.c. onde foi descoberta pela primeira vez na Índia com propósitos similares aqueles utilizados no Brasil, ou seja, na busca de induzir o sono, de auxiliar na cura de doenças, etc. Foi então, posterior há um vasto período de consumo da maconha, ainda pautado nas colaborações do OBID, que a partir de 1930 iniciou-se um momento de forte repressão sobre a utilização da maconha no Brasil, datando em 1933 as primeiras prisões pelo comércio ilegal da maconha. Dessa forma foi elaborado em 1938 pelo Governo Federal o Decreto-Lei nº 891 que demandava a proibição total do plantio, cultura e exploração por particulares da maconha, em todo território nacional, sendo assim, modificada na época pela Nova Lei dos Tóxicos, Lei 6.368/76, que posteriormente foi revogada pela lei 11.343/06, que iremos discutir mais adiante. Voltando-se agora para o uso da cocaína, é válido ressaltar, antes de tudo, algumas características da droga. Trata-se de uma substância de origem vegetal, pois é originária das folhas de uma planta que cresce ao leste dos Andes e acima da Bacia Amazônica em forma de arbusto e que já estão presentes nas sociedades da América do Sul por um longo período de tempo. Segundo Ferreira e Martini: [...] Há mais de 4500 anos, as folhas da coca são usadas por índios da América do Sul. [...] O envolvimento humano com substâncias psicoativas, em especial a cocaína, retornam a um passado longínquo. O abuso de cocaína tem suas raízes nas grandes civilizações pré-colombianas dos Andes que, há mais de 4500 aos, já conheciam e utilizavam a folha extraída da planta Erythroxylon coca ou coca boliviana, como testemunham as escavações do Peru e da Bolívia (2001, p. 96). Tendo em vista a historicidade dessa droga, conforme os autores supracitados, a mesma foi utilizada em diversas áreas da vida em sociedade, mais precisamente no século XIX foi incorporada na medicina por grandes nomes da 35 época, como Freud, para o tratamento de doenças, como depressão, fadiga e dependência de derivados do ópio (morfina). Assim também esteve presente na composição de uma bebida muito conhecida e consumida por todo mundo hoje, no caso a Coca – Cola, que em 1903 utilizava para a fabricação do refrigerante de cola o xarope de coca, e logo mais tarde foi substituído visando possíveis efeitos de dependência, pela cafeína. A cocaína, de acordo com Ferreira e Martini (2001), foi isolada como princípio ativo das folhas de coca no ano de 1859 por um químico alemão Albert Niemann, e a partir disso a droga passou a ser considerado um medicamento milagroso a ser prescrito pelos americanos para as enfermidades de maior complexidade. Ainda sobre a cocaína, é a partir dessa droga que surgem também outras drogas derivadas desse princípio ativo, estando apresentado na forma de pasta base. É, portanto, em meio a esses derivados da cocaína que se encontra o crack, ou seja, conforme Detoni “é feito de uma pasta de cocaína não refinada à qual se adiciona bicarbonato de sódio e solvente (2009, p. 33)” e que favorece um estado prazeroso de aproximadamente cinco minutos. Visto assim, Perrenoud e Ribeiro relata que: Na transição para os anos 1980, surgiu nos Estados Unidos a cocaína na forma de base livre, ou freebasing, sintetizada a partir da adição de éter sulfúrico a cocaína refinada em meio aquoso altamente aquecido. Devido ao risco de explosão, o freebasing era apenas fabricado em escala doméstica e acabou caindo em desuso. Assim como o consumo da pasta básica, o freebasing é considerado um precursor do consumo de crack nos Estados Unidos. [Dessa forma] O crack surgiu entre 1984 e 1985 em bairros pobres e marginalizados de Los Angeles, Nova York e Miami. Era obtido a partir de um processo caseiro e utilizado em grupos, em casas abandonadas e precárias (chamadas crack house) (2012, p. 33, grifo meu). Visivelmente percebemos que o crack é uma droga recente, tendo sido encontrada, segundo Ferreira e Martini, em 1985 nas Bahamas, mas percebemos também, mediante a leitura da realidade, que essa droga tem comprometido a vida de muitos dependentes químicos rapidamente. 36 É imprescindível também destacar que apesar dessa recente história da droga, seus padrões de consumo também se alteraram e os motivos pelos quais os usuários buscavam a droga sofreram modificações. Desse modo, Perrenoud e Ribeiro, discorrem que: Os dois levantamentos domiciliares (2001 e 2005) realizados pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) mostraram que o consumo dessa droga [crack] quase dobrou. [...] Os motivos dos usuários para o consumo também se alteraram. Em meados dos anos 1990, „ a busca por sensação de prazer‟ era a justificativa da maioria. No final da mesma década, porém, o consumo era estimulado por compulsão, dependência ou como forma de lidar com problemas familiares e frustrações [...] (2012, p.35, grifo meu). Outro derivado da cocaína bastante conhecido é a merla, que conforme Detoni (2009) é uma droga bastante utilizada em Brasília, aparecendo também como uma opção barata ao crack e que propicia um prazer mais duradouro de aproximadamente de quinze minutos. A droga [merla] é feita a partir da mistura da pasta básica de cocaína com produtos químicos como querosene, gasolina, benzina, metanol, cal virgem, éter, pó de giz e solução de bateria de carro. Ela tem consistência pastosa, cheiro forte e coloração que varia do tom amarelado ao marrom. É fumada misturada à maconha ao tabaco, mas pode ser consumida pura. Trata-se de uma droga com alto poder de dependência. O uso compulsivo pode ocorrer em questão de semanas (DETONI, 2009, p. 55, grifo meu). Ainda pautado nas considerações da autora, o abuso no consumo de merla pode levar ao desencadeamento de diversos problemas de saúde, tais como taquicardia, sudorese6, perda de apetite, perda de peso e dores de cabeça. Assim mediante os produtos químicos encontrados na composição da droga, esta se torna ainda mais destrutiva que o crack, mas atualmente a merla é visivelmente pouco consumida no Brasil tornando o crack a droga mais preocupante da contemporaneidade. 6 Sudorese caracteriza-se por uma condição médica cuja principal condição é a transpiração em excesso. 37 Em relação ao consumo de drogas psicotrópicas, o VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Nível Fundamental e Médio das Redes Públicas e Privadas de Ensino das 27 Capitais Brasileiras, realizou-se em 2010 com um total de 50.890 estudantes, em que foi observado nos resultados totais que 25,5% de estudantes declararam uso na vida de alguma droga (exceto álcool e tabaco), que 9,9% na escola pública e 13,6% na rede particular afirmaram uso de drogas no ano, sendo 42,4% de álcool e 9,6% de tabaco e referente ao crack os resultados mostram, que houve uma redução de uso no ano de 0,7% para 0,4%, mas um aumento de uso da cocaína de 1,7% para 1,9%. Assim percebemos que as drogas é realidade presente na vida dos adolescentes brasileiros, sejam elas lícitas ou ilícitas. Diante do exposto, é notório, que assim como a historia humana que perpassa por transformações cotidianas, sociais, culturais e econômicas a história do uso de drogas também sofreu alterações consideráveis e que necessitavam serem analisadas previamente para então compreendermos o que vem a ser dependência química. 1.3 O que dispõem as leis e políticas contemporâneas sobre drogas? O uso abusivo de drogas é caracterizado atualmente pelo Governo como uma questão epidemiológica de saúde pública que afeta a população brasileira de maneira multiplicadora e que acarreta danos que necessitam ser minimizados. Assim, como vimos, os danos devem ser considerados em todas as esferas da vida do homem, seja no âmbito social, físico, econômico e/ou psicológico, tendo em vista que a dependência química é uma doença multifatorial podendo ser desencadeada por infinitos aspectos e devendo ser tratada também enfocando diversos segmentos da vida. Deste modo as legislações e políticas que trabalham a questão do uso de drogas abordam em seus conteúdos a existência de uma rede integral para o atendimento a demanda usuária de drogas, mas diante da leitura da realidade, o que podemos perceber é que a efetivação dessa rede ainda não se concretiza 38 completamente realizando-se práticas pautadas pelo viés clínico de recuperação da saúde sem articulação com outros serviços na tentativa de amenizar os danos causados pelos indivíduos que usam drogas à sua própria saúde e à sociedade que vivem, mas diante disso despertam-se alguns questionamentos, como por exemplo: Que implicações a recuperação da saúde tem na vida dos sujeitos acometidos pelo uso e dependência de drogas? De que modo o viés da saúde pode contribuir para o tratamento dos usuários? A RD [redução de danos] constitui uma estratégia de abordagem das questões relativas ao uso de drogas, que não pressupõe a extinção do uso de drogas seja no âmbito do coletivo, seja no de cada indivíduo, mas que formula práticas que diminuem os danos para aqueles que usam drogas e para os grupos sociais com os quais convivem (CRUZ, 2006, p. 14, grifos meus). Diante disso é necessário lembrar que garantir o acesso à saúde não é fruto apenas de uma política especifica sobre drogas, mas é um direito universal e gratuito garantido legalmente a todos os cidadãos brasileiros, fixado na CF-88, constituindo um dos pilares do tripé da seguridade social. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988). A saúde a partir dessa definição é apresentada como uma obrigação do Estado de prover as medidas que possibilitem o alcance de uma melhor condição de vida e bem estar social e que garanta ao cidadão brasileiro viver em consonância com as condições mínimas para a promoção, proteção e recuperação de sua saúde. No que tange as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde de que trata CF-88, existe ainda a Lei nº 8.080 para dispor sobre estas, bem como para organizar também o funcionamento correspondentes. Visto assim de acordo com essa lei: dos serviços de saúde 39 Art.2º - A saúde é um direto fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.Art.3º - A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País (BRASIL, 1990). Frente a essas legislações é nítido percebermos que tratar a saúde dos usuários de drogas vai muito além de tratamentos farmacológicos, ambulatoriais e clínicos, ou seja, é necessário intervir na qualidade de vida dessa demanda buscando alternativas capazes de superar a condição que se encontram, em que muitas vezes apresentam a perda dos vínculos familiares, abandono, falta de moradia, desemprego, falta de alimentação. De acordo com a pesquisa realizada pela Fiocruz, conforme citada anteriormente, os usuários de crack e similares: Quando questionados sobre os motivos que os levaram ao uso de crack/similares, mais da metade dos usuários disse ter vontade/curiosidade de sentir o efeito da droga (IC95%: 55,2-61,3). A pressão dos amigos foi relatada por 26,7% (IC95%: 23,9-29,7) dos usuários e 29,2% dos entrevistados disseram que um dos motivos para início do uso da droga foram os problemas familiares ou perdas afetivas (IC95%: 26,7-31,8) (FIOCRUZ, 2013, p. 15). Perguntados em relação aos aspectos considerados importantes para que eles [usuários e usuárias] possam acessar os serviços de saúde, destacamse os serviços associados à assistência social, como distribuição de alimento, oferta de serviço de saúde e higiene, e apoio para conseguir emprego, escola/curso e atividades de lazer (FIOCRUZ, 2013, p.25). Com isso a Lei 8.080/1990 ainda dispõe no parágrafo único do art. 3º que “Dizem respeito também à saúde às ações que, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem estar físico, mental e social (Brasil, 1990)”. Visando a complexidade que envolve o problema do uso de drogas na sociedade brasileira faz-se necessário a criação de legislações e políticas, que visem atuar com a prevenção, ou seja, nas condições que possivelmente venham a desencadear a dependência química, como por exemplo, o fator da desigualdade social e por consequente a exclusão social, que por vezes diante do sistema 40 capitalista em que vivenciamos acabam por influenciar de múltiplas as formas a busca por drogas como refúgio dos problemas cotidianos. Segundo Charbonneau: [...] O problema se coloca, de hoje em diante, como uma ameaça, porque não está circunscrito apenas à prática individual, não é mais apenas uma questão acidental infeliz mais excepcional, não se apresenta como hipótese eventual e longínqua. Bem ao contrário! Eis que a droga se tornou parte do nosso universo e um fenômeno de civilização. Atravessa o espaço e o tempo, ultrapassa as fronteiras, desconhece as idades, oferece-se como remédio contra a apatia de viver num mundo cujo absurdo estoura abertamente. Foi dito da droga que ela era um sintoma da crise da civilização que vivemos. Ora, raramente, para não dizer jamais, na história das civilizações, viu-se humanidade sofrer crise tão violenta (CHARBONNEAU, p. 96, 1982). As legislações e políticas sobre drogas começaram a ganhar visibilidade social recentemente, tendo em vista o aumento da população usuária e dependente de drogas, mas as instituições que atuavam com essa demanda já existiam há muito tempo, como no caso da instituição pesquisada que já existe a trinta e oito anos. Anterior a CF-88 o uso de drogas já se fazia presente na realidade brasileira e devido a isto também já existia uma legislação que garantia alguns direitos mínimos aos usuários de drogas e reprimia o tráfico dessas substâncias, era a Lei 6.368/76, citada no primeiro capítulo, que foi sancionada pelo então Presidente da República Ernesto Geisel para dispor “sobre as medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica (BRASIL, 1976)”. Na constituição dessa lei ainda não se levava em consideração os serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde da demanda usuária de drogas, visto que o período histórico em que foi criada era outro e que seus aspectos epidemiológicos e dimensionais também eram diferentes dos atuais, assim ainda não havia no discurso desta lei a compreensão de integralidade dos serviços para lidar com a temática das drogas. Atualmente esta lei foi substituída pela Lei 11.343/06 que iremos falar mais adiante e que se encontra disponível nos anexos deste estudo. 41 Sendo assim, hoje temos algumas legislações e políticas que foram criadas e/ou substituídas para atender questões que envolvem a demanda usuária de drogas, dentre essas está a Lei 10.216 criada em 06 de Abril de 2001 pelo então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, disponível na íntegra nos anexos, e que “dispõe sobrea proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental (BRASIL, 2001)”. Esta lei ao entrar em vigor passou a reorganizar o modelo de atenção às pessoas portadoras de transtornos decorrentes da saúde mental, viés pelo qual são tratados os usuários de drogas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), possibilitando posteriormente a criação de equipamentos extras – hospitalares, para atenderem a demanda que necessitava de intervenções para além dos asilos e manicômios que se tinham anteriores a essa lei. Dessa forma essas instituições mencionadas acima que privavam os indivíduos do exercício da vida em comunidade com a lei 10.216/01 passaram lentamente á ser substituídas, embora não se possa garantir que elas ainda não existam, pelas unidades de atendimento chamadas Centros de Atenção Psicossocial (CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPS i, CAPS AD) criados a partir da Portaria GM/336 de 19 de fevereiro de 2002 (MS, 2002) e pelos hospitais mentais e especializados criados pela Portaria SAS/189 de 20 de março de 2002 (MS, 2002) que regulamenta a Portaria GM/336 e cria no âmbito do SUS serviços de atenção psicossocial para pessoas com transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Com essa mudança os tratamentos das pessoas portadoras de transtornos mentais passaram a serem ofertados em instituições diferenciadas de acordo com a demanda, pois conforme o Ministério da Saúde (MS), o CAPS I é implantado em cidades de pequeno porte, que deve dar cobertura para toda demanda com transtornos mentais severos durante o dia (adultos, crianças e adolescentes e pessoas com problemas devido ao uso de álcool e outras drogas); o CAPS II é próprio para prestar serviços para cidades de médio porte e atender durante o dia a demanda adulta; o CAPS III é especializado em demandar serviços 24h, geralmente disponíveis em grandes cidades, que atende os usuários adultos; o 42 CAPS i são serviços para crianças e adolescentes, em cidades de médio porte, que funcionam durante o dia e os CAPS AD são serviços para pessoas com problemas pelo uso de álcool ou outras drogas, geralmente disponíveis em cidades de médio porte e que funcionam durante o dia. Visto assim, mais uma vez diante da tentativa de integrar os serviços em relação ao atendimento dos usuários de álcool e outras drogas foi criada a Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas de 2004 que passou a funcionar em consonância com a lei 10.216/01, comentada acima, ofertando seus serviços também a partir dos equipamentos criados com esta lei. A política, conforme SENAD (2008) trata em suas diretrizes de fatores relevantes ao tratamento dos usuários de álcool e outras drogas, sendo estes a intersetorialidade que é pautada na articulação dos serviços com os diversos segmentos da sociedade, sejam eles movimentos sindicais, associações, organizações comunitárias, entidades privadas, enfim uma junção nos esforços e integração entre os serviços de atenção às pessoas usuárias de álcool e outras drogas. Faz-se presente também a diretriz da atenção integral respaldada na oferta de assistência não só a saúde física dos usuários, mas também ao seu bem estar social, tendo pleno acesso aos seus direitos fundamentais enquanto cidadãos brasileiros, direitos estes como alimentação, moradia, emprego e renda. A Política dispõe ainda em relação à prevenção, proteção e promoção da saúde dos usuários de álcool e outras drogas com vista à criação de estratégias para a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas, diminuindo os riscos e garantindo o acesso a informação, contando ainda com o apoio da sociedade civil a qual estão inseridas. Diante dessa exposição a política tem como objetivos: 1) Alocar a questão do uso de álcool e outras drogas como problema de saúde pública; 2) Indicar o paradigma da redução de danos – estratégia de saúde pública que visa a reduzir os danos causados pelo abuso de drogas lícitas e ilícitas, resgatando o usuário em seu papel autoregulador, sem a 43 preconização imediata da abstinência e incentivando-o à mobilização social – nas ações de prevenção e de tratamento, como um método clínico-político de ação territorial inserido na perspectiva da clínica ampliada; 3) Formular políticas que possam desconstruir o senso comum de que todo usuário de droga é um doente que requer internação, prisão ou absolvição; 4) Mobilizar a sociedade civil, oferecendo a esta condições de exercer seu controle, participar de práticas preventivas, terapêuticas e reabilitadoras, bem como estabelecer parcerias locais para o fortalecimento das políticas municipais e estaduais (MS, 2004). A partir dessa Política do Ministério da Saúde de 2004 foram criadas políticas com ações específicas para atenderem as necessidades das demandas que se apresentavam na sociedade brasileira, dentre elas está a Política Nacional do Álcool, aprovada pelo decreto nº 6117 de 22 de maio de 2007 que dispõe sobre medidas para redução do uso indevido de álcool e sua associação com a violência e criminalidade e mantêm-se em vigor atualmente. A Política Nacional sobre o Álcool contém princípios fundamentais à sustentação de estratégias para o enfrentamento coletivo dos problemas relacionados ao consumo de álcool, comtemplando a intersetorialidade e a integralidade de ações para a redução dos danos sociais, à saúde e a vida causados pelo consumo desta substância, bem como as situações de violência e criminalidade associadas ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas na população brasileira (SENAD, p.78, 2008). Portanto, esta política trata-se basicamente de atender a demanda usuária de álcool, trazendo em seu conteúdo as diretrizes necessárias para sua execução e implementação, assim, também como conceituando bebidas alcoólicas da seguinte forma: [...] é considerada bebida alcoólica aquela que contiver 0,5 grau Gay Lussac ou mais de concentração, incluindo-se aí bebidas destiladas, fermentadas e outras preparações, como a mistura de refrigerantes e destilados, além de preparações farmacêuticas que contenham teor alcoólico igual ou acima de 0,5 grau Gay-Lussac (SENAD, p. 78,2008). No ano seguinte foi também criada a Política Nacional sobre Drogas de 2005, resultado de um realinhamento necessário na antiga política que se 44 denominava Política Nacional Antidrogas de 2001, mediante as transformações sociais, políticas e econômicas que o pais vinha enfrentando. A Política Nacional sobre Drogas estabelece os fundamentos, os objetivos, as diretrizes e as estratégias indispensáveis para que os esforços, voltados para a redução da demanda e da oferta de drogas, possam ser conduzidos de forma planejada e articulada (DUARTE; DALBOSCO, p. 220, 2013). Desse modo: A política realinhada orienta-se pelo princípio da responsabilidade compartilhada, adotando como estratégia a cooperação mútua e a articulação de esforços entre governo, iniciativa privada, terceiro setor e cidadãos, no sentido de ampliar a consciência para a importância da intersetorialidade e descentralização das ações sobre drogas no país (SENAD, p.9, 2008). A Política Nacional sobre Drogas (2005) está pautada em cinco linhas de ação, sendo elas: a prevenção, baseada no princípio da responsabilidade compartilhada, ou seja, da junção de esforços com a sociedade civil e com as entidades publicas e privadas para a melhoria da qualidade de vida das pessoas; o tratamento, recuperação e reinserção social: 2.1.2 O acesso às diferentes modalidades de tratamento e recuperação, reinserção social e ocupacional deve ser identificado,qualificado egarantido como um processo contínuo de esforços disponibilizados, de forma permanente, para os usuários, dependentes e seus familiares, com investimento técnico e financeiro de forma descentralizada (SENAD, 2008 p. 17). As demais linhas são: a redução de danos sociais e a saúde, visando criar estratégias para diminuir os danos causados á saúde e aos direitos humanos dos usuários de drogas; a redução da oferta e a repressão, trabalhando na repressão ao tráfico de drogas e na garantia da melhoria na segurança das pessoas, bem como distinguir e tratar de maneira diferenciada o usuário do traficante de 45 drogas, passando a ter este pena mais dura e severa; e por fim encontra-se o eixo de estudos, pesquisas e avaliações que se compromete em fornecer informações que servirão de bases teóricas e legais na criação de medidas que visem aprimorar os serviços de prevenção, proteção, promoção, tratamento e reinserção social da demanda usuária de drogas. A política acima abria espaço também para a iniciativa privada, no que tange a assistência à saúde dos usuários, assim, como já na CF-88 no primeiro parágrafo do Art.199 lê-se: “As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, mediante contrato de direito ou convênio, tendo preferência às entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos”. Na realidade atual o que vivenciamos são os serviços públicos de saúde muitas vezes precários, os usuários ficam a mercê da caridade das instituições filantrópicas que quase nunca tem convênios estabelecidos com o governo e quando esses tem uma boa condição financeira são destinados a procura dos serviços na esfera privada, indo contra a legislação que garante essa atenção a saúde de maneira universalizada e gratuita. É, portanto, nessa realidade individualizante que estão inseridos os dependentes químicos necessitados de intervenção integral e intersetorial, diversas vezes atendidos por um só viés, seja ele o farmacológico, o religioso, o social ou pela política de redução de danos. A partir dessa política se iniciaram momentos de elaboração de novos aparatos legais que passaram a garantir à prevenção, o tratamento, a reinserção social bem como o combate a criminalização da população usuária de drogas, estabelecendo como item importante a ser considerada, a diferenciação entre usuários/dependentes e traficantes. Dentre essas está a Lei 11.343/06 que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) e que substituiu a Lei 6.368/76, de acordo com a SENAD (2008), tendo em vista manter relação de proximidade e semelhança com os diversos serviços prestados a população usuária e dependente de drogas, constituindo-se um marco na atenção prestada aos usuários de drogas até então no território nacional passando ser referenciada em cenário internacional. 46 Essa lei também não descriminaliza nenhum tipo de droga, mas o porte não autorizado ainda continua evidenciando crime e os usuários e dependentes não estarão mais sujeitos a detenção, logo cumprirão medidas socioeducativas aplicadas pelos juizados criminais especiais, criados pela Lei 9.099/95 para lidar também com essa demanda e dá outras providências. É oportuno salientar ainda o que nos diz Duarte e Dalbosco: “a justiça retributiva, baseada no castigo, é substituída pela justiça restaurativa, cujo objetivo maior é a ressocialização por meio de penas alternativa (2013, p. 221)”. De acordo ainda com essa Lei, mais especificamente no parágrafo único do Art.1º, “consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”. Para atender as exigências dessa lei existe uma portaria do Ministério da Saúde, qual seja Portaria nº 344 de 12 de maio de 1998, que dispõe em seu Anexo I o conteúdo referente às listas de substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, cabendo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) realizar as atualizações nessas listas e realizar o controle sobre as substâncias proibidas. A Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA), de acordo com o portal virtual da própria entidade, foi criada pela Lei nº 9.782, de 26 de janeiro 1999, e é uma autarquia sob regime especial, que tem como área de atuação não um setor específico da economia, mas todos os setores relacionados a produtos e serviços que possam afetar a saúde da população brasileira, sendo assim é imprescindível citá-la neste momento, pois estamos tratando de condições que podem interferir na saúde do homem, bem como na sua vida social. São por controle da ANVISA que também são regulamentadas as instituições que prestam serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas por meio da Resolução – RDC Nº 29 de 30 de junho de 2011(ver resolução na íntegra nos anexos). Dentre essas instituições estão incluídas as comunidades terapêuticas que lidam com a problemática das drogas e que representa o campo de pesquisa desse 47 estudo, sendo assim iremos discorrer mais adiante sobre essa regulamentação específica. Esta resolução dá um novo direcionamento aos serviços prestados até então para a demanda usuária de drogas, pois discorre no paragrafo único do seu Art. 1º que “O principal instrumento a ser utilizado para o tratamento das pessoas com transtornos decorrentes de uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas deverá ser a convivência entre os pares”. Sendo assim a reciprocidade mútua deve manter-se no decorrer do tratamento, entre profissionais, usuários e familiares. Segundo Fracasso e Landre: As comunidades terapêuticas são ambientes de internação especializados, presentes em mais de 60 países, que oferecem programas de tratamento estruturados e intensivos, visando a obtenção e a manutenção da abstinência, inicialmente em ambiente protegido, com encaminhamento posterior para internação parcial e /ou para ambulatório, conforme as necessidades do paciente (FRACASSO; LANDRE, p. 503, 2012). Esses ambientes de tratamento em sua maioria atuam na recuperação de indivíduos acometidos também pelo uso de drogas lícitas como o álcool, que culturalmente não é visto como droga e não chega até mesmo ser temido na sociedade, mas de acordo com o I Levantamento Nacional sobre os Padrões do Consumo de Álcool na População Brasileira (2007), 52% da população podem ser considerados como bebedores, representando mais da metade dos entrevistados e demonstrando uma preocupação crescente para o país. Visto assim faz-se mais uma vez necessário contemplar nesse estudo a urgência por integração nos serviços ofertados a essa demanda, pois o problema decorrente da dependência de drogas, seja ela lícita ou ilícita, é multideterminado, ultrapassando questões que vão além do uso e da substância, perpassando todas as esferas da vida do homem em sociedade. Trataremos de forma mais detalhada dessa integralidade no tópico seguinte desse capítulo. Com essa necessidade cada vez mais nítida foi elaborado em 20 de maio de 2010 por meio do Decreto 7.179 o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas pelo então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, com vista a melhorar os serviços de prevenção do uso, tratamento e reinserção social 48 dos usuários de drogas, bem como capacitar os profissionais para atuarem com essa especificidade, fortalecer as ações de enfrentamento ao tráfico de drogas, fortalecer e ampliar as redes de atenção para usuários de crack e outras drogas. Atualmente como expressão das medidas propostas nesse plano citado acima, temos em vigor e ainda em período de construção das atividades estabelecidas o “Programa Crack, É Possível Vencer!”, que foi lançado em dezembro de 2011 e que prevê medidas de atenção a demanda usuária de crack e outras drogas a partir de três eixos norteadores: prevenção, cuidado e autoridade. O eixo de prevenção, de acordo com o programa, visa trabalhar na educação, na disseminação de informações sobre drogas e na capacitação de entidades e profissionais que lhe atuaram com essa demanda (BRASIL, 2011). Já o eixo do cuidado visa aumentar a disponibilidade de tratamento de saúde e atenção aos usuários de drogas, criando para isso consultório na rua, Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) 24hs, enfermarias especializadas, unidades de acolhimento adulto, unidades de atendimento infantojuvenil e criar convênios com comunidades terapêuticas especializadas. E no eixo de autoridade tem-se como pretensão atuar no tráfico de drogas e crime organizado mantendo para isso articulação com as políticas de assistência e saúde. O programa citado coloca algumas metas para serem cumpridas até o ano de 2014 na criação de serviços para atender o público-alvo, mas nitidamente não percebemos avanços significativos pautados nesse programa, o que vemos de mais atual é o que foi divulgado no dia 19 de setembro de 2013 pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) e realizada pela Fundação Oswald Cruz (Fiocruz), constituindo-se na maior pesquisa sobre o uso de crack e similares no Brasil, com grandes números da crescente população usuária de crack e seus derivados, mas ainda assim nos suscita pensarmos se essa pesquisa representa realmente a realidade que presenciamos cotidianamente, seja ela nas esquinas dos bairros periféricos ou mesmo nos grandes eventos da elite burguesa. 49 Portanto, entre as legislações, políticas, planos, programas que estão direcionados a garantir a prevenção, o tratamento e a reinserção social dos usuários e dependentes de drogas encontra-se sempre presente a integralidade com outras políticas, pois a situação em que está acometida essa demanda faz necessitar de atenção efetiva e de caráter cumulativo, que não tenha pretensão apenas reprimir ou alcançar bem estar físico, é necessário promover e reproduzir as condições básicas da vida em sociedade para cada usuário que está em regime de recuperação. 50 2. DEPENDÊNCIA QUÍMICA E FAMÍLIA 2.1 Dependência química Como já foi visto no primeiro capítulo, existem conceitos para designar os padrões de uso de drogas, pois não necessariamente o fato de usar tais substâncias nos remeta uma condição de dependência química, pois a relação da humanidade com as drogas já existem desde seus primórdios, diante dessa discussão Duarte; Morihisa (2013, p. 45) nos diz que, [...] Quer seja por razões culturais ou religiosas, quer por recreação ou como forma de enfrentamento de problemas, para transgredir ou transcender, como meio de socialização ou para se isolar, o homem sempre se relacionou com as drogas. Essa relação do indivíduo com cada substância psicoativa pode, dependendo do contexto, ser inofensiva ou apresentar poucos riscos, mas pode assumir, também, padrões de utilização altamente disfuncionais, com prejuízos biológicos, psicológicos e sociais. Tratando-se disso a dependência química é considerada segundo o Código Internacional de Doenças (CID-10) da Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença progressiva, crônica, primária e que gera outras doenças, mais especificamente caracterizada como um transtorno mental e comportamental devido ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas. Sendo assim: A dependência química é uma doença crônica e recidivante em que o uso continuado de substâncias psicoativas provoca mudanças na estrutura e no funcionamento de cérebro. [...] Tais alterações originam ou exacerbam comportamentos de natureza compulsiva que anteriormente pouco ou nada interferiam na vida do paciente e de seus grupos de convívio, tornando o comportamento de dependente cada vez mais dirigido para a obtenção e o uso dessas substâncias, ao mesmo tempo em que diminui sua capacidade de parar de usá-las, mesmo quando seu efeito é menos gratificante ou já interfere significativamente no funcionamento de outras áreas de sua vida (LARANJEIRA, 2012, p. 23). O fenômeno da dependência química presente na sociedade contemporânea não corresponde à prática do uso de substâncias que alteravam o 51 nível de consciência dos seus usuários nas antigas sociedades, pois esse uso, baseado em Pratta e Santos (2009), representava hábitos e costumes que compreendiam a cultura de cada sociedade específica e era esta entidade que dirigia o consumo dessas substâncias estando sempre destinado a pequenos grupos e a momentos especiais. Visto dessa forma podemos perceber que esse uso pautado no respeito aos momentos a ele destinados sofreu alterações nas sociedades atuais, pois cotidianamente verificamos que o uso de drogas não tem mais distinção de grupos sociais, mas segundo o pensamento de Bucher (1992), embora as sociedades apresentem diferenças culturais em relação à utilização e às finalidades do álcool e outras drogas, essas substâncias apresentam algumas funções presentes em todos os lugares: elas oferecem a possibilidade de alterar as percepções, o humor e as sensações. Embora o mundo tenha passado por diversas mudanças de caráter social, cultural, econômico e político o hábito de usar substâncias psicoativas perpassou todos esses momentos, ganhando novos significados e novas formas de consumo, adquirindo novos sentidos aos momentos de uso, novos rituais e novas finalidades. Decorrente dessas transformações ganhou visibilidade o fenômeno da dependência química, proveniente do uso excessivo de drogas. A dependência química é uma doença, mas não é caracterizada como qualquer doença que tem fatores exclusivos, ela engloba vários determinantes, ou seja, tornar-se um dependente químico não está diretamente ligado ao fato de ser homem ou mulher, jovem ou adulto, rico ou pobre, pelo contrário um dependente químico na sociedade atual não tem gênero, idade e nem classe social, podendo estar entre os mais altos níveis sociais que a sociedade compõe. Ressalta-se o que diz Mota (2009, p. 30): Defino aqui um dependente químico por um critério sociológico, como um indivíduo que, em função de sua dependência de álcool e outras drogas causa uma série de problemas no âmbito de sua interação social. [...] Enfim, um dependente químico é um indivíduo que não consegue utilizar substâncias psicoativas de forma moderada, não importando a frequência deste uso. 52 A partir disso torna-se inegável reconhecer que a dependência química não é apenas um caso clinico de saúde, mas que em seu desenvolvimento, agravamento e tratamento estão presentes múltiplos fatores de origem social e econômica que precisam ser considerados e analisados para então dar um direcionamento na recuperação do individuo que sofre com a doença. De acordo com Cruz “entre as formas de adoecer a dependência química se destaca devido nenhuma outra envolver de modo tão complexo os aspectos biológicos, psicológicos e socioculturais, pois usar drogas abusivamente é fruto de plurideterminações (2006, p.14)”. Tratar a dependência química a partir do viés da saúde, clinicamente falando, é enveredar por um só caminho e por uma só causa, ou seja, a doença como se apresenta na sua singularidade. É comumente aceito que toda doença necessita de tratamento para que possa ser recuperada e controlada, mas no caso da dependência química não é apenas do tratamento médico que o usuário necessita tendo em vista suas particularidades. Dentro desse contexto Pratta e Santos nos fala que, Não basta, portanto, identificar e tratar os sintomas, mas sim, identificar as consequências e os motivos que levaram à mesma [dependência química], pensando o indivíduo em sua totalidade, para que se possa oferecer outros referenciais e subsídios que gerem mudanças de comportamento em relação à questão da droga (PRATTA; SANTOS, 2009, p.208, grifos meus). Visto assim, compreende-se por saúde não apenas um bom estado físico, mas as condições de vida que o indivíduo está inserido e para tanto é necessário dispor dos mínimos possíveis para sua sobrevivência. Compreendemos que o conceito de saúde engloba muito mais do que a saúde física. Segundo a Constituição Federal Brasileira (CF-88) de 05 de outubro 1988 diz que: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 53 Assim apresenta-se a necessidade de efetivação da abordagem multidisciplinar no tratamento da dependência química, pois precisamos tratar dessa demanda pensando em seu bem estar social, como nos propõe a CF-88, em relação as ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde. Anterior ao pensamento dessa estratégia de atendimento, conforme Teixeira (2009), as pessoas que sofriam com problemas decorrentes do uso ou abuso de álcool e outras drogas eram trancadas em asilos e manicômios, e “tratadas” a partir de um modelo psiquiátrico em que se utilizavam choques elétricos, fazendo a ingestão de medicamentos diversos que, muitas vezes, nem correspondiam ao seu problema. Por muito tempo também, ainda de acordo com a autora supracitada, a dependência química foi tratada como um caso de polícia, em que os usuários no lugar de receberem atenção e tratamento eram banidos da sociedade e tratados com repressão física, pois era uma população caracterizada como marginal e violenta. Com o passar do tempo o problema de fato foi se agravando, visto que essas medidas não minimizavam as causas da patologia e repercutiam novamente no uso abusivo de drogas. Assim as autoridades políticas do Brasil e do mundo iniciaram um processo de atenção a essa população usuária de drogas e passaram a adotar medidas para combater o tráfico, embora alguns países nunca tenham proibido totalmente a utilização de drogas ilícitas para fins terapêuticos e para práticas culturais, como o caso da Bolívia em que ainda se masca as folhas da coca para controlar os efeitos da altitude. Perrenoud e Ribeiro reforçam nosso pensamento, em relação a crescente demanda dependente de drogas, quando afirmam que “O histórico do uso de crack no Brasil passou por consideráveis mudanças nos últimos 20 anos e se tornou uma realidade grave e perene que necessita de soluções específicas e com durabilidade (2012, p. 36)”. Visto desse modo, a dependência química cresce rotineiramente em nossa sociedade e os danos causados por esta também se alargam em todas as dimensões da vida humana e em comunidade. 54 Ainda sobre a realidade brasileira, no dia 19 de outubro de 2013 foi divulgada pela Fundação Oswald Cruz (FIOCRUZ) a maior pesquisa sobre o crack feita no mundo a respeito do número de usuários de crack e similares em 2012. A partir da estimativa, de 0,81%, encontrada na pesquisa revela-se que existem cerca de 370 mil usuários de crack e/ou similares7 em todas as 26 capitais do país e no Distrito Federal, evidenciando também que existe uma proporção de 2,2% de usuários de drogas ilícitas (exceto a maconha) representando um milhão de usuários. A pesquisa mostra ainda que, As capitais da região Nordeste, ainda que estatisticamente apresentem proporções similares de uso frente às capitais da região Sul foram as que apresentaram o maior quantitativo de usuários de crack e/ou similares, quando considerado o uso forma regular dessa droga: cerca de 150 mil pessoas (FIOCRUZ, 2013, p.5). O estudo também avaliou o quantitativo de usuários de crack e/ou similares que são menores de idade. Dessa forma, para as capitais do Brasil, observou-se que dos 0,81% da população que se estimou ser consumidora regular de crack e/ou similares, 0,11% eram crianças e adolescentes; e 0,70% eram maiores de idade. Dentre os 370 mil usuários de crack e/ou similares estimados, tem-se que cerca de 14% são menores de idade, o que representa aproximadamente 50 mil crianças e adolescentes que fazem uso dessa substância nas capitais do país (FIOCRUZ, 2013, p.7). Diante da situação brasileira evidenciada na pesquisa mostra-se que é urgente destinar atenção para as pessoas acometidas pela dependência química, pois é uma população que está crescendo e necessitando de intervenções diariamente perceptíveis. Na atualidade, o processo de busca de um tratamento efetivo para a dependência química se faz necessário que sejam levados em consideração os aspectos sociais, culturais, biológicos, psicológicos, econômicos, familiares, entre tantos outros passíveis de análises reflexivas. É então a partir de uma abordagem multidisciplinar que o tratamento será orientado de maneira a facilitar a recuperação das causas envolvidas no fenômeno da dependência química, levando em consideração a especificidade de cada caso 7 De acordo com a FIOCRUZ (2013), entendem-se como similares o uso de substâncias como: pastabase, merla e oxi. 55 apresentado nas diversas instituições que oferecem tratamentos aos usuários de drogas. Todos os modos de atendimento que privilegiaram uma abordagem em detrimento da outra se mostraram ineficazes. É preciso diversificar as opções de atendimento, criando serviços intermediários entre o ambulatório e a internação, como moradias-assistidas e hospitais – dia (e noite). É preciso, também integrar melhor a rede existente, incluindo um maior entrosamento entre a rede pública e os grupos de autoajuda e as comunidades terapêuticas que souberam se modernizar e adaptar Às normas mínimas da ANVISA (PERRENOUD; RIBEIRO, 2012, p.36-37). Para tanto é necessário que seja avaliado cada sujeito em situação de abuso de drogas, pois múltiplos também são os tratamentos oferecidos hoje e cada um com sua contribuição para o indivíduo usuário de drogas. Portanto, tratar o problema da dependência química a partir da compreensão multifatorial é necessitar de uma relação integral e intersetorial, composta por uma equipe interdisciplinar disposta a buscar as causas e não apenas incidir sobre as consequências da doença, trabalhando em rede periodicamente para oferecer ao indivíduo mecanismos de superação dos fatores desencadeadores da doença. 2.2 A inserção familiar no tratamento da dependência química A família atualmente vem sendo incorporada como um elemento importante e que deve compor o tratamento da dependência química, conforme Guimarães e Aleluia (2012), tendo em vista o papel de formadora da personalidade humana e das responsabilidades que lhes são atribuídas enquanto unidade de aproximação e modelo de interação com o mundo coletivo. Visto assim, se faz necessário que contemplemos aqui inicialmente o vem que a ser considerado família legalmente na sociedade em que vivemos, pois conforme Engels (1895) a família não é uma unidade estacionária, ao contrário disto ela evolui de acordo com a sociedade em que está inserida. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): 56 Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes. Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade (1990). Dessa forma, podemos observar que a unidade família na esfera brasileira está vinculada aos laços de proximidade das pessoas entre si. Logo não existe um modelo único para designar a composição familiar atualmente, como prioriza os artigos do ECA citados. Embora tenha existido no passado, hoje se encontram na sociedade atual configurações diferenciadas de família, como por exemplo, duas pessoas do gênero feminino e uma criança passam a formar uma família. Sendo assim a família contemporânea está para além do conjunto pai, mãe e filho estabelecido pelo modelo de família nuclear burguesa tempos atrás. Essa discussão nos remete a compreensão de família do Entrevistado 01: Para mim quem era minha família nesse período de drogas não eram meus familiares de fato, pelo contrário eram os amigos que estavam na bagaceira comigo, ali eram todos próximos. E quando era dia dos pais, dia das mães, dos namorados eu nem ligava, pra mim tanto fazia, era raro quando eu lembrava e se eu tivesse perto de casa nem ia lá. O pensamento de Schenker e Minayo (2004) nos revela que a família em todas as suas composições é considerada portadora de responsabilidades para com a constituição da pessoa humana, das suas interações com o meio social e de seu desenvolvimento pessoal. Diante disso, ainda devemos considerar que: Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (ECA, 1990). 57 Alguns autores acreditam que a dependência química caracteriza-se como uma doença que não atinge apenas o usuário, mas todos aqueles que os rodeiam, principalmente seus familiares. De acordo com Guimarães e Aleluia: O tratamento do usuário de crack, assim como o do usuário de outras substâncias, apresenta melhor prognóstico e melhores resultados quando a família é abordada, orientada, incluída no processo terapêutico e auxiliada na resolução de suas dificuldades específicas (2012, p.430-431). Precisamos considerar ainda que a família, de acordo novamente com Schenker e Minayo (2004), pode aparecer no contexto do uso de drogas como um fator de risco ou como um fator de proteção, pois uma família em que seus membros já fazem uso abusivo de drogas pode influenciar o uso tardiamente dos demais aparecendo assim como um fator de risco. É oportuno salientar que, A família, pelo papel de inserir seus membros na cultura e ser instituidora das relações primárias, influencia a forma como o adolescente reage à ampla oferta de droga na sociedade atual. Relações familiares saudáveis desde o nascimento da criança servem como fator de proteção para toda a vida e, de forma muito particular, para o adolescente. No entanto, problemas enfrentados na adolescência, plantados na infância, têm um contexto de realização muito mais ampliado (SCHENKER; MINAYO; 2004,p. 708). Assim, podemos verificar na fala dos sujeitos entrevistados que essas implicações são pertinentes e que de fato tem uma contribuição para o início do uso de drogas. Os entrevistados dizem : Meu pai era alcóolatra, minha mãe depois da separação também se envolveu com o álcool. Eu acho que de influência eu só tive do álcool, mais depois que eu comecei a usar outro primo meu também passou a usar drogas e chegamos a consumir juntos(Entrevistado 04). Antes de usar drogas ninguém na minha família tinha conversado comigo sobre o assunto, até porque eu me considerava uma criança, tinha apenas doze anos. Na época que eu comecei a usar drogas meus familiares me deram muitos conselhos, mais quando eles começaram a ter conhecimento mesmo eu acho que já era tarde (Entrevistado 05). Mas é preciso considerar também, embora não seja o objetivo desse estudo, as condições sociais, econômicas e políticas em que estão inseridas as 58 famílias contemporâneas, pois conforme Charbonneau (1982) a organização familiar está constantemente em consonância com o movimento das sociedades e das culturas, mudando para melhor ou para pior, apresentando-se como uma estrutura dinâmica. Visto desse modo mais uma vez merece destaque o modo de produção capitalista em que estamos inseridos, pois de acordo com Marx (2008), a partir dele, ou seja, conforme o modo como os homens se organizam para produzir a riqueza social é que as esferas da vida do homem passam também a se organizar pautadas nesses moldes. Assim vivemos em um país em que o sistema econômico é orientado pelo modelo capitalista de produção, caracterizado historicamente por diversos autores, inclusive Marx (2008), por um sistema em que oprime, individualiza e escraviza o homem em razão da sua reprodução, repercutindo na vida pessoal e nas relações sociais estabelecidas na coletividade desses indivíduos. Dessa forma podemos, mesmo que superficialmente, citar o contexto em que as famílias dos dependentes químicos estão inseridas, ou seja, um cenário de busca pelo consumo, de desemprego exacerbado, de desigualdades frente às condições econômicas dos indivíduos, geradas pelo sistema capitalista. Sobre essa realidade Büchele e Cruz diz que, Uma sociedade focada no consumo, na qual o importante é o „ter‟ e não o „ser‟, e que a inversão de crenças e valores gera desigualdades sociais, favorece a competitividade e o individualismo e não há mais „ certezas‟ religiosas, morais, econômicas ou políticas. Esse estado de insegurança, de insatisfação e de estresse constante incentiva a busca de novos produtos e prazeres – nesse contexto, as drogas podem ser um deles (BÜCHELE; CRUZ, pp.101-102, 2013). A família, desse modo, não deve ser a única responsável pelo acesso de seus membros ao universo das drogas, pois conforme Bucher (1992) os desdobramentos históricos que vieram a partir da Revolução Industrial e do amadurecimento do capitalismo na sociedade brasileira também favoreceram para que esse fenômeno adentrasse na vida dos indivíduos de maneira devastadora e 59 transformadora da personalidade e do comportamento humano, como forma de aliviar dores que esse sistema passava a causar na vida dos homens. Diante da experiência vivenciada no ambiente institucional percebemos que a mudança na organização familiar em relação ao trabalho possibilitou que as crianças passassem a ficar mais tempo sozinhas em casa, pois os pais necessitavam trabalhar dia e noite para garantir o sustento da família. Com esse afastamento dos pais na educação dessas crianças e na regulação de suas relações com o mundo exterior favoreceram a maturidade precoce de muitas delas nesse período de expansão capitalista que favoreceu mudanças em todas as esferas da vida em sociedade. Em relação a esse contexto obtivemos o seguinte relato: Eu morei com minha avó paterna até os quinze anos, porque a minha mãe trabalhava na maternidade escola como enfermeira então quando ela trabalhava a noite e chegava tarde tinha que descansar durante o dia, ai eu fui me acostumando ficar com minha avó. [...]Eu passei muito tempo longe da minha família, por escolha minha devido às oportunidades de trabalhoir surgindo e eu ir abraçando todas, mas hoje eu vejo como isso me fez falta, a educação que eu tive foi no dia-a-dia mesmo, minha relação familiar sempre foi muito conturbada devido a separação dos meus pais, longe a gente aprende, mas o mundo ensina de maneira mais agressiva e difícil ( Entrevistado 04). Visto assim podemos perceber como as mudanças no mundo do trabalho também alteram a vida das pessoas, ou seja, as suas relações sociais na coletividade. Conforme o pensamento de Braz e Netto (2009) o trabalho diante do modo capitalista de produção passa por alterações consideráveis que modificam o modo como os homens se organizam em sociedade, adquirindo também um novo significado social que não mais é o de suprir as necessidades primeiras de sobrevivência, mas de gerar um excedente econômico que irá possibilitar o acúmulo da riqueza socialmente produzida privilegiando uma parcela minoritária da sociedade alienando a classe trabalhadora. Voltando para o foco de nosso estudo, as discussões contemporâneas sobre a dependência química apontam para importância de inserir a família também no processo de tratamento do usuário, pois para Guimarães e Aleluia (2012) alguns estudos realizados comprovam que a eficácia é significativa quando essa instituição 60 é incluída, mas vale ressaltarmos ainda que são aspectos relevantes também às substâncias utilizadas pelos sujeitos e o contexto em que estão inseridos. A família apareceu como co-autora tanto do surgimento do abuso de drogas quanto como instituição protetora para a saúde de seus membros. Além disso, os estudos mostram, em sua maioria, que o uso indevido ou abusivo de drogas se dá, geralmente, na adolescência, sendo esses comportamentos multideterminados, incluindo-se, aí, vivências de situações de risco tais como delinquência, precocidade nas atividades sexuais e abandono dos estudos, entre outros (SCHENKER; MINAYO; 2004, p. 649). Como já vimos o uso abusivo de drogas não é caracterizado por um fator determinante, ou seja, seu início tem motivos diversos e variados, diante disso é preciso considerar a especificidade social de cada sujeito envolvido nessa rotina. Assim o cotidiano social e as relações familiares dos dependentes químicos devem ser valorizados como elementos importantes para a recuperação da saúde dos mesmos, pois podem ser considerados recursos transformadores no tratamento. Demonstra-se importante ressaltar que, Geralmente os adictos e os usuários abusivos não mantêm uma família ou nunca formaram uma e têm dificuldade em sustentar as estruturas familiares funcionando [...] Isso se deve a sua grande dificuldade na regulação das relações e dos afetos (SCHENKER; MINAYO;2004, p. 651). O uso de drogas é um comportamento aprendido pelo indivíduo em seu contexto [...] é entendido como funcionalmente relacionado aos problemas da vida do individuo e influenciado por sua vez, pelos fatores sociais e cognitivos (SCHENKER; MINAYO;2004, p. 652). A relevância de adesão da instituição familiar ao tratamento do uso de drogas é algo recorrente hoje, e abrange diversas modalidades de tratamento, desde aqueles oferecidos nos equipamentos extras - hospitalares, ou seja, nos CAPs, como também em comunidades terapêuticas destinadas a esses fins, como é o caso da instituição aqui pesquisada. Desse modo a intervenção familiar mostra-se cada vez mais relevante na formulação de políticas públicas para atenção ao uso indevido de drogas. Segundo Laranjeira e Zaleski (2012, p. 634). 61 Com relação à família, os jovens com pais que fazem uso abusivo de álcool, consomem drogas ou são dependentes químicos também necessitam de atenção especial, com iniciativas devendo ser tomadas em nível local. Intervenções direcionadas à família levam a uma redução nos riscos associados a abuso de drogas, com menor exposição à violência. No que se refere às políticas públicas que existem atualmente para atenção a essa população usuária de drogas, a inserção da família vem se fazendo extremamente necessária, diante muitas vezes do uso abusivo ter decorrido de conflitos familiares e por outras questões que refletem diretamente nas relações familiares dos mesmos. Com isso Laranjeira e Zaleski afirmam que “para os que se tornaram dependentes, o uso contínuo deve ser enfrentado, e o indivíduo e sua família devem ter o suporte necessário para uma recuperação completa (2012, p. 633)”. Mediante a isto se encontra fixado nos objetivos da Política Nacional sobre Drogas que: Na etapa da recuperação, deve-se destacar e promover ações de reinserção familiar, social e ocupacional, em razão de sua constituição como instrumento capaz de romper o ciclo consumo/tratamento, para grande parte dos envolvidos, por meio de parcerias e convênios com órgãos governamentais e organizações não-governamentais, assegurando a distribuição descentralizada de recursos técnicos e financeiros (SENAD, p. 18, 2008). Por esse caminho é que devem ser efetivadas as políticas publicas voltadas para o tratamento dos dependentes químicos, visando tratar não só o mesmo, mas também aqueles que fazem parte do seu convívio familiar e social. Logo foi revelado na análise dos dados coletados, que a família é adotada como unidade responsável também pela manutenção do tratamento da dependência química atualmente. Observa-se assim na seguinte fala: A minha família está e sempre esteve me apoiando, eles e nem eu nunca perdemos a esperança. Sempre estou em contato com minha família, já estou indo em casa e sempre que tem visita elas [irmãs]vem e minhas sobrinhas também, acho que isso é uma grande ajuda, mas mesmo com o apoio deles também tenho que ter força de vontade, sem o apoio deles seria tudo mais difícil (Entrevistado 06, grifos meus). 62 A família, nesse contexto, foi percebida nas entrevistas como mediadora do dependente químico com o mundo social durante o processo de tratamento, tendo em vista que o usuário encontra-se restrito de suas relações sociais. No que se refere aos motivos que envolvem o início do uso de drogas, apresentaram-se nas entrevistas como principais: a influência através do consumo de drogas pelos pais, a busca de liberdade e afirmação de uma identidade, a curiosidade em relação aos efeitos, a facilidade de acesso no ambiente em que vivem e o incentivo pelas amizades. Assim podemos conferir que não são motivos desconhecidos, pois já se afirma em outras pesquisas que, [...] referiram maior uso de substâncias aqueles jovens em cujas famílias havia algum membro usuário de drogas. [...] O fato de haver um usuário em casa já pode ser um indicador de disfunção familiar que predisponha ao uso de drogas. Além disso, a maior proporção de dependentes em determinadas famílias sugere que fatores genéticos podem modular a vulnerabilidade ao desenvolvimento das dependências. Por outro lado, para conquistar sua própria identidade, o adolescente muitas vezes adota os modelos de comportamento adulto de que dispõe, cabendo aos familiares e educadores em geral apresentar modelos de comportamento mais adequados ao adolescente. O uso de drogas também foi mais elevado entre os adolescentes que referiram ter sido vítimas de maus tratos ( TAVARES; BÉRIA; LIMA; 2004, p. 795). Mediante a isto podemos observar mais uma vez o que nos disse Schenker e Minayo (2004) referente à família aparecer tanto como fator de risco ou como de proteção, pois percebemos também na seguinte fala: Existem alguns fatores que contribuíram para que eu usasse drogas, mas que não me tiram a responsabilidade, mas quando uma pessoa é criada com uma base de pai e mãe eu creio que a probabilidade de usar drogas é menor, porque assim quando a gente é criança nossa mente precisa ser formada, e sei que os pais são essenciais para a vida social da criança, e sem essa base a mente da pessoa pode vir a ser preenchida com outras coisas como as drogas (Entrevistado 04). Portanto, a importância da incorporação e da adesão da família de usuários de drogas aos tratamentos a eles submetidos torna-se cada vez mais indispensável, pois são os familiares que possivelmente devem receber os usuários de volta ao convívio social e é através deles que deverá se iniciar o processo de reinserção social dos indivíduos acometidos pela dependência química no que tange as próprias interações com a coletividade e aos ambientes que passarão a 63 estar inseridos novamente. Logo a instituição que foi delimitada para ser realizada a pesquisa de campo, o Desafio Jovem do Ceará, também considera a família como um importante aliado no processo de tratamento do usuário de drogas. Com isso para contemplar a relevância da instituição familiar existe atividades direcionadas para esse público realizando-se uma mediação pelo setor de Serviço Social na interação usuário-família, trabalhando também na construção de estratégias para a recuperação do indivíduo em processo de tratamento na instituição, como veremos no próximo tópico. Uma das primeiras atividades feitas pelo Serviço Social nesta área é identificar nos atendimentos feitos previamente com o usuário quem serão as pessoas mais próximas deste que deverão acompanhar o tratamento do mesmo, pois um dos pré-requisitos da instituição é a existência de um responsável pelo candidato a tratamento em regime residencial, e quem são aqueles que constituem os laços familiares do mesmo. Após essas identificações passam a ser realizadas atividades específicas para essa demanda evocando assim a necessidade de orientar a família sobre a doença que seu membro está vivenciando, pois muitas das vezes pude observar nos momentos de observação que os próprios familiares não compreendem a dependência química como doença e o que ela compromete ao indivíduo. Posteriormente é realizado um atendimento individual com o usuário e a família e/ou os responsáveis, com o intuído de orientar sobre as responsabilidades que estes deverão cumprir no decorrer no processo de tratamento. Este é realizado conforme o que dispõe a RDC nº 29, em seu Art. 19, parágrafo terceiro, sobre a disponibilidade de informações aos sujeitos envolvidos neste processo: III – orientação clara ao usuário e seu responsável sobre as normas e rotinas da instituição, incluindo critérios relativos a visitas e comunicação com familiares e amigos, devendo a pessoa a ser admitida declarar por escrito sua concordância, mesmo em caso de mandado judicial (ANVISA, 2011). Entre as atividades propostas para a inserção familiar no tratamento estão os grupos de família realizados mensalmente, em data pré-estabelecida, realizados pela assistente social com temáticas diferenciadas para cada encontro, 64 dentre estas: temáticas referentes aos tipos de drogas e possíveis efeitos no organismo, a convivência familiar que possivelmente foi fragilizada, ao processo de reinserção social, ao processo de manutenção do tratamento, aos direitos dos usuários, enfim realizando assim ações socioeducativas 8 características da prática do assistente social que proporcionam a possibilidade de conhecimento crítico da realidade que cercam os usuários e seus familiares. Outra atividade também proporcionada aos familiares é a participação dos mesmos em momentos de lazer específicos, como por exemplo, datas comemorativas e feriados com datas também programadas anteriormente. As famílias ainda são convidadas a participarem do grupo dos Narcóticos Anônimos para familiares, chamado de NAR-ANON, que acontece às quintas-feiras no auditório da instituição sendo realizado por uma equipe própria. Conforme tudo que aqui discutimos, a abordagem familiar aparece embutida em diversas formas de tratamento, inclusive na instituição pesquisada, como uma alternativa positiva ao processo de recuperação, e que atualmente encontra-se imbricada nas políticas que diz respeito à temática. Visto assim podemos confirmar que existe um consenso no que tange a relevância da inserção familiar no tratamento dos indivíduos usuários e dependentes de drogas lícitas ou ilícitas, pelos teóricos da área, mas é preciso que consideremos também a visão dos próprios usuários sobre o assunto, pois são eles que vivenciam diretamente a doença, logo é preciso levar em conta a possibilidade de empoderamento desses sujeitos no que tange as decisões tomadas a seu respeito. 2.3 A necessidade efetivação de uma rede integrada para a população usuária de drogas e o trabalho realizado no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba O uso de drogas hoje envolve uma série de discursões, tendo em vista seu desenvolvimento no contexto histórico, cultural, social, político e econômico do 8 Essas ações consistem em orientações reflexivas e socialização de informações realizadas por meio de abordagens individuais, grupais ou coletivas ao usuário, família e população de determinada área programática (CFESS, p. 54, 2010). 65 país. Assim falar de uma rede de atenção para a demanda usuária de drogas é pautar-se nas configurações sociais contemporâneas a qual estão inseridas essas pessoas, pois as repercussões acarretadas pelo consumo de drogas são dinâmicas e multifacetadas, variando em tempo e espaço. Dessa forma, os motivos que levam o indivíduo a consumir drogas são os mais diversos possíveis, não existindo um só condicionante universal para desencadear possivelmente o fenômeno da dependência química. Estes motivos segundo Detoni (2009) revelam-se em fatores psicológicos em que as pessoas com problemas emocionais buscam nas drogas formas de aliviar as dores, angustias e traumas; perpassam também os fatores socioambientais onde o próprio meio social em que o indivíduo habita pode facilitar e propiciar o uso de drogas; nos fatores biológicos, em que cada vez mais está sendo revelado nas pesquisas, a possível predisposição genética para a dependência química, em que muitas vezes os filhos com pais alcoolistas tem mais facilidade de se tornarem futuros usuários também; e ainda nos fatores químicos em que as próprias substâncias não permitem ao usuário estabelecer um uso controlado, pelo alto nível estimulador da dependência. Na pesquisa realizada pela Fundação Oswald Cruz (Fiocruz) já neste ano de 2013, revelou-se que 55,2%, ou seja, mais da metade dos entrevistados disseram ter usado crack/similares pela vontade e curiosidade de sentir o efeito da droga, já 26,7% declarou ter sido pela pressão dos amigos e por fim 29,2% afirmaram ter tido contato com a droga por conflitos familiares ou problemas afetivos. Diante desses resultados, surge na sociedade em geral a necessidade de elaboração de uma rede de atenção integrada destinada a atender as pessoas dependentes do consumo de álcool e outras drogas, pautada em uma abordagem multidisciplinar da dependência química e que perpasse os diversos setores para então proporcionar um bem estar físico, mental e social nesses indivíduos acometidos pelo problema decorrente do uso de drogas. É relevante ressaltarmos que, 66 [...] não se torna toxicômano [dependente químico] quem o quiser: o engendramento de drogadições corresponde a um processo complexo onde intervém, além da substância, o contexto sociocultural e econômico (com suas pressões e condicionamentos múltiplos) e a personalidade do usuário (com suas motivações pessoais, conscientes e inconscientes) (BUCHER, 1992, p. 02, grifos meus). Visto assim é preciso considerar também que a situação epidemiológica que vivenciamos hoje também, de acordo com Bucher (1992), tem como condicionante o próprio sistema capitalista, no qual as pessoas vivem moldadas em padrões pré-estabelecidos, sejam eles de beleza ou de consumo, mais que acabam estruturando a vida da população por um só viés e aqueles que se encontram fora desses padrões buscam formas de consolo para esquecer ou para alcançar tais determinações. Bucher (1992, p.24) salienta ainda que, Na verdade, o „problema‟ não reside simplesmente no produto, como se este fosse o diabo, o pecado ou o perigo supremo; a questão crucial reside na procura de tais produtos, pelos jovens e pelos adultos, a partir de motivações pessoais, sem esquecer as pressões das estimulações sociais. Intervenções, pois, medidas, campanhas ou pregações que não levem em conta estas motivações e pressões, são fadadas ao insucesso, por não se referir à realidade deste consumo e por preferir a ignorância ao seu conhecimento aprofundado. A necessidade de atender a demanda usuária de drogas por meio de uma rede de atenção integral é passar a compreender a complexidade do problema do ponto de vista não só dos aspectos clínicos e físicos e nem de medidas paliativas, mas adentrar nas raízes do problema e buscar soluções eficazes e de longa duração que possam devolver ao indivíduo a capacidade de viver em sociedade sem gerar conflitos externos e nem internos a ele próprio. A integralidade a qual estamos falando aqui se encontra disposta em todas as nossas políticas brasileiras, tendo sido inaugurada em 1988 na Constituição Federal, constituindo uma das diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Encontra-se disposta no art. 198 da secção de saúde, no inciso II “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízos dos serviços assistenciais”,ou seja, o atendimento em saúde deve não só recuperar 67 a condição de enfermidade do indivíduo, mas também prevenir que as patologias se desenvolvam, por meio de ações efetivas e não apenas de caráter repressivo, mas de informação e educação. Assim também como garante aos indivíduos o acesso a direitos essenciais que amparem no desenvolvimento social dos usuários, como alimentação, habitação e lazer. Segundo Behring e Boschetti (2007, p. 51). As políticas sociais e a formação de padrões de proteção social são desdobramentos e até mesmo respostas e formas de enfrentamento [...] às expressões multifacetadas da questão social no capitalismo, cujo fundamento se encontra nas relações de exploração do capital sobre o trabalho. Visto desta maneira é preciso que as políticas sociais, econômicas e de saúde estejam articuladas para demandar atenção à população usuária de drogas, com base a intervir nos condicionantes sociais que desenvolveram tal situação de adoecimento, pois como já falado no início tornar-se um dependente químico é muito mais que uma escolha é uma condição muitas vezes imposta como alternativa para diversos problemas sejam eles pessoais, sociais ou econômicos. Bucher nos diz que, Dentro do panorama global do uso e abuso de drogas nas sociedades modernas, recorrer a elas pode, dependendo do contexto socioeconômico, ter um sentido diferente daqueles evocados até agora- a saber, o de „tapar a fome‟. É o caso dos jovens dos subúrbios e favelas, de menores abandonados, de crianças desnutridas – toda aquela população jovem marginalizada, com frequência sem família, sem apoio, e sem trabalho, que encontramos em cada esquina das aglomerações urbanas (BUCHER, p. 30, 1992). Logo, conforme Gonçalves “todo problema social é como um iceberg, do qual apenas uma pequena parte é visível (1982, p.53)”. E nos diz mais ainda: Uma posição comum, diante desse fenômeno de massa na civilização ocidental contemporânea, é considerá-lo como consequência de uma patologia dos indivíduos que se tornaram dependentes. É fácil reconhecer que, embora muitas vezes exista um componente de natureza patológica, tal posição é muito cômoda, porque reduz o problema a dimensões limitadas e, aparentemente, certas ou identificadas (GONÇALVES, 1982). 68 Assim elaborar um consenso que a dependência química é apenas um problema de saúde pública que deva ser tratada clinicamente é fechar os olhos para esse iceberg, é mascarar uma realidade posta contemporaneamente pelas desigualdades sociais advindas da divisão de classes do sistema capitalista, reveladas nas múltiplas expressões da questão social. Sobre a questão social Iamamoto afirma que, Considerada como uma expressão das desigualdades inerentes ao processo de acumulação e dos efeitos que produz sobre o conjunto das classes trabalhadoras e sua organização [...] a questão social não é um fenômeno recente, típico do esgotamento dos chamados trinta anos gloriosos da expansão capitalista. Trata-se, ao contrário, de uma „velha questão social‟ inscrita na própria natureza das relações sociais capitalistas, mas que, na contemporaneidade, se re-produz sob novas mediações históricas e, ao mesmo tempo, assume inéditas expressões espraiadas em todas as dimensões da vida em sociedade (IAMAMOTO, 2008, p. 161, grifos do autor). O desenvolvimento da dependência química não deve ser entendido apenas como um fato isolado, ele está inserido dentro de uma dinâmica social, econômica e política orientada pelo sistema capitalista que a sociedade vivencia e com isso faz-se necessário compreendermos seus pormenores para demandarmos atenção integrada à demanda usuária de drogas. Sobre essa discussão é oportuno salientar: As consequências do triunfo capitalista, tão fortemente impulsionado pela revolução industrial, foram evidentes e trágicas: houve um aumento assustador da marginalização, prostituição, infanticídio, miséria, fome, e pobreza absoluta, além de surtos epidêmicos de tifo e coléra, que resultou em um índice significativo de morte entre a população. Além disso, essa realidade levou a um aumento de uso de drogas, principalmente do álcool (TEIXEIRA, p. 24, 2009). A dependência química, conforme o pensamento de Bucher (1992), muito mais que uma questão de saúde apenas é também um problema social e comportamental, em que pessoas estão deixando de consumir drogas e passando a 69 ser “consumidas” por elas, a partir de diversos motivos, sejam elas questões emocionais, de identidade, econômicas, que poderiam muitas das vezes terem sido prevenidas por políticas sociais que existem, mas que não são administradas e exploradas de forma a garantir a autonomia e o bem estar da população. Diante disso é relevante dizer que: As condições de vida influenciam fortemente os hábitos de consumo de uma determinada população; estes fazem parte, portanto, de um contexto social, econômico, político e cultural que os condiciona e mesmo incentiva, diante do qual meras medidas repressivas se tornam inoperantes (BUCHER, p. 24, 1992). Salientamos ainda que a partir de 1990 temos na esfera brasileira, conforme Iamamoto (2008), mudanças radicais nas relações entre o Estado e a sociedade civil advindas da orientação neoliberal que o país vivenciava, observa-se também uma forte e crescente desresponsabilização do Estado no que se refere aos gastos sociais, ficando cada vez mais a população trabalhadora a mercê das entidades filantrópicas, não governamentais e privadas, logo esse processo passou a impactar de modo negativo na vida dessas demandas. Tais processos atingem não só a economia e a política, mas afetam as formas de sociabilidade. Esse cenário, de nítido teor conservador, atinge as formas culturais, a subjetividade, as identidades coletivas, erodindo projetos e utopias, Estimula um clima de incertezas e desesperanças. A debilidade das redes de sociabilidade em sua subordinação às leis mercantis estimula atitudes e condutas centradas no indivíduo isolado, em que cada um „é livre‟ para assumir riscos, opções e responsabilidades por seus atos em uma sociedade de desiguais (IAMAMOTO, 2008, p. 144, grifos do autor). Atualmente podemos confirmar diante da leitura do real, que o Estado cada vez mais transfere suas responsabilidades para a sociedade e para a esfera individual, logo na Política Nacional sobre Drogas (2005), no eixo de tratamento, recuperação e reinserção social acerca do papel do Estado está descrito da seguinte forma: 2.1.1 O Estado deve estimular, garantir e promover ações para que a sociedade (incluindo dependentes, familiares e populações específicas), 70 possa assumir com responsabilidade ética, o tratamento, a recuperação e a reinserção social, apoiada técnica e financeiramente, de forma descentralizada, pelos órgãos governamentais, nos níveis municipais, estadual e federal, pelas organizações não-governamentais e entidade privadas (SENAD, p. 17, 2008). Mas cabe aqui lembrarmos mais uma vez que a saúde é direito de todos e dever do Estado, não podendo este repassar a sua responsabilidade aos indivíduos, mas proporcionar medidas que favoreçam o bem estar geral. E são por meios das políticas sociais, de saúde e econômicas que devem ser trabalhadas essas iniciativas do Estado. É inegável que existam serviços públicos de atenção aos usuários de álcool e outras drogas, mas a qualidade e o funcionamento desses serviços muitas vezes tornam-se inoperantes pela falta de integralidade com as políticas sociais existentes e acabam fazendo com que as medidas de atenção não tenham sentido. Então é necessário uma complementariedade dos serviços, no que tange à estabelecer relação com os motivos que condicionaram a dependência e tentar inseri-los também no processo de tratamento, não sendo dessa forma o indivíduo possivelmente retornará para a mesma condição, ambiente e sociedade em que se tornou um dependente, estando propicio a retomar o adoecimento, devido ser a dependência química uma doença crônica e recidivante. Sobre esse contexto Bucher relata que, As políticas em relação às drogas devem ser integradas às políticas sociais gerais. As políticas de álcool, fumo e outras drogas devem estar em concordância com as políticas gerais do país, com referência, sempre que possível, aos princípios das políticas internacionais. Em sua fase de operacionalização, a política nacional deve utilizar efetivamente estruturas e programas já existentes, seja no que tange, aos sistemas educacionais, seja á saúde mental, os cuidados primários de saúde e o serviço social (BUCHER, p. 04, 1992). Feitas essas explanações e considerando a importância da intersetorialidade na rede de atenção aos usuários de álcool e outras drogas, faz-se interessante aqui também mostrarmos os tipos de serviços e tratamentos que existem atualmente. Entre estes estão os serviços de desintoxicação, destinado àqueles usuários que necessitam geralmente de intervenção médica e 71 medicamentosa para aliviar os sintomas da falta do uso. Esse modelo de atenção é realizado na maioria das vezes em hospitais mentais e em clínicas especializadas. Segundo Boni e Kessler: A desintoxicação pode ser realizada em três níveis com complexidade crescente: tratamento ambulatorial, internação domiciliar e internação hospitalar. Em qualquer nível, sempre que necessário, podem ser utilizados medicamentos para alívio dos sintomas [...] Os objetivos da desintoxicação são: alívio dos sintomas existentes; prevenção do agravamento do quadro (convulsões, por exemplo); vinculação e engajamento do indivíduo no tratamento (BONI; KESSLER, p. 184, 2013). Outro serviço bastante falado atualmente, principalmente nas políticas de atenção, são os tratamentos realizados nos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas (CAPS AD), criados a partir da lei 10.216, que instituía a reforma psiquiátrica e que reorganizava os serviços de atenção em saúde mental fazendo se tornar essas instituições a porta de entrada do tratamento das dependências químicas nos municípios. De acordo com Ministério da Saúde, as cidades que tiverem população igual ou maior de 70.000 habitantes. Caracterizados por equipamentos extras hospitalares, pela lei já citada, estas instituições, de acordo com Boni e Kessler (2013), dispõem de tratamentos ambulatoriais e leitos de internações provisórias, baseados em terapias, grupos e tratamento medicamentoso quando necessário, tais como terapia de grupo, terapia familiar, terapia cognitivo-comportamental e prevenção de recaídas. Em relação a esses equipamentos Azevedo e Miranda nos diz ainda que: Um CAPSad tem por finalidade proporcionar atendimento à população, respeitando-se a adstrição do território, oferecendo-lhe atividades terapêuticas e preventivas, tais como: atendimento diário aos usuários dos serviços, dentro da lógica de redução de danos; gerenciamento dos casos, oferecendo cuidados personalizados; condições para o repouso e desintoxicação ambulatorial de usuários que necessitem; cuidados aos familiares dos usuários dos serviços e ações junto aos usuários e familiares, para os fatores de proteção do uso e da dependência de substâncias psicoativas (AZEVEDO; MIRANDA,p.57, 2010). 72 Existem também os serviços ofertados pelos grupos de autoajuda, conforme seus endereços eletrônicos, sendo os mais conhecidos: Alcoólicos Anônimos (AA) e os Narcóticos Anônimos (NA) que trabalham com a filosofia dos 12 passos e no partilhar das experiências vividas por todos os membros que participam. Esses grupos acontecem semanalmente em diversos pontos das cidades por meio de reuniões. Os membros são caracterizados, segundo os sites do AA e do NA (2013), por adictos em recuperação e o único requisito que encontram para permitir a entrada de um novo participante é somente a vontade de parar de usar drogas, pautados pela abstinência total do uso. Sobre essas instituições salientamos que, NA é uma Irmandade ou sociedade sem fins lucrativos, de homens e mulheres para quem as drogas se tornaram um problema maior. Somos adictos em recuperação, que nos reunimos regularmente para ajudarmos uns aos outros a nos mantermos limpos. Este é um programa de total abstinência de todas as drogas. Há somente um requisito para ser membro, o desejo de parar de usar. Sugerimos que você mantenha a mente aberta e dê a si mesmo uma oportunidade. Nosso programa é um conjunto de princípios escritos de uma maneira tão simples que podemos segui-los nas nossas vidas diárias (www.na.com.br). Alcoólicos Anônimos é uma irmandade mundial de homens e mulheres que se ajudam mutuamente a permanecerem sóbrios. Eles oferecem a mesma ajuda a qualquer um que tenha um problema com a bebida e queira para de beber. Por serem todos alcoólicos, eles tem uma compreensão mutua especial. Sabem como essa doença os atinge – e aprenderam como se recuperar do alcoolismo dentro de A.A.( www.aa.com.br). Os tratamentos farmacológicos também estão presentes nos serviços atuais, esta metodologia de tratar o dependente químico baseia-se no uso de medicamentos para conter os sintomas de intoxicação e abstinência. Conforme Boni e Kessler (2013) esses tratamentos devem ser realizados por profissionais da área médica a partir da estratégia medicamentosa e com objetivos também de substituir o efeito da substância, causar efeitos contrários ao prazer quando utilizar drogas e causar aversão às drogas de modo a perceber que elas passaram a lhe causar problemas. Por fim temos os serviços de atenção aos dependentes químicos ofertados pelas comunidades terapêuticas, que caracteriza inclusive o nosso campo de pesquisa. Essas instituições são conduzidas e organizadas por algumas 73 normatizações existentes para seu funcionamento, tais como a legislação da ANVISA RDC Nº29/11 e os elementos essenciais estabelecidos pela Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (FEBRACT) para compor o tratamento. Referente a essas legislações citadas, a legislação RDC nº29/11 em vigor é uma resolução da ANVISA para a regulamentação do funcionamento e da segurança sanitária das instituições que prestam serviços à demanda usuária de drogas, conforme Fracasso e Landre (2012), não foi a primeira criada, pois anterior a ela foi criada em 2001 também pela ANVISA a RDC nº 101/01 estabelecendo o regulamento técnico para o funcionamento das comunidades terapêuticas, serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso ou abuso de substâncias psicoativas segundo modelo psicossocial, mas: Em 2011 a Anvisa revogou a RDC 101/01 e criou a RDC 29/11, com o intuito de se aproximar do modelo de comunidade terapêutica proposto pela FEBRACT. Dessa forma, as comunidades deixaram de se adequar ás normas gerais de um serviço de saúde, tal qual um hospital ou centro de tratamento, em favor de seu caráter residencial e de convívio familiar (FRACASSO; LANDRE, p. 504, 2012). Ainda sobre as legislações que compõem o funcionamento e a execução de serviços de atenção aos dependentes químicos nas comunidades terapêuticas cabe destacar os elementos essenciais que compõem o tratamento voltado para abstinência e fixado pela FEBRACT, segundo Fracasso e Landre, sendo eles: 1) prática da espiritualidade sem a imposição de crenças religiosas; 2) internação e permanência voluntária que objetive auxiliar o dependente de substâncias psicoativas a reinserir-se e reintegrar-se na sociedade [...]; 3) ambiente residencial, com características de relações familiares, saudável e protegido técnica e eticamente, livre de drogas e violência, assim como de práticas sexuais (temporariamente, neste último caso); 4) convivência entre pares participando ativamente na vida e nas atividades da comunidade terapêutica; 5) critérios de admissão, permanência e alta definidos com o conhecimento antecipado por parte do dependente de substâncias psicoativas candidato e de seus familiares/responsável; 6) aceitação e participação ativa no programa terapêutico definido e oferecido pela comunidade terapêutica tanto pelos dependentes [...] como pelos seus familiares/responsável; 7) utilização do trabalho como valor educativo e terapêutico no processo de tratamento [...]; 8) acompanhamento póstratamento, de no mínimo um ano após o episódio da internação. (2012, p. 505). 74 As comunidades terapêuticas ainda pautam-se em um código de ética próprio dessas instituições e que tem, de acordo com a FEBRACT, como princípios fundamentais: o trabalho baseado no respeito à dignidade da pessoa humana; a permanência voluntária e decidida após a informação ter sido repassada ao interno sobre o encaminhamento e as normas em vigor na instituição, bem como assegurar para este um ambiente livre de drogas, sexo e violência. Visto assim é possível compreendermos que uma comunidade terapêutica não é simplesmente uma casa em que estão alojados dependentes químicos, para que se consolide como tal é necessário estar em consonância com essas disposições legais. Portanto, após essas explicações, e tendo participado da dinâmica da instituição pesquisada, não podemos deixar de sentirmos mais uma vez a falta de uma integralidade entre os serviços, pois temos sim equipamentos que demandam atenção para os dependentes químicos, mas a falta de articulação entre estes com as políticas em geral acaba por tratar o problema da dependência química somente pelo viés do uso e do abuso de drogas, deixando a situação que pode ter ocasionado esses desdobramentos sem atenção e sem intervenções. Então é por esse motivo que se torna urgente nos dias atuais um atendimento integral, articulado diretamente com as políticas de assistência social, saúde, educação, habitação, trabalho e renda no tratamento de usuários de álcool e outras drogas. O Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba (DJC) é uma comunidade terapêutica, filantrópica inserida no terceiro setor9, uma entidade privada sem fins lucrativos, de orientação evangélica que foi fundada no ano de 1975 pelo Dr. Silas Munguba e tendo como missão trabalhar o ser humano em toda sua essência na prevenção e no tratamento ao uso indevido de drogas, baseada na orientação de abstinência total do uso. O trabalho realizado na instituição se dedica a prevenção ao uso indevido de drogas, e a recuperação física, psicológica, social e espiritual do usuário de drogas e de seus familiares, bem como em sua reintegração social, sem distinção 9 O „terceiro setor‟ seria, para seus autores, o conjunto de organizações mais ou menos formais da sociedade civil (MONTAÑO, p. 182, 2010). 75 de raça, condição social, política ou denominação religiosa, estando em consonância com a RDC nº 29 que, Art. 19 – No processo de admissão do residente, as instituições devem garantir: I – respeito á pessoa e à família, independente da etnia, credo religioso, ideologia, nacionalidade, orientação sexual, antecedentes criminais ou situação financeira [...] III – a permanência voluntária(ANVISA, 2011). As atividades e serviços ofertados na instituição são organizados de acordo com as legislações da ANVISA e da FEBRACT, buscando garantir um atendimento digno e de qualidade aos dependentes químicos tratados neste ambiente. A presente instituição desenvolve atividades diversas, entre elas estão àquelas voltadas para a prevenção do uso de drogas desenvolvidas por ações como: palestras e oficinas educativas que objetivam trabalhar os fatores de riscos e proteção no que se refere à temática da dependência química, desenvolvidas na maioria das vezes em colégios, universidades e empresas, sendo ministradas pelos próprios profissionais do DJC; apoio aos estudantes pesquisadores, universitários e pós-graduados, com o intuito de informar e disseminar conhecimentos sobre a temática das drogas; e capacitação para prevenção ao uso indevido dedrogas, com o objetivo de capacitar os profissionais de diversos segmentos, numa abordagem multidisciplinar, trabalhando aspectos científicos, pedagógicos e biopsicossociais do uso/abuso de drogas. As atividades referentes ao tratamento oferecido pela instituição realizam-se por dois programas distintos: o Programa de Acompanhamento Terapêutico, que é um regime de residência terapêutica, exclusiva para pessoas do gênero masculino, que tenham idade igual ou maior dezoito anos10, onde permanecem um período máximo de nove meses. Durante esse período são apresentadas propostas de mudança de interesses e ampliação do universo que se situava na droga. O residente participa de grupos terapêuticos, laborterapia, terapia ocupacional, esporte, jogos (xadrez, futebol), educação física, ensino supletivo, orientação cristã, atividades do grupo CVV e atendimentos individuais com 10 A idade limite de adesão nesse modelo de tratamento foi modificada em 2013, pois anteriormente recebiam adolescentes a partir dos dezesseis anos de idade, tendo em vista as dificuldades de lhe dar com essa demanda em nível de residência. 76 psicólogos e assistentes sociais. Já no Programa de Atenção Psicossocial, realiza-se a partir de um modelo ambulatorial terapêutico sem demandar atendimento médico, onde o usuário participa de grupos temáticos e atendimentos individuais, pautados no processo de recuperação em que está vivenciando, logo esse programa tem um diferencial na condução de suas atividades e das temáticas que serão abordadas no decorrer das mesmas, tendo em vista a compreensão de que o usuário está diariamente submetido ao convívio social e mantendo a abstinência do uso de drogas. Os dois modelos de tratamento oferecidos no DJC são de adesão voluntária, tendo em vista o respeito à autonomia do sujeito, bem como também é solicitado que exista um responsável para acompanhar o desenvolvimento da pessoa em tratamento, priorizando aqueles que tinham contato mais próximo e que possivelmente conviverá diretamente com o mesmo no período de reinserção social. É realizado também nos dois modelos de atendimento o acompanhamento familiar, por meio de atendimentos individuais e de grupos de família, com o objetivo de promoção do equilíbrio familiar e de orientar acerca da doença e dos processos que seu parente está submetido diariamente. As famílias também participam de momentos comemorativos no interior da instituição juntamente com seus pares. Hoje, uma equipe multidisciplinar formada por orientadores cristãos, assistentes sociais, psicólogo, terapeuta ocupacional, professores (Convênio com o Centro de Educação de Jovens e Adultos – CEJA), educador físico, agentes terapêuticos, voluntários do Centro de Valorização da Vida (CVV), palestrantes dos grupos para familiares e amigos de dependentes químicos NAR-ANON, atendem aos usuários da instituição, bem como à suas famílias. Logo existe apenas uma diferença em relação a esta equipe nos dois programas do DJC, pois apenas o educador físico não faz parte das atividades realizadas no Programa de Assistência Psicossocial. O DJC tem seu diferencial revelado no desenvolvimento de um programa biopsicossocial e espiritual que tem como objetivo atuar sobre o corpo, a mente, o cognitivo, o social e o espiritual dos sujeitos em tratamento, não tendo como 77 pretensão priorizar nenhuma dessas áreas de atuação, mas respeitando sempre a autonomia de cada sujeito, tendo em vista que são casos específicos que se apresentam à instituição e que cada indivíduo tem suas necessidades distintas. Nessa instituição também são realizadas reuniões do grupo de familiares e amigos de dependentes químicos NAR-ANON, todas as quintas-feiras às oito horas da manhã. Essas reuniões não são ministradas por profissionais da instituição, somente o auditório é cedido para que o grupo se realize. O público-alvo dessas reuniões são os familiares de dependentes químicos, mas não se restringe apenas para aqueles tratados no DJC, a reunião é aberta a comunidade, possuindo uma demanda espontânea. Trabalha-se na interação das tradições dos 12 passos e no partilhar das experiências vivenciadas, com o intuito de amenizar o sofrimento do outro. Desse modo, a instituição Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba corresponde a uma comunidade terapêutica destinada a tratar as pessoas que fazem o uso indevido de drogas e que foi criada antes mesmo da Constituição Federal de 1988, da Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral aos usuários de álcool e outras drogas de 2004, da Política Nacional do Álcool de 2007, da Política Nacional Sobre Drogas de 2005, como podemos observar na data de sua criação, correspondente ao ano de 1975. Fracasso e Landre (2012) afirmam que “o marco que dá início à expansão das comunidades terapêuticas nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul, entre outros, é a fundação da Fazenda do Senhor Jesus, pelo Pe. Haroldo J. Rahm, em 1978”, mas logo observamos que o DJC é um dos pioneiros no trato de dependentes químicos no Brasil, existente há três anos anteriores a presente instituição, embora não tenha sido amplamente reconhecida. Diante disso é nítido percebermos, que mesmo antes do direito a saúde se tornar de fato um direito universal de responsabilidade estatal e de existirem serviços especializados para atender a demanda usuária de drogas, já existiam instituições que se preocupava e que dispensava serviços em relação à saúde e ao bem estar dessa população, como a instituição aqui apresentada. Embora existam comunidades terapêuticas que, conforme Fracasso e Landre (2012), se intitulam comunidades sem ter os elementos essenciais nem as características para ser reconhecida como tal, pautada muitas vezes apenas na 78 orientação religiosa, a instituição aqui relatada tem seu diferencial justamente em conter o viés espiritual apenas como uma área a sofrer intervenções não deixando com que essa orientação domine os serviços de recuperação adotados. A instituição apresenta ainda alguns pontos negativos, como o aspecto econômico que é bastante fragilizado, ou seja, a mesma não tem condições de se manter financeiramente e diante disto é auxiliada por doações advindas da própria sociedade civil. Mas vale ressaltar que isso não compromete o compromisso dos profissionais com a demanda, mas afeta na qualidade do tratamento, pois atualmente houve uma redução na equipe multidisciplinar tendo em vista reduzir os gastos e manter seu funcionamento. Outro aspecto é a própria estrutura física da mesma que diante dessas dificuldades econômicas não tem condições de se realizarem reformas frequentes para a melhoria dos serviços prestados; e ainda há outra dificuldade, em relação a inexistência de um sistema informatizado que acaba dificultando o trabalho dos profissionais diversas vezes, como exemplo disso podemos citar o grande aglomerado de documentos impressos em papel e armazenados, muitas vezes dificultando a procura de uma informação necessária. Mas apesar dessas questões a presente instituição continua exercendo suas atividades. O Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba, portanto, é um marco no tratamento dos usuários de drogas, sempre tendo seu trabalho desenvolvido por uma equipe profissional, mesmo que minimamente, sem dispensar serviços de atenção médica ou medicamentosa, mas comprometido principalmente com o tratamento, a recuperação e a reinserção dos usuários aos quais atendem na perspectiva de integralidade das ações ofertadas. 79 3. O SIGNIFICADO DO ACOMPANHAMENTO FAMILIAR NO CONTEXTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA 3.1 Análise sobre o acompanhamento familiar ao processo de tratamento interno da dependência química, sob a ótica dos residentes no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba A inserção familiar é apontada por muitos autores como fator relevante a ser abordado no decorrer do tratamento da dependência química, estando também presente nas legislações e políticas sobre drogas como um elemento a ser considerado de importante abrangência diante das muitas discursões teóricas existentes sobre o assunto. Assim, discutiremos baseados nos dados da pesquisa, sobre a percepção dos sujeitos que vivenciam a realidade de tratamento em regime de residência, diante do significado no acompanhamento familiar ao processo de recuperação da dependência de drogas, evidenciando também o perfil social destes e suas relações familiares antes e depois do tratamento. A dependência química, como já vimos, é uma doença que não tem um público específico, ou seja, está para além de uma demanda pré-estabelecida, é um fenômeno que acomete as pessoas sem fazer distinção de raça, cor, classe sociais e gênero. Visualizamos essa afirmação nas falas dos entrevistados a seguir: Tenho atualmente quarenta e seis anos de idade e me considero uma pessoa branca. Cursei até a sétima série completa e sempre trabalhei a vida inteira como vendedor autônomo no ramo de calçados adulto e infantil. Minha renda mensal aproximada era de mil e trezentos reais. Eu morava em casa própria, mas ultimamente não, pois já tinha perdido tudo (Entrevistado 01). Eu tenho trinta e quatro anos, me considero uma pessoa de cor parda, estou estudando aqui e concluindo meu terceiro ano do ensino médio, eu já trabalhei na área de telecomunicações e antes de vir para o Desafio eu estava usando drogas, mas trabalhava para não ficar parado e ter como comprar a droga. [...] Minha renda inicialmente era muito baixa, em torno de 80 trezentos reais, mas ultimamente eu participava de uma associação fora do Brasil que eu vivia muito bem, eu tinha tudo, roupas de marca, comida, carro, enfim tudo e ainda recebia uma ajuda de custo para gastos pessoais (Entrevistado 04). Conforme o que já nos disse Mota (2009), um dependente químico é que um indivíduo que consome drogas sem condições de estabelecer um controle e que independente da frequência deste uso desencadeiam-se problemas em todos os aspectos de sua vida, seja no âmbito das relações sociais, familiares ou até mesmo amorosas. Sobre esse contexto ressaltamos o que nos disse dois entrevistados: Minha relação com minha esposa e minhas filhas nunca foi boa, tinha problemas constantes, pois era difícil eu aparecer em casa, eu não gostava do meu lar não. Eu não deixava faltar nada em casa, mas não tinha o prazer de estar lá era só vontade de estar no mundo. Ao meu ver eu achava que era uma grande coisa que estava fazendo, mas deixa que eu estava fazendo meus familiares sofrer e eu pensando que estava feliz, ai quando eu vim perceber já foi tarde, pois pra mim conseguir sair foi preciso pedir ajuda (Entrevistado 01). Eu sou uma pessoa dependente da minha família e nunca levei nada a sério motivado pelas drogas, eu nunca consegui concluir nada na minha vida, nunca consegui passar muito tempo no emprego, o máximo que eu consegui foi passar um ano em um emprego lá no Rio de Janeiro, que eu morei oito anos lá, mais sempre usando, pois eu nunca deixei de usar. Eu nunca consegui ter nada na minha vida porque eu não conseguia fazer planos e cumprir (Entrevistado 05). Desse modo, percebemos que a relação estabelecida com a droga passa a interferir na vida pessoal dos sujeitos que dela se utilizam, de maneira negativa e comprometedora no âmbito de suas inter-relações, criando uma falsa ideia que a droga lhe traz alegria. Os dados que obtivemos com as entrevistas em relação ao perfil social dos residentes revelaram que a idade entre os entrevistados variava de trinta e quatro à cinquenta e dois anos; em relação a escolaridade dois tinham completado o ensino fundamental e os quatro restantes havia parado de estudar, mas estavam cursando o supletivo na instituição; sobre a profissão foram relatadas diversas especialidades, como: vendedor autônomo, pintor, bombeiro, artesão, fazendeiro, operador de telemarketing, mas já não estavam trabalhando antes mesmo de 81 iniciarem o tratamento devido o uso de drogas ter comprometido essa relação profissional; como lazer afirmaram em unanimidade que usar drogas era a única forma de se divertir; já em termos de renda mensal, variava entre um e dois salários mínimos, afirmando todos que nunca receberam nenhum tipo de benefício do Governo; o estado civil de todos era solteiro, mas dois deles mantinham uma relação de proximidade com antigas companheiras; e por fim dois tinham três filhos, outro tinha um filho, um tinha seis filhos e os dois restantes não tinham filhos. Disponíveis na tabela a seguir: Tabela 01 - Principais dados referentes ao perfil social dos entrevistados na pesquisa Idade Entrevistado 46 01 anos Entrevistado 34 02 anos Entrevistado 46 03 anos Entrevistado 34 04 anos Entrevistado 42 05 anos Entrevistado 56 06 anos Escolaridade E.F.I Profissão Vendedor Usar Autônomo Drogas E.F.I Artesão E.F.C Pintor E.M.I E.F.I E.F.I Lazer Usar Drogas Usar Drogas Renda Est. Civil Filhos R$1.300,00 Solteiro 06 R$1.200,00 Solteiro 0 R$1.200,00 Solteiro 03 R$ 300,00 Solteiro 0 Solteiro 02 Solteiro 03 Operador de Usar Telemarketing Drogas Bombeiro Usar +/- Hidráulico Drogas R$1.200,00 Fazendeiro Beber +/R$680,00 Ainda sobre os dados do perfil social dos sujeitos da pesquisa, identificamos que em relação à etnia, os mesmos se consideravam de maneira específica, logo os entrevistados 01 e 05 se reconhecem como pessoas brancas, os entrevistados 02 e 04 como pardos e os entrevistados 03 e 06 como pessoas morenas. Outro dado pertinente a nossa discussão foi identificar que os entrevistados 02 e 05 só tinham pai vivo, já os entrevistados 03 e 06 só a mãe era viva, o entrevistado 04 já não tinha nenhum de seus pais vivos e o entrevistado 01 tinha os dois em vida. 82 Com isso a repercussão da dependência química na vida de cada sujeito específico é encarada de maneira diferenciada, assim como o acesso a rede de atenção aos usuários de álcool e outras drogas. A doença pode ser considerada a mesma, mas os condicionantes e as consequências desenvolvidas devem ser tratados de maneira específica em cada caso, buscando alternativas para fortalecer o que foi fragilizado, perdido em cada situação ou mesmo o que nunca se teve enquanto sujeitos sociais portadores de direitos. É então nesse contexto que se apresenta a relevância da atuação do assistente social na presente temática, pois este é, conforme Pontes (1995), um profissional capacitado a intervir nas demandas que a ele se apresentem por meio de sua dimensão investigativa, possibilitando articular a esfera da singularidade, da particularidade e da universalidade dos fatos apresentados ultrapassando por conseguinte a imediaticidade dos fenômenos. Cabe nos aqui remetermos novamente ao que afirma Cruz (2006) identificando que entre todas as formas de adoecimento do homem, talvez nenhuma, jamais, seja tão complexa ao ponto de envolver todos os aspectos pertinentes à vida dos indivíduos que usam drogas. Na análise das entrevistas podemos observar em todos os casos, no período em que antecedeu o uso de drogas, os sujeitos moravam com algum familiar. Em dois casos relataram não manter um bom convívio familiar, mas a predominância foi de um bom relacionamento. A maioria já trabalhava e alguns só estudavam. Percebemos ainda que quando se questionava sobre o lazer antes das drogas todos relataram o período de infância tendo como diversão brincadeiras como: jogar bola, caçar, pescar. Verificamos ainda que somente em dois casos os familiares conversaram com seus parentes sobre as drogas antes destes iniciarem o uso. 83 Tabela 02 - Período inicial do uso de drogas e primeira droga de consumo SUJEITOS Entrevistado 01 Entrevistado 02 Entrevistado 03 Entrevistado 04 Entrevistado 05 Entrevistado 06 IDADE QUE USOU DROGA A PRIMEIRA DROGA PRIMEIRA VEZ CONSUMIDA 15 anos Aranha 14 anos Álcool 16 anos Álcool 12 anos Ripinol 12 anos Maconha 14 anos Álcool e Cigarro Percebemos diante desses dados, que os sujeitos entrevistados iniciaram o uso de drogas muito precocemente, na fase de adolescência, e que não se mostram drogas que comumente a sociedade caracteriza como “perigosas”, como no caso do crack e da cocaína, mas mesmo assim se tornaram dependentes químicos. O uso de drogas acarreta para a vida dos sujeitos, segundo o pensamento de Mota (2009), danos diversos que vão desde as relações familiares até mesmo às questões individuais, podemos confirmar isso em nossas entrevistas, pois diante da fala dos sujeitos estabeleceu-se um consenso em relação à mudança ocorrida após o uso de drogas referente ao lazer, pois este passou a inexistir e as relações de proximidade com a família e os amigos ficaram fragilizadas e em alguns casos foram rompidas. Visualizamos nas falas a seguir essa discussão: Perdi muita coisa boa da minha vida, mas aquilo lá era ilusão e eu pensava que era lazer viver da maneira que eu vivia, era sofrer sem estar percebendo, mas com esse tratamento que eu tive aqui aprendi muito principalmente a dar valor à vida, porque a gente é capaz de ser feliz e fazer muita gente feliz sem precisar de droga nenhuma, como eu já fui um dia (Entrevistado 01). 84 Uma das coisas que as drogas me prejudicou muito foi no meu trabalho, eu não tava conseguindo mais trabalhar. Como lazer na verdade eu achava que usar drogas era um lazer, o alcoolismo no começo eu achava uma diversão e depois se tornou uma dependência (Entrevistado 05). Em relação às primeiras drogas consumidas pelos entrevistados obtevese uma unanimidade nas respostas em relação ao álcool no período de adolescência. As drogas consumidas pelos entrevistados na vida, verificou-se uma predominância no consumo do álcool também, mesmo aqueles que já consumiam crack ainda faziam o uso do álcool associado. Os entrevistados utilizaram ainda substâncias como: cola, solvente, lança perfume, maconha, cocaína, crack, comprimidos psicotrópicos. Verificamos essa relação na fala do entrevistado 05: Usei cigarro, mas não gostei muito não, álcool e eu virei um alcóolatra hoje, já usei a maconha e substituí a mesma por cocaína, usei o crack. O ritmo que eu tava ultimamente era assim eu começava o dia bebendo, ai dava vontade de cheirar e eu ficava cheirando até sete horas da noite e depois eu ia fumar pedra. Aí no final de noite eu ia para as favelas e lá era mais droga pedra, pó e maconha, e ficava virando zumbi. Já usei comprimidos e cheirei cola, antes mesmo da maconha (Entrevistado 05). Com isso confirmamos o que nos disse Nicrastri (2013) “o álcool é sem dúvida a droga psicotrópica de uso e abuso mais amplamente disseminada em grande número”, pois com a análise da realidade pesquisada percebemos que o álcool, mesmo que em pequenas quantidades, é consumido por todos aqueles sujeitos em processo de residência terapêutica do Desafio Jovem do Ceará. A busca pela droga sofreu alterações como vimos no início desse estudo, diante de mudanças ocorridas na realidade social, que é histórica e dinâmica e que compreende o ambiente em que os sujeitos pesquisados estão inseridos, logo os motivos que condicionam essa busca também se modificaram e revelaram na análise das entrevistas que o uso de drogas hoje na sociedade em que vivemos está muito mais atrelado a questões da vida cotidiana do que de questões religiosas e/ou ritualística que eram pertinentes. Referente a esse assunto o entrevistado 04 nos diz que: 85 Um motivo específico para usar drogas eu não posso dizer conscientemente que teve, eu acredito que o ambiente que eu vivia facilitou, então eu tinha um amigo que tinha um irmão que chegou de São Paulo e me chamou para fumar junto com ele e da primeira vez eu não quis, da segunda vez eu aceitei, mas não senti nada, não senti nenhum efeito mesmo até porque eu não sabia nem fumar, depois fumei de novo e senti o efeito ai pronto gostei e comecei a usar direto, hoje eu vejo dessa maneira, mas na época eu não pensava assim (Entrevistado 04). A realidade da qual fazemos parte sofreu alterações consideráveis no decorrer de sua formação, mas como nos disse Duarte e Morihisa (2013) o homem sempre se relacionou com as drogas, seja por justificativas diversas, mas essa proximidade com substâncias que alterassem o nível de consciência dos indivíduos que delas faziam o uso sempre existiu na realidade brasileira. Nos momentos em que realizamos a observação podemos perceber que os familiares não sabiam ou pouco sabiam sobre os motivos que levaram seus parentes a usar drogas e também não sabiam o período exato de inicio desse uso, mas revelou-se nas entrevistas que em alguns casos a busca pelo consumo de drogas foi influenciada no próprio seio familiar, ou que foi estimulada pelo um sofrimento vivenciado diante de um processo de desconstrução familiar. Em outros casos também se evidenciou a busca pela liberdade ou pelo desconhecido e até mesmo o próprio ambiente em que estavam inseridos, como fatores condicionantes. Eu perdi meu pai quando tinha treze anos de idade e considero que contribuiu de certa forma para meu uso de drogas, porque assim minha mãe não bebia, mas quando meu pai faleceu ela começou a beber e andar em festa e eu era o filho mais velho e tinha que ficar com meus dois irmãos em casa né, aí ficou assim eu comecei com isso a ter mais liberdade, eu saía, dava uma volta. Aí tinha um terreno lá perto da minha casa que a gente jogava bola e o pessoal da casa lá no final de semana fazia uma festinha, aí tinha bebida e eu com quatorze anos tomei meu primeiro porre e quando cheguei em casa levei uma pisa né que é natural, mas aí como ela estava fazendo aquilo ali eu achava que poderia fazer também (Entrevistado 02). Existem alguns fatores que contribuíram para que eu usasse drogas, mas que não me tiram a responsabilidade, mas quando uma pessoa é criada com uma base de pai e mãe eu creio que a probabilidade de usar drogas é menor, porque assim quando a gente é criança nossa mente precisa ser formada, e sei que os pais são essenciais para a vida social da criança, e sem essa base a mente da pessoa pode vir a ser preenchida com outras coisas como as drogas (Entrevistado 04). 86 Dessa forma confirmamos o que nos disse Schenker e Minayo (2004) quando afirma que a família pode ser considerada dentro do contexto de desenvolvimento da dependência química como um fator de risco ou de proteção. O período em que os familiares tomaram conhecimento da dependência química de seus parentes variou conforme a substância que utilizavam, revelandose um intervalo de dez à vinte anos quanto tratava-se do consumo de álcool e um intervalo de um à três anos em relação as outras drogas, principalmente ao crack. Em todas as entrevistas foi identificado que os sujeitos inicialmente tentaram esconder de seus familiares que estavam usando drogas abusivamente, como percebemos nas seguintes falas: Naquele tempo eles se preocuparam muito e passaram a ter muita desconfiança em relação a minha bebida. Tentei esconder por vergonha, pois tinha consciência que estava me prejudicando e a eles também se soubessem. Foi só quando eu me internei no ano de 1992 que meus familiares ficaram sabendo e então me ofereceram ajuda e eu logo aceitei (Entrevistado 06). Não durou muito tempo para os meus familiares saberem que eu estava usando drogas, porque eu passei a consumir cola e na época eu era ainda criança e chegava em casa com aquele cheiro, um cheiro forte, o ripinol eu cheirava e chegava em casa e apagava. Minha avó me perguntou e eu neguei, porque eu sabia que era errado, eu tinha medo da reação deles e eu sabia que ela tinha problemas de coração. [...] Depois de algum tempo minha tia chegou a me oferecer ajuda, nesse período eu já estava na casa da minha mãe, só depois de cinco anos que recebi esse tipo de ajuda, mas aceitei (Entrevistado 04). Mas precisamos também lembrar aqui que a família não deve ser responsabilizada isoladamente diante do desenrolar da doença, cabe levar em consideração o contexto que esta família encontra-se inserida. Diante das contribuições de Bucher já citadas ele ainda nos diz que: [...] o consumo de drogas faz parte do contexto global da subnutrição, do desemprego, da falta de infra-estrutura sanitária e habitacional que, no Brasil como em outros países do „terceiro mundo‟, mergulham amplas faixas da população na miséria. Ele não pode ser considerado como um fator isolado, tampouco que os „menores de rua‟ possam ser abordados como simples usuários de cola de sapateiro: eles não são meras „vítimas da droga‟, mas agentes que tentam – às vezes desastradamente- participar de 87 um processo de socialização, apesar de quase tudo contribuir para excluílos, em particular a violência do seu „habitat natural‟, a rua (1992, p. 30). Com isso não foi difícil observarmos e constatarmos na pesquisa que a repercussão do sistema capitalista para a vida individual e coletiva das pessoas contribui para o desenvolvimento da dependência química atrelada a outras questões como exclusão social e perda dos vínculos familiares. Teixeira reforça nosso pensamento quando afirma que: A forte desigualdade social que sustenta o sistema capitalista, a competitividade, a sociedade individual à qual se faz apologia, a violência,a sociedade de consumo, que vê o indivíduo, acima de tudo, como um consumidor em potencial, antes mesmo de vê-lo como um ser humano, bem como o forte exército de reserva de trabalhadores criado pelas decisões neoliberais que foram implementadas no mundo inteiro, com efeitos nefastos principalmente na América Latina, no final da década de 1970, 1980, 1990, são fatores responsáveis pelo aumento assustador de uso de drogas no mundo inteiro (TEIXEIRA, p. 39, 2009). Em relação ao tratamento em apenas um caso era a primeira tentativa de tratar-se da dependência química, nos demais todos já teriam vivenciado modalidades diferenciadas de tratamento, desde grupos de ajuda mútua a tratamentos em regime de residência terapêutica. E demonstraram ainda que a decisão de se direcionar ao DJC foi própria a partir do momento que identificaram perdas, tanto no nível profissional, quanto familiar e social. Os sujeitos pesquisados revelaram ainda a existência de uma grande falta de conhecimento da doença por seus familiares, mostrando ai a precariedade na falta de informação acerca do assunto. Mesmo diante do grande contingente de sujeitos usuários de drogas, revelado pela pesquisa da Fiocruz (2013) que já sinalizamos, as pessoas estão sem instrução a respeito das questões que rodeiam a doença e acabam em alguns casos não tento orientações necessárias para lhe dar com um dependente químico no âmbito de sua reinserção social. Verificamos nos depoimentos a seguir: Minha família prejudicar não prejudicou, mas minha família não tem conhecimento total da minha doença, eles acham que é só eu querer e me 88 forçar alguma coisa e me por regras demais. Eu estou me dando muito bem com minha irmã e ela já entende que eu quero mudar. Eu falei pra ela que meu medo não é agora não é quando eu tiver a total liberdade, quando eu tiver lá fora, no primeiro mês não mais depois como eu vou controlar minha vida (Entrevistado 05). Meus familiares nunca imaginavam que isso poderia chegar dentro de nossa casa, por elas serem pessoas do interior então eles não tiveram noção do tamanho do problema, ouvia falar mais não imaginavam, com isso eu não lembro de ninguém chegar para falar comigo sobre drogas, nem mesmo na escola (Entrevistado 04). A partir da análise das entrevistas e da observação realizada, a atividade de inclusão da instituição familiar no processo de tratamento da dependência química realizada no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba destaca-se como um ponto positivo no tratamento, diante da percepção dos sujeitos envolvidos neste processo, embora existam pessoas que sentem falta do acompanhamento mais frequente das pessoas que consideram família. Considero o meu acompanhamento familiar um pouco crítico, mas eu entendo que a relação com minha família vai levar um tempo para se fortalecer, porque estou há dezenove anos sem a família, mas não posso culpa-los. Eu creio que essa relação só vai ser melhorada quando eu sair daqui e estiver trabalhando e for visita-los sem estar drogado, acho muito importante retomar essa relação. Preciso adquirir equilíbrio e estabilidade como ser humano. O maior inimigo meu sou eu mesmo, não culpo a minha família, eu tenho conhecimento da minha pessoa e sei que se passar por um vazio vou procurar me preencher com as drogas (Entrevistado 04). Desse modo, podemos visualizar nas falas o que nos disse Pratta (2009) sobre a busca de drogas, no sentido em que o homem pode adentrar nesse mundo para solucionar conflitos e com isso preencher um vazio, pois quando o entrevistado 04 nos diz que se passar por um vazio irá procurar novamente as drogas ele afirma que em outros momentos seu uso esteve condicionado a este motivo. O acompanhamento familiar visto assim apareceu como um suporte qualitativo ao tratamento, em que os sujeitos mostravam-se satisfeitos com a preocupação de seus familiares e com a presença frequente dos mesmos, mas conscientes também de suas responsabilidades com o processo de tratamento. 89 A dinâmica da instituição, como já foi dito, também favorecia para a execução deste acompanhamento, pois rotineiramente os familiares são convidados a participarem de atividades designadas a eles e algumas vezes junto com seus parentes que estão em tratamento. Devido termos participado de momentos como estes pudemos observar a satisfação de alguns dos sujeitos em tratamento, de estarem em contato com seus parentes e de vê-los empenhados em ajudar na recuperação deles, e observar também o sofrimento de outros por não poder contar com essa relação, como se verifica respectivamente nas falas a seguir: A minha família está e sempre esteve me apoiando, eles e nem eu nunca perdemos a esperança. Sempre estou em contato com minha família, acho que isso é uma grande ajuda, mas mesmo com o apoio deles também tenho que ter força de vontade, sem o apoio deles seria tudo mais difícil. (Entrevistado 06). A gente sente sim a falta da família, de uma tia minha vir me ver, mas é bom também que isso aconteça porque você vai logo se acostumando a controlar o lado emocional e se responsabilizando pelo seu tratamento (Entrevistado 04). A relevância atribuída à família pelos sujeitos entrevistados perpassa a esfera do ambiente institucional de tratamento, ou seja, os sujeitos em suas perspectivas futuras, que também foram analisadas nas entrevistas, comumente citavam a questão de voltar e/ou continuar a manter uma boa relação com a família, revelando-se também em muitos casos o reconhecimento do sofrimento vivenciado pela família no período de uso de drogas e o desejo de não mais contribuírem para este. Sobre esta questão, identificam-se as seguintes falas: Eu estou me dando muito bem com minha irmã e ela já entende que eu quero mudar. Minha irmã lutou contra tudo e contra todos por mim e a filha dela sempre dizendo que eu não queria nada, que deixasse eu morrer, aí eu não vou decepcionar ela nem colocá-la em maus lençóis, claro que primeiramente eu, mas não quero ver mais ela sofrer.Tem outra irmã minha que sempre tive diferenças com ela e preferi que a minha irmã que me acompanha não convidasse ela para vir, pois eu quero que ela venha de vontade própria, porque eu reconheço que eu feri muito ela e quando sair eu converso com ela e até peço desculpas (Entrevistado 05). 90 Percebo que causei sofrimento para minha família. Minhas filhas não gostavam que eu bebesse, eu evitava pouco andar na casa de minha filha que é casada. Pretendo mudar meu lazer, andar em locais que não haja bebidas, procurar ir ao cinema, ir à igreja (Entrevistado 03). Verificamos então na prática uma grande semelhança, na mudança dos sujeitos entrevistados, com o pensamento de Guimarães e Aleluia (2012) que discorrem sobre a eficácia no tratamento quando o estilo de vida do usuário e de sua família se modifica e quando os conflitos familiares são reconhecidos e passíveis de resolução. Assim quando o entrevistado 03 afirma que irá mudar suas formas de lazer em função de sua recuperação, ele passa a adotar um novo estilo de vida. A família sempre que citada nas entrevistas foi considerada importante mesmo para aqueles que a não tinham frequentemente presente. O fato de reconhecer o sofrimento que causaram para a família e a possibilidade de voltarem a construir planos e mudanças no estilo de vida retratam como a unidade familiar significa algo importante para esse processo de recuperação. Verificou também, por meio da experiência institucional, que existe uma grande dificuldade em relação à articulação com a rede de serviços aos usuários de álcool e outras drogas, ou seja, o que existem muitas vezes são encaminhamentos sem acompanhamento cumulativo de cada caso, de fato não existe um trabalho efetivado em rede, o que acaba por dificultar o processo de reinserção social dos sujeitos. Portanto a análise realizada em torno da percepção dos sujeitos que participam do processo de tratamento interno no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba, revela que a abordagem familiar deve ser incorporada nas diversas modalidades de tratamento, tendo em vista a contribuição positiva de estímulo e autonomia que gera para aqueles que estão inseridos nesse contexto. Salientamos por fim que o contato com a instituição e com os profissionais que lá atuam por meio da observação de campo e de diálogos informais nos possibilitou uma riqueza de ideias e conhecimentos, contribuindo de maneira qualitativa para a construção desse estudo. Dessa forma podemos afirmar ainda que o tratamento oferecido pela instituição é visto pelos usuários de maneira positiva e transformadora da realidade 91 de cada um, tendo um significado social de ampla abrangência, pois executam serviços articulados em diferentes áreas da vida dos sujeitos acometidos pela dependência química. 92 CONSIDERAÇÕES FINAIS Por todas as discussões que aqui realizamos e pelas conclusões baseadas nas falas dos sujeitos que contribuíram com nossa pesquisa, torna-se relevante reafirmarmos que a dependência química é uma doença que ultrapassa o aspecto físico e/ou clínico do indivíduo, agravando problemas em outros níveis da vida individual e em sociedade, seja nas relações pessoais, familiares ou mesmo nas relações de trabalho. Visto assim a complexidade desta temática é enorme e demonstra a necessidade de realização de frequentes estudos sobre o assunto, frente a crescente demanda usuária de drogas, identificada nas pesquisas abordadas no interior deste estudo. Dentro de nosso estudo podemos concluir que a dependência química não tem condicionantes exclusivos, mas se identificaram os principais motivos na fala dos sujeitos pesquisados, como por exemplo, a dinâmica familiar que foi colocada como um fator que pode influenciar no inicio do uso de drogas. Enfatizamos, desse modo, a relevância de nosso estudo aos profissionais da área e afins, como também para todos aqueles que estão inseridos nas universidades, locais de ensino, pesquisa e extensão, tendo em vista que é uma realidade que se apresenta rotineiramente à sociedade brasileira. A pesquisa também revela grande significado para o assistente social, que comumente está inserido nas equipes multidisciplinares para tratar da demanda usuária e dependente de drogas, como no caso da instituição pesquisada. Assim como sabemos que essa demanda se apresenta nos diversos espaços sócio ocupacionais deste profissional e com isso a sua aproximação com essa temática, mesmo que minimamente, passa contemporaneamente ser inerente a prática profissional. O assistente social como sabemos é um profissional de formação generalista, que tem sua prática pautada em três esferas articuladas do conhecimento, qual sejam elas a dimensão teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa. Dessa forma, mostra-se capacitado para atuar em qualquer área que se manifestem as expressões da questão social, tendo em vista que essas constituem sua gênese enquanto profissão. Logo salienta-se a importância da 93 pesquisa para este profissional, pois o uso abusivo de drogas se manifesta atualmente como uma dessas refrações da questão social. Assim o presente estudo apresenta uma grande relevância para refletirmos sobre a ampliação da demanda usuária de drogas frente às legislações e políticas em vigor. Voltamos o nosso olhar para o Desafio Jovem do Ceará, que é apenas um dos locais de atendimento dos dependentes químicos, onde tivemos a oportunidade de realização do nosso estudo, dentro de um rico processo de observação e aproximação com os profissionais e com os sujeitos em tratamento, resultando em um valioso processo de coleta de dados que nos possibilitaram alcançar nossos objetivos. A vivência frequente no interior do Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba foi de suma importância para compreendermos como se desenvolve o tratamento da dependência química nesse espaço e como os sujeitos vivenciam esse processo, identificamos, contudo o significado do acompanhamento familiar para aqueles sujeitos em regime de internação como um elemento de fortalecimento e de autoestima na recuperação, bem como de possibilidade para reestabelecer as relações familiares que se mantiveram enfraquecidas no período do uso de drogas. Constatamos ainda, nos momentos de observação, que mesmo diante das leis e políticas priorizarem em seu conteúdo a disseminação de informações sobre drogas ainda existem muitas pessoas que desconhecem essas substâncias, seus efeitos e suas consequências. Concluímos também a existência precária de programas de prevenção ao uso de drogas por parte do Estado, pois nas falas dos entrevistados a maioria nunca tinha ouvido falar sobre drogas, seus efeitos e consequências, senão o álcool e o tabaco que são drogas permissíveis e que geram a falsa noção de não serem prejudiciais ou de não causarem dependências, seja nas escolas ou na própria comunidade. Dessa forma vale ressaltar a importância do trabalho realizado na instituição pesquisada que atua na problemática da dependência química por meio de um programa biopsicossocial, concretizado por grupos temáticos, laborterapias, terapia ocupacional, educação formal, atendimentos individuais com psicólogo e 94 assistente social, educação física e orientação cristã, promovendo uma constante articulação dessas áreas e buscando a recuperação do indivíduo pelo equilíbrio entre as mesmas, envolvendo os familiares no processo de recuperação e facilitando para isso o acesso às informações pertinentes a doença e ao convívio social de seus parentes. Embora a instituição apresente aspectos que necessitam de melhorias, como as condições econômicas que promovam a sustentação própria, a melhoria na estrutura física, a necessidade de um sistema informatizado, os profissionais que lá atuam são comprometidos com a assistência prestada aos usuários, realizando um trabalho cultivado pelo respeito entre os pares e desprovidos de qualquer forma de preconceito, não deixando que essas questões interfiram na efetivação do tratamento. Em relação à discussão sobre o que tratam as lei e políticas sobre drogas não podemos deixar de constatar, diante de nossa análise, um grande avanço no trato dos usuários de álcool e outras drogas, sendo criados equipamentos para atenderem especificamente esses sujeitos pautados em práticas terapêuticas, preservando ainda a utilização medicamentosa em alguns casos. Percebemos também que as novas leis se modernizaram ao que se refere à diferenciação realizada entre usuários e traficantes, estabelecendo diferenças no trato destes. As legislações e políticas sobre drogas dispõem no interior de seus conteúdos sobre as ações integrais que deveriam ser destinadas a demanda usuária de drogas, mas o que percebemos na empiria é a falta de efetivação destas no que tange ao atendimento em rede. Não existe de fato uma articulação entre as políticas de assistência, saúde, habitação, transferindo a responsabilidade do problema das drogas para a sociedade civil, que já é portadora desses direitos positivados em lei, e que assim acabam por ficar a mercê da privatização dos serviços de do terceiro setor. O que nos remete com essa avaliação é a perda de direitos já legitimados que a população vivencia, em que o sistema capitalista vem garantindo a desregulamentação estatal e a transferência de responsabilidades que lhes dizem respeito para a esfera privada, com fins lucrativos, e filantrópica. 95 A efetivação da rede integrada de atenção aos usuários de álcool e outras drogas emergem como necessária diariamente, pois cada vez mais o número de consumidores de crack e similares vêm aumentando, como bem foi mencionado pela pesquisa da Fiocruz (2013), revelando que os motivos levados em consideração na busca pelas drogas também vem se diversificando e apresentando condicionantes sociais de diversos tipos que precisam ser avaliados e levados em consideração na escolha do modelo de tratamento, assim também como compreender as repercussões do uso na vida dos sujeitos. Constatou-se ainda que a dependência química não é uma doença gerada em uma demanda específica, pois na análise das entrevistas podemos observar que existem pessoas com perfis bastante diferenciados uma das outras e que mesmo assim se encontram na mesma condição, originada pela doença, mas é válido ressaltar ainda que para algumas existiram motivos peculiares para adentrarem ao mundo das drogas, logo podemos concluir que todos nós podemos ser acometidos pela dependência química, mas existem fatores de risco que facilitam o acesso as drogas e também fatores de proteção, como o caso da instituição familiar que aqui estudamos. Ficou bastante evidenciado em nosso estudo que o acompanhamento familiar é certamente importante para ser inserido no tratamento da dependência química tanto por parte dos autores que ressaltamos, os quais acreditam serem gerados melhores resultados quando a família é inserida no tratamento, como principalmente pelo nossos sujeitos da pesquisa, ou seja, pelos residentes do DJC, que confirmaram uma melhor fluidez no tratamento diante do acompanhamento familiar, devido este ter sido por muito tempo abandonado e/ou enfraquecido frente ao uso de drogas. Assim, com restabelecimento das relações familiares os mesmos acreditam criar forças para se comprometerem com o tratamento e se manterem bem no decorrer do processo de recuperação da dependência química. Enxergamos ainda uma forte relação de proximidade das famílias com o tratamento de seus parentes, e um envolvimento quase total das mesmas nas atividades propostas, vivenciando a realidade de tratamento da melhor forma possível, buscando conhecimentos e orientações sobre a doença. 96 Por fim, afirmamos que o estudo nos possibilitou alcançarmos nossos objetivos, e esperamos que os resultados desta pesquisa possam oferecer subsídios que contribuam na melhor compreensão e análise da importância de inserir a família nos modelos de tratamento destinado a recuperação e a reinserção social de dependentes químicos. Concluímos nosso trabalho afirmando que a dependência química é uma doença multifatorial e por isso perpassa todas as esferas da vida do homem em sociedade e o tratamento adequado para ela é aquele que melhor se encaixe no perfil do indivíduo acometido pela doença, pois é preciso levar em consideração as especificidades de cada caso e relacioná-las com a totalidade, mas certamente a adesão da família como pilar a ser incluído no tratamento traz resultados positivos, proporcionando assim o empoderamento dos sujeitos, pois confirmamos sob a ótica dos residentes, que vivenciam o processo de tratamento, no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba. 97 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARATANGY, Lidia Rosenberg. Doces venenos: conversas e desconversas sobre drogas. São Paulo: Olho d‟Água, 2011. BEHRING, Elaine Rosseti. BOSCHETI, Ivanete. Política social: fundamentos e história. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007. BRAZ, Marcelo. NETTO, José Paulo. Economia política: uma introdução crítica. 5. ed. 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Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12546.htm>Acesso em: 05 ago. 2013. 103 _____.Lei n° 9.294, de 15 de julho de 1996. Dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4º do art. 220 da Constituição Federal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 julho 1996. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9294.htm> Acesso em: 05 ago. 2013. _____. Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9782.htm> Acesso em: 05 set. 2013. _____. Medida provisória 2.190-34 de 23 de agosto de 2001. Brasília, 2001. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2190-34.htm>Acesso em: 05 ago. 2013. _____. Ministério da Justiça. Cartilha crack, é possível vencer. Enfrentar o crack. Compromisso de todos. Brasília: MJ, 2013. Disponível em: <http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/biblioteca/documentos/Publicacoes/cartil has/329302.pdf> Acesso em: 05 set. 2013. _____. Ministério da Saúde Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. _____. Ministério da Saúde. Portaria nº 344 de 12 de maio de 1998. Aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. Disponível em:<http://www.anvisa.gov.br/Portaria_344_98.pdf> Acesso em: 09 set. 2013. _____. Ministério da Saúde. Resolução nº 29, de 30 de junho de 2011. Dispõe sobre os requisitos de segurança sanitária para o funcionamento de instituições que prestem serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas. Disponível em:<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2011> Acesso em: 07 set. 2013. 104 _____. Política Nacional sobre drogas. Brasília, 2005.Disponível em: <http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/biblioteca/documentos/Legislacao/3269 79.pdf> Acesso em: 03 set. 2013. _____. Política Nacional sobre o álcool. Brasília, 2007. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Decreto_6117_20070522.pdf> Acesso em: 03 set. 2013. _____. Senado Federal. Secretaria Especial de Informática. Constituição da República Federativa do Brasil. Texto promulgado em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/legislacao> Acesso em: 02 set. 2013. Endereços eletrônicos acessados: http://www.na.org.br http://www.aa.org.br http://www.obid.senad.gov.br http://www.alcoolicosanonimos.org.br http://www.paho.org/bra http://portalsaude.saude.gov.br http://www.febract.org.br http://www.cfess.org.br 105 APÊNDICES 106 CARTA DE APRESENTAÇÃO DO PROJETO AO DESAFIO JOVEM DO CEARÁ Fortaleza, _____ de __________de 2013. Coordenador (a) do Desafio Jovem do Ceará Estamos encaminhando ao Desafio Jovem do Ceará o protocolo exigido para aprovação do projeto de pesquisa: O acompanhamento familiar ao processo de tratamento da dependência química, sob a ótica dos residentes, no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba. Os pesquisadores envolvidos são: Verbena Paula Sandy (Responsável) e Ilana Portela Cardoso (participante). Este trabalho é pré-requisito para conclusão do curso de graduação em Serviço Social, da Faculdade Cearense, que está sob coordenação da assistente social Eliane Nunes de Carvalhos. Esta pesquisa tem por objetivo compreender a visão dos sujeitos que faziam uso e/ou abuso de substâncias psicoativas, tratados no programa de acompanhamento terapêutico do Desafio Jovem do Ceará, sobre a importância da família para o processo de recuperação. Nesse sentido, temos por objetivos específicos identificar o perfil sócio – econômico dos participantes da pesquisa, verificar como eram estabelecidas as relações sociais dos sujeitos com a família no período anterior ao tratamento, analisar o contexto familiar e as dificuldades de convivência com a realidade de tratamento. Ratificamos, enquanto pesquisadores, nossa responsabilidade acerca das informações teórico-metodológicas, expressas nos documentos apresentados. Estamos cientes do que nos compete quanto ao objetivo e resultados da pesquisa. Portanto, solicitamos o parecer e o certificado de aprovação junto à coordenação da instituição. _________________________________________ Ilana Portela Cardoso Eu, ________________________________________, orientador (a), declaro estar ciente do projeto de pesquisa supracitado, me comprometendo a orientar a pesquisadora acima. 107 TERMO DE COMPROMISSO PARA UTILIZAÇÃO DE DADOS DE PRONTUÁRIOS Os pesquisadores do projeto de pesquisa: O acompanhamento familiar ao processo de tratamento da dependência química, sob a ótica dos residentes, no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba, se comprometem a preservar a privacidade dos sujeitos cujos dados serão coletados em prontuários, bases de dados da (o) Desafio Jovem do Ceará, especificamente no setor do Serviço Social. Concordam, e assumem a responsabilidade, de que estas informações serão utilizadas única e exclusivamente para execução do presente projeto. Comprometem-se ainda a fazer divulgação das informações coletadas somente de forma anônima. Fortaleza, _____ de __________de_____. ___________________________________________ Verbena Paula Sandy ___________________________________________ Ilana Portela Cardoso 108 DECLARAÇÃO DE FIEL DEPOSITÁRIO SETOR DE ARQUIVO DO SERVIÇO SOCIAL DO DESAFIO JOVEM DO CEARÁ DR. SILAS MUNGUBA Eu, Natália de Castro Fialho, Assistente Social, fiel depositário dos documentos dos usuários residentes no (a) Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba, autorizo Verbena Paula Sandy e Ilana Portela Cardoso a colher dados dos prontuários para fins de seu estudo: O acompanhamento familiar ao processo de tratamento da dependência química, sob a ótica dos residentes, no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba. Fortaleza, _____ de ___________de_____. _______________________________________________ Assistente Social CRESS: ________ 109 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (OBSERVAÇÃO E ENTREVISTA) Convidamos o (a) Senhor (a) para participar da pesquisa “O acompanhamento familiar ao processo de tratamento da dependência química, sob a ótica dos residentes, no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba.”, sob execução dos (as) pesquisadores (as) Verbena Paula Sandy (responsável) e Ilana Portela Cardoso (participante), a qual pretende compreender a visão dos sujeitos que faziam uso e/ou abuso de drogas, tratados no programa de acompanhamento terapêutico do Desafio Jovem do Ceará, sobre a importância da família para o processo de recuperação. Sua participação é voluntária e se dará por meio de observação e entrevista realizadas pesquisadores, sobre a relação estabelecida com os familiares que acompanham cotidianamente o tratamento desenvolvido em regime de internamento no Desafio Jovem do Ceará. A finalidade desses procedimentos é analisar como se desenvolvem ao longo do processo de tratamento a relação dos internos com seus familiares que acompanham a evolução de sua recuperação, logo serão realizadas no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba. Não há riscos decorrentes da sua participação e o Sr. possui a liberdade de retirar sua permissão a qualquer momento, seja antes ou depois da coleta dos dados, independente do motivo e sem nenhum prejuízo ao seu atendimento na instituição. É válido esclarecer que será resguardo o sigilo quanto aos participantes observados e entrevistados. Se você aceitar participar, estará contribuindo para a reflexão voltada a melhoria nos serviços prestados por esta instituição e nos serviços diversos destinados ao público que é trabalhado nesse estudo. Proporcionará assim também uma possibilidade de despertar nos profissionais, que na instituição atuam, métodos de intervenção na questão de fortalecimento dos vínculos familiares e sociais que por diversos motivos mantiveram-se enfraquecidos em face ao problema da dependência química. Não há despesas pessoais para o(a) participante em qualquer fase do estudo. Também não há compensação financeira relacionada à sua participação. Em qualquer etapa do estudo, poderá contatar os pesquisadores para o esclarecimento de dúvidas ou para retirar o consentimento de utilização dos dados coletados com a entrevista: Verbena Paula Sandy, fone: (85) 3052.7230 e Ilana Portela Cardoso, pelo fone: (85) 8774.9324. 110 Consentimento Pós–Informação Eu,___________________________________________________________, fui informado sobre o que o pesquisador quer fazer e porque precisa da minha colaboração, e entendi a explicação. Por isso, eu concordo em participar do projeto, sabendo que não vou ganhar nada e que posso sair quando quiser. Este documento é emitido em duas vias que serão ambas assinadas por mim e pelo pesquisador, ficando uma via com cada um de nós. __________________________________ Assinatura do Participante ____________________________________ Assinatura do Pesquisador Data: ___/ ____/___ 111 Pesquisa de TCC: “O acompanhamento familiar ao processo de tratamento da dependência química, sob a ótica dos residentes, no Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba”. Pesquisadores: Ilana Portela Cardoso; Verbena Paula Sandy (Orientadora). ROTEIRO DE ENTREVISTA Entrevista nº________Data:_____/_____/_____Duração:__________Gravação_______ 1. DADOS DO PERFILSÓCIO - ECONÔMICO a) Idade:________ b) Etnia: ( ) Branca ( ) Negra ( ) Parda ( ) Amarela ( ) Mestiça c) Escolaridade:_______________________ d) Profissão:__________________________ e) Trabalha? ( ) Sim ( ) Não. Caso afirmativo, trabalha com o que?_________________________________ f) Quais são suas formas de lazer?_______________________________ g) Renda mensal aproximadamente? R$________________Recebe algum tipo de benefício do governo? Qual?________________________________ h) Estado civil: ( ) Solteiro ( ) Casado ( ) União Estável ( ) Divorciado ( ) Namorando i)Você tem filhos (as) ? ( ) Sim, quantos?____________( ) Não j) Seus pais são vivos? ( ) Sim ( ) Não ( ) Só pai ( ) Só mãe. 2. DAS RELAÇÕES FAMILIARES ANTES DO USO DE DROGAS a) Com quem residia? b) Como você se relacionava com essas pessoas? 112 c) Trabalhava? Sim ( ) Com o que? _________________ Não ( ) Estudava? Sim ( ) Não ( ) d) O que fazia nos momentos de lazer? e) Você tem irmãos? Sim ( ) Quantos?________Não ( ) f) Alguém na sua família faz ou já fez uso de alguma droga? Sim ( ) Qual seu grau de parentesco com essa pessoa e qual droga ela consumida ? ________________________________________Não ( ) g) Caso afirmativo como era sua relação com essa pessoa? h) A família que você citou em algum momento conversou com você sobre drogas? E você já tinha o conhecimento do que era droga e das suas consequências? 3. DO PERÍODO EM USO DE DROGAS E DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR ANTES DO TRATAMENTO a) Qual foi a primeira droga que teve contato? b) Que idade você tinha? ___________ c) Lazer:__________________________________ d) Existiu algum fato/momento específico que você considera ter sido essencial para que tivesse lhe levado procurar as drogas? e) Com quem residia nesse período? f) Como e quanto tempo depois seus familiares ficaram sabendo do seu envolvimento com as drogas? Qual a reação deles? g) Houve mudanças nas relações familiares que eram estabelecidas antes do uso de drogas? O que mudou? h) Em algum momento você tentou esconder da sua família que estava usando drogas? Por quê? i) Sua família lhe ofereceu ajuda? Você aceitou? 113 4. DO PERÍODO DE TRATAMENTO E DO RELACIONAMENTO COM A FAMÍLIA a) Quais drogas já fez uso? ( ) Tabaco ( ) Álcool ( ) Maconha ( ) Cocaína ( ) Crack ( ) Outros b) Já passou por outras formas de tratamento e/ou por outras internações para tratar a dependência química? Sim ( ) Quantas e onde? ______________________________________Não ( ) c) Em que momento você decidiu se direcionar ao Desafio Jovem do Ceará Dr. Silas Munguba para tratar-se do uso indevido de drogas? Alguém lhe aconselhou ou foi decisão própria? d) A sua família está lhe apoiando e confiando na sua vontade de se recuperar da dependência química? e) Os seus familiares estão sempre que possível em contato com você ? Sim ( ) Não ( ) . f) Como você considera essa situação? g) Em algum momento sua família prejudicou seu tratamento? Qual? 5. DAS PERSPECTIVAS PARA A VIDA EM FAMILIA APÓS O TRATAMENTO a) O que você pretende mudar em relação a sua convivência familiar? b) O que você quer proporcionar a sua família ao sair do internamento? c) Você pretende trabalhar? Sim ( ) Com o que? ___________________________Não ( ) d) O que pretende mudar em relação a sua vida social? ( Exemplo: lugares que frequentará, amizades, lazer, etc.) 114 ANEXOS 115 Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra. Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo. Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental: I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração; IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas; V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis; VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; 116 VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis; IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental. Art. 3º É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais. Art. 4º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. § 1º O tratamento vis ará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio. § 2º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros. § 3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2º. Art. 5º O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário. Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. 117 Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica: I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário; II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça. Art. 7º A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente, deve assinar, no momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de tratamento. Parágrafo único. O término da internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita do paciente ou por determinação do médico assistente. Art. 8º A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize o estabelecimento. § 1º A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta. § 2º O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento. Art. 9º A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários. 118 Art. 10. Evasão, transferência, acidente, intercorrência clínica grave e falecimento serão comunicados pela direção do estabelecimento de saúde mental aos familiares, ou ao representante legal do paciente, bem como à autoridade sanitária responsável, no prazo máximo de vinte e quatro horas da data da ocorrência. Art. 11. Pesquisas científicas para fins diagnósticos ou terapêuticos não poderão ser realizadas sem o consentimento expresso do paciente, ou de seu representante legal, e sem a devida comunicação aos conselhos profissionais competentes e ao Conselho Nacional de Saúde. Art. 12. O Conselho Nacional de Saúde, no âmbito de sua atuação, criará comissão nacional para acompanhar a implementação desta Lei. Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 6 de abril de 2001; 180º da Independência e 113º da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO 119 LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: TÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes. Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União. Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso. Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas. TÍTULO II DO SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS Art. 3º O Sisnad tem a finalidade de articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com: I - a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social de usuários e dependentes de drogas; II - a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas. 120 CAPÍTULO I DOS PRINCÍPIOS E DOS OBJETIVOS DO SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS Art. 4º São princípios do Sisnad: I - o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto à sua autonomia e à sua liberdade; II - o respeito à diversidade e às especificidades populacionais existentes; III - a promoção dos valores éticos, culturais e de cidadania do povo brasileiro, reconhecendo-os como fatores de proteção para o uso indevido de drogas e outros comportamentos correlacionados; IV - a promoção de consensos nacionais, de ampla participação social, para o estabelecimento dos fundamentos e estratégias do Sisnad; V - a promoção da responsabilidade compartilhada entre Estado e Sociedade, reconhecendo a importância da participação social nas atividades do Sisnad; VI - o reconhecimento da intersetorialidade dos fatores correlacionados com o uso indevido de drogas, com a sua produção não autorizada e o seu tráfico ilícito; VII - a integração das estratégias nacionais e internacionais de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão à sua produção não autorizada e ao seu tráfico ilícito; VIII - a articulação com os órgãos do Ministério Público e dos Poderes Legislativo e Judiciário visando à cooperação mútua nas atividades do Sisnad; IX - a adoção de abordagem multidisciplinar que reconheça a interdependência e a natureza complementar das atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas; X - a observância do equilíbrio entre as atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão à sua produção não autorizada e ao seu tráfico ilícito, visando a garantir a estabilidade e o bem-estar social; XI - a observância às orientações e normas emanadas do Conselho Nacional Antidrogas - Conad. Art. 5º O Sisnad tem os seguintes objetivos: I - contribuir para a inclusão social do cidadão, visando a torná-lo menos vulnerável a assumir comportamentos de risco para o uso indevido de drogas, seu tráfico ilícito e outros comportamentos correlacionados; II - promover a construção e a socialização do conhecimento sobre drogas no país; III - promover a integração entre as políticas de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão à sua produção não autorizada e ao tráfico ilícito e as políticas públicas setoriais dos órgãos do Poder Executivo da União, Distrito Federal, Estados e Municípios; 121 IV - assegurar as condições para a coordenação, a integração e a articulação das atividades de que trata o art. 3º desta Lei. CAPÍTULO II DA COMPOSIÇÃO E DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS Art. 6º (VETADO) Art. 7º A organização do Sisnad assegura a orientação central e a execução descentralizada das atividades realizadas em seu âmbito, nas esferas federal, distrital, estadual e municipal e se constitui matéria definida no regulamento desta Lei. Art. 8º (VETADO) CAPÍTULO III (VETADO) Art. 9º (VETADO) Art. 10. (VETADO) Art. 11. (VETADO) Art. 12. (VETADO) Art. 13. (VETADO) Art. 14. (VETADO) CAPÍTULO IV DA COLETA, ANÁLISE E DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕES SOBRE DROGAS Art. 15. (VETADO) Art. 16. As instituições com atuação nas áreas da atenção à saúde e da assistência social que atendam usuários ou dependentes de drogas devem comunicar ao órgão competente do respectivo sistema municipal de saúde os casos atendidos e os óbitos ocorridos, preservando a identidade das pessoas, conforme orientações emanadas da União. Art. 17. Os dados estatísticos nacionais de repressão ao tráfico ilícito de drogas integrarão sistema de informações do Poder Executivo. 122 TÍTULO III DAS ATIVIDADES DE PREVENÇÃO DO USO INDEVIDO, ATENÇÃO E REINSERÇÃO SOCIAL DE USUÁRIOS E DEPENDENTES DE DROGAS CAPÍTULO I DA PREVENÇÃO Art. 18. Constituem atividades de prevenção do uso indevido de drogas, para efeito desta Lei, aquelas direcionadas para a redução dos fatores de vulnerabilidade e risco e para a promoção e o fortalecimento dos fatores de proteção. Art. 19. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas devem observar os seguintes princípios e diretrizes: I - o reconhecimento do uso indevido de drogas como fator de interferência na qualidade de vida do indivíduo e na sua relação com a comunidade à qual pertence; II - a adoção de conceitos objetivos e de fundamentação científica como forma de orientar as ações dos serviços públicos comunitários e privados e de evitar preconceitos e estigmatização das pessoas e dos serviços que as atendam; III - o fortalecimento da autonomia e da responsabilidade individual em relação ao uso indevido de drogas; IV - o compartilhamento de responsabilidades e a colaboração mútua com as instituições do setor privado e com os diversos segmentos sociais, incluindo usuários e dependentes de drogas e respectivos familiares, por meio do estabelecimento de parcerias; V - a adoção de estratégias preventivas diferenciadas e adequadas às especificidades socioculturais das diversas populações, bem como das diferentes drogas utilizadas; VI - o reconhecimento do “não-uso”, do “retardamento do uso” e da redução de riscos como resultados desejáveis das atividades de natureza preventiva, quando da definição dos objetivos a serem alcançados; VII - o tratamento especial dirigido às parcelas mais vulneráveis da população, levando em consideração as suas necessidades específicas; VIII - a articulação entre os serviços e organizações que atuam em atividades de prevenção do uso indevido de drogas e a rede de atenção a usuários e dependentes de drogas e respectivos familiares; IX - o investimento em alternativas esportivas, culturais, artísticas, profissionais, entre outras, como forma de inclusão social e de melhoria da qualidade de vida; X - o estabelecimento de políticas de formação continuada na área da prevenção do uso indevido de drogas para profissionais de educação nos 3 (três) níveis de ensino; XI - a implantação de projetos pedagógicos de prevenção do uso indevido de drogas, nas instituições de ensino público e privado, alinhados às Diretrizes Curriculares Nacionais e aos conhecimentos relacionados a drogas; XII - a observância das orientações e normas emanadas do Conad; 123 XIII - o alinhamento às diretrizes dos órgãos de controle social de políticas setoriais específicas. Parágrafo único. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas dirigidas à criança e ao adolescente deverão estar em consonância com as diretrizes emanadas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente Conanda. CAPÍTULO II DAS ATIVIDADES DE ATENÇÃO E DE REINSERÇÃO SOCIAL DE USUÁRIOS OU DEPENDENTES DE DROGAS Art. 20. Constituem atividades de atenção ao usuário e dependente de drogas e respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas que visem à melhoria da qualidade de vida e à redução dos riscos e dos danos associados ao uso de drogas. Art. 21. Constituem atividades de reinserção social do usuário ou do dependente de drogas e respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas direcionadas para sua integração ou reintegração em redes sociais. Art. 22. As atividades de atenção e as de reinserção social do usuário e do dependente de drogas e respectivos familiares devem observar os seguintes princípios e diretrizes: I - respeito ao usuário e ao dependente de drogas, independentemente de quaisquer condições, observados os direitos fundamentais da pessoa humana, os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde e da Política Nacional de Assistência Social; II - a adoção de estratégias diferenciadas de atenção e reinserção social do usuário e do dependente de drogas e respectivos familiares que considerem as suas peculiaridades socioculturais; III - definição de projeto terapêutico individualizado, orientado para a inclusão social e para a redução de riscos e de danos sociais e à saúde; IV - atenção ao usuário ou dependente de drogas e aos respectivos familiares, sempre que possível, de forma multidisciplinar e por equipes multiprofissionais; V - observância das orientações e normas emanadas do Conad; VI - o alinhamento às diretrizes dos órgãos de controle social de políticas setoriais específicas. Art. 23. As redes dos serviços de saúde da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios desenvolverão programas de atenção ao usuário e ao dependente de drogas, respeitadas as diretrizes do Ministério da Saúde e os princípios explicitados no art. 22 desta Lei, obrigatória a previsão orçamentária adequada. 124 Art. 24. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão conceder benefícios às instituições privadas que desenvolverem programas de reinserção no mercado de trabalho, do usuário e do dependente de drogas encaminhados por órgão oficial. Art. 25. As instituições da sociedade civil, sem fins lucrativos, com atuação nas áreas da atenção à saúde e da assistência social, que atendam usuários ou dependentes de drogas poderão receber recursos do Funad, condicionados à sua disponibilidade orçamentária e financeira. Art. 26. O usuário e o dependente de drogas que, em razão da prática de infração penal, estiverem cumprindo pena privativa de liberdade ou submetidos a medida de segurança, têm garantidos os serviços de atenção à sua saúde, definidos pelo respectivo sistema penitenciário. CAPÍTULO III DOS CRIMES E DAS PENAS Art. 27. As penas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo, ouvidos o Ministério Público e o defensor. Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. § 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. § 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses. § 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. § 5º A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, 125 preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas. § 6º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a: I - admoestação verbal; II - multa. § 7º O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado. Art. 29. Na imposição da medida educativa a que se refere o inciso II do § 6º do art. 28, o juiz, atendendo à reprovabilidade da conduta, fixará o número de dias-multa, em quantidade nunca inferior a 40 (quarenta) nem superior a 100 (cem), atribuindo depois a cada um, segundo a capacidade econômica do agente, o valor de um trinta avos até 3 (três) vezes o valor do maior salário mínimo. Parágrafo único. Os valores decorrentes da imposição da multa a que se refere o § 6º do art. 28 serão creditados à conta do Fundo Nacional Antidrogas. Art. 30. Prescrevem em 2 (dois) anos a imposição e a execução das penas, observado, no tocante à interrupção do prazo, o disposto nos arts. 107 e seguintes do Código Penal. TÍTULO IV DA REPRESSÃO À PRODUÇÃO NÃO AUTORIZADA E AO TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 31. É indispensável a licença prévia da autoridade competente para produzir, extrair, fabricar, transformar, preparar, possuir, manter em depósito, importar, exportar, reexportar, remeter, transportar, expor, oferecer, vender, comprar, trocar, ceder ou adquirir, para qualquer fim, drogas ou matéria-prima destinada à sua preparação, observadas as demais exigências legais. Art. 32. As plantações ilícitas serão imediatamente destruídas pelas autoridades de polícia judiciária, que recolherão quantidade suficiente para exame pericial, de tudo lavrando auto de levantamento das condições encontradas, com a delimitação do local, asseguradas as medidas necessárias para a preservação da prova. § 1º A destruição de drogas far-se-á por incineração, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, guardando- se as amostras necessárias à preservação da prova. § 2º A incineração prevista no § 1º deste artigo será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público, e executada pela autoridade de polícia judiciária competente, na presença de representante do Ministério Público e da autoridade 126 sanitária competente, mediante auto circunstanciado e após a perícia realizada no local da incineração. § 3º Em caso de ser utilizada a queimada para destruir a plantação, observar-se-á, além das cautelas necessárias à proteção ao meio ambiente, o disposto no Decreto nº 2.661, de 8 de julho de 1998, no que couber, dispensada a autorização prévia do órgão próprio do Sistema Nacional do Meio Ambiente - Sisnama. § 4º As glebas cultivadas com plantações ilícitas serão expropriadas, conforme o disposto no art. 243 da Constituição Federal, de acordo com a legislação em vigor. CAPÍTULO II DOS CRIMES Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas. § 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa. § 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28. 127 § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa. Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei. Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa. Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias multa. Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) dias-multa. Parágrafo único. O juiz comunicará a condenação ao Conselho Federal da categoria profissional a que pertença o agente. Art. 39. Conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da apreensão do veículo, cassação da habilitação respectiva ou proibição de obtê-la, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade aplicada, e pagamento de 200 (duzentos) a 400 (quatrocentos) dias-multa. 128 Parágrafo único. As penas de prisão e multa, aplicadas cumulativamente com as demais, serão de 4 (quatro) a 6 (seis) anos e de 400 (quatrocentos) a 600 (seiscentos) dias-multa, se o veículo referido no caput deste artigo for de transporte coletivo de passageiros. Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito; II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância; III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos; IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva; V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal; VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação; VII - o agente financiar ou custear a prática do crime. Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços. Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente. Art. 43. Na fixação da multa a que se referem os arts. 33 a 39 desta Lei, o juiz, atendendo ao que dispõe o art. 42 desta Lei, determinará o número de dias-multa, atribuindo a cada um, segundo as condições econômicas dos acusados, valor não inferior a um trinta avos nem superior a 5 (cinco) vezes o maior salário-mínimo. Parágrafo único. As multas, que em caso de concurso de crimes serão impostas sempre cumulativamente, podem ser aumentadas até o décuplo se, em virtude da 129 situação econômica do acusado, considerá-las o juiz ineficazes, ainda que aplicadas no máximo. Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos. Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico. Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único. Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado. Art. 46. As penas podem ser reduzidas de um terço a dois terços se, por força das circunstâncias previstas no art. 45 desta Lei, o agente não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Art. 47. Na sentença condenatória, o juiz, com base em avaliação que ateste a necessidade de encaminhamento do agente para tratamento, realizada por profissional de saúde com competência específica na forma da lei, determinará que a tal se proceda, observado o disposto no art. 26 desta Lei. CAPÍTULO III DO PROCEDIMENTO PENAL Art. 48. O procedimento relativo aos processos por crimes definidos neste Título rege-se pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal. § 1º O agente de qualquer das condutas previstas no art. 28 desta Lei, salvo se houver concurso com os crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, será processado e julgado na forma dos arts. 60 e seguintes da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais. 130 § 2º Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários. § 3º Se ausente a autoridade judicial, as providências previstas no § 2º deste artigo serão tomadas de imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar, vedada a detenção do agente. § 4º Concluídos os procedimentos de que trata o § 2º deste artigo, o agente será submetido a exame de corpo de delito, se o requerer ou se a autoridade de polícia judiciária entender conveniente, e em seguida liberado. § 5º Para os fins do disposto no art. 76 da Lei nº 9.099, de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena prevista no art. 28 desta Lei, a ser especificada na proposta. Art. 49. Tratando-se de condutas tipificadas nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei, o juiz, sempre que as circunstâncias o recomendem, empregará os instrumentos protetivos de colaboradores e testemunhas previstos na Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999. Seção I Da Investigação Art. 50. Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciária fará, imediatamente, comunicação ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto lavrado, do qual será dada vista ao órgão do Ministério Público, em 24 (vinte e quatro) horas. § 1º Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea. § 2º O perito que subscrever o laudo a que se refere o § 1º deste artigo não ficará impedido de participar da elaboração do laudo definitivo. Art. 51. O inquérito policial será concluído no prazo de 30 (trinta) dias, se o indiciado estiver preso, e de 90 (noventa) dias, quando solto. Parágrafo único. Os prazos a que se refere este artigo podem ser duplicados pelo juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade de polícia judiciária. Art. 52. Findos os prazos a que se refere o art. 51 desta Lei, a autoridade de polícia judiciária, remetendo os autos do inquérito ao juízo: 131 I - relatará sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as razões que a levaram à classificação do delito, indicando a quantidade e natureza da substância ou do produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes do agente; ou II - requererá sua devolução para a realização de diligências necessárias. Parágrafo único. A remessa dos autos far-se-á sem prejuízo de diligências complementares: I - necessárias ou úteis à plena elucidação do fato, cujo resultado deverá ser encaminhado ao juízo competente até 3 (três) dias antes da audiência de instrução e julgamento; II - necessárias ou úteis à indicação dos bens, direitos e valores de que seja titular o agente, ou que figurem em seu nome, cujo resultado deverá ser encaminhado ao juízo competente até 3 (três) dias antes da audiência de instrução e julgamento. Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios: I - a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes; II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível. Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores. Seção II Da Instrução Criminal Art. 54. Recebidos em juízo os autos do inquérito policial, de Comissão Parlamentar de Inquérito ou peças de informação, dar-se-á vista ao Ministério Público para, no prazo de 10 (dez) dias, adotar uma das seguintes providências: I - requerer o arquivamento; II - requisitar as diligências que entender necessárias; III - oferecer denúncia, arrolar até 5 (cinco) testemunhas e requerer as demais provas que entender pertinentes. 132 Art. 55. Oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. § 1º Na resposta, consistente em defesa preliminar e exceções, o acusado poderá arguir preliminares e invocar todas as razões de defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas que pretende produzir e, até o número de 5 (cinco), arrolar testemunhas. § 2º As exceções serão processadas em apartado, nos termos dos arts. 95 a 113 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal. § 3º Se a resposta não for apresentada no prazo, o juiz nomeará defensor para oferecê-la em 10 (dez) dias, concedendo-lhe vista dos autos no ato de nomeação. § 4º Apresentada a defesa, o juiz decidirá em 5 (cinco) dias. § 5º Se entender imprescindível, o juiz, no prazo máximo de 10 (dez) dias, determinará a apresentação do preso, realização de diligências, exames e perícias. Art. 56. Recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, ordenará a citação pessoal do acusado, a intimação do Ministério Público, do assistente, se for o caso, e requisitará os laudos periciais. § 1º Tratando-se de condutas tipificadas como infração do disposto nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei, o juiz, ao receber a denúncia, poderá decretar o afastamento cautelar do denunciado de suas atividades, se for funcionário público, comunicando ao órgão respectivo. § 2º A audiência a que se refere o caput deste artigo será realizada dentro dos 30 (trinta) dias seguintes ao recebimento da denúncia, salvo se determinada a realização de avaliação para atestar dependência de drogas, quando se realizará em 90 (noventa) dias. Art. 57. Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz. Parágrafo único. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante. Art. 58. Encerrados os debates, proferirá o juiz sentença de imediato, ou o fará em 10 (dez) dias, ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos. § 1º Ao proferir sentença, o juiz, não tendo havido controvérsia, no curso do processo, sobre a natureza ou quantidade da substância ou do produto, ou sobre a regularidade do respectivo laudo, determinará que se proceda na forma do art. 32, § 1º, desta Lei, preservando-se, para eventual contraprova, a fração que fixar. 133 § 2º Igual procedimento poderá adotar o juiz, em decisão motivada e, ouvido o Ministério Público, quando a quantidade ou valor da substância ou do produto o indicar, precedendo a medida a elaboração e juntada aos autos do laudo toxicológico. Art. 59. Nos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória. CAPÍTULO IV DA APREENSÃO, ARRECADAÇÃO E DESTINAÇÃO DE BENS DO ACUSADO Art. 60. O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade de polícia judiciária, ouvido o Ministério Público, havendo indícios suficientes, poderá decretar, no curso do inquérito ou da ação penal, a apreensão e outras medidas assecuratórias relacionadas aos bens móveis e imóveis ou valores consistentes em produtos dos crimes previstos nesta Lei, ou que constituam proveito auferido com sua prática, procedendo-se na forma dos arts. 125 a 144 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal. § 1º Decretadas quaisquer das medidas previstas neste artigo, o juiz facultará ao acusado que, no prazo de 5 (cinco) dias, apresente ou requeira a produção de provas acerca da origem lícita do produto, bem ou valor objeto da decisão. § 2º Provada a origem lícita do produto, bem ou valor, o juiz decidirá pela sua liberação. § 3º Nenhum pedido de restituição será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores. § 4º A ordem de apreensão ou sequestro de bens, direitos ou valores poderá ser suspensa pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata possa comprometer as investigações. Art. 61. Não havendo prejuízo para a produção da prova dos fatos e comprovado o interesse público ou social, ressalvado o disposto no art. 62 desta Lei, mediante autorização do juízo competente, ouvido o Ministério Público e cientificada a Senad, os bens apreendidos poderão ser utilizados pelos órgãos ou pelas entidades que atuam na prevenção do uso indevido, na atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e na repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse dessas atividades. Parágrafo único. Recaindo a autorização sobre veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de 134 registro e controle a expedição de certificado provisório de registro e licenciamento, em favor da instituição à qual tenha deferido o uso, ficando esta livre do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, até o trânsito em julgado da decisão que decretar o seu perdimento em favor da União. Art. 62. Os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, os maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei, após a sua regular apreensão, ficarão sob custódia da autoridade de polícia judiciária, excetuadas as armas, que serão recolhidas na forma de legislação específica. § 1º Comprovado o interesse público na utilização de qualquer dos bens mencionados neste artigo, a autoridade de polícia judiciária poderá deles fazer uso, sob sua responsabilidade e com o objetivo de sua conservação, mediante autorização judicial, ouvido o Ministério Público. § 2º Feita a apreensão a que se refere o caput deste artigo, e tendo recaído sobre dinheiro ou cheques emitidos como ordem de pagamento, a autoridade de polícia judiciária que presidir o inquérito deverá, de imediato, requerer ao juízo competente a intimação do Ministério Público. § 3º Intimado, o Ministério Público deverá requerer ao juízo, em caráter cautelar, a conversão do numerário apreendido em moeda nacional, se for o caso, a compensação dos cheques emitidos após a instrução do inquérito, com cópias autênticas dos respectivos títulos, e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial, juntando-se aos autos o recibo. § 4º Após a instauração da competente ação penal, o Ministério Público, mediante petição autônoma, requererá ao juízo competente que, em caráter cautelar, proceda à alienação dos bens apreendidos, excetuados aqueles que a União, por intermédio da Senad, indicar para serem colocados sob uso e custódia da autoridade de polícia judiciária, de órgãos de inteligência ou militares, envolvidos nas ações de prevenção ao uso indevido de drogas e operações de repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse dessas atividades. § 5º Excluídos os bens que se houver indicado para os fins previstos no § 4º deste artigo, o requerimento de alienação deverá conter a relação de todos os demais bens apreendidos, com a descrição e a especificação de cada um deles, e informações sobre quem os tem sob custódia e o local onde se encontram. § 6º Requerida a alienação dos bens, a respectiva petição será autuada em apartado, cujos autos terão tramitação autônoma em relação aos da ação penal principal. § 7º Autuado o requerimento de alienação, os autos serão conclusos ao juiz, que, verificada a presença de nexo de instrumentalidade entre o delito e os objetos utilizados para a sua prática e risco de perda de valor econômico pelo decurso do tempo, determinará a avaliação dos bens relacionados, cientificará a Senad e 135 intimará a União, o Ministério Público e o interessado, este, se for o caso, por edital com prazo de 5 (cinco) dias. § 8º Feita a avaliação e dirimidas eventuais divergências sobre o respectivo laudo, o juiz, por sentença, homologará o valor atribuído aos bens e determinará sejam alienados em leilão. § 9º Realizado o leilão, permanecerá depositada em conta judicial a quantia apurada, até o final da ação penal respectiva, quando será transferida ao Funad, juntamente com os valores de que trata o § 3º deste artigo. § 10. Terão apenas efeito devolutivo os recursos interpostos contra as decisões proferidas no curso do procedimento previsto neste artigo. § 11. Quanto aos bens indicados na forma do § 4º deste artigo, recaindo a autorização sobre veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de certificado provisório de registro e licenciamento, em favor da autoridade de polícia judiciária ou órgão aos quais tenha deferido o uso, ficando estes livres do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, até o trânsito em julgado da decisão que decretar o seu perdimento em favor da União. Art. 63. Ao proferir a sentença de mérito, o juiz decidirá sobre o perdimento do produto, bem ou valor apreendido, sequestrado ou declarado indisponível. § 1º Os valores apreendidos em decorrência dos crimes tipificados nesta Lei e que não forem objeto de tutela cautelar, após decretado o seu perdimento em favor da União, serão revertidos diretamente ao Funad. § 2º Compete à Senad a alienação dos bens apreendidos e não leiloados em caráter cautelar, cujo perdimento já tenha sido decretado em favor da União. § 3º A Senad poderá firmar convênios de cooperação, a fim de dar imediato cumprimento ao estabelecido no § 2º deste artigo. § 4º Transitada em julgado a sentença condenatória, o juiz do processo, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, remeterá à Senad relação dos bens, direitos e valores declarados perdidos em favor da União, indicando, quanto aos bens, o local em que se encontram e a entidade ou o órgão em cujo poder estejam, para os fins de sua destinação nos termos da legislação vigente. Art. 64. A União, por intermédio da Senad, poderá firmar convênio com os Estados, com o Distrito Federal e com organismos orientados para a prevenção do uso indevido de drogas, a atenção e a reinserção social de usuários ou dependentes e a atuação na repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, com vistas na liberação de equipamentos e de recursos por ela arrecadados, para a implantação e execução de programas relacionados à questão das drogas. 136 TÍTULO V DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL Art. 65. De conformidade com os princípios da não-intervenção em assuntos internos, da igualdade jurídica e do respeito à integridade territorial dos Estados e às leis e aos regulamentos nacionais em vigor, e observado o espírito das Convenções das Nações Unidas e outros instrumentos jurídicos internacionais relacionados à questão das drogas, de que o Brasil é parte, o governo brasileiro prestará, quando solicitado, cooperação a outros países e organismos internacionais e, quando necessário, deles solicitará a colaboração, nas áreas de: I - intercâmbio de informações sobre legislações, experiências, projetos e programas voltados para atividades de prevenção do uso indevido, de atenção e de reinserção social de usuários e dependentes de drogas; II - intercâmbio de inteligência policial sobre produção e tráfico de drogas e delitos conexos, em especial o tráfico de armas, a lavagem de dinheiro e o desvio de precursores químicos; III - intercâmbio de informações policiais e judiciais sobre produtores e traficantes de drogas e seus precursores químicos. TÍTULO VI DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS Art. 66. Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada aterminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998. Art. 67. A liberação dos recursos previstos na Lei nº 7.560, de 19 de dezembro de 1986, em favor de Estados e do Distrito Federal, dependerá de sua adesão e respeito às diretrizes básicas contidas nos convênios firmados e do fornecimento de dados necessários à atualização do sistema previsto no art. 17 desta Lei, pelas respectivas polícias judiciárias. Art. 68. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar estímulos fiscais e outros, destinados às pessoas físicas e jurídicas que colaborem na prevenção do uso indevido de drogas, atenção e reinserção social de usuários e dependentes e na repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas. Art. 69. No caso de falência ou liquidação extrajudicial de empresas ou estabelecimentos hospitalares, de pesquisa, de ensino, ou congêneres, assim como nos serviços de saúde que produzirem, venderem, adquirirem, consumirem, 137 prescreverem ou fornecerem drogas ou de qualquer outro em que existam essas substâncias ou produtos, incumbe ao juízo perante o qual tramite o feito: I - determinar, imediatamente à ciência da falência ou liquidação, sejam lacradas suas instalações; II - ordenar à autoridade sanitária competente a urgente adoção das medidas necessárias ao recebimento e guarda, em depósito, das drogas arrecadadas; III - dar ciência ao órgão do Ministério Público, para acompanhar o feito. § 1º Da licitação para alienação de substâncias ou produtos não proscritos referidos no inciso II do caput deste artigo, só podem participar pessoas jurídicas regularmente habilitadas na área de saúde ou de pesquisa científica que comprovem a destinação lícita a ser dada ao produto a ser arrematado. § 2º Ressalvada a hipótese de que trata o § 3º deste artigo, o produto não arrematado será, ato contínuo à hasta pública, destruído pela autoridade sanitária, na presença dos Conselhos Estaduais sobre Drogas e do Ministério Público. § 3º Figurando entre o praceado e não arrematadas especialidades farmacêuticas em condições de emprego terapêutico, ficarão elas depositadas sob a guarda do Ministério da Saúde, que as destinará à rede pública de saúde. Art. 70. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, se caracterizado ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal. Parágrafo único. Os crimes praticados nos Municípios que não sejam sede de vara federal serão processados e julgados na vara federal da circunscrição respectiva. Art. 71. (VETADO) Art. 72. Sempre que conveniente ou necessário, o juiz, de ofício, mediante representação da autoridade de polícia judiciária, ou a requerimento do Ministério Público, determinará que se proceda, nos limites de sua jurisdição e na forma prevista no § 1º do art. 32 desta Lei, à destruição de drogas em processos já encerrados. Art. 73. A União poderá celebrar convênios com os Estados visando à prevenção e repressão do tráfico ilícito e do uso indevido de drogas. Art. 74. Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após a sua publicação. Art. 75. Revogam-se a Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976, e a Lei nº 10.409, de 11 de janeiro de 2002. Brasília, 23 de agosto de 2006. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA 138 RESOLUÇÃO - RDC Nº 29, DE 30 DE JUNHO DE 2011 Dispõe sobre os requisitos de segurança sanitária para o funcionamento de instituições que prestem serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas. A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no uso da atribuição que lhe confere o inciso IV do art. 11, do Regulamento aprovado pelo Decreto nº. 3.029, de 16 de abril de 1999, e tendo em vista o disposto no inciso II e nos § § 1º e 3º do art. 54 do Regimento Interno nos termos do Anexo I da Portaria nº. 354 da Anvisa, de 11 de agosto de 2006, republicada no DOU de 21 de agosto de 2006, em reunião realizada em 30 de junho de 2011, adota a seguinte Resolução da Diretoria Colegiada e eu, Diretor-Presidente, determino a sua publicação: CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES INICIAIS Seção I Objetivo Art. 1º Ficam aprovados os requisitos de segurança sanitária para o funcionamento de instituições que prestem serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas (SPA), em regime de residência. Parágrafo único. O principal instrumento terapêutico a ser utilizado para o tratamento das pessoas com transtornos decorrentes de uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas deverá ser a convivência entre os pares, nos termos desta Resolução. Seção II Abrangência Art. 2º Esta Resolução se aplica a todas as instituições de que trata o art. 1º, sejam urbanas ou rurais, públicas, privadas, comunitárias, confessionais ou filantrópicas. Parágrafo único. As instituições que, em suas dependências, ofereçam serviços assistenciais de saúde ou executem procedimentos de natureza clínica distintos dos previstos nesta Resolução deverão observar, cumulativamente às disposições trazidas por esta Resolução as normas sanitárias relativas a estabelecimentos de saúde. 139 CAPÍTULO II DA ORGANIZAÇÃO DO SERVIÇO Seção I Condições Organizacionais Art. 3º As instituições objeto desta Resolução devem possuir licença atualizada de acordo com a legislação sanitária local, afixada em local visível ao público. Art. 4º As instituições devem possuir documento atualizado que descreva suas finalidades e atividades administrativas, técnicas e assistenciais. Art. 5º As instituições abrangidas por esta Resolução deverão manter responsável técnico de nível superior legalmente habilitado, bem como um substituto com a mesma qualificação. Art. 6º As instituições devem possuir profissional que responda pelas questões operacionais durante o seu período de funcionamento, podendo ser o próprio responsável técnico ou pessoa designada para tal fim. Art. 7º Cada residente das instituições abrangidas por esta Resolução deverá possuir ficha individual em que se registre periodicamente o atendimento dispensado, bem como as eventuais intercorrências clínicas observadas. §1º. As fichas individuais que trata o caput deste artigo devem contemplar itens como: I - horário do despertar; II - atividade física e desportiva; III - atividade lúdico-terapêutica variada; IV - atendimento em grupo e individual; V - atividade que promova o conhecimento sobre a dependência de substâncias psicoativas; VI - atividade que promova o desenvolvimento interior; VII - registro de atendimento médico, quando houver; VIII - atendimento em grupo coordenado por membro da equipe; IX - participação na rotina de limpeza, organização, cozinha, horta, e outros; 140 X - atividades de estudos para alfabetização e profissionalização; XI -atendimento à família durante o período de tratamento. XII - tempo previsto de permanência do residente na instituição; e XIII - atividades visando à reinserção social do residente. §2º. As informações constantes nas fichas individuais devem permanecer acessíveis ao residente e aos seus responsáveis. Art. 8º As instituições devem possuir mecanismos de encaminhamento à rede de saúde dos residentes que apresentarem intercorrências clínicas decorrentes ou associadas ao uso ou privação de SPA, como também para os casos em que apresentarem outros agravos à saúde. Seção II Gestão de Pessoal Art. 9º As instituições devem manter recursos humanos em período integral, em número compatível com as atividades desenvolvidas. Art. 10. As instituições devem proporcionar ações de capacitação à equipe, mantendo o registro. Seção III Gestão de Infraestrutura Art. 11. As instalações prediais devem estar regularizadas perante o Poder Público local. Art. 12. As instituições devem manter as instalações físicas dos ambientes externos e internos em boas condições de conservação, segurança, organização, conforto e limpeza. Art. 13. As instituições devem garantir a qualidade da água para o seu funcionamento, caso não disponham de abastecimento público. Art. 14. As instituições devem possuir os seguintes ambientes: I- Alojamento a) Quarto coletivo com acomodações individuais e espaço para guarda de roupas e de pertences com dimensionamento compatível com o número de residentes e com área que permita livre circulação; e 141 b) Banheiro para residentes dotado de bacia, lavatório e chuveiro com dimensionamento compatível com o número de residentes; II- Setor de reabilitação e convivência: a) Sala de atendimento individual; b) Sala de atendimento coletivo; c) Área para realização de oficinas de trabalho; d) Área para realização de atividades laborais; e e) Área para prática de atividades desportivas; III- Setor administrativo: a) Sala de acolhimento de residentes, familiares e visitantes; b) Sala administrativa; c) Área para arquivo das fichas dos residentes; e d) Sanitários para funcionários (ambos os sexos); IV- Setor de apoio logístico: a) cozinha coletiva; b) refeitório; c) lavanderia coletiva; d) almoxarifado; e) Área para depósito de material de limpeza; e f) Área para abrigo de resíduos sólidos. § 1º Os ambientes de reabilitação e convivência de que trata o inciso II deste artigo podem ser compartilhados para as diversas atividades e usos. § 2º Deverão ser adotadas medidas que promovam a acessibilidade a portadores de necessidades especiais. 142 Art. 15. Todas as portas dos ambientes de uso dos residentes devem ser instaladas com travamento simples, sem o uso de trancas ou chaves. CAPÍTULO III DO PROCESSO ASSISTENCIAL Seção I Processos Operacionais Assistenciais Art. 16. A admissão será feita mediante prévia avaliação diagnóstica, cujos dados deverão constar na ficha do residente. Parágrafo único. Fica vedada a admissão de pessoas cuja situação requeira a prestação de serviços de saúde não disponibilizados pela instituição. Art. 17. Cabe ao responsável técnico da instituição a responsabilidade pelos medicamentos em uso pelos residentes, sendo vedado o estoque de medicamentos sem prescrição médica. Art. 18. As instituições devem explicitar em suas normas e rotinas o tempo máximo de permanência do residente na instituição. Art. 19. No processo de admissão do residente, as instituições devem garantir: I - respeito à pessoa e à família, independente da etnia, credo religioso, ideologia, nacionalidade, orientação sexual, antecedentes criminais ou situação financeira; II -orientação clara ao usuário e seu responsável sobre as normas e rotinas da instituição, incluindo critérios relativos a visitas e comunicação com familiares e amigos, devendo a pessoa a ser admitida declarar por escrito sua concordância, mesmo em caso de mandado judicial; III - a permanência voluntária; IV - a possibilidade de interromper o tratamento a qualquer momento, resguardadas as exceções de risco imediato de vida para si e ou para terceiros ou de intoxicação por substâncias psicoativas, avaliadas e documentadas por profissional médico; V -o sigilo segundo normas éticas e legais, incluindo o anonimato; e VI - a divulgação de informação a respeito da pessoa, imagem ou outra modalidade de exposição somente se ocorrer previamente autorização, por escrito, pela pessoa ou seu responsável. 143 Art. 20. Durante a permanência do residente, as instituições devem garantir: I -o cuidado com o bem estar físico e psíquico da pessoa, proporcionando um ambiente livre de SPA e violência; II - a observância do direito à cidadania do residente; III - alimentação nutritiva, cuidados de higiene e alojamentos adequados; IV - a proibição de castigos físicos, psíquicos ou morais; e V - a manutenção de tratamento de saúde do residente; Art. 21. As instituições devem definir e adotar critérios quanto a: I - Alta terapêutica; II - Desistência (alta a pedido); III - Desligamento (alta administrativa); IV - Desligamento em caso de mandado judicial; e V - Evasão (fuga). Parágrafo único. As instituições devem registrar na ficha individual do residente e comunicar a família ou responsável qualquer umas das ocorrências acima. Art. 22. As instituições devem indicar os serviços de atenção integral à saúde disponíveis para os residentes, sejam eles públicos ou privados. CAPÍTULO IV DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS Art. 23. As instituições de que trata a presente Resolução terão o prazo de 12 (doze) meses para promover as adequações necessárias ao seu cumprimento. Art. 24. O descumprimento das disposições contidas nesta Resolução constitui infração sanitária, nos termos da Lei nº. 6.437, de 20 de agosto de 1977, sem prejuízo das responsabilidades civil, administrativa e penal cabíveis. Art. 25. Fica revogada a Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA - RDC nº 101, de 31 de maio de 2001. Art. 26. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. DIRCEU BRÁS APARECIDO BARBANO