Entre a reprodução e a reflexão: esboços acerca da educação

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Entre a reprodução e a reflexão: esboços acerca da educação
Daniela Alves Cunha1
Resumo: O presente trabalho busca iniciar uma discussão, calcada em uma revisão
bibliográfica, acerca do espaço educacional enquanto um campo de reprodução das
relações estabelecidas na sociedade na qual se insere, tendo como uma de suas
características a ausência de protagonismo dos alunos. Em oposição à esta perspectiva é
feita, ainda, uma breve análise da potencial capacidade de transformação social contida
nas práticas educacionais, sendo elas voltadas a um processo de aprendizagem reflexivo,
com vistas à formação política dos alunos. Vale ressaltar que esta segunda perspectiva
encontra como fundamento legal o texto do artigo 205 da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 que direciona a educação, dentre outros aspectos, para o
preparo ao exercício da cidadania.
Palavras-chave: Educação, Reprodução, Reflexão.
Abstract: This paper seeks to initiate a discussion, based on a literature review about the
educational space as a field of reproduction of the relations established in the society in
which it occurs, having as one of his lack of leadership characteristics of students. In
opposition to this view is made even a brief analysis of the potential ability of social
transformation contained in educational practices, which were directed to a process of
reflective learning, with a view to the political education of students. It is noteworthy
that this second perspective is as a legal basis the text of Article 205 of the Constitution
of the Federative Republic of Brazil in 1988 that directs the education, among other
things, to prepare the exercise of citizenship.
Keywords: Education, Play, Reflection.
Introdução
1
Acadêmica da pós-graduação lato sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior da Universidade
Estadual de Montes Claros.
Inicialmente, é importante demarcar que as discussões que seguem têm como
foco a apresentação de duas perspectivas concernentes à educação que se apresentam
como
opostas.
Contudo,
estudos
demonstram
que
existem
três
tendências
preponderantes no que concerne à relação existente entre educação e sociedade.
Recorrendo à Luckesi (1990) as encontramos: educação como redenção, educação como
reprodução e educação como um meio de transformação da sociedade.
A primeira tendência, fundamentada em uma base teórica positivista, entende
a educação como meio pelo qual o indivíduo será adequado a dinâmica societária. Em
outros termos: o sujeito é o alvo das mudanças e não a sociedade.
Na segunda tendência é apresentada uma postura crítica da educação diante
da realidade posta, ou seja, as mazelas sociais são percebidas. Todavia, a escola assume
uma postura fatalista e reprodutora perante a dinâmica social na qual está inserida.
Por fim, a terceira tendência aponta a educação como mediação de um
determinado projeto social. Assim, rompe com o determinismo presente na tendência
reprodutora. Nota-se, desta forma, que a educação entendida enquanto meio de
transformação societária vai ao encontro da prerrogativa legal, presente na Constituição
Federal de 1988, de qualificação para o exercício da cidadania.
O espelho da sociedade
Vista sob os preceitos da perspectiva reprodutora a educação é percebida
enquanto um instrumento de perpetuação da lógica societária vigente, ou seja,
configura-se em um reflexo das relações estabelecidas na sociedade na qual se insere,
bem como de seus valores e determinantes, sejam eles políticos, econômicos ou sociais
(LUCKESI, 1990). Desta forma, pode-se dizer que o espaço educacional constitui-se em
lócus propício à disseminação e manutenção da ideologia estatal.
Cabe perguntar-se, portanto, quais as principais características da ideologia
capitalista, sociedade da qual se fala e na se insere, as quais a escola/educação atua como
mecanismo perpetuador.
Conforme Lia Zanotta Machado,
a característica formal do sistema escolar comum às formações
capitalistas centrais e periféricas é a de se construir tendencialmente
como uma ‘escola única’, nos seus dois sentidos: seus diferentes
níveis são contínuos e é uma só, aberta a todos indivíduos. Esta
escola supõe que cidadãos iguais só não atingem os graus elevados de
ensino por incapacidade ou impossibilidade individual (MACHADO,
1983, p. 44).
Diante do exposto, depreende-se que a lógica norteadora da educação
inserida em sociedades capitalistas reproduz a idéia da meritocracia, segundo a qual cada
indivíduo tem acesso ao que lhe é merecido, sem que a estratificação social e
desigualdade de oportunidades objetivas, inerentes à sociedade em questão sejam
consideradas. Ou seja, o individuo é levado a se culpabilizar por seu fracasso (ou
sucesso), distanciando-se assim, de um exercício reflexivo acerca dos determinantes
macroestruturais que condicionam a vida em sociedade.
Nesta esteira,
não é possível tratar satisfatoriamente os problemas educacionais sem
fazer consideração acerca de sua historicidade e vinculação com
fenômenos sociais mais amplos. As instituições pedagógicas são
antes de mais nada instituições sociais. Cada sociedade é levada a
construir o sistema pedagógico mais conveniente às suas
necessidades materiais, as suas concepções de homem e à vontade de
preservá-las. Ou, talvez, o sistema mais conveniente à reprodução das
relações de poder que se manifestam em seu seio” (GIL, 1997, p. 24).
Desta forma, considerando as necessidades materiais da sociedade capitalista,
é possível encontrar processos formativos, inclusive de nível superior, que se voltam
exclusivamente para a formação técnica em detrimento do desenvolvimento do potencial
reflexivo dos alunos.
Silva & Ide, apresentam quatro modelos de universidades categorizados por
Wolff (1993). No quarto modelo elencado, o ambiente universitário aparece como uma
espécie de linha de montagem de trabalhadores funcionais ao sistema que possuem como
principal característica a ausência de uma postura questionadora (SILVA; IDE, 2009).
Assim, o aluno se torna passivo diante do processo ensino-aprendizagem sendo
considerado como mero depositário da transmissão do saber e é preparado técnica e
ideologicamente para se colocar a serviço da reprodução de uma sociedade de classes.
É importante salientar, que não se pretende destituir a importância da
formação técnica, o que se destaca é o risco presente ao realizá-la em detrimento de uma
formação crítica com vistas a uma prática social consciente voltada à coletividade.
Vale ressaltar que esta postura vem ao encontro da manutenção das relações
de poder. A este respeito, Carlos Rodrigues Brandão assevera que a educação pode ser
“[...] imposta por um sistema centralizado de poder, que usa o saber e o controle sobre o
saber como armas que reforçam a desigualdade entre os homens, na divisão dos bens, do
trabalho, dos direitos e dos símbolos” (BRANDÃO, 2007, p. 10). Esta é uma face da
relação entre educação e poder, na qual a crítica é negada e a dominação passa a ser
legitimada, impedindo, ou ao menos dificultando, o desabrochar do indivíduo enquanto
sujeito político e consciente que se porta como autor da construção (e reconstrução) de
sua sociedade.
Por conseguinte, pode-se inferir que a educação empreendida em uma
perspectiva reprodutivista contribui para a perpetuação das desigualdades sociais,
relegando a cidadania a um plano secundário na agenda política/governamental e se
colocando a serviço da violação de direitos e da segregação social que avança contra a
dignidade da pessoa humana.
Rompendo com o determinismo
Entender a educação sob um prisma reflexivo e, por conseguinte,
transformador nos remete à sua estreita relação com a filosofia. Isso, pois, a prática
filosófica possibilita um questionamento acerca da realidade posta, buscando construir
um entendimento organizado e coerente a seu respeito. E é justamente baseado neste
conhecimento que a possibilidade de agir em direção à mudança surge.
Assim, fica delimitado que a tendência que percebe a educação como
transformação da sociedade, ao considerar os aspectos políticos, econômicos e sociais e,
a partir deles, caminhar rumo à alteração da lógica social vigente rompe com o
determinismo fatalista presente na tendência reprodutora (LUCKESI, 1990). A escola se
desvincula de suas características tradicionais, rígidas e conservadoras e, ao centrar o
ensino no aluno, pode contribuir para que ele se habitue a duvidar do que está enraizado
e a problematizar a sua realidade, alcançando certo amadurecimento em princípios como
cidadania e democracia. Neste ínterim, é possível afiançar que o ato de ensinar passa a
ser enriquecido por um aspecto político (GIL, 1997).
No bojo desta tendência, o aluno assume as características atribuídas ao
sujeito político.
Homem político é aquele que tem consciência histórica. Sabe dos
problemas e busca soluções. Não aceita ser objeto. Quer comandar
seu próprio destino. E amanhece o horizonte dos direitos, contra o
dado e contra a imposição. Ator, e não expectador. Criativo, não
produto (DEMO, 2001, p. 17).
Pode-se dizer, então, que homem político é aquele que reflete, indaga e que
objetiva; é quem contribui para o fortalecimento da democracia, sendo ela entendida
como o espaço das dúvidas e do embate de idéias. É quem se estabelece como sujeito de
sua própria educação e não como objeto dela (FREIRE, 1979).
Ao estimular nos educandos a indagação diante da realidade da qual fazem
parte e ao contribuir para que a posição de sujeito passivo seja transposta a educação
acena para um preceito legal presente na Constituição Federal de 1988.
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988, Art.
205).
Desta forma, a educação funcionará como um instrumento privilegiado de
educação para os direitos e poderá constituir-se em mola propulsora de modificações na
sociedade capitalista tendo como norte a qualidade de vida da população de maneira
geral. Efetivando um dos fundamentos da República Federativa do Brasil que é a
dignidade da pessoa humana. Como afirma Simon Schwartzman (2007, p. 02), “quando
a população é pouco educada, a riqueza que um país produz tende a se concentrar em
poucas mãos; quando a população é educada, a riqueza é mais compartida, e a sociedade
mais igualitária”.
Nesta perspectiva, caminhará nos rumos do fortalecimento da real liberdade
dos indivíduos, que demanda a existência de condições concretas de escolha e, ainda, a
extinção de uma postura alienada perante a realidade vivida.
Considerações Finais
O presente artigo não teve a pretensão de esgotar a discussão acerca das
tendências norteadoras da relação existente entre educação e sociedade. Ao contrário,
este texto constitui-se apenas em caracterizações e reflexões gerais concernentes ao
assunto, que poderão impulsionar e nortear estudos vindouros. O que se pretende deixar
claro são as possibilidades contidas na educação com relação à sociedade da qual faz
parte, neste caso específico a perspectiva reprodutora e a transformadora.
Claro está que a educação pode funcionar tanto como mecanismo de
legitimação da ordem social vigente, perpetuando as mazelas e benefícios nela
existentes, como instrumento de reação contra a mesma. Uma vez que, possibilita a
emancipação de sujeitos, encorajando-os a se envolverem nas relações que estabelecem
socialmente de forma mais autônoma, crítica e consciente.
Corroborando da idéia apresentada por Brandão (2007), pode-se asseverar
que a educação é um dos mecanismos que contribui para a emergência de burocratas ou
guerreiros. Burocratas úteis à manutenção do status quo e guerreiros que poderão seguir
rumo à justiça social e à liberdade, contribuindo para o rompimento das amarras da
desigualdade e exclusão.
Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Educação? Educações: aprender com o índio. In:
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 2007,
p.7-12.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Câmara dos
Deputados, Edições Câmara, 2009.
DEMO, Pedro. Pobreza Política: Polêmicas do nosso tempo. 6.ed. Campinas, SP:
Autores Associados, 2001.
FREIRE, Paulo. A educação e o processo de mudança social. In: FREIRE, Paulo.
Educação e Mudança. 30. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. p. 27-41.
GIL, Antônio Carlos. O compromisso Social do Professor. In: GIL, Antônio Carlos
Gomes. Metodologia do Ensino Superior. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 24-32.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Educação e sociedade: redenção, reprodução e
transformação. In: Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1990. p. 37-52.
MACHADO, Lia Zanotta. Ideologia: das idéias à aparência. In: MACHADO, Lia
Zanotta. Estado, escola e ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 11-43.
MACHADO, Lia Zanotta. Escola Capitalista e Estado. In: MACHADO, Lia Zanotta.
Estado, escola e ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 44-91.
SCHWARTZMAN, Simon. Por uma nova política de educação superior para o Brasil.
Disponível em: http://www.schwartzman.org.br/simon/poledsup.pdf. Acesso em:
10/06/2012.
SILVA, Márcio Antônio; IDE, Maria Helena de Souza. A universidade no Brasil:
modelos, desafios e perspectivas. In: SILVA, Márcio Antônio; IDE, Maria Helena de
Souza (org.). Ensino Superior no Brasil: história, saberes e fazeres. Montes Claros:
Unimontes, 2009. p.9-34.
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