I — A CONDUTIBILIDADE COMO FENÓMENO DE TRANSPORTE NA FASE LÍQUIDA A condutibilidade iónica é um dos vários parâmetros translacionais que podem usar-se para caracterizar o movimento molecular num sistema líquido. Como tal, figuram também, entre outros, a viscosidade, as condubitilidades térmica e acústica e o coeficiente de difusão, para citar só os que têm sido mais intensamente estudados. CONDUTIBILIDADE IONICA. REVISÃO DOS MODELOS E DA SUA APLICAÇÃO F. BARREIRA Núcleo de Química-Fisica Comissão de Estudos de Energia Nuclear (1. A. C.) Faculdade de Ciências Lisboa Consideram-se os trés modelos principais utilizados para a descrição da condutibilidade iónica — o hidrodinâmico, o ciné.ico e o estatístico. Analisam-se os fundamentos de cada um e discute-se a respectiva aplicação, em particular no que respeita à variação da condutibilidade com a concentração. Discute-se ainda a possibilidade da sua verificação experimental. Rev. Port. Quico.. 8. 19, (1966) A condutibilidade iónica destaca-se pelo facto de poder ser avaliada experimentalmente com muito maior precisão, traduzindo assim melhor as particularidades do processo translacional, o que é extremamente importante quando se pretendem sujeitar os modelos propostos à verificação experimental. Cite-se já como desvantagem a circunstância de a condutibilidade iónica, tal como é determinada experimentalmente, reflectir o comportamento do complexo ião-solvente, em lugar do comportamento do solvente puro. Só quando se encontram eliminados todos os efeitos devidos às substâncias iónicas dissolvidas é possível utilizar este parâmetro na descrição das propriedades intrínsecas do solvente. Por isso, no estudo da condutibilidade iónica, se distinguem dois aspectos que, formalmente pelo menos, têm sido tratados separadamente. Têm sido estudadas as consequências da presença dos iões na solução, a qual dá origem à formação do complexo ião-solvente e a acções interiónicas, que é necessário eliminar para que possa ser considerado o aspecto essencial do problema que consiste na tentativa de exprimir a condutibilidade iónica em termos de parâmetros característicos do dissolvente. Este objectivo enquadra-se no plano mais geral da tradução do mecanismo dos fenómenos de transporte, em função das características fundamentais dos líquidos em que se processam. Ao contrário dos outros fenómenos de transporte, atrás mencionados, esse objectivo só pode, no caso particular da condutibilidade, ser conseguido desde que se extrapolem para diluição infinita os resultados obtidos com as soluções em estudo, onde os efeitos ião-solvente e interiónicos estão sempre presentes. Para tal, é necessário estar na posse de meios que permitam realizar essa extrapolação, ou seja, do conhecimento da lei que rege a variação da condutibilidade com a concentração. 19 F. BARREIRA 2 — VARIAÇÃO DA CONDUTIBILIDADE COM A CONCENTRAÇÃO A primeira tentativa feita no sentido de traduzir quantitativamente a variação da condutibilidade equivalente com a concentração deve-se a ARRHENIUS (1), que propôs um método para a determinação do grau de dissociação baseado na equação, bem conhecida, = A Ao ARRHENIUS admitia implicitamente que o aumento verificado na condutibilidade equivalente, quando a concentração diminui, estava condicionado iìnicamente ao aumento do número de iões, em conformidade com a variação do grau de dissociação. A aceitação desta equação implica automaticamente a aceitação da hipótese de as mobilidades iónicas não se alterarem quando a concentração se modifica, o que corresponde à ausência de quaisquer efeitos de carácter interiónico. As ideias simplificadas de ARRHENIUS tiveram de ser abandonadas na medida em que a experiência mostrou que a condutibilidade equivalente aumentava quando a concentração diminuía, mesmo em circunstância tais que o grau de dissociação não pudesse deixar de ser tomado como igual à unidade ( 1 ). Fica assim provada a necessidade de serem considerados efeitos interiónicos, dependentes da concentração. Todas as teorias propostas até hoje para a análise quantitativa destes efeitos têm como base a apresentada por ONSAGER (3) que, pela primeira vez, tomou em consideração as consequências dos efeitos interiónicos, agrupando-os em duas categorias: o efeito electroforético e o efeito de relaxação. No efeito electroforético juntam-se todos os fenómenos que resultam do facto de os iões se moverem em meio viscoso e, portanto, arrastarem consigo parte da solução existente na sua vizinhança. Consequentemente, os iões vizinhos têm os seus movimentos, num solvente não estacionário, mas que se move no mesmo sentido ou em sentido oposto, consoante os sinais das respectivas cargas. Este efeito é claramente dependente da concentração, atenuando-se quando a concentração diminui. Para o seu cálculo é necessário utilizar funções de distribuição, visto estarem envolvidas distâncias entre iões. No desenvolvimento quantitativo da teoria de ONSAGER recorreu-se à distribuição de Boltzman, o que, aliás, foi mantido nos ajustamentos posteriores. No efeito de relaxação agrupam-se, por seu turno, as acções que resultam da alteração provocada no arranjo dos iões (com simetria esférica) em consequência da aplicação do campo eléctrico. A dissimetria criada exerce nos iões uma força em direcção oposta à que resulta do campo eléctrico aplicado, tendo como consequência directa a diminuição da mobilidade. Assim, de acordo com estas ideias, a velocidade dos iões numa solução de concentração não nula resultará de quatro tipos de acções: i) ii) iii) iv) Acção do campo eléctrico aplicado Resultado do movimento dos iões num meio viscoso Resultante do efeito electroforético Resultante do efeito de relaxação. As duas primeiras estão presentes numa solução infinitamente diluída, que pode ser visualizada como constituída por um único ião contido em quantidade infinita de solvente. Os dois últimos grupos de acções só existem em soluções de concentração não nula. Podemos, pois, decompor a condutibilidade iónica equivalente em três parcelas: x = x o — >r — ^rt onde X. se refere à condutibilidade equivalente limite para diluição infinita, englobando as acções (i) e (ii). x r ao efeito electroforético e x 11 ao efeito de relaxação. As parcelas x l e x 11 são, evidentemente, subtractivas na medida em que os efeitos que lhes correspondem aparecem como reacção ao movimento dos iões provocado pela acção do campo eléctrico aplicado. A independência dos efeitos está implícita na forma corno se escreveu a expressão anterior, havendo correspondência entre os termos e os efeitos e ausência de qualquer termo que corresponda à combinação de efeitos. Este critério tem sido repetidamente utilizado, porquanto a consideração de acções múltiplas conduz a a expressões extremamente complicadas e de difícil manejo para comparação com os dados experimentais, ( 1) A dificuldade na utilização de expressões mais rigorosas, em certos problemas de aplicação, está bem patente no recurso que ainda hoje se faz à equação de Arrhenius para a determinação do grau de dissociação quando se não pretende rigor muito elevado. Num trabalho recente (2), a equação de Arrhenius foi utilizada para a verificação da lei seguida na dissociação do ácido pícrico. Rev. Port. Quím., 8, 19, (1966) 20 ^,^..,.,^.^^... CONDUTIBILIDADE TÓNICA sendo muito pequeno, por outro lado, o aumento de No caso dos electrólitos uni-univalentes, O e a têm os precisão obtido na descrição do fenómeno em causa. valores, respectivamente, de: De resto, há necessidade de introduzir muitas outras aproximações para a realização do cálculo, as quais 8,204 x 10 582,46 e= — ultrapassam em grandeza as que se referem á supressão (D T) 3 / 2 ^1(DT)li2 das acções múltiplas. Na resolução do problema tal como ele se encontra Esta expressão, tal corno foi deduzida, contém as seformulado, trata-se, por agora, de avaliar as parcelas guintes limitações: subtractivas a l e A„ a juntar à condutibilidade equivalente a diluição infinita, para se obter o seu valor (i) Desprezou-se a acção do efeito de relaxação sobre numa solução de concentração não nula. o efeito electroforético. No cálculo do efeito elecNão há aparentemente necessidade, nesta fase, de fazer troforético considerou-se só a acção do campo qualquer escolha relativamente aos modelos a que reeléctrico externo, desprezando-se o campo eléctrico, corremos para a descrição da condutibilidade equivadevido ao efeito de relaxação, que, de resto, se lente limite, ou seja da parcela A o . sabe ser muito menos importante. Acontece, porém, que no cálculo do efeito electrofo(ii) Aceitou-se que o electrólito está totalmente dissorético se admite que a equação de Stokes é aplicável, ciado, o que só é rigorosamente válido para eleco que corresponde a aceitar um modelo hidrodinâmico, trólitos fortes em solução diluída. ou seja um modelo segundo o qual o ião se move num (iii) Fez-se intervir a distribuição de Holtzman para os meio contínuo onde o movimento browniano não iniões, mas no cálculo só foi considerado o primeiro tervém. Esta aceitação implica já urna tornada de potermo do desenvolvimento em série da exponensição relativamente ao modelo que virá servir para cial. A convergência da série só é satisfatória para descrever a condutibilidade equivalente em diluição inelectrólitos uni-univalentes em dissolventes de elefinita, ou seja para o cálculo de A. em função de parâvada constante dieléctrica. metros primários característicos. Concluiremos mais (iv) Toma-se o produto xa como suficientemente peadiante pela inadequacidade de tal modelo para a interqueno para poder ser desprezado em presença da pretação de A ° , mas teremos de o utilizar como o único unidade. Isto só é válido para soluções muito dipraticável para a descrição dos efeitos electroforético luídas (rigorosamente a diluição infinita) ou para e de relaxação. O recurso a ele e às suas consequências iões pontuais. tem-se mantido sempre que se trate de traduzir quantitativamente os efeitos da concentração na condutibiNo caso de electrólitos uni-univalentes, esta última é a lidade equivalente ou em grandezas dela derivadas ( 1 ). aproximação mais importante. Na água um cálculo Note-se desde já que o modelo hidrodinâmico, apesar simples permite estabelecer o limite da sua validade: de urna formulação não aceitável, conduz a resultados que são aproximadamente válidos. _ _ /4 r8ó I 0,3 x 108 V I cm' (a 25°C) O cálculo das parcelas a l e A 11 , nesta base, dá, segundo T x ` k o método proposto por ONSAGER e Fuoss (4) e recorrendo a certas aproximações, os seguintes resultados: Tomando para valor médio do diâmetro iónico 3-5 x x 10 -8 cm, fàcilmente se vê que o produto xa é apro1 F 2 I z Í zl z2 eo qx e 1. 11 --1`o ximadamente igual à raiz quadrada da força iónica. N 3DkT 1+1/q— Se a força iónica for igual a 10 -3 , o produto xa toma um valor próximo de 0,03. Quando se despreza, em 1 01 + 1`02 face da unidade, comete-se um erro de cerca de 3 %, com q = z1 I+ I z2I I z2 I A01 + z l I 02 que é muito superior ao erro que afecta as determinações experimentais. A concentração l0 -3 moles dm -3 , como x é proporcional a ✓c , fàcilmente se obtém, por conveniente agrupamento dos termos, a equação: (I) Referir-nos-emos mais adiante a um tratamento do problema, I ; I ^I ), = ao — (9 A. Rev. Port. Quírn., 8, 19, (1966) I + a) ✓C ) que, embora utilizando o formalismo do modelo do estado de transição, faz também depender a condutibilidade da viscosidade. 21 F BARREIRA para elctrólitos uni-univalentes, constitui o limite superior para a validade da equação deduzida, no caso da água, a 25°C. No caso de valências mais elevadas, o ajustamento é ainda mais difícil, como se vê fácilmente pela expressão da força iónica. A exaustiva verificação experimental da validade da equação obtida a partir da teoria de Onsager tem sido praticada, especialmente em soluções aquosas, e mostrou que, nas condições em que foi estabelecida a equação, é válida. Já KOHLRAUSCH havia obtido empiricamente urna equação da mesma forma, sem, no entanto, ter podido prever o valor dos coeficientes do termo independente e do termo em c 1 / 2 . Para soluções mais concentradas, dado que esta equação não é válida, e para resolver o problema do cálculo da condutibilidade equivalente a diluição infinita (que é a grandeza fundamental) têm sido propostas várias equações com base mais ou menos empírica. Dentre elas, e como exemplo, citamos a de SHEDLOVSKY (5). O método de determinação de A. implica o cálculo da quantidade _ a+aVc 1 —e e que varia linearmente com a concentração. A extrapolação para c=o fornece a° . Esta equação é aplicável para concentrações até 0,! M. O método de extrapolação corresponde a escrever a = a° — (0).° + a) e 112 — Bc — O B c 3 / 2 ou seja a introduzir, de forma empírica, termos em ce e 312 . A constância do coeficiente B pode ser justificada em termos da teoria completa e resulta de consequências fortuitas de valores numéricos particulares. A simples necessidade de se recorrer a equações empíricas mostra bem até que ponto se devem limitar as aproximações a introduzir na dedução das equações que traduzem a variação da condutibilidade equivalente com a concentração. Com fundamento teórico, foram propostas outras expressões, de que se destaca a de FALKENHAGEN (6) a=a gi (6a° + a) c 112 +aBa+ea+ 1,707 a0 aBe)c- - 2,707 a B O a e 312 onde aparece já explicitamente o parâmetro a, diâmetro médio dos iões. 22 Houve uma alteração importante em relação ao tratamento de Onsager e Fuoss. Passou-se de um modelo em que o ião (em solução concentrada) é tomado como pontual para outro em que é agora considerado como uma esfera rígida, com dimensões. Por outro lado, foi tido em conta o campo eléctrico devido à relaxação, no cálculo do efeito electroforético. Fuoss e ONSAGER (7) retomaram o assunto da variação da condutibilidade com a concentração, retendo, nos desenvolvimentos em série, termos de ordem superior a c 112 e considerando o ião com dimensões. Obtiveram a expressão a=a° — (6a„+a) c 112 + Jc+Ec log c onde J é função do parâmetro a. Voltaram, recentemente (8), a preocupar-se com este problema, utilizando forma diferente para a expressão das forças totais dirigidas que actuam nos iões, o que lhes permitiu fazer a respectiva integração com o factor de Boltzman em forma exponencial, obtendo, por fim, a equação: a =).° —(6 a)c112+E'cln(aE'c) +Lc onde L é função do parâmetro a. Os outros coeficientes podem calcular-se a partir de características do solvente (D e 1), da temperatura e de constantes universais. A verificação experimental mostrou que o parâmetro a varia com D, o que carece de sentido. A utilização do modelo hidrodinâmico manteve-se em todas estas tentativas e nenhum outro tratamento frutífero é conhecido em que um modelo diferente tenha sido empregado. O não conhecimento a priori do valor do parâmetro a traz como consequência que ele tenha de ser determinado ao mesmo tempo que se faz o cálculo de ).°. A grandeza A. é a que tem real importância nos estudos fundamentais da condutibilidade. Em soluções aquosas não é possível trabalhar com concentrações muito baixas, dada a elevada condutibilidade específica do solvente, e por isso falham as equações em que o produto xa foi desprezado em comparação com a unidade. Nos dissolventes orgânicos, com pequenas condutibilidades específicas, é possível fazer estudos com soluções mais diluídas, nas quais a aproximação é válida (desde que a constante dieléctrica não seja muito baixa). Verifica-se que a condutibilidade varia com a raiz quadrada da concentração, segundo uma lei linear, válida Rev. Port. Qulm., 8, 19, (1966) CONDUTIBILIDADE IÓNICA dentro do rigor experimental; simplesmente os coeficientes da recta não coincidem, em geral, com os previstos pela teoria (9). isto pode atribuir-se ao facto de se formarem pares de iões que não são operantes do ponto de vista da condutibilidade. ,'n dificuldade resolve-se, fàcilmente, introduzindo o grau de dissociação e trabalhando com a expressão ao — (9 a o + a) ✓ « c Fuoss (10) e SHEDLOVSKY (11) forneceram métodos para o cálculo de A., através desta equação. Discutidas as possibilidades de estabelecimento dos termos AI e A1I e as limitações associadas, podemos voltar ao termo mais importante A o (que traduz a condutibilidade liberta dos efeitos interiónicos) e procurar exprimi-lo em função de parâmetros característicos do sistema. Com o arranjo dos termos, obtém-se: IzIF2 , ao = X 1 6rNr que traduz a regra de Walden, obtida por este autor, como conclusão empírica, em 1906. A verificação experimental da constância do produto i. o que contém em si a essência da validade do modelo hidrodinâmico foi ensaiada inúmeras vezes nos mais distintos sistemas. Com iões de dimensões elevadas e em soluções de dissolventes orgânicos, a constância do produto 71 A0 verifica -se só aproximadamente. Observa-se muitas vezes o aparecimento de um máximo, quando se estuda a variação deste produto com a temperatura, tal como acontece no exemplo da fig. 1. A. 1) o 3 — MODELO HIDRODINÂMICO C 5 H 5 NO, 0.590 O modelo mais simples a que pode recorrer-se é o modelo hidrodinâmico, que foi repetidamente empregado no cálculo dos efeitos interiónicos. Nele se assemelham os iões a esferas rígidas que se movem em meio contínuo, viscoso e dieléctrico. Por acção do campo eléctrico aplicado, as esferas são aceleradas até se atingir o equilíbrio com a resistência oferecida ao movimento pelo meio viscoso. Admite-se que no solvente não há movimentos próprios, nomeadamente que não existe movimento browniano. Nestas condições, aplicando a lei de Stokes, obtém-se fàcilmente, para a mobilidade de iões ta= IzIeU 6r.r,r usando a relação a o = Fµ vem: , z IF2 = ór,rrN onde a condutibilidade aparece explicitamente como uma grandeza dependente da viscosidade do meio. Rev. Port. Qutm., 8. 19, (1966) 0,570 H2 0 ^ CH 3 C0CH 3 0,550 0 20 40 60 80 100 t °C Fig. I — Variação com a temperatura do produto de Walden, para o picrato de tetraetilamónio, em acetona, água e nitrobenzeno. Em solução aquosa, teremos para iões de grandes dimensões, como os do exemplo escolhido, um comportamento semelhante, mas em iões de dimensões muito menores a constância desaparece de forma quase completa, notando-se uma tendência para aumentar o produto 71 ao com a temperatura. As experiências recentes feitas com solventes de alta viscosidade (misturas de cianoetilsacarose e etanonitrilo) revelam a forte dependência do produto de Walden da viscosidade, a qual foi interpretada como sendo devida ao facto de a resistência ao movimento iónico ser muito inferior à prevista pelo modelo hidrodinâmico (12). 23 F. BARREIRA A constância aproximada do produto de Walden, que nalguns casos se verifica, não é altamente significativa, porquanto os raios iónicos deduzidos da equação fundamental do modelo hidrodinâmico são muito diferentes dos raios cristalográficos. A tentativa de sobrevivência do modelo fez com que fossem propostas uma série de relações empíricas com o fim de se obter melhor concordância entre a teoria e a prática. Dentre eles citam-se a de ROBINSON e STOKES (13): X°71 1 z F2 • 6 Nr (f = f (r)) e as propostas por SUTRA (14), DARMOIS (15) e PRUE (16), que usam diferentes funções do raio, partindo da hipótese da formação de complexos semipermanentes entre os iões e o solvente. As características destes complexos dependem das dimensões relativas dos iões e das moléculas do dissolvente. Fuoss admitiu que a não verificação da constância do produto de Walden se devia ao facto de as propriedades microscópicas locais do solvente serem diferentes das propriedades macroscópicas médias. Introduziu um efeito de relaxação devido à orientação dos dipolos do solvente, o qual seria dependente da constante dieléctrica. Este é o aperfeiçoamento mais fundamentado que foi introduzido no modelo hidrodinâmico. A expressão final a que chegou, em substituição do produto de Walden, é: r = r B D -1 onde r representa o raio do ião, num meio de constante dieléctrica infinita, onde os efeitos electrostáticos estão ausentes. Estas dificuldades reflectem perfeitamente a falta de realismo do modelo que faz depender a condutibilidade da viscosidade do meio. O solvente não pode ser tomado como contínuo nem o movimento como regular. Os iões são constituintes menores de um arranjo molecular com movimentos próprios a que se sobrepõe (às d.d.p. a que se trabalha) uma acção orientadora que provoca um deslocamento das cargas eléctricas. A descrição realista de um tal sistema apresenta grandes dificuldades. Propriedades muito mais simples, relacionadas com fenómenos de equilíbrio nas fases condensadas, não puderam ainda ser formuladas de maneira . 24 satisfatória, em face do actual conhecimento das propriedades microscópicas locais dos líquidos, o que leva a não abandonar totalmente o modelo hidrodinâmico e a ele se terá de recorrer para interpretar uma série de efeitos, como acontece, nomeadamente, com os efeitos interiónicos. 4 — MODELOS CINÉTICO E ESTATISTICO Nenhum dos modelos a que a seguir nos vamos referir, embora baseados numa formulação mais correcta, atingiu o desenvolvimento suficiente para poder servir de base ao estudo de relações quantitativas dos efeitos interiónicos. Se bem que certo progresso tenha sido realizado recentemente, no sentido da verificação experimental dos modelos mais perfeitos, registam-se, no entanto, dificuldades que se cifram no facto de as equações derivadas conterem quantidades que não podem ser determinadas independentemente, tornando a verificação directa impossível. Até hoje, a única atitude praticável, no sentido de uma verificação experimental, tem consistido em provocar a variação de parâmetros externos ao sistema e observar os efeitos desta variação sobre a condutibilidade equivalente a diluição infinita, deduzindo daí quantidades derivadas cuja análise se pode fazer em termos de propriedades intrínsecas do solvente. Um dos modelos que envolvem uma descrição mais correcta dos fenómenos de transporte em fase líquida é o que se baseia na aplicação da teoria absoluta das velocidades de reacção. O movimento browniano é encarado como a resultante de uma série de transições entre diferentes posições na estrutura líquida, passando-se em cada uma dessas transições por estados activados. Admite-se que os líquidos contêm lacunas de tamanho molecular e que uma molécula, ao deslocar-se para ocupar uma dessas lacunas, adquire propriedades análogas às de uma molécula gasosa ( 1 ). A acção do campo eléctrico consiste simplesmente numa sobreposição orientadora ao movimento browniano, que tem como resultado o movimento dos iões na direcção do campo eléctrico. As primeiras tentativas neste sentido foram feitas por LINDEMANN (18) e MAGNUS (19), logo após o apareci( 1 ) Daqui as tentativas no sentido de relacionar, de forma simples, a energia de activação com o calor de vaporização do solvente. Rev. Port. Quím., 8, 19, (1966) CONDUTIBILIDADE IÓNICA mento da teoria cinética dos líquidos, mas as relações quantitativas então obtidas não se ajustam às observações experimentais. Devem-se a POLISSAR (20) e a EYRING (21) os tratamentos correctos, segundo este modelo, que permitiram obter expressões válidas no sentido da tradução da condutibilidade iónica em termos de grandeza mais fundamentais. A equação básica é: a„ = I z eo FL2 6 h A Gó e R onde 0 G: representa a energia livre de activação do processo translacional e é medida pela diferença de energias livres entre o estado inicial e o estado de transição. O parâmetro L representa a deslocação sofrida pelo ião entre duas posições sucessivas. A validade desta equação depende de dois factores: i) A correcção do factor de frequência aplicado ao fl uido denso ii) A aplicação da termodinâmica de equilíbrio à energia de activação. Deve assinalar-se uma extensão dos resultados deste modelo a soluções de concentração não nula devida a PODOLSKY (22), que tratou em conjunto os problemas da viscosidade, difusão e condutibilidade iónica, admitindo que a energia livre de activação é a mesma para os três processos. Ao considerar o efeito da presença dos iões na solução, recorreu à equação semiempírica de Jones e Dole: = ^1 (1 + A ✓ B c), retendo selmente o termo em c, que corresponde às interacções ião-molécula, e desprezando o termo em c 1 / 2 , que diz respeito às acções interiónicas. No desenvolvimento do cálculo desaparece a concentração, dado que só foi considerado o termo em c, e assim não é possível recorrer a este tratamento do problema para traduzir a variação da condutibilidade com a concentração. De resto, a utilização da equação semiempírica de Jones e Dole não está suficientemente fundamentada. A hipótese da igualdade das energias de activação para os três processos translacionais cria uma interdependência entre a condutibilidade e a visRev. Port. Qufm., 8, 19, (1966) cosidade, de que já enfermava formalmente o modelo hidrodinâmico. Recentemente, a escola de KIRKWOOD (23) publicou uma série de trabalhos que têm como objectivo fornecer um tratamento estatístico do movimento molecular e da migração iónica. Consideram que a energia eléctrica é dissipada em colisões entre elementos rígidos e em interacções elásticas. As primeiras são características das massas em colisão e as segundas das interacções entre as esferas em movimento e os seus vizinhos. A relação final obtida tem a forma eo F ao 8 (-2nmmlkT1 — N a g (a) m + m1 3 - , ,. I diâmetro da colisão de um ião e uma molécula m — massa do ião m 1 — massa da molécula g(a) — função de correlação No denominador o primeiro termo diz respeito às colisões entre elementos rígidos e o ; representa um coeficiente de fricção que intervém em correspondência com as interacções elásticas e que pode ser calculado pelas expressões: / 4 nm1c 3 p mt 21 _ S o s p m1 ^ 72 V (R) g(R) dR onde pm 1 é a densidade mássica do fluido, c a velocidade do som no fluido. V(R) é o potencial do par intermolecular e g (R) a equação de correlação. A noção básica deste modelo consiste no facto de os iões praticarem choques rígidos com as moléculas e depois destes choques seguirem uma trajectória determinada por um campo de forças rapidamente flutuante em que intervêm todas as moléculas vizinhas. O campo relaxa num intervalo de tempo pequeno comparado com o intervalo entre duas colisões e a trajectória dos iões é tomada como quase aleatória. Em resumo, é possível dispor de três tipos de modelos para a descrição da condutibilidade equivalente. O modelo hidrodinâmico, cuja estruturação se pode considerar defeituosa em face dos actuais conhecimentos das propriedades do estado líquido, mas que não pode ser fàcilmente abandonado, por ser de todos o mais 25 F. BARREIRA manejável e se prestar para o tratamento do efeito interiónico. No outro extremo figura o modelo estatístico, onde se fazem intervir particularidades microscópicas do sistema, mas no qual a análise quantitativa fica dependente de vários parâmetros que se não conhecem senão, quando muito, de forma aproximada e cujo cálculo, para a maior parte dos sistemas, não é possível. Em situação intermediária aparece o modelo cinético, fundamentado nos princípios da teoria cinética dos líquidos e na teoria das velocidades absolutas de reacção, que tão frutuosos resultados têm dado no tratamento de muitos outros problemas. Presta-se este modelo, em particular, para a determinação de parâmetros fundamentais característicos dos líquidcs, quando se estudam as variações sofridas pela condutibilidade, em função da alteração de parâmetros exteriores ao sistema, nomeadamente a pressão e a temperatura. Assim, as energias de activação a pressão constante e volume constante, que são definidas pelas relações: d ^ Ep=RT' lni.° dT O In -- ° dT ^ ^p podem, em face da equação fundamental do modelo cinético, ser interpretadas em termos de parâmetros mais fundamentais. Para isso há que fazer hipóteses quanto aos valores do parâmetro L, que nos é desconhecido. BRUMMER e HtLLS (24), para resolver esta dificuldade, admitiram que L era proporcional à potência 1 /3 do volume especifico do líquido; com esta hipótese as derivadas podem ser calculadas e tem-se: E„= A Uõ Paralelamente, a variação da condutibilidade equivalente com a pressão permite calcular o volume de activação, que é dado por d^ A V*= Gó d P T Da equação fundamental tira -se fàcilmente: JV*=— RTLI d dP ° )T + d 3 Todas estas quantidades podem ser calculadas a partir de dados obtidos com soluções de concentração não nula, quer dizer, sem se terem eliminado os efeitos interiónicos. Para estudar a variação destas grandezas com a concentração, teremos de recorrer, de novo, ao modelo hidrodinâmico, através da equação de Onsager. Aplicando-a, obtém-se, por exemplo, para a energia de activação a pressão constante: (E ) I (E ) RT2 RT'- ï.° 1 L RT=^ 1I (dk) dT p (com k = 8 k° + k ^ vc c a) k para soluções diluídas pode desprezar-se — c em presença de ✓c e obtém-se assim uma variação linear de E com v'c . De forma análoga se estabelecia a variação com a concentração das duas outras grandezas derivadas. Ep=OHó+—RT2« 3 E p — E„ (Is + P) 0 V *+ 3 RT2 a Este resultado põe em evidência a diferença entre as energias de activação a pressão constante e volume constante e que a segunda é uma quantidade muito mais simples que a primeira. As reacções a volume constante na fase líquida são as mais importantes, visto a energia da fase condensada ser função das distâncias intermoleculares. 26 BIBLIOGRAFIA Arrhenius, S. A., Z. Physik. Chem., I, 631 (1887). Norberg, K., Acta Chim. 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Their fundaments are discussed and also their usefulness on the study of the concentration effect upon conductivity. The accuracy and the experimental test of the three models are examined. 27 i