CORPORAÇÕES NA IDADE MÉDIA: MELHORA DO

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CORPORAÇÕES NA IDADE MÉDIA:
MELHORA DO ATENDIMENTO MÉDICO
Desde a baixa Idade Média, existiam organizações dedicadas à
guarda e proteção dos interesses de grupo de trabalhadores
especializados.
Em Valenciennes, floresceu entre 1050-1070, tinha uma
característica predominantemente laica, enquanto que a de
Saint-Omer, ativa entre 1072-1080, era de natureza
eclesiástica. Algumas delas já apresentavam estrutura
administrativa: o órgão de decisão (capitulum), o líder
(décani) e a sede (Guildhus).
As corporações, confrarias e irmandades ofereciam novo tipo de
proteção aos membros, sob a presença dos santos mais
importantes ou ligados à tradição religiosa da região. A
próspera corporação de lanifício de Florença, com cerca de
vinte mil operários e duzentas oficinas, pode representar
muito bem esse interesse eclesiástico: a sede dessa rica
corporação, o Palácio da Lã, se ligava por meio de uma ponte
com a Igreja Orsanmichele.
A inserção das corporações, confrarias e irmandades surgiram
fortalecidas em regras protecionistas de solidariedade mútua
econômica e social articulada à hierarquia religiosa e laica.
A Igreja se manteve muito próxima dessa nova construção social
e estimulou novas alianças, especialmente, com a Confraria dos
Cirurgiões, já que o êxito do projeto de melhorar a
assistência médica dependia dos cirurgiões-barbeiros.
É importante relembrar que o aparecimento desse personagem
complexo, o cirurgião-barbeiro, ocorreu consequente da
resposta social à interdição intolerante da Igreja à dissecção
do corpo morto, obrigando o fim de estudo da anatomia e
fechamento das escolas de Medicina. Como resultado, os
cirurgiões ficaram cada vez mais escassos até o completo
desaparecimento na primeira metade do século 9.
O aumento da circulação de moeda e do comércio pode ter
contribuído para forçar, por parte da população mais
organizada, o preenchimento do espaço vazio, antes dos antigos
cirurgiões desaparecidos. Pode ter sido por aí que as normas
das corporações, confrarias e irmandades, respeitando-se as
diferenças estruturantes, buscaram outras formas de amparo aos
membros e às famílias.
A maior parte daquelas instituições possuía hospital próprio,
como o da rica Confraria de São Leonardo, em Viterbo, Itália,
no século 12, capaz de prestar vários tipos de atendimento e
amparo à viuvez e aos órfãos.
A ética cristã baseada na caridade, que valorizou a exaustão a
recompensa pessoal após a morte e da obediência aos dogmas
eclesiásticos, abandonou os cuidados com a saúde pública, a
higiene pessoal, redes de abastecimento de água potável,
escoamento dos esgotos e o pagamento pelo serviço profissional
médico.
Por essas razões, a maior parte das populações da Europa
medieval sofreu na pele o descaso pelas normas essenciais para
preservar a saúde coletiva: as cidades eram aglomerações
humanas desordenadas, em torno de suntuosas catedrais góticas,
sem água potável, esgotos sanitários e habitações inadequadas,
onde, de tempos em tempos, grassavam epidemias de várias
doenças infecto-contagiosas, que matavam freqüentemente
milhares de pessoas em poucas semanas.
Também como resistência ao descaso com a saúde pública e à
corrupção tanto laica quanto religiosa, as regras das
corporações, confrarias e irmandades reforçavam ajudas mútuas
entre os membros e as famílias. Um dos exemplos marcantes foi
o estatuto da corporação dos curtidores de couro branco, em
Londres, em 1346, rezando no primeiro artigo: o bem-estar de
membros era o objetivo maior.
CARIDADE CRISTÃ E A PRÁTICA
MÉDICA
A laicidade da caridade, reafirmando as diretrizes neo
testamentárias, compondo Deus que perdoa e sublima o confronto
e o contrário, diferente Daquele do Velho Testamento, tem sido
reconhecida como um dos mais importantes instrumentos teóricos
da cristianização, identificado na afirmação de François-René
Chateaubriand: ?A caridade, virtude absolutamente cristã e
desconhecida dos antigos, nasceu com Jesus Cristo; é essa a
virtude que distingue o homem dos outros mortais e foi o selo
de renovação da natureza humana?.
Próximo desse conjunto teórico-sacro se destacam as
corporações, confrarias e irmandades que ofereciam cuidados
médicos diferenciados e amparavam setores específicos de
trabalhadoras e as famílias, em várias cidades do medievo
europeu, entre os séculos 14 e 15. Outra vez, a plasticidade
da Igreja conseguiu manter a presença nessa reconstrução das
práticas médicas e das profissões mais rentáveis e com clara
importância social no medievo europeu.
As decisões do Concílio de Trento, entre 1545 e 1563,
colocando a Igreja em sintonia com os Estados fortes, para
superar o avanço das idéias luteranas, também ampararam estão
amalgamadas nessa ética médica cristianizada que motivou os
primeiros hospitais também sob a guarda da caridade. Os
poderosos das cortes doavam somas vultosas para facilitar o
acesso ao perdão dos pecados, sendo uma das opções essas
construções insalubres para receberem doentes de todas as
naturezas, levados pelas famílias que não os desejavam por
perto, e sob a assistência dos abnegados religiosos sem
preparo médico, morriam rapidamente.
De certa forma, o Concílio de Trento moldou as bases na
caridade laicizada, como a unção dos enfermos, sacramento e o
reconhecimento de leigos na graça santificante. Graças a esse
concílio, a autorização eclesiástica foi formalizada para os
que exercitassem a caridade cristã, teriam a garantia do
acesso ao Reino de Deus. Os homens e as mulheres ricas
encontraram na abertura conciliar a argumentação para
justificar a postura de amparo aos enfermos e necessitados com
a recompensa da ida para o paraíso após a morte.
Esse pressuposto oferecia a quem fizesse caridade a plácida
sensação de estar garantindo a entrada no Reino, sem falar no
agradecimento recebido pelo poder temporal, interessado em
repassar as tensões sociais agravadas pela peste, fome e
miséria, que flagelavam a vida dos podres, a maior parte da
população.
A intensificação da caridade como instrumento de controle
social conseguiu atenuar o brutal contraste entre os poucos
com muito dinheiro com a maioria esmagadora sem nada. Essa
última parcela, homens e mulheres sem senhor, constituíam as
hordas de mendigos migrantes entre os burgos, que assaltavam e
matavam os que viajavam sem a proteção dos cavaleiros dos
senhores feudais.
As corporações, confrarias e irmandades, inclusive a Confraria
dos Cirurgiões, sob a proteção de São Cosme e São Damião,
fundada pelo cirurgião-barbeiro Jean Pitart, representou parte
da resistência dos que continuavam na miséria absoluta na alta
Idade Média.
O aperfeiçoamento desse processo de resistência contribuiu
para o surgimento dos grupos de proteção mútua, nos moldes da
?compagnia? fundada em Gênova em 1099 e financiada pelos
marítimos. As corporações, confrarias e irmandades amparavam
as famílias, construíram estruturas arejadas para tratar os
doentes, financiavam os enterramentos dos mortos e protegiam
as viúvas e os órfãos.
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